Você está na página 1de 10

CBI of Miami 1

DIREITOS AUTORAIS

Esse material está protegido por leis de direitos autorais. Todos os


direitos sobre ele estão reservados.
Você não tem permissão para vender, distribuir gratuitamente, ou copiar
e reproduzir integral ou parcialmente esse conteúdo em sites, blogs, jornais ou
quaisquer veículos de distribuição e mídia.
Qualquer tipo de violação dos direitos autorais estará sujeito a ações
legais.

CBI of Miami 2
Dislexia III: Adaptações Curriculares e Inclusão Escolar
Marília Seno

Conforme a CID-10, os transtornos da aprendizagem são perceptíveis


desde as primeiras etapas do desenvolvimento (WCEDCA, 2007). A presença
de alterações fonológicas é um importante sinal de risco, assim como a
inabilidade de rima e prosódia e a dificuldade na generalização da soletração
de sons para a correspondência grafema/fonema (Capellini et al., 2010).
As manifestações geralmente são identificadas no início do processo de
alfabetização, quando a criança entra em contato formal com a linguagem
escrita. As falhas nos processos cognitivos, fonológicos e/ou visuais
acarretarão o comprometimento da aquisição da leitura, da escrita e da
ortografia (Reid, 2016).
A escola desempenha um importante papel tanto no que diz respeito à
identificação dos sinais de risco - para que desenvolva ações preventivas;
como com relação às mudanças de olhar, nos casos em que o diagnóstico já
foi confirmado.
Em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional preconizou
que os sistemas de ensino devem assegurar aos estudantes currículo,
métodos, recursos e organização específicos para atender às suas
necessidades.
Após cinco anos, o Plano Nacional de Educação (2001), destacou que “o
grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção
de uma escola inclusiva que garantisse o atendimento à diversidade humana”;
porém, estudos apontaram um déficit referente à oferta de matrículas, à
formação docente, à acessibilidade física e ao atendimento educacional
especializado.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, publicada pelo MEC em 2008, instaurou um novo marco teórico e
organizacional na educação brasileira, definindo a educação especial como
modalidade não substitutiva à escolarização; o conceito de atendimento
educacional especializado complementar ou suplementar à formação dos
estudantes; e o público alvo da educação especial constituído pelos estudantes

CBI of Miami 3
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. De acordo com as diretrizes da nova política:

A educação especial é definida como uma modalidade de ensino que


perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, que disponibiliza
recursos e serviços, realiza o atendimento educacional especializado
e orienta quanto a sua utilização no processo de ensino e
aprendizagem nas turmas comuns do ensino regular (Brasil, 2008,
p.7).

O atendimento educacional especializado é um serviço da educação


especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de
acessibilidade, que eliminam barreiras para a plena participação dos alunos,
considerando suas necessidades específicas. Ele deve ser articulado com a
proposta da escola regular, embora suas atividades se diferenciem das
realizadas em salas de aula de ensino comum (MEC, 2009). Esse atendimento
não é substitutivo à escolarização, ele complementa e/ou suplementa a
formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora
dela.
O programa de implantação de salas de recursos multifuncionais - SRM
foi uma iniciativa do Ministério da Educação, por meio da Portaria nº 13 de 24
de abril de 2007, para incentivar o Atendimento Educacional Especializado
dentro das escolas do ensino regular (Portaria, no 13/ 2007) oferecendo apoio
pedagógico aos alunos que têm necessidades próprias e precisam de recursos
e metodologias diferenciados, priorizando o seu público-alvo:

O programa de implantação das SRM do MEC, tem como objetivo


apoiar a organização e a oferta do Atendimento Educacional
Especializado – AEE, prestado de forma complementar ou
suplementar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento, altas habilidades/superdotação matriculados em
classes comuns do ensino regular, assegurando-lhes condições de
acesso, participação e aprendizagem (Brasil, 2010).

Os alunos público-alvo da educação especial devem ser matriculados


nas salas de aula regulares e receber o atendimento educacional especializado
– AEE no turno contrário ao de matrícula. As salas de recursos multifuncionais
funcionam na própria unidade escolar ou em escolas polos e possuem
equipamentos, recursos de acessibilidade e materiais pedagógicos específicos

CBI of Miami 4
que auxiliam na promoção da escolarização, eliminando barreiras que
impedem a plena participação desses alunos.
Considerando que o aluno com dislexia também encontra barreiras no
ensino regular que impedem sua plena participação e o desenvolvimento de
sua aprendizagem, segue abaixo uma reflexão sobre as propostas do
Ministério da Educação relativas à inclusão educacional baseadas na
legislação proposta pelo Ministério da Educação, tais como: Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Brasileira. (1996), Plano Nacional de Educação (2001),
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(2008).
Há algumas décadas, propostas vêm sendo apresentadas e ajustadas
pelo Ministério da Educação com o objetivo de garantir os mesmos direitos de
acesso à aprendizagem a todos os alunos do país.
Enquanto os esforços iniciais focavam na garantia do acesso e da
permanência dos deficientes na escola, com o passar dos anos ele tem se
concentrado na efetivação de ações que atendam às necessidades individuais
desse público uma vez grande parte já frequenta as salas de aula regulares:

No contexto das políticas públicas para o desenvolvimento inclusivo


da escola se insere a organização das salas de recursos
multifuncionais, com a disponibilização de recursos e de apoio
pedagógico para o atendimento às especificidades educacionais dos
estudantes público-alvo da educação especial matriculados no ensino
regular (Brasil, 2012).

Disponibilizar recursos e apoio pedagógico não garante a igualdade de


oportunidade e, apesar da implantação das salas de atendimento
multifuncionais terem sido consideradas um marco da educação especial, há
de se refletir sobre os critérios que foram considerados para definir o público
que tem direito a elas. Não seria essa própria seleção uma forma de
discriminação?
Como referiu Pletch (2011) em 2008 foi apresentado pelo MEC um
documento que sugeriu como público-alvo da Educação Especial alunos com
transtornos funcionais específicos – TFE, entre eles, a dislexia, a disortografia,
a disgrafia, a discalculia e o transtorno de atenção e hiperatividade (Brasil,
2008a, p. 15). Contudo, no documento “Marcos Político-Legais da Educação

CBI of Miami 5
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (Brasil, 2010), apesar dos TFE
terem sido mencionados (p. 20), não foram caracterizados como público-alvo
da Educação Especial (Pletch, 2011).
O decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, dispôs sobre a
educação especial, o atendimento educacional especializado e deu outras
providências. Em seu §1o do Art.1 considerou como público-alvo da educação
especial as pessoas com deficiência, com transtornos globais do
desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação.
Ao definir o público-alvo do Atendimento Educacional Especializado, o
Art. 4º da resolução 4/2009 (Brasil, 2009), classifica os alunos com deficiência
como “aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual, mental ou sensorial”.
Considerando que a dislexia é um transtorno de aprendizagem de
origem neurobiológica, sendo está uma condição intrínseca ao indivíduo e
permanecendo, suas manifestações, durante toda sua vida; essa condição
acarretará, inevitavelmente, impedimentos de logo prazo que prejudicarão o
desenvolvimento do aprendizado.
A Organização Mundial da Saúde tem duas classificações de referência
para a descrição dos estados de saúde: a Classificação Internacional de
Doenças - CID-10 e a Classificação Internacional de Funcionalidade - CIF
(WHO, 2001). A CID-10, contém os eixos etiológico, o anátomo-funcional, o
anátomo-patológico, o clínico e o epidemiológico. Na CIF, a funcionalidade e
incapacidade associadas aos estados de saúde são classificadas na CIF
(USTUN, 2002; OMS, 1989).
Segundo Lollar (2002), não existe uma de clareza na definição de
“deficiência ou incapacidade”, o que tem sido apresentado como um
impedimento para a promoção da saúde. A vigilância e a intervenção
dependeriam da capacidade para identificar as pessoas que deveriam ser
incluídas nesta definição (Lollar, 2002).
O item 6.2 do Manual Prático para o uso da Classificação Internacional
de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde esclarece o papel da CIF nas
informações diagnósticas e educacionais (p. 67) referindo que as informações

CBI of Miami 6
sobre problemas, déficits ou deficiências devem ser entendidas no contexto da
participação na educação:

É importante notar que relações entre deficiência e desempenho


acadêmico ou entre capacidade e desempenho, em um dado
ambiente educacional nunca são diretas, mas precisam ser
exploradas e entendidas. No contexto da educação, as informações
funcionais sobre deficiências devem ser combinadas com
informações sobre funcionalidade relevantes para o aprendizado e
entendidas no contexto dos requisitos específicos para a participação
bem-sucedida que podem diferir consideravelmente de um contexto
educacional para outro.

Um indivíduo pode apresentar uma deficiência e não necessariamente


viver qualquer tipo de incapacidade, da mesma forma que uma pessoa pode
viver a incapacidade sem ter nenhuma deficiência (Núbia, 2008). Diante disso,
é correto afirmar que definir o público-alvo da educação especial considerando
apenas uma terminologia pode não ser a melhor forma de garantir a inclusão.
O §1º do Art. 2º denomina atendimento educacional especializado como
sendo o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos
organizados institucional e continuamente, prestado, com o objetivo de prover
condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir
serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais
dos estudantes.
Consideramos que todo e qualquer estudante, público-alvo ou não da
educação especial, tem necessidades individuais; promover ações para apenas
uma parcela da população não seria contraditório ao que prega a inclusão
educacional?
Em estudo recente, Seno e Capellini (2018) indagaram: exigir a
comprovação médico-diagnóstica da condição de um aluno, para que ele tenha
direito ao atendimento educacional especializado não é uma forma de
exclusão?
Considerando as divergências observadas nas propostas do
atendimento educacional especializado preconizadas pelo Ministério da
Educação, este estudo procurou promover uma reflexão sobre quais critérios
foram considerados para determinar o público-alvo da educação Especial e
indicar os motivos pelos quais o disléxico estar incluído nele.

CBI of Miami 7
Conclusão
Após apresentar regulamentações e normativas propostas pelo
Ministério da Educação, relativas à Educação Especial foi realizada uma
discussão, na qual se argumentou a contradição existente na chamada
“inclusão educacional” que, em alguns momentos, parece segregar parte dos
alunos com necessidades diferenciadas.
Ao expor a definição científica da dislexia, demonstrando as limitações
pedagógicas dos indivíduos nesta condição, foram realizados os apontamentos
legais que devem ser considerados para caracterizá-los como público-alvo da
educação especial.
Se considerarmos que:
• Tanto a CID-10 como a CIF, duas diferentes classificações de referência
para a descrição dos estados de saúde, não são claras na definição da
“deficiência”;
• Segundo o MEC “deficiente” são aqueles que têm impedimentos de longo
prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial segundo;
• A dislexia é um transtorno de aprendizagem de origem neurobiológica,
sendo esta uma condição intrínseca ao indivíduo na qual as manifestações são
permanentes;
• Na dislexia ocorrem falhas nos processos cognitivos e fonológicos entre
outros comprometimentos.
Pode-se concluir que o aluno com dislexia apresenta o quadro clínico e
as manifestações consideradas pelo Ministério da Educação como
“deficiência”; portanto, enquadra-se no público-alvo da educação especial,
tendo os mesmos direitos ao atendimento educacional especial que o referido
grupo.

CBI of Miami 8
Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o plano nacional de


educação e dá outras providencias. Diário oficial da união de 9 de janeiro de
2001. Brasília, 2001.

BRASIL. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes


e bases da educação nacional. Diário oficial da união de 20 de dezembro de
1996. Brasília, 1996.

BRASIL. Ministério da educação. Secretaria de educação especial. Marcos


político-legais da educação especial na perspectiva da educação
inclusiva. Brasília, 2010. 73 p.

BRASIL. Ministério da educação. Secretaria de educação especial.


Documento orientador programa implantação de salas de recursos
multifuncionais. Brasília, 2012. Disponível em://http: http://portal.mec.gov.br/.
Acesso em: 15 de julho de 2018.

BRASIL. Ministério da educação. Secretaria da educação especial. Portaria


normativa nº 13, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a criação do programa
de implantação de salas de recursos multifuncionais. Diário oficial da união
de 26 de abril de 2007. Brasília, 2007.

BRASIL. Ministério da educação. Secretaria de educação especial. Política


nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
Diário oficial da união. Brasília, 2008a.

CAPELLINI, s. A. Et al. EFICÁCIA TERAPÊUTICA DO PROGRAMA DE


REMEDIAÇÃO FONOLÓGICA EM ESCOLARES COM DISLEXIA DO
DESENVOLVIMENTO. Rev cefac, v. 12, n. 1, p. 27-39, 2010.

CONSELHO NACIONAL DA EDUCAÇÃO. Resolução n 04 de 02 de outubro de


2009. Institui diretrizes operacionais para o atendimento educacional
especializado na educação básica, modalidade educação especial. Diário
oficial da união, brasília, 5 de outubro de 2009, seção 1, p.17.

GIL, a. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. Ed. São paulo: atlas,


2002.

LOLLAR d. J. Public health and disability: emerging opportunities. Public


health rep; 117, 131-6, 2002.

NOGUEIRA, a. B. Perfil de pesquisas relacionadas à dislexia: revisão de


literatura. Revista da psicopedagogia, são paulo, v. 31, n. 94, p. 73-81, 2014.

NUBILA, d; ventura, h. B.; buchalla, c. M. O papel das classificações da


OMS-CID e CIF nas definições de deficiência e incapacidade. Revista
brasileira de epidemiologia, v. 11, p. 324-335, 2008.

CBI of Miami 9
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação internacional das
deficiências, incapacidades e desvantagens (handicaps): um manual de
classificação das consequências das doenças. Lisboa; 1989.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Como usar a CIF: um manual prático


para o uso da classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e
saúde (CIF). Versão preliminar para discussão. Genebra, outubro de 2013.

PLETSCH, m. A dialética da inclusão/exclusão nas políticas educacionais


para pessoas com deficiências: um balanço do governo lula (2003-2010).
Revista teias, v.12, n.24, p.17, 2011.

REID, g. Dyslexia: a practitioner's handbook. 5rd ed. New Jersey: wiley, 2016.
502 p.

SENO m.p.; capellini, s.a. Política educacional inclusiva: uma reflexão sobre
o panorama nacional. In: ivx jornada de educação especial e ii congresso
internacional de educação especial e inclusiva. 2018. Marilia, unesp, 2018.

ÜSTUN t. B. The international classification of functioning, disability and


health: a common framework for describing health states. In: murray c.j.l.,
solomon j.a., mathers c.d.

LOPEZ a.d., editors. Summary measures of population health: concepts,


ethics, measurement and applications. Geneva: who, 2002. P. 344-8

WORKGROUP for classification of eating disorders in children and adolescents


[wcedca]. Classification of child and adolescent eating disturbances.
International journal of eating disorders, 40, 117-122, 2007.

WORLD health organization, family development committee. Implications for


the icd of the icf. Meeting of heads of who collaborating centres for the family
of international classifications. Bethesda, october 2001.

CBI of Miami 10

Você também pode gostar