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12. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS

José Carvalho de Noronha


Luciana Dias de Lima
Cristiani Vieira Machado

O Sistema Único de Saúde (SUS) conforma o modelo público de ações e serviços de


saúde no Brasil. Orientado por um conjunto de princípios e diretrizes válidos para todo o
território nacional, parte de uma concepção ampla do direito à saúde e do papel do Estado
na garantia desse direito, incorporando, em sua estrutura político-institucional, espaços e
instrumentos para democratização e compartilhamento do processo decisório e da gestão
do sistema de saúde.
A implantação do SUS começa no início da década de 1990, após a promulgação da
Lei Orgânica da Saúde (lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, complementada pela lei
n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990). Posteriormente, reformulam-se os papéis dos entes
governamentais na prestação de serviços e na gestão do sistema de saúde, adotam-se novos
FULWpULRVGHWUDQVIHUrQFLDGHUHFXUVRV¿QDQFHLURVGHVWLQDGRVjVD~GHFULDPVHHDPSOLDPVH
as instâncias colegiadas de negociação, integração e decisão, envolvendo a participação dos
JHVWRUHVSUHVWDGRUHVSUR¿VVLRQDLVGHVD~GHHXVXiULRV
1HVWHFDStWXORVmRWUDWDGRVRVSULQFLSDLVDVSHFWRVTXHRULHQWDPHLQÀXHQFLDPDLP-
SODQWDomRGR686DWpR¿QDOGDGpFDGDGH,QLFLDOPHQWHVmRLGHQWL¿FDGRVRVPDUFRV
legais e normativos para a conformação do sistema, ressaltando a abrangência e a pro-
fundidade das mudanças propostas na Constituição de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde.
Em seguida, apresenta-se a diversidade de ações e serviços que compõem o sistema, bem
como suas formas de organização e descreve-se o arcabouço político-institucional do SUS,
incluindo sua estrutura de gestão e instâncias decisórias, destacando-se o papel das três
esferas de governo, das denominadas comissões intergestores na saúde e das conferências
e dos conselhos de Saúde.
Na seção seguinte, discute-se a importância do Ministério da Saúde na regulamentação
HVSHFt¿FDGRSURFHVVRGHGHVFHQWUDOL]DomRGHUHVSRQVDELOLGDGHVHIXQo}HVSDUDRVPXQLFtSLRV
e estados brasileiros. Enfatizam-se, ainda, alguns fatores estruturais e conjunturais que con-
GLFLRQDPDSROtWLFDGHVD~GHGHVGHRLQtFLRGRVDQRV¬OX]GHVVHVIDWRUHVQDSDUWH¿QDO
pIHLWRXPEUHYHEDODQoRGRVDYDQoRVHGDVGL¿FXOGDGHVHQIUHQWDGDVHPGLIHUHQWHVkPELWRV
HVWUDWpJLFRVSDUDDLPSOHPHQWDomRGR686GHVWDFDQGRVHGHVD¿RVH[LVWHntes.
366 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL

PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS


'HVGH D GHUURFDGD GR UHJLPH PLOLWDU R %UDVLO YLYH XPD H[WUDRUGLQiULD H[SHUL-
rQFLDGHUHIRUPDVHUHGH¿QLomRGRVHXVLVWHPDS~EOLFRGHVD~GH2PDUFRGHVVHQRYR
tempo foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, em torno dos temas
da saúde como direito de cidadania, da reformulação do sistema nacional de saúde e
GR¿QDQFLDPHQWRGRVHWRUTXHDOLPHQWDUDPXPLQWHQVRGHEDWHWUDYDGRDWpDDSURYDomR
da Constituição de 1988. De certa forma, os temas e diretivas centrais dessa conferência
SHUVLVWLUmRSRUXPERPWHPSRQDDJHQGDGRVGHVD¿RVDVHUHPHQIUHQWDGRVQDSROtWLFD
Para um aprofundamen- de saúde brasileira.
to da discussão sobre a Durante o processo constituinte, a grande pressão da sociedade civil e dos movi-
participação social na
política de saúde, leia o PHQWRVGHPRFUiWLFRVGHHVTXHUGDORJURXXPDFRDOL]mRSDUODPHQWDUVX¿FLHQWHPHQWHIRUWH
capítulo 28. SDUDLQWURGX]LUQR³7tWXOR9,,,±'D2UGHP6RFLDO´XPFDStWXOR ,, HVSHFt¿FRVREUHD
seguridade social (Brasil, 1988). O conteúdo ideológico deste capítulo demonstra a preocu-
SDomRFRPREHPHVWDUDLJXDOGDGHHDMXVWLoDQDVRFLHGDGHFRQFUHWL]DGRVFRPRH[HUFtFLR
dos direitos sociais.
Para compreender os
modelos de proteção
social em saúde, leia o Seguridade social
capítulo 1. Para conhecer
a história da Reforma 0RGDOLGDGHGHLQWHUYHQomRHVSHFt¿FDGR(VWDGRQDiUHDVRFLDODGRWDGDHPYiULRVSDtVHVGHVHQ-
Sanitária brasileira, leia o volvidos, principalmente no pós-guerra, caracterizada pela distribuição de benefícios, ações e
capítulo 11. serviços a todos os cidadãos de uma nação, abrangendo previdência, saúde, assistência social,
educação e outros direitos sociais.
No Brasil, a seguridade social foi instituída no artigo 194 da Constituição de 1988. Ela “compreen-
de um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas
DDVVHJXUDURVGLUHLWRVUHODWLYRVjVD~GHjSUHYLGrQFLDHjDVVLVWrQFLDVRFLDO´&RPSHWHDRSRGHU
S~EOLFRRUJDQL]iODHPXPDOyJLFDXQLYHUVDOLVWDHHTXLWDWLYD¿QDQFLDGDSRUIRQWHVGLYHUVL¿FDGDVGH
receitas de impostos e contribuições sociais, dos orçamentos da União, dos estados e dos municípios.
Fonte: Viana & Levcovitz, 2005.

1HVVHFRQWH[WRGHDUWLFXODomRHLQWHJUDomRGDVSROtWLFDVVRFLDLVIRUDPHVWDEHOHFLGRV
os fundamentos que, pela primeira vez em nossa história, orientaram a inscrição da saúde
como direito de todos os cidadãos brasileiros e dever do Estado. Cabe destacar a concepção
ampla da saúde adotada na Constituição de 1988, garantida mediante “políticas sociais e eco-
nômicas abrangentes que reduzam o risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal
HLJXDOLWiULRjVDo}HVHVHUYLoRVSDUDVXDSURPRomRSURWHomRHUHFXSHUDomR´ %UDVLO 
Para dar materialidade à política de saúde, a Constituição instituiu o Sistema Único
GH6D~GH 686 GH¿QLGRQDOHLQGHFRPR³RFRQMXQWRGHDo}HVHVHUYLoRV
públicos de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e muni-
FLSDLVGDDGPLQLVWUDomRGLUHWDHLQGLUHWDHGDVIXQGDo}HVPDQWLGDVSHOR3RGHU3~EOLFR´
(VWmRLQFOXtGRVQHVWDGH¿QLomR

1) atividades dirigidas às pessoas, individual ou coletivamente, voltadas para promoção


da saúde e prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de agravos e doenças;

2) serviços prestados no âmbito ambulatorial, hospitalar e nas unidades de apoio diag-


nóstico e terapêutico geridos pelos governos (quer seja pelo governo federal, quer seja
O Sistema Único de Saúde – SUS 367

pelos governos estaduais ou municipais), bem como em outros espaços, especialmente


no domiciliar;

3) Do}HVGHGLVWLQWDVFRPSOH[LGDGHVHFXVWRVTXHYDULDPGHVGHDSOLFDomRGHYDFLQDVH
consultas médicas nas clínicas básicas (clínica médica, pediatria e ginecologia-obstetrícia)
até cirurgias cardiovasculares e transplantes;

4) intervenções ambientais no seu sentido mais amplo, incluindo as condições sanitárias


nos ambientes onde se vive e se trabalha, na produção e circulação de bens e serviços,
o controle de vetores e hospedeiros e a operação de sistemas de saneamento ambiental;

5) instituições públicas voltadas para o controle de qualidade, pesquisa e produção de


insumos, medicamentos, sangue e hemoderivados e equipamentos para a saúde.

([SOLFLWDVHTXHTXDQGRDVVXDVGLVSRQLELOLGDGHVIRUHPLQVX¿FLHQWHVSDUDJDUDQWLUD
cobertura assistencial à população de uma determinada região, o SUS poderá recorrer aos
serviços prestados pela iniciativa privada. A participação complementar dos serviços privados
deve ser realizada mediante o estabelecimento de contratos e convênios, sendo observadas
DVQRUPDVGHGLUHLWRS~EOLFRRVSULQFtSLRVpWLFRVHDUHJXODPHQWDomRH[SHGLGDSHORVyUJmRV
GHGLUHomRGR686TXDQWRjVFRQGLo}HVSDUDVHXIXQFLRQDPHQWRFRQWUROHH¿VFDOL]DomR
O SUS, portanto, não é composto somente por serviços públicos, mas também por uma
ampla rede de serviços privados, principalmente hospitais e unidades de diagnose e terapia,
TXHVmRUHPXQHUDGRVFRPUHFXUVRVWULEXWiULRVGHVWLQDGRVjVD~GH2¿QDQFLDPHQWRRULXQGR
de diversas receitas arrecadadas pela União, estados e municípios, permite que o acesso a ações
e serviços do SUS não esteja condicionado à capacidade de pagamento prévio das pessoas.
A Lei Orgânica da Saúde estabelece princípios e diretrizes norteadores do funciona-
mento do SUS. Entre eles, destacam-se:

1) Universalidade de acesso em todos os níveis de assistência


2DFHVVRXQLYHUVDOpDH[SUHVVmRGHTXHWRGRVWrPRPHVPRGLUHLWRGHREWHUDVDo}HV
HRVVHUYLoRVGHTXHQHFHVVLWDPLQGHSHQGHQWHPHQWHGHFRPSOH[LGDGHFXVWRHQDWXUH]D
dos serviços envolvidos. Ele implica a substituição do modelo contributivo de seguro social
que vigorou por um longo período no Brasil e condicionava o acesso dos contribuintes da
SUHYLGrQFLD VRFLDO ± LQLFLDOPHQWH FRPSRVWRV SRU GHWHUPLQDGDV FDWHJRULDV SUR¿VVLRQDLV H
SRVWHULRUPHQWHSHORVWUDEDOKDGRUHVLQVHULGRVIRUPDOPHQWHQRPHUFDGRGHWUDEDOKR±DRV
serviços públicos e privados credenciados ao sistema previdenciário. Com a universalidade,
as condições socioeconômicas da população e a inserção no mercado de trabalho não devem
implicar acesso diferenciado a determinados tipos de serviços: as despesas com os riscos de
DGRHFLPHQWRHR¿QDQFLDPHQWRSDVVDPDVHUUHSDUWLGRVGHIRUPDVROLGiULDHQWUHJUXSRVGH
diferentes classes de renda, sendo de responsabilidade de toda a sociedade.

2) ,JXDOGDGHQDDVVLVWrQFLDjVD~GHVHPSUHFRQFHLWRVRXSULYLOpJLRVGHTXDOTXHUHVSpFLH
(VWHSULQFtSLRUHLWHUDTXHQmRSRGHH[LVWLUGLVFULPLQDomRQRDFHVVRDRVVHUYLoRVGH
saúde, ou seja, não é aceitável que somente alguns grupos, por motivos relacionados a ren-
da, cor, gênero ou religião, tenham acesso a determinados serviços e outros não. Somente
razões relacionadas às necessidades diferenciadas de saúde devem orientar o acesso ao SUS
e a escolha das técnicas a serem empregadas no cuidado das pessoas.
368 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL

3) ,QWHJUDOLGDGHGDDVVLVWrQFLD
A integralidade é entendida, nos termos da lei, como um conjunto articulado e contí-
QXRGHDo}HVHVHUYLoRVSUHYHQWLYRVHFXUDWLYRVLQGLYLGXDLVHFROHWLYRVH[LJLGRVSDUDFDGD
FDVRHPWRGRVRVQtYHLVGHFRPSOH[LGDGHGRVLVWHPD$LGHLDpTXHDVDo}HVYROWDGDVSDUDD
promoção da saúde e a prevenção de agravos e doenças não sejam dissociadas da assistência
ambulatorial e hospitalar voltadas para o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação. Por isso,
RVSUR¿VVLRQDLVGHVD~GHHRVgestores do SUS devem empenhar-se em organizar as práti-
cas dos serviços, de modo a permitir que essa integração ocorra. No âmbito mais geral da
política de saúde, a integralidade também remete à articulação necessária entre as políticas
de cunho econômico e social no sentido de atuar sobre os determinantes do processo saúde
e doença e garantir as condições satisfatórias de saúde da população.

Gestores do SUS
2VJHVWRUHVGR686VmRRVUHSUHVHQWDQWHVGRSRGHUH[HFXWLYRQRkPELWRGRVPXQLFtSLRVGRVHVWD-
dos, do Distrito Federal e da União. Cada uma das estruturas que compõem a direção do SUS nas
GLIHUHQWHVHVIHUDVGHJRYHUQRSRVVXLXPDRUJDQL]DomRSUySULD,QGHSHQGHQWHPHQWHGDH[LVWrQFLD
de uma autoridade sanitária (ministro ou secretários de Saúde), essas estruturas têm órgãos gestores,
FRPGLIHUHQWHVFDUJRVGHGLUHomRHFKH¿DTXHSDUWLFLSDPGDJHVWmRGR686HVmRFRUUHVSRQViYHLV
SRUHODHPFRHUrQFLDFRPDVIXQo}HVTXHOKHVVmRDWULEXtGDVHPUHJXODPHQWDomRHVSHFt¿FD

4) Participação da comunidade
A participação da comunidade é a garantia de que a população, por intermédio de
Você pode saber mais suas entidades representativas, possa participar do processo de formulação de diretrizes e
sobre a participação social SULRULGDGHVSDUDDSROtWLFDGHVD~GHGD¿VFDOL]DomRGRFXPSULPHQWRGRVGLVSRVLWLYRVOHJDLV
no sistema de saúde no
capítulo 28.
HQRUPDWLYRVGR686HGRFRQWUROHHDYDOLDomRGHDo}HVHVHUYLoRVGHVD~GHH[HFXWDGRVQDV
GLIHUHQWHVHVIHUDVGHJRYHUQR$PDWHULDOL]DomRGHVVHSULQFtSLRVHH[SUHVVDQRkPELWRGR
SUS pela constituição dos conselhos de Saúde e pela realização das conferências de Saúde,
TXHUHSUHVHQWDPXPFDQDOSHUPDQHQWHGHGLiORJRHLQWHUDomRHQWUHRVJHVWRUHVRVSUR¿V-
sionais de saúde e a população.

5) Descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo,


com: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização
e hierarquização da rede de serviços de saúde.
A descentralização, associada ao comando único HPFDGDHVIHUDGHJRYHUQRUHGH¿QH
UHVSRQVDELOLGDGHV HQWUH RV HQWHV UHIRUoDQGR D LPSRUWkQFLD GRV H[HFXWLYRV PXQLFLSDLV H
HVWDGXDLVQDSROtWLFDGHVD~GH2IRUWDOHFLPHQWRGHVVHVJRYHUQRVVHMXVWL¿FDFRPRIRUPD
GH SURPRYHU D GHPRFUDWL]DomR PHOKRUDUD H¿FLrQFLD D HIHWLYLGDGH H RVPHFDQLVPRVGH
prestação de contas e acompanhamento das políticas públicas.

O comando único (ou direção única) em cada esfera de governo é a tentativa de garantir, na
gestão da política de saúde, a observância de um princípio comum a todo sistema federativo: a
autonomia relativa dos governos na elaboração de suas políticas próprias. Assim, no âmbito na-
cional, a gestão do sistema deve ser realizada de forma coerente com as políticas elaboradas pelo
Ministério da Saúde; no âmbito estadual, com as políticas elaboradas pelas secretarias estaduais;
e, no âmbito municipal, pelas secretarias municipais de Saúde.
O Sistema Único de Saúde – SUS 369

No entanto, visto que os problemas de saúde não se distribuem uniformemente na


SRSXODomRQRWHUULWyULRHQRWHPSRHHQYROYHPWHFQRORJLDVGHGLIHUHQWHVFRPSOH[LGDGHVH
custo, faz-se necessário organizar uma rede de atenção à saúde no SUS. Para isso, é preciso
planejar a distribuição das ações e serviços por níveis de atenção (hierarquização), segundo
QHFHVVLGDGHV GLIHUHQFLDGDV GH VD~GH H GLQkPLFDV WHUULWRULDLV HVSHFt¿FDV UHJLRQDOL]DomR 
1RQtYHOEiVLFRHVWDULDPRVVHUYLoRVGRWDGRVGHWHFQRORJLDVHSUR¿VVLRQDLVSDUDUHDOL]DURV
SURFHGLPHQWRVPDLVIUHTXHQWHPHQWHQHFHVViULRV H[YDFLQDVFRQVXOWDVHPFOtQLFDPpGLFD
e pediatria, parto normal). Em um nível mais especializado, estariam situados os ambulató-
rios e as unidades de diagnose e terapia e os hospitais, capazes de realizar aqueles procedi-
mentos necessários menos frequentemente, para os quais não é aceitável ociosidade dadas
DVLPSOLFDo}HVVREUHDTXDOLGDGHHRVFXVWRVFUHVFHQWHVGRVLVWHPD H[FLUXUJLDFDUGtDFD
ressonância nuclear magnética, transplantes de medula óssea).

Rede de atenção à saúde


(QWHQGHVHSRUUHGHGHDWHQomRjVD~GHRFRQMXQWRGHHVWDEHOHFLPHQWRVGHGLIHUHQWHVIXQo}HVHSHU¿V
de atendimento, que operam de modo ordenado e articulado no território, de modo a atender as
necessidades de saúde de uma população. Os diversos equipamentos e serviços que compõem uma
rede de saúde, na prática, funcionam como pontos de atenção onde o cuidado à saúde é oferecido.
Diferentes redes de atenção à saúde podem ser encontradas em decorrência das ações desenvolvidas,
dos tipos de casos atendidos e das formas como estão articulados e são prestados os atendimentos.

Nesse sentido, enquanto os serviços de atenção básica deveriam se distribuir o mais


amplamente possível no território nacional, os especializados obedeceriam a uma lógica de
GLVWULEXLomRJHRJUi¿FDPDLVFRQFHQWUDGD5HVVDOWDVHTXHHPJHUDODVUHJL}HVJHRJUi¿FDV Você pode saber mais
na saúde, objeto do processo de regionalização, possuem uma dada densidade tecnológica e sobre os significados e
implicações da regiona-
DXWRVVX¿FLrQFLDGHDo}HVHVHUYLoRVFDSD]HVGHUHVSRQGHUjVQHFHVVLGDGHVGHXPDSRSXODomR lização na saúde no capí-
referida a um território. tulo 27.
$UHJLRQDOL]DomRHDKLHUDUTXL]DomRH[LJHPTXHRVXVXiULRVVHMDPHQFDPLQKDGRVSDUD
unidades especializadas quando necessário e que possam retornar à sua unidade básica de
RULJHPSDUDDFRPSDQKDPHQWR PHFDQLVPRGHUHIHUrQFLDHFRQWUDUUHIHUrQFLD ,VVRLPSOLFD
XPÀX[RDGHTXDGRGHLQIRUPDo}HVHQWUHDVXQLGDGHVTXHFRPS}HPRVLVWHPDVHMDPHODV
hospitais, postos de saúde, unidades públicas ou privadas credenciadas ao SUS, situadas
em diferentes municípios ou estados. A articulação de diferentes gestores para promover
a integração da rede de serviços do SUS que transcenda o espaço político-administrativo
GHXPPXQLFtSLRRXHVWDGRpXPDTXHVWmREDVWDQWHFRPSOH[DHHVEDUUDHPXPDVpULHGH
GL¿FXOGDGHVSROtWLFDVHRSHUDFLRQDLV(VVDTXHVWmRYROWDUiDVHUDERUGDGDDGLDQWH

3DUDUHÀHWLU
4XDLVRVGHVD¿RVDVVRFLDGRVjUHJLRQDOL]DomRHKLHUDUTXL]DomRGR686FRQVLGHUDQGRVHDVGHVL-
gualdades na distribuição territorial dos serviços de saúde no Brasil? Quais as implicações das
diferenças observadas na oferta de serviços para a concretização dos princípios do SUS?
$WtWXORGHH[HUFtFLRDFHVVHRsite do Datasus do Ministério da Saúde (www.datasus.gov.br) e tente
RUJDQL]DUDOJXPDVLQIRUPDo}HVVREUHRQ~PHURGHOHLWRVGH87,FDGDVWUDGRVDR686FRQIRUPHD
UHJLmRHRHVWDGR5HÀLWDVREUHDVLPSOLFDo}HVGDGHVLJXDOGDGHQDGLVWULEXLomRGHVVHVVHUYLoRVSDUD
a garantia do direito universal e para a equidade e a integralidade da assistência à saúde no Brasil.
370 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL

Dada a abrangência das ações e dos serviços previstos no SUS, as determinações legais
relativas ao âmbito de atuação do Estado na saúde são também bastante amplas. Além da
RUJDQL]DomRGDUHGHGHDVVLVWrQFLDjVD~GHFRPSHWHDRSRGHUS~EOLFRDH[HFXomRGHDo}HV
de vigilância sanitária, epidemiológica, saúde do trabalhador; a ordenação de recursos
humanos para a saúde e a participação na produção de insumos para a saúde e em outras
SROtWLFDVUHOHYDQWHVFRPRDGHVDQHDPHQWREiVLFR¿VFDOL]DomRGHSURGXWRVHSURWHomRDR
meio ambiente.
As atribuições do Sistema Várias responsabilidades do Estado na área da saúde implicam parceria com outros
Nacional de Vigilância VHWRUHVGHJRYHUQRFRPRRGHVHQYROYLPHQWRFLHQWt¿FRHWHFQROyJLFRDIRUPDomRGHUHFXUVRV
Sanitária são discutidas
no capítulo 23. Conheça humanos, a provisão e regulação de insumos para a saúde, a política industrial, de urbani-
em detalhes as ações de ]DomRVDQHDPHQWRHHGXFDomRSRUH[HPSOR
vigilância epidemiológica
no capítulo 22. Os dispositivos mencionados têm as seguintes implicações para a inserção do SUS
como uma política de Estado:

1) a responsabilidade pela situação de saúde não é apenas setorial;

2) as políticas econômicas e sociais devem estar orientadas para a eliminação ou redução


de riscos para a saúde;

3) a integração das políticas de saúde com as demais políticas públicas é fundamental para
o desenvolvimento de ações mais efetivas;

4) a atuação coordenada das três esferas de governo é necessária para a organização


político-territorial do SUS.

24XDGURUHVXPHRVSULQFtSLRVHGLUHWUL]HVGR686FRPRH[SUHVVmRGRVGLUHLWRVGRV
cidadãos brasileiros e deveres do Estado.

4XDGUR±6tQWHVHGRVSULQFLSDLVSULQFtSLRVHGLUHWUL]HVGR686

Princípios e diretrizes Direitos dos cidadãos Deveres do Estado


do SUS
Universalidade no acesso e ‡,JXDOGDGHGHWRGRVjVDo}HVHDRV ‡*DUDQWLDGHXPFRQMXQWRGHDo}HVHVHUYLoRVTXH
igualdade na assistência serviços necessários para promoção, supram as necessidades de saúde da população e
proteção e recuperação da saúde. apresentem elevada capacidade de resposta aos
problemas apresentados, organizados e geridos pelos
diversos municípios e estados brasileiros.
,QWHJUDOLGDGHQDDVVLVWrQFLD ‡$FHVVRDXPFRQMXQWRDUWLFXODGRH ‡*DUDQWLDGHFRQGLo}HVGHDWHQGLPHQWRDGHTXDGDV
contínuo de ações e serviços resolutivos, ao indivíduo e à coletividade, de acordo com as
preventivos e curativos, individuais e necessidades de saúde, tendo em vista a integração das
FROHWLYRVGHGLIHUHQWHVFRPSOH[LGDGHVH ações de promoção da saúde, a prevenção de doenças e
custos, que reduzam o risco de doenças agravos, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação.
e agravos e proporcionem o cuidado à ‡$UWLFXODomRGDSROtWLFDGHVD~GHFRPRXWUDVSROtWLFDV
saúde. públicas, como forma de assegurar uma atuação
intersetorial entre as diferentes áreas cujas ações
tenham repercussão na saúde e na qualidade de vida
das pessoas.
Participação da comunidade ‡3DUWLFLSDomRQDIRUPXODomRQD ‡*DUDQWLDGHHVSDoRVTXHSHUPLWDPDSDUWLFLSDomRGD
¿VFDOL]DomRHQRDFRPSDQKDPHQWRGD sociedade no processo de formulação e implantação da
implantação de políticas de saúde nas política de saúde.
diferentes esferas de governo. ‡7UDQVSDUrQFLDQRSODQHMDPHQWRHQDSUHVWDomRGH
contas das ações públicas desenvolvidas.
O Sistema Único de Saúde – SUS 371

4XDGUR±6tQWHVHGRVSULQFLSDLVSULQFtSLRVHGLUHWUL]HVGR686 FRQW

Princípios e diretrizes Direitos dos cidadãos Deveres do Estado


do SUS
Descentralização, ‡$FHVVRDXPFRQMXQWRGHDo}HVH ‡*DUDQWLDGHXPFRQMXQWRGHDo}HVHVHUYLoRVTXH
regionalização e serviços, localizados em seu município supram as necessidades de saúde da população e
hierarquização de ações e HSUy[LPRVjVXDUHVLGrQFLDRXDRVHX apresentem elevada capacidade de resposta aos
serviços de saúde trabalho, condizentes com as necessidades problemas apresentados, organizados e geridos pelos
de saúde. diversos municípios e estados brasileiros.
‡$WHQGLPHQWRHPXQLGDGHVGHVD~GH ‡$UWLFXODomRHLQWHJUDomRGHXPFRQMXQWRGHDo}HV
mais distantes, situadas em outros HVHUYLoRVGHGLVWLQWDVQDWXUH]DVFRPSOH[LGDGHVH
municípios ou estados, caso isso seja custos, situados em diferentes territórios político-
necessário para o cuidado à saúde. administrativos.

CONFIGURAÇÃO INSTITUCIONAL DO SUS: INSTÂNCIAS DECISÓRIAS E ESTRUTURA DE GESTÃO


O modelo institucional proposto para o SUS tem como propósitos viabilizar a negocia- Para saber mais sobre a
participação dos atores no
ção e o acordo federativo e fortalecer a participação social nas políticas de saúde. Tal arranjo
processo de formulação
permite que vários atores sociais, mesmo os não diretamente responsáveis pelo desempenho de políticas, consulte o
de funções típicas da gestão dos sistemas e serviços, participem do processo decisório sobre capítulo 2, sobre análise
de políticas de saúde.
a política de saúde.
No Diagrama 1, encontra-se sistematizado o arcabouço institucional e decisório vigente
no SUS.

'LDJUDPD±$UFDERXoRLQVWLWXFLRQDOHGHFLVyULRGR686

Colegiado Comissões Representações


Gestor intergestores
participativo de gestores
Estados:
Conselho Ministério da Comissão Conass
Nacional
Nacional Saúde Tripartite Municípios:
Conasems
Conselho Secretarias Comissão Municípios:
Estadual Estaduais
Estadual Bipartite Cosems
Colegiados de
Regional
Gestão Regional
Conselho Secretarias
Municipal Municipal Municipais

Fonte: Adaptado de SAS/MS, 2002.

O modelo pressupõe uma articulação estreita entre a atuação de: 1) gestores do sistema
em cada esfera de governo; 2) instâncias de negociação e pactuação federativa envolvendo a
SDUWLFLSDomRGDVGLIHUHQWHVHVIHUDVGHJRYHUQRWDLVFRPRD&RPLVVmR,QWHUJHVWRUHV7ULSDUWLWH
DV&RPLVV}HV,QWHUJHVWRUHV%LSDUWLWHVHRV&ROHJLDGRVGH*HVWmR5HJLRQDO RX&RPLVV}HV
,QWHUJHVWRUHV5HJLRQDLV  FRQVHOKRVGHUHSUHVHQWDomRGHVHFUHWiULRVGH6D~GH FRQVHOKRV
de Saúde, além da realização periódica de conferências de Saúde.
372 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL

No presente capítulo, são abordados alguns aspectos referentes ao papel dos gestores
e ao funcionamento das entidades representativas e instâncias colegiadas do SUS.

O papel das três esferas de governo na gestão do SUS


$OHLQGHGH¿QHDVDWULEXLo}HVGHFDGDHVIHUDGHJRYHUQRQRGHVHQYROYL-
PHQWRGDVIXQo}HVGHFRPSHWrQFLDGRSRGHUH[HFXWLYRQDVD~GH$GLUHomRGR686p~QLFD
QRVkPELWRVQDFLRQDOHVWDGXDOHPXQLFLSDOVHQGRH[HUFLGDUHVSHFWLYDPHQWHSHOR0LQLVWpULR
da Saúde e pelas secretarias de Saúde ou órgãos equivalentes.
De forma geral, pode-se dizer que os gestores no SUS atuam em dois âmbitos bas-
WDQWHLPEULFDGRVRSROtWLFRHRWpFQLFR2kPELWRSROtWLFRVHH[SUHVVDQRUHODFLRQDPHQWR
constante dos gestores do SUS com outros atores sociais, nos diferentes espaços de nego-
FLDomRHGHFLVmRH[LVWHQWHV2SUySULRGHVHPSHQKRGHVXDVIXQo}HVGHSRGHUH[HFXWLYR
em um sistema político republicano e democrático como o Brasil, e os objetivos a serem
SHUVHJXLGRVQDiUHDGDVD~GHH[LJHPDLQWHUDomRGRJHVWRUFRPRXWURVSRGHUHV OHJLV-
ODWLYRHMXGLFLiULR FRPRVGHPDLVyUJmRVGHUHSUHVHQWDomRHDWXDomRGRH[HFXWLYRHGD
sociedade civil organizada.
No SUS, as instâncias de negociação e decisão envolvem a participação das diferentes
esferas de governo e de grupos representativos dos interesses da sociedade. Destaca-se a
participação dos gestores nos conselhos de Saúde, nos conselhos de representação dos secre-
WiULRVGH6D~GH &RQVHOKR1DFLRQDOGH6HFUHWiULRVGH6D~GH±&RQDVV&RQVHOKR1DFLRQDO
GH6HFUHWDULDV0XQLFLSDLVGH6D~GH±&RQDVHPV&RQVHOKRGH6HFUHWDULDV0XQLFLSDLVGH
6D~GHGRVHVWDGRV±&RVHPV QD&RPLVVmR,QWHUJHVWRUHV7ULSDUWLWH &,7 QDV&RPLVV}HV
,QWHUJHVWRUHV%LSDUWLWHV &,% HQRV&ROHJLDGRVGH*HVWmR5HJLRQDO RX&RPLVV}HV,QWHU-
gestores Regionais).
Dessa forma, seja pelo processo político que permeia as decisões em um ambiente
democrático, seja pelo arcabouço institucional do SUS ou ainda pelas atribuições associadas
jLQWHUYHQomRGR(VWDGRQDVD~GHRVJHVWRUHVGR686QmRH[HUFHPVXDVIXQo}HVGHIRUPD
LVRODGD,VVRLPSOLFDTXHVHXVREMHWLYRVHSODQRVGHDomRVHMDPQHJRFLDGRVFRPGLIHUHQWHV
atores governamentais e não governamentais e que os processos de formulação e imple-
mentação das políticas de saúde assumam cada vez mais uma feição compartilhada. Cabe
aos gestores assumirem a liderança da negociação política em defesa da implementação dos
princípios e diretrizes do SUS.
No âmbito técnico, a atuação do gestor do SUS, permanentemente permeada por
YDULiYHLVSROtWLFDVVHFRQVXEVWDQFLDSRUPHLRGRH[HUFtFLRGDVIXQo}HVJHVWRUDVQDVD~GH
7DLVIXQo}HVSRGHPVHUGH¿QLGDVFRPRXPFRQMXQWRDUWLFXODGRGHVDEHUHVHSUiWLFDVGH
JHVWmRQHFHVViULRVSDUDDLPSOHPHQWDomRGHSROtWLFDVQDiUHDGDVD~GHH[HUFLGDVGHIRUPD
coerente com os princípios do sistema público de saúde e da gestão pública.
As macrofunções gestoras 6LPSOL¿FDGDPHQWH SRGHPVH LGHQWL¿FDU TXDWUR JUDQGHV JUXSRV GH IXQo}HV RX
estão relacionadas aos
componentes e dinâmica
macrofunções gestoras nos diferentes campos da atenção à saúde, que englobam: 1) for-
dos sistemas de saúde PXODomRGHSROtWLFDVHSODQHMDPHQWR ¿QDQFLDPHQWR regulação; 4) prestação direta de
descritos no capítulo 3. ações e serviços de saúde.
O Sistema Único de Saúde – SUS 373

Regulação
2 WHUPR UHJXODomR p EDVWDQWH JHQpULFR H[LVWLQGR GLIHUHQWHV FRQFHSo}HV D VHX UHVSHLWR DVVLP
como sobre a regulação do Estado na área da saúde. A regulação no SUS envolve quatro âmbitos
principais: 1) a regulação sobre prestadores de serviços; 2) a regulação de sistemas de saúde; 3) a
regulação sanitária; 4) a regulação de mercados em saúde. Nessas esferas, inclui a adoção de um
conjunto de estratégias voltadas para a regulamentação, a coordenação e a avaliação de ações,
bens e serviços de saúde, visando a controlar procedimentos e processos, induzir e assegurar
determinadas características comuns e resultados mais uniformes.
Fonte: Machado, 2002.

&DGD XPD GHVVDV IXQo}HV FRPSUHHQGH XPD VpULH GH DWLYLGDGHV HVSHFt¿FDV VHQGR
H[HUFLGDVGHIRUPDGLIHUHQFLDGDSHORVWUrVHQWHVJHVWRUHVFRQIRUPHDGH¿QLomRGDUHJXOD-
PHQWDomRHVSHFt¿FD'HQWURGDPDFURIXQomRGHIRUPXODomRGHSROtWLFDVSODQHMDPHQWRHVWmR
LQFOXtGDVDVDWLYLGDGHVGHGLDJQyVWLFRGHQHFHVVLGDGHVGHVD~GHLGHQWL¿FDomRGHSULRULGD-
des e diretrizes de ação, elaboração de estratégias e planos de intervenção, articulação com
outros atores e mobilização de recursos necessários para a operacionalização das políticas.
2¿QDQFLDPHQWRHQYROYHDDORFDomRGHWULEXWRVDHODERUDomRHDH[HFXomRGHRUoDPHQWRV
S~EOLFRV YROWDGRV SDUD D VD~GH D FRQVWLWXLomR GH IXQGRV HVSHFt¿FRV SDUD WUDQVIHUrQFLDV
recebimento e utilização das receitas destinadas à saúde, a prestação de contas quanto ao
montante empenhado em saúde e o destino dos recursos. A regulação inclui a proposição
de normas técnicas e padrões, a coordenação, controle e avaliação de serviços e sistemas
de saúde, a gestão de informações em saúde, o estabelecimento de contratos e convênios
FRPSUHVWDGRUHVSULYDGRVD¿VFDOL]DomRGHVHUYLoRVHGHSURGXWRVFRPLPSOLFDo}HVSDUD
DiUHDGDVD~GH3RU¿PDSUHVWDomRGLUHWDGHDo}HVHVHUYLoRVGHVD~GHDEUDQJHWRGRVRV
SURFHGLPHQWRVWpFQLFRVHDGPLQLVWUDWLYRVYLQFXODGRVjH[HFXomRGHDo}HVGHSURPRomRGD
saúde, prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento e reabilitação, por serviços públicos
GDUHVSHFWLYDHVIHUDGHJRYHUQR(ODUHTXHUDH[LVWrQFLDGHTXDGURVSUySULRVGHIXQFLRQiULRV
e uma série de funções administrativas, relativas à gestão de pessoal, de compras, armaze-
namento e distribuição de insumos, organização e operação dos serviços próprios de saúde.
A análise das funções delineadas para a União, estados e municípios nas políticas de saúde
evidencia a ausência de padrões de autoridade e responsabilidade claramente delimitados.
2EVHUYDVHXPDPLVWXUDHQWUHFRPSHWrQFLDVFRPXQVHFRQFRUUHQWHVHFRPSHWrQFLDVHVSHFt¿FDV
de cada esfera de governo nos diversos campos de atuação do Estado na saúde (Machado, 2007).
2VSURFHVVRVGHGHVFHQWUDOL]DomRHUHJLRQDOL]DomRGR686WDPEpPLQGX]LUDPjUHFRQ¿JXUDomR
GHIXQo}HVHQWUHRVJHVWRUHVTXHVHH[SUHVVDPGHIRUPDGLYHUVL¿FDGDQRVHVWDGRVGHDFRUGR
com a área envolvida, as distintas realidades locorregionais e as negociações intergovernamen-
WDLVVXEMDFHQWHVDHVWHVSURFHVVRV3RUH[HPSORQDVYLJLOkQFLDVHSLGHPLROyJLFDHVDQLWiULDFXMRV
processos de descentralização são mais recentes, observam-se esforços de divisão de atribui-
o}HVHQWUHHVWDGRVHPXQLFtSLRVEDVHDGRVHPXPDOyJLFDGHUHSDUWLomRSRUFRPSOH[LGDGH1D
DVVLVWrQFLDjVD~GHSRUVXDYH]DGLYLVmRGHUHVSRQVDELOLGDGHVVRIUHXDLQÀXrQFLDGHRXWUDV
variáveis, tais como os tipos de serviços oferecidos e sua abrangência territorial.
2GHWDOKDPHQWRGHFRPSHWrQFLDVHVSHFt¿FDVGRVJHVWRUHVGR686pIHLWRSHOD/HL2UJkQL-
FDGD6D~GHPDVRXWURVLQVWUXPHQWRVGHUHJXODPHQWDomRIHGHUDOHHVWDGXDO±SULQFLSDOPHQWH
portarias, decretos e resoluções (ver A base de regulamentação do SUS ±FRQWULEXHPSDUDD
repartição de responsabilidades entre os gestores do SUS. De forma geral, podemos dizer que:
374 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL

‡ Os três gestores participam do planejamento dos sistemas de serviços e da formulação


GDVSROtWLFDVGHVD~GHGDPHVPDIRUPDRVWUrVJHVWRUHVVmRUHVSRQViYHLVSHOR¿QDQFLD-
mento e pela realização de investimentos voltados para a redução das desigualdades,
cada um em sua esfera de atuação (sendo estratégica a ação dos governos federal e
estaduais para a redução das desigualdades regionais); e ainda pelo controle e avaliação
do conjunto do sistema, incluindo a avaliação de resultados, nas suas respectivas esferas.

‡ As principais responsabilidades do Ministério da Saúde são a normalização e a


coordenação geral do sistema no âmbito nacional, o que deve ser desenvolvido com a
participação dos estados e dos municípios, para os quais o Ministério da Saúde deve
RIHUHFHUFRRSHUDomRWpFQLFDH¿QDQFHLUD

‡ As principais responsabilidades dos gestores estaduais são o planejamento do sistema


estadual regionalizado (envolvendo mais de um município) e o desenvolvimento da
FRRSHUDomRWpFQLFDH¿QDQFHLUDFRPRVPXQLFtSLRV

‡ O papel principal do gestor municipal é a gestão do sistema de saúde no âmbito do


VHXWHUULWyULRFRPRJHUHQFLDPHQWRHDH[HFXomRGRVVHUYLoRVS~EOLFRVGHVD~GHHD
regulação dos prestadores privados do sistema. Os estados e o Ministério da Saúde
OLPLWDPVHDH[HFXWDUVHUYLoRVS~EOLFRVGHVD~GHHPFDUiWHUWHPSRUiULRHRXHPFLU-
FXQVWkQFLDVHVSHFt¿FDVHMXVWL¿FDGDV

A base de regulamentação do SUS


$UHJXODPHQWDomRGR686FRQVWLWXLVHQXPDUHVSRQVDELOLGDGHGRSRGHUOHJLVODWLYRHGRH[HFXWLYR
HPkPELWRVQDFLRQDOHVWDGXDOHPXQLFLSDOVHQGRUHDOL]DGDSRUPHLRGHLQVWUXPHQWRVOHJDLVHH[H-
FXWLYRV OHLVGHFUHWRVUHVROXo}HVPHGLGDVSURYLVyULDVSRUWDULDVGRFXPHQWRVR¿FLDLV (PkPELWR
nacional, destaca-se a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da Saúde (leis n. 8.080 e n.
8.142, de 1990), além de uma série de portarias ministeriais publicadas pelo Ministério da Saúde
ao longo das décadas de 1990 e 2000. Entre outros sitesQD,QWHUQHWDORFDOL]DomRGDOHJLVODomRGR
SUS pode ser realizada acessando o portal do Ministério da Saúde, suas secretarias e instituições
YLQFXODGDV YHUHQGHUHoRVHOHWU{QLFRVFLWDGRVDR¿QDOGRFDStWXOR $VHJXLUHVWmROLVWDGDVDVSULQ-
cipais fontes legais e documentais consultadas para a confecção deste capítulo:
‡ Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988
‡ Emenda constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000
‡ Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990
‡ Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990
‡ Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde n. 1/1993
‡ Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde n. 1/1996
‡ Norma Operacional da Assistência à Saúde n. 1/2002
‡ Pactos pela Saúde de 2006
‡ Decreto n. 7.508, de 28 de junho de 2011 (regulamenta a lei n. 8.080)

O Quadro 2 sistematiza as principais atribuições dos gestores das três esferas de go-
verno, organizadas pelas macrofunções.
O Sistema Único de Saúde – SUS 375

4XDGUR±5HVXPRGDVSULQFLSDLVDWULEXLo}HVGRVJHVWRUHVGR686

*HVWRU Formulação de políticas Financiamento Regulação ([HFXomRGLUHWD


e planejamento de serviços
Federal ‡LGHQWL¿FDomRGHSUREOHPDV ‡JDUDQWLDGHUHFXUVRV ‡UHJXODomRGHVLVWHPDVHVWDGXDLV ‡HPFDUiWHUGH
HGH¿QLomRGHSULRULGDGHV HVWiYHLVHVX¿FLHQWHVSDUD ‡FRRUGHQDomRGHUHGHV H[FHomR
no papel estratégico e o setor saúde de referência de caráter ‡HPiUHDVDo}HV
normativo ‡SHVRLPSRUWDQWHGRV interestadual/nacional. estratégicas
‡PDQXWHQomRGDXQLFLGDGH recursos federais ‡DSRLRjDUWLFXODomR
respeitando a diversidade ‡SDSHOUHGLVWULEXWLYR interestadual
‡EXVFDGDHTXLGDGH ‡GH¿QLomRGHSULRULGDGHV ‡UHJXODomRGDLQFRUSRUDomRH
‡DSRLRHLQFHQWLYRDR nacionais e critérios de uso de tecnologias em saúde
fortalecimento institucional investimentos e alocação ‡QRUPDVGHUHJXODomRVDQLWiULD
e práticas inovadoras de entre áreas da política e no plano nacional
gestão estadual e municipal entre regiões/estados ‡UHJXODomRGHPHUFDGRVHP
‡SODQHMDPHQWRH ‡UHDOL]DomRGH saúde (planos privados, insumos)
desenvolvimento de políticas investimentos para ‡UHJXODomRGDVSROtWLFDVGH
estratégicas nos campos redução de desigualdades recursos humanos em saúde
de tecnologias, insumos e ‡EXVFDGDHTXLGDGHQD ‡FRRUGHQDomRGRVVLVWHPDV
recursos humanos alocação de recursos nacionais de informações em
saúde
‡DYDOLDomRGRVUHVXOWDGRV
das políticas nacionais e do
desempenho dos sistemas
estaduais
Estadual ‡LGHQWL¿FDomRGHSUREOHPDV ‡GH¿QLomRGHSULRULGDGHV ‡UHJXODomRGHVLVWHPDV ‡HPiUHDV
HGH¿QLomRGHSULRULGDGHV estaduais municipais estratégicas:
no âmbito estadual ‡JDUDQWLDGHDORFDomRGH ‡FRRUGHQDomRGHUHGHV serviços assistenciais
‡SURPRomRGD recursos próprios de referência de caráter de referência
regionalização ‡GH¿QLomRGHFULWpULRV intermunicipal estadual/regional,
‡HVWtPXORjSURJUDPDomR claros de alocação de ‡DSRLRjDUWLFXODomR ações de maior
integrada recursos federais e intermunicipal FRPSOH[LGDGH
‡DSRLRHLQFHQWLYRDR estaduais entre áreas da ‡FRRUGHQDomRGD3URJUDPDomR de vigilância
fortalecimento institucional política e entre municípios 3DFWXDGDH,QWHJUDGD 33, QR epidemiológica ou
das secretarias municipais ‡UHDOL]DomRGH estado sanitária
de Saúde (SMS) investimentos para ‡LPSODQWDomRGHPHFDQLVPRV ‡HPVLWXDo}HVGH
redução de desigualdades GHUHJXODomRGDDVVLVWrQFLD H[ carência de serviços
‡EXVFDGDHTXLGDGHQD centrais, protocolos) e de omissão do
alocação de recursos ‡UHJXODomRVDQLWiULD QRVFDVRV gestor municipal
pertinentes)
‡DYDOLDomRGRVUHVXOWDGRVGDV
políticas estaduais
‡DYDOLDomRGRGHVHPSHQKRGRV
sistemas municipais
Municipal ‡LGHQWL¿FDomRGHSUREOHPDV ‡JDUDQWLDGHDSOLFDomRGH ‡RUJDQL]DomRGDVSRUWDVGH ‡H[HFXomRGH
HGH¿QLomRGHSULRULGDGHV recursos próprios entrada do sistema ações e prestação
no âmbito municipal ‡FULWpULRVFODURVGH ‡HVWDEHOHFLPHQWRGHÀX[RVGH direta de serviços
‡SODQHMDPHQWRGHDo}HV aplicação de recursos referência assistenciais,
e serviços necessários nos federais, estaduais e ‡LQWHJUDomRGDUHGHGHVHUYLoRV de vigilância
diversos campos municipais ‡DUWLFXODomRFRPRXWURV epidemiológica e
‡RUJDQL]DomRGDRIHUWDGH ‡UHDOL]DomRGH municípios para referências sanitária
ações e serviços públicos investimentos no âmbito ‡UHJXODomRHDYDOLDomRGRV ‡JHUrQFLDGH
e contratação de privados municipal prestadores públicos e privados unidades de saúde
(caso necessário) ‡UHJXODomRVDQLWiULD QRVFDVRV ‡FRQWUDWDomR
pertinentes) administração e
‡DYDOLDomRGRVUHVXOWDGRVGDV capacitação de
políticas municipais SUR¿VVLRQDLVGH
saúde
O Sistema Único de Saúde – SUS 387

AVANÇOS, DIFICULDADES E DESAFIOS PARA O SUS Saiba mais sobre os de-


terminantes das desi-
,PSOHPHQWDUR686HPVXDFRQFHSomRRULJLQDOVLJQL¿FDURPSHUFRPRPRGHORVREUH gualdades no acesso e na
o qual o sistema de saúde brasileiro se estruturou ao longo de várias décadas, em uma con- utilização dos serviços de
juntura político-econômica internacional e nacional bastante desfavorável à consolidação saúde no capítulo 6.

GHSROtWLFDVVRFLDLVDEUDQJHQWHVHVROLGiULDV6HSRUXPODGRRFRQWH[WRGHFULVHHFRQ{PLFD
HGHPRFUDWL]DomRQRVDQRVIDYRUHFHXRGHEDWHSROtWLFRQDiUHDGDVD~GHTXHVHUHÀHWLX
nos avanços da Constituição de 1988 e em mudanças objetivas no sistema; por outro, nos
anos 90, a concretização dos princípios do SUS seria continuamente tensionada por diversos
obstáculos estruturais e conjunturais (Levcovitz, Lima & Machado, 2001).
Os obstáculos estruturais estão relacionados, para alguns autores, a dois grupos básicos
de problemas que se apresentam para os países latino-americanos. Um primeiro grupo está
UHODFLRQDGRDRDOWRJUDXGHH[FOXVmRHKHWHURJHQHLGDGHIDWRUHVTXHQmRVmRSOHQDPHQWH
UHVROYLGRVSRUSURJUDPDVVRFLDLVHDRVFRQÀLWRVHQWUHHVIRUoRV¿QDQFHLURVVRFLDLVHLQVWLWX-
cionais para implantar políticas abrangentes em confronto com as restrições impostas pela
estrutura socioeconômica dessas sociedades. Um segundo grupo é de ordem institucional e
organizacional, representado pelas características predominantes dos sistemas de prestação
GHVHUYLoRVQHVVHVSDtVHV±FHQWUDOL]DomRH[FHVVLYDIUDJPHQWDomRLQVWLWXFLRQDOIUiJLOFDSDFL-
dade regulatória e fraca tradição participativa da sociedade (Draibe, 1997).
1R%UDVLORVREVWiFXORVHVWUXWXUDLVVHH[SUHVVDPQDVSURIXQGDVGHVLJXDOGDGHVVRFLRH-
FRQ{PLFDVHFXOWXUDLV±LQWHUUHJLRQDLVLQWHUHVWDGXDLVLQWHUPXQLFLSDLV±QDVFDUDFWHUtVWLFDV
do próprio federalismo brasileiro, na proteção social fragmentada e no modelo médico-
assistencial privatista sobre o qual o sistema foi construído.
8PGRVSULQFLSDLVGHVD¿RVSDUDDFRQVROLGDomRGR686SRUWDQWRpVXSHUDUDVSUR-
IXQGDVGHVLJXDOGDGHVHPVD~GHFRPSDWLELOL]DQGRDD¿UPDomRGDVD~GHFRPRGLUHLWRGH
cidadania nacional com o respeitRjGLYHUVLGDGHUHJLRQDOHORFDO,VVRLPSOLFDXPDPXGDQoD
substantiva no papel do Estado nas três esferas de governo, o fortalecimento da gestão pú-
EOLFDFRP¿QDOLGDGHVGLIHUHQFLDGDVQRVkPELWRVQDFLRQDOHVWDGXDOHPXQLFLSDODGLYLVmRGH
competências e a articulação de princípios nacionais de política com decisões e parâmetros
locais e regionais.
1RHQWDQWRQDiUHDGDVD~GHpWDUHIDEDVWDQWHFRPSOH[DVHSDUDUGHIRUPDWmRQtWLGD
RVHVSDoRVWHUULWRULDLVGHLQÀXrQFLDSROtWLFDGHFDGDHVIHUDGHJRYHUQR(PSULPHLUROXJDU
porque a perspectiva de construção de sistema é uma dimensão importante a ser considerada
QRSUySULRSURFHVVRGHGHVFHQWUDOL]DomR'DGDDGLVWULEXLomRJHRJUi¿FDGHVLJXDOGRVVHUYLoRV
públicos e privados no SUS, a regionalização, a hierarquização e a integralidade demandam
a formação e a gestão de redes de atenção à saúde não diretamente relacionadas a uma
mesma unidade político-administrativa, tais como as redes interestaduais de ações e serviços
de saúde (que envolvem mais de um estado) e as redes intermunicipais (que envolvem mais
de um município). Em segundo lugar, porque, na maioria das vezes, os fatores que deter-
minam os problemas de saúde e geram demandas para os serviços de saúde não respeitam
os limites dos territórios político-administrativos. Além disso, como já enfatizado, a maior
SDUWHGRVPXQLFtSLRVEUDVLOHLURVHPXLWRVHVWDGRVTXHUVHMDSRUTXHVW}HVGHHVFDODLQVX¿-
FLHQWHTXHUSHODGLIHUHQFLDomRGRVUHFXUVRVGLVSRQtYHLV ¿QDQFHLURVPDWHULDLVHKXPDQRV 
não possui condições de prover todas as ações e serviços necessários à atenção integral de
388 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL

seus munícipes. Essas características indicam a necessidade de se fortalecerem as instâncias


de pactuação de interesses e compartilhamento da gestão pública no SUS, em diferentes
escalas territoriais e abrangências, que permitam o desenvolvimento de ações coordenadas.
2XWURGHVD¿RSDUDDVXSHUDomRGHREVWiFXORVHVWUXWXUDLVHVWiUHODFLRQDGRjDUWLFXODomR
intersetorial para o desenvolvimento de políticas mais abrangentes. Pode-se dizer que além
dos campos típicos da atenção à saúde (assistência, vigilância epidemiológica, vigilância sa-
nitária), que compreendem as atividades mais diretamente voltadas para o atendimento das
necessidades de saúde, outros campos de atuação do Estado são estratégicos em uma política
pública destinada à garantia da saúde como direito social de cidadania. As políticas dirigidas
SDUDDViUHDVGHGHVHQYROYLPHQWRFLHQWt¿FRHWHFQROyJLFRHPVD~GHSURGXomRLQGXVWULDOH
provisão de insumos, formação de recursos humanos e regulação dos vários mercados em
VD~GHVmRH[HPSORVTXHHPJHUDOH[WUDSRODPRkPELWRGDDXWRULGDGHH[FOXVLYDGDVD~GH
Particularmente, a atuação do Ministério da Saúde nessas políticas é importante para as-
VHJXUDURDWHQGLPHQWRGDVQHFHVVLGDGHVVRFLDLVGHVD~GHFRQ¿JXUDQGRSRUVXDYH]XPD
concepção ampliada sobre a política de saúde, em sua dimensão social, econômica e de poder.
Em relação aos obstáculos conjunturais, ressalta-se a repercussão no Brasil da onda
conservadora de reformas em vários países, no plano político, econômico e social, a partir da
década de 1980, com graves consequências e retrocessos históricos no processo de constru-
ção da cidadania social. Noronha e Soares (2001) chamam a atenção para o forte conteúdo
de caráter político-ideológico e neoliberal das reformas implementadas, conduzidas por
políticas de ajustes, que seguiram uma agenda elaborada pelos organismos multilaterais de
¿QDQFLDPHQWR
(VVDVWHQGrQFLDVVHH[SUHVVDPQRSDtVGHVGHRVDQRVSRUPHLRGDDGRomRGHSROtWLFDV
de abertura da economia e de ajuste estrutural, com ênfase nas medidas de: 1) estabilização
da moeda; 2) privatização de empresas estatais; 3) adoção de reformas institucionais orienta-
das para a redução do tamanho do Estado e do quadro de funcionalismo público, incluindo
a agenda de reforma da previdência e a reforma do aparelho do Estado; 4) mudanças nas
relações de trabalho, com o aumento do segmento informal e do desemprego estrutural e
a fragilização do movimento sindical; 5) desregulamentação dos mercados.
Tais mudanças tensionam as políticas sociais universais em países desenvolvidos e, no
Brasil, onde o SUS ainda não foi consolidado, tiveram repercussões mais graves. Dessa for-
ma, pode-se dizer que os princípios e diretrizes da política de saúde foram construídos na
contracorrente das tendências hegemônicas de reforma dos Estados, e sua implementação
WHPVRIULGRDLQÀXrQFLDGHDJHQGDVGLVWLQWDVQDVGXDV~OWLPDVGpFDGDV 9LDQD 0DFKDGR
 2EVHUYDPVHQR¿QDOGRVDQRVWDQWRDYDQoRVFRPRGL¿FXOGDGHVQRVGLYHUVRV
HL[RVHVWUDWpJLFRVSDUDDLPSODQWDomRGR686VLQWHWL]DGRVQR4XDGUR
O Sistema Único de Saúde – SUS 389

4XDGUR±$YDQoRVHGL¿FXOGDGHVQDLPSOHPHQWDomRGR686

(L[RV Aspectos-chave Avanços 'L¿FXOGDGHV


estratégicos
Financiamento ‡)RQWHVHVWiYHLVSDUDRVHWRU ‡$XPHQWRGDSDUWLFLSDomR ‡1mRLPSODQWDomRGR2UoDPHQWRGD
oriundas dos três níveis de dos municípios e estados no Seguridade Social
governo ¿QDQFLDPHQWRGDVD~GH ‡,QVWDELOLGDGHGHIRQWHVGXUDQWHDPDLRU
‡&RQGLo}HVGH¿QDQFLDPHQWR ‡$XPHQWRSURJUHVVLYRGDV parte da década de 1990 (EC 29 só foi
e gasto adequadas para o setor transferências automáticas aprovada em 2000)
nas três esferas de governo (‘fundo a fundo’) de recursos ‡'L¿FXOGDGHVQDUHJXODPHQWDomRHQR
‡6XSOHPHQWDomRH federais para estados e cumprimento da vinculação constitucional
redistribuição de recursos municípios da saúde (EC 29)
¿VFDLVSDUDHVWDGRVH ‡,QVX¿FLHQWHYROXPHGHUHFXUVRVSDUDR
municípios mediante a adoção setor
de mecanismos e critérios ‡%DL[DSDUWLFLSDomRGRVLQYHVWLPHQWRVQR
equitativos para transferência gasto público em saúde
de recursos federais ‡([FHVVRGHFRQGLFLRQDOLGDGHVSDUD
‡'HVHQYROYLPHQWRGHSROtWLFD aplicação de recursos federais transferidos
regional de investimentos ‡'LVWULEXLomRGHUHFXUVRVIHGHUDLVTXH
para o SUS ainda segue muito o padrão da oferta,
com limitações na adoção de critérios de
promoção da equidade
Relações público- ‡&RQVROLGDomRGRVLVWHPD ‡$XPHQWRGDRIHUWDS~EOLFD ‡3RXFDDGRomRGHPHFDQLVPRV
privadas público de saúde, único e de serviços de saúde, de transferências interestaduais e
universal, em uma lógica de principalmente municipal intermunicipais de recursos para o SUS
seguridade social ‡$XPHQWRGDFDSDFLGDGH ‡&UHVFLPHQWRGRVHWRUSULYDGRVXSOHWLYR
‡&DUiWHUFRPSOHPHQWDUGR gestora em diversos estados e VXEVLGLDGRSRUUHQ~QFLD¿VFDOFRP
setor privado no sistema em milhares de municípios segmentação da clientela
‡)RUWDOHFLPHQWRGDJHVWmR ‡5HJXODomRDLQGDLQFLSLHQWHVREUHRV
pública e da regulação do prestadores privados do SUS e setor privado
setor privado supletivo
‡0XOWLSOLFDomRGHQRYDVIRUPDVGH
articulação público-privada na saúde
(terceirizações, fundações, cooperativas,
organizações sociais etc.)
Descentralização ‡'H¿QLomRGRSDSHOGDV ‡7UDQVIHUrQFLDSURJUHVVLYDGH ‡5HYDORUL]DomRUHFHQWHPDVDLQGD
e relações entre três esferas de governo responsabilidades, atribuições LQGH¿QLo}HVGRSDSHOGRJHVWRUHVWDGXDO
gestores no SUS respeitando-se as e recursos da esfera federal com riscos de fragmentação do sistema
HVSHFL¿FLGDGHVUHJLRQDLV para estados e principalmente ‡&RQÀLWRVDFHQWXDGRVHFRPSHWLWLYLGDGH
‡7UDQVIHUrQFLDGH municípios nas relações entre gestores (federal-estadual-
responsabilidades, atribuições ‡(VWDEHOHFLPHQWRGDVFRPLVV}HV municipal, estadual-estadual, estadual-
e recursos da esfera federal intergestores como instâncias municipal e municipal-municipal)
para estados e municípios efetivas de negociação e decisão ‡%DL[DLQVWLWXFLRQDOLGDGHGDVLQVWkQFLDVGH
‡0HFDQLVPRVGHQHJRFLDomR negociação e pactuação federativa em âmbito
e relacionamento entre regional
JHVWRUHVSDUDGH¿QLomRH
implementação da política
*HVWmRH ‡)RUWDOHFLPHQWRGD ‡$XPHQWRGDFDSDFLGDGH ‡+HWHURJHQHLGDGHGDFDSDFLGDGHJHVWRUD
organização do capacidade de gestão pública JHVWRUDHH[SHULrQFLDV entre os diversos estados e municípios
sistema do sistema inovadoras de gestão e ‡3HUVLVWrQFLDGHGLVWRUo}HVUHODFLRQDGDVDR
‡([SDQVmRHGHVFRQFHQWUDomR organização da rede de serviços PRGHORDQWHULRUVXSHUSRVLomRHH[FHVVRGH
da oferta de serviços de saúde em diversos estados e RIHUWDGHDOJXPDVDo}HVLQVX¿FLrQFLDGH
‡$GHTXDomRGDRIHUWDjV municípios outras, pouca integração entre serviços
necessidades da população ‡([SDQVmRHIHWLYDGDRIHUWDGH
‡2UJDQL]DomRHLQWHJUDomR serviços para áreas até então
da rede de serviços em desassistidas
uma lógica hierarquizada e
regionalizada
390 POLÍTICAS E SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL

4XDGUR±$YDQoRVHGL¿FXOGDGHVQDLPSOHPHQWDomRGR686 FRQW

(L[RV Aspectos-chave Avanços 'L¿FXOGDGHV


estratégicos
Atenção aos ‡8QLYHUVDOL]DomRHIHWLYDGR ‡$PSOLDomRGRDFHVVRHP ‡3HUVLVWrQFLDGHGHVLJXDOGDGHVQRDFHVVR
usuários acesso de todos os cidadãos termos de população assistida e ‡3HUVLVWrQFLDGHGLVWRUo}HVQRPRGHORGH
brasileiros a todas as ações de ações oferecidas pelo SUS atenção (medicalização, uso inadequado de
saúde necessárias ‡([SHULrQFLDVLQRYDGRUDVGH tecnologias)
‡0XGDQoDGRPRGHORGH diversos estados e municípios ‡3UREOHPDVQRkPELWRGDTXDOLGDGHH
atenção no sentido da mudança do resolubilidade da atenção em diversos
‡0HOKRULDGDTXDOLGDGH modelo de gestão (adscrição de serviços do SUS em todo o país
da atenção, satisfação dos clientela, vínculo, integralidade
cidadãos e efetividade das das ações)
ações, com impacto positivo ‡0XGDQoDQDVSUiWLFDVGH
na saúde da população DWHQomRHPYiULDViUHDV H[
saúde mental)
‡([SDQVmRGHHVWUDWpJLDVGH
agentes comunitários de saúde
e saúde da família em todo o
país
‡0HOKRULDGHLQGLFDGRUHVGH
saúde em diversos pontos do
país
Recursos ‡)RUPDomRHFDSDFLWDomR ‡$XPHQWRGDFDSDFLGDGH ‡'LVWRUo}HVQDIRUPDomRGRVSUR¿VVLRQDLV
humanos adequadas de recursos técnica de gestão do sistema de saúde
humanos para o SUS, tanto de saúde em várias unidades ‡+HWHURJHQHLGDGHHQWUHRVGLYHUVRV
para a gestão como para as federativas e municípios estados e municípios na constituição de
atividades de atenção ‡,PSODQWDomRGHSURJUDPDV equipes técnicas nas secretarias de Saúde
‡&RQVWLWXLomRGHTXDGURV de reorientação da formação ‡'L¿FXOGDGHVGHHVWDGRVHPXQLFtSLRV
técnicos gestores nos estados SUR¿VVLRQDOHPVD~GHHP QDFRQWUDWDomRGHSUR¿VVLRQDLVGHVD~GH
e municípios vários cursos de graduação agravadas pela conjuntura de Reforma
‡'LVWULEXLomRHTXLWDWLYDGH ‡$PSOLDomRGDRIHUWDGH do Estado, com pressões para redução de
SUR¿VVLRQDLVGHVD~GHHP cursos de capacitação e gastos com pessoal
todo o país educação permanente no SUS ‡'LVWULEXLomRGHVLJXDOHLQHTXLWDWLYDGH
SUR¿VVLRQDLVGHVD~GHQRWHUULWyULRQDFLRQDO
‡$XPHQWRGDSUHFDUL]DomRGDVUHODo}HVGH
trabalho na saúde
Participação ‡3DUWLFLSDomRGDVRFLHGDGH ‡&RQVWLWXLomRGHFRQVHOKRVGH ‡)XQFLRQDPHQWRHIHWLYRGRVFRQVHOKRV
social nas decisões sobre a política Saúde no âmbito nacional, em bastante variável entre as diversas UFs e
de saúde todas as unidades da federação municípios
‡,PSOHPHQWDomRQDV e na maioria dos municípios ‡3UHGRPtQLRGRFDUiWHUFRQVXOWLYRGRV
três esferas de governo brasileiros, com participação conselhos sobre o caráter deliberativo sobre
de conselhos de Saúde dos usuários a política, em várias situações
deliberativos, envolvendo
diversos segmentos sociais,
com 50% de usuários
‡&RQWUROHGDVRFLHGDGH
sobre os gestores e
prestadores do SUS
Desenvolvimento ‡'HVHQYROYLPHQWR ‡3UHVHUYDomRGDFDSDFLGDGH ‡'HIDVDJHPWHFQROyJLFDHPYiULRV
FLHQWt¿FRH FLHQWt¿FRHWHFQROyJLFR nacional de produção em segmentos relevantes para a saúde e uso
tecnológico e nacional compatível com as algumas áreas (medicamentos, inadequado de tecnologias em outros
produção de necessidades do SUS vacinas), inclusive no setor ‡(VWDJQDomRGDLQG~VWULDQDFLRQDOQRVDQRV
insumos para a ‡)RUWDOHFLPHQWRGD S~EOLFR )LRFUX],QVWLWXWR 90, atingindo vários segmentos da saúde
saúde capacidade de inovação Butantan) ‡$OWDGHSHQGrQFLDGHLPSRUWDo}HV Gp¿FLW
e produção nacional de comercial relativo a insumos da saúde)
insumos relevantes para a ‡&XVWRVHOHYDGRVGHLQVXPRVHPUD]mRGDV
saúde características das empresas transnacionais
‡)RUWDOHFLPHQWRGD e da aprovação da Lei Brasileira de
capacidade de regulação da 3URSULHGDGH,QWHOHFWXDO HP
incorporação tecnológica no
SUS mediante a adoção de
FULWpULRVFLHQWt¿FRV
O Sistema Único de Saúde – SUS 391

4XDGUR±$YDQoRVHGL¿FXOGDGHVQDLPSOHPHQWDomRGR686 FRQW

(L[RV Aspectos-chave Avanços 'L¿FXOGDGHV


estratégicos
Provisão e ‡'LVWULEXLomRHSURYLVmR ‡$XPHQWRGDGLVSRQLELOLGDGH ‡3HUVLVWrQFLDGRTXDGURGHLQVX¿FLrQFLDH
regulação de adequada de insumos de equipamentos e insumos em desigualdades na distribuição de insumos
insumos para o necessários para a saúde em áreas do país anteriormente no país
setor todo o território nacional desassistidas ‡*UDQGHSHVRGRVHWRUSULYDGRQDRIHUWD
‡5HJXODomRGHPHUFDGRV ‡*DUDQWLDGHPHGLFDPHQWRV de procedimentos de apoio diagnóstico
relativos aos insumos em necessários no âmbito de ‡'L¿FXOGDGHGHDFHVVRDGLYHUVRVWLSRVGH
saúde, de forma coerente SURJUDPDVHVSHFt¿FRV FRP equipamentos e medicamentos
com as necessidades de saúde destaque para o controle do ‡/LPLWDo}HVGDDVVLVWrQFLDIDUPDFrXWLFD
da população e os princípios +,9$LGV pública
do SUS ‡3ROtWLFDGHPHGLFDPHQWRV ‡/LPLWDGDUHJXODomRHVWDWDOVREUHRV
genéricos (a partir de 1998) mercados de insumos em saúde
Fonte: Adaptado de Levcovitz, Lima & Machado, 2001.

 $ FRPSOH[LGDGH GHVVH TXDGURID] FRPTXH VHMDP SRVVtYHLVGLYHUVRVHQIRTXHVGH


análise sobre a política de saúde no Brasil. Assim, a produção de diferentes autores sobre
R686QRSHUtRGRUHFHQWHpH[WUHPDPHQWHYDULDGDQRTXHGL]UHVSHLWRDRPDUFRWHyULFR
FRQFHLWXDODGRWDGRHDRVHOHPHQWRVHQIDWL]DGRVKDYHQGRSRXFRFRQVHQVRVREUHRVGHVD¿RV
DLQGDH[LVWHQWHV

3DUDUHÀHWLU
(YRFrRTXHSHQVDVREUHLVVR"(PVXDRSLQLmRTXDLVVmRRVSULQFLSDLVGHVD¿RVSDUDDFRQVROLGDomR
do SUS? Quais são as pessoas que apoiam e sustentam o SUS, ou seja, qual é atualmente a base
social de apoio à política pública de saúde? E quais são os principais interesses contrários ao for-
talecimento do ideal da saúde como direito de cidadania? Quais seriam as estratégias necessárias
SDUDVXSHUDURVGHVD¿RVTXHYRFrLGHQWL¿FD"

Mesmo em relação à descentralização, as condições, características e formas de con-


dução do processo e também os seus resultados têm sido questionados em vários estudos.
O fato é que a descentralização não garante per se o fortalecimento do caráter democrático
do processo decisório na formulação de políticas, nem, necessariamente, possibilita o for-
talecimento das capacidades administrativas e institucionais dos governos locais, regionais
e central. O fortalecimento institucional das três esferas de governo depende de mudanças
mais amplas do Estado, que transcendem o espaço da política setorial, sendo a concretização
GR686LQÀXHQFLDGDSRURXWURVDVSHFWRVDLQGDQmRHTXDFLRQDGRVFRPRRDGHTXDGRDSRUWH
GHUHFXUVRV¿QDQFHLURV LQFOXLQGRRVLQYHVWLPHQWRV DSURYLVmRHDUHJXODomRDGHTXDGDGH
LQVXPRVRGHVHQYROYLPHQWRFLHQWt¿FRHWHFQROyJLFRDVXSHUDomRGRVSDGU}HVGHLQLTXLGD-
de do sistema e a permeabilidade das instituições do setor saúde aos valores democráticos.
$FRQVROLGDomRGR686QRFRQWH[WRDWXDOHQYROYHXPDVpULHGHFRPSOH[RVGHVD¿RV
H[LJLQGRPXGDQoDVHVWUXWXUDLVSURIXQGDVHHVWUDWpJLDVGHORQJRSUD]R$OXWDSHODJDUDQWLD
da saúde como direito de cidadania é hoje a luta por um novo modelo de desenvolvimento
para o país e por um novo espaço para a proteção social e a política de saúde nesse modelo.
7DOLQÀH[mRUHTXHUSROtWLFDVHVWDWDLVDEUDQJHQWHVHUHVSRQViYHLVHXP sólido apoio ao sistema
público, tendo por base o fortalecimento dos laços de solidariedade social no Brasil.

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