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Lucília M Nunes
Instituto Politécnico de Setúbal
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All content following this page was uploaded by Lucília M Nunes on 05 May 2014.
Lucília Nunes
I. DA DEONTOLOGIA
A moral é atravessada pela norma – se tem «lei, «regra», é desta esfera; parâmetros que
indicam o que se pode ou não pode fazer. Naturalmente, não há regras para tudo... ou
melhor, apesar das normas existentes (jurídicas, morais...) muitas vezes ficamos na dúvida
sobre como agir recta e correctamente. Isso porque ou não existem normas que se
apliquem concretamente, ou não as conhecemos ou não as sabemos interpretar bem.
Na vida do dia a dia, debatemo-nos frequentemente com problemas que carecem que
formulemos juízo ou, se preferirem, julgamento moral e para os quais pode não existir
uma norma concreta. Felizmente, diria. Até porque a realidade não se amansa nem se
aquieta sob as regras.
O acto que realizamos, consciente e voluntário, supõe a participação livre de quem age – e
quando se adere às normas, é, ainda assim, da liberdade de cada um escolher seguir a
regra. Uma convicção íntima ou pessoal há-de presidir aos nossos actos, diremos assim,
até porque não poderia tratar-se de uma adopção mecânica, impessoal, ou de uma
imposição das normas.
Todos os códigos (de direito civil, de direito penal, de direito canónico, de trânsito,
deontológico), ditam normas que prescrevem deveres, estabelecem regras que devem ser
obedecidas. Estes códigos têm todos, em comum, uma origem – lugar e data, além dos
autores – e fundamento ético. A sua génese, na organização social e política, tem um
sentido próprio. E, fundamentalmente, delimitam, configuram.
Foi Jeremy Bentham que usou, pela primeira vez, a palavra «deontologia», no título de um
tratado de moral publicado postumamente em 1834: Deontology or the scíence of
morality. Etimologicamente, é o discurso ou tratado acerca daquilo que se deve fazer.
1Publicado em Revista da Ordem dos Enfermeiros, nº 31, dezembro 2008, p. 35-47. ISSN 1646-2629.
http://www.ordemenfermeiros.pt/comunicacao/Revistas/ROE_31_Dezembro_2008.pdf
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Assim, a deontologia toma como objecto do seu discurso o "a-fazer", aquilo que, por
dever, se nos impõe como tarefa indeclinável, quer enquanto projecto, quer enquanto
realização concreta.
Em formato simples, a deontologia é o estudo ou tratado dos deveres, próprios de uma
determinada situação social, no nosso caso, profissional. Compreensivelmente, pressupõe
uma teoria geral da acção humana, isto é, uma ética geral e uma teoria especial de acordo
com a(s) tarefa(s) humana(s) em questão. Associando as duas ideias, podemos seguir a
concepção de que a Deontologia Profissional seja «o conjunto de normas jurídicas, cuja
maioria tem conteúdo ético e que regulam o exercício de uma profissão»2.
De onde, uma deontologia profissional trata de garantir o bom exercício da profissão,
alicerçando-se, por um lado, nos princípios éticos e por outro na sua própria
regulamentação – ou seja, na auto-regulação que decorre da formulação e defesa de um
padrão de competência. Por isso a auto-regulação profissional tem sido perspectivada
como o sentido último da responsabilidade dos profissionais.
Notemos que o ético não é algo estranho a nós – envolve um juízo e determina, em si,
uma escolha, uma direcção para agir. E a escolha não é fruto da arbitrariedade, antes se
constituindo como expressão máxima de um conjunto de valores.
Se pensarmos que a deontologia visa disciplinar uma actividade profissional, estabelecer
regras direccionadas para a vivência profissional, o pressuposto é que a ética encerra em
si a ideia do valor pelo qual se age, e que é fundamental tanto do ponto de vista interno –
da concepção própria – como externo, na relação social e com o colectivo.
Fechamos mais o círculo, se quiserem, colocando a deontologia como dimensão ética
aplicada do agir profissional.
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Enfermagem é uma profissão que tem uma finalidade moral e ao enfermeiro é exigível
que regule a sua actividade por uma ética profissional. Vejamos que, de acordo com o
enquadramento conceptual, afirmamos que o exercício profissio al da e fer age
centra-se na relação interpessoal de um enfermeiro e uma pessoa ou de um enfermeiro e
um grupo de pessoas (família ou comunidades). 3
Partindo da premissa que quer o enfermeiro, quer as pessoas clientes dos cuidados de
enfermagem, possuem quadros de valores, crenças e desejos, decorre que o enfermeiro
se distingue pela formação e experiência – e, de modo central para o que aqui nos
interessa – por respeitar os outros numa perspectiva multicultural. Assim, evidencia-se o
princípio humanista de respeito integral pelas pessoas.
Mais afi a os ue a relação terapêutica promovida no âmbito do exercício profissional
de enfermagem caracteriza-se pela parceria estabelecida com o cliente, no respeito pelas
suas capacidades e na valorização do seu papel. Po isso afi a os ue os cuidados de
enfermagem tomam por foco de atenção a promoção dos projectos de saúde que cada
pessoa vive e persegue 4.
Posto isto, regressemos à demanda da finalidade. Quais os fins que a Enfermagem
persegue. O que queremos?
Com a pessoa, ao longo de todo o ciclo vital, (1) prevenir a doença e promover os
processos de readaptação ,(2) promover a satisfação das necessidades humanas
fundamentais e a máxima independência na realização das actividades da vida,
considerando a adaptação funcional aos défices e a adaptação a múltiplos fa to es 5
3 ORDEM DOS ENFERMEIROS, Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem. Lisboa: Ordem dos Enfermeiros, 2001.
4 Idem, p. 8.
5 Idem, p. 9
6 Cf. COMPARATO, Fábio Konder – Fundamento dos direitos humanos. Institutos de Estudos Avançados da
Universidade de S. Paulo. Disponível em http://www.iea.usp.br/artigos (20. Agosto, 17:50). Sd.
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(1) o sentido do começo de uma linha ou de uma estrada, o ponto de partida de um
movimento – físico ou intelectual;
(2) o elemento primeiro e imanente do futuro, ou seja, algo que evolui ou se
desenvolve – podem ser exemplo as fundações de uma casa;
(3) a causa primitiva e não imanente da geração ou de uma acção – portanto, os pais
em relação aos filhos ou um insulto em relação a um combate;
(4) a palavra «princípio» também se usa para designar a pessoa, cuja vontade é causa
de movimento ou de transformação
(5) e ainda, é princípio, numa demonstração lógica, as premissas em relação à
conclusão.
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Diria Protágoras que «o homem é a medida de todas as coisas». Afirmava Plotino que o
lugar do homem é entre os deuses e as feras. Sem dúvida que a especificidade da condição
humana se foi modificando, tendo, por isso mesmo, carácter histórico.
Digo hoje que uma das características essenciais do homem – e não estou a escamotear a
racionalidade – é a razão axiológica, ou seja, a nossa capacidade de apreciação de valores
(éticos, estéticos, religiosos, políticos...) e de livre escolha em relação a eles.
E se não é possível fundar a ética com recursos a princípios puramente formais, pois que o
suposto da ética é a Pessoa humana, na sua racionalidade e afectividade - pode fundar-se
nas preferências axiológicas.
O homem é um ser dotado de vontade, ou seja, da capacidade de agir livremente. E
voltamos a chegar a Kant, naturalmente, com o homem como fim em si mesmo. E ao
imperativo categórico que ouvimos já muitas vezes - age de odo a t ata a hu a idade,
ão só a tua pessoa as a de todos o o u fi e ja ais o o u eio .
Ponto assente, então.
Do ponto de vista filosófico, princípio remete-nos para o início, para a ausência de algo
anterior pois que ele mesmo inicia. Causa primeira, fundamento de que derivam outras
proposições, com nexo lógico, de consequência ou de relação subordinada.
Pensando numa teoria da acção, podemos assim retomar a ideia do «agir» em que
«agere» tanto significa comandar como desencadear um processo, imprimir um
movimento. O princípio instala-se como «o começo», inspirador e fundante do que se
sucede.
O princípio, na realidade, não obriga nem impõe – ou não fosse ele do domínio da ética.
Mas o princípio é gerador da norma, que enquanto enunciado de aplicação obrigatória, já
saiu da esfera da ética para a do direito.
Entendendo o princípio como requerido pela Ética, a norma como sendo do campo do
Direito, a sabedoria prática tem a ambição de conciliar ambos, em situação concreta,
singular, de conflito e incerteza.
Claramente, coloco aqui a concepção de Ricoeur, de que o horizonte é de procura de uma
vida boa, com e para com os outros, em instituições justas.
Assim, quem formula os princípios são as pessoas.
Na assunção de que se possa viver bem e uma vida boa.
A ideia directriz é que os princípios fundamentam os procedimentos e que estes viabilizam
a construção de uma sociedade livre e equitativa.
Então, que princípios estarão colocados, cuja finalidade da acção do enfermeiro possa ser
a procura do bem estar e do que cada um entende como «qualidade de vida»?
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este, sendo um direito, seria ele mesmo fundamentado num princípio ético. Princípio este
que proclamaria o valor da vida e a exigência ética da protecção da vida.
Sendo assim, percebemos que proteger a vida pode ser feito de várias formas.
Protejo a vida, quando actuo no sentido de prevenir que ela esteja em risco ou venha a
poder ser colocada em causa. Protejo a vida, quando ela está ameaçada e intervenho com
cuidados de reparação. Protejo a vida quando coloco taipais de protecção em redor de
andaimes, para evitar que quem vai a passar se magoe. E sigo o mesmo princípio, quando
lavo as mãos ou quando asseguro o bom funcionamento dos equipamentos.
Este eventual princípio de protecção da vida tem um amplo espectro de aplicações...
Na nossa área de acção, tanto justifica a protecção ou promoção da saúde como justifica a
intervenção curativa e os tratamentos.
De que vida se trata? Do ponto de vista ético, da vida humana.
Que tem, ela mesma, condições de ambiente para existir. Por isso, protecção da vida
humana. Mas também protecção do ambiente, dos meios necessários à vida. É para
proteger a vida que se deve proteger a água, por exemplo.
Portanto, não será difícil consensualizar que este não seria um princípio específico.
A dimensão que o torna mais específico pode ser pensá-lo na área da saúde?
Mas não poderemos trocar por protecção da saúde” – não apenas porque é hoje
considerada um direito civilizacional, o que implica que a sua salvaguarda é
responsabilidade da sociedade e das suas instituições democráticas, como, no nosso caso,
é assumido como direito constitucional.
Aliás, o direito à saúde literalmente entendido seria um estranho e curioso direito, que
ninguém poderia assegurar e, portanto, ninguém poderia ter como dever. Por isso, o
direito reporta a cuidados de saúde com o correlativo dever de desenvolver esforços
tendo em vista a recuperação da saúde, a prevenção da doença ou a reabilitação e
reinserção das pessoas.
Realmente, não se consegue assegurar o (desejável) fim de garantir um determinado nível
de saúde e existem inúmeros factores que aqui intervêm (sejam eles pessoais, sociais,
culturais ou organizacionais).
O direito a cuidados de saúde é uma exigência primária do direito à vida.
Podemos pensar que temos por valores finais a preservação da vida e a diminuição do
sofrimento. Estes fins operacionalizam-se com meios políticos, isto é, a protecção da
saúde como um direito de todo cidadão, considerando que toda a vida é importante em
si, desagua na razão de dever do Estado.
É, hoje, um direito democrático dos cidadãos que se estabeleceu a partir de uma
racionalidade comunicativa, como diria Habermas, na qual a razão se constitui, fundada
no diálogo, na argumentação e, portanto, no reconhecimento do outro como sujeito ético
e político.
Por detrás da implementação prática das políticas públicas ressentem-se conflitos ético-
políticos seja pelas pressões de uma ética mais utilitarista como defendem alguns ou uma
ética da espo sa ilidade o o defi ia We e , que dá mais ênfase aos resultados a
serem obtidos.
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Portanto, reconhecemos que a protecção da saúde não basta como princípio pois «tomar
conta da vida humana» acompanha para lá dos limiares onde a protecção da saúde é
possível e acompanha nos processos de morrer, temos de recuar um pouco mais e
equacionar um princípio ético, que se coloque antes das normas e das leis, e que estas
dele derivem.
Diria que o cuidado humano é o eixo que permite que seres humanos percebam e se
reconheçam uns aos outros, pois existe um compromisso, uma responsabilidade
profissional. O cuidado como uma forma de relacionamento com o Outro ser humano e
com o mundo, enfim, como uma forma de viver plenamente.
Cuidado humano dirigido ao tomar conta da vida.
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O cuidado emerge quando nos preocupamos com alguém, quando nos responsabilizamos,
nos fazemos profissionalmente presentes.
Funda-se num interesse pelo bem-estar do Outro, pelo despender atenção ao Outro.
Bem vistas as coisas, o cuidado pode bem ser um imperativo moral das profissões de
saúde.
Temos então o cuidado humano, que se assume como respeitador da pluralidade e da
diversidade. Da multiculturalidade.
Portanto, o cuidado não ignora o Outro, nem a sua autonomia ou o seu desenvolvimento.
Não substitui o Outro quando ele precisa de apoio parcial.
Promove o seu desenvolvimento e a optimização das suas capacidades.
Se imitássemos Kant, e construíssemos um imperativo diríamos: «Age sempre de tal
maneira que a tua acção de cuidado seja protectora da vida e da dignidade humanas»
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Tomo a liberdade do os organizar em torno de eixos ligeiramente diversos:
- inerentes ao papel assumido perante a sociedade - a liberdade responsável; a verdade e
a justiça
- centrados no Outro – a igualdade; o altruísmo e a solidariedade
- virados para o exercício da profissão - a competência e o aperfeiçoamento profissional.
E como estes são princípios da ética aplicada, da acção, posso pensar que existem
princípios éticos anteriores, em que estes se ancoram e fundamentam.
Resta identificar quais são...
Vejamos um a um.
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Comprometemo-nos a cuidar profissionalmente das pessoas, em termos abstractos.
É requisito deste compromisso que exista um perfil de competências – a aquisição de
competências na formação inicial é enriquecida e desenvolvida, no tempo e nos contextos
de prestação de cuidados, através da reflexão sobre a acção.
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Inaugura a concepção da universalidade e da indivisibilidade dos direitos humanos.
Universalidade, porque a convicção é de que a condição de pessoa é o requisito único
para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente
moral, dotado de unicidade existencial e dignidade.
Indivisibilidade, porque há uma visão integral dos direitos, sejam eles civis e políticos ou
sociais, económicos e culturais.
Para quem assume uma postura crítica diante do mundo da produção intelectual sobre os
direitos humanos, dois aspectos chamam a atenção: (1) a enorme dimensão quantitativa e
(2) o caracter predominantemente pacífico da evolução conceptual...
Nas idos o o esposta políti a, o ti ge te e o eta a u a o te i ento
monstruoso, impensável apriori, tal como o Holocausto, o seu desenvolvimento teórico
esteve marcado por um extraordinário consenso universal baseado no repúdio mundial ao
plano insano de aniquilação em massa de um povo. O enorme consenso político
promoveu amplo consenso teórico e este, objectivamente, o empobrecimento intelectual
do seu dese volvi e to. 11
Paradoxalmente, enquanto cresce o carácter conflituoso da política em ternos críticos de
direitos humanos, ou seja, enquanto se multiplicam as violações dos direitos mais
elementares, expande-se incessantemente a lista de direitos humanos referentes ao
desenvolvimento económico e social.
É ve dade ue o aio a olhi e to dos di eitos hu a os o t i ui pa a a paz so ial. No
entanto, não é menos verdade que a paz social e a estabilidade democrática são o único
ambiente onde os direitos humanos podem desenvolver-se de forma genuína e
suste tável 12.
11 MÉNDEZ, Emilio Garcia – Origem, sentido e futuro dos direitos humanos: reflexões para uma nova agenda. In SUR Revista
Internacional de Direitos Humanos. Ano 1, N.º 1, 1º semestre 2004. Rede Universitária de direitos humanos, p. 7- 20. (cit. p. 7)
12 MÉNDEZ, idem, p. 16.
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Mas se, numa primeira fase, a protecção dos direitos humanos foi marcada pela tónica da
protecção geral, com base na igualdade formal, percebe-se que é insuficiente considerar a
pessoa de forma genérica, geral e abstracta.
Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito na sua particularidade.
Assim, determinados sujeitos de direitos ou determinadas violações de direitos, exigem
uma resposta específica e diferenciada. Ao p o esso de expa são dos di eitos hu a os
soma-se o p o esso de espe ifi ação de sujeitos de di eitos. 13
É neste cenário que as mulheres, as crianças, as pessoas portadoras de deficiência, os
migrantes, são consideradas categorias vulneráveis e devem ser vistas nas especificidades
e particularidades da sua condição social.
Como afirma Boaventura, te os o di eito de se iguais ua do a ossa dife e ça os
inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos
des a a te iza 14. Por isso, uma dupla necessidade: de uma igualdade que reconheça as
diferenças e uma diferença que não produza, alimente ou reproduza desigualdades.
Ao lado do direito à igualdade surge o direito à diferença.
13 PIOVESAN, Flávia – Direitos sociais, económicos e culturais e direitos civis e politicos. In SUR Revista Internacional de
Direitos Humanos. Ano 1, N.º 1, 1º semestre 2004. Rede Universitária de direitos humanos, p. 21-47 (cit. p. 29)
14 SANTOS, Boaventura de Sousa – Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In “Reconhecer para libertar: os
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Para o jovem Hegel (à época), o processo de formação da identidade tem como
pressuposto o reconhecimento recíproco entre sujeitos, de modo que somente quando
um indivíduo vê confirmada sua autonomia pelos demais é que pode chegar a uma
compreensão completa de si mesmo como sujeito social. Em termos semelhantes, sugere
Charles Taylor que a identidade é construída dialogicamente, a partir da relação do sujeito
com os demais membros da sociedade que faz parte.
Um cuidado profissional que pode – tem que ter a capacidade de – realizar uma
trajectória com diferentes modalidades: quer seja em substituir, ou seja, fazer por alguém;
em ajudar, num fazer com a pessoa; em orientar, em termos de ensinar para; em
encaminhar para outros recursos, dirigir para, e em avaliar o caminho percorrido com a
pessoa. As modalidades de ajuda têm de ser ajustadas a cada um, de acordo com as suas
necessidades.
Este caminho é o de tornar autónomo tanto quanto seja possível, no sentido de ajudar a
prover a força, a vontade ou o saber, daí que releve a expressão do autocuidado.
O trabalho do enfermeiro desenvolve-se no sentido de se tornar dispensável, de que o
outro deixe de necessitar da ajuda por se bastar a si mesmo. A finalidade é, claramente,
autonomizar, no sentido do autocuidado.
Reconhecendo no Outro a condição de Pessoa, ser em projecto e em desenvolvimento.
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Vamos ao terceiro princípio orientador da actividade, a excelência do exercício na
profissão em geral e na relação com outros.
De base, entendemos que a excelência é uma exigência ética, antes de ser deontológica.
A qualidade dos cuidados demanda níveis de realização, entrecruzados da capacidade
científica, da execução técnica e da relação interpessoal.
Parece-nos que, além dos aferidores profissionais (padrões de qualidade), da avaliação
das práticas e da gestão do risco, a personalização do cuidado é traço universal da
qualidade.
De base fiduciária, estruturada a partir da confiança, a relação de cuidado prometeu-se ao
nível do melhor possível ou, pelo menos, ao mínimo desejável, abaixo do qual não se
cumpre o prometido e se lesa quem se confia ao cuidado.
Estamos na esfera da competência ou do poder como capacidade para.
No plano ético, cada um de nós é responsável pelo Outro e, neste sentido, cuidador do
Outro.
A obrigação especial dos enfermeiros mediará no sentido da persecução da excelência e
da protecção das pessoas – do que nos parece resultar a relação com aferidores de
excelência (comummente designados legis artis) e a valoração do respeito (próprio e do
Outro).
Mais do que limitar-se a seguir os aferidores de excelência, a qualidade dos cuidados
reporta a uma assistência qualificada à pessoa, detectando e reduzindo os factores que
possam des-personalizar, des-respeitar. Por isso, se ergue a questão das condições
exteriores (por exemplo, os contextos e recursos do exercício profissional nos locais
o etos) assi o o da dife e ça do ue a ualidade ep ese ta pa a ada u .
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Valores universais na relação Travessia pela norma e ligação aos
profissional princípios orientadores ?? Fundamentos éticos
igualdade centrados no Outro Reconhecimento do Outro
o altruísmo e a solidariedade (respeito pelos direitos humanos) como Pessoa
liberdade responsável inerentes ao papel assumido perante a
Compromisso de cuidado
a verdade e a justiça sociedade (responsabilidade...)
a competência e o virados para o exercício Competência – poder
aperfeiçoamento profissional (excelência do exercício) enquanto capacidade –
Façamos agora a prova final - «a prova dos nove» - do sentido destes fundamentos.
Procurando articulá-los e verificar se não se contradiz a ideia de princípio fundante.
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PRINCÍPIOS TRAVESSIA ÉTICA DE ENFERMAGEM FUNDAMENTOS
ÉTICA ANTERIOR PELA NORMA ÉTICOS DA DEONTOLOGIA
o cuidado humano -
Compromisso de
Responsabilidade dirigido ao tomar
cuidado
DIGNIDADE HUMANA conta da vida
Respeito pelos direitos Respeito por Si e Reconhecimento do
humanos pelo Outro Outro como Pessoa
Aferidores de Competência – poder
LIBERDADE Excelência do exercício
excelência enquanto capacidade
Sendo certo que temos um compromisso profissional, por um lado, cada um de nós
escolheu tê-lo, ou seja, ser enfermeiro; e é possível enraizá-lo numa «ética da promessa»,
relacionando com o poder da confiança que depositamos uns nos outros, confiança esta
que provem de compromissos mútuos e da vivência em organismos constituídos por
acordo.
Nesta confiança se estabelece a entrega e a aceitação de encargo (por isso, confiado),
pelo que estaremos na esfera da responsabilidade fiduciária, exactamente assente sobre
os vínculos que a confiança entretece. E os nossos utentes entregam-se ao nosso cuidado.
Note-se que do fundo ético da dignidade da pessoa decorrem outros princípios basilares.
Apontamos, pela relação com a prática dos cuidados, a individisibilidade da pessoa e,
portanto, não poder ser abordada como a doença de um órgão ou em função de uma
necessidade específica – neste sentido, a linguagem técnica mais corrente atraiçoa, por
vezes, este princípio. Quando se afirma que alguém é hipertenso, está-se perante a fusão
da entidade nosológica com a pessoa, a confusão entre ser e ter uma condição patológica.
As pessoas não são as doenças que têm...
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Os enfermeiros escolheram comprometer-se ao cuidado ao Outro, no trajecto vital da
finitude irrecusável, da fragilidade e da vulnerabilidade; é verdadeiramente autónomo o
enfermeiro capaz de conduzir o seu trajecto na convergência do compromisso, da
capacidade e da atestação.
Em quem posso confiar para cuidar de mim no momento em que estou vulnerável para
cuidar de mim mesmo? No enfermeiro.
Entendo, portanto,
que o reconhecimento do Outro, com recurso à solicitude, niveladora das assimetrias, é
fundamento para o princípio orientador do respeito pelos direitos humanos
do mesmo modo que
o compromisso de cuidado é fundamento para a responsabilidade profissional
e que a competência, enquanto poder-para, fundamenta a excelência do exercício.
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Reformulo, agora, o imperativo ético prático da deontologia dos enfermeiros:
De que derivará que os processos sejam de fazer recurso à solicitude e à compaixão, bem
como a demanda concreta da qualidade do que se faz. Mas isto seria outra conversa...
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