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Esta é uma obra de ficção.

Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa e diagramação: Julia Menezes


Revisão: Angelica Podda

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

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Edição Digital | Criado no Brasil.

Copyright © Julia Menezes


SUMÁRIO
Nota da autora
PRÓLOGO
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EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
ENTRE NO GRUPO DO WHATSAPP
OUTROS LIVROS DA AUTORA
Para as que preferem os bad boys e a emoção da caçada
Sinopse

“Ele me olha como se eu fosse dele e nesse momento não parece tão
ruim.”

Seraphina Petrova sempre foi a menina de ouro, certinha e perfeita,


mas escondeu um lado sombrio até que foi tarde demais. Um ano depois ela
está de volta, completamente mudada; a menina feliz e sorridente não existe
mais e há um vazio em seu olhar.
Yurio Leonov foi moldado para o caos, mas resiste em se entregar
completamente a ele. Nunca pensou que poderia se interessar por uma
menina certinha, mas quando vê Seraphina parecendo a casca do que já foi
ele fica interessado.
Quando Seraphina é obrigada a entrar para a fraternidade mais
temida de toda a universidade, tendo que seguir os comandos de Yurio, ela
descobre que pode ser divertido deixar seu lado sombrio sair. No entanto,
Yurio está ansioso para ver o que ela é capaz.
Nota da autora
Olá, bem-vindo a mais um livro. Herdeiro do Caos, apesar de ser um
livro independente, ainda faz parte do universo de todos os meus livros até
agora, o JuliaVerso , então alguns personagens dos outros podem migrar
para ele.
Ele está ligado à obra O Monstro da Bratva, já que é o livro do
sobrinho do monstro. O casal daquela história aparece nessa e assim pode
haver alguns spoilers , mas nada que afete a leitura do outro livro.
Como uma boa fã de The Vampire Diaries , imaginei nossa
Seraphina como a Elena Gilbert e podem esperar algumas referências.
Alguns gatilhos que podem ser sensíveis e devem ser mencionados
são: saúde mental, transtornos psicológicos, tentativa de estupro (não do
protagonista), fetiches, palavrões, sangue, morte e violência.
Boa leitura!
PRÓLOGO
Não, eu não me importo com a dor
Eu vou andar pelo fogo e pela chuva
Só para ficar mais perto de você
Você grudou em mim como uma tatuagem
Tattoo - Loreen

FUTURO
SERAPHINA

Ele está me alcançando; pior do que isso, sinto meus pés diminuindo
a velocidade, esperando que ele me embrenhasse como um predador. Que
me devorasse até que não sobrasse nada, até que eu não fosse nada. Eu
queria isso, eu merecia isso.
Meus pés cederam e um alívio me escapou quando senti seu corpo
sobre o meu. Sua mão agarrando meu cabelo num aperto firme, enquanto
sua voz rouca arrepiava até minha alma.
— Não é uma caçada se a caça quer ser devorada, Kiska [1] .
— Não me chame assim. — Eu me debati, sentindo as pedras e
cascalhos contra meus jeans.
— Se você achou que esse era o fim do jogo, está enganada.
Ele se levanta e eu me contorço, chocada que simplesmente se
afastou. Isso não deveria acontecer assim. Ele não me puxa do chão,
levando seu tempo me observando. Eu também não me mexo, por que dessa
vez o medo me toma. Ele realmente era um predador, não uma brincadeira.
Não quando ele saca a sua arma e aponta direto para mim.
Perco a respiração e mal percebo que levanto do chão, meus pés
escorregando no cascalho enquanto tento correr, mesmo quando minhas
pernas falham. Consigo me afastar só mais uns metros antes que ele me
derrube e monte em cima da minha barriga; consigo sentir sua ereção dura
contra meu ventre, mas qualquer excitação vai embora quando a arma é
colocada na minha cabeça. Uma lágrima escorre do meu olho e ele observa
sem emoção. Vazio.
— Não era isso que você queria?
Tento falar, mas a minha voz não sai. Tinha certeza que se ele me
matasse não haveria corpo para ser enterrado, provavelmente seria jogada
em alguma vala nessa clareira. Ninguém sentiria minha falta, ninguém
ligaria para meu sumiço.
— Implore.
Sua voz me arrepia, mas uma força dentro de mim me impede de
fazer isso. Eu não imploraria pela minha vida como muitos outros fizeram.
— Não.
Aproximo mais minha cabeça do gatilho e um sorriso sádico toma
seu rosto. É tão assustador quanto bonito, uma bela besta.
— Ah, amor. Você não sabe o que acabou de fazer.
— O quê? — pergunto receosa.
Ele se abaixa, até seus lábios quase encontrarem os meus.
— Mostrou que você é perfeita para mim.
Então ele puxa o gatilho e eu não fecho os olhos, esperando que o
ódio em meu olhar o assombre pelo resto da sua vida.
1
Isso não me machuca
Você quer sentir como eu me sinto?
Você quer saber que não me machuca?
Você quer escutar sobre o trato que eu estou fazendo?
Running Up That Hill — Placebo

ANTES
YURIO
Nem tento esconder os olhos roxos e os hematomas enquanto
caminho pelos corredores da escola, todos sabem que é melhor não se
meterem comigo. Tenho faltado às aulas há dias para ficar de olho em
Sophia Hoffman, a princesa da máfia Hoffman que foi sequestrada por meu
tio Nikolai, mas pelo que tenho visto eles estão apaixonados e é aí que mora
o perigo.
Meu avô, o Pakhan da Bratva, Leoncio Leonov, é um homem mau,
que se delicia ao ver o medo nas pessoas. Ele afastou meu tio de Sophia,
provavelmente suspeitando e eu precisava ficar de olho nela, devia muito a
Nikolai e sabia que proteger algo que ele se importava, talvez a única coisa,
era importante.
Meu estômago embrulhava toda vez que eu passava pelo corredor
onde seu quarto estava e o encontrava rondando; só de imaginar o que ele
poderia fazer com Sophia fazia meu corpo contrair e eu me ressentia de ter
o mesmo sangue que ele.
Ser o Pakhan da Bratva era um cargo importante, mas meu avô
usava isso para causar terror e medo onde quer que ele fosse. Uma família
devia ser unida, mas ele nos via como fantoches. Eu queria acabar com isso,
mas toda vez que alguém tentava se rebelar a consequência era pior.
O meu próprio tio Nikolai era conhecido como monstro por tudo
que meu avô fez com ele, o tratando como um animal. Ele passou toda a
minha infância vivendo no porão dentro de uma cela e não havia nada que
eu pudesse ter feito para ajudá-lo, porque na verdade todos nós estávamos
presos em sua tirania.
Lembro do alívio quando lhe foi permitido ir para um apartamento
na cidade, mas ao mesmo tempo desejei que ele se virasse contra meu avô e
o matasse para acabar com esse tormento de uma vez por todas. Não
aguentava mais ir para a escola sem saber se alguém que eu amo estaria
morto quando voltasse.
Ter Nikolai vivendo sob o mesmo teto novamente era um sinal claro
que as coisas estavam mudando. Leoncio até trouxe minha tia Tania dos
Estados Unidos para cá, ele a havia vendido como um objeto a um mafioso
em São Francisco e se eu não fosse homem, acho que teria o mesmo
destino. Meu avô sempre desprezou as mulheres, mas traz Tania de vez em
quando para mostrar que ainda tem poder sobre ela.
Algo realmente estava acontecendo, parecia tangível para todos e
esse jantar era a prova disso. Normalmente deixávamos Leoncio falar o que
quiser e ficávamos quietos para aplacar sua raiva, mas ouvi-lo falando da
minha mãe no jantar foi como puxar um gatilho.
O jantar em família sempre era tenso, mas hoje ele parecia querer
provocar, ainda mais que Nikolai não estava aqui para representar nenhuma
ameaça e meu pai nunca faria nada que nos colocasse em risco.
— Veja, Tania, você devia aprender com Sophia e a família dela.
Basta abrir as pernas e ficam grávidas. Você já está velha e não vou culpar
Ruslan se nem quiser vir lhe buscar. — Ele alfineta.
Lágrimas escorrem dos olhos da minha tia, ela nunca teve um filho e
eu suspeito fortemente que era para não o colocar em risco.
Ninguém na mesa diz uma palavra. Satisfeito com isso meu avô
continua:
— Veja Lara, engravidou antes mesmo de casar com Krigor. Se não
tivesse certeza que o filho é dele, eu mesmo teria tirado o bastardo de sua
barriga. — O sorriso enquanto fala me dá nojo.
Vejo minha mãe se encolher e mesmo sabendo que é um erro saio da
sala, sem aguentar ficar ali mais um minuto. Me tranco em meu quarto e
penso em ligar para alguém, mas ninguém poderia me salvar. Eu não tinha
ninguém.
Acendo um baseado, tentando ficar mais calmo sabendo que minhas
ações não ficarão impunes, mas eu nem ligo. Estive morando no inferno
toda a minha vida. Não há nada que ele possa fazer que vá ser pior do que
estar em sua presença.
Não demora muito até que dois de seus homens entrem no meu
quarto. Esses guardas estiveram aqui por boa parte da minha vida e ambos
eram gentis comigo, mas agora sabia exatamente o que eles queriam e
estava pronto para receber as consequências.

***

Deixo os boatos sobre eu entrar em uma briga, alguns falam que eu


matei o outro cara e eu queria que isso fosse verdade, mas eu só fiquei lá,
contido, enquanto Leoncio Leonov dava ordens para seus homens me
darem uma lição.
Sabia que podia ter sido pior do que a surra que recebi, mas ele não
quebrou nenhum osso. Aos poucos percebi o que meu avô gostava, então
mantinha meus jogos de hóquei ainda mais violentos, deixando a besta que
habita em mim sair para se divertir. Pelo resto do tempo eu tinha que manter
o controle, mas lá eu podia deixar todo o caos que existe em mim sair e
ainda seria ovacionado por isso.
Escuto um riso e mais à frente encaro Seraphina Petrova rindo de
algo que sua melhor amiga Victoria disse. Ambas sempre estudaram comigo
e apesar de termos alguns amigos em comum, eu mantinha a distância. Elas
eram a epítome do que eu evitava.
Ambas eram inocentes, protegidas e patéticas. Elas não precisavam
demonstrar força ou lutar para sobreviver, só precisavam ser bonitas para
arranjarem alguém rico. Gastavam o dinheiro sujo de sangue,
completamente inconscientes de onde vinha. Elas eram tudo que eu mais
odiava.
Seraphina encontra meu olhar, passando por meu rosto machucado e
faz uma leve careta antes de desviar seus olhos rapidamente como se eu
fosse a porra de um doente. Ela podia focar em seus estudos e sua única
preocupação era acertar as coreografias das líderes de torcida e as da
patinação artística. Ela era simples e mais que isso, comum assim como
todas as outras garotas.

***

Está acontecendo.
Quando fui arrastado até o escritório de Leoncio sabia que ele estava
planejando algo grande. Já fazia meses desde que Sophia fora sequestrada e
apesar de ter me apegado a ela, sabia que era questão de tempo até que a
garota fosse morta ou libertada.
Leoncio tinha um olhar louco quando fui empurrado na cadeira,
lançando um comando com a cabeça para os seguranças saírem. Ele passa o
olhar sobre mim antes de acender um charuto e sorrir. Sua pele cheia de
rugas só mostrava que ele era tão podre por fora como por dentro. Não sou
uma pessoa religiosa, mas rezei várias vezes para que ele morresse logo.
— Sabe, Yurio, estive esperando por essa conversa há muito tempo.
Esperei que Krigor lhe criasse com ódio, o moldando assim como fiz com
Nikolai, tendo outro filho para ser o seu herdeiro, mas de alguma forma ele
criou afeição por você. — Sua expressão de desgosto não faz nada comigo,
afinal não espero nada dele. — Tenho planos para hoje. — Ele traga antes
de soltar a fumaça na minha cara. — Estou ficando velho, é questão de
tempo antes que eu vá para o inferno, mas por garantia quero deixar um
segredinho com você.
Seu sorriso é tenebroso e eu sei que o que ele disser é para causar
mal, discórdia, instalar o caos. Mas também vejo algo nele, uma pitada de
medo, como se soubesse que não viveria muito mais.
— Eu não fui a favor do casamento de Krigor, Lara nunca foi boa o
suficiente para ele, mas meu filho estava apaixonado e deixou claro que não
viveria sem ela. — Ele apaga o charuto e tosse mais um pouco. Ele aponta
para a jarra de água e eu me levanto e o sirvo. Ele leva o tempo dele
bebendo, gostando de ver o meu receio do que está por vim. — Eu permiti a
união, mas não podia deixá-lo achar que está no comando, então decidi que
iria testar Lara para ver se ela era digna, saber se aquela boceta valia tanto.
— Ele lambe o lábio.
Meu ouvido começa a zumbir com a revelação. Não. Meus olhos
marejam imediatamente e eu não consigo esconder as minhas emoções. Me
levanto pronto para acabar com ele, acabar com tudo isso mesmo que
signifique morrer. Ele estuprou minha mãe!
— Não, não. Não tente fazer nada. Os guardas foram buscar Lara
agora mesmo, se algo me acontecer eles têm ordem para quebrar seu fino
pescocinho.
Ele se levanta com certa dificuldade, mas eu estou parado. Como
meu pai pode deixar esse homem vivo depois do que ele fez? Vivendo sobre
o mesmo teto, trazendo lembranças a minha mãe cada vez que ela o visse.
Pela primeira vez na minha vida eu odeio meu pai.
— Não seja assim, Yurio. — Ele reclama, como se não fosse nada
demais. — Só estou te contando por que quero que você saiba que não
importa o quanto Krigor e Lara o façam fraco, você é meu sangue.
— Eu não sou nada como você. — Consigo dizer.
Ele ri.
— Mas vai ser, porque eu sou seu pai e você sabe o ditado: a maçã
não cai longe da árvore. Pode esconder, mas existe um monstro dentro de
você, ansioso para sair e mostrar do que é capaz.
Pai?
Vômito sobe na minha garganta e penso que vou desmaiar. Minhas
unhas cravam na madeira da cadeira. Eu sou filho de Leoncio Leonov?
— Seria divertido no futuro ver você lutando pelo poder contra
Krigor, já que Nikolai não foi feito para isso. — Ele se aproxima e toca meu
rosto e leva tudo de mim não me afastar. — Decidi usar os anos que me
restam para acordar o caos em você e fazê-lo reinar.
A porta se abre e mamãe entra. Ela olha entre Leoncio e eu.
— O que está acontecendo?
O medo é claro e eu me aproximo para defendê-la se for preciso. E
essa é a hora de tomar a decisão.
— Nada, mamãe.
O sorriso de Leoncio antes de sair da sala revela que é isso que ele
esperava de mim, que eu guardasse toda a dor, toda a mágoa e raiva e me
tornasse o monstro que ele deseja.
Não podia olhar nos olhos da minha mãe, que me protegeu durante
toda a vida e falar que eu sabia o que ela sofreu. Que mesmo eu tendo sido
feito de um ato hediondo ela ainda me amou e cuidou de mim. Jamais
poderia partir seu coração com essa revelação e com isso estava nas mãos
de Leoncio de uma vez por todas.
Eu achava que essa vida me quebraria um dia, que o sangue e as
mortes destruiriam minha alma, mas foram os segredos que o fizeram. Eu
era um herdeiro do caos, um caos que eu guardaria dentro de mim para não
machucar as pessoas que eu mais amo e soltaria em quem entrasse no meu
caminho.
Leoncio ter morrido naquela noite não ajudou a melhorar esse
sentimento. Minha família estava em perigo, pois com Leoncio morto
poderiam achar que estávamos fracos e a violência nesse caso falava mais
alto.
Meu pai... Krigor, não gostava que eu participasse de matanças e
assisti poucas mortes, mas era nesse momento que eu deixava de ser um
garoto e me tornava um homem. Nesse momento em que eu tinha que
ajudar a proteger a minha família e a manter os segredos enterrados. Meus
pais e meu tio tentaram me proteger das maldades de meu avô, mas mesmo
assim fui tocado pela escuridão e uma vez que se está afundando nela, às
vezes é melhor parar de lutar contra.
2
Não é adorável, ficar sozinho?
Coração feito de vidro, minha mente de pedra
Rasgue-me em pedaços, pele e osso
Olá, seja bem-vindo ao lar
Lovely - Billie Eilish, Khalid

SERAPHINA

Invisível. Eu era invisível, talvez um superpoder que eu desenvolvi


no último ano, mas ainda assim era estranho ver pessoas que faziam questão
de me cumprimentar sempre que me viam desviando o olhar e sussurrando.
Eu quase podia ouvir as indagações, os boatos e as mentiras, mas
honestamente eu não ligava.
Nem queria estar na universidade, mas meu advogado me informou
que eu só receberia minha herança depois de formada, o que era no mínimo
irônico, já que meu pai quando vivo estava mais interessado em me arranjar
um marido rico assim que eu completasse dezoito anos. A Brave University
também já foi previamente escolhida em Tuiham, a cerca de duas horas de
Moscou.
As únicas pessoas que eu tinha era minha tia, que me acolheu
quando eu precisei, mas não escondeu seu desdém e nem sua felicidade
quando anunciei estar liberada e que voltaria para a Rússia. Aqui eu tinha
minha melhor amiga, Tory, e planejava passar os próximos anos
melhorando e esperando que a dor que eu sentia dentro de mim ficasse mais
fácil.
Eu também tinha meu tutor, que na verdade nem sei se importava,
pois nunca fez questão de aparecer, mas assim que voltei para a Rússia
mandou por mensagem o endereço do jazigo da minha família e um celular
novo com a melhor câmera da atualidade me esperava em meu novo
dormitório, assim como plantas.
Isso mostrava que ele pelo menos esteve em contato com o terapeuta
ocupacional que sugeriu hobbys e rotina sólida. Acho que esse foi o
máximo de atenção que recebi dele em sua tutoria, mas eu tinha dezenove
anos, não era uma menininha. Precisava aprender a viver sozinha.
Assim que entro no meu quarto o silêncio é muito bem-vindo. Estou
aqui a alguns dias, mas o quarto já estava começando a ter um pouco de
personalidade. Tory me levou para uma loja de artigos para casa assim que
saímos do aeroporto e não parou de falar de como eu precisava de um
quarto colorido e alegre e de como ficaria feliz se eu me inscrevesse em sua
irmandade; sabia que ela estava tentando me animar, mas a ideia de dividir
o lugar com várias garotas não me apareceu nenhum pouco agradável e
estava feliz que meu tutor conseguiu um quarto só para mim.
Tory escolheu o tapete lilás combinado com o edredom e a cortina,
enquanto eu sorria e acenava não querendo que ela percebesse que nada
disso era importante para mim, mas apreciava sua recepção. Não esperava
flores ou um tapete vermelho, mas foi estranho receber o silêncio. Era como
se as pessoas tivessem medo de ficar perto de mim e se tornarem párias
como aparentemente eu era.
Me aproximei do aquário e joguei um pouco de comida para Oscar,
meu peixe palhaço. Ele não foi minha primeira opção de pet , mas era a
melhor escolha, já que não precisava de tantos cuidados quanto um
cachorro.
Comecei a retirar meu tênis, querendo só dormir quando uma batida
na porta interrompeu meus planos.
— Vamos, você ainda não está pronta? — Tory exclamou assim que
eu abri a porta, me empurrando de leve e indo até meu armário, caçando o
look perfeito.
Meu guarda-roupa consistia em jeans e camisetas simples, então
sabia que ela teria problemas em achar algo legal. Isso trouxe um pequeno
sorriso ao meu rosto enquanto observava Tory lutando para achar algo que
prestasse. Quando pensei que desistiria ela jogou uma camisa preta de
manga longa, jeans escuros e um par de botas que eu nem lembrava de ter.
Quando terminei de me vestir ela me fez sentar numa cadeira
enquanto alisava meus cabelos castanhos.
— Eu tenho que ir mesmo?
— É o primeiro jogo da temporada, é claro que você tem que ir! —
Ela exclamou. — E sem falar que é seu primeiro ano, tem que começar com
grande estilo!
A ideia de ir a um jogo de hóquei no gelo fez meu estômago
embrulhar, mas a culpa de ter perdido vários momentos importantes que
planejávamos desde pequenas era maior.
— Sem falar que os Jogos de Inverno vão começar nos próximos
meses e você precisa seriamente escolher logo a sua fraternidade.
Pelo que vi até agora, as pessoas daqui são um pouco loucas com
esse negócio de fraternidade, existem cinco com suas próprias regras e
todas parecem ser extremamente populares. Os Kitsunes, Rapinas,
Beserkes, Cárpatos e as Bestas do Monastério. Não me interesso muito em
participar das redes sociais exclusivas da universidade, mas isso não me
impede de ver banners, camisas, flâmulas e adesivos espalhados por toda a
universidade.
— Claro! — respondo para que ela pare de falar nisso, afinal, me
juntar numa fraternidade não está nos meus planos de agora.

A multidão aplaude e grita com toda a força as canções do time,


Tory está entre eles, cantando como se fosse apaixonada por todos. O que
não era muito difícil. As Bestas do Gelo se destacam não só pela sua força,
mas porque os jogadores eram verdadeiros deuses entre mortais, assim
como eram no ensino médio, mas aparentemente mais cruéis agora que são
adultos.
— Aquele é o capitão, se chama Grigory Orlov e faz parte do grupo
de Yurio. — Tory me atualiza.
Gregory realmente é muito bonito, não parecendo menos letal que o
resto do time. Então eu vejo o resto do clã. Mik Zorkin, Mat Stepanov,
Anton Stanislav, Kaz Morozov e por último e não menos importante o líder
deles e de toda a universidade aparentemente, Yurio Leonov. Como estão
ligados à Bratva e Yurio tem a tendência a colocar a escola como seu reino
de terror próprio, parece que trouxe isso para a universidade e em poucos
dias aqui já ouvi algumas das barbaridades que ele fez com outros alunos e
de como todos lambiam o chão em que ele pisava.
Infelizmente conheço Yurio há muitos anos, acho que desde que me
entendo por gente, mas nunca fomos próximos. Ele estava focado em se
divertir com a dor dos outros, mandar em todos e se preparar para ser o
próximo Pakhan, e eu só queria conseguir estudar e patinar.
Meu pai era contador, o quarto da geração. Éramos considerados
uma família importante dentro da Bratva pela nossa influência. Para alguns
é um emprego comum e até chato, mas dentro da Bratva é muito
importante, por isso diversas vezes fui obrigada a ir a festas onde pessoas
agem como se estivessem no século passado. Yurio nunca pareceu
desconfortável nesses eventos, mas pouco aberto a conversas, por isso
sempre me mantive à distância.
Honestamente entendo as meninas ficarem malucas com sua
aparência, seus quase um e noventa de altura, seus músculos bem-marcados
por horas de academia, cabelos claros, quase brancos, seus olhos azuis tão
claros que parecem quase da cor pálida da pista de gelo. São esses olhos,
entretanto, que prometem pesadelo e o inferno a pagar se o pegassem num
dia ruim. Enquanto eu gostava da aparência dele, sua personalidade era o
oposto e para meu próprio bem, manter distância era a melhor opção para o
resto da minha sanidade.
Observo sentada, batendo palmas algumas vezes. Sempre gostei de
hóquei, mas meu estômago está embrulhado de estar tão perto da pista de
gelo. Meus pés quase automaticamente começam a passar pelo chão como
se eu estivesse lá, meu corpo querendo se levantar e começar a dançar, mas
me contenho.
Bem, quando estou prestes a dar por encerrada a noite para mim,
eles marcam o ponto da vitória e arrancam seus capacetes comemorando
entre si. Mik Zorkin tira sua camisa e joga para sua namorada de longa data,
Irina Parlova, a chefe das líderes de torcida desde o ensino médio. Ela
manda um beijo para ele, que é empurrado por seus amigos que caçoam
dele.
Vejo eles sumirem no vestiário e finalmente me levanto, Tory se vira
para mim e faz um bico.
— Ah, não. Você prometeu que iria comigo na festa.
É meu primeiro ano na Brave e Tory jura que será um ano incrível
para mim, mas tudo que eu quero é voltar para meu quarto e dormir até a
aula de amanhã.
Franzo a testa.
— Eu prometi assistir ao jogo.
Ela rola os olhos.
— Semântica. Claro que depois do jogo é obrigatório ir à festa da
vitória. Não me faça implorar, você já perdeu o primeiro ano junto comigo.
Não acho que posso negar nada a ela, que foi a única a me visitar
naquele lugar, a nunca me abandonar, a estar lá quando saí e me atualizar
das novidades enquanto cortava as pontas duplas do meu cabelo e fazíamos
um spa caseiro. Ela me fez sentir como antes.
Tory, apesar de ser extremamente extrovertida, assim como eu só
tem uma pessoa que considera amiga verdadeira. No mundo em que
vivemos, informação é poder e pode ditar se você triunfará ou cairá.
— Tudo bem.
Ela solta um gritinho animado e me puxa para o estacionamento.
Lanço um último olhar à pista antes de sairmos, mas sabendo que era
melhor assim. Algumas pessoas não merecem fazer o que amam.
***
Festas universitárias não são muito diferentes das festas do ensino
médio, com certeza tem mais bebida e as pessoas são mais ousadas, mas
definitivamente os sádicos se divertem mais na faculdade. Perdi o primeiro
ano da faculdade, e apesar de Tory ter me atualizado ainda tudo é novo e
diferente do que era. É estranho para mim sair sem hora para voltar ou
poder simplesmente não voltar.
Observo a roda de luta, tem alguns caras recolhendo dinheiro das
apostas, as meninas se jogando nos campeões da noite e outras indo atrás
dos perdedores, porque sabem que não tem chance com os ganhadores.
Tudo aqui gira em torno de ligações, elas te tornam mais poderosas.
— Isso é brutal. — Assobio olhando a briga.
Tory bufa.
— Isso não é nada, só uma brincadeirinha. — Ela toma um grande
gole da sua bebida. — Todo final de semana tem as lutas “oficiais” entre as
fraternidades, aí sim é brutal. As apostas são altas, vem gente de todo lugar
para ver e até são transmitidas online para pagantes.
— Nossa, eles realmente fizeram da universidade uma máfia.
Minha melhor amiga ri.
— Você não faz ideia!
Eu normalmente fugia dessas festas, mas para agradar Tory finjo
tomar uma cerveja suspeita e me divertir. Provavelmente em duas horas
conseguirei sair de fininho enquanto minha amiga escolhe o homem da
noite, porque ao contrário de mim, ela não é celibatária. Eu não sou por
questão de religião ou até mesmo pela família, mas porque parece muito
problema para pouca solução.
Observando Tory rindo e se divertindo, penso se seria igual a ela se
as coisas não tivessem acontecido. Talvez não bebendo tanto quanto ela,
mas vivendo uma vida mais leve. Enquanto a olho percebo que ela também
mudou, acho que todo mundo na verdade, essa é a tendência, mas ainda
assim é estranho para mim ver uma nova versão de uma pessoa que você
conheceu a vida toda.
Espero mais um pouco e me aproximo da minha amiga, que está
conversando com uns garotos. Ela está bêbada e preciso ter certeza se não
preciso fazê-la vir comigo.
— Ei, eu preciso ir. Tenho que acordar cedo amanhã.
Ela abre a boca para reclamar, mas fecha em seguida. Me puxando
para um abraço, o cheiro de álcool me faz até prender a respiração.
— Fico muito feliz que você tenha vindo. Quer uma carona?
Rapidamente eu nego. Além de estar bêbada, a idade para dirigir na
Rússia é vinte e um anos, mas como filhos de pessoas influentes essa regra
parece não se aplica com tanto vigor.
— Não, o campus é pertinho.
Ela acena e me dá um beijo na bochecha. O campus realmente não é
tão longe, mas numa noite fria como essa parece milhas mais distante. Por
ter esquecido um casaco mais grosso, sinto que meus braços vão congelar e
cair a qualquer momento.
Um barulho de moto me faz sair da minha mente. A moto preta e
vermelha de Yurio diminui a velocidade ao meu lado, ele puxa a viseira
para cima, me olhando dos pés à cabeça, então como se não me
reconhecesse ou eu não valesse a pena ele acelera.
Apesar de odiá-lo eu não o deixaria no meio do nada se estivesse de
carro, ser rejeitada afeta meu ego. Ele sabia quem eu era, podia ter me
oferecido uma carona, mas não acho que exista gentileza ou cavalheirismo
em seu dicionário. O ódio, entretanto, é um combustível, porque mal sinto o
caminho e o frio até chegar em casa, chamando mentalmente Yurio de todos
os palavrões que conheço e até poderia inventar mais alguns.
Uma coisa que eu entendi é que a vida continua depois da morte de
alguém. Nas primeiras semanas e até em poucos meses as pessoas vão
pegar leve com você, mas depois de um tempo a vida segue e as pessoas
não se importam mais. Acham que o tempo que elas estipularam é o
suficiente para você tampar com massa corrida o lugar onde aquela pessoa
costumava estar.
Eu nunca vou superar a morte ou a culpa. Posso ter aprendido a não
acordar chorando tão alto que acordei todos, ou a travar sempre que vejo
lírios do campo, mas a dor continua lá, latente, sangrando, só que ninguém
mais vê.
3
Lá estava eu de novo esta noite forçando o riso, fingindo sorrisos
O mesmo lugar velho e solitário
Paredes de falsidade
Olhares perdidos e vazios sumiram quando eu vi o seu rosto
Tudo o que posso dizer é que foi encantador conhecê-lo
Enchanted (Taylor Swift) cover by Arthur Miguel

PASSADO
SERAPHINA

Mantenho meu rosto longe de qualquer emoção real. Enquanto


ostento um sorriso, eu só quero fugir daqui e ir para casa e tomar um banho
longo e pelando. Saber que homens mais velhos que meu pai estão me
olhando, me pedindo danças para encostarem suas ereções em mim é
repugnante. Não importa quantas vezes reclamei com meu pai, ele finge não
ouvir.
A máfia devia ser um lugar de princípios, mas é um lar de vespas
prontas para atacarem. E se mais algum velho vier perguntar quantos anos
eu tenho irei vomitar nesse chão. Quando papai me convidou para ir com
ele ao baile do novo Pakhan e me comprou o mais belo vestido, pagou
cabelereira, maquiadora e manicure para que eu ficasse perfeita, jurei que
ele estava se importando comigo, mas a verdade é que eu era uma vitrine
para os homens verem se querem ou não.
Yurio Leonov está a alguns metros de mim, nunca parecendo
desconfortável nesses eventos. A última vez que falei com ele foi para
desejar meus sentimentos, no enterro de seu avô, o antigo Pakhan, e ele me
assustava muito. Apesar de ninguém falar, todos estavam aliviados por sua
morte. Ele era um monstro.
Um homem velho literalmente lambe os lábios ao me ver e eu tento
correr, mas acabo esbarrando em alguém. Me viro para me desculpar e vejo
que é Yurio. Coloco minhas mãos no seu ombro.
— Dance comigo.
O puxo para a pista e envolvo minhas mãos em seu pescoço. Ele não
fala por um momento, e quando sua boca abre espero sua grosseria, mas em
vez disso ele ri.
— Está desesperada?
— Sim. Pensei que seria uma festa chata normal, mas eu pareço ser
o jantar principal — suspiro. — Nessas horas é bem melhor ser homem.
Ele não responde, mas dança comigo. Quase pulo de susto quando
ele fala:
— Ser mulher tem suas vantagens também. Você pode fugir pela
janela do banheiro.
— Bem que eu queria, mas essas anáguas do vestido e o corpete
deixam a fuga mais complicada.
— Quando estiver pronta dê o sinal que nós dois podemos correr.
Eu rio e meus ombros caem em alívio, mas o alívio dura pouco
quando a música acaba.
— Fico feliz de ter aceitado dançar comigo.
Tento me afastar, indo para minha sina, mas ele segura minha
cintura e uma nova música começa.
— Não foi um convite, foi?
Eu rolo os olhos, mas volto a colocar minhas mãos em seu ombro.
— Você não é do tipo que faria algo que não quer, Yurio.
Quando dou por mim nós estamos falando sobre tudo e é como se
fôssemos velhos amigos. Ele consegue pegar uma garrafa de champanhe e
vamos para os jardins, perto de uma fonte. Ele joga seu paletó sobre meus
ombros para me proteger do frio.
— A uma noite melhor do que esperava. — Levanto minha taça.
— Sim. — Ele responde simplesmente e brinda comigo.
Nós não deveríamos estar bebendo, mas se fôssemos pegos eu teria
problema, não o filho do Pakhan, mas decido pela primeira vez não ser a
menina certinha.
Ele ergue as mangas da camisa porque o álcool já está o fazendo
sentir calor, e vejo várias pequenas marcas de cigarro e só contesto quando
ele tira do paletó um baseado e o acende.
— Você deveria ir a um jogo meu. — Ele me convida, me puxando
para mais perto.
Eu bufo o empurrando, tentando disfarçar o meu desconforto. Muita
gente que eu conheço fuma maconha, mas eu não gosto, não acho que é
uma boa maneira de sair da realidade, só mais uma forma de se afundar sem
perceber.
— Eu vou em alguns, mesmo com vocês roubando meu tempo de
treino no gelo. Você já foi em alguma apresentação minha?
Ele nega, sentando-se na borda da fonte.
— Não, é coisa de mulherzinha.
Eu ofego, ofendida.
— Não é não. É um esporte assim como o hóquei. Duvido muito
você e seus companheiros conseguirem fazer o que eu faço.
Me afasto um pouco e subo um pouco o vestido, mostrando alguns
movimentos que faço no gelo. Ele dá uma tragada antes de apagar em seu
próprio antebraço, parecendo alheio ao fato, porque faz muito isso.
— Tente fazer no mínimo isso no gelo para depois falar que é algo
de mulherzinha. — Tento mudar de assunto. Não quero que a noite acabe
com ele me achando chatinha e certinha demais.
Ainda estou na posição quando ele me puxa para ele. Sinto ranhuras
em seus braços com a ponta dos meus dedos e ao abaixar o olhar vejo
melhor as marcas de queimaduras arredondadas e cortes, alguns ainda
avermelhados.
— Yurio.
Ele tenta cobrir com as mangas da camisa, seu corpo tenso pronto
para entrar no modo protetivo, mas eu olho em seus olhos.
— Eu tenho cortes do quadril — confesso pegando suas mãos e
coloco lá. — Mas a maioria está nos meus pés, é mais fácil de esconder. Eu
me sentia uma fraude, como se só valesse as medalhas que ganho. — Ele
abre a boca, mas eu tampo com meu dedo. — Mas parei, pedi um sinal a
Deus para que eu não fizesse mais isso e ele me mandou Lily, minha
irmãzinha. Talvez tudo que você precise é um sinal.
Eu acaricio seu rosto, vendo o sofrimento em seu olhar. Yurio tem
escondido tão bem, mas ele está por um fio.
— Talvez você seja o sinal. — Ele sussurra, parecendo falar consigo
mesmo. — Vou fazer um trato com você, me dê um beijo e vou ver todas as
suas competições.
— Todas? — Arregalo os olhos. — No domingo que vem, no meu
campeonato estadual?
Ele acena, sorrindo.
— Promete parar de se machucar e de fumar isso?
Ele hesita.
— Maconha fede. — Solto e ele arregala os olhos, suas bochechas
corando adoravelmente como se nunca tivesse pensado nisso antes. — Será
meu primeiro beijo, então acho que vale essa bagatela...
Antes mesmo que eu termine de falar ele já está acenando.
— Eu prometo.
Eu toco seu queixo, nossos lábios se encostam e sinto quase como
um choque, suas mãos apertam minha cintura e é como se ele quisesse que
esse momento durasse para sempre tanto quanto eu. Se pudesse colocar a
mão no seu peito será que estaria acelerado como o meu?
Estou abrindo a boca quando escuto alguém cantando. Me afasto
depressa e quase desmaio quando vejo minha mãe poucos metros à frente,
de camisola, dançando.
— Mamãe...
Ela se vira para mim e sorri.
— Seraphina! Vocês esqueceram de me buscar para o baile!
Ela rodopia pelo chão como se estivesse no salão, não posso
encontrar os olhos de Yurio. Meus olhos lacrimejam de vergonha quando
caminho para mamãe.
— Vem, vamos buscar seu pai. — Ela chama, mas eu seguro seu
braço suavemente.
— Ele está no estacionamento, vem.
Ela vai me seguindo. Pego meu celular e mando uma mensagem
para papai, não demora para ele nos encontrar no estacionamento.
Rapidamente coloca mamãe dentro do carro antes de se virar para mim.
— Alguém a viu?
Quando não respondo de primeira ele me sacode com tanta força
que meus dentes batem.
— Não, ninguém a viu.
Ele seca minhas lágrimas, mas outras voltam a cair. Yurio nunca
mais irá querer falar comigo, quem vai querer uma garota cuja mãe é
maluca?
— Está tudo bem, ninguém viu. Sua mãe deve ter saído quando
Elain pensou que ela estava dormindo.
Elain é a babá de Lily, mas também ajuda a cuidar da minha mãe. A
cada dia que passa ela parece entrar mais fundo num mundo totalmente
diferente, mas jamais imaginei que iria fugir de casa para ir ao baile.
Quando entramos no carro e voltamos para casa eu corro para me
certificar que minha irmãzinha Lily está bem e não presenciou nada.
Mamãe teve um parto difícil quatro anos atrás e deixou sequelas, por isso
eu sou praticamente a mãe de minha irmã. Só suspiro aliviada quando vejo
Lily dormindo.
Já na minha cama eu escrevo minhas dores no meu diário, mas dessa
vez elas não desaparecem com a tinta da caneta, só parecem mais reais.
Minha noite tinha tudo para ser horrível, mas então com ele tudo melhorou.
Eu percebi que quando se tem uma coisa boa, a ruim se torna ainda pior.
4
É uma bela mentira
É uma perfeita negação
Mas que bela mentira para se acreditar
Tão bela, bela
A Beautiful lie – 30 Seconds To Mars

YURIO
PRESENTE

Caos é o que me mantém vivo. Meu passado é uma mentira, o meu


futuro que sempre fora concreto de repente se tornava incerto. Sempre
soube que minha família não era normal, não por serem a realeza da Bratva,
mas porque havia uma frieza, uma crueldade que não vi em nenhum outro
homem como vi em Leoncio Leonov.
Mas deixar o caos reinar seria o mesmo que deixar Leoncio ganhar,
então, em vez disso eu me tornei o que era meu por direito. Um líder, um
rei. Assim decidi não entrar em uma fraternidade e sim criar meu próprio
domínio onde eu era Deus.
Fui capitão do time de hóquei na escola, mas a emoção não era a
mesma do mundo real, então quando entrei na universidade e Grigory teve a
coragem de me confrontar. Mesmo sendo um simples bolsista, eu sabia que
era digno de entrar para o Monastério e se tornar um amigo.
Ao contrário dele, meus amigos cresceram nesse meio, mas quando
ia em suas casas via amor, respeito e lealdade, enquanto na minha havia
receio e medo. E mesmo quando Leoncio se foi, não importava a calmaria,
eu sempre esperaria a tempestade.
Apesar de odiar Leoncio herdei dele a fome por poder, só que em
vez de ser temido eu queria ser adorado. Um dia eu seria o Pakhan e pensei:
por que não começar dominando a Brave University e treinando meu
poder?
A porta do refeitório se abre com um baque alto, atraindo a atenção
de várias pessoas. Eu mesmo havia mandado fecharem a porta quando deu
o horário do início da palestra das fraternidades, em que os calouros
presentes deveriam se inscrever e ficar a par de como as coisas
funcionavam aqui.
Seus olhos de corça se arregalam e suas bochechas coram quando
ela percebe a atenção e rapidamente abaixa a cabeça, caminhando para um
canto. Em seus cabelos tem algumas folhas, provavelmente estava no
cemitério local. A primeira vez que a vi passando por minha propriedade
pensei que fosse algum intruso, mas só depois que a segui até as sepulturas
de sua família a reconheci. Foi entediante, para dizer o mínimo.
Seraphina e eu sempre estivemos nos mesmos lugares, crescendo
dentro da Bratva era impossível nossos caminhos não se cruzarem; nós
estudamos sempre nas mesmas escolas, nas mesmas salas, mas depois que
ela sumiu no final do último ano e no primeiro ano da faculdade confesso
que fiquei surpreso ao vê-la.
Ela acena para Tory, que eu lembro ser sua melhor amiga na escola,
mas não tenta se juntar onde ela está junto com sua irmandade. Os alunos
vão se sentindo mais confortáveis e vão passando pelas mesas e escolhendo
suas fraternidades.
A fila do Monastério, a minha fraternidade, é definitivamente a
maior, as pessoas ali achavam que sabiam o que as aguardava, poder, fama,
mas eu seria o pior pesadelo deles. Quase sorrio vendo uns rostos
assustados, como se assinassem o livro da besta em vez de um papel de
requerimento.
Na universidade em geral a demarcação entre os alunos era bem
clara para mim, havia as ovelhas, - súditos - que estariam nas festividades,
fariam de tudo para agradar, mas ainda assim não tentariam entrar muito a
fundo para não perder o brilho. Havia os iniciados, pessoas que queriam
fazer parte de algo, os soldados. E por último havia os guerreiros, nomeados
no Monastério como sentinelas, aqueles que querem se destacar, ser
indispensáveis e úteis, lutar até o topo. A elite não precisava de uma
demarcação, nós nos destacávamos, tomávamos o que queríamos e
lutávamos por mais.
A Brave tem servido há muito tempo como o primeiro poder dos
novos líderes, a própria cidade de Tuiham sabia que não seriam nada sem a
gente. Para nossos pais era só uma cidade esquecida, mas passou a ser
nosso parque de diversão.
Fito Seraphina pensando no que ela seria, mas ela não se mexe, mal
parece estar ali realmente. Um fantasma, assim como quando passa pelo
Monastério. Uns anos atrás ela estaria rodeada de gente, mas agora ninguém
está se importando. Ela é uma pária, mas o pior é que ela não parece se
importar. Uma vez a segui entre as sombras que a floresta proporcionava,
mas vê-la chorando em um túmulo foi entediante, preferia mil vezes que
fosse um inimigo para molhar o chão com sangue fresco.
Nas próximas vezes a observei de longe, ela parecia alheia à sua
volta, sempre indo e vindo com fones de ouvido, passando o dia entre os
mortos para purgar seus pecados. Ela não era a menina animada com
pompons vermelhos nos jogos da faculdade, não era a bela patinadora
artística dos vídeos. Não era nada.
— Atenção! Todos os calouros devem se inscrever em uma
fraternidade para serem súditos, os demais podem se inscrever como
Iniciados ou Guerreiros. Logo serão mandados os convites dos aceitos e dos
em espera, os que não forem escolhidos esse semestre devem servir a
fraternidade que escreveram e no próximo ano poderão mudar ou se
efetivarem se mostrarem seu valor ao longo do ano. — Dou a fala de praxe.
— Aos que se inscreveram no Monastério, boa sorte. — Abro um sorriso.
Quando vim para a BraveU fui contra entrar em uma fraternidade
existente, mesmo meu pai tendo sido de uma quando estudou aqui. Eu
queria comandar, criar meu caminho, minhas regras e não depender de
outros, não ser a sombra de alguém, não quero ser comparado. A faculdade
servia justamente para eu criar meu bando, minha equipe que respondia
somente a mim e assim o fiz.
O Monastério tem sua popularidade apesar de nenhuma mulher ter
tentado se inscrever como iniciada, mas isso não apagou o brilho e temos
muitas súditas em busca de laçar uma besta para aumentar sua
popularidade.
O resto das pessoas que não haviam se inscrito rapidamente o
fazem, mas Seraphina, em vez disso, some entre as pessoas, achando que
está invisível para todos, mas eu a vi. Como um tubarão é atraído pelo
cheiro de sangue, eu fui atraído por sua desobediência. Uma vez eu conheci
a Seraphina que sabia seu lugar na cadeia alimentar e utilizava sorrisos e
fala doce para conseguir o que queria, ela era boa demais, legal demais.
Agora me vejo olhando para essa estranha que é invisível e só quero saber
quem foi que a quebrou e o pior, por que ela parece mais bonita assim?
Seraphina sempre foi bonita, com longos cabelos castanhos sempre
lisos e brilhantes, assim como seus olhos, sempre contrastou a sua beleza
com as demais garotas. Era esguia, delicada, com a cintura mais fina que já
vi, muito gostosa. Sempre rodeada de amigas e dos bons garotos. Uma vez
pensei ter visto mais do que sua aparência, mas ela só demonstrou ser como
os demais. Chatos e insuficientes.
Eu comando a universidade e me sentindo misericordioso decido dar
um tempo a ela, logo ela estará agitando pompons como antes e sendo tão
superficial como as outras. Não é do meu feitio fazer uma boa ação, mas
hoje e somente hoje decido ser uma boa pessoa, mas ela que não espere
mais bondade minha.

***

Desligo minha moto em frente a antiga igreja que eu tomei para se


tornar meu monastério. Passei meu último ano do ensino médio reformando
em segredo para se tornar meu lugar. Logo depois das árvores havia uma
das entradas do cemitério da cidade e a maioria das pessoas fugiam de
lugares assustadores, mas depois de conviver entre monstros, este era o
lugar perfeito para se viver.
Entro no salão principal, alguns de meus homens já estão lá bebendo
e jogando. Passo por eles subindo as escadas até o topo da torre, onde meu
apartamento reformado está. Levo meu tempo tomando meu banho antes de
me sentar na claraboia e voltar para as páginas do meu livro. A luz do fim
do dia passa pelo vitral colorido, trazendo cor ao ambiente sombrio.
Mais do que ninguém eu sabia como as pessoas podem mudar da
noite para o dia, eu triunfei na destruição, mas ela parece murchar mais a
cada dia que a vejo. Sem amigos, sem ninguém. Sempre escrevendo em seu
diário no túmulo ou tirando fotos sombrias e perturbadoras, eu
acompanhava suas redes sociais secretas seguindo seus passos, não tinha
nenhum conhecido além de Tory, até o nome era fake. Suas obras refletindo
sobre ela, demonstrando como era por dentro. Vazia. Vazia como eu.
Ela me intrigou e isso é difícil, eu poderia quebrá-la, mas qual a
diversão em quebrar algo que não tem nada? Observo-a sumir entre as
árvores, meus homens têm ordem para não chegar perto dela. Imaginei que
depois de alguns dias e quando começassem as aulas ela pararia de vir, mas
já se passaram semanas desde a primeira vez que ela se instalou na cidade e
ela continua, se tornando uma rotina diária para mim.
Saio do quarto depois que já passa das nove, Seraphina ainda não
saiu, mas isso não me perturba, talvez ela finalmente tenha se juntado a seus
entes queridos. Menos um trabalho para mim. Coloco minha máscara preta
e começo a descer as escadas, vendo a primeira leva de iniciados para
sentinelas do semestre. Todos olhando uns para os outros, assustados. As
luzes do salão estão apagadas, o espaço iluminado por velas de canto dando
uma aparência ainda mais sombria ao lugar.
Apesar da reforma eu mantive o altar com as manchas de sangue
seco na parede.
— Quem quer desistir, saia agora. — Mikhail Zorkin, meu segundo
no comando e melhor amigo grunhe. Ele, assim como eu, está usando uma
máscara, mas enquanto a minha é branca com respingos de sangue, a dele é
preta.
Reconheço muito rostos, alguns estão tentando todo semestre se
juntarem aos Sentinelas, gravo seus rostos. Dedicação e disciplina também
são válidas para mim. Alguns finalmente me veem e cutucam uns aos outros
até todos me olharem.
O grupo facilmente tem sessenta garotos, mas logo em seguida o
número vai diminuindo conforme eles saem, me fazendo sorrir. O medo tem
um cheiro bom. Os que saíram serviriam a todos pelo resto do ano para
aprenderem a não brincar com algo sério.
Termino de descer as escadas e subo no altar.
— Só vou falar uma vez, seus filhos da puta: para fazer parte do
Monastério é preciso pagar o preço. Não me importa os sobrenomes que
carregam, aqui todos vocês são iguais. O mesmo lixo. Marquem seu rosto e
vençam por suas ações.
Um balde com sangue de porco é colocado no centro, homem a
homem mergulha sua mão e passa pelo rosto, alguns se controlando para
não vomitar enquanto outros não têm o mesmo sucesso e saem às pressas.
— Nós mandamos e vocês obedecem. Nós somos os donos da sua
vontade. — Eles começam a olhar entre eles sorrindo, achando que
entraram. Um pouco de sangue e eles já se sentem homens. Mik joga um
olhar para mim, provavelmente rindo por baixo da máscara. — Até o final
da noite haverá menos de cinco prontos para serem nossos iniciados e um
para sentinela. — Eu levanto a mão para meus homens. — Podem se
divertir.
E a gritaria que prossegue é como música aos meus ouvidos, vendo
meus homens acertando cada um dos calouros até que nenhum esteja em pé.
No final dessa primeira etapa só vinte ainda estão aptos para continuar.
Choramingos são ouvidos, me fazendo sorrir.
— Parabéns, vocês passaram para a segunda fase. — Anton
Stanislav começa. Mesmo usando máscara a sua estrutura grande revelava
sua identidade. Levanta uma moeda vermelha para que todos pudessem vê-
la com clareza. — Cinco moedas serão jogadas e vocês tem dez minutos até
que o relógio bata, quem estiver com a moeda na mão está dentro.
Cada um do meu círculo íntimo joga sua moeda no chão do salão.
Os calouros ficam parados por um momento, sem saber como agir. E é
quando um se mexe para pegar uma moeda no chão que o caos acontece.
Sangue e punhos, grunhidos e desmaios são vistos pelos próximos
dez minutos. Já estou cansado disso e olho em volta, querendo que isso
acabe logo. Meu olhar encontra algo em uma das janelas, olhos de corça
assustados observando toda a ação. Desvio antes que seja pego, quero ver
até onde ela aguenta.
Quando o sino bate o horário ainda tem dois lutando por uma
moeda. Os outros quatro homens levantam suas moedas com sorrisos
satisfeitos, apesar de alguns terem narizes quebrados ou olhos inchados.
Todos os meus companheiros me olham esperando a minha decisão.
— Como houve um empate, é preciso que o mais forte vença —
começo. Os dois estão sangrando e provavelmente com seus narizes
quebrados, mas se mantém erguidos. Músculos são importantes, mas mais
que isso, é preciso que eles sejam frios. — Tragam o jantar deles.
Os iniciados do semestre passado trazem uma mesa com dois domos
em cima. Os calouros são obrigados a se sentarem enquanto os outros
escolhidos esperam num canto. Os perdedores já foram expulsos do lugar.
Mik começa a uivar, assim como todos nós quando os domos são
erguidos e o coração de boi cru aparece.
— Vocês estão prontos?
O apito soa e eles comem a carne, rasgando com os dentes como
animais. Sedentos pelo poder, sedentos para se juntarem a nós. De canto de
olho vejo Seraphina ficar pálida e se inclinar para vomitar na planta antes
de desaparecer na escuridão.
Um dos homens vomita em si mesmo e apesar disso ainda tenta
continuar, mas já é tarde. O outro se levanta, lambendo o sangue e jogando
o prato no chão, Jamal Alekseeva é seu nome. Eu então lhe jogo uma
moeda dourada, ele conquistou o direito de se tornar um Sentinela. O outro
pega a moeda vermelha e sei que não vai se contentar em ser um criado.
Gosto do desafio em seu olhar.
— Nós somos o futuro, nós somos tudo. Por isso vocês devem
entregar a sua alma a nós. Passar por cima de suas convicções e crenças.
Sua lealdade é a nós. Vocês estão prontos para sangrar e morrer por nós?
Eles gritam e assim mais um semestre é abençoado para as Bestas
do Monastério.
5
SERAPHINA

Fazer parte de uma fraternidade não estava nos meus planos e eu li


de cabo a rabo o contrato da universidade e em nenhum momento estava
escrito algo sobre a obrigatoriedade em se inscrever em uma. Tory tentou
me convencer a fazer parte da Kitsune, sua fraternidade, mas ser mandada
novamente por Irina definitivamente não estava nos meus planos, já que ela
comanda as meninas. Odiava ela na torcida e agora parecia ainda pior com
seu sorriso condescendente para mim.
Eu poderia namorar algum cara do time de futebol ou de outro
esporte, algum líder de fraternidade para voltar a ser popular, mas eu não
iria me vender. Eu não seria a rainha do baile da universidade – na verdade
nem sabia se tinha isso realmente aqui – mas evitaria muitas dores de
cabeça.
Minha maior meta era usar meu superpoder de invisibilidade e
passar o resto do ano sem problemas ou dores de cabeça. Isso claramente
incluía apagar da minha cabeça o que vi ontem. Eu acho que estou tão
desligada que nem sabia que aquela antiga igreja era uma fraternidade e o
pior, era a fraternidade de Yurio, intitulada Monastério. Para mim era
simplesmente um atalho para chegar mais rápido ao cemitério da cidade
onde minha família estava.
Presenciar aquela iniciação atroz me fez vomitar e me manteve
acordada a noite toda, por que de jeito nenhum consegui tomar meus
remédios para dormir, sem ter medo de que Yurio de alguma forma
soubesse que era eu e viesse atrás de mim.
Honestamente, depois daquela noite a ideia de me inscrever na
mesma fraternidade de Irina parecia o paraíso em comparação. Ou talvez eu
simplesmente poderia usar a desculpa que eu esqueci e perdi o prazo, não
acho que as pessoas se importariam se eu fazia ou não parte de uma.
A biblioteca da universidade era cara, para ter uma palavra
adequada. Com certeza foi investido um grande número de dinheiro porque
aqui dentro, mais do que nunca, parecia uma sala de castelo antigo com
janelas enormes de arquitetura clássica, teto com pinturas, prateleiras
enormes com escadas e até salas privadas para estudo. Escolhi uma mesa
perto da janela e abri um livro de matemática para revisar a matéria, mas
minha cabeça ainda estava longe.
Vejo que recebi mensagem de Tory, mas decido ignorar no momento
e focar no livro, mas até os números que sempre me interessei parecem
realmente chatos. Deixo minha mochila na mesa e vou em busca de algum
livro para me distrair, mas duvido muito que nessa biblioteca tenha livros
de fantasia adulta.
— Oi, está em busca de algum livro específico?
Pulo de susto, estava tão concentrada que sequer ouvi passos. Me
viro vendo uma menina gordinha de cabelos castanhos.
— Eu trabalho aqui — completa.
Conforme a observo tenho certeza de que a conheço de algum lugar.
— Claro, mas não sei se aqui tem algum livro de fantasia adulta.
Ela sorri.
— Tem uma pequena estante.
Ela abre caminho até uma estante escondida debaixo de uma das
escadas e lá tem um monte de livros do gênero.
— Uau!
Ela ri.
— Trabalhar aqui me faz poder escolher alguns livros.
Percebendo que estou desligada e mal-educada, então lhe estendo a
mão.
— Eu sou Seraphina.
— Eu sou Ivana, mas pode me chamar de Ivy.
A ficha cai.
— Você é a irmã mais nova de Irina! — exclamo realmente
surpresa.
Lembro de quando era mais nova ir em uma festa do pijama e
conhecê-la. Era raro a garota estar em casa, se me lembro bem ela estudava
em um colégio interno.
Ivy dá de ombros.
— Infelizmente. Irina e eu não nos damos muito bem para falar a
verdade e preferimos não falar de nossos laços sanguíneos. — Ela rola os
olhos e tenho certeza de que essa ideia não foi dela.
— Bem, é a cara dela fazer isso. — Decido mudar de assunto. —
Esse é seu primeiro ano também?
Ela parece mais calma e aliviada de ter mudado de assunto.
— Sim, consegui esse emprego na biblioteca e assim não preciso
entrar em nenhuma fraternidade; nada contra, mas não é meu estilo ser
capacho de alguém, já basta ter sido de Irina a vida toda. — Ela tampa a
boca, mas eu já estou gargalhando.
— Eu entendo. Fui da equipe dela de torcida e Irina pode ser...
Tento procurar uma palavra melhor para não a xingar na frente de
sua irmã, mas ela me surpreende.
— Uma vadia maldosa e vingativa.
É minha vez de dar de ombros.
— Não poderia ter escolhido palavras melhores.
Nós duas rimos. Um cara passa por nós apressado e acaba
derrubando um carrinho cheio de livros.
— Ei, cuidado! — Ivy grita.
O homem se vira e eu o já vi pelo campus, sempre rodeado de
amigos. Se não me engano era o capitão do time de futebol americano.
— Cala a boca, balofa!
Abro a boca para defender Ivy, mas ela segura meu braço e balança
a cabeça enquanto nós dois observamos o jogador sumir.
— Não ligue para isso. Rice Andreev é um idiota. — Ela diz
parecendo acostumada a esse tratamento; quero falar que isso não é certo,
mas não quero que ela se sinta ainda pior.
Entramos no assunto de livros e eu me sinto normal pela primeira
vez em meses realmente tendo uma conversa normal, sem ter que inventar
desculpas ou medir palavras.
— Ei, será que consegue uma vaga aqui para mim também?
Ela nega.
— Eu preenchi a última do semestre, monitores e empregados
podem escolher não estar em uma fraternidade para não haver luta de
interesse, mas talvez aja alguma outra vaga em algum lugar do campus.
Nós conversamos mais um pouco antes dela voltar ao trabalho e ter
dado o meu horário livre. Enquanto caminho pelos corredores sabendo onde
era a próxima aula me permito olhar as mensagens de Tory, já que ela é
praticamente meu único contato no celular além do meu psicólogo, do
psiquiatra, do advogado e do meu tutor. Bem, agora tem de Ivy, mas eu não
ficaria decepcionada se nunca recebesse mensagens suas.
Tory: socorro!
Tory: Preciso de ajuda. URGENTE.
Tory: SERAPHINA! JURO POR DEUS QUE SE VOCÊ NÃO ME
RESPONDER EU VOU TE COLOCAR NOS DESAPARECIDOS.
Que dramática.
Eu: O que foi?
Ela digita e para, digita e para. Começo a me preocupar de verdade
quando em vez de mandar mensagens ela me liga.
— Por favor, diz que você vai me ajudar.
Eu franzo a testa.
— O quê?
— Uma das meninas está com mononucleose e não vai conseguir
participar do Lava Rápido de caridade, eu estou com essa função e se falhar
Irina vai acabar comigo.
Estremeço sabendo o quanto Irina gostava de humilhar as pessoas
publicamente, acho que isso não mudou.
— Eu...
Acabo batendo em alguém e caio de bunda no chão.
— Olha por onde anda! — Yurio grunhe, sem fazer questão de me
ajudar a levantar e sai como se fosse o dono do corredor.
— Idiota — murmuro.
Pego meu celular no chão e escuto Tory continuando a falar, ela nem
percebeu que eu não estava ouvindo.
— Tory, me avise o dia e a hora.
Ela grita no outro lado enquanto eu cato meus livros no chão e me
levanto. Se em algum momento achei que Yurio era um ser humano
decente, hoje tive a certeza de que não passa de um idiota mimado que não
aprendeu nada com a vida.
6
YURIO

Os caras estão sentados no sofá jogando videogame, me aproximo


pegando uma cerveja e me jogando no meu trono. Foi um presente do meu
tio Nikolai; depois que ele conheceu sua esposa Sophia, ou melhor, a
sequestrou, ele tem sido mais legal, então achou que era uma boa ideia me
dar um trono de presente para que eu não esquecesse o meu futuro. O trono,
entretanto, era composto de algumas ossadas e um crânio no topo que eu
tinha certeza não ser um adereço falso.
— O cheiro do sangue finalmente saiu. — Kazimir Morozov respira
fundo antes de apertar novamente o desodorizador de lavanda. — Não sei
qual fede mais, o sangue de porco ou de humano.
Anton espirra, lançando um olhar bravo para Kaz, que se encolhe.
— Deixe essa raiva para o campo, Anton. — Grigory interfere a
favor de Kaz. — Temos sorte pelo TOC de limpeza de Kaz ou aqui seria um
chiqueiro.
Grigory foi a nossa primeira Sentinela, ele era o mais jovem do
antigo time de hóquei e nós entramos quando o time inteiro havia se
formado. Ele batalhou frente a frente comigo para ser capitão e garantiu sua
vaga. Ele era bolsista e atolado em dívidas, nós pegamos pesado com ele,
mas ele nunca desistiu, mesmo quando mal podia andar.
Hoje em dia ele é um dos mais fiéis que tenho e por isso o coloquei
como uma Besta e o capitão do time. Seu choro quando lhe avisamos era de
alívio, conosco ele nunca mais precisaria se humilhar para ninguém, agora
fazia parte de algo maior que uma faculdade.
Matvei Stanislav, que até o momento estava em silêncio mexendo
em seu celular, bufa.
— Como se fosse ele a limpar e não os criados.
— Sob minhas ordens. — Kaz retruca e espirra um pouco de
desodorizador na direção dele.
Matvei o ignora, focando sua atenção em mim.
— Como vamos cuidar do ratinho de ontem à noite?
Claro que ele havia percebido a presença de Seraphina, por isso que
Matvei era o melhor espião e hacker. Os outros levantam as sobrancelhas.
— Fomos filmados?
Já havia acontecido antes, por isso que usamos máscaras para
manter a nossa identidade privada. Nós não podíamos ser pegos em coisas
erradas ou poderia manchar nossa imagem; por incrível que pareça foi
sugestão da minha mãe que usássemos máscaras para as nossas travessuras
no ensino médio, acho que ela não esperava que isso subisse de nível.
— Não. — Me ajeito na cadeira. — Eu vou cuidar dela.
Mik franze a testa.
— Uma mulher? Provavelmente estava esperando um de nós.
Eu neguei com a cabeça.
— Seraphina Petrova. — O nome sai suave de meus lábios.
— Avisei que era uma má ideia deixá-la passar por aqui. — Anton
reclama. Ele odiava tudo, mas especialmente as mulheres. Nós todos
éramos a elite da universidade, mas pelo tamanho de Anton as garotas
passavam longe, com medo de serem arrombadas, não ajudava o fato que
ele considerava todas as mulheres do mundo vadias. O bom é que o tesão
reprimido o deixava uma máquina de matar em campo. Era meu executor e
tenho certeza que pularia numa bala por mim.
— Ela definitivamente não veio por um pau. — Kaz graceja.
— O que pretende fazer? — Mat pergunta.
— Colocar o rato na armadilha; me diga, Mik, Irina é a chefe das
Kitsunes?
— Juro que ela acabou com a concorrência antes mesmo de vir para
a universidade. — Mik bufa, mas não esconde o sorriso orgulhoso.
Irina tem sido sua namorada desde os dezesseis anos, ela sempre
teve uma veia de liderança e se me recordo bem foi ela a expulsar
Seraphina da equipe de torcida. Eu particularmente não ia com a cara de
Irina, mas para evitar dores de cabeça não comentava sobre ela com Mik.
Uma mulher raivosa pode ser o pior dos problemas.
— Pergunte para ela sobre Seraphina. Mat reúna informações. Nós
vamos brincar com o rato um pouquinho antes dele cair na armadilha.
— Um susto vai fazê-la não se envolver no negócio dos outros. —
Mik pensa.
— Ninguém fode com as Bestas. — Eles gritam em coro, me
fazendo sorrir.
Ah, querida, você não sabe o que te aguarda.
7
Tudo está azul
Suas pílulas, suas mãos, seus jeans
E agora eu estou coberta com as cores
Separada pelas costuras
E é azul
Colors - Halsey

SERAPHINA

Eu não sou parte das Kitsunes, mas continuo a estar com elas por
causa de Tory. A encontrei para jantarmos juntas e antes que percebesse a
mesa estava cheia de meninas animadas da fraternidade dividindo suas
saladas e discutindo a nova tendência de deixar as cutículas crescerem.
Tory me lança um olhar de desculpas, mas antes que eu pudesse
arranjar uma maneira de sair dali Irina chegou, desfilando como se estivesse
numa passarela e não numa lanchonete de universidade. As meninas
rapidamente mudaram de posição, se ajeitando para estarem perfeitas para
sua abelha rainha. Se ainda fosse como o ensino médio a maioria das
meninas odiaria Irina, mas não tinham forças para impor suas opiniões.
Irina se senta e me lança um olhar condescendente.
— Seraphina, querida. Sinta-se à vontade para jantar conosco.
Como se eu não tivesse chegado primeiro aqui . Sorri em
agradecimento, porque eu não estava com paciência para lutar com ela por
um lugar. Queria terminar meu jantar e tomar meu remédio para dormir.
— Sabe, Tory me falou que você se ofereceu para a ação de amanhã.
— Ela leva a mão ao coração. — Fico muito feliz por você estar se
enturmando depois de tudo que aconteceu, sabe?
— Irina! — Tory geme.
Irina finge estar arrependida, mas é tão falso que poderia rolar os
olhos se eu realmente me importasse.
— Não lembro de ter visto seu pedido para a irmandade, mas pode
deixar que vou pensar com carinho num cargo para você.
Chega. Me levanto.
— Isso, continua procurando, querida . — Me viro para Tory, que
está vermelha de vergonha. — Preciso ir, amanhã tenho aula cedo.
Não me despeço do restante da mesa e caminho rapidamente antes
que Tory tente me compensar me chamando para algum lugar ou querendo
me acompanhar até meu quarto.
Enquanto caminho sozinha percebo como as ruas estão vazias e de
como tudo parece mais sombrio no escuro. Os pelos da minha nuca se
arrepiam e eu olho em volta, sentindo olhares sobre mim, mas talvez
fossem os medicamentos me deixando paranoica. Aumento o passo até
chegar a meu quarto e me tranco lá dentro com o coração saltando no peito.
É sua imaginação, repito mentalmente até que acredito e quase me
bato por minha tolice. Depois de tomar um banho e alimentar meu peixe,
tomo os últimos medicamentos da noite e imediatamente desligo o telefone
e me deito. Os remédios me deixam bem tonta e se tentasse me levantar ia
acabar caindo, se eu tentasse permanecer acordada seria um perigo então
me envolvo em meu cobertor antes de fechar os olhos, esperando acordar na
manhã seguinte.

***

O dia acorda ensolarado e me pego pensando que seria bom sair


para tirar algumas fotos, mas fiz uma promessa a Tory e não podia deixá-la
na mão. Percebo o quanto isso era importante para ela quando me abraça
apertado e com lágrimas nos olhos.
— O que foi?
Ela revira os olhos, secando as lágrimas.
— Nada, é só legal ter você de volta.
Pela próxima hora passo esfregando carros e ignorando alguns
meninos que acham que limpar seu carro garantiria acesso a meu número de
telefone ou um encontro.
— Seraphina, você não sabe como me salvou! — Tory fala pela
terceira vez desde que começamos.
Ao contrário de mim ela ainda está no espírito de equipe da escola e,
junto com as outras meninas, cantam hinos da irmandade delas e até alguns
do ensino médio com direito a coreografia molhada e espumada e tudo para
o delírio dos homens. Tory sempre foi mais bonita e carismática que Irina,
mas nunca tentou tomar o lugar dela no topo, acho que por só querer a parte
divertida e não a responsabilidade.
Eu só estava concentrada no trabalho para que acabasse mais rápido
e eu metesse o pé dali. Se não fosse pela boa ação do dinheiro ser doado
para o Hospital do Câncer eu já teria desaparecido depois da quinta dança.
— Bem, você deu sorte porque hoje deu um dia de sol.
Levanto o rosto, fechando os olhos sentindo os raios solares em
minha face.
As meninas que estão trabalhando aqui estão usando biquínis
minúsculos e saltos, parecendo uma convenção de Barbies . Comigo me
destacando nesse meio, não só pelos meus cabelos castanhos escorridos e
sem graça, mas também porque eu estava usando short jeans e camisa
branca com o biquíni mal aparecendo.
— Ei, Seraphina! — Irina me chama, se aproximando. Ela, assim
como eu, está com roupa, usando um macacão branco colado ao corpo.
Irina sempre foi a morena de sua turma, todas eram loiras naturais ou
pintadas, mas ela manteve seu cabelo castanho-claro longo cheio de ondas
brilhantes. — Então, vamos ter uma social para agradecer a todas pela ajuda
de hoje. Você quer nos encontrar lá, ou quer ir se arrumar conosco?
Ela pisca docemente, esperando a resposta.
— Eu acho que não...
— Nem pense em negar, você ajudou tanto hoje. Tem que aparecer,
todas irão.
Limpo a garganta, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Eu não sou da irmandade. — Tento me safar. Tory já está me
lançando olhares de cachorrinho.
— Pode entrar, a nossa casa é só feminina, claro que você estaria em
vigia no começo, mas conforme o tempo passar pode subir de nível. — Ela
pisca docemente os cílios. — Você ainda patina?
Nego com a cabeça, sem força para responder enquanto ela continua
a falar, mas eu paro de escutar quando uma moto vermelha vem e para na
minha frente. Yurio levanta-se da sua moto e caminha em passos confiantes
até parar na minha frente.
— Quero ela brilhando.
Sua moto não precisava de uma lavagem, estava parecendo nova.
Era um jogo de poder contra mim, poderia sentir isso. Yurio não estava
acostumado com alguém não idolatrando seus passos ou beijando o chão
que ele pisa.
— Oi, Yurio. Estava falando com Seraphina agora sobre a festa. Ela
precisa vir, não é? — Irina graceja.
Ele levou seu tempo me olhando dos pés à cabeça. Seu rosto não
demonstrando nada, como se seu escrutínio fosse me fazer revelar todos os
meus segredos ou cair aos seus pés, implorando por sua atenção.
Não querendo ser forçada a ir, porque claramente sua palavra aqui
era lei, sorrio para Irina.
— Vou adorar! — Finjo animação antes de caminhar até sua moto e
bato nela com a esponja.
Começo a esfregar, sentindo seu olhar sobre mim, mas não o olho.
Não posso. Yurio tem um mal em seu olhar, um mal que lhe atraía para
dentro, até não sobrar nada. Ele é uma casca vazia.
Subo na moto para limpar os espelhos e para provocá-lo. Ouvi dizer
que uma vez ele quebrou a mandíbula de um cara por esbarrar em sua moto
sem querer. Posso estar brincando com fogo, mas me sinto divertida por
provocar o Deus da escola.
Sem conseguir me conter olho por cima do ombro, vendo-o me
fitando com seus olhos glaciais. Desvio o olhar, terminando rapidamente de
limpar antes de passar um pano para secá-la. Estou pronta para entregá-la
quando um jato de água gelada me acerta direto no peito.
As meninas começam a gritar e rir, uma jogando água na outra, mas
eu não estou para essa palhaçada. O meu serviço eu fiz. Caminho até Yurio
para ser no mínimo cordial.
— Está brilhando.
Passo por ele, resistindo à vontade de dar-lhe uma ombrada, porque
sabia que ele não se mexeria com todos aqueles músculos. Sua mão segura
meu braço.
— Agradeça.
— Por limpar sua moto? — Franzo a sobrancelha. Ele não pode ser
tão narcisista assim.
— Por ainda estar respirando. Não esfregue sua boceta na minha
moto se não for para gozar.
Com isso ele sobe na moto e ainda sem palavras vejo-o ir. Porra, o
que foi isso?
8
SERAPHINA
PASSADO

Eu não entendo porque ele está me ignorando. Faz uma semana


desde o baile e tentei conversar com Yurio, mas era como se eu não
existisse. Como se não bastasse isso me sentia prestes a explodir, minha
mãe estava em uma crise forte, me acordando à noite para dançar com ela
até nossos pés sangrarem e mesmo quando falei com meu pai ele fez vista
grossa.
Tentava proteger Lily, mas até minha irmãzinha percebia que havia
algo errado com nossa mãe. Entre tentar ajudar a cuidar de Lily, ensaiar
para a competição de domingo e ainda fazer parte da equipe de torcida eu
não tinha tempo para nada.
Hoje mesmo eu estava atrasada para o almoço, não havia
conseguido ir ao ensaio novamente e sabia que Irina iria me infernizar. Tory
tentava me encobrir, mas não queria que Irina brigasse com ela também.
Chego à mesa onde todos já estão comendo, Tory imediatamente se
empurra para o lado para abrir lugar para mim. Assim que me sento
encontro os olhos de Yurio, que tem Tatiana em seu colo, e rapidamente
desvio o olhar. Ela nem devia estar aqui, já havia se formado, mas ainda
fazia questão de vir algumas vezes na semana para marcar presença e não
ser esquecida.
Mal toquei na comida quando Irina limpa a garganta.
— Então, Seraphina, você faltou três treinos nesse mês. — Ela
morde a ponta do dedo. — Acho que está na hora de você fazer sua escolha,
você quer estar no time ou continuar na patinação?
A mesa inteira faz um silêncio. Tory está com os olhos arregalados e
segura minha mão debaixo da mesa, sabia que se eu falasse umas verdades
na cara de Irina, mesmo correndo o risco de virar uma pária, minha amiga
estaria comigo.
Olho bem para a cara da Irina, tenho vontade de falar como metade
das animadoras a odeiam enquanto a outra metade tem medo dela. Ela pode
ser bonita por fora, mas é podre por dentro e só consegue as coisas com a
sua boa aparência e seu namorado.
Abro minha boca para falar exatamente isso, mas o cansaço já vem
antes mesmo de qualquer coisa. Com tudo que estou passando ainda criar
uma rixa aberta com Irina iria gastar um tempo que eu não tenho, mesmo
tendo certeza de que haveria muitas meninas ficando ao meu lado.
— Tudo bem — respondo docemente.
Yurio bufa como se esperasse mais, porém ele não tem as
responsabilidades que eu tenho. Tudo é mais fácil para ele por
simplesmente ser homem, então não pode opinar. Tory aperta minha mão,
pronta para sair do time e solidarizar comigo, mas eu nego com a cabeça.
Ela adora o time e na minha opinião seria uma líder melhor que Irina.
O sinal toca e todos correm para suas aulas, eu levo meu tempo
observando Irina se despedir de Mik antes de segui-la. Ela entra no
banheiro e depois de ter certeza de que não havia mais ninguém eu entro em
seguida.
Irina está passando gloss quando eu a empurro contra a parede.
— Tente me humilhar novamente que eu vou roubar tudo que você
tem, sua popularidade, suas amigas, seu namorado.
Ela arregala os olhos e nem consegue falar, tentando se afastar
quando coloco uma mecha de seu cabelo sedoso atrás da orelha.
— Eu sou boa, mas sou ainda melhor má. Entendeu?
Ela ainda está chocada e sem suas seguidoras não sabe se defender.
Posso ser uma garota legal, mas já precisei me defender da minha mãe em
algumas crises. Posso não ser a melhor lutadora, mas comparado a Irina eu
era uma lutadora profissional.
Pego o gloss de sua mão.
— Espero que essa conversa fique entre nós, fofa.
Deixo-a no banheiro e jogo seu gloss no lixo. Sempre soube que não
existem pessoas verdadeiramente boas no mundo, todo mundo tem um lado
sombrio, acontece que eu não tinha ideia de que era divertido deixá-lo
brincar às vezes.
9
E não é como se eu fosse tão má
Você é tudo que eu queria
Só deixe eu prender você
Prender você como um refém
Como um refém
Hostage – Billie Eilish

SERAPHINA

Sinceramente não sabia o que era pior, me ver no meio de pelo


menos doze meninas se arrumando juntas ou ter que ir para a festa que
vinha depois disso. Tory sabia como eu me sentia no meio de tanta falação,
mas estava tão animada para me mostrar esse lado da universidade que
esqueceu que eu não era a mesma Seraphina de antes.
Dei um suspiro quando fiquei pronta; o que não era difícil, já que
optei por não usar maquiagem, só um pouco de gloss e secar meus cabelos.
Era uma hora ali e eu estaria em casa, disse a mim mesma. Para a maioria
das pessoas poderia ser a melhor forma de curtir seu sábado, mas a minha
ideia de diversão consistia em atualizar meu novo Instagram que usava
como diário de fotos, ir ao cemitério e ler algum livro, talvez até dar uma
corrida se estivesse com disposição.
Quando chegamos ao lugar da festa, que é na clareira perto da casa,
a festa já está bombando. Eles até mesmo colocaram uma piscina de
plástico cheia de gelatina. Para não correr o risco de ser perturbada por
universitários bêbados que acham que todos tem que beber também, pego
um copo descartável e encho com água, fingindo ser cerveja.
Eu realmente tento permanecer por mais tempo, mas me vejo
adentrando mais na floresta para fugir do barulho. Antes que me desse conta
estava sozinha no meio do nada, nem conseguia mais ouvir a música e parei
por um momento me perguntando onde estava. Era só o que me faltava.
Peguei meu celular, mas antes que pudesse discar o número de Tory, uma
sombra apareceu bem na minha frente, quase me fazendo derrubar o celular.
Me virei para correr, mas havia outra pessoa ali me esperando. Eu
gritei, eles usavam máscaras e apesar do pavor percebi que já havia visto
elas antes. Era Yurio e seus amigos. Sem querer demonstrar medo cruzei os
braços enquanto andava para trás, encostando numa árvore. Minha mão
doeu, mas não abaixei o olhar para ver se havia cortado.
— Yurio, pare de palhaçada, se for algum trote eu vou...
Ele me imprensou contra uma árvore, eu não precisei vê-lo para
identificá-lo, seu cheiro lhe entregava. Yurio cheirava a fogueira e homem.
— Vai fazer o quê? — retruca com sua voz sem sentimento e nem
precisava tirar a máscara para eu ver esse mesmo vazio em seu olhar.
Desviei o olhar e vi que todos as Bestas estavam ali, só esperando
alguma ordem dele para seguirem. Eu cresci junto com esses caras, mas
eles se tornaram homens feitos, não haveria misericórdia com quem
cruzasse seu caminho.
Engoli seco.
— O que você quer?
— Eu te deixei ir visitar sua família e você retribuiu nos
espionando?
Franzi a testa até perceber que fui flagrada olhando na janela.
— Eu nem sabia que vocês moravam ali, parecia abandonado e
assombrado. — Algum dos homens riu ao fundo. — Ouvi um barulho e fui
lá ver se alguém precisava de ajuda. Não estava espionando.
— É isso que vamos ver.
Ele agarra meu celular e se afasta, não havia senha no aparelho
então ele consegue acessar. Não me mexo, sabendo que não tem nada
demais nele. Yurio leva seu tempo mexendo no celular antes de jogar para
outro e assim até o celular passar por todos.
Yurio puxa sua máscara e os pelos do meu corpo se arrepiam. Nunca
tinha visto a morte de perto, mas olhando-o, eu tinha uma ideia do que as
pessoas que morreram nas mãos de Yurio viram antes de morrer.
Ele ri e eu quero correr. Eles devolvem o celular para ele.
— Sabe, nós iriamos deixar você ir com um aviso, mas isso. — Ele
levanta o celular antes de jogar sobre os meus pés.
A tela mostra uma gravação daquela noite, uma prova
incriminadora. Eu filmei? Como? Não lembro disso . Uma voz na minha
cabeça diz que está começando, que está acontecendo, mas eu tenho tomado
meus medicamentos, tenho estado melhor.
— Eu... — Minha voz falha enquanto continuo observando o vídeo.
— Nem vai tentar negar? — Ele ri.
Levanto a cabeça, olhando diretamente em seus olhos.
— Eu não lembro.
— E acha que isso vai diminuir a sua penitência?
Mas minha mente já estava longe. Talvez essa seja a vida me
cobrando pelos meus pecados, finalmente, e Yurio Leonov fosse meu
carrasco.
— Está pronta para pagar seus pecados?
— Sim.
10
Porque eu sou apenas uma rachadura
Neste castelo de vidro
Não sobrou praticamente nada para você ver
Para você ver
Castle of Glass – Linkin Park

SERAPHINA

Quando acordo meus pés deslizam no chão, no automático, como se


eu estivesse novamente no gelo. Essa noite sonhei que eu estava no gelo,
estava patinando e me sentindo livre quando o gelo começou a se levantar
em pontas afiadas. Tentava me machucar enquanto eu procurava fugir, mas
não foi o suficiente, ele ainda assim atravessou meu coração e o chão se
tornou vermelho com meu sangue.
Só reparo que ainda estou com a mesma roupa quando me olho no
espelho. Os acontecimentos de ontem vão voltando aos poucos, levanto
minhas mãos vendo cortes finos de quando me arranhei na árvore. Corro
pelo quarto procurando meu celular e o encontro entre minhas cobertas,
abro ele e não existe vídeo algum. Talvez fosse um sonho.
Tomo meus medicamentos e olho meu horário de aulas, tomo um
banho demorado e quando saio do meu quarto me encolho, mas não deixo o
desconforto me tomar e coloco meus fones de ouvido para não ter que falar
com ninguém.
Apesar de ter aulas pelo resto do dia, meus pés não param no prédio
da primeira aula, eu sigo andando e quando dou por mim estou no
cemitério. Em cima do túmulo de Lily tem a escultura de uma bailarina, ela
nem gostava de balé.
Me sento no chão, tirando algumas folhas que se acumularam desde
que estive aqui uns dias atrás, as rosas brancas que coloquei estavam
murchando e amanhã traria novas. Normalmente conversaria com minha
irmãzinha sobre meu dia, inventando assuntos, mas hoje só consigo ficar
ali. Minha voz não saindo. Não olho para o túmulo ao lado, não consigo.
— Sabia que te encontraria aqui.
Me viro vendo Yurio ali. Então ontem não foi um sonho.
— O que você quer?
Me levanto e ele não responde, é como se quisesse me ver com
medo, mas eu não sentia medo. Ele se vira e começa a caminhar para longe
e fico ali parada. Ele anda uns bons metros antes de olhar para atrás.
— É melhor você me seguir se quiser que sua amiga não pague pelo
que você fez.
Isso faz meu corpo se mover, Tory não deveria pagar pelos meus
erros. Quando paramos em frente ao Monastério não tenho ideia de qual o
castigo que se aplicaria a mim, mas não pode ser pior do que eu já passei.
Aceitaria e voltaria para a minha capa de invisibilidade.
Em vez de entramos pela porta da frente, ele dá a volta para os
fundos. Reparo a fogueira assim como vários membros ali, reconheço
alguns dos garotos que participaram, bem como o vencedor que comeu o
coração de boi. Só de olhá-lo meu estômago embrulha. Ele tem um sorriso
satisfeito e orgulhoso de estar ali.
— Olha o que eu trouxe. — Yurio sorri para seus amigos antes de se
virar para mim e colocar uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. —
Estivemos te caçando durante todo o dia, mas eu te encontrei bem a tempo,
amor.
Dou um passo para trás, não querendo seu toque, mas ele não deixa
e me puxa pela cintura para si. Seu olhar vai para os homens ali.
— Nossa querida Seraphina Petrova se inscreveu para o Monastério.
A primeira mulher a se inscrever.
Aplausos vem e eu tento escapar, mas seu aperto me mantém parada
enquanto eu arregalo os olhos e aproximo minha boca da sua orelha sem
querer falar alto.
— Que porra é essa? Eu não me inscrevi para nada!
Ele sorri e eu sei que falei o que ele queria ouvir.
— Justamente, a partir do momento que você não escolheu, eu
escolho por você.
— Eu que não vou comer um coração de boi!
Mik, que estava perto, escutou e começou a rir. Eu não estava
achando a mínima graça.
— A primeira prova de Seraphina é achar a chave.
Eu começo a negar com a cabeça quando ele aproxima a boca do
meu ouvido.
— A chave abre a porta do lugar em que Tory está trancada desde de
manhã.
Engulo seco, com os olhos arregalados percebendo quão sério é
isso. Eles não a machucariam realmente, certo? Olho em volta, mas a minha
certeza vai diminuindo. Tento argumentar.
— Yurio, nós crescemos todos juntos. Vocês não podem machucar
Tory. — Olho para todos eles, mas nenhum responde.
— Jamal Alekseeva, sua missão é caçar e não deixar Seraphina
completar a prova.
Alguns homens no meio riem, enquanto outros não parecem tão
divertidos, mas ninguém tenta retrucar.
Yurio pega seu celular e coloca cronômetro.
— Você tem uma hora para achar as pistas que vão te levar até a
chave.
O cronômetro começa a contar e Mik me joga uma rosa branca
murcha, não preciso ser um gênio para saber para onde tenho que ir. Corro
entre a floresta sabendo que preciso usar a minha velocidade a meu favor,
Jamal não sabia para onde eu estava indo, mas era só questão de tempo.
Pulo a grade do cemitério e corro sabendo de cor o caminho até o
túmulo da minha irmã, e ali entre as flores há um chaveiro com o número
2498. Olho pela segunda vez e começo a caçar esse número entre os
túmulos, chego à parte onde sequer há nomes, é a parte mais afastada e não
tardo a encontrar.
A terra está remexida e me ajoelho ali, começando a cavar,
engolindo a vontade de correr dali. Um dia eu era só uma estudante normal
e agora estou abrindo a cova de alguém. Só percebo que estou chorando
quando sinto o gosto salgado na minha boca.
Depois do que parecem horas meus dedos roçam em algo e eu
consigo retirar uma boia. Ainda estou raciocinando quando alguém me
agarra por trás.
— Isso foi fácil! — Jamal fala.
Me contorço para escapar, mas ele é muito mais forte que eu.
— Okay, você venceu — grito e ele me solta por um momento.
Recolho terra no chão e jogo nele enquanto corro em direção ao
lago. Eu não tinha muito mais tempo, mas com Jamal na minha cola eu
sabia que não tinha chance.
Me escondo atrás de uma grande árvore e pego um pedaço de
madeira no chão. Espero ele aparecer, enquanto tomo fôlego. Ele passa
perto de mim olhando em volta, posso sentir o seu desespero de falhar com
as Bestas e quase sinto pena, mas eu mesma não posso falhar. Tory é a
única pessoa que sobrou.
Saio de trás da árvore e lhe acerto com o galho. Ele cai no chão em
um baque surdo e eu nem tento ver se ele ainda está respirando enquanto
continuo minha corrida. Vejo luzes de fogueira à distância e sei que estou
no caminho certo. Assim que chego vejo-os ali, nenhum se mexe. No meio
do lago há uma boia.
— Pode desistir agora e ser nossa putinha. — Yurio oferece como se
fosse uma alternativa de verdade.
— Eu não sou putinha de ninguém — respondo, tirando meus tênis
e meu casaco, os jogando no chão. Penso em tirar minha calça jeans para
diminuir o peso, mas com tantos homens aqui eu não faria isso.
Também não perco tempo quando corro direto para as águas geladas
e me jogo lá dentro, imediatamente sentindo meu corpo ficar tenso pela
temperatura enquanto perco o ar. Meu corpo treme, mas eu me forço a
continuar a nadar, batendo os pés com força vendo só escuridão. Nem quero
pensar no que pode ter dentro dessas águas. A correnteza é forte e por uns
segundos me pergunto até onde ela pode me levar, se ela pode fazer tudo
desaparecer.
Minha cabeça bate na boia me acordando desses pensamentos,
pensei que já tinha me livrado deles, mas eles são como demônios
esperando só uma brecha para se alimentarem.
Apesar da escuridão consigo agarrar a chave e soltá-la de uma
corda. Escuto barulhos altos pelo lago para então perceber que são meus
dentes batendo. Agarrando a chave com toda a minha força eu nado até a
borda, onde todo o grupo me espera. Saio da água com o corpo tremendo,
sabendo que acabaria desmaiando, mas ainda assim caminho reto até Yurio
e jogo a chave a seus pés.
Nenhum de nós desvia o olhar, porque agora Yurio sabe que
encontrou um oponente à altura. Só quando ele se vira e entra na floresta
meus joelhos cedem e eu caio no chão, mas não antes de rir. Rir alto, o
fazendo parar.
Yurio, sem saber, acordou algo em mim que eu achava estar morto e
agora arcaria com as consequências.
11
Não é justo
Você realmente sabe como me fazer chorar
Quando me olha com aqueles olhos de oceano
Estou com medo
Eu nunca despenquei de tão alto assim
Caindo em seus olhos de oceano
Esses olhos de oceano
Ocean Eyes – Billie Eilish

YURIO
PASSADO

Quase pensei que existia algo em Seraphina, mas ela se demonstrou


fraca como sempre. Ouvi Irina reclamando sobre como ela se atrasava,
quando não faltava aos treinos, mas era claro que Irina gostava de ter poder
sobre Seraphina.
— Você devia expulsá-la da equipe — brinquei uma noite.
Era para ser uma noite de caras, mas Irina surgiu com um vestido de
lantejoula tão curto que dava para ver sua calcinha e Mik não resistiu. Era
patético. Os outros não se importaram com sua presença e se tem algo que
aprendi desde cedo é que enquanto seus homens estão felizes e satisfeitos,
há menos chance de traição. Não que eu desconfiasse dos meus amigos,
mas a voz do fantasma de Leoncio Leonov na minha cabeça às vezes falava
mais alto.
Essa mesma voz disse que eu deveria me manter distante de
Seraphina, ela fugiria se lesse meus pensamentos, se soubesse tudo que eu
quero fazer com ela desde a noite do baile. Nós sempre estivemos
gravitando na direção um do outro. Nossas mães não eram bem amigas,
mas estavam no mesmo círculo social e quando eu era menor estava
presente em seus eventos e tudo mais.
Seraphina sempre parecia de acordo com seu futuro, mas na noite do
baile vi algo que não tinha reparado. Medo. Ela, sem dúvidas, era a maior
patinadora da atualidade, mas isso não significava nada para nosso meio, se
não só mais um troféu.
— Ela está no nosso horário. — Anton afirma o óbvio.
Nós a observamos na pista de patinação com fones em seus ouvidos.
Já havia passado meia hora do seu tempo final e a pista pertencia a nós
nesse horário.
— Quer que eu chame ela? — Mik pergunta.
Matvei ri.
— Yurio não parece se importar. — Ele empurra meu ombro então
percebo que não tirei os olhos dela.
Bufo como se não tivesse sido afetado por ela e coloco meu
capacete.
— Vamos entrar.
Não espero eles responderem, retiro o protetor dos patins e invado a
pista, ouvindo o som dos caras me seguindo. Seraphina estava no meio de
uma acrobacia e cai no chão, gritando de susto ao nos ver.
— Que porra! — Ela grita arrancando os fones.
— Nosso horário, querida! — Kaz cantarola.
— Eu tenho apresentação em dois dias, preciso ensaiar! — Ela
protesta, deslizando até a gente, seus movimentos delicados, tão diferente
dos nossos.
— E isso é problema meu por quê? — retruco.
Seus olhos marejam e ela foge para fora da pista, tão rápida quanto
uma bala.
— Acho que você pegou um pouco pesado. Mamãe disse que a
família dela está passando por uns problemas. — Mik diz, já que suas mães
eram amigas.
O caso, pelo que vi no baile, é que a mãe de Seraphina é
completamente louca e estão tentando esconder isso. Eu deveria contar a
meu pai, afinal ele era o Pakham e deveria saber disso, mas a ideia de
prejudicar ainda mais Seraphina não era agradável.
— Comecem os passes — ordeno e me vejo saindo da pista e
seguindo para o banheiro masculino.
Retiro meus patins e os deixo na porta, a meia grossa não deixando
o frio entrar em meus pés. Escuto o barulho de choro baixo, como de um
cachorrinho, antes de vê-la abaixada no canto do vestiário.
Parecendo sentir meu olhar nela, ela levanta o rosto molhado de
lágrimas. Ela tenta limpar, mas o dano já está feito.
— Está chorando por causa da pista? — caçoo, nunca fui realmente
bom com sentimentos.
— Não, seu idiota. Minha vida está um caos, meu pai teve uma
reunião com homens com idade para ser meu pai me olhando com desejo. É
como se tivesse um botão de abate que vai ser ligado quando eu completar
dezoito anos. Minha mãe... — Sua voz falha até sumir.
Eu me sento no chão, não tenho palavras de apoio, mas fico ali
quieto deixando-a desabafar e chorar. Quando seu choro finalmente passa
eu me viro para ela.
— Sua competição é domingo?
Ela acena, seus olhos e nariz vermelhos pelo choro.
— Eu vou estar lá, então ganhe.
Um pequeno sorriso vem, uma veia competitiva.
— Eu sempre ganho.
— Então foque nisso, seus problemas ainda vão estar lá quando
você acabar. — Dou de ombros.
Ela solta um pequeno sorriso.
— Você não é bom com palavras de apoio, né?
Dou de ombros e ficamos em silêncio por alguns segundos.
— Por que você... — Ela para, mas eu já sei o que ela quer
perguntar. Por que você não me ligou depois do beijo, ou algo do tipo.
Sem resposta eu me levanto.
— Preciso treinar. Você vai para casa agora? — Ela nega. — Então
me espere.
Quando volto para a pista eles não perguntam, nem mesmo quando
ela se senta na plateia e observa todo o jogo, mas todos sem exceção dão
tapinhas em meus ombros quando passam para irem embora no final. Todos
achando que vou ter alguma ação com Seraphina.
Assobio para ela quando saio do vestiário arrumado. Ela se levanta,
franzindo o nariz adoravelmente.
— Eu não sou um cachorro para você assobiar.
Eu nem a olho, apertando a chave para desbloquear meu carro.
— Ainda assim você veio, não é mesmo?
Ela resmunga algo, mas me segue. Ligo o aquecimento e sigo a rota.
Seraphina não pergunta o caminho, completamente relaxada olhando a
paisagem. Em certo momento ela até fecha os olhos, logo dormindo.
Minha mãe é proprietária de um salão com spa e é lá que estaciono,
pegando a chave dos fundos. Entro e acerto as coisas antes de voltar ao
carro. Cutuco Seraphina, que acorda com um sorriso no rosto.
— Fazia tempo que não dormia tão bem.
Minha testa se franze.
— Você dormiu por meia hora. — Ela olha para a fachada e eu logo
explico: — Vá, tem uma massagista te esperando.
Ela não protesta, ainda sonolenta. Levo-a até a porta, assim que ela é
atendida eu volto ao carro e ligo o celular mexendo até dar a hora dela sair.
Desde a noite do baile não voltei a fumar e minhas tendências à
automutilação pararam, mas não quero ser um maricas e digo a mim mesmo
que não foi por Seraphina e sim por mim, por meu futuro.
Fico mexendo no celular por uma hora até que ela saia de lá
relaxada. Por um momento me pergunto se é assim que ela se parece depois
de gozar.
— Obrigada, eu precisava disso. — Ela diz e se inclina, beijando
minha bochecha.
Deixo-a em casa, me perguntando se fiz certo em cuidar dela ou se
só trouxe mais problema. Era mais seguro quando as pessoas esperavam
maldade em vez de bondade, era mais fácil suprir e não decepcionar.
12
YURIO
PRESENTE

Levo meu tempo observando seu corpo na minha cama. Seraphina


não se move e se não visse seu peito subindo e descendo, acreditaria que
está morta. Nunca fui desafiado assim antes, mesmo com tudo contra ela,
Seraphina desabrochou no caos.
Meu objetivo era humilhá-la, torná-la uma pária, mas em vez disso
me impressionou e isso é mais perigoso que qualquer coisa. Ela pode ter
desmaiado depois, mas mostrou sua força e bravura, seu riso louco
hipnotizante. Eu poderia tê-la feito pegar a chave que jogou a meus pés com
os dentes, mas ela se provou forte e por isso ganhou respeito.
Seu olhar vazio, sem medo da morte, me deixou com tanto tesão que
meu pau não conseguia ficar mole nem com ela dormindo. A menina que eu
cresci vendo já não existia mais, não sei o que houve para deixá-la assim,
mas Seraphina não parecia ter medo da morte e pior, parecia ansiar por ela.
Não tinha ideia do que fazer com ela agora, iniciá-la não estava nos
meus planos. Mulheres dentro da máfia só serviam de acordo, para servir.
Seraphina pode ter ficado longe, mas assim que voltou sua vida estava à
disposição da Bratva novamente.
Um toque suave me faz desviar a atenção dela. Irina está na porta do
meu quarto, usando uma camisa de Mik. Me levanto tenso, odeio que
invadam meu espaço.
— O quê? — rosno, tomando cuidado para não acordar Seraphina.
Ela olha por cima do meu ombro.
— É verdade que você a iniciou?
Mantenho meus olhos em seu rosto até que ela fique desconfortável.
— Eu a queria na minha fraternidade.
Um pequeno sorriso puxa meus lábios. Poderia discutir como a
fraternidade não é dela e que ela é só uma putinha num cargo maior, mas
nem me dou ao trabalho.
— Eu não me importo com o que você quer, Irina.
Então bato a porta na cara dela. Irina pode mandar em Mik, mas
para mim ela não serve de nada. Ela pode ser bonita por fora, mas é podre
por dentro e espero que Mik veja isso antes de dizer sim no altar.

***
Pela manhã seguinte acordo na poltrona com meu celular vibrando e
vejo que é uma mensagem do meu pai exigindo que eu vá até sua casa.
Seraphina continua a dormir na mesma posição que estava ontem à noite,
parecendo doce e inocente.
Seus lábios cheios e suaves ficariam muito bons contra o meu pau.
Será que ela o chuparia enquanto ainda dormia? Balanço a cabeça tentando
eliminar esses pensamentos e é difícil me afastar dela. Vou a meu banheiro
e escovo meus dentes antes de pular no chuveiro.
Pego minha moto, apesar da garoa fina, e vou para os arredores de
Moscou, onde a mansão da minha família se encontra. Sempre odiei aquela
casa, meus pais podem ter mudado a decoração e ter tentado transformar em
um lar, mas ainda lembro do medo de ser torturado pelo meu próprio avô, o
medo de Sophia Hoffmann, a princesa da máfia rival, ser abusada me
davam nojo só de estar aqui dentro.
Mamãe me recebe na porta, ajeitando meu cabelo e tirando a minha
jaqueta de couro úmida. Mamãe pareceu rejuvenescer depois que Leoncio
Leonov morreu, todos nós estávamos aliviados, mas ainda assim ele deixou
cicatrizes que jamais serão curadas.
— Oi mãe. — Beijo sua testa. Há muito tempo já havia passado de
altura e agora estava mais próximo a meu tio Nikolai na quantidade de
músculos.
Entro na sala de jantar onde o café da manhã estava servido e vejo
não só meu pai, como meu tio Nikolai e sua esposa Sophia Hoffmann,
agora Leonov. Ela se levanta e vem me abraçar.
— Faz tanto tempo que não te vejo, já falei com Nikolai que
estaremos em seu próximo jogo!
Ela é pouco mais de dois anos mais velha que eu, mas ainda assim
sempre pareceu mais velha por já ser casada. Eles ainda não tinham filhos,
mas isso era só questão de tempo; Nikolai é possessivo e provavelmente a
queria só para ele por mais alguns anos.
Sophia era um exemplo de força, usando as cartas que estavam
disponíveis para ela e conseguindo se tornar mais que um peão. Só por
conquistar Nikolai ela já merecia um prêmio, muitos podem achar que ele a
dominou, mas Sophia tinha o poder.
— Vou adorar.
Nikolai aperta minha mão, me lança um olhar de aviso e sei que
essa não é uma reunião em família normal. Nikolai para muitos pode ser um
monstro, mas ele me salvou tantas vezes que eu nem sabia, cuidou de mim
e sofreu para que eu não sofresse. Eu tinha uma dívida com ele que nunca
seria paga e estava ciente disso.
Krigor abre os braços e eu o abraço. Meu pai sempre foi meu herói,
apesar de tudo que meu avô era, ele me ensinou a ser justo, leal e batalhar
pelo que eu acreditava. Ele me amou mesmo eu sendo quem sou.
Nós nos sentamos na mesa e a lembrança da menina que eu nem
conhecia vem, o jeito como meu avô usava as pessoas como se fossem
descartáveis me enojava, ainda podia ver o olhar vazio do corpo dela no
chão da sala. A noite em que Leonov fez sua última maldade e agora está
queimando no fogo do inferno.
— Sua mãe e eu conversamos muito sobre seu futuro, filho. —
Krigor começou. — Você é jovem, mas ainda assim precisa de uma esposa.
— Eu ainda estou na universidade e pretendo fazer uma pós. — Não
estava disposto a perder meu domínio para pegar um cargo qualquer.
Minha mãe acenou com a cabeça, eu já havia conversado com ela
sobre isso e ela disse que convenceria meu pai.
— Eu entendo, estudos são importantes, mas ter uma família
também. — Ele me lançou um olhar frio. — É hora de parar com as
brincadeiras. Ninguém respeita um homem sem família. Você sequer tem
uma namorada!
— Um homem sem família é capaz de tudo. — Nikolai completa.
Minha mãe e Sophia se mantém em silêncio. Elas tinham voz para
muitas coisas, mas havia outras que não poderiam opinar e parece que eu
me casar estava entre elas.
— Tudo bem, eu posso começar a pensar em uma esposa.
Mamãe limpou a garganta.
— Não é pensar, querido. Você tem até o final do ano ou então
escolheremos uma noiva.
Me levantei, derrubando a cadeira.
— Está brincando comigo, certo?
Mamãe não desviou o olhar.
— Você precisa fazer o que é certo por sua família. Seu pai está
sendo pressionado pelos seus homens, nós temos que demonstrar uma força
sólida.
— E o que eu me casar tem demais...
Então percebi. A porra dos homens de meus pais queria que eu me
casasse com uma de suas filhas para terem força. Porra, eu odiava aquelas
meninas, sempre se jogando em cima de mim ao longo dos anos,
desesperadas para serem escolhidas. Tatiana era uma delas, mesmo depois
de formada continuava a ir ao ensino médio para tentar marcar território e
eu permiti porque ela era uma boa foda e fazia tudo que eu mandava.
— Eu estou vendo alguém. — Solto antes que eles continuassem a
falar.
Os olhos da minha mãe brilharam em interesse.
— Quem?
Se caralhos eu soubesse.
— Não estou pronto para mostrá-la ainda. É novo.
— Mas ela é de dentro? — Meu pai pergunta.
— Claro que sim.
Pego um pãozinho e beijo a testa da minha mãe.
— Preciso ir, deixei ela na minha cama — brinco.
Mamãe me dá um tapinha.
— Não fale assim. Espero que a traga no baile.
— Claro.
Saio dali o mais rápido possível e não sei o que é pior, ter mentido
que tinha alguém ou que realmente tinha uma garota dentro do meu quarto.
13
SERAPHINA

Minha cama estava estranhamente macia, diferente de seu normal. A


luz do sol também invadia o ambiente apesar de eu ter certeza de que não
abri as persianas desde ontem. Me envolvo mais nas cobertas e levo o
cheiro delas a meu nariz, sentindo uma familiaridade com o aroma.
Ao abrir meus olhos levo um susto ao ver um teto com vigas e alto,
como uma torre. A janela com vitrais me faz duvidar por um minuto se
estou realmente viva, mas é a parte em que vejo o que estou usando que me
deixa em choque. É uma camisa masculina preta.
Toco meu estômago quando minha respiração começa a ficar
espessa e tento me concentrar para não acabar desmaiando nesse lugar
estranho. Me levanto com delicadeza, mas ainda assim as tábuas rangem
suavemente e de alguma forma sei que isso foi de propósito.
Chego até os vitrais e vejo o caminho que eu uso para o cemitério...
que porra é essa?
A porta se abre atrás de mim e eu pulo. Irina me joga algumas
roupas.
— Se vista, vou te dar uma carona.
Ela me olha com tanto ódio que me pergunto se eu matei seu
cachorro ou dormi com seu namorado. Rapidamente visto as calças jeans e
a camisa rosa que deixa meus seios praticamente aparecendo, ainda mais
por não haver sutiã. Jogo meu cabelo para frente, para tentar tampar meus
mamilos duros pelo frio e cruzo os braços para ter mais segurança.
Paro no banheiro e vejo o meu estado, meus cabelos estão um nicho
selvagem e eu cheiro a água do rio. Estremecendo, eu encontro um pente e
luto para desembaraçar meu cabelo pelo menos um pouco, escovo os dentes
usando o dedo e decido usar o desodorante e perfume de Yurio para tirar um
pouco do cheiro. Queria ter tempo para um banho, mas quero ir embora
antes que ele chegue.
O que ele fez ontem foi uma loucura, preciso encontrar Tory e saber
se ela está bem e esquecer o que aconteceu ontem. Se Yurio fizesse algo
novamente eu começaria a planejar seu assassinato.
Coloco minha cabeça no corredor e depois de me certificar que
estava sozinha começo a descer as escadas, ficando com falta de ar no
processo. Para que tantas escadas?
Assim que chego na sala percebo o quanto fui ingênua de achar que
poderia ir embora sem ninguém me ver. Todo círculo íntimo, apelidado de
Bestas, estava ali, menos Yurio. Kaz, assim que me vê, aponta para meus
tênis perto da grande porta de entrada.
— Quem usa tênis sem meia? — resmunga.
Eu ignoro me abaixando para calçar os tênis, me levanto
caminhando até a porta quando uma voz me para.
— Eu não faria isso se fosse você. — Matvei avisa.
— E por quê? — Me viro para eles, sem paciência.
Irina surge de uma das salas com uma caneca de café em sua mão e
surpreendentemente a entrega para mim. O café está quente e me ajuda a
ficar mais desperta e a esquentar meu corpo, porém está amargo e tenho
certeza de que ela fez de propósito. Tomo mais um longo gole antes de
colocar em uma mesinha.
— Porque Yurio quer te ver. — Ela responde antes de cair no colo
de Mik no sofá.
— Bem, Yurio não pode ter tudo que quer.
Eu abro a porta e o próprio está ali parado com um sorriso sinistro
no rosto.
— Saindo tão cedo, amor?
Perco a fala por um momento. Seus olhos descem para o decote da
minha blusa e ele lambe o lábio. Jogo mais cabelo na frente para disfarçar.
— Sim, preciso ver Tory e ir para as aulas. — Me aplaudo
mentalmente por minha voz não falhar.
— Eu te levo.
Abro a boca para negar, mas ele já está voltando para a sua moto
parada. Não me despeço de ninguém e bato a porta atrás de mim.
— Agora quer me dar carona — resmungo e se ele ouviu não
responde.
Me passa um capacete e eu me sento atrás dele, não revelando que
nunca subi numa moto antes. Ele a liga e o som vibra por todo meu corpo.
— Coloque as mãos na minha cintura, amor.
Mordo o lábio para não o mandar à merda pelo apelido porque dito
em seus lábios parece tão irônico e sujo, mas não deixo ele saber o quanto
me irrita.
— Claro, gatinho — respondo animada e sinto seu corpo tremer de
leve com uma risada.
Nós não nos falamos o resto do caminho, mas ainda assim havia
partes do caminho que Yurio parecia acelerar de propósito para meu corpo
encostar no seu. Nós paramos em frente ao prédio da irmandade e eu pulei
para fora da sua moto, quase caindo com as pernas trêmulas.
— Você é um péssimo piloto! — Joguei o capacete para ele e segui
até a porta da frente, batendo com força até que uma das meninas abriu.
Ela gritou que eu não poderia entrar lá sem autorização, mas eu a
empurrei correndo até o quarto de Tory, não descansei, batendo em sua
porta com força até que ela abriu. Quando vi minha amiga sonolenta, com a
cara inchada de sono, o alívio veio tão forte que minhas pernas cederam
enquanto eu chorava.
— Seraphina, o que houve? O que aconteceu?
Minha amiga me perguntava, mas eu não conseguia responder. Por
fim ela só me abraçou e me jurou que tudo ficaria bem, mas eu sabia que
nada seria como antes. Nada.

***

Tory me emprestou um casaco e me levou para tomar café depois


que vomitei em seu chão e ela nem reclamou. Não queria metê-la em
problemas, mas não podia simplesmente não contar a ela e a colocar em
perigo caso a pegassem realmente para me ferir. Ela ouviu tudo com a boca
aberta, sem nem piscar.
— E você jogou a chave no chão, aos pés dele? — Ela perguntou.
Acenei com a cabeça e terminei de falar.
— Eu não saí do dormitório, juro. Senti muito sono e apaguei a
noite toda de cansaço. — Ela morde a unha. — E agora?
Do jeito que Yurio é um psicopata eu não duvidaria que ele a dopou,
mas não falo isso para não a preocupar.
Dou de ombros.
— Agora ele esquece que eu existo e vida que segue.
Ela segura minha mão.
— Queria que fosse simples assim, mas você tecnicamente foi
iniciada. Seria uma ofensa negar.
Me encolho na cadeira.
— E agora, eles vão querer que eu seja um pombo correio ou algo
assim?
Ela engole seco.
— Seraphina, você não entende, é a primeira mulher Besta do
Monastério. Eles preferiam perder pontos nos últimos jogos do que buscar
alguma mulher para participar.
— E esses jogos são tão importantes assim? — pergunto realmente
curiosa.
— Acho que você ainda não percebeu que isso aqui é mais que uma
universidade, tudo faz parte do meio onde nascemos. — Ela não fala mais
por haver pessoas em volta, mas eu começo a perceber a gravidade da
situação.
Eu vendi minha alma ao diabo e nem tive escolhas sobre isso.
— O que eu vou fazer?
Minha amiga dá de ombros, sabendo tanto quanto eu. Se na
iniciação eu cavei uma cova, apaguei alguém e nadei um rio, quem garante
que não haverá coisas piores agora?
— Eu poderia perguntar à Irina — sugeriu, mas eu logo neguei.
— Nem vale a pena, ela está fechada com eles e me odeia.
Provavelmente vai querer algo de mim em troca de migalhas.
Ela concordou.
— Provavelmente.
Desde que voltei não tinha muito apetite, na verdade tinha anos que
não sentia o sabor das coisas direito, mas hoje até pedi panquecas e cookie
de chocolate junto com o café, estava faminta. Precisava voltar para meu
quarto para tomar meus remédios e pegar meu material.
Seria muito infantil arranjar um peixe podre e colocar dentro do
armário de Yurio?
Tory está rindo e percebo que pensei em voz alta.
— O que você acha dessa ideia?
Ela me puxa para ela e me abraça.
— Acho que sei onde vende peixes fedidos.
14
YURIO

— Filha da puta — resmungo quando um peixe cai de dentro do


meu armário.
Foi Seraphina, ninguém mais brincaria assim comigo, nem mesmo
os meus amigos. Vejo os olhares chocados dos estudantes que passam e eu
pressiono meus dentes. Começo a procurá-la em volta e a vejo entrando no
banheiro feminino com pressa. Ela ficou para ver como eu reagiria, mas
agora foge antes que a veja.
Bato meu armário e sigo até o banheiro, abrindo a porta e entrando.
Duas meninas que estavam se maquiando tomam um susto.
— Fora! — ordeno, mas sem tirar os olhos de Seraphina que estava
encostada na parede. — Bela brincadeirinha. — Paro na sua frente, não lhe
dando chance de fugir, mas em vez de parecer com medo ela parece a ponto
de gargalhar.
— Isso é para não ameaçar a única pessoa que eu tenho na minha
vida. — Ela aponta o dedo no meu peito.
— E isso é o melhor que você consegue fazer? — debocho de seus
esforços.
— Ah não, isso foi só um aviso gentil. — Ela se aproxima mais até
que poucos centímetros nos separam e apesar de ser bem maior que ela,
Seraphina parece ter o controle. — Faça o que quiser comigo, eu não ligo,
não tenho nada a perder. — Ela dá de ombros. — Mas se mexer com Tory
novamente eu não vou parar, nem se você implorar.
Ela me empurra e eu deixo, vendo-a sair pelo banheiro e fico ali
mais um pouco tentando controlar a minha ereção e a vontade de caçá-la
como um animal. Seraphina pode ter achado que tem o controle, mas
acordou o caçador em mim.

***
Sigo Seraphina a uma distância enquanto ela entra numa floricultura
da cidade, levando seu tempo escolhendo flores para sua irmã. Quando ela
finalmente saca seu celular e começa a tirar fotos de algumas árvores sem
folhas ou de uma simples poça d’água eu me pergunto como ela pode ver
beleza em algo tão mundano?
Ela pega um carro de aplicativo que a deixa no cemitério, deixo
minha moto perto do Monastério e a sigo e observo enquanto ela troca as
flores e limpa o espaço. Sendo bem idiota eu não me lembro da sua irmã,
era jovem demais para ir aos eventos, muito pequena para ir até mesmo
para a escola.
Provavelmente ela estava junto com seus pais nas competições de
Seraphina, mas meus olhos nunca se desviaram para nada além dela no
gelo. Acho que foi a primeira vez que vi algo tão delicado.
Eu estava acostumado no gelo, treinava, lutava e jogava lá, poderia
derrubar homens e espancá-los, mas de jeito nenhum conseguiria fazer as
manobras que ela fazia. Certa vez prometi a ela que a veria em todas as suas
competições e me pergunto se enquanto ela esteve fora ela participou de
mais.
Meu celular vibra em meu bolso com mensagem do grupo.
Anton: Os Beserker roubaram a flâmula dos Cárpatos!
Porra, eu amava a universidade, mas a guerra fria com as outras
fraternidades não eram tão divertidas como no primeiro ano. A cada ano
havia o desafio de conseguir roubar algo de outra fraternidade para
demonstrar força, era uma lei de começo de semestre. Meu pai passou por
isso e ele queria que eu passasse também. Era proibido usar minha
vantagem por ser da Bratva dentro da universidade. As outras fraternidades
consistiam em herdeiros da elite e atletas e bolsistas.
Kaz: Vou ficar guardando o Monastério hoje.
Mik: Vou ver se consigo tentar algo.
Eu: Não. Eu tenho uma ideia.
Deixo Seraphina sozinha e volto para casa, os caras chegam pouco
depois. Levo meu tempo me servindo com vodca, trabalhando no meu
plano.
— Acho que é uma chance dos novos sentinelas se mostrarem úteis.
Os caras riem achando que estou brincando, mas ao verem minha
reação se entreolham.
— Cara, sem querer cortar seu barato, mas Seraphina não é de
seguir ordens. — Matvei comenta, levantando a cabeça do seu celular. —
Consegui acesso a seu advogado e a herança de seus pais, parece que ela só
vai conseguir o dinheiro depois de formada.
— Isso é útil para mandar nela, podemos ameaçar expulsá-la da
universidade. — Grigory sugere passando a mão na barba que estava
deixando crescer há meses.
— Fale a verdade homem, você riu à beça do lance do peixe. — Kaz
jogou uma almofada em mim.
— Ela quis mostrar que tem garra, uma tentativa triste, mas
divertida. — Dou de ombros.
Os caras explodem em gargalhadas e o bom de ser temido é que não
há fotos ou vídeos do ocorrido. Logo seria esquecido, mas meus
companheiros de equipe ainda irão rir bastante disso.
— Vou mandar mensagem para Seraphina vir, vocês mandam para
os últimos sentinelas.
Saco meu celular e em vez de enviar a mensagem, decido ligar. Ela
desliga na primeira vez, mas quando volto a ligar ela atende.
— O que é?
— Venha ao Monastério agora e não teste a minha paciência, amor.
Desligo o telefone e escuto o bufo de um dos caras.
— Amor. — Kaz caçoa.
Eu o ignoro, me sentando no meu trono.
— Nós vamos precisar ajudá-los? — Anton pergunta carrancudo.
Nego com a cabeça.
— Deixe-os trabalhar.
Todos os oito últimos Sentinelas escolhidos chegam praticamente
juntos, cinco ostentando os anéis de bravura que receberam. Jamal
Alekseeva está sério, puto por ter sido abatido por uma garota, mas
precisava superar se quisesse continuar no Monastério. Aqui não só
músculos e força garantiam o seu lugar e já estava na hora dele perceber
isso.
Eles aguardam ansiosos por suas ordens; graças a seus postos que
eles estavam nadando em bocetas, dinheiro e poder e agarrariam com unhas
e dentes qualquer coisa para continuar.
A porta da frente volta a se abrir e Seraphina entra olhando
desconfiada, decido ser um pouco misericordioso e caminho até ao
escritório, abrindo a porta para ela entrar junto comigo.
— Do que se trata isso? — Ela cruza os braços.
— Tive uma conversa interessante com seu advogado e parece que
você precisa terminar a universidade para ter acesso a sua herança.
A rondo e ela fica tensa.
— Isso é informação privada!
Eu sorrio.
— Não há muito que não passe por mim, faço questão de saber da
vida das minhas posses. — Paro a sua frente.
Ela estende a mão para me dar um tapa, mas eu a seguro.
— Eu não sou sua posse.
— A partir do momento em que você não se inscreveu em uma
fraternidade você se colocou nisso. — Me aproximo até nosso rosto estar
próximo. — Gostaria de saber se você tem tesão no perigo, se está fazendo
isso para chamar minha atenção.
A olho com completa atenção. Sua expressão enojada é revigorante
para mim.
— Prefiro andar descalça em brasa.
Me afasto, sorrindo.
— A não participação da fraternidade leva à expulsão, você
entende?
Ela morde o interior da bochecha, mas acena relutante.
— Você não usará mais Tory como alvo?
— Não — prometo. — Então estamos conversados?
— O que você quer?
Abro a porta e faço sinal para ela passar primeiro. A conversa
murmurada na sala para quando eu entro. Seraphina está realmente com
medo, toda hora olhando para Jamal, mas se mantém firme tentando não
demonstrar.
E só para provocá-la digo em voz alta:
— Seraphina e Jamal, vocês são uma dupla.
— Porra. — Ela resmunga e Jamal mesmo não parece nem um
pouco feliz.
Defino as outras duplas e aponto para o homem que sobrou, ele foi
um dos primeiros e mais do que todos já demonstrou seu valor.
— Você ficará responsável pela segurança do Monastério, comande
a equipe de sentinelas e crie um cronograma. Não foda com isso.
— Sim, senhor!
— E o que temos que fazer? — Seraphina pergunta.
— Vocês devem pegar algum item dos Beserkers, Rapinas, Cárpatos
e Kitsunes. Cada dupla tem uma hora. Quer escolher qual irmandade você
vai roubar, amor?
Seraphina levanta o queixo.
— Deixo isso para você.
— Cárpatos — declaro sabendo que seria mais difícil deles
conseguirem entrar. Os Cárpatos são espertos, provavelmente já esperando
uma ação das outras fraternidades para dar uma surra em quem ousasse
entrar em seu território.
Aperto o relógio só para vê-los nervosos. Jamal agarra o braço de
Seraphina e a puxa, não querendo perder tempo. Quando eles saem Kaz
pula, roçando as mãos.
— Daria tudo para ver como a princesinha vai conseguir.
Os outros riem, mas depois de vê-la na outra prova, duvido que
Seraphina não dará seu máximo.
15
SERAPHINA

— Vai mais devagar — reclamo, puxando meu braço do aperto de


Jamal. Ele claramente ainda está puto por ter recebido uma madeirada nas
costas, mas era ele ou eu, não vou me desculpar por isso.
— Vamos, precisamos chegar aos Cárpatos.
— Não era melhor irmos de carro?
Ele para de andar e eu quase bato nele.
— Eles vão ouvir e reconhecer meu carro, sabem que eu faço parte.
— Mas não sabem que eu faço — retruco.
Ele rola os olhos.
— Você quer o quê? Ir lá na porta da frente deles e bater?
Eu pensei nisso, mas com a sua ironia descarto a ideia.
— Tá bom, e o que você pensou?
— Vamos pelo fundo da casa deles, achamos uma janela e eu entro
enquanto você vigia.
Aceno.
— Tá bom.
Por sorte a casa deles não é tão longe, mas definitivamente
precisaríamos voltar correndo para chegar a tempo no Monastério, se
conseguíssemos ser rápidos ao pegar o objeto.
— Que tipo de objeto é para pegar? — pergunto querendo quebrar o
silêncio.
Ele resmunga.
— Algo fácil de carregar e que eles não percebam de primeira.
Por não haver cerca nos fundos, dando direto para a floresta, nós
conseguimos nos aproximar do casarão de dois andares, nos escondendo
entre as árvores. Reparo logo que as janelas estão todas fechadas e com
cortina, dificultando ainda mais nossa visão.
— Não pode ser um anão de jardim? — sugiro, mas Jamal me
ignora.
Apesar das janelas estarem fechadas, uma em questão está aberta.
Uma janela de banheiro. Aponto para ele, que balança a cabeça.
— Eu não caibo ali.
— Mas eu caibo, me levanta que eu entro e pego a coisa.
Ele começa a negar, mas vê a hora no seu celular. Eu lhe ensino o
movimento para me pegar quando eu pular.
— Eu era líder de torcida e patinadora, não tenho medo de pular.
Ele me ergue e com um pequeno impulso consigo agarrar a janela,
meu corpo desliza por ela sem problemas e eu caio dentro de uma banheira
vazia. O banheiro é definitivamente masculino pelo forte odor. Ainda bem
que estou de tênis, por que de jeito nenhum eu pisaria nesse chão.
Com o tempo correndo eu coloco a cabeça na porta tentando ouvir
algum som do lado de fora e quando não escuto nada abro um pouco a
porta, revelando um corredor vazio. Olho em volta tentando encontrar
alguma coisa, talvez um quadro ou uma bola, ando pelo corredor até que
acho uma porta entreaberta.
É uma sala cheia de troféus de vários esportes. Há um em particular,
enorme, que está em destaque na estante. É gigante e ao ler vejo que é do
pai de Yurio, e o troféu é justamente de hóquei. Que eu saiba não tem um
único membro dos Cárpatos no time hoje em dia. Se o pai de Yurio foi para
essa fraternidade por que ele também não está nela?
Olhando mais um pouco as fotos reconheço um rosto e paro. Meu
pai. Toco a foto, nela estão ele e o pai de Yurio, ambos jovens e felizes.
Nunca vi meu pai tão relaxado antes. Meus olhos inundam de lágrimas, mas
eu as seguro. Ele era um Cárpato. Eu poderia ter sido também se ele tivesse
me apoiado, mas tive que batalhar sozinha para tentar ter essa chance e só
em sua morte que tive permissão para fazer faculdade. De repente, estar no
Monastério parece uma ótima ideia.
Penso em pegar qualquer coisa e dar o trabalho como encerrado,
mas quanto mais olho para o troféu, mas penso como será caótico quando
os Cárpatos descobrirem que seu bem mais precioso se foi. Lembro de
como Rice foi idiota com Ivy e tomo minha decisão, segurando o troféu que
parecia pesar quase dez quilos.
Corro de volta para o banheiro e Jamal arregala os olhos ao ver o
troféu na minha mão. Jogo o troféu que ele pega com facilidade e começo a
escalar. Ele, entretanto, some entre as árvores. Ele não me deixaria ali;
éramos uma dupla e o Monastério não parecia gostar de covardes.
Começo a ficar desesperada quando ele reaparece e estende os
braços. Com cuidado eu saio da janela, me apoiando na calha, mas meu pé
escorrega. Consigo me agarrar e só olho mais uma vez para ter certeza de
que ele está lá embaixo e pulo fechando os olhos.
Jamal consegue me pegar e comigo ainda em seu colo corre para
dentro da floresta e eu vejo o troféu no chão.
— Não queria que ele refletisse luz e atraísse atenção.
Nós dois olhamos para ele antes de eu suspirar.
— Pode levar.
Ele arregala os olhos para mim.
— Mas foi você quem pegou.
Dou de ombros.
— Foi um trabalho em equipe e eu te acertei nas costas da outra vez.
Estamos quites.
Falta pouco mais de vinte minutos e sem tempo para discussão
começo a correr, ele vem junto. Ao entrarmos no Monastério vejo que uma
dupla trouxe a flâmula dos Beserkers, outra trouxe uma bandeira rosa da
área feminina dos Kitsunes e a outra dupla trouxe um anão de jardim dos
Rapinas. Todos estão bebendo e rindo, mas o sorriso da última dupla morre
quando seu olhar foca em nós dois.
Eu me sinto uma deusa e Jamal com certeza se sente da mesma
maneira. Eu paro a seu lado quando ele coloca o troféu na mesa de centro.
Como se fosse cronometrado o relógio de Yurio apita.
Yurio está sentado em um trono com ossos, parecendo mortalmente
sexy ali, como um livro de vampiro. Ele leva seu tempo olhando o troféu
antes de se levantar.
— Vocês conseguiram. — Ele se vira e vai ao bar pegar uma bebida
como se não fosse nada demais.
Vejo o olhar surpreso das outras Bestas, mas Yurio é um idiota
presunçoso.
— Acho que merecemos mais que isso — reclamo. Jamal arregala
os olhos, me mandando calar a boca silenciosamente.
— E o que acha que vocês merecem? — Sua voz é fria e um arrepio
toma meu corpo.
— Talvez uma bebida, chefe. — Jamal brinca, me lançando um
olhar para calar a boca.
Yurio se vira com dois copos na mão e vem caminhando até nós,
estendendo os copos. Quero negar, mas isso só o faria achar que tenho
medo. Pego o copo sentindo o gelado da vodca, ainda olhando em seus
olhos eu tomo um gole tentando ser forte, mas engasgo com o sabor e
começo a tossir.
Isso alegra a todos, que batem em minhas costas como se eu fosse
um deles. Jamal começa a contar a história, aumentando em vários
momentos e acabo achando divertido até que um arrepio me toma.
— E se eles quiserem vingança?
Yurio sorri friamente.
— Deixe-os tentar.
16
YURIO

Uma bebida se transformou em duas, três e a partir dali eu perdi as


contas. Todos estavam se divertindo, inclusive Seraphina que agora ria de
algo que Kaz falou. Até Anton estava brincando. Sorvi minha bebida
observando como ela parecia sem o peso do mundo em seus ombros
enquanto bebia, mas a tristeza em seu olhar persistia.
— Vai ficar aí de cara emburrada? — Ela perguntou, me
surpreendendo ao parar na minha frente.
— Tem alguma sugestão do que me animaria? — perguntei de volta,
levantando uma sobrancelha.
Ela correu os olhos por meu rosto até chegar a meu corpo.
— Eu estou bêbada, não idiota, Yurio.
Se virou para sair dali, mas eu segurei seu braço.
— Então não aja como uma e pare de beber.
Ela anuiu sem muito interesse, mas assim que voltou para a mesa
virou três doses de vodca. Esperei sentado até que a bebida fizesse seu
estrago e ela caísse apagada no sofá, assim como vários outros caras. Só
então saí do meu lugar e caminhei até ela, a pegando em meus braços.
— Precisa de ajuda, cara? — Mik perguntou, ele nunca fora de
beber muito.
— Não. Vou colocá-la na cama.
Não espero ver o seu olhar antes de subir as escadas que levam até
meu quarto. Seraphina é tão leve que até me assusta e reparo que alguns de
seus ossos estão mais proeminentes do que me lembrava.
A jogo em cima da minha cama e ela resmunga algo, mas volta a
dormir. Como garantia pego um balde e coloco ao lado da cama e me sento
na minha poltrona, fitando a noite e tentando não olhar para ela. Seraphina é
a primeira mulher a ser uma Sentinela. Não deveria haver preferência, mas
até eu sou homem de verdade para não a colocar em algo que pode
machucá-la seriamente.
Pouco depois de uma hora ela começa a engasgar e eu sou rápido o
suficiente para virar seu corpo e fazê-la vomitar. Ela geme e reclama, mas
não para até que não sobre nada em seu corpo.
— Acho que beber tanto não foi uma boa ideia — resmungo para
ela, estendendo um copo de água em um gesto de paz.
Ela bebe sedenta antes de encostar nos travesseiros.
— Eu nem deveria ter bebido. — Ela tampa o rosto com as mãos e
aposto que amanhã ainda estará se sentindo mal.
Não respondo e isso faz ela virar para mim.
— O que está fazendo aqui?
Eu me sento de volta na poltrona.
— É meu quarto.
Ela olha em volta, mas tudo que vê é escuridão, só a lua iluminando
o quarto.
— Eu devia ir para casa. — Ela resmunga, mas não faz sinal de se
movimentar. Em poucos segundos está caindo no sono.
Em algum momento da noite me levanto para ir mijar e na volta me
deito na cama, só quando sinto o corpo de Seraphina perto do meu percebo
o que fiz, mas quando tento levantar seus braços me agarram como se eu
fosse a porra de um ursinho. Digo a mim mesmo que só vou ficar uns
minutos, mas acabo caindo no sono também.

***

Acordo sozinho na cama e quando me pergunto se sonhei que


Seraphina dormiu aqui, sinto seu cheiro suave em meus travesseiros. Ainda
é cedo, mas tenho que me levantar. O jantar de comemoração de voltas as
aulas é hoje, é só um jantar chique para tentar fazer a elite da Bratva se
juntar e falarem como seus filhos são fortes e inteligentes.
Eu poderia inventar uma desculpa, mas meus pais precisavam de
uma frente unida e sem falar que caçoar dos outros líderes de fraternidade lá
seria divertido. Os caras parecem ter o mesmo pensamento que eu porque
todos estão felizes às sete da manhã, mesmo Anton.
Não pergunto de Seraphina, se ela quis voltar para seu dormitório
andando de madrugada o problema é dela, mas ainda assim uma onda de
raiva vem por ela se colocar em perigo dessa maneira. Não seria a primeira
vez, já que a primeira vez que a vi desde que voltou ela estava numa estrada
sozinha à noite.
Assisto as aulas com atenção enquanto um dos criados faz anotações
de toda a aula, até o final do dia o arquivo vai ter sido enviado para mim.
Outro me traz café entre os horários de estudo na biblioteca.
Estou fechando os livros quando Seraphina entra, ela olha em volta
para escolher um lugar e acaba me vendo. Acho que ela vai fugir, mas em
vez disso caminha até mim em passos seguros.
— Ei, eu recebi um convite de jantar em sua casa hoje pelo meu
tutor. É verdade mesmo?
Franzo a testa até lembrar que Seraphina vem de uma família
importante de gerações de contadores. Com a morte de seu pai imaginei que
ela seria deixada em paz, mas parece que ela ainda está para o abate de
casamento.
— Sim, eu te busco às sete.
Ela abre a boca para negar, mas então respira fundo encostando o
quadril na cadeira e sorrindo docemente.
— Alguma sugestão de look ?
Me levanto a ignorando e saindo dali. Diaba de mulher.

***

Estaciono o carro em frente ao dormitório de Seraphina e digo a


mim mesmo que só vim de carro pela garoa fina que caía, não tinha nada a
ver com não querer que ela chegasse molhada.
Imaginei que ela demoraria, mas assim que estaciono ela corre para
mim abrindo a porta e entrando com pressa. Seus cabelos estão com uma
presilha e usa um vestido preto com renda, nada demais, mas ficou
extremamente atraente nela.
— Oi.
Não respondo, ligando o carro e acelerando. Conto mentalmente um
minuto antes dela começar a falar.
— Hmm, eu queria saber se eu posso ser um membro em descanso
das Bestas. Posso até apresentar um atestado.
Eu me viro para ela sem responder e isso a faz bufar. Atestado? Eu
quase rio e preciso me controlar. Seraphina não vai se livrar disso tão fácil
como foi para ela ir embora depois que sua família morreu. Aqui ela terá
que batalhar.
A frente da mansão está bem iluminada, o estacionamento lotado de
carros, mas a minha vaga estava livre. Quando sai do carro, Seraphina
estremece pelo frio. Ela não pede meu casaco, em vez disso acelera o passo
até estar na porta da frente.
Minha mão envolve a cintura de Seraphina quando entramos, somos
imediatamente bombardeados de apresentações e tudo mais. Seraphina
cumprimenta a todos, mas se faz de louca quando alguns mais
inconvenientes perguntam onde ela estava, já que nem compareceu ao
enterro de sua família.
Mamãe finalmente vem encontrar a gente e abraça Seraphina com
carinho, um abraço sincero.
— Você está tão bonita, como está, querida?
— Eu estou bem, senhora Leonov.
Mamãe balança a cabeça.
— Me chame de Lara. Como está indo a escola, Yurio está te
ajudando a se adaptar?
Seraphina vira para mim e eu lhe lanço um olhar de aviso. Ela abre
um sorriso.
— Sim, ele é um cavalheiro.
Uma mulher chama minha mãe e nós dois vamos buscar bebidas,
Seraphina opta por água. Vamos ao encontro do resto dos caras, Tory e Irina
entre eles. A conversa fica leve até que vamos para a mesa de jantar e sinto
Seraphina ficar tensa.
— O quê? — pergunto disfarçadamente.
Ela leva sua boca a meu ouvido.
— Alguns dos homens aqui eram amigos do meu pai que queriam a
minha mão em casamento.
Disfarçadamente reparo os olhares deles nela.
— Você acha que seu pai vai me obrigar a me casar? — pergunta
com medo.
Não respondo porque não tenho ideia da resposta. Meu pai é um
homem justo, mas não é porque ele é o Pakhan que pode ficar se metendo
em todos os assuntos. Os casamentos arranjados são praticamente uma lei
em nosso povo.
Estava tão concentrado reparando nos olhares que Seraphina estava
recebendo que esqueci que havia muitas mulheres solteiras aqui e quando
um dos pais de uma tenta puxar assunto de casamento eu entendo essa festa.
Os caras percebem no mesmo tempo que eu e as unhas de Seraphina
engancham na minha perna com força, mas em vez de sentir dor eu fico
duro.
Meu pai se levanta e bate em sua taça para chamar a atenção. O
olhar de desespero de Seraphina é quase cômico, mas ela nem parece
respirar nesse momento.
— Respire — murmuro para ela.
— Nos reunimos aqui para parabenizar os nossos jovens que são o
futuro. Meu filho Yurio, junto com sua equipe, tem dominado as
temporadas de hóquei. — Os homens aplaudem, meu pai segue elogiando
os outros homens com times dentro da Bratva. Ele faz todo um discurso
sobre como é importante suas raízes e sua força.
Só percebo que estou tenso quando Seraphina entrelaça nossos
dedos.
— Respire. — Ela sibila.
— Estamos no mundo moderno e é uma honra que meus homens
também pensem no futuro. A educação é a base e quero fazer um brinde a
todos os pais de meninas que permitiram que suas filhas tenham educação e
saibam que isso é muito valorizado. — Meu pai levanta sua taça.
Os homens brindam, como se a maioria não fosse contra e só
permitiu porque era mais fácil suas filhas encontrarem um bom parceiro nas
dezenas de festas mensais na universidade do que num baile antiquado.
— Com isso nós organizamos essa festa para a confraternização
entre vocês, laços são a coisa mais importante no nosso meio. Tenho certeza
de que hoje será uma noite frutífera e novos acordos serão fechados. — Ele
encerra com um sorriso, mas a ameaça está clara em suas palavras.
Depois do jantar todos vamos aos jardins onde música ao vivo nos
espera, a grande tenda protege da garoa fina que cai. Mik está suando frio,
ele irá propor Irina como é esperado e a vadia consegue fazer uma cara de
surpresa convincente e seus olhos até marejam quando ela estende a mão e
aceita.
Do outro lado do salão vejo o olhar orgulhoso do meu pai, ele lutou
muito para as mulheres terem direito a estudo universitário e o pedido de
casamento ser na festa garante que mais pais aceitem que suas filhas
estudem. Como se sentisse meu olhar ele me lança um aviso silencioso que
espera que logo seja eu.
Seraphina está passando as mãos pelos braços tentando se aquecer
do frio. Jogo minha jaqueta em seus ombros.
— Não agradeça, só não quero ouvir seus dentes batendo.
Ela rola os olhos, mas se aconchega mais na jaqueta. Um homem se
aproxima, com o dobro da idade dela e ainda por cima calvo, praticamente a
despe com o olhar.
— Seraphina, muito tempo sem te ver em nossas festas. — Ele
estende a mão, mas ela se aconchega a mim.
— É, só Yurio mesmo para me fazer largar os estudos e vir. Não é,
querido?
O homem, que não faço questão de lembrar o nome, dá um passo
para trás, suas sobrancelhas erguidas até a calvície em surpresa.
— Vocês dois?
Abro a boca para desmentir, mas ela finca suas unhas no meu braço.
— É novo ainda.
O homem fica cabisbaixo, mas parece ver essa informação como
uma prenda, porque se despede e vejo quando chega até meu pai e fala algo.
O olhar do meu pai vai diretamente para mim. Porra .
— Caralho. — Seraphina respira a meu lado.
A pego pelo braço com delicadeza, querendo escapar da visão do
meu pai antes das coisas ficarem piores.
— Por que fez isso?
— Eu me desesperei. Estou me sentindo uma carne pendurada em
um gancho aqui. — Seus olhos marejam em desespero. — Eu não quero me
casar com ninguém daqui.
— E achou que poderia fugir para sempre?
Ela ofega.
— Eu não fugi.
Nós começamos a atrair a atenção das pessoas com nossa discussão
e uma mão toca meu ombro.
— Então vocês estão juntos, isso é magnífico! — Meu pai fala em
voz alta.
Eu poderia esganar Seraphina agora, mas um plano surge na minha
cabeça. Enquanto estivesse com ela poderia fugir do assédio e ainda passar
mais responsabilidade com o relacionamento, mostrando estar disposto.
A puxo para mim e beijo sua cabeça.
— Seraphina Petrova é minha namorada, pai, estamos levando as
coisas mais devagar — falo em voz alta.
Claramente não é isso que meu pai queria ouvir, mas ainda assim
sorri para todos.
— Tenho certeza de que com essa paixão, logo anunciarão o
noivado. — Ele aperta meu ombro e Seraphina meu braço, mas tem um
sorriso no rosto de todos que vêm nos parabenizar.
Kaz está morrendo de rir do outro lado do jardim, Irina com um
olhar chocado por ter sua atenção roubada e até mesmo Anton está
gargalhando. Caralho. Odeio minha vida. Em um único jantar me uni a uma
garota que eu detesto e de quebra ainda a terei mais perto de mim.
17
SERAPHINA

Por que eu fui fazer isso? Eu me pergunto mentalmente enquanto


Yurio guia o carro para o Monastério. Ele está fervendo de raiva e não é
para menos, nenhum de nós esperava encerrar a noite sendo namorados,
mesmo que fosse de mentira. Yurio podia ser assustador, mas era um
monstro que eu conhecia. A ideia de ficar noiva de um estranho era
desesperador.
Ele bate a porta com força depois de ter estacionado o carro todo
torto, sigo atrás dele engolindo meu orgulho.
— Me desculpe, okay? Eu me desesperei!
Ele se vira e aponta um dedo para mim.
— Você sabe o que fez?
Minha raiva também começa a subir.
— E você acha que eu quero ser sua namorada? Eu fui praticamente
para o abate lá, eu não tinha ninguém para me proteger. Me desculpa se
coloquei você em problemas, mas é o mínimo que você me deve depois de
me forçar a entrar no Monastério.
Nós caímos em um embate, Yurio vai se servir de uma dose
generosa de vodca antes de assentir, ainda de costas para mim.
— Não tenho planos de me casar agora.
— Muito menos eu! — retruco e quase falo muito menos com ele.
— Então vamos fazer isso. — Ele se vira e caminha para mim. —
Nós podemos ficar o tempo que der fingindo, vai nos dar tempo para sair
disso.
— Eu concordo.
Ele toma o assunto como encerrado e começa a subir as escadas
para seu quarto. Odeio pedir, mas realmente não quero ir a pé para o
dormitório com esse tempo e de saltos ainda por cima.
— Pode me levar para casa ou me emprestar seu carro... por favor?
Ele para e suspira.
— Não quer minha alma também não? — Ele responde, mas
começa a descer.
— Não posso pedir algo que você não tem — retruco e posso ver o
pequeno sorriso em seus lábios.

***

Já dentro do meu quarto o cansaço mental bate forte, o presente que


Tory deixou para mim de manhã ainda está fechado e eu tinha planos para
abrir quando chegasse, mas estou exausta. Tomo um susto ao ver a vela
aromática que coloquei antes de sair ainda acesa e me bato mentalmente
por ser tão desligada, poderia ter iniciado um incêndio. Apago-a e jogo
meus saltos no canto do quarto.
Retiro a maquiagem e vou tomar um banho antes de colocar um
pijama quentinho e tomar meu remédio de dormir, mesmo sabendo que não
é uma boa ideia ter bebido álcool hoje. Ele imediatamente começa a fazer
efeito, vejo tudo rodando, mas pelo menos o quarto está escuro do jeito que
eu gosto. Algumas pessoas não suportam dormir no breu, mas para mim é
melhor porque quando não se vê nada o escuro não parece tão assustador.
Esse é meu último pensamento antes de apagar.

YURIO
Minha cabeça está a mil com os últimos acontecimentos. Seraphina
foi esperta e salvou sua pele e mesmo sem querer admitir me tirou de
alguns problemas também. O que me chateia é que eu podia ter feito esse
plano, agora ela vai se achar mais por isso, tenho certeza.
Não consigo sair do estacionamento de seu prédio, olhando a janela
fechada de seu dormitório. Como será que ela dormia em seu quarto? Será
que já estava na cama? Fazia uma hora desde que ela entrou, talvez
estivesse tão pensativa quanto eu.
Uma luz se ilumina de seu quarto e me sento mais reto no banco. Só
que a luz parece estranha, aperto meus olhos para ver melhor e até saio do
carro. O cheiro leve de fumaça invade meu nariz ao mesmo tempo que
percebo ser sua cortina em chamas o que estou vendo.
— Caralho.
Uma garota está saindo do dormitório e, antes que a porta se feche,
eu invado subindo os andares o mais rápido que consigo, encontro a porta
de seu quarto e chuto com toda a força, arrombando-a. Escuto o grito de
várias meninas e ao entrar no quarto fito Seraphina dormindo enquanto não
só sua janela, como sua escrivaninha e a estante de livros, pegam fogo.
— Seraphina. — Eu grito, mas ela nem se mexe.
O aviso de incêndio começa a apitar alto por todo o prédio e água
cai sobre o teto do quarto, uma das meninas do corredor entra com um
extintor e joga para mim. Por sorte o fogo é contido rapidamente.
Seraphina, entretanto, mesmo com toda a gritaria, a fumaça e a água
não acorda. Uma sensação estranha vem quando a sacudo, mas ela não
acorda.
— Ela está viva? — Uma garota pergunta da porta.
— Seraphina. — A sacudo novamente e até dou tapinhas em seu
rosto. Ela tenta abrir os olhos, mas volta a fechá-los, completamente mole.
Abro a sua escrivaninha e encontro uma série de remédios pesados,
todos prescritos para ela.
— Ela está viva? — A menina pergunta de novo e ao longe escuto as
sirenes.
— Ela está dopada! — repondo, não querendo que perguntasse
novamente.
A ergo em meus braços e saio, assim que chegamos ao térreo já tem
um caminhão de bombeiro na porta.
— Foi um princípio de incêndio, já foi contido. — Aviso sem
diminuir a minha passada até o carro.
— Senhor, precisamos ver a mulher.
Continuo a andar e abro a porta traseira do meu carro com alguma
dificuldade. Dois bombeiros estão ali parados.
— Ela está bem, eu cheguei a tempo.
— Não é assim que funciona!
Um dos bombeiros me reconhece e muda de abordagem, lançando
um olhar de aviso a seu parceiro.
— Senhor Leonov, parabéns por ter salvado a garota. Podemos
verificá-la rapidamente?
Aceno, impaciente para sair dali logo.
— Ela está dopada, achei vários remédios prescritos para ela.
Um deles vai buscar os medicamentos e volta pouco depois com
eles em uma sacola e um pequeno aquário com um peixe vermelho e
branco.
— Parece que o incêndio foi causado por uma vela aromática.
— Eu vou ficar com isso. — Pego o saco da sua mão; assim que
tiver tempo vou ver o que ela tem tomado.
Será que Seraphina é uma viciada? O que aconteceu nesse um ano
que ela ficou fora?
Depois de conferir que ela está bem, na medida do possível, eles
sugerem que quando ela acordasse, eu a levasse ao hospital para dar uma
outra checada, mas a liberam. O peixe é colocado no chão do banco do
carona. Volto ao Monastério e os caras que estavam resenhando na sala se
levantam ao me ver com Seraphina nos braços.
— Amanhã eu conto. Peguem o peixe no meu carro.
Nunca pensei que essas palavras sairiam da minha boca.
Subo as escadas devagar e a coloco na cama, ainda assim ela nem se
mexe. Se eu não estivesse ali e não tivesse visto, só Deus sabe o que teria
acontecido com ela. Quantas vezes ela se colocou em perigo dessa maneira?
Onde ela esteve nesse tempo que ficou longe? São tantas perguntas que me
tiram o sono e passo o resto da noite velando o sono dela.
18
SERAPHINA
PASSADO

São tantas coisas na minha cabeça que esqueço que hoje é dia das
fotos de formatura para o anuário escolar. Como de costume, Tory me
salvou me maquiando e ajeitando para que meus cabelos ficassem
completamente lisos como eu gostava.
Depois de tirar fotos sozinhas somos levados à quadra de Educação
Física para a foto da turma; Irina como sempre quer aparecer ficando no
centro, mas eu me pego olhando em volta à procura de Yurio. Depois que
ele me deixou em casa eu havia dormido tranquilamente a noite inteira, ele
foi tão altruísta, não sabia que havia isso nele. E sem que eu perceba estou
caminhando até parar do seu lado.
— Oi — digo envergonhada por ter vindo até ele.
Yurio coloca o pompom do chapéu de formatura longe do meu
rosto.
— Oi.
O fotógrafo e sua equipe pedem atenção e tiramos uma foto
comportados, em seguida ele fala que é uma foto livre e é aí que fica
engraçado. Há atletas tirando a beca para mostrar seu tanquinho. Algumas
meninas pulam nos braços dos garotos e outros até puxam as meninas para
beijá-las, uma verdadeira loucura. Me viro para Yurio e ele já estava me
olhando. Nenhum de nós tenta nada, mas também não desviamos o olhar.
— Ótimo! Por hoje é só, pessoal. — O pessoal da equipe fala e aos
poucos as pessoas vão saindo.
— Eu queria agradecer por ontem.
— Você já o fez. — Ele olha para minha boca, como se quisesse
devorá-la.
— E seu pagasse seu almoço...
— Ei pessoal, o que está rolando? — Tatiana interrompe colocando
as mãos no peito de Yurio, que não parece ligar.
Por que ela não pode largar Yurio um pouco? Ela nem estuda mais
aqui!
Olho para ele, esperando alguma ação, mas ele sequer liga para meu
desconforto. Ele está diferente do Yurio que achei que conhecia, parece oco.
Vazio.
— Nada.
Me viro saindo dali e encontro Tory no banheiro ajeitando a sua
maquiagem.
— Não sabe quem me parou para perguntar de você.
— Quem?
— Eduard Flertew.
Eu estremeço.
— Ele me assusta, tipo, eu não o trato mal e nem nada, mas ficar
perto dele me dá arrepios e não do tipo bom. Ele tem uma vibe de psicopata
que vai me matar e me transformar numa boneca.
— Isso foi mal. — Minha amiga briga, mas ri em seguida. — E o
que eu falo para ele?
— Diz que já estou interessada em outro.
Isso faz minha amiga virar para mim.
— Quem?
— Eu estou gostando de Yurio, nós tivemos um momento no baile e
ele tem sido legal para mim. Não sei se vai rolar mais que amizade, mas
estou feliz.
Dou a Tory um voto, porque mesmo surpresa e chocada ela ainda
acena em concordância. Apesar de Tatiana, mas não digo, afinal até agora
não temos nada sério e não posso controlar suas amizades. Mesmo que
Yurio possa ser um idiota às vezes.
— Ele tem um belo tanquinho.
Nós duas explodimos em gargalhadas antes de deixar o banheiro. Eu
só tenho mais duas aulas hoje e depois delas acabo indo para casa, não
querendo abusar no treino hoje, já que depois de amanhã é a competição.
Tory me manda mensagem perguntando se quero ir à lanchonete à
noite com o pessoal, mas eu recuso. Provavelmente vou fazer uma noite de
cinema e doces com Lily, ela merece um pouco de diversão em família. Ela
passa mais tempo com a babá Elain Mironova, desde que nasceu.
Ao chegar em casa vou procurar meus pais e escuto suas vozes no
escritório, quando escuto meu nome ser falado eu paro antes de bater.
— Não é muito o que te peço. Seraphina tem um talento enorme,
estudar em Julliard como eu seria a realização de um sonho.
— Querida, ela nem gosta tanto de balé, sempre preferiu a
patinação. — Papai responde com a voz calma.
— Ela se encontrará lá. Nova York é uma cidade incrível, ela
adorará.
— Já falamos sobre isso, ela precisa de um bom casamento e se
casando com alguém da escória de lá não vai fazer bem.
Papai sempre escondeu bem a sua raiva por não ter filho homem,
mas agora podia ouvir claramente a frustração em suas palavras. Eu só
servia como uma troca. Mesmo com minhas medalhas e títulos de
patinação, eu não valia nada.
— Sabe, muitas jovens da sua turma vão para a Brave no ano que
vem. Seraphina poderia fazer um ano em Julliard e depois estudar aqui. —
Ela tenta.
Eu não quero ir para Julliard em Nova York e muito menos me
casar, mas sabia que isso era esperado de mim. Agora fica claro que não
seria algo aos poucos colocado na minha vida, que haveria escolha. Pela
conversa que ouvi, papai queria que eu me casasse assim que atingisse
dezoito anos.
Saio dali antes que seja pega e bato na porta do quarto de Lily. Ela e
Elain estão brincando de chá no chão.
— Vim tomar chá também, tem uma xícara para mim?
Minha irmãzinha solta uma risadinha, tira o urso de um dos lugares
e me chama. Ali com a minha irmã eu me distraio e relaxo um pouco. Mais
tarde, depois de ver três filmes, me preparo para descansar quando percebo
que tinha uma mensagem de Tory, é uma foto e quando abro é como se meu
mundo terminasse de desmoronar. É uma foto de Yurio com Tatiana em seu
colo enquanto os dois se beijam na lanchonete.
Tory: Sinto muito.
É a mensagem que minha amiga manda em seguida. Ainda estou
chorando quando minha mãe entra no quarto com um sorriso de louca.
— Venha dançar, querida.
Ela nem percebe as lágrimas no meu rosto enquanto me puxa até seu
estúdio, passo por Elain, que me lança um olhar preocupado e triste, mas
sabe que não é bom contestar minha mãe ou ela fica agressiva.
Coloco minhas sapatilhas e tento fazer uns passos, era divertido isso
anos atrás, mas agora era uma sessão de tortura. Minha mãe não usa sapatos
e nem tento fazê-la colocá-los, suas unhas se quebram e começam a sangrar,
mas ela não para de dançar, cantarolando uma música que só existe na sua
cabeça.
— Não fique triste, querida. — Ela sussurra como se tivesse alguém
escutando.
Odiava quando ela ficava assim, dizia que havia fantasmas a
vigiando, dizendo coisas ruins. Quando disse isso a primeira vez, ainda
parecendo estar realmente assustada, eu acreditei, mas quando isso se
tornou frequente meu pai sentou comigo e disse que o pós-parto de Lily
cobrou um preço alto da minha mãe.
Perguntei por que ele não a levou no médico, mas meu pai agiu
como se não fosse nada demais e só depois percebi que ele tinha vergonha
dela. Ele a amava, eu não tinha dúvidas disso, mas sua vergonha era maior
do que tentar curar sua esposa louca.
Ela seca algumas lágrimas e eu nem lembrava de ainda estar
chorando.
— Seu pai permitiu você estudar em Julliard. — Sua voz mal sai
enquanto ela olha em volta. — Você não pode voltar, os fantasmas agora
querem você também.
— Mamãe...
Sua mão agarra meu pulso com força.
— Não há mais salvação para mim. — Ela fala com tanta convicção
e parece ser ela novamente por um momento. — Leve Lily. — As palavras
saem sem som, como se tivesse medo de que o mísero sussurro fosse
ouvido.
— Mamãe...
Ela volta a apertar meu pulso com tanta força que dói.
— Seu pai não entende, ele não entende.
Ela me solta e começa a puxar os cabelos, tento controlá-la, mas ela
começa a gritar. Papai chega e a abraça, tentando acalmá-la, dizendo
palavras doces, mas ainda assim minha mãe continua a gritar.
Um choro baixo chama minha atenção e vejo Lily na porta com seu
ursinho em sua mão, seu choro fica mais alto e eu vejo que ela se mijou de
medo. Uma mãe não deveria dar medo em sua própria filha.
— Venha, amor, vou te dar um banho quentinho e fazer chocolate
quente.
Quando finalmente acalmo minha irmã, ela sussurra.
— Os fantasmas da mamãe querem me pegar. Eu ouvi.
Me arrepio com suas palavras.
— O quê?
Ela fecha a boca, mas há um medo real em seu olhar. Minha
garganta se fecha, será que era um gene essa loucura da minha mãe e está
passando para minha irmã?
Me deito ao seu lado e nos cubro.
— Não vou deixar nada acontecer com você — prometo enquanto a
seguro contra mim, tentando lutar contra o medo de perder minha irmã para
a loucura também. — Nada vai acontecer com você — repito minha
promessa até que ela pegue no sono, mas eu mesma não consigo pregar
meus olhos.
19
SERAPHINA

Novamente acordo no colchão macio e mesmo sem abrir os olhos


sei que é o quarto de Yurio, seu cheiro está em tudo. Como vim parar aqui é
algo que eu não sei, não acho que o remédio na dosagem que eu tomo me
daria força para sair do dormitório até aqui.
Me estico na cama e me sento, me sentindo renovada depois da
noite de sono; quando me levanto sinto um pouco de náusea, mas estou
acostumada a esse efeito colateral, em pouco tempo acabaria. Escovo
novamente meus dentes com o dedo e molho meu rosto, bebendo um pouco
de água da bica mesmo.
A ideia de contestar Yurio do porquê estou aqui não é agradável,
mas precisa ser feito. Isso não pode ficar acontecendo. Nós temos que fingir
ser namorados, mas não significa que tenho que ficar perto dele o tempo
todo.
Não encontro meu celular e ainda estou de pijamas, mesmo com o
piso frio não tento achar uma meia no armário dele, só Deus sabe o que eu
poderia encontrar lá. Desço as escadas, escuto barulho na cozinha e sigo
para lá.
Todos estão sentados comendo, uma moça com uns quarenta anos
sorri docemente ao me ver.
— Eu guardei umas panquecas para você, querida! — Ela pega um
prato e coloca na mesa. — Você prefere suco ou café?
Me sento, sem ter a menor ideia do que está acontecendo.
— Suco, obrigada. — Recobro a minha educação. — Eu sou
Seraphina.
— Eu sou Izma, a governanta e cozinheira às vezes. — Ela pisca
para mim.
Fito Yurio na mesa querendo perguntar o que estou fazendo aqui,
mas não aqui no meio de todo mundo. Tento comer e o cheiro, apesar de
delicioso, só me enjoa mais. Espero até dar o tempo deles terminarem para
falar algo.
— Algum de vocês poderia me levar de volta para o dormitório?
Preciso me arrumar para a aula.
Eles se viram para mim, mas é Yurio a falar.
— Você não se lembra de ontem?
Minha testa se franze.
— Sim, lembro que você me deixou em casa depois da festa. O que
não tenho ideia é porquê estou aqui.
Mik limpa a garganta.
— Você quase colocou fogo no prédio inteiro, Seraphina. Se Yurio
não estivesse lá ainda você poderia ter morrido.
Quero negar, dizer que isso não aconteceu, mas a seriedade deles me
deixa saber que não é um truque ou algo do tipo.
— Como?
— A vela. — Yurio responde.
A vela, mas eu lembro de ter apagado. Se eu realmente tivesse ela
não teria pegado fogo.
— Seu quarto não foi todo queimado. — Kaz anuncia feliz. — Mas
a notícia ruim é que não te querem mais lá por você ser um perigo.
Deixo isso cair sobre mim. Eles não querem uma maluca lá. Outro
pensamento assustador vem.
— Oscar!
— Quem? — Anton pergunta.
— Meu peixe! — Me levanto já me sentindo tonta. Eu matei Oscar,
a única responsabilidade que eu tinha.
— Ele está bem, lá na sala. Já até dei ração. — Grigory me
tranquiliza. — Minha irmã tem peixes, eu sei como cuidar de um.
Todos escutamos o barulho da porta da frente se abrindo e a mãe de
Yurio aparece na cozinha.
— Seraphina! Fiquei tão preocupada. — Ela me levanta da cadeira e
me abraça. — Você está bem mesmo? Os bombeiros avisaram o que
aconteceu.
Yurio e os outros também se levantam.
— Mamãe...
Ela vai até ele e o abraça.
— Você sempre foi meu herói e agora salvou sua garota. Estou tão
orgulhosa!
Krigor se aproxima de mim.
— Você já foi ao médico para ter certeza que não inalou muita
fumaça?
Me sinto sobrecarregada. Depois de tanto tempo sem ninguém se
importando comigo ter isso é demais.
— Eu estou bem. — Consigo falar.
— Nós já temos suas coisas sendo empacotadas e trazidas pra cá.
Pra cá?
— Papai, eu não acho... — Yurio tenta.
— Nós já estamos cuidando de tudo, filho. Você só precisa cuidar da
sua garota agora.
Sua mãe completa:
— Nós não acreditamos em morar junto antes do casamento, mas
também não podemos deixar você em perigo. Yurio é um Leonov e só por
você estar com ele está correndo riscos.
Olho para Yurio, que está tão sem ideia do que fazer que é cômico.
Eu começo a rir de nervoso, mas os pais de Yurio levam isso como um
acordo feito. Eles ficam para o café da manhã, a mãe de Yurio me entrega
duas sacolas grandes e vai comigo até o quarto de Yurio.
— Achei que você fosse precisar.
Dentro das sacolas tem um vestido preto, uma jaqueta, meias-calças,
lingerie e até mesmo sapatos. Tudo de muito bom gosto, mas parecia
demais para ir para a faculdade. Em outra sacola havia itens de beleza como
shampoo, condicionador, sabonete, kit de higiene, secador e prancha.
— Não precisava, senhora Leonov.
Ela segura minha mão.
— Já disse para me chamar de Lara, sei que é uma grande mudança
e pode contar comigo para o que você precisar.
Ela me abraça apertado.
— Nem imagino quão assustada você ficou.
Eu nem mesmo me lembro.
Termino de me arrumar e quando desço as escadas vejo Yurio e o
pai conversando ao lado do troféu que roubei, quando me veem Krigor tem
um sorriso no rosto.
— Faz tempo que não via isso. — Ele aponta para o troféu.
Minhas bochechas coram e Yurio me puxa para ele.
— Ela é muito corajosa, é a primeira Sentinela mulher do
Monastério. — Ele fala isso com tanto carinho que eu quase acredito, até
ele beliscar meu quadril.
— Não tão corajosa quanto meu bombom. — Aperto as suas
bochechas com força em troca.
Krigor olha o relógio.
— Bem, precisamos ir. Vejo vocês no jantar de família no final do
mês.
Ele e Lara dão as mãos enquanto saem sussurrando e rindo como
adolescentes. O restante dos garotos provavelmente já foi para as aulas. O
pequeno caminhão está sendo descarregado com minhas coisas, que cabem
completamente em quatro caixas.
— Eu não tenho tempo para arrumar tudo agora, tenho aula e estou
atrasada.
— Na volta eu te ajudo. — Ele promete, mas provavelmente vai
sumir.
Nós entramos em seu carro e eu nem falo nada para ele não ter ideia
de pegar a moto. Assim que o carro para no estacionamento eu murmuro
um obrigado e corro para dentro do prédio, indo em busca do meu armário.
Vou ter que me virar com o que tenho, já que meu notebook e até mesmo
meu celular estavam no meu quarto e agora estão em alguma caixa. Pego
um caderno e o livro de cálculo, não acho uma caneta, mas vou tentar pedir
emprestado.
Entro na aula a tempo e quando começo a me ajeitar a porta se abre
e Tory entra correndo.
— Seraphina, eu estava tão preocupada!
O pessoal da sala fica olhando, mas não tenho coragem de largar
minha amiga.
— Vamos para o corredor rapidinho.
Já lá fora eu conto o que houve e ela chora mais, me abraçando.
— E agora, você vai ter que morar com Yurio. — Ela franze a testa,
mas então dá um pequeno sorriso. — Vocês dois tem muita química.
Eu rolo os olhos.
— Claro — ironizo. — Eu vou dar um jeito, ficar umas semanas lá e
depois procurar algum outro dormitório ou algo assim.
— Mas você faz parte do Monastério, Seraphina. A maioria dos
Sentinelas mora lá.
Não adianta nada ficar pensando sobre isso agora.
— Me empresta uma caneta, minhas coisas estão em caixas e não
consegui pegar nada.
Pego a caneta e vejo o professor no corredor.
— Você abriu meu presente? — Ela pergunta.
— Não, eu preciso ir.
Beijo sua bochecha e entro na sala bem a tempo. A aula é mais
difícil pela minha falta de prática com usar caderno em vez de digitar, mas a
tensão sai do meu corpo com os cálculos e formas matemáticas.
Vou para a fila do café, só para lembrar quando chego ao caixa que
não tenho minha carteira comigo.
— Eu pago. — Um homem atras de mim fala, me viro para
agradecer ficando embasbacada com sua beleza, era loiro, alto e com um
sorriso doce. Se não me engano tínhamos algumas aulas juntos.
— Eu vou pagar de volta.
Ele sorri.
— Eu sou Theo.
— Sou Seraphina. Obrigada pelo café.
— Te vejo por aí.
Só então começo a reparar nas pessoas me olhando por onde passo.
Tá bom que estou mais arrumada que o normal, mas o jeito que as pessoas
me olham não parece ser pela minha aparência.
— Ei, sua puta. Quero o troféu de volta! — Rice Andreev grita,
caminhando até mim com os punhos cerrados.
Porra! A informação foi divulgada e Yurio nem teve a decência de
me avisar para eu me esconder pelo resto da semana. Rice parece pronto
para me bater aqui na frente de todo mundo e a única coisa que tenho para
me defender é um café meio frio.
Se eu apanhar por causa disso...
O pensamento nem chega a se complementar por que, de repente,
estou cercada de outros caras, que reconheço serem Sentinelas.
— Está ameaçando um Sentinela, Andreev? — Um dos homens
pergunta.
Rice tenta se fazer de fodão, mas ao perceber que está em menor
número começa a abaixar a bola.
— Ela não é uma Sentinela. Vocês trapacearam.
— Ela é uma de nós. — Jamal afirma me surpreendendo, achava
que ele nem ia com a minha cara.
Alguns amigos de Rice se aproximam e quando acho que vai haver
uma briga generalizada o silêncio de repente começa. Quando sinto uma
presença não preciso olhar para trás de mim para saber que é Yurio.
— O que está acontecendo aqui?
Os Sentinelas abrem espaço e Yurio caminha até parar em frente a
Rice.
— Aquela puta invadiu o...
Antes que ele termine de falar o punho de Yurio acerta seu rosto
com tanta força que ele cai no chão, desmaiado. Yurio olha para os amigos
dele.
— Seraphina é uma de nós. Ela passou pela iniciação e, mais que
isso, é minha namorada, então isso faz dela a porra da rainha. Se eu ouvir
alguém falando algo dela... — Ele não completa a frase enquanto pega
minha mão para me puxar dali.
Eu paro ao lado do corpo de Rice e viro meu copo de café na sua
cara. Não gostei do jeito que ele falou comigo ou o jeito que tratou Ivy.
— Agora podemos ir.
Acompanho Yurio até que sumimos da multidão.
— Meu Deus — murmuro, me encostando numa parede.
Yurio tira do bolso meu celular e me entrega.
— Ninguém mais vai mexer com você agora.
Ele começa a sair, mas eu seguro sua jaqueta.
— Por que me ajudou?
— Porque todos pensam que você é minha e eu não deixo minhas
coisas em perigo.
Ele sai, mas em poucos minutos chega uma mensagem me avisando
que na hora do almoço vamos para casa terminar minha mudança.

***

Eu achava que só Yurio ia me ajudar com a mudança, mas as Bestas


do Monastério estão todas ali para mim. Alguns trouxeram pizza enquanto
outros comida chinesa, eu acreditei que era muita comida, mas a pilha vai
diminuindo a cada minuto.
Eles colocam prateleiras no meu novo quarto e até uma cortina nova
é trazida. Quando o carro de uma floricultura buzina na porta eu arregalo os
olhos com algumas plantas que eles trazem para dentro.
— Não é por nada não, mas agora que você é uma de nós precisa
aprender a dar uns socos. — Kaz graceja, comendo pizza como se estivesse
passando fome.
— Por quê? Brigas são normais?
Todos riem como se eu tivesse contado uma piada. Rolando os olhos
abro uma das caixas cheias de livros, e entre eles tem a caixa do presente de
Tory, mas conhecendo minha amiga provavelmente poderia ser desde
lingeries a vales de salão de beleza.
— Essa é a última? — Mik pergunta pegando alguns livros.
Anton pega o restante. A caixa que estava na minha mão é puxada
por Kaz, que balança a caixa com força.
— O que tem aqui? Doces?
Ele abre a caixa e arregala os olhos para o que tem dentro da caixa.
— É Yurio... você já foi melhor!
Yurio larga a sua comida e nos olha com curiosidade. Eu tento pegar
a caixa, mas Kaz é muito alto. Ele joga a caixa para Anton que dá uma
olhada dentro e joga para Gregory, que racha de rir. Mik vai ao lado dele e
pega a caixa, ficando vermelho.
— O que tem aí? — Matvei pergunta curioso pegando a caixa e
depois de abrir simplesmente joga para Yurio. — É mano, se não estiver
dando conta...
Com ótimos reflexos, Yurio pega um pênis de borracha, para meu
horror. É roxo, cheio de veias e bolinhas parecendo um pau de alienígena.
Ele olha a coisa antes de simplesmente se levantar e atirá-lo no fogo. A
atenção de todos está dividida entre Yurio e eu.
— Garanto a vocês que eu sei cuidar da minha garota.
— Isso não é meu, foi Tory que me deu! — Nós dissemos ao mesmo
tempo.
Quê?
Claramente seus amigos sabiam que nosso relacionamento era falso,
mas o olhar de Yurio me manteve calada. Eu me levanto, esperando não
estar tão vermelha de vergonha como imagino.
— Vou dormir, mas preciso dos meus remédios. Alguém viu?
— Não. — Foi a resposta do Yurio.
Não era um não como se não tivesse visto, era eu um não vou te dar
.
— Eu preciso dos remédios, tenho prescrição. Não posso
simplesmente parar de tomá-los.
Yurio não responde, me enervando. Não vou deixá-lo brincar com
minha saúde.
— Ei, cara. Dá os remédios dela. — Mik intervém a meu favor.
— Só se me explicar pra que serve cada um.
Ele puxa um quadro da sala, revelando um cofre e o abre. Todos os
remédios estão lá, ele me dá e apesar da raiva, a vergonha é maior por fazer
isso na frente de todos. Ele coloca os remédios na minha frente e eu vou
tirando da sacola.
— Esse é de depressão, esse é ansiolítico, esse para dormir, para
dores de cabeça, tem os complexos de vitaminas. Quer saber a marca de
pasta de dente e desodorante que eu uso também?
Pego os remédios e subo as escadas até meu quarto. Ele é um idiota.
Mando um e-mail para meu tutor explicando por alto a situação, não
querendo mentir, mas definitivamente não me encrencar por fingir o
namoro com Yurio e isso acabar chegando aos ouvidos do Pakhan. Digo
que me sentiria melhor em viver em um lugar diferente e que não achava
certo morar sob o mesmo teto que ele não sendo casada. Tudo uma grande
merda, mas tecnicamente plausível.
Tomo um banho, mas hesito em tomar o remédio para dormir, eu
quase fui queimada viva. Passo a noite em claro, sem conseguir pegar no
sono. Quando os primeiros raios solares aparecem, eu já estou pronta e
caminho até o cemitério. A primeira vez que vim fiquei com um pouco de
medo, mas entre o medo e o vazio que sinto desde que minha irmãzinha
morreu, eu prefiro encarar qualquer coisa.
Tiro algumas fotos com meu celular mesmo e até leio alguns
poemas, mas a sensação de estar sendo vigiada volta com força. Olho em
volta, a neblina está espessa e eu não consigo ouvir nada, mas o som de
folhas sendo amassadas chega a meus ouvidos, mostrando que realmente
não estou sozinha. Atrás de uma estátua de um anjo consigo ver o contorno
de alguém e começo a dar passos para trás antes de começar a correr, sem
querer saber quem era.
Acabo escorregando e rolo num ponto mais alto até o chão, folhas se
agarrando sobre mim enquanto engulo um grito para não ficar tão óbvia a
minha localização, mas não adianta porque assim que abro os olhos vejo um
par de sapatos pretos na minha frente.
— O que houve? — A voz de Yurio me faz soltar uma respiração.
Consigo me sentar, sem tentar ficar em pé sozinha por minhas
pernas estarem trêmulas demais.
— Era você que estava lá em cima?
Ele nega, já olhando para o lugar.
— Tinha alguém lá?
Me levanto, me achando uma idiota paranoica.
— Não sei, talvez. É um cemitério afinal.
— Ninguém estaria aqui às cinco da manhã.
A ideia de alguém aqui para me fazer mal me deixa trêmula de novo
e se não fosse por Yurio segurando minha cintura eu teria caído no chão em
uma poça de medo. Nós estamos tão próximo que reparo manchinhas azuis
mais escuras em seus olhos glaciais, assim como a barba por fazer essa
manhã que tira um pouco do seu rosto angelical. Seu cheiro é tão bom que
eu queria enfiar meu rosto em seu pescoço só para sentir mais.
— Pare de me olhar assim. — Ele grunhe.
— Como?
— Como se quisesse que eu fizesse o que tenho em mente.
A curiosidade me toma. Não sei que olhar eu estava lhe dando
realmente.
— E o que seria?
Um sorriso sinistro toma seu rosto, fazendo um arrepio me tomar,
mas em vez de me afastar eu suspiro com a ideia do que ele pode fazer. Sua
mão agarra minha nuca, puxando meu cabelo ao mesmo tempo em que seus
lábios tomam os meus como se eu pertencesse a ele e vivesse para isso.
Me agarro em seus braços, não sei ao certo se tentando fugir ou
querer mais. Ele me responde me encostando numa árvore e abrindo o
fecho da minha calça, sua mão quente desliza para dentro e eu fico nas
pontas dos pés ao sentir seus dedos sondando a minha entrada, mas ele sobe
tocando meu clitóris enquanto puxa meu lábio e se afasta o suficiente para
ver meu rosto quando dois dedos me penetram.
Jogo minha cabeça para atrás, fechando os olhos com o desejo e a
queimadura. Nunca tive nada enfiado em mim e a sensação é diferente de
tudo.
— Não feche os olhos, se não quiser que eu pare.
Abro-os rapidamente, querendo ver até onde essa sensação me leva.
Me tocar nunca foi bom realmente, então parei. Não parecia nada como
isso. Yurio tem um poder sobre mim que eu nem sabia que era possível.
Meu corpo parece moldado às suas vontades e mesmo quando meus olhos
querem se fechar eu me mantenho presa em seu olhar. Desfrutando do
desejo em seus olhos.
— Vem para mim.
Sua ordem é como uma chave virando e que bom que tenho uma
árvore nas minhas costas e ele na minha frente, porque desmonto. Meu
corpo tremendo e estremecendo, ele não para mesmo quando está muito
sensível.
— Mais um pra mostrar quem é seu dono.
— Foda-se...
Mas não consigo falar porque outro orgasmo me toma, ainda melhor
que o primeiro e acabo caída de joelhos no chão, pressionando minhas
pernas. Só percebo que estou chorando quando sinto o gosto das minhas
lágrimas, mas elas não são o suficiente para aplacar o monstro que eu
despertei. Yurio abre seu cinto e coloca sua ereção para fora. Minha boca se
abre em choque ao ver seu grande pau duro, com um piercing na ponta
enquanto ele se masturba olhando para minha cara.
Permaneço de joelhos e acho que ele vai pedir para chupá-lo, mas
ele parece satisfeito em só ver meu rosto. É impossível desviar o olhar da
ação, é como assistir um acidente de carro sem conseguir desviar, você sabe
que deveria, mas ainda assim não consegue. Só que isso é pior que um
acidente de carro, parece mais um acordo sendo assinado.
— Porra. — Ele resmunga quando goza. O primeiro jato batendo no
meu queixo. Os outros por todo meu rosto.
Eu devia me sentir enojada e usada, mas o jeito que Yurio se entrega
a seu prazer é sem palavras. Seu corpo tenso jogado para frente, seu rosto
enrugado, mas seus olhos frios atentos a todos os detalhes do meu rosto.
Quando termina eu ainda estou parada ali, tanto pelo choque quanto
por uma nova onda de desejo. Ele me olha como se eu fosse dele e nesse
momento não parece tão ruim. Ele coloca seu pau dentro da calça e se
ajoelha na minha frente.
— O que eu vou fazer com você? — Ele me pergunta, mas parece
estar pensando nisso.
Seu dedo passa por meu queixo, pegando um pouco do sêmen antes
de passar pelos meus lábios como um batom, então ele espera. A
curiosidade de provar seu sabor me toma e eu abro um pouco os meus
lábios, o suficiente para minha língua tocar minha boca.
Ele sequer pisca olhando a ação como se fosse a coisa mais
importante do mundo. Seu dedo recolhe mais porra do meu rosto e coloca
contra meus lábios. Me sentindo ousada eu mordo a ponta do seu dedo
antes de chupar, fechando os olhos com seu sabor, diferente de qualquer
coisa que já provei.
Quando volto a abrir os olhos ele está sério, tenso.
— Vamos.
Nenhum de nós fala nada ao voltar, eu por estar abalada e ele parece
arrependido. Querendo ou não isso afeta minha autoestima, tento limpar
meu rosto com a blusa, mas acabo sujando-a também. Por sorte não tem
ninguém acordado ainda quando corro de volta para meu quarto e encosto
na porta atrás de mim. Por que parece que eu abri os portões do inferno?
20
Todo mundo lhe diz que você deve jogar o jogo
Mas tem apenas você para jogar, tem apenas você para jogar
Mas eu tentei
Eu incendiei a glória
Eu incendiei o sonho
Eu incendiei a única coisa
Que me conduzia nas ruas
The Truth – James Arthur

SERAPHINA
PASSADO

Nenhuma família é perfeita, ainda mais dentro da máfia, mas Tory


tinha uma família que queria dar a ela uma oportunidade além de ser uma
esposa. Tory vem de uma família com cinco irmãos mais velhos, todos têm
boas posições e com isso sua família decidiu a tratar com igualdade, a
estimulando a fazer uma faculdade e ir em busca de seus sonhos. Sua única
ressalva era ela não engravidar e se casar com alguém de dentro da Bratva
quando fosse a hora.
Eu estava feliz por minha amiga, de verdade, mas ainda sentia uma
pontinha de ressentimento por meus pais não serem assim. Minha mãe
queria que eu fosse para Julliard para realizar seus próprios sonhos que ela
abriu mão ao se casar com meu pai. A cada dia ela parecia mais perdida em
seu mundo e Lily estava sofrendo por isso, até escutei ela se referindo a
Elain, sua babá, como mãe.
Não estava ficando muito em casa nos últimos dias, focando em
minha apresentação estar perfeita. Yurio estava insuportável, mais que o
normal; sempre que estava perto de mim fazia cara feia ou me ignorava
completamente. Não sei porque tentei ver algo de bom nele.
Hoje era o dia da apresentação. Apesar de meu pai não ser o maior
apoiador ele investiu muito dinheiro no meu figurino, branco, cheio de
pedras preciosas que refletiam as luzes me fazendo parecer uma estrela.
Algumas das minhas concorrentes também estavam muito bonitas, mas eu
me destacava.
Estava usando um grosso casaco quando vi minha família chegando
e me aproximei, mamãe parecia ela mesma, atenta. O abraço que ela me
deu foi tão gentil que tive vontade de chorar. Essa sim era minha mãe. Ela
acaricia meu cabelo, ajeitando até o último fio fora do lugar.
— Você está tão bonita, já imagino suas apresentações na Julliard,
ganhando o mundo.
— Mamãe...
Ela nega com a cabeça.
— Você nasceu para ser mais do que uma esposa. — Ela sussurra
me assustando.
Olho para papai, esperando-o negar, mas ele está focado em seu
celular.
— Mamãe, eu não vou deixar o gelo. Nunca. — É a única coisa que
tenho que é só minha.
Ela sorri como se soubesse mais que eu.
— Papai?
Ele tira a atenção de seu celular.
— Nós devíamos conversar sobre isso depois.
— Não, eu quero saber agora! — exijo.
Ele suspira.
— Essa é sua última apresentação.
O quê? Não pode ser. Estou no auge, trabalhei a minha vida toda por
isso. A carreira na patinação é curta, talvez até os trinta e poucos anos se
tiver sorte de nenhuma lesão. Eu não podia desistir de tudo, não podia abrir
mão do meu sonho.
Lembro da conversa com meus pais e me afasto.
— Vocês vão me mandar para Nova Iorque? — pergunto engolindo
seco. — Eu gosto da Rússia, vocês estão aqui, Lily, Tory. Por que não posso
ficar e fazer faculdade aqui como Tory e ainda fazer patinação?
Meu pai finalmente tira a atenção do celular e vejo a culpa.
— Você é a filha mais velha, tem responsabilidades. Conversaremos
quando chegarmos em casa.
Mamãe olha em volta, parecendo assustada. Ela segura nossas mãos
e sussurra:
— Quando você fizer dezoito anos será a hora de arranjar um
marido, querida. Você sabe como nosso meio funciona. Só quero que você
aproveite... o mais longe daqui. Minha irmã irá lhe receber em Nova Iorque.
Ela olha em volta e sigo seu olhar, reconhecendo vários dos homens
que pediram para dançar comigo no baile da Bratva. A realidade vem com a
força de um soco no estômago. Eu só terei uma vida até meus dezoito anos,
depois disso serei mulher de alguém. Lembro do olhar vazio das mulheres
dentro da Bratva e me arrepio. Minha mãe, mesmo em sua loucura, estava
tentando me livrar desse destino à sua maneira.
Não se pode ter tudo, mas abrir mão do meu maior sonho para
acabar infeliz com um homem não parece justo. Não parece haver um lado
ganhador e não será um ano em Nova Iorque que tornará isso mais tragável.
A apresentação da participante antes de mim acaba e eu me afasto
deles e tiro meu casaco, entregando para a minha treinadora, acenando sem
ouvir suas palavras. Não posso pensar. Não agora. Retiro as proteções dos
patins e começo a dar algumas voltas pela pista para me aquecer. Vejo Tory,
minhas outras amigas, vejo rostos conhecidos e o vejo. Bem ali, seus olhos
frios em mim. Fico no centro da pista e seco uma lágrima que cai.
As luzes direcionadas a mim doem a vista, mas já estou acostumada,
então não é um grande problema. Me mantenho na posição, esperando a
música começar. Meus pais estão na primeira fila como pais orgulhosos,
mas eu sou só mais uma forma de acordo. Eles não ligavam para meus
sonhos e objetivos.
Os juízes esperam algo grande, alguns deles já estiveram em minhas
melhores apresentações e com certeza compararão mentalmente com as
outras e contra as minhas adversárias.
A contagem começa, mas eu patino rapidamente até o DJ pedindo
para mudar minha música de última hora. Estou cansada de ser controlada,
de ser sempre a boa menina. Volto para a minha posição e a música começa,
The Truth de James Arthur em vez de mais uma música clássica. Minha
primeira vez apresentando algo que não é clássico, a primeira vez
apresentado algo meu.
Quando penso em como serei reconhecida no futuro eu
definitivamente não quero ser conhecida como a esposa ou a mãe de
alguém. Eu sou Seraphina Petrova, campeã mundial por cinco anos
seguidos, seis se contar esse ano. Essa é quem eu sou, quem eu quero ser. A
amiga fiel, a irmã mais velha, aquela que você pode contar e que não é
vendida.
Não penso na coreografia, só deixo a música me tomar. Faço saltos
toe que são com a ponta da lâmina, saltos edger que começam com a borda
da lâmina; duplos, triplos, deixando a música correr sobre mim. Então
passo e faço o meu favorito, que é um shachow quádruplo que leva a plateia
ao delírio, axel triplo e me sinto livre como o vento. Passo perto da mesa
dos jurados com uma perna levantada, quase encostando a lâmina neles.
Faço quatro lutz seguidos mostrando a todos, principalmente a meus pais,
porque eu sou a melhor.
Não preciso esperar a cerimônia de medalhas para saber que venci.
As pessoas de todo o estádio estão em pé me aplaudindo, só percebo que
estou chorando quando as lágrimas escorrem pelo meu rosto.
Quando recebo um buquê de flores e a medalha eu respiro aliviada,
sabendo que todo meu esforço valeu a pena, que mesmo que essa fosse
minha última apresentação eu dei meu sangue, suor e tudo de mim.
Converso com as meninas no pódio e vou agradecer aos juízes antes de me
aproximar do vidro para mostrar a medalha a meus pais. Minha mãe está
encostada no meu pai enquanto ele sussurra algo em seu ouvido. Lily está
batendo palmas e gritando emocionada.
Patino até o portão e entrego as flores para minha treinadora, espero
ela brigar comigo, mas ela me abraça.
— Você voou hoje, Seraphina. A apresentação mais bela que já vi.
— Minha garganta trava de emoção. Receber um elogio dela, que ganhou
tantos prêmios e fez questão de me treinar, é uma das melhores coisas que
já ouvi.
Lily consegue sair dos braços do meu pai e corre até a pista,
escorregando quando entra. Patino até ela e a pego no colo, dando voltas
pela pista enquanto ela brinca com a medalha.
— Quando eu crescer quero ser igual a você. — Ela disse me
abraçando.
— Ah, abelhinha. Te amo e vamos fazer marshmellows na lareira
hoje.
Ela estende o dedinho para mim.
— Promete?
— Sim, eu prometo. — Cruzo meu dedinho com o seu.
A maior parte da multidão já foi embora, mas meus pais e amigos
estão ali. Recebo abraços e mais abraços, e meu pai convida a todos para
jantar conosco num restaurante. Normalmente eu temeria que mamãe me
fizesse passar alguma vergonha, mas ela declina o convite e decide ir para
casa com o motorista.
No meio do jantar meu pai pega minha mão.
— Estou orgulhoso de você, sua mãe também, ela só tem... medo.
Aceno sabendo que aqui não é lugar de conversar, principalmente
sobre isso. Os homens ali tentam me incluir na conversa e até são
respeitosos, mas se tem uma coisa que não conseguem disfarçar são os
olhares.
Mal toco no jantar, um dos homens com meu pai é assustador, com
uma cicatriz da testa até a boca, mas é seu olhar de louco que é o pior. Ele
cheira meu cabelo duas vezes, tenta ser discreto, mas não consegue. Meu
pai, entretanto, finge não perceber e ele continua a perguntar se eu tenho
namorado e falar o quanto eu sou linda, mas não parece realmente um
elogio e sim um aviso, guardo o seu nome na cabeça, Miroslav Balashov.
Depois do jantar começo a pensar no tempo livre que terei com
meus amigos, já que o próximo campeonato será um regional, só daqui a
seis meses e eu nem sei se irei participar. Preciso conversar com meus pais,
não posso simplesmente deixá-los acabar com a minha vida.
Mesmo que a maioridade em Moscou seja dezesseis anos, ainda não
tenho voz. Em algumas semanas eu terei dezoito anos, aí serei uma adulta e
um adulto pode decidir o destino de sua vida, mesmo que eu tenha que ir
até Krigor Leonov, nosso Pakhan, e implorar por sua misericórdia. A ajuda
certamente não viria de Yurio. Eu tinha que ser minha própria salvadora,
equilibrar e tomar controle da minha vida.
Penso nas festas que poderei participar, agora que provei a mim
mesma que eu sou boa, que a patinação faz parte de mim e ninguém pode
tirar isso. No final da noite, quando voltamos para casa, estou acreditando
que tudo irá melhorar.
21
YURIO

Essa porra de mulher. Não devia ter cedido à besta em mim em


marcá-la. Seraphina me desafiava e me irritava na mesma medida em que
me deixava com tesão. Ela foi para as aulas pegando carona com Mik e nos
próximos dias consegue me evitar, saindo cedo e só voltando tarde. Meus
vigias pelo campus disseram que ela ou está na livraria, na lanchonete ou na
fraternidade das princesas Kitsunes ficando com Tory. Depois de três dias é
o suficiente para mim. Suas aulas acabam às horas onze hoje, mas tinha
certeza de que ela não iria para casa, então a segui.
Como imaginava, ela recolhe uma bolsa de malhar dentro de seu
armário e vai até o banheiro da pista de corrida. Eu devia estar malhando
com os caras, mas não consigo evitar, Seraphina se tornou um vício. Ela
está se alongando na pista, alheia ao olhar dos homens ali, concentrada em
esticar seus músculos tensos.
Ela começa a correr, seus cabelos lisos num rabo de cavalo
balançando a cada passada dela. Me vejo fascinado por suas curvas e seu
corpo. Imaginar seu corpo suado contra o meu me faz aumentar meus
passos para ficar ao seu lado. Ela demora um pouco para me notar.
— Está me seguindo?
— Não, mas bem que eu queria que você corresse pela trilha do
Monastério. Adoraria te caçar.
Seraphina tropeça em suas próprias pernas e acaba batendo num
homem que estava correndo em sentido contrário.
— Olha por onde anda, vadia!
Ela arregala os olhos, mas eu já estou lá e com um empurrão o cara
está no chão. Antes que conseguisse abrir a boca eu o chuto no estômago
com força, o fazendo vomitar pelo chão. Seraphina puxa minha camisa.
— Pare! Você está louco?
Ela me puxa mais antes de se virar para mim e me empurrar.
— Por que fez isso?!
Ela está perguntando mesmo isso?
— Se eu não estivesse aqui ele teria te agredido e aí sim ia ficar
ruim pra ele.
Ela para, sem falar, mas também sem tirar os olhos de mim.
— O quê?
Ela morde o lábio.
— Acho que não estou te dando valor suficiente. Você me salvou de
morrer queimada, cuidou de mim, me salvou lá no cemitério, impediu de eu
ser agredida pelo menos duas vezes.
Não gosto do jeito que ela está me olhando. Não gosto mesmo.
— Então, a partir de agora seja mais cuidadosa para eu não precisar
te salvar. — Cuspo e corro, a deixando ali.
Encontro os caras já malhando na academia do campus e percebo
que, por ter seguido Seraphina, eu perdi o horário. Em breve teremos jogo e
não temos treinado o suficiente. O Monastério tem uma academia simples
lá para quando não quisermos ir nessa, mas aqui é maior e dá para todos
treinarem ao mesmo tempo.
— Ouvi dizer que Tatiana vai voltar das suas férias de Milão antes
do previsto. — Mik comenta.
— Quando ele quis dizer que ouviu, é na verdade fofoca de Irina. —
Kaz oferece rindo.
Mik continua a olhar para mim.
— E o que tenho a ver com isso?
Ao longo dos anos fiquei com Tatiana algumas vezes, ela é gostosa
e está sempre disponível, mas de um tempo para cá se tornou muito fácil.
Qualquer uma das mulheres aqui nunca ofereceram uma luta para manter
meu interesse, sempre dispostas a tudo que eu falar. Por um tempo me fez
sentir como um rei, mas depois só se tornou maçante.
— Só queria te avisar. Seu lance com Seraphina...
— Não tem nada e vocês sabem disso — grunhi levantando cento e
trinta quilos no supino com Anton como meu parceiro de treino.
Depois de malhar e treinar na pista voltamos para casa famintos.
Izma vinha em dias de treino principalmente querendo alimentar seus
meninos. Ela trabalhou na minha casa por muitos anos e quando vim para a
universidade pedi a meus pais para ela trabalhar para mim. Claro que eu
sabia que ela respondia a meu pai, mas não era uma delatora.
Nós fomos direto na cozinha onde Izma e Seraphina estavam
cozinhando. Farinha de trigo pontilhava suas bochechas suaves e só a vi
relaxada antes enquanto dormia.
— Chegaram cedo, meninos! Bem na hora do pão quentinho que
Seraphina sovou. — Izma tira uma fornada de pães em formato de pênis do
forno.
— Como vocês são tão machões achei que vocês gostariam.
Kaz segura um pão na direção do seu pau e Seraphina joga um
pouco de farinha na sua cara.
— Querida, eu sou bem machão mesmo. — Kaz brinca.
— Sabe, vocês acham que o hóquei os faz fodões, mas não durariam
nada fazendo uma apresentação. Empurrar e socar é fácil.
— Com certeza empurrar e socar é fácil. — Eu murmuro pegando
um dos pães e dando uma mordida.
Todos começam a atacar a comida, mas eu a observo, vejo
satisfação e orgulho. Seus olhos encontram os meus e eu vejo desejo. Ela
parece acordar de um transe.
— Eu preciso ir, vou encontrar Tory para uma festa do pijama hoje.
— Ela tira o avental e sobe as escadas.
Eu só percebo que estou bem atrás dela quando ela me olha por
cima do ombro enquanto caminha até o banheiro e deixa a porta aberta.
Fico na entrada, sabendo que se cruzasse o batente Seraphina não sairia.
Ela começa a desabotoar sua camisa com uma sensualidade
inocente, que eu sequer sabia que existia. Podia ver suas mãos trêmulas,
mas seus olhos diziam uma coisa diferente. Ela tira a camisa e chuta suas
calças, ficando com uma lingerie simples preta. Ela vira de costas para mim
e coloca o cabelo sobre o ombro enquanto tira o sutiã. Ela está de costas
para mim, mas sei que se virasse um pouco a cabeça poderia ver tudo
através do espelho, mas ainda assim não desvio os olhos dos seus.
Só quando a calcinha cai no chão eu percorro suas costas nuas, sua
cintura fina e delicada, as covinhas acima de sua bunda redonda e suas
pernas longas. Mal reparando as cicatrizes que ela me contou ter nos
quadris.
Ela não se vira antes de entrar no chuveiro, fechar a porta do box
atrás de si e ligar o chuveiro. Consigo ver seu corpo, mesmo quando o vidro
embaça. Suas mãos passando por seus seios cheios me deixando louco e
quando ela joga a cabeça para trás quase posso quebrar as dobradiças que
me mantém para fora.
— Você sabe que está brincando com fogo, certo? — pergunto, me
surpreendendo com a rouquidão da minha voz.
Ela passa a mão pelo vidro, deixando-me ver seu rosto
perfeitamente.
— Não sei do que está falando. — Ela brinca, com um pequeno
sorriso no rosto.
— Essa coisa de namoro. — Eu começo a falar, preciso garantir
antes que os homens comecem a dar em cima de Seraphina ao perceberem
quão gostosa ela é. — Todo mundo sabe que você é minha agora e espero
que você entenda que eu não sou bom em dividir.
Ela suspira, lambendo o lábio e acena.
— Sim, eu também não sou boa nisso de dividir.
Dou um passo à frente, mas ela morde o lábio.
— Estou atrasada.
Diaba. Me viro, a deixando ali sabendo que está em busca do prazer
que só eu posso lhe proporcionar, mas não está sabendo pedir. Eu a quero
implorando, para só então lhe dar o que precisa.
22
SERAPHINA

Eu só posso estar louca de estar provocando um homem como


Yurio, mas não posso evitar. Ele despertou um desejo em mim que eu nunca
senti antes; para mim sexo sempre foi algo superestimado, mas eu desejo
isso com ele. Só com ele. Uma chave virou na minha cabeça ao vê-lo me
defender na pista de corrida; desde que voltei ele sempre esteve lá para
mim, seja me irritando ou me salvando.
Só agora percebi que ele aceitou eu ter fingido ser sua namorada no
jantar, podia ter me deixado na mão, mas ainda assim esteve lá para mim
quando eu precisei. Talvez fosse a carência falando, mas eu estava
começando a gostar da presença dele.
O jeito que ele me olha... nunca fui olhada dessa forma e
provavelmente me assustaria se alguém me olhasse assim, mas com ele era
o completo oposto. Uma olhada e eu estava suspirando e o desejando.
Ele me olhando tomar banho foi de longe a coisa mais ousada que já
fiz e por isso saí rápido dali antes que ele voltasse. Não sei se estou pronta
para o sexo realmente e Yurio não parece ser um homem que faz amor
suave e lento.
Mando uma mensagem para Tory dizendo que preciso falar com ela,
mas ela não responde; como já havíamos combinado mais cedo de eu ir lá
não fico esperando sua resposta. Vejo a chave do carro de Yurio e paro ali,
pensando se pego o carro ou não. O máximo que pode acontecer é ele ficar
com raiva de mim, mas acho que raiva é um combustível entre nós.
Me sentindo aventureira eu abro a porta do carro, rezando
mentalmente para o carro não ter segredo, mas quem tentaria roubar o carro
de um Leonov? Lembro de Tory e eu aprendendo a dirigir, não foi uma
experiência agradável para o instrutor, mas foi muito divertido para nós
duas, apesar de só podermos pegar a carteira quando completarmos vinte e
um anos, que é a idade mínima. Duvido muito que algum policial vai me
parar se reconhecer o carro de Yurio.
O caminho até as Princesas Kitsunes é rápido, o difícil para mim foi
estacionar, nunca fui muito boa nisso, mas consigo fazer sem bater.
Uma das meninas da fraternidade abriu a porta da frente ao ver o
carro de Yurio e eu quase rio ao ver o desapontamento quando me vê.
Aproveito a porta aberta para entrar e subir as escadas, praticamente
correndo, doida para contar as novidades para Tory e pedir conselhos.
Não é como se eu quisesse Yurio como namorado real, mas como já
estamos nesse barco por que não aproveitar um pouco? Dou batidinhas
suaves em sua porta e ela não abre de primeira, então tento novamente e ela
abre com uma expressão séria.
— Estou ocupada agora, Seraphina.
Estranho ela estar assim, Tory jamais foi tão séria antes.
— Está tudo bem? — Tento tocar seu braço, mas ela me afasta como
se tivesse nojo de mim. — O que houve?
— Você! Estou cansada, Seraphina. De verdade.
Algo sério aconteceu.
— O que houve? São seus pais? Alguém está te perturbando?
Ela arregala os olhos e vejo medo, antes dela o cobrir com raiva.
— Não! — Ela grita. — Só você. Desde que chegou o mundo gira a
seu redor, você é o centro de tudo, a melhor. Estou cansada de ficar na sua
sombra mais uma vez! Sempre se fazendo de santinha só porque perdeu os
pais, isso cansa.
Dou um passo para trás como se ela tivesse me empurrado.
— Eu não sabia que você se sentia assim. — Minha voz sai trêmula
e pequena.
— Você nunca vê nada. Eu só preciso de um tempo.
Ela bate à porta na minha cara e eu ainda fico ali, tentando assimilar
o que aconteceu. Tory nunca deu sinais de que eu não estava sendo uma boa
amiga, mas talvez ela tenha razão, talvez o problema fosse eu.
Volto para o carro de Yurio e ele morre algumas vezes antes que eu
consiga ligar e tente fazer a baliza, acabo batendo no carro atrás de mim,
que começa a apitar, mas não posso parar agora. Termino a baliza e acelero,
só querendo sair dali o mais rápido possível.
Dirijo sem rumo, sem ter ideia de para onde vou, mas a ideia de
parar é assustadora para mim. Mais uma vez estou sozinha no mundo, mais
uma vez eu estraguei tudo.
Meu celular começa a tocar e vejo que é uma ligação de Yurio e eu
deveria devolver seu carro, começo a dar a volta e antes que eu perceba já
estou no Monastério. Estanco ao ver uma festa rolando na sala, mulheres
que já vi na faculdade estão usando saias ainda mais curtas do que as festas
de fogueira. Tento correr para meu quarto, mas há muitas pessoas na
escada.
Meus ouvidos começam a zumbir e as pessoas vão ficando cada vez
mais turvas e lentas. Meu coração começa a acelerar tanto que posso senti-
lo batendo contra minhas costelas com força. Estou tendo um ataque de
pânico.
— Ei, você está bem?
Sou suspensa no ar, braços fortes me segurando e vejo ser Anton,
que nem precisa gritar para que abram caminho para ele enquanto me leva a
meu quarto. Ele me deita na cama e coloca sua mão gigante, quase do
tamanho do meu rosto, em minha testa.
— Não está com febre.
Eu acabo rindo, mas em seguida um soluço seguido pelo choro vem
com tanta força que dói meu corpo inteiro. É como se toda a dor que tivesse
sido guardada desde a morte da minha família voltasse com força. Sinto
Anton se levantando da cama e não consigo nem agradecer por ele ter me
trazido aqui, o choro não deixa. Ele volta com um copo de água e alguns
doces e eu consigo sorrir um pouco antes que ele feche a porta atrás de
mim.
— Ninguém vai te incomodar — promete, me deixando lidar com a
minha dor.
Não sei quanto tempo choro, mas acabo adormecendo e quando
volto a acordar a música alta não existe mais. Vejo pelo celular que já passa
das três da manhã. Meus olhos estão vermelhos pelo choro e eu sinto que se
pensar em Tory vou chorar mais ainda. Nós podíamos consertar nossa
amizade, mas eu sempre lembraria das suas palavras.
Não. Não quero chorar mais. Em vez disso decido que preciso sentir
algo, qualquer coisa é melhor do que o vazio que estou sentindo, essa dor
no peito. Abro a porta e o corredor está deserto e escuro, o quarto de Yurio é
ao lado do meu e a porta está encostada. Talvez ele não fique tão puto se eu
lhe acordar com um boquete ou algo assim. Só quero que essa dor passe.
Empurro a porta e estanco ao ver outra mulher em sua cama. Eu não
deveria me sentir traída, mas depois do que houve mais cedo e nossa
conversa de exclusividade achava que isso se aplicava a ele também. Quero
bater e gritar, quebrar algo em cima deles, mas o vazio é maior.
Me viro para voltar para meu quarto, mas acabo de frente para eu
mesma e não é um espelho. Um grito sai de mim quando uma mulher igual
a mim estica a mão para me tocar e eu me jogo para trás, ainda gritando.
Isso não pode estar acontecendo, eu não posso estar ficando maluca como
minha mãe.
Tento correr, mas ela me segue, sua voz igual a minha me mandando
ficar quieta e me xingando. Minhas pernas cedem e eu caio no chão
enquanto grito, fechando os olhos e tampando meus ouvidos esperando que
essa alucinação vá embora.
Uma mão toca meu ombro e eu pulo de susto, gritando ainda mais,
tentando me afastar. É um sonho, tem que ser. Não pode ser verdade.
Abro os olhos por um momento e vejo Yurio olhando para mim
assustado. Todos os garotos e até mesmo os Sentinelas estão aqui, com
armas em punhos. Olho em volta, tentando vê-la, mas ela não está mais
aqui.
— Eu vi. Eu vi. Eu vi — continuo repetindo, puxando meus cabelos
e tentando apagar a imagem da minha cabeça.
— O quê? — Yurio pergunta.
— Eu vi ela. Eu vi ela.
E como se fosse um sonho tudo vai ficando escuro.
23
SERAPHINA
PASSADO

Estou esperando ser atendida por uma hora inteira até que a
secretária autorize minha entrada no escritório de Krigor Leonov, ele era um
homem ocupado e eu nem acreditava que aceitou me receber. Minhas
pernas estavam trêmulas, mas tentei manter meu rosto calmo para passar
credibilidade. Em minhas mãos havia uma maleta com todo meu histórico
estudantil, exames de inteligência e tudo mais que consegui recolher.
Não esperava muita coisa dessa reunião que provavelmente teria
quinze minutos, mas era alguma coisa. Engoli meu orgulho e tentei falar
com Yurio, mas foi só chegar perto que ele me olhou como se eu tivesse
uma doença contagiosa e me afastou.
Meus pais nem imaginam que eu estava aqui, papai teria um
derrame e mamãe reclamaria com as flores. Me levanto quando a secretária
acena para mim. É minha chance, não posso deixar escapar.
Bato na porta e quase corro dali quando vejo não só Krigor, como
também o Monstro da Bratva, Nikolai. Se entrar na sala com um dos
homens já era assustador, com os dois era uma versão de inferno.
— Pode se sentar, senhorita Petrova. — Krigor acena para a cadeira
disponível. Nikolai está em pé perto da janela, olhando para mim como uma
águia. — Fiquei surpreso com o seu pedido de reunião, seu pai sabe?
— Não. — Limpo a garganta. — Eu... eu... — penso em como essa
reunião vai guiar meu futuro e ajeito minha postura, talvez se eu agisse
como se fosse uma apresentação eu conseguisse me controlar. — Eu estou
aqui para me oferecer como a próxima contadora dos Petrova. — Engulo
seco. — Como sabe, meu pai não teve um filho homem para continuar o
legado da minha família, mas eu estou apta para o fazer.
Krigor só olha para minha cara, mas quando faço menção de abrir a
maleta Nikolai surge e pega da minha mão, abrindo com cuidado... como se
fosse uma...
— Não é uma bomba! — Eu exclamo antes de tampar minha boca.
Os irmãos Leonov explodem em gargalhadas, me deixando mais
assustada e envergonhada pela minha escolha de bolsa.
— Nós precisávamos verificar. — Krigor fala tentando ficar sério.
— Prossiga.
Nikolai abre a bolsa e coloca em cima da mesa, a contragosto
começo a mostrar minhas notas e me sinto cada vez mais idiota.
— Eu tenho sido a melhor aluna em anos, até mesmo que seu filho
— falo quando ele observa as notas e não fala nada. Ele levanta seu olhar
frio, mas eu o seguro. Não vou me envergonhar por ser melhor que Yurio
nas aulas.
— Estou ciente disso.
Cada minuto estou suando mais e mais.
— Eu também sou destaque em patinação, já competi com outras
máfias e venci todas. É uma vitória para nós, certo?
Ambos trocam um olhar como se tivessem pena de mim. Krigor
olha seu relógio e eu sei que meu tempo está acabando.
— Eu só queria um acordo. Ir para a universidade daqui, me formar
em contabilidade e trabalhar ao lado do meu pai e assumir quando ele se
aposentar. Eu juro que vou dar meu máximo e nunca vou trair vocês ou algo
assim.
Ele entrelaça os dedos, vendo meu desespero, mas não
demonstrando emoção.
— E o que você ganharia com isso?
É uma resposta capciosa, se eu respondesse que não queria me casar
ele poderia tomar isso como uma ofensa, mas se eu não falasse ele não
interromperia os contatos do meu pai.
— Eu gostaria de estudar sem o peso de um casamento, estou
disposta, mas prezo muito minha educação. Gostaria de tempo, até que me
formasse, para me casar com alguém de dentro, claro. Também gostaria de
continuar competindo na patinação.
Ninguém responde por um longo tempo.
— E se patinar não for possível, você ainda vai querer esse acordo?
— É Nikolai falando.
Meus olhos marejam, mas eu respiro fundo. Perder algo que se ama
para ganhar algo.
— Sim, eu aceitaria.
Krigor recolhe os papéis, bate-os na mesa e coloca dentro da minha
maleta.
— Nós entraremos em contato com você, Senhorita Petrova.
Me levanto trêmula e uma lágrima cai para meu horror, não quero
ser vista como fraca. Pego minha maleta, mas quando chego à porta me viro
para eles.
— Com todo o respeito, seria um erro não aceitar o acordo, estamos
no século vinte e um e as mulheres já se mostraram melhores que os
homens muitas vezes. Posso não ter muito músculo ou tamanho, mas eu sou
leal, inteligente e determinada.
Me viro e consigo não bater à porta, quando saio dali meu pai está a
alguns metros, me olhando decepcionado.

***

— Você nos envergonhou! — Meu pai grita assim que pisamos


dentro de casa.
Ele veio se corroendo durante todo o caminho, mas não disse nada
em nome da aparência. Ele nunca foi agressivo enquanto eu cresci, nunca
me bateu, mas agora parecia pronto para fazer isso.
— Eu? Você me envergonha por me tratar como um pedaço de
carne!
O tapa vem com força, eu caio no chão, segurando minha bochecha
queimando.
— Você não pode agir nas minhas costas indo ao Pakhan!
— Eu sou sua filha! Estou com medo! — grito. — Eu não quero me
casar agora, não quero ficar como mamãe.
— Não fale dela! — Ele aponta um dedo para mim.
— Você é o culpado dela estar assim. — Me levanto. — Ela
precisava de ajuda, de um médico e você não fez nada!
Já estou soluçando essa hora. Minha mãe interrompe a sala
dançando, nem percebendo que sua roupa está do avesso e seus cabelos
para o alto.
— Eu só quero uma família normal! Odeio vocês! — grito e corro
para meu quarto.
Meu rosto está queimando de dor, mas meu coração está partido. Eu
estou sozinha. Durante o sono sinto-me acolhida, mas pela manhã, quando
acordo de um pesadelo, o peso que sinto em meu peito não vai embora
durante todo dia. Não atendo as ligações deles e quando chego em casa o
pesadelo que encontro é real.
Minha irmã está morta.
24
SERAPHINA

Acordo na manhã seguinte cedo e começo meu dia alimentando


Oscar, escolho uma roupa e caminho para o banheiro indo direto para o
chuveiro. Só quando já estou lá dentro me lembro que hoje é sábado. Não é
o ideal acordar cedo no sábado, ainda mais com a dor de cabeça que eu
estou, mas posso fazer meu dia produtivo. Ivy comentou que tem uma
padaria incrível no centro e poderia chamar Tory.
Tory... me lembro de suas palavras e vou dar o tempo que ela
precise, mesmo que me doa. Só quando eu saio do chuveiro que me olho no
espelho e um grito fica preso na minha garganta. Sou só eu, repito a mim
mesma.
Tento lembrar da noite passada, mas um arrepio me toma. Era uma
alucinação ver a mim mesma no corredor. Troco de roupas e preciso de
respostas. Eu não estou maluca. Eu não sou como ela.
Depois de vestida saio encontrando todas as Bestas no corredor
sentados adormecidos. Anton estava contra minha porta, então acorda assim
que eu a abro. Ele rapidamente se levanta.
— Seraphina.
Os outros começam a acordar e eu coro de vergonha, querendo
morrer. Eu realmente surtei ontem.
— Nós ficamos preocupados. — Ele diz com cuidado. — Você disse
que viu alguém ontem à noite aqui em cima?
Eu engulo seco, mas ainda que seja uma má ideia eu falo:
— Havia uma mulher. Era igual a mim. — Cruzo os braços quando
um arrepio vem.
Eles se entreolham e eu já vi muito esse olhar antes, eu mesma os
dei a minha mãe.
— Havia alguém aqui ontem à noite! — falo firme, mas aos poucos
vou percebendo que só piora as coisas.
— O que estava fazendo no corredor nesse horário? — Yurio
pergunta saindo de seu quarto com o cabelo molhado, mostrando que tomou
banho. Um ódio forte vem quando o vejo e preciso morder minha língua
para não gritar e partir para cima dele.
— Talvez eu estivesse sonhando. — Tento, olhando para qualquer
um menos ele. — Eu sinto muito por fazer vocês dormirem no corredor.
Eles tentam brincar, mas eu estou longe de ouvir qualquer coisa
quando começo a descer as escadas. Só quero sumir.
— Aonde está indo? — É Mik que pergunta.
Eu poderia mandar ele tomar no cu, mas todos ficaram preocupados
comigo e lembro das palavras de Tory dizendo que eu gosto de atenção.
— Vou tomar café com Ivy na cidade.
— Eu te levo. Não quero você andando sozinha por aí. — Yurio fala
e isso me faz parar nos degraus e finalmente olhar para ele.
— Não quero nada de você.
— Eu levo. — Anton intervém.
Termino de descer as escadas e dou um pequeno sorriso para Izma,
que está limpando a sala. Eu deveria ajudá-la, já que ninguém o faz, mas só
quero sair daqui. Anton não fala nada durante o caminho até o campus e me
sinto péssima quando bato na porta de Ivy e ela abre ainda adormecida.
Meus olhos marejam de vergonha e tento pedir desculpa, mas ela
segura minha mão.
— Vem, entre. — Me sento em sua cama desfeita e coloco a cabeça
entre as mãos enquanto choro. — Tudo bem, eu estou aqui.
Aos poucos meu choro passa e ela me dá um copo d’água.
— Me desculpe — peço. — É muito cedo e tudo mais.
— Está tudo bem. Eu normalmente acordo cedo mesmo, você fez
um favor.
Limpo o ranho na minha blusa. Eu sou patética.
— Eu queria te chamar para tomar café comigo naquela padaria que
você falou.
— Eu vou adorar. Só espere um pouco que vou tomar um banho.
Ivy e eu saímos do prédio com ela contando como é a padaria,
mantendo o assunto leve, não me pressionando a falar e eu gosto disso. Nós
duas paramos quando vejo Anton encostado em seu carro.
— O que ainda está fazendo aqui? — pergunto.
— Eu disse que levaria vocês.
Olho para Ivy, que dá de ombros e deixamos Anton nos levar. Do
campus para a cidade leva quase uma hora e me sinto mal por ele ter
perdido sua manhã comigo. Nós duas saímos do carro e eu paro na sua
janela.
— Obrigada por ter nos trazido e não precisa nos esperar. Nós
podemos voltar por carro de aplicativo.
Ele olha para a vitrine da padaria por tempo demais e Ivy vê o
mesmo que eu porque acena suavemente.
— Quer entrar conosco?
Ele acena saindo do carro.
— Eu estou faminto. — É sua resposta.
Enquanto Anton vai direto para o buffet nós duas vamos para uma
mesa.
— Sinto muito por tudo isso. Você nem deve querer mais ser minha
amiga. — As palavras saem rápidas assim que nos sentamos.
Ivy ri.
— Está tudo bem, juro. Está sendo um sábado animado para mim.
— Ela abre o cardápio. — Juro que as bombas de chocolate aqui são
incríveis, tem a opção de sorvete em cima que é de cair o queixo.
Deixo ela escolher o que vamos comer e Anton volta para a mesa
com uma montanha de coisas em cima do prato.
— Não há maneira de você comer isso tudo — exclamo, assustada
pela mistura que ele fez. Juro que tem coisas salgadas e doces misturadas.
Ele sorri de canto de boca.
— Me observem.
Eu não devia ter duvidado dele, Anton é um gigante com mais de
dois metros, musculoso e sua mão era maior que minha própria cabeça. É
claro que ele comeria essa montanha sem problema. Depois de acabar com
tudo que havia no prato ainda come as entradas e sobremesas que Ivy nos
sugere. No final estou tão cheia que quase tenho que abrir o fecho do meu
jeans.
— Eu vou lá pagar nossa conta. — Ele fala se levantando.
— Não precisa. — Ivy começa a abrir a carteira, mas ele a parou.
— Eu insisto. Nunca comi algo tão delicioso antes.
Assim que somos deixadas sozinhas, não posso deixar de perguntar
algo que está rolando em minha mente.
— Ivy, eu acho que eu vi algo estranho ontem à noite. — Engulo
seco.
Ela segura minha mão.
— Pode me contar.
— Eu saí do quarto pela madrugada e no corredor havia uma
mulher... era igual a mim. Eu tomei um susto e acho que caí no chão e
quando dei por mim ela sumiu.
— Tipo um espelho?
Aceno.
— Mas não havia espelhos no corredor. Eu sinto que estou ficando
maluca.
Ela não me olha como se eu fosse doida.
— Tem uma série de razões lógicas. Talvez você estivesse meio
adormecida, talvez... alguém colocou um espelho lá e em algum momento
tirou... — Ela pensa.
— Eu tenho certeza de que era real. Ela até esticou a mão para me
tocar, me mandou ficar quieta.
Anton volta à mesa para nos buscar e com destreza Ivy muda de
assunto. Nós decidimos caminhar um pouco pela cidade para esticar as
pernas e Anton nos acompanha. Ivy percebe no mesmo instante que eu que
isso não era um passeio com um amigo. Ele estava sendo meu segurança.
Nós paramos em frente a uma floricultura e eu aproveito para
comprar novas flores para Lily, então encerramos o passeio. Deixamos Ivy
no dormitório antes de voltarmos para o Monastério.
— Eu não sou maluca. — Não sei se digo isso para ele ou para mim
mesma. Ele não responde.
A porta da frente se abre e Yurio também está lá. Então eu explodo,
saio do carro de Anton batendo a porta com força e com uma mão seguro as
flores e com outra aponto o dedo para Yurio.
— Eu não quero guarda-costas. Quero que você vá para o inferno!
Eu te odeio!
Não sei realmente de onde veio tanta raiva, mas parece que só
aumenta conforme ele se aproxima. É como se eu fosse aquela menina de
dezessete anos novamente tendo seu coração quebrado, e pelas mesmas
pessoas. Mais uma vez Yurio escolheu Tatiana a mim e isso dói, ou talvez
fosse só meu ego falando depois de ver o jeito que ele me olhava, pois achei
que era mais.
Me viro caminhando para a trilha do cemitério, batendo o pé no
chão com força. Escuto passos atrás de mim, olho por cima do ombro e vejo
Yurio correndo para me alcançar. Um impulso de medo toma meu corpo e
eu mudo o caminho, correndo entre as árvores tentando escapar dele. Largo
as flores no chão para tentar aumentar o ritmo da corrida. Estou ofegante,
depois que consigo um bom afastamento, mas é só eu parar para tomar
fôlego que consigo escutar seus passos rápidos cada vez mais perto e volto
a correr para salvar minha vida dessa vez.
Ele está me alcançando, pior do que isso, sinto meus pés diminuindo
a velocidade, esperando que ele me embrenhasse como um predador. Que
me devorasse até que não sobrasse nada, até que eu não fosse nada. Eu
queria isso, eu merecia isso.
Meus pés cederam e um alívio me escapou quando senti seu corpo
sobre o meu. Sua mão agarrando meu cabelo num aperto firme, enquanto
sua voz rouca arrepiava até minha alma.
— Não é uma caçada se a caça quer ser devorada, amor.
— Não me chame assim. — Eu me debati, sentindo as pedras e
cascalhos contra meus jeans.
— Se você achou que esse era o fim do jogo, está enganada.
Ele se levanta e eu me contorço, chocada que ele simplesmente se
afastou. Isso não deveria acontecer assim. Ele não me puxa do chão,
levando seu tempo me observando. Eu também não me mexo, pois dessa
vez o medo me toma. Ele realmente era um predador, não numa brincadeira.
Não quando ele saca a sua arma e aponta direto para mim.
Perco a respiração e mal percebo que levanto do chão, meus pés
escorregando no cascalho enquanto tento correr, mesmo quando minhas
pernas falham. Consigo me afastar só mais uns metros antes que ele me
derrube e monte em cima da minha barriga, posso sentir sua ereção dura
contra a minha barriga, mas qualquer excitação vai embora quando a arma é
colocada contra a minha cabeça. Uma lágrima escorre do meu olho e ele
observa sem emoção. Vazio.
— Não era isso que você queria?
Tento falar, mas a minha voz não sai. Tinha certeza de que se ele me
matasse não haveria corpo para ser enterrado, provavelmente seria jogada
em alguma vala nessa clareira. Ninguém sentiria minha falta, ninguém
ligaria para meu sumiço.
— Implore.
Sua voz me arrepia, mas uma força dentro de mim me impede de
fazer isso. Eu não imploraria pela minha vida como muitos outros fizeram.
— Não.
Aproximo mais minha cabeça do gatilho e um sorriso sádico toma
seu rosto. É tão assustador quanto bonito, uma bela besta.
— Ah, amor. Você não sabe o que acabou de fazer.
— O quê? — pergunto receosa.
Ele se abaixa, até seus lábios quase encostarem nos meus.
— Mostrou que você é perfeita para mim.
Então ele puxa o gatilho e eu não fecho os olhos, esperando que o
ódio em meu olhar o assombre pelo resto da sua vida.
25
Não fale, não, não tente
Tem sido um segredo por um bom tempo
Não fuja, não, não se esconda
Estive fugindo disso por um bom tempo
Shameless — Camila Cabello

YURIO

Seu ódio tem um gosto bom, enquanto observo Seraphina abraçar a


morte um arrepio me toma. Pessoas com nada a perder são capazes de tudo.
Eu queria assustá-la para que ela não tentasse fugir de mim novamente, mas
em vez disso ela parecia querer a morte. Quando ela percebe que ainda está
viva parece decepcionada. Eu deixo a arma de lado, mas não me levanto de
cima dela.
— Me deixe ir. — Sua voz falha.
Que Seraphina era diferente de qualquer mulher que conheci era
óbvio, mas tão louca quanto eu era uma certeza que só tive agora. Em vez
de a deixar ir seguro seu queixo e tomo seus lábios com violência. Suas
mãos agarram minha camisa com tanta força que ela se rasga. Eu puxo sua
blusa pela cabeça e nós dois parecemos animais enquanto nos livramos da
nossa roupa. Seraphina geme quando arranco sua calcinha com violência,
deixando uma marca vermelha em seu quadril.
Agarro sua perna, a levantando sobre o meu ombro e guio meu pau
na sua entrada, dando-lhe uma única chance de me negar, de fugir. Sua
boceta estava molhada, seus mamilos pontiagudos implorando para serem
chupados.
— Diga.
Quero vê-la implorando pelo meu pau, assim como disse que ela
faria. Suas unhas se cravam em minhas costas o suficiente para me fazer
sangrar, mas eu sorrio em vez de sentir dor.
— Diga. — Esfrego a cabeça por toda a sua boceta e com um toque
ela está gozando, gemendo gostoso meu nome.
— Por favor, Yurio...
Antes que termine de implorar eu dou um impulso para dentro e ela
solta um grito dentro dessa floresta, mas sou eu que estou no paraíso. Quase
gozo só por ter entrado dentro dela, tão apertada, tão quente e macia.
Lágrimas escorrem de seus olhos e eu gosto delas. Gosto muito.
— Por favor. — Ela implora e eu desacelero, mas suas unhas se
fincam na minha bunda. — Mais.
Então eu abaixo meu corpo sobre o dela, sentindo seus seios
rasparem em meu peito me deixando louco. Volto a tomar seus lábios
enquanto a fodo com raiva. Raiva por ela estar me arruinando para qualquer
outra mulher, por ela ver o monstro em mim e ainda querer. Por ela ter
selado nosso destino e que não abrirei mão dela, uma vez que a tive.
Lambo suas lágrimas e tomo seus lábios novamente enquanto
seguro seu queixo para impedi-la de se mover. Seus gemidos contra minha
boca me levam à loucura, mas quando ela goza com seu corpo tremendo,
tentando escapar de mim, é quando sinto que mesmo com os meus pecados
estou no paraíso.
Um pouco de juízo me toma e tiro meu pau dela para gozar sobre
ela, a marcando como minha. Meu pau inteiro está com sangue e olho a sua
boceta inchada e com sangue. Virgem.
O orgasmo sai de mim triunfante, sujando toda sua boceta, sua
barriga e seus peitos com minha marca. Agarro seus cabelos, levantando sua
cabeça para juntar nossos lábios.
— Você é minha.

***

Seraphina desmaia, mas a marcação está feita. Nunca achei que


encontraria alguém com os mesmos desejos que eu e agora não vou deixá-la
ir. Sempre achei que ela era a miss perfeitinha sem defeito, ela havia
deixado um pouco de si à mostra para mim naquele baile, mas achei que era
um truque para atrair minha atenção.
Belisco seu mamilo com vontade e ela geme, me olhando com os
olhos saciados de desejo.
— Se vista, te quero na minha cama.
Isso faz seu rosto se transformar numa carranca e ela se levanta,
vendo seu estado e resgata minha camisa rasgada no chão e começa a tentar
tirar o meu sêmen de seu corpo.
— Pode tirar, logo terá mais — comento subindo minhas calças.
Ela passa entre as pernas e a camisa branca fica com uma pequena
mancha vermelha. Ela faz uma bola com a camisa enquanto se veste
rapidamente, na medida do possível, mas parece adoravelmente fodida. Me
aproximo tirando as folhas secas de seu cabelo.
— Vamos precisar de um banho. Banho e cama.
Ela bate na minha mão.
— Acho que sua cama já está cheia demais!
Então é por isso que ela estava com raiva. Seguro seu queixo
quando ela tenta se afastar de mim.
— Não sei por que Tatiana achou que era uma boa ideia invadir meu
quarto enquanto eu estava dormindo, mas ela não o fará novamente. —
Minha voz sai tão ameaçadora que Seraphina estremece.
— Mas ela...
— Não a fodi. Ela foi embora assim que a gritaria começou.
Ela tenta desviar o olhar, mas eu ainda o seguro. Quando a vi
daquele jeito ontem senti medo que ela não voltasse, que ela estivesse fora
da mente depois de ver Tatiana na minha cama. Seraphina continuava
falando que viu ela, mas só fui descobrir que ela , era ela mesma.
— Nós vamos conversar sobre isso, mas não aqui.
Olho em volta, depois de alguns segundos identificando que
estávamos perto do lago. Seraphina estremece pela manhã fria e eu a puxo
para mim enquanto caminhamos.
— O Monastério é pelo outro lado. — Ela aponta para um lado
diferente e eu rio.
— Amor, você está mais perdida do que pensa.
A levo até uma grande pedra e ao lado dela tem a passagem.
Seraphina hesita entrar no corredor escuro com medo, mas eu ligo a
lanterna do meu celular e ela faz o mesmo, caminhando colada a mim.
— O Monastério foi feito com essa saída para a opressão na época,
mas foi usada para contrabando de álcool cem anos atrás. — Nós paramos
no portão de ferro que dá para dentro do Monastério e eu franzo a testa ao
vê-lo entreaberto. — Isso devia estar trancado para evitar invasão.
— E como poderíamos sair em uma emergência? — Ela pergunta e
eu adoro como ela se incluiu.
Beijo seu pescoço.
— A tranca é a própria porta. — Mostro para ela a engrenagem
escondida entre as pedras para abri-la. — No escuro e com medo, quem
tentasse invadir não iria encontrar com facilidade.
Nós entramos e eu fecho a porta atrás de mim. Seraphina coloca a
lanterna para ver a sala onde estamos e um sorriso me toma.
— Essa é a tumba da igreja. — Ela pula de medo adoravelmente,
não parecendo a mulher que me desafiou a atirar nela.
— Tem corpos aqui? — Ela sussurra se agarrando a mim com medo.
— Tinha muitos de padres e freiras, mas eu tive que retirar para
colocar os corpos dos meus inimigos.
Ela percebe que estou brincando e bate em mim.
— Palhaço.
— Aqui foi feito para isso, mas era usado para guardar o
contrabando. Hoje em dia uso para reuniões secretas.
A levo até as escadas e seguro sua mão, ela olha para nossas mãos
juntas antes de levantar a cabeça para mim.
— Eu estava falando sério. Você é minha agora, Seraphina.
— Não pode decidir isso sozinho.
Mas não faz nenhuma menção de soltar minha mão. Eu a pressiono
contra a parede de pedras da escada, sob a luz fraca vindo lá de cima.
— A partir do momento que você gozou e deixou seu sangue virgem
por todo meu pau, você concordou em ser minha, Seraphina.
Mordo seu pescoço e ela geme me puxando contra si. Sua boceta
deve estar dolorida, só por isso a deixo sem fodê-la para demonstrar meu
ponto. Nós subimos o resto dos degraus que dá para uma entrada embaixo
das escadas e fecho a porta atrás de mim enquanto subimos.
Encontro alguns dos meus amigos, mas eles não comentam nada ao
ver nosso estado pelo olhar que lanço a eles. Já no meu quarto eu vou até
meu banheiro e ligo a banheira, imaginando que Seraphina irá gostar. Volto
para o quarto e a encontro olhando para a janela.
— Aqui tem uma vista direta para a entrada do cemitério, você me
via? — Ela pergunta sem tirar os olhos lá de fora.
— Desde a primeira vez que entrou no meu território.
Vejo a marca de meus dentes em seu pescoço e me sinto vitorioso
por ela estar toda marcada de mim, com meu sêmen secando em sua pele e
seu sangue no meu pau.
— Vem, vamos tomar um banho.
Não tenho porra de sais de banho ou algo do tipo, mas sabonete
líquido deve servir. Ajudo Seraphina a tirar as roupas e estou duro como
pedra, mas tenho paciência. Entro na banheira e a ajudo em seguida, a
colocando apoiada em meu peito enquanto tiro mais folhas e galhos presos
em seus lindos cabelos.
Ela relaxa em meus braços e é reconfortante que esteja confiando
em mim. Depois que ela lava os cabelos com meu shampoo e condicionador
eu passo sabonete por todo seu corpo, com delicadeza em sua boceta.
— Me diga, o que aconteceu ontem?
Ela não se vira para mim, mas sei que está envergonhada depois do
seu colapso.
— Eu acho que devia estar meio dormindo ainda, achei que tinha
visto algo, mas era minha mente pregando peças. — Dá de ombros, mas
parece muito incomodada.
— O que você viu? — A viro para mim.
— Eu vi eu mesma, Yurio. — Seu olhar assustado me faz puxá-la
para mim.

***

Depois do banho Seraphina apaga em minha cama, mas eu não


consigo dormir e decido descer para comer algo. Os caras me dão sorrisos
ao me ver sozinho.
— Eu vi o que Seraphina fez com suas costas cara, ela é uma
gatinha selvagem. — Kaz brinca e eu o ignoro abrindo a geladeira.
Eles continuam a brincar de como Seraphina domou a besta, mas
estou tão relaxado que os ignoro.
— Ei, cara. Podemos conversar? — Matvei pergunta se
aproximando.
— Você também não — resmungo, mas ele não sorri mostrando que
é sério. — O que é?
— Você me pediu para investigar Seraphina depois da noite da
iniciação, lembra?
— E?
Ele engole seco e fala em voz baixa para que os outros não escutem.
— Acontece que ontem não foi a primeira crise que ela teve.
Seraphina passou praticamente o último ano em uma clínica psiquiátrica em
Nova Iorque.
26
SERAPHINA

Eu não devia estar tão animada ao acordar, mas é o que acontece


quando se dorme nos braços de um homem. Não um homem qualquer, mais
Yurio Leonov. Ele não pediu minha opinião quando voltamos para seu
quarto depois de passarmos o dia todo no quarto e jantarmos pizza na cama.
Em algum momento durante a noite eu acordo quando escuto um
pequeno barulho. Ainda estou sonolenta e sou saudada por Yurio sentado
numa poltrona, olhando diretamente para mim enquanto se masturba. Não
tomei o remédio para dormir essa noite, mas finjo estar dormindo.
Estava com sua camiseta como pijama e cheirava a ele com seu
shampoo e condicionador. Ele até me conseguiu uma escova de dentes nova
para que eu não deixasse o seu quarto e fosse para o meu. Ele não tentou
transar novamente comigo, mas isso não significa que ele não descreveu o
que faria comigo quando eu estivesse curada totalmente.
Gemo baixo e com os olhos entreabertos vejo que ele parou de se
tocar e se levanta, sua ereção em sua mão enquanto se aproxima do meu
rosto. Para mostrar que quero isso abro um pouco os lábios e é preciso tudo
de mim para não sorrir quando ele xinga baixo.
Ele traça a sua cabeça contra meus lábios, os molhando com pré-
sêmen e eu chupo de leve, como se ainda estivesse dormindo. Yurio toca
minha cabeça com delicadeza, colocando meus cabelos para atrás e
inclinando minha cabeça na melhor posição. É a minha primeira vez
chupando um pau e não tenho ideia se o que estou fazendo é certo, mas os
gemidos e grunhidos de Yurio provam que estou indo pelo caminho certo.
Sinto sua mão passando por minhas costas até chegar na minha
bunda e como só estava usando sua camisa, sua mão desliza para minha
boceta, mas não a penetra, brincando com meu clitóris. Um gemido sai de
mim, e ele usa isso para se enfiar mais dentro de mim, mas parece gostar
muito que eu chupe e brinque só com a cabeça do seu pau.
Como se eu tomasse um choque meu corpo inteiro treme com o
orgasmo enquanto sinto o gosto salgado na minha boca. Engulo e beijo a
sua cabeça, por não ter ideia do que fazer a seguir.
Yurio ri e se deita ao meu lado.
— Eu sei que está acordada.
Abro os olhos e ele beija meus lábios.
— Acho que já percebeu que eu tenho gostos peculiares.
Eu rio.
— Não sei o que te entregou. — Rolo os olhos e traço os dedos em
seu peito. — Eu gostei de tudo que você me mostrou até agora.
— Tem certeza? — Ele parece meio preocupado.
Eu levanto a cabeça para olhar bem em seus olhos.
— Pode fazer o que quiser comigo, até quando eu estiver dormindo.
— É uma promessa? — Seus olhos queimam de tesão.
— Sim.

***

Queria passar o domingo igualmente na cama, mas hoje havia jogo


de hóquei e minha presença era solicitada. Ele até me deu uma camisa com
seu nome e número para usar. Já estava mandando mensagem para Tory,
mas então lembrei e apaguei. Ivy não ia aos jogos, mas prometi que seria
legal e ela era minha única amiga no momento. Pela primeira vez eu estava
numa vibe feliz e me senti como Tory arrastando sua amiga antissocial.
Quando foi que os papéis se inverteram?
Enquanto me preparava não pensei que encontraria Tatiana lá, mas
Yurio era muitas coisas e mentiroso não estava entre elas. Se disse que não
havia transado e expulsado ela eu acreditaria, até jogaria isso na sua cara se
ela tentasse me irritar. Tatiana fazia parte do nosso meio, mas era alguns
anos mais velha que eu, então nunca tive contato além do cumprimento. Eu
não tinha ideia se ela era uma vadia fingida como Irina ou simplesmente
uma vadia.
Ivy prometeu me encontrar lá, claro que ela não sabia que Yurio
pediu para que eu ficasse na primeira fila porque ela estava o mais distante
de lá e arregalou os olhos quando acenei para ela. Ivy não tinha ideia do que
havia acontecido entre nós dois.
Tory estava com a sua turma e nem olhou na minha direção, alguma
coisa estava muito errada. Ivy se sentou ao meu lado, nossos lugares eram
incríveis e a nostalgia me tomou ao ver o gelo recém-alisado. Era perfeito,
amava ficar escondida enquanto eles alisavam o gelo para as outras pessoas
que alugaram a pista e sempre dava um jeito de patinar sobre ele, mesmo
que fosse por alguns minutos.
Nikolai Leonov e sua esposa Sophia se sentam do meu lado e dou
um sorriso, sem intimidade nenhuma para puxar conversa e Nikolai também
não era um poço de simpatia, a cara tão fechada que nem parecia querer
estar lá, ao contrário de sua esposa, que está aplaudindo e cantando junto
com os fãs o hino desse time.
As Bestas têm poder, vão derrubar, vão esmagar, vão fazer vocês
sangrarem. Sim, um hino ótimo para crianças. Alguém joga pipoca em
nossas costas e vejo Rice rindo com os amigos, decido ignorar, feliz demais
para arranjar confusão agora, mas bastou uma olhada de Nikolai para eles
até mesmo se levantarem e mudarem de lugar, me fazendo rir.
Os jogadores do outro time são apresentados e entram em campo
rodando a pista com aplausos da sua plateia, que é bem menor que a nossa,
mas é quando as Bestas do Monastério entram que a gritaria começa. As
pessoas gritam loucamente e eles se divertem com o fanatismo.
Grigory, em seu uniforme preto e vermelho com a faixa vermelha de
capitão no braço, se reúne com seu time uma última vez antes do jogo e dá
algumas palavras que facilmente poderiam tanto ser um insulto quanto um
discurso. Matvei é o goleiro, rápido e esperto que parece ter sentidos de
aranha, Kaz e Anton são os defensores que de longe são mais altos que os
defensores do outro time. Yurio, Mik e Grigory são os atacantes e eles
jogam tão bem passando o disco entre eles que parece quase uma
coreografia.
Alguns dos reservas são Sentinelas e estão vibrando quando o jogo
começa. Os chamados criados vêm até nós aqui e oferecem uma lista de
comida para buscarem e depois de ver que Nikolai e Sophia aceitaram, Ivy
e eu pedimos cachorro-quente e refrigerante.
Cada tempo tem vinte minutos e no primeiro intervalo deles Yurio
patina até mim e bate no vidro que nos separa e joga um disco para mim,
me fazendo sorrir. Ele está sem seu capacete e pisca para mim antes de
voltar para seus amigos. Nunca pensei que ele fosse do tipo romântico.
— Uau. — Ivy diz corada. Eu empurro seu ombro.
— Nós transamos, foi a minha primeira vez — sussurro sem
conseguir mais guardar a informação. — Provavelmente ele está sendo doce
para ter sorte mais tarde novamente.
Seus olhos se arregalam e ela não consegue dar nem sua opinião,
porque uma batida no vidro faz a gente virar para frente e Yurio está ali com
um sorriso convencido no rosto, muito provavelmente tendo lido meus
lábios.
Alguém do outro time passa atrás dele e fala alguma coisa e vejo a
diversão deixar o olhar de Yurio e se tornar algo sombrio, mortal. Yurio se
vira para o cara e fala alguma coisa antes de seu punho bater com toda a
força na cara do homem, que cai. Outro cara do outro time se aproveita e
vem já dando um soco na cara de Yurio e uma briga generalizada dentro do
gelo começa.
Tento me levantar, mas Nikolai coloca a mão na frente.
— Não. Deixe-o.
Me sentar e ver as lutas acontecendo sem poder fazer nada é
horrível, há tanto sangue e grito! Quando alguém é jogado contra o vidro,
percebo que é o cara que falou algo para Yurio. Ele está sangrento, sujando
todo o vidro enquanto Yurio esfrega seu rosto como se fosse um troféu para
mim.
Como esperado, o jogo é cancelado e todos saem com raiva. Vejo
Tory partindo com as suas amigas. Yurio chega até a gente, seu lábio
cortado e um pequeno hematoma em sua bochecha, mas não mais que isso.
Vi alguns do outro time precisando ser carregados.
— Vamos fazer uma pequena festa só para gente lá em casa. — Ele
virou para Nikolai. — Vocês vão, certo?
Nikolai acenou e convenci Ivy a vir junto, depois de ter acabado
com o jogo preciso compensar um pouco. Muito melhor do que as festas
lotadas de gente, o Monastério estar só com os membros e convidados
íntimos me faz relaxar, isso até Irina chegar junto com Tory.
Chegamos ao mesmo tempo em que as comidas pedidas, então
conseguimos comer tudo bem quentinho. Sophia parecia uma boneca de tão
bonita, com longos cabelos loiros e olhos azuis delicados.
— Então, meninas, o que vocês estão estudando?
— Eu estou fazendo contabilidade.
— Eu estou estudando língua inglesa. — Ivy responde timidamente
e Irina bufa.
— Como se alguém quisesse saber. — Ela olha para sua irmã com
tanto desdém. — E o que está fazendo aqui, afinal?
— Irina, Ivy é minha convidada e é melhor você falar direito. — Eu
digo, acho que ela já se esqueceu que eu sou ainda melhor má.
Ela começa a abrir a boca, mas Mik pega sua mão, tentando chamar
atenção e impedir uma cena, de canto de olho vejo Tory me olhando, mas
devia quando nossos olhares se encontram.
— Eu tranquei minha matrícula esse ano, estava estudando
psicologia aqui. — Sophia volta ao assunto, ignorando Irina. — É o
primeiro ano de vocês, né?
— Sim e está sendo um tanto caótico — comento lançando um olhar
a Yurio, que levanta seu copo para mim como brinde.
Sophia ri.
— Imagino, nem eu mesma quis entrar no Monastério. Você é muito
corajosa.
— Você limparia o chão com eles, princesa. — Nikolai fala
piscando para ela, que cora adoravelmente.
Nós terminamos o jantar e vamos para a sala, Sophia mantém a
conversa leve falando do clube que tem com Lara e de como somos bem-
vindas lá.
— Eu estive uma vez lá antes da mudança, no spa fiz uma
massagem — comento me lembrando de quando fiquei sobrecarregada e
Yurio me levou lá, desde aquela época ele se importava comigo?
— Vocês são super bem-vindas e adoraria tê-las na turma de
autodefesa.
Yurio bufa, claramente escutando nossa conversa.
— Não dê ideias, Sophia. Seraphina já é arisca demais sem saber
lutar.
Eu rolo os meus olhos, mas estou sorrindo.
— Você também dá aulas?
Sophia toca sua barriga.
— No momento não, estamos esperando nosso primeiro filho.
Nós a parabenizamos e Nikolai beija sua testa, eles parecem tão
fofos.
— Inclusive precisamos ir para descansar. — Ele acrescenta.
Sem despedidas além de um pequeno aceno ele vai ligar o carro
enquanto Sophia se despede. Ela fala algo em voz baixa para Yurio, que
acena e a abraça carinhosamente, não acho que o vi ser doce com qualquer
outra mulher antes.
Assim que eles saem Irina vem com tudo para cima de Ivy, mas
antes que ela possa chegar à sua frente eu a intercepto.
— Por que ela está aqui?
— Eu deveria ir embora. — Ivy comenta.
— Não. — Me aproximo de Irina olhando bem em seus olhos azuis
de cadela. — Irina, só vou te avisar uma vez, não me importo qual
problema você tem com Ivy, mas não vai falar com ela assim novamente na
minha frente.
— Se não o quê? — Ela grita.
— Faça o que ela disse ou vai se ver comigo. Não gosto do seu tom
na minha casa. — Yurio toma a frente.
Irina olha para Mik em busca de apoio, mas nem ele consegue
defender sua noiva. Evitando que ela passe mais vergonha ele segura sua
mão e a leva para longe, provavelmente para seu quarto.
Yurio então segura minha mão e me leva para longe de todos.
— Não espere que eu intervenha em suas batalhas...
Eu o empurro, mas ele nem se mexe. Pressionando meu corpo
contra a parede, segurando meu queixo.
— Eu não terminei. Não espere que eu intervenha em suas batalhas
se você não quer sangue. Irina está acostumada a ficar no topo da cadeia
alimentar e não está aceitando que você é a rainha do Monastério.
Quero dizer que não sou, mas por estar com Yurio eu realmente
estou e isso começa a afundar em mim. As pessoas sabem que mexer
comigo será mexer com Yurio e agora eu preciso dar o exemplo também
para não parecermos fracos.
— Você entendeu. — Ele beija meu queixo. — Gosto de você
agressiva, é excitante.
Ele dá outro beijo, dessa vez no meu ombro.
— Vamos subir. — Ele pede.
Recobrando minha consciência eu nego, mesmo que essa seja minha
vontade.
— Não quero deixar Ivy sozinha. — Não quero ser as coisas que
Tory falou de mim.
Isso o faz pensar.
— Tem algum problema com Tory? — É incrível como ele
consegue me ler perfeitamente.
— Não quero falar sobre isso.
Ele não pressiona e morde meu lábio inferior antes de me soltar.
— Gostou do meu presente? — Ele pergunta enquanto caminhamos.
— Que presente?
Um sorriso sinistro toca seus lábios.
— O sangue do homem que falou mal de você. Dessa vez foi o
sangue. Na próxima vez será a língua. — E eu não duvido nem por um
segundo que ele não está brincando.

***

Na manhã seguinte escuto os gemidos dos homens pela ressaca e


ando pesadamente pelo chão, cantarolando até a cozinha só para irritá-los.
Depois que voltamos Yurio foi beber com seus amigos e acabamos todos
numa conversa leve e legal, Tory ofereceu carona para Ivy mais tarde e
Irina estava longe de ser vista.
Por mais que eu quisesse que tivéssemos algo ontem, eu ainda
estava dolorida e não foi preciso nem falar nada. Yurio me deu um beijo
intenso e desejou boa noite enquanto me agarrava para eu não fugir e
apagava. Só pela manhã vi os roxos em seu corpo da briga de ontem.
— Você é uma enviada do satanás. — Kaz rosnou quando eu cantei
mais alto.
Yurio me lançou um olhar com promessas de castigo e eu estava
esperando por isso. Depois do café da manhã fui escovar meus dentes e
quando descia as escadas Yurio jogou uma chave para mim.
— Quer que eu dirija?
Ele abriu a porta da frente e uma BMW vermelha estava na porta
com um grande laço.
— Surpresa. — Ele disse me abraçando por trás. — Sei que você
não gosta de ficar pedindo carona, mas eu adoro você na minha garupa.
Me viro para ele ainda pasma. Nunca tive sequer um namorado para
me dar um presente e Yurio já começa com um desse porte.
— Eu não posso aceitar...
Ele toma meus lábios não me deixando escapar.
— Escolhi vermelho porque lembra o sangue virgem da sua boceta
no meu pau.
Minhas bochechas coram e ele me puxa para o carro, os caras saem
de casa e elogiam meu carro novo. Eu abraço Yurio.
— Obrigada!
— Não pense que isso vai fazer você não vir de moto comigo para
os lugares.
Eu lhe dou mais uns beijinhos e entro no carro, Yurio ri do meu
gritinho animado quando ligo o carro.
— Você sabe que é meu primeiro namorado e está me deixando com
expectativas altas sobre presentes, certo? — pergunto manobrando o carro
com cuidado excessivo e lembro de algo. — Yurio, eu bati seu carro e você
ainda me presenteia com um!
Ele joga a cabeça para trás rindo alto.
— Eu vi os arranhões. Agora dirige.
Lembro de ouvir uma garota falando que ele socou a cara de um
garoto por encostar em seu carro e mordo o lábio.
— Ainda vou pensar no jeito de te compensar pelos arranhões.
Ele aperta minha coxa.
— Eu tenho algumas ideias.
27
YURIO

Nunca pensei que seria um cara de relacionamentos sérios, mas


acordar ao lado de Seraphina é diferente de tudo que imaginei. Gostosa
mesmo dormindo, ela agarra um travesseiro passando a perna por cima dele
deixando sua bunda empinada virada para mim. Uma tentação. É preciso
tudo de mim para não deslizar nela enquanto ainda está dormindo, mesmo
que ela tenha autorizado.
Talvez o desejo que sentia por ela no ensino médio foi só
acumulando e agora não consigo manter minhas mãos para mim mesmo.
Começo a planejar sequestrá-la só pra mim, mas tenho responsabilidades.
Depois dela me levar para dar uma volta retornamos a nossa rotina e
tenho que me reunir junto com os outros líderes de fraternidade para definir
as atividades antes das férias de inverno. Os jogos eram em pauta
beneficentes e o dinheiro limpo que entrava era realmente doado, porém
esses jogos das estações valiam milhões no total. Era uma gincana com
várias provas em grupos e individuais que precisavam ser realizadas para
somar pontos para a fraternidade.
— Já que Seraphina é uma Besta do Monastério, isso significa que
ela participará de todas as provas femininas, certo? — Irina pergunta
segurando sua caneta rosa com pompom enquanto bate os cílios. Ela estava
representando os Kitsunes, seu líder provavelmente estava almoçando
crianças e bebendo sangue de velhinhas.
— Sim, regras são regras. — Rice se intromete. — Não deve ser
difícil para ela, se passou na iniciação de vocês.
Porra, eles querem o sangue de Seraphina e pela primeira vez eu me
vejo em um empate que não posso fazer nada.
— Sim, vamos às próximas pautas.
No final da reunião encontro Seraphina almoçando junto com os
caras, nós temos academia agora e me jogo no lugar vago ao lado de
Seraphina e pego um pão que estava em seu prato.
— Era para você mesmo. — Ela ironiza.
— A reunião do conselho demorou. — Mik comenta.
— Sim, a sua namorada está querendo foder a gente. — Olho para
cada um antes de voltar minha atenção para Seraphina. — Nós temos
disputas entre fraternidades como você já percebeu e cada ação tem uma
soma de pontos. Você, Seraphina, nos garantiu alguns pontos extras pelo
troféu, mas também é o primeiro membro feminino dessa fraternidade, até
mesmo as outras tem mulheres dentro. Antes do recesso e em algum
momento haverá competições, a maioria é divertida, mas também garante
pontos para a fraternidade.
— Okay, é algum tipo de intervenção para eu tirar meus peitos e
crescer bolas? — Ela pergunta pingando ironiza de forma doce que só ela
sabe.
— Não, isso quer dizer que Irina declarou que como temos um
membro feminino nós devemos participar das competições femininas.
Os caras gemem.
— Tá, eu posso chutar a bunda de Irina. — Ela se vira para Mik. —
Sem ressentimentos.
— Não é só isso, quer dizer que você vai ter que participar de todas
as competições com meninas, seguidamente.
Isso a faz parar de brincar e me olhar seriamente.
— Você acha que eu estou preparada para um Triatlo? — Ela grita e
abaixa um pouco o tom quando percebem que a estão olhando. — Eu vou
estar cansada, não posso fazer todas. Eu nem sei quantas são ou o que são!
Nós ficamos em silêncio, eu posso ser o líder, mas todos nós
estamos no comando.
— Você poderia treinar junto com a gente. — Grigory sugere.
— Fazer quantas provas você conseguir, sem pressão. — Matvei
completa.
— Sem pressão. — Anton ri. — Nós vamos perder pontos por causa
dela. Por isso não havia meninas no Monastério.
— Não havia meninas porque nenhuma seria louca de se inscrever
nisso. — Seraphina retruca. — Mas estou disposta a tentar, só para acabar
com Irina.
Mik geme, murcho.
— Isso está ficando cada vez melhor.
— Então vamos malhar. — Me levanto.

***

— Quando vocês falaram malhar, eu não achei que era um código


para tortura! — Seraphina estala as costas depois de ter feito um treino de
costas.
— Para de chorar. — Anton aponta para a barra. — Vai, para
finalizar.
Seraphina geme, sem força nem para pular para fazer a barra, a pego
pela cintura e a levanto.
— Vai.
— Ela não passa de uma. — Matvei comenta.
— Aposto que só faz uma — incrementa Kaz.
— Três. — Grigory afirma.
— Acho que ela vai quatro. — Mik ri.
Seraphina fica tensa e começa a subir, cruzando as pernas, ela
consegue uma, duas, três, quatro e só para brincar faz mais duas antes de
descer. Ela se vira para Anton.
— Não apostou por quê?
— Porque eu sabia que só de raiva você ia fazer mais.
Então ela me olha aguardando minha resposta, suspirando eu
respondo:
— Porque você é minha mulher, não vou apostar contra você.
Nós guardamos os pesos que usamos enquanto Seraphina toma
água, ela tem um sorriso satisfeito no rosto e já se levanta esticando seu
belo corpo.
— Um cochilo agora seria incrível.
Alguém ri.
— O quê? — Ela pergunta.
— Agora vamos treinar no gelo.
Ela morde o lábio pensando numa desculpa antes de abrir um sorriso
doce.
— Eu não sou do time, vou para casa descansar.
Ela tenta passar por mim, mas eu a seguro.
— Você vai conosco sim, precisamos de uma ajudante.
— Vocês foram suspensos de todo jeito, pra que treinar? — Ela joga
na minha cara.
Ela continua a protestar, mas a jogo por cima do ombro enquanto
caminhamos para a pista. Os portões são abertos para nós e já tem criados lá
prontos para nos servir. Só coloco Seraphina no chão quando paro no balcão
com patins para emprestar.
— Qual o tamanho de seus pés?
Ela começa a respirar rapidamente sem responder, sua mão indo ao
coração enquanto seus olhos se arregalam. Me aproximo, mas ela fecha os
olhos.
— Ataque de pânico. — Ela consegue disse entre ofegadas.
— O que posso fazer? — Não a toco, sem saber como ajudá-la.
Ela começa a contar números impares enquanto respira fundo entre
cada um deles. Demora alguns minutos até que ela abra os olhos e se
encoste no balcão.
— Faz muito tempo que não piso no gelo, Yurio. — Ela murmura
olhando os caras patinando e rindo, alheios ao tormento que Seraphina
passou a poucos minutos. — Desde aquele campeonato eu não pisei no gelo
novamente. Nem sei se conseguiria. — Ri sem humor.
Alguém me chama da pista, mas minha atenção está exclusivamente
nela.
— O que posso fazer?
Ela sorri tristemente.
— Pode ir lá treinar com seus amigos, eu vou estar aqui usando os
servos para me conseguirem um café gelado e um bolinho.
Ela hesita em me dar um beijo no queixo antes de ir se sentar. Parte
de mim quer consertar isso agora, não é certo que alguém com seu talento
tenha desistido de tudo, não é certo que ela tenha sequelas que os outros
deixaram nela.
Matvei investigou mais a fundo e descobriu que quando ela foi
morar com sua tia as crises de ansiedade eram recorrentes e ela foi mandada
para uma clínica, até saiu de lá dois meses depois, só para ter um ataque
achando que viu sua irmã no parque e ir diretamente para a ala psiquiátrica
quando agrediu as pessoas que tentaram segurá-la. O prontuário era privado
e ele não conseguiu muito mais que isso, eu não queria saber mais do que
isso se não fosse por seus lábios.
Seraphina ainda estava sofrendo, mas sua essência não foi
totalmente destruída depois de tudo. Reparo como ela agradece aos servos e
tenta dar dinheiro a eles para agradecer o lanche, vejo como seus olhos
ficam no celular, mas ela não digita nada. Tinha reparado que ela e Tory não
estavam se falando e que a batida do meu carro ocorreu na casa das
Princesas Kitsunes.
Não deveria me meter nos assuntos privados dela, mas Tory era uma
das suas poucas amigas além de Ivy Parlova, a irmã de Irina que era
incrivelmente mais agradável que ela.
Alguém empurra meu ombro.
— Se concentre aqui. — Mik me passa o disco e eu patino até o gol,
acertando.
Estou sendo cercado e quando consigo passar por eles e fazer o gol
eu comemoro sozinho, porque a atenção de todos está do outro lado da
pista. Seraphina está lá, patinando lentamente, sua concentração toda na
pista. Ela tenta dar um pequeno salto e cai no chão. Faço menção em ir até
ela, mas Matvei segura meu ombro.
— Não. Ela precisa disso.
Todos nós a vemos se levantar, colocando as mãos no joelho e
respirando fundo antes de dar uma volta e tentar novamente; o movimento é
leve, mas descoordenado e ela tropeça, no entanto se mantem em pé. Na
terceira vez ela consegue um salto e seu sorriso ilumina tudo. Ela dá mais
umas voltas no gelo antes de fazer uma volta no mesmo lugar, seus braços
indo para cima em um movimento delicado enquanto seu corpo ganha
velocidade. Ela abaixa só com uma perna antes de parar em pé, reta, numa
pose.
Ela finalmente repara em nossa presença e como se tivéssemos
ensaiado todos nós voltamos ao treino, fingindo ignorá-la. Em determinado
momento o disco acaba rolando até onde ela está e Seraphina o pega.
— Vamos ver então se hóquei é mais fácil que patinação?
Um dos reservas lhe entrega seu taco e Seraphina coloca o disco no
chão e tenta achar o ângulo com o taco, só para roubar o disco e disparar
para o gol. Ela é tão rápida que mal conseguimos acompanhá-la antes dela
atingir o gol, para o desgosto de Matvei.
— Eu disse que patinação é mais difícil que hóquei. — Ela esnoba.
— Você teve sorte.
— Não, eu fui rápida.
Nós dividimos o time e coloco o capacete nela por garantia, quero
que ela fique no meu time, mas ela vai direto para o outro, querendo ficar
contra mim com um sorriso atrevido, e por incrível que pareça, quando ela
acaba batendo de frente com Anton e cai no chão, ela ri.
— Você pode ser uma porta, mas duvido ser mais rápido que eu. —
Ele estende a mão e a puxa do chão.
— Eu não preciso ser rápido, só preciso esmagar.
Seraphina morde o lábio para não rir enquanto se afasta de costas
para ele.
— Tá bom, Hulk, mas acho que todos vocês poderiam aprender
muito com a patinação artística. — Ela dá de ombros. — Vocês são até
bons, mas não tem controle para conseguir uma curva direito ou um salto
para aumentar a velocidade.
O treino acaba por hoje, todos estão cansados. Nós entregamos os
equipamentos e observo Seraphina tirando os patins e pegando sua bolsa.
— Vejo vocês mais tarde — digo sem tirar os olhos dela enquanto
ela desaparece no banheiro feminino.
Espero mais uns minutos para ter certeza de que ela já deve estar
nua antes de entrar tirando minha camisa. Como o esperado ela está
entrando no chuveiro, pela pista estar reservada ao time, não apareceria
ninguém até mais tarde.
Seraphina está de costas para mim, sua cabeça jogada para trás
enquanto a água cai sobre seu rosto. Seu quadril está marcado com
hematomas recentes e as suas antigas cicatrizes, agora consigo ver
perfeitamente e as acho lindas. Me pego fascinado em perceber como era
fácil de marcá-la ao ver a marca em seu pescoço. Abaixo minha calça e
cueca, entrando na água quente.
— Yurio. — Ela geme quando minhas mãos vão para sua cintura e
meu pau duro fica em suas costas.
— Não achou que eu ia abrir mão de ter você nua e molhada, né?
Ela se vira para mim, mordendo o lábio. Ela fica na ponta dos pés e
olha por cima do meu ombro.
— E se alguém chegar?
— Ninguém vai. — Coloco minha mão em seu pescoço e tomo seus
lábios com ganância.
Seraphina imediatamente reage roçando a língua na minha, suas
mãos em minhas costas me puxando para mais perto. Sem ser suficiente eu
a coloco contra a parede e ela envolve as pernas na minha cintura, a cabeça
do meu pau roça na sua boceta quente e molhada.
— Eu não estou usando nada. — Ela geme quando começo a
penetrar.
— Eu tiro — prometo e ela acena com a cabeça, perdida nas
sensações enquanto a fodo lentamente. Eu tinha planejado uma foda rápida
e dura, mas Seraphina está tão suave em meus braços, gemendo em meu
ouvido que é impossível resistir.
Seus gemidos vão ficando mais altos, assim como sua boceta
apertando meu pau mostrando que ela estava perto, me deixando maluco.
Minhas mãos devem estar deixando marcas em sua bunda e sem me
controlar acerto um tapa nela, arrancando um gritinho seguido de um
gemido. O apertão em sua boceta mostra que ela gostou muito.
Acerto outro tapa e mordo seu mamilo rosado ao mesmo tempo,
fazendo ela gritar e seu corpo se contorcer enquanto ela se entrega ao prazer
e goza em meus braços. Como o prometido eu saio dela e começo a me
masturbar, vendo seu olhar satisfeito ir para meu pau e ela abaixar no chão.
Seu cabelo está molhado e não há nenhum resquício de maquiagem
e ela ainda parece perfeita para mim. Ela toca a cabeça e eu gemo com sua
inocência, é inebriante vê-la descobrindo o que fazer, o que a agrada. Na
outra noite gostei de brincar com ela, vê-la chupando a cabeça do meu pau
enquanto fingia dormir, mas agora é diferente, está em suas mãos.
Solto meu pau e encosto meus braços na parede, observando cada
uma de suas ações. Como seu peito sobe e desce mais rápido, como ela
lambe os lábios, como seus olhos curiosos não desviam e como sua mão
trêmula parece incrível ao redor do meu pau.
Ela me masturba devagar, vendo o jeito que me agrada e eu quase
gozo quando ela aproxima a boca e dá um beijo na ponta, antes de dar uma
lambidinha no piercing e nunca apreciei tanto perder uma aposta para
colocá-lo.
— Isso, kiska. Você está fazendo tudo certo.
Ela lambe os lábios mais uma vez antes de enfiar meu pau na boca e
começar a chupar a cabeça, não me atrevo a interrompê-la, dizer como
queria foder sua garganta, a deixo deslizar sua língua e brincar com meu
pau como se fosse seu pirulito favorito. Ela vai ficando mais ousada e
engole mais um pouco, engasgando-se no processo.
— Caralho, você é tão gostosa.
Minhas palavras a incentivam a continuar e logo ela estará como
uma profissional. Ela levanta o olhar para mim e sem precisar de uma
palavra eu sei o que ela precisa. Ela precisa que eu esteja no comando,
então agarro seus cabelos entre os dedos e ela geme ansiosa quando
empurro meu pau em seus lábios, primeiro a fodendo lentamente, mas
quando lágrimas escorrem de seus olhos é meu fim e eu enfio nela com
força, com vontade.
Vejo como sua mão desliza entre as pernas.
— Gosta disso, de ser minha putinha, de chupar meu pau, né?
Ela engasga e é um som maravilhoso, uma de suas mãos vai brincar
com os mamilos e seus olhos fecham enquanto ela aperta as pernas juntas
quando goza, e esse é meu fim. Saio de sua boca e seguro bem sua cabeça.
— Abra bem a boca.
Ela faz como eu mando e até coloca a língua para fora, meu sêmen
atinge sua língua, seus seios e sua bochecha antes de eu enfiar em sua boca,
só porque a sensação é gostosa demais para ter acabado. Ela limpa todo
meu pau e eu a puxo do chão, tomando seus lábios mais uma vez.
— O corte do seu lábio abriu. — Ela toca meu lábio e a sua também
está cheia de sangue. Meu sangue.
Nós nos olhamos enquanto a água quente banha nosso corpo e só
me faz desejá-la mais uma vez. Uma batida na porta, seguida de risadas
vem e esse é nosso sinal para sair daqui e continuar as coisas em casa.
28
SERAPHINA

Um dos meus professores acabou tendo uma intoxicação alimentar e


a aula foi cancelada, eu podia esperar na universidade pela próxima aula ou
ir para casa e colocar minhas roupas na máquina. Juro, esses meninos não
sabem fazer uma divisão de tempo e eu nunca tenho tempo para lavar
minhas roupas.
Yurio me avisou pela manhã que passaria o dia ocupado resolvendo
algumas coisas e provavelmente quando chegasse eu já estaria dormindo,
ele não é tão bom em demonstrar sentimentos, então só jogou um chocolate
na cama ao meu lado antes de sair.
Estou descendo os degraus com meu cesto pensando que eu
realmente preciso comprar lingeries novas quando vejo Jamal e mais um
descendo as escadas para a cripta. A curiosidade leva a melhor de mim e eu
desço os degraus, estremecendo com a escuridão.
Encontro eles mexendo numa caixa de madeira média.
— O que estão fazendo?
Ambos pulam assustados, antes de perceberem que era eu. Jamal
limpa a garganta.
— Nós só... nós só...
Me aproximo e vejo que é um caixa com armas. Aos poucos as
peças começam a se encaixar. Eu me sento em uma pedra de mármore e
suspiro.
— Eu sou tão idiota.
Jamal coça a cabeça.
— Você agora é uma Rainha, Seraphina. Não tem que fazer o
trabalho pesado.
Minhas bochechas coram porque eles não perceberam que eu
mesma não sabia que as Bestas vendiam armas. Eu não sou tão inocente de
pensar que eles não estariam envolvidos com algo de seu pai, mas não
pensava que isso tinha realmente a ver com a fraternidade. Para mim era um
serviço por fora.
— Então, além de armas o que mais fazemos? — pergunto sabendo
que não tenho para onde fugir.
Minha melhor amiga não fala comigo e não tenho muito mais
pessoas para me informar.
— Foda-se. — O outro cara tampa o rosto. — Nós estamos fodidos.
Jamal está pálido.
— Você não sabia nada de nada?
Eu cruzo os braços ficando na defensiva.
— Bem, vocês devem me falar agora.
Jamal então suspira.
— A maior parte das operações de poder de Tuiham vem ou veio
direto daqui. As Rapinas cuidam da área norte, os Kitsunes do sul, os
Cárpatos do leste e os Beserkers do oeste. As Bestas cuidam da
universidade e dos carregamentos de armas, nós somos a distribuidora,
somos a ponte entre a Bratva e as fraternidades. Nós meio que cuidamos do
controle. Desde que Yurio assumiu isso foi para outro patamar, tudo
aumentou, afinal todos querem ver o futuro Pakhan agindo, medindo seus
passos e tentando criar ligações.
— Os Cárpatos estão no mercado de carne, cuidam de clubes e
prostitutas. Os Kitsunes são o perigo real aqui, estão estudando para serem
líderes e comandarem, eles recebem segredos e cuidam dos corpos em troca
de dinheiro e favores. Os Beserkers são a força bruta em geral. As Rapinas
são espertas, cuidam das drogas, acompanham e oferecem apoio ao lado
que está ganhando.
Tenho que respirar um pouco para me manter serena e não
demonstrar o quanto eu estava assustada.
— Bem, e o que vamos fazer hoje? — Deixo claro nas minhas
palavras que estou incluída.
Eles se entreolham.
— Nós íamos vender essas armas para os Cárpatos, eles estão meio
desesperados. Parece que roubaram sua carga e eles vão precisar dela. Yurio
disse para nós cuidarmos dessa venda e o lucro seria dividido entre nós.
Ambos pareciam tão animados com a perspectiva, não só de ganhar,
mas de ter essa responsabilidade. Era contagiante.
— Eu vou com vocês. Vou ficar quieta e deixar vocês falarem. —
Eu coloco as mãos juntas. — Por favor, eu sou uma Sentinela como vocês.
Jamal limpa a garganta.
— Você não é só uma Sentinela, ou mesmo uma Besta, Seraphina.
Você é uma rainha.
— E o que isso significa, afinal? — Ouvi Yurio dizendo isso para
Rice, mas realmente eu não sei o que é isso. É uma posição, um jeito
adorável de me chamar de café com leite?
— Significa que em termos claros você é sua consorte, que você
também comanda o Monastério agora, se tivesse mulheres aqui você as
comandaria.
Eles não falam mais enquanto levam a caixa com armas ao jipe
preto, me sento no banco de trás ao lado das armas enquanto eles levam o
carro até um armazém.
— Yurio não vai gostar disso. — O outro cara que descubro ser
Donard resmunga.
— Yurio está ocupado agora, não adianta nem ligar para ele.
Antes que eu possa perguntar o que ele estava fazendo o carro para.
Os dois verificam suas armas antes de colocar na parte de trás da calça.
Nem penso em pedir uma, do jeito que eu sou acabaria baleada antes
mesmo de conseguir descobrir como se usa uma.
Eles saem do carro e eu vejo Rice junto com outro cara atraente.
Ambos se parecem muito, mas o outro parece um pouco mais jovem, talvez
dezoito anos. Devem ser parentes. Saio do carro também, me sentindo uma
boba de ficar aqui dentro.
Rice ri quando me vê.
— Trouxeram a “rainha”?
Me aproximo e Donard fica na minha frente como se estivesse me
protegendo, é Jamal quem começa a falar:
— Nós estamos com a mercadoria, quinze armas e munição.
Rice, entretanto, não está querendo fechar negócio antes de me
irritar.
— Yurio deixou seu Chihuahua solto hoje, você deve realmente
estar chantageando-o.
Estúpido, mas não deixo de me encolher um pouco, porque de certa
forma ele está certo. Eu praticamente implorei para ele fingir ser meu
namorado.
— Você está com o dinheiro? — Donard pergunta.
— Eu pago metade pelas armas, o valor completo se ela me der uma
chupada.
Até o outro homem parece desconfortável.
— Rice, para com isso.
Mas já é tarde, meu sangue corre rápido e se tivesse uma arma já
teria estourado as bolas de Rice.
— Na verdade nós temos uma oferta melhor — falo docemente.
Donard e Jamal se mantém na posição apesar de provavelmente estarem
gritando dentro da sua cabeça para eu calar a boca. — Você vai pagar o
dobro ou vai ter que explicar pro seu chefe porque tem quinze armas dentro
do seu cu.
O silêncio é alto demais. Mantenho meu rosto sem expressão apesar
de estar com muita vontade de rir.
— Vou te dizer como isso funciona. — Dou um passo à frente, sem
medo. — Você desrespeitou a rainha do Monastério, então pode pedir
desculpas e pagar a porra do dinheiro ou ir embora parecendo um queijo
suíço.
Os caras pegam suas armas e destravam. O mais jovem já está
suando.
— Se desculpa logo, Rice. — Ele murmura nervoso. — Fomos
avisados que precisamos do carregamento hoje. Papai vai ficar chateado!
Rice está vermelho, mas dá um pequeno aceno. O garoto vai até o
carro deles e traz duas pequenas malas de dinheiro. É claro que trouxeram
mais, eles esperavam sair com parte dele e agora, pela cara de Rice, vão sair
sem nada e ainda humilhados por uma garota.
— Me desculpe. — Ele sorri. — Nós vamos acabar com todas as
Bestas hoje como gratidão.
Ele e o garoto pegam o caixote e saem, me mantenho parada até o
carro desaparecer então olho para Donard e Jamal e caímos na risada. Eu
estou tremendo muito de nervoso, mas é uma sensação sensacional, me
sinto perigosa, poderosa e uma mafiosa.
— Eu sou uma gângster. — Só percebo que falei em voz alta
quando eles também explodem em gargalhadas.
Nós entramos no carro e saímos rápido dali, meu coração ainda está
acelerado.
— Não! Não podemos ir para casa, temos que comemorar! — Eu
estou eufórica.
Eles rirem.
— Você assustou Rice. Cara, o menor estava se mijando. — Donard
ri.
— Será que vamos ter problemas? Ele ameaçou, devíamos ligar para
Yurio?
Jamal nega com a cabeça.
— Ele quis dizer na luta.
Donard geme.
— Não era para ter contado!
— Ela precisa ir conosco no Underground. — Jamal fala com
Donard. — Ela provou que é capaz. Ela assumiu a situação, nós devemos
essa.
— Yurio vai nos matar.
— O que está acontecendo? — pergunto.
Jamal se vira para mim.
— Hoje é dia de luta. Toda semana nós temos lutas entre as
fraternidades, vale muito dinheiro e traz poder para os ganhadores.
Minha boca está seca. Yurio não me contou sobre isso, ele sabia o
quão cega eu sou para esse mundo e me manteve no escuro.
— Nós estamos indo para essa luta.

Bem, não foi minha melhor ideia ir do jeito que eu estava. Percebo
isso assim que estacionamos num prédio velho de aparência abandonada,
mas cheio de pessoas. As meninas estão com roupas tão curtas que eu
duvido por um momento estarmos no inverno.
Olho para minha roupa, all-star, jeans e camisa rosa. Eu estou
completamente fora da moda. Tory sempre disse que a confiança pode fazer
qualquer roupa simples se tornar sensual.
— Vocês podiam ter me avisado como as mulheres se vestem aqui,
né?
Tiro a camisa de manga, ficando com uma regata branca simples,
mas pelo menos deixa meus seios bonitos, tento mexer um pouco no cabelo,
mas não há realmente nada que eu possa fazer para me ajudar nesse
momento.
Desço do carro já estremecendo do frio, nós passamos direto pela
fila quilométrica para entrar e lá dentro está quente o suficiente. Tem um
ringue montado no centro da sala, com luzes apontadas para ele enquanto
dois lutadores estão sangrando lá em cima.
— Agora são as lutas dos calouros. É um bom jeito para subir de
patamar. Os que você vir usando algo vermelho pertencem às Bestas. —
Jamal fala no meu ouvido pelo barulho alto.
Olhando em volta reparo que as meninas usam lenços enrolados no
pulso ou braços, assim como os homens. Há muitas cores espalhadas aqui e
me sinto no meio de uma reunião de gangues, e talvez fosse realmente isso.
Procuro Yurio pela multidão, mas não consigo encontrá-lo ou
qualquer outra Besta conhecida. A luta acaba e uma mulher com um short
minúsculo e top sobe no ringue para beijar o vencedor, ele é uma das Bestas
e recebe o prêmio com paixão, quase transando com a mulher ali mesmo.
— Essas são as damas do ringue, cada lutador tem a sua para
prepará-lo e torcer por ele. — Donard dá um sorrisinho. — Se eu não fosse
péssimo de luta, encararia só para ter uma.
Homens são homens, sempre.
— Onde está Yurio?
— Yurio está se preparando para a luta dele.
Isso me faz virar a cabeça lentamente para Jamal, que engole seco.
— Ele vai lutar, é? E ele tem uma dama do ringue?
Não espero sua resposta, caminho diretamente até onde vejo os
lutadores entrando e saindo das lutas. Tem um segurança gigante lá, mas
não estou receosa quando paro na sua frente.
— Estou aqui por Yurio, sou a mulher dele — falo claro para que ele
não me confunda. O homem me olha dos pés à cabeça, mas antes que possa
falar vejo Anton vestindo só uma bermuda preta e vermelha. — Anton. —
Aceno com a mão.
Ao me ver o gigante fica pálido, ele olha para os lados em busca de
ajuda, mas não tem ninguém que possa lhe ajudar. Ele faz sinal para que o
segurança me deixe passar e eu paro na sua frente.
— Então Yurio está aqui? — Olho em volta, mas as salas estão com
as portas fechadas.
Anton finalmente encontra sua voz.
— Yurio não pode se preocupar agora, Seraphina. Quer que ele
perca?
Quero muitas coisas, principalmente saber se meu namorado está
me traindo por aí. Uma porta se abre e vejo uma “dama de ringue”
ajoelhada no chão chupando o lutador e vacilo um pouco.
— Yurio está com a dama de ringue dele?
Estou com tanto ódio que chego a tremer, mas não vou chorar aqui.
Não vou dar esse gostinho a ele. Rice estava debochando de mim,
provavelmente todo mundo sabia que Yurio me traía e riam nas minhas
costas.
Uma menina passa, suas roupas pretas e vermelhas e eu a seguro
pelo braço.
— Ei, pode me emprestar sua roupa rapidinho?
Ela olha entre eu e Anton antes de assentir com medo.
— Sim, claro. Meu lutador já lutou hoje e perdeu.
Nós vamos ao banheiro e suas roupas pequenas ficam ainda
menores em mim, mas tenho que admitir que estou gostosa. O top deixa
meus seios parecendo maiores do que realmente são e o short deixa parte da
minha bunda de fora. Decido ficar com meu all-star, mas eles não quebram
o estilo de garota gostosa.
— Ei, você sabe quem é a dama de ringue de Yurio? — pergunto
enquanto Cindy passa um pouco de sombra em meus olhos.
Ela ri.
— É sua primeira vez aqui? — Ela pergunta e eu aceno. — A dama
dele é Tatiana Fedorova. Ela tem sido desde o começo. Irina só cuida de
Mik, é claro. — Ela rola os olhos, mas ao ver que não entendi ela suspira.
— Ser uma dama de ringue não quer dizer que vamos sempre foder os
lutadores ou algo assim. Nós cuidamos deles, ajudamos com as suas talas
nos dedos, hidratamos e incentivamos. Anton mesmo é o mais tranquilo de
todos, só não gosta que o toquemos.
— Sem querer ofender, mas por que fazem isso?
Ela ri como se eu fosse idiota.
— Nós ganhamos para isso, querida. Seja em dinheiro ou favores.
Eu mesma não preciso me matar de trabalhar em uma lanchonete por 40
horas semanais por uma mixaria. Está pronta!
Agradeço e quando saio do banheiro vejo Anton ali parado.
— Você avisou ele?
Ele nega com a cabeça.
— Vai me mostrar onde ele está?
Um pequeno sorriso puxa em seus lábios enquanto ele me guia pelo
extenso corredor. Quando ele para em uma porta eu respiro fundo antes de
entrar.
— Estava esperando por mim, querido?
29
YURIO

A minha ideia de sexta à noite era passá-la entre as pernas da minha


garota, mas em vez disso estava aqui, me preparando para uma luta que
nem era minha. Hoje era a vez de Grigory, mas ele me cedeu depois que
soubemos do prêmio. Irina tentou convencer Mik a competir, mas meu
amigo se negou. Era meu.
Me perguntei se fiz certo em deixar Seraphina no escuro, mas ela já
tinha passado por muita coisa e queria de forma egoísta preservá-la desse
mundo em que vivemos o tanto quanto eu pudesse.
A porta se abre e eu quero suspirar, já avisei a Tatiana que as coisas
mudaram e apreciava ela continuar sendo minha dama de ringue até que eu
pudesse conversar com Seraphina, mas ela estava se tornando cansativa.
Desde que formei o Monastério ela nunca se interessou em fazer parte e eu
entendi, o cargo de Dama de Ringue era bom para ela porque se mantinha
perto, mas não minava suas chances com as outras fraternidades.
Tenho que admitir que ela é valiosa, é uma estudante de medicina e
isso é realmente útil, mas agora a ideia de ela entrar no Monastério causaria
mais problemas que soluções.
Abro a boca para mandá-la me buscar um energético ou algo do tipo
quando vejo Seraphina ali. Seraphina vestida como uma Dama de Ringue,
parecendo completamente gostosa e furiosa.
— Estava esperando por mim, querido?
Como se isso não fosse suficiente a porta se abre novamente e dessa
vez é Tatiana entrando. Se Seraphina tivesse poder de matar alguém com os
olhos eu já estaria morto, mas é quando ela abre um sorriso que eu sinto o
pior.
— Oi Tatiana, ele já está sendo cuidado. — Ela disse docemente.
Tatiana não sabia como reagir, não sei se estava com medo ou a
raiva a paralisou. A porta se abre como a porra de um shopping e dessa vez
é Anton a colocar a cabeça para dentro, a boca tremendo de rir.
— Está na hora.
Me levanto, sem ter tempo para isso nesse momento. Me viro para
Seraphina.
— Vamos, se você quer ser minha dama de ringue é melhor agir
como uma.
Saio e escuto seus passos atrás de mim.
— Vai ter vingança — aviso a Anton.
Pego Seraphina pela cintura enquanto caminhamos, suas unhas
cravam em meu braço, mas ela mantém um sorriso no rosto. A multidão
grita, louca quando percebe que a nova rainha está se apresentando e
marcando seu território quando agarra meu pescoço e definitivamente me
marca para todos.
Nem hesito em responder com a mesma força e intensidade.
Seraphina crava suas unhas nas minhas costas e eu respondo mordendo o
seu pescoço.
— Não esqueça que eu gosto de sangue tanto quanto você —
sussurro em seu ouvido.
Subo no ringue, mas não foco no meu oponente e sim nela.
Seraphina tem braços cruzados, tentando fingir não estar tão afetada quanto
eu, mas seu peito sobe e desce rapidamente e sua boca está inchada.
Aponto para ela, antes que a luta comece e eu dê o primeiro soco. O
Cárpato que estou lutando é filho de lutador, então tem bastante tempo
lutando, mas eu sou melhor, porque tenho uma mulher furiosa esperando
por mim. Ele me acerta um soco que faz meus ouvidos zumbirem e o sinal
toca, dando intervalo.
Me aproximo de Seraphina, que me dá um pouco de água enquanto
seca o suor do meu rosto.
— Vença.
— Fique com os caras — falamos ao mesmo tempo e sorrimos.
O sinal volta a tocar e eu lhe lanço um último olhar.
— Você está muito gostosa, Kiska.
A luta recomeça e meu pau está tão duro que dói, preciso acabar isso
logo. Posso ter ficado um pouco distraído com Seraphina e por isso acabo
tomando um soco no olho que me desconcerta e por instinto eu ataco de
volta, sentindo meu punho bater em seu nariz antes do sangue espirrar e seu
grito sair.
Novamente o sinal toca e reparo em como Seraphina morde o lábio
inferior enquanto passa pomada anestésica em minha sobrancelha, que
provavelmente precisaria de ponto. Seus mamilos estão marcando no top,
me deixando louco que qualquer um possa vê-lo.
— Se concentre. — Ela repreende e aproxima os lábios do meu
ouvido. — Aos vencedores vão os espólios, certo?
Porra.
Em menos de uma hora aqui e ela já estava agindo como se sempre
fizesse parte. Então a realidade vem. Ela faz parte disso. Eu vejo os outros
líderes de fraternidade com suas mulheres e percebo a merda que fiz ao ver
seu jeito deslocado, que ela tenta esconder com sorrisos.
Um soco acerta meu rosto, em seguida outro na costela, não tenho
nem tempo para pensar, consigo me afastar e dar um chute em suas costelas
antes de finalizar o cara com três socos seguidos. Ele cai no tatame e a
multidão vai à loucura.
Anton está perto de Seraphina, fazendo sua segurança, mas quando
uma mulher esbarra nele, aproveitando para agarrar seus braços ele nem
tenta disfarçar o nojo antes de se afastar. Meu amigo pode ter a porra de
dois metros, mas tem horror a mulheres em geral, me surpreende que ele
sempre foi gentil com Seraphina a sua maneira.
Mesmo sabendo que ela está com raiva de mim eu a puxo para mim,
recebendo meu beijo de recompensa. Seraphina me beija com um
desespero, me agarrando como se fosse o último beijo.
Isso não vai acontecer.
— Leonov. — Terry Hyman, o atual líder dos Cárpatos, me joga um
saco de veludo que eu pego no ar, sua mão firme na cintura da sua mulher.
O filho da puta está no último ano e quer dar trabalho para o
próximo líder, que muito provavelmente será Rice Andreev se ele for um
idiota de dar poder a um cara como ele. Sua mulher parecia divertida em
perder uma de suas joias mais que tudo.
— Obrigado.
Um traço de liderança que tive que aprender na marra é saber
dialogar e agradecer, nunca se sabe quando vai precisar de apoio e um bom
líder sabe disso. Terry acena com a cabeça e dá uma olhada em Seraphina
antes de sair.
Emil Yermolayev, líder dos Kitsunes, está sentado enchendo a cara
num canto da área vip, ele não tem uma rainha porque já está de casamento
marcado com uma italiana assim que se formar. Irina usou isso para
preencher a vaga, sem ter as obrigações de mulher. Mik odiava isso, mas
sabia da veia de liderança que ela sempre teve e provavelmente temia que
ela tentasse largá-lo pelo poder.
Guio Seraphina para a área vip, Anton me passa uma garrafa d’água
que termino em poucos segundos. A próxima luta começa e eu me sento,
puxando Seraphina para meu colo.
Os Beserkers estão fazendo barulho como de costume, bebendo e
discutindo. Sua liderança é sempre em três, e com uma única rainha entre
eles. Ao contrário das outras fraternidades, que eram passadas por
merecimento ou poder do nome, os Beserkers eram praticamente cães de
rua e os mais fortes ganhavam o poder.
Olhando para esses três com a nova rainha desconcertada e infeliz
entre eles, imaginei porque não conseguiam ficar com uma rainha por mais
de três meses, não sei se vão durar até o final do semestre. Pelos sussurros
eles estão desesperados e mesmo oferecendo fortunas as mulheres não
aguentam.
Reparo a atenção de Seraphina neles e belisco sua bunda.
— O que, só você pode admirar as pessoas agora?
Aproximo a minha boca do seu ouvido, sem querer que percebam
que nós estamos brigando.
— Nós iremos conversar mais tarde.
Ela se vira para mim, seus olhos castanhos brilhantes marejados.
— Você tem escondido coisas de mim e eu não gosto disso. — Sua
voz começa a aumentar. — Você estava com Tatiana!
— Ei. — A chamo, percebendo que ela está começando a atrair
atenção. — Eu estou com você, Seraphina.
Ela rola os olhos e tenta sair do meu colo, mas eu não permito.
— Eu só vim lutar por você.
Coloco o saco em seu colo.
— O que é isso? — pergunta sem tocar.
Um pequeno sorriso vem, porque não duvido que sua mente esteja
passando vários cenários macabros depois de tudo que ela viu.
— Terry é o líder dos Cárpatos, ele está pra se formar e quer dar
trabalho. Ele colocou um objeto importante de sua fraternidade hoje na luta
e eu tive que vir buscar para você.
Ela segura a sacola ainda com um pouco de desconfiança.
— E sobre mais cedo?
Por um segundo não entendo, então percebo que ela interceptou a
entrega, por isso está aqui agora. Ela percebe meu check -up e suspira.
— Eu estou bem, mas posso ter feito Rice se cagar de medo. — Ela
coloca a boca no meu ouvido. — Nós faturamos o dobro.
Fico duro embaixo dela.
— É mesmo?
Ela acena animada, antes de seu sorriso sumir e ela olhar para a
sacola em suas mãos.
— Você ia me contar sobre as coisas ou ia me deixar no escuro?
Decido ser o mais honesto que posso.
— Você passou por muita coisa, estava tentando te proteger, mas eu
iria contar aos poucos.
— Eu sou tão parte das Bestas do Monastério quanto qualquer um.
Eu batalhei por esse lugar, Yurio. Eu mereço a verdade.
Ela está certa, mas ainda é tão inocente para esse mundo.
— Você ainda não entendeu que não é só um membro, quando te
chamei de rainha não era à toa, Seraphina.
Ela abre a sacola, revelando um cordão com um pingente em ouro
branco circular com uma pequena pedra de rubi. Ela está encantada,
passando a mão pela peça com delicadeza.
Eu me levanto, pegando o colar para colocar nela. Vejo vários do
meu povo ali e falo alto.
— Pertenceu aos Cárpatos e agora é da nossa rainha do Monastério.
Eles gritam e vejo pelos do corpo de Seraphina se arrepiarem
enquanto coloco o colar em seu pescoço. Eu beijo seu pescoço com
delicadeza.
— Você é a rainha de tudo.
30
SERAPHINA

Depois da luta de Anton, que claro que ele ganhou com bem menos
machucados que Yurio, todos decidiram comemorar numa boate, eu nunca
tinha ido em uma então estava animada. Yurio, entretanto, claramente
precisava de pontos.
— Eu estou bem. — Ele disse saindo do banheiro com uma toalha
na cintura perigosamente baixa.
— Não para de sangrar. — Engolindo o ódio eu tento falar com uma
voz plana. — Devíamos chamar Tatiana, já que era o trabalho dela.
Ele me lança um olhar curioso.
— Você realmente a odeia, não é?
Não posso falar que tenho ciúmes, seria patético. Principalmente
não posso falar que já sentia ciúmes dela desde o tempo da escola.
— Nós não podemos sair com você assim. — Aceno para seu rosto.
Sua sobrancelha está com um pequeno corte que não para de sangrar e um
de seus olhos já está roxo.
Ele bufa, mas acena.
— Tem certeza?
Dou de ombros.
— Esse é o trabalho de uma dama do ringue.
Ele morde o lábio me olhando dos pés à cabeça, eu já tinha tomado
banho e estava de roupão, porque estava na dúvida que que roupa usar. Eu
não tinha na verdade roupas para boate porque realmente nunca fui a uma,
então a ideia de estar fora do dress code na mesma noite fazia meu
estômago embrulhar.
Perco qualquer raciocínio quando sua toalha cai no chão e eu estou
olhando diretamente para seu pau duro apontando para mim, o piercing
atravessado parece assustador e se eu já não tivesse sentido ele antes dentro
de mim, definitivamente estaria recuando, mas agora mal posso me manter
em pé, sem querer cair a seus pés.
Ele agarra sua ereção, um sorriso safado em seu rosto, que mesmo
machucado ainda é bonito demais para minha saúde mental.
— Eu já lutei e agora quero minha recompensa, sua boceta por todo
meu rosto.
Ele se aproxima e me empurra para a cama, eu solto um gritinho e
ele abre minhas pernas, jogando minha toalha por cima do ombro.
— Você está todo machucado! — Consigo falar.
— Não tire de um homem o seu prêmio, kiska.
Então ele mergulha, sua língua passeando por toda a minha
intimidade, degustando de mim como se eu fosse um sorvete e se afasta um
pouco para soprar, me fazendo gemer. Ele foca sua atenção nas minhas
cicatrizes nas partes interiores e exteriores das coxas, elas estão desbotadas
e mal aparecem, mas quando ele olha assim tão de perto pode ver
claramente o que escondi do mundo.
Tento tampar, mas sua mão me impede.
— Não se esconda de mim, eu vejo você, Seraphina. — Ele se
abaixa e beija cada uma das minhas cicatrizes, trazendo lágrimas a meus
olhos e mais que isso, me fazendo sentir a única mulher no mundo.
Me surpreendo quando o sinto beijando meu clitóris e gemo
agarrando seus cabelos quando ele chupa suavemente, trazendo o desejo de
volta. Ele me chupa como se eu fosse a fruta mais gostosa que ele já comeu,
sua língua me beija lá embaixo como beija minha língua, e eu tremo,
agarrando seus cabelos com força quando ele fica mais ousado.
A esse ponto não posso segurar mais os sons que saem de mim, eu
pressiono seu rosto contra o meu centro, perdida no prazer que ele me
proporciona. Suas mãos agarram minha bunda, me puxando ainda para mais
perto.
Tenho que colocar uma das minhas mãos na boca para não gritar
quando sua língua mergulha na minha entrada, me deixando louca. Yurio
precisa me segurar para eu não fugir quando a sensação se torna intensa
demais.
— Olhe para mim. — Ele exigiu. Sua boca e mandíbula estavam
molhadas de mim, o corte na sua sobrancelha estava sangrando, escorrendo
e caindo sobre mim, mas sabia, olhando em seus olhos, que nada o pararia.
— Você é minha!
Ele mergulha a cabeça e eu cheguei ao orgasmo mais intenso da
minha vida gritando, minhas mãos tentando agarrar qualquer coisa para me
manter na terra. Remexendo meus quadris sem dó contra seu rosto, sem
qualquer vergonha ou timidez. Yurio soltou um som baixo apreciativo e
ainda brincou mais um pouco comigo, me fazendo tentar fugir dele pela
sensibilidade.
Ele se levantou, sangue escorria por nós dois. Seu pau estava
babando de tão duro e em um simples movimento ele entrou em mim, me
fazendo jogar a cabeça para trás. Um novo prazer avassalador tomou conta
de mim e sem que eu tivesse escolha estava gozando novamente.
Seu pau encontrava todos os lugares certos dentro de mim e seu
piercing só tornava tudo melhor. Estava mole, só olhando a concentração no
seu rosto enquanto ele buscava seu prazer. Uma de suas mãos agarrou meu
seio e ele parecia um anjo caído. Havia tanta adoração em seu olhar que me
senti sobrecarregada quando ele gemeu uma última vez. Senti quando ele
veio antes de cair em cima de mim e tomar meus lábios.
— Entenda. Eu não quero ninguém mais. Você me arruinou e eu
espero ter te arruinado também.

***

Yurio levanta da cama com um gemido, provavelmente nem era


bom ele ir para a boate depois da luta e do sexo, mas não comentei nada
quando ele entrou no banheiro e voltou com uma toalha úmida. Ele limpou
o excesso de sangue entre minhas pernas e o sangue de seu rosto e peito.
Eu ainda estava caída na cama, sem fôlego e completamente
satisfeita.
— Eu já volto. — Ele fala, mas demora um pouco a sair. Tomando
seu tempo me admirando tanto que eu fico corada.
Quando sai do quarto só com toalha envolva na cintura eu percebo
isso e o sigo. Nem fodendo ele vai encontrar ela assim. Coloco o roupão de
volta; ainda com a respiração pesada eu me levanto apressada, o sigo
vendo-o entrar no quarto de Mik, assim que entro o vejo sentado na cama
enquanto Mik está colocando a linha na agulha. Yurio nem olha para a porta
para saber que eu estou ali.
— Vai se arrumando, Kiska.
Eu cruzo os braços e ele estremece quando Mik enfia a agulha na
sua pele. Ele pisca para mim e lambe o lábio provando meu sabor, me
fazendo corar.
— Vá se arrumar porque eu quero comemorar a minha vitória.
— Não vou demorar aqui, foi só um ponto. — Mik oferece,
pensando que eu estou preocupada.
Eu posso ver que um único ponto resolve, meu problema não é esse
e eu decido declarar.
— Eu não tenho nenhuma roupa para boate.
Mik parece levemente surpreso por eu não estar preocupada, mas é
Yurio a rir.
— Você pode pegar algo no meu armário, só escolha algo sem
etiqueta ou Irina me mata. — Mik oferece e mesmo odiando Irina eu não
vou negar esse favor.
— Certeza de que Irina não vai ficar puta?
Yurio dá um gole numa vodca gelada. Mik corta a linha do ponto.
— Ela não se importa realmente.
Vou até o closet e sem querer ficar no espaço sagrado de Irina, eu
pego o primeiro vestido que encontro, é um prata. Só reparo que ele não
tem etiqueta. Mik só acena quando levanto o vestido para ele. Yurio segura
minha mão e saímos do quarto dele.
— Se você não estivesse com cara de bem fodida, com meu esperma
e sangue entre suas pernas, teríamos um problema de você entrar no quarto
de outro homem só com roupão.

O vestido serviu perfeitamente, não era algo que eu escolheria de


primeira numa loja, mas é muito bonito e estiloso, nem quero tentar saber o
preço da peça, mas sei que amanhã cedo vou levar para lavar a seco antes
de devolver. A pedido de Yurio não tomei outro banho, mas lavei meu rosto
e escovei os dentes antes de fazer uma maquiagem leve, caprichando nos
cílios e delineado.
Yurio colocou meus cabelos lisos para o lado enquanto fechava o
zíper do vestido.
— Você está incrível.
Ele cheira o meu pescoço e sorri para a mordida que deixou mais
cedo antes de me liberar.
O clube era extremamente chique e exclusivo, eles deixam Yurio e
os membros do Monastério entrarem direto e com a mão possessivamente
no meu quadril ele me leva até a área vip. Uma garçonete traz
imediatamente um copo de vodca gelada para ele e Yurio mal a nota, sua
atenção totalmente focada em mim.
— Quer uma limonada?
Meu coração aqueceu com a sua preocupação de não misturar
medicamentos com álcool. Me inclinei e beijei seus lábios, ele pareceu
levemente surpreso antes de sorrir para mim e acenar para a garçonete.
Enquanto conversamos na mesa, me senti como parte de um todo.
Nós rimos e contei detalhadamente como foi pegar o troféu e Yurio contou
sobre como foi a primeira iniciação, onde ele deixa claro que os garotos
choraram muito porque não esperavam por aquilo e achavam que por ter
convivido com eles fariam parte sem problemas.
A conversa estava boa, mais pessoas entraram na área vip, porém
eram divididos em camarotes e não se aproximaram do nosso. Reconheci
muitos rostos da outra luta, incluindo o chefe dos Cárpatos, acabei
encontrando seu olhar e ele sorriu para mim levantando sua bebida.
— Que porra. — Grigory resmungou, tendo visto.
Antes que Yurio pudesse perguntar o que estava acontecendo, ele
caminhou até nossa mesa e imediatamente meu namorado ficou sério, mas
atenção de Terry estava inteiramente em mim.
— O colar ficou bem em você.
Eu não sabia bem o que dizer, então só dei um pequeno sorriso em
troca.
— Sabe, eles o buscarão de volta.
A mesa ficou em completo silêncio, mas eu só tomei um gole da
minha bebida.
— Eles podem tentar. — Dei de ombros, parecendo estar calma.
Terry sorriu em troca e dirigiu sua atenção a Yurio, finalmente.
— Você escolheu uma boa rainha, mas saiba que seu título só é
válido em nossas terras. — Não parecia uma ameaça e sim um aviso. Ele
então levantou sua mão com uma aliança de casamento. — Por isso garanti
a segurança da minha assim que a coloquei sob os alvos.
Ele não se despede, nos deixando ali. Yurio fica pensativo e eu
mesma me pego pensando se estava pronta para me casar; uma coisa é um
namoro, até um noivado falso, mas casar é algo sério. Algo eterno no nosso
mundo.
Espero a conversa retornar antes de finalmente murmurar que estou
indo ao banheiro e me levantar, Yurio faz menção de ir junto, mas eu nego.
— É aqui ao lado, eu volto rápido.
Só porque está diante de seus olhos ele acena, seu olhar concentrado
em meu rosto procurando algo, algo que ele não acharia porque eu estava
ficando cada vez melhor na minha cara de pôquer.
Beijei seus lábios com um leve gosto de vodca antes de me levantar
e senti seus olhos sobre mim por todo o caminho. Só quando entrei no
banheiro pude soltar uma respiração.
Eu não tinha nada para fazer no banheiro, mas lavei minhas mãos
para ocupar o tempo. Depois dessa conversa Yurio me pediria em noivado?
Eu teria que aceitar? Seria uma grande honra me casar com o futuro
Pakhan, mais do que meu pai esperaria de mim se estivesse vivo, mas
também sentia que se fizesse isso estaria colocando minha cabeça a prêmio,
não só para brincadeiras universitárias ou algo do tipo, mas realmente uma
questão de vida ou morte.
Sem falar que estávamos transando sem camisinha e eu não tinha
nenhum método contraceptivo e...
A porta do banheiro se abre e a rainha dos Cárpatos entra, ela era
incrivelmente linda e sorri para mim. Ela não estava ali por acaso.
De repente todo o meu cansaço mental do dia foi embora e eu juro
que se ela tentasse algo contra mim eu enfiaria a cabeça dela dentro do
vaso.
— Oi, você é a rainha das Bestas do Monastério.
— E você dos Cárpatos.
Ela sorriu e apontou para o colar que já foi dela um dia.
— Ficou ótimo em você.
Ela abriu sua bolsa e eu esperava uma arma, mas em vez disso ela
sacou um gloss.
— Queria me apresentar, já que não tivemos tempo na luta. Eu sou
Viviene.
— Eu sou Seraphina.
Ela parecia inofensiva, mas ainda assim me mantive atenta.
— Não culpo você por estar receosa, mas posso te contar algo? —
Ela se aproxima um pouco mais. — As rainhas são muito mais do que
alguém para aquecer a cama dos nossos reis e mandar nas mulheres. Nós
pensamos com a cabeça e podemos ser mais frias que os homens. Não
tenho desavença com você, Seraphina. Nós, meninas, temos que ficar
unidas.
— Isso é bom.
Viviene guardou seu gloss na bolsa.
— Tenho que admitir que ri muito de você ter roubado o nosso
troféu, achei genial e ousado. Terry teve que ser muito forte para controlar a
sua risada na frente dos Cárpatos e ainda brigar com eles.
Isso me fez rir e ela também.
— Só queria dizer que vai ser bom você continuar o legado e tenho
esperança de que as próximas Rainhas serão fortes assim.
Ela tocou sua barriga e meu olhar foi para lá, não havia nada de
estranho, mas pelo jeito protetor que ela segurava eu tive a certeza. Ela está
grávida.
— Sim, eu estou. — Ela seguiu meu olhar. — Terry quer entregar
sua liderança, mas eu ainda estou tentando convencê- lo a terminar o
semestre. Será difícil conciliar tudo, mas espero que com paz a harmonia
tudo seja mais fácil.
Suas palavras eram doces e calmas, mas havia um aviso lá. Terry
não deixaria acontecer nada com sua mulher grávida. Pensei em Rice e
como ele seria um péssimo líder e concordei que para manter a paz era
melhor continuar sob direção.
— Rice...
Ela acenou com a cabeça.
— Estamos em busca de melhores opções, mas ele tem um grande
número de seguidores por ser quarterback e tudo mais. — Ela tampa a boca.
— Não devia estar falando tanto, mas a segurança do meu filho é
primordial.
A porta do banheiro se abriu e outra menina entrou.
— Nós podemos marcar um café um dia desses. — Ela ofereceu.
— Eu adoraria.
Nós saímos do banheiro e ali no corredor estavam tanto Terry como
Yurio, nós duas trocamos um sorriso enquanto caminhamos para nossos
homens.
— Sobre o que vocês estavam conversando lá dentro? — Yurio
perguntou.
— Coisas de menina. — Eu toquei seu peito. — Vai me levar para
dançar?
Nós fomos para a pista de dança e eu começo a mexer meu corpo,
Yurio não me deixa sair de perto dele, minha bunda roçando contra seu
jeans e logo pude sentir algo duro. A pista estava cheia, mas havia um
espaço para mim e Yurio, então ninguém esbarrou em nós como vi
acontecer enquanto dançava.
Irina surgiu linda, com cachos perfeitos, parando na minha frente,
seu vestido provavelmente saído direto de uma passarela, enquanto ela me
olhava dos pés à cabeça.
— Ficou bom em você — disse com um sorriso falso. — Mas os
sapatos não combinam.
Então ela virou de costas e foi dançar com Mik. Ele era um garoto
tão legal, não sabia por que ele insistia de ficar com alguém como ela, ainda
mais para se casar.
— Estou sentindo seu olhar de julgamento daqui. — Yurio disse no
meu ouvido e eu me virei para ele.
— É só... ela é tão fútil e mesquinha!
— Ela deve foder como uma amazona para ele aguentá-la. — Ele
soltou e eu soquei seu peito o fazendo grunhir, ainda dolorido de sua luta.
— Só estou dizendo que deve ter algo de bom para ele permanecer com ela.
Mas eu ainda estava chateada por ele ter dito isso, significava que
pensou sobre isso. Irina provavelmente tinha muito mais experiência que
eu, pra mim tudo era novo e cada descoberta deliciosa com Yurio, mas
talvez para ele não fosse nada demais.
— Ei, tire sua cabeça desses pensamentos que está tendo. Não quero
Irina ou qualquer outra garota. Só você faz meu pau ficar duro e só de
lembrar de te perseguir e arrancar sua virgindade contra o chão eu fico duro
e posso sentir o gosto do seu sangue.
— Yurio. — Minha voz sai trêmula e fraca.
Sua mão agarra minha bunda com força, fazendo minha barriga ficar
contra sua ereção.
— Você me desafiou desde que voltou, lutou comigo, não teve medo
da morte e sangrou por todo meu pau. Você se mostrou tudo que eu
precisava e não sabia, Seraphina. — Sua mão agarra minha nuca. — E eu
não vou deixar você fugir de mim.
Parecia mais uma ameaça do que uma declaração de amor. Eu
deveria sentir medo, vontade de fugir, mas só consegui morder o lábio para
tentar conter o gemido que queria sair. Com essas palavras bruscas e sem
filtro Yurio me deixou molhada, não pelo que fizemos antes que ainda
estava entre minhas pernas, mas voltou a me deixar molhada e com meu
vício nele aumentando cada vez mais.

***

Na tarde seguinte, depois de ido para a pista de gelo, encontrei Izma


na cozinha e ela estava me ensinando a fazer os biscoitos preferidos de
Yurio e os meninos, era uma forma de eu agradecer o apoio; se não fosse
por Yurio eu nunca saberia o quanto eu sentia realmente falta de estar no
gelo e todos os meninos têm sido tão bons para mim.
Ela reparou o colar em meu pescoço e sorriu.
— Eu o conheço.
— Era dos Cárpatos — comento. — Yurio ganhou na luta de ontem.
— Mas sabe quem são os primeiros donos? — Quando neguei com
a cabeça ela prosseguiu. — Não é bom usar joias que não se sabe a
procedência, querida. Elas podem atrair energias negativas.
Suas palavras fizeram eu me sentir estranha e parecia até que o colar
estava mais quente contra o meu pescoço. Sabia que nosso mundo era
perigoso, mas de repente o colar que foi um ganho com sangue e me fez
sentir apreciada pareceu errado em meu pescoço.
Quando Lily morreu uma parte minha morreu junto, eu não queria
voltar para onde estava enquanto ela morria e abri mão dessa parte de mim.
Meus psicólogos falaram diversas vezes que eu não poderia ter feito nada
para salvá-la, que o que aconteceu foi uma calamidade, mas a verdade é que
eu era culpada e minha irmã pagou por isso.
Estou cheia de farinha e Izma manda eu ir me trocar, decido tomar
um banho e quando estou secando meus cabelos escuto algo, no primeiro
momento penso ter sido o vento lá fora ou algo do tipo, mas em seguida a
voz vem um pouco mais alta que um sussurro.
— Seraphina. — A voz repete meu nome de novo e de novo.
— Quem é?
— Você deve morrer.
Eu olho em volta do banheiro, esperando ver alguém e ao ver meu
reflexo no espelho eu dou um grito. Saio correndo dali e bato em Yurio no
corredor.
— Ei, o que foi?
— Eu... eu escutei vozes no banheiro. Estavam falando meu nome,
dizendo que eu devo morrer. — O abraço, com medo do que verei se olhar
em seus olhos.
— Você só está cansada. — Ele declara prático, me levando até seu
quarto. — Precisa descansar.
Eu me sento na cama, seu rosto está sem reações, mas vejo algo lá.
É medo.
— Mas eu tenho que terminar meus trabalhos, não consigo
simplesmente dormir. — Passo a mão pelo meu rosto. Isso não podia estar
acontecendo, eu estava bem, fui liberada, tomava meus medicamentos e
tinha acompanhamento de terapeuta.
— Aqui. — Yurio pegou o meu remédio de dormir, seu rosto sério.
Ele odiava que eu tomasse remédios desde o incêndio, mas agora era
realmente necessário.
Tomei o remédio sem reclamar e logo depois me deitei, apagando
em seguida. Quando acordei já era de manhã, Yurio dormia ao meu lado e
parecia sereno. Usei seu banheiro, sem ter coragem de voltar ao meu e
decidi que era hora de adiantar minha consulta com meu terapeuta.
Ainda era cedo, mas até eu chegar à clínica e parar para tomar um
café seria tempo suficiente. Dirigi trêmula durante o caminho, a sensação de
estar perdendo o controle era assustadora. Eu não tinha nada antes, mas
agora estava começando a ter amigos, um namorado, não podia ficar igual a
minha mãe.
A secretária arregalou os olhos ao me ver.
— Senhorita Petrova, sua consulta é só semana que vem.
— Eu preciso ver o doutor Robert Ulyanov agora. Acho que posso
estar ficando maluca.
31
SERAFINA
PASSADO

Tudo parecia dar tão errado para mim, papai estava decepcionado
comigo por ter falado com o Pakhan, mas eu estava devastada, ele nunca
me bateu antes. Era assustadora a ideia que ele pudesse fazer isso e que se
eu me casasse meu marido faria o mesmo. Talvez a doença da minha mãe
foi a forma que ela encontrou de se libertar um pouco.
O pior de tudo é que eu não tinha com quem conversar, Tory estava
ocupada aprendendo novas coreografias para a equipe de torcida e eu não
tinha ninguém mais tão próximo, então descontei minhas frustrações no
gelo.
Não atendi suas ligações, não ligava para o que eles pensavam nesse
momento. Treinei até a exaustão, até meus pés cederem e minha respiração
se tornar ofegante. Quando retirei os patins minhas unhas dos pés estavam
quebradas e sabia que só um banho quente iria me aquecer de todo frio.
Mesmo odiando voltar para casa não havia outro lugar que eu
pudesse ir no momento, mas não fui saudada por meus pais quando
cheguei. Havia alguns carros do lado de fora, entre eles reconheci o Pakhan
ali, conversando com meu pai em voz baixa.
— Papai. — O chamei me aproximando. — Mamãe...
Não consegui completar a frase, tinha que ter acontecido algo com
ela. Ele estava devastado e chorando, homens não choravam, ainda mais na
frente do Pakhan, mas até ele parecia abalado.
— Eu sinto muito, querida.
Ele me puxa para ele, chorando como criança, mas eu precisava
saber o que houve.
— O que aconteceu com a mamãe?
Com cuidado ele levantou minha cabeça.
— Não foi com sua mãe, querida. — Ele diz com a voz embargada.
— Lily e sua mãe saíram e sua mãe a levou para patinar no rio.
— Mas é quase verão...
Rios começaram a derreter e todo mundo sabe o quão perigoso é
patinar sobre eles, o gelo fica extremamente fino. Em Moscou existem
várias pistas de patinação justamente para as pessoas não usarem rios, que
podem colocar as pessoas em risco. Eu amava patinar nos rios congelados,
mas sempre com cuidado. Cheguei até a levar Lily comigo uns meses atrás.
— Parece que Lily insistiu muito para sua mãe a levar ao rio
congelado e sua mãe não percebeu que o gelo estava fino.
— Lily está bem? — pergunto, com certeza foi um susto enorme
para ela. — Ela nunca mais está autorizada a patinar em rios congelados.
Entro dentro de casa tirando meus sapatos sujos.
— Querida...
— Não pai, ela precisa tomar cuidado. Mamãe também não deve
sair com ela sozinha.
— Querida, você não entendeu...
Ele me segue enquanto começo a subir as escadas, querendo chegar
o mais rápido a Lily para abraçá-la apertado e depois fazê-la me prometer
nunca fazer isso novamente. Me viro para ele.
— Ela está no hospital?
— Lily morreu.
Ele fala as palavras, mas não as absorvo. Continuo subindo as
escadas e vou até seu quarto. Mamãe está sentada no chão junto aos
ursinhos e o conjunto de chá de Lily.
— Mamãe?
Ela se vira para mim e vejo como seus olhos estão vermelhos de
tanto chorar.
— Está tudo bem. — Eu a consolo. — Lily vai voltar do hospital e
nós vamos ensinar a ela sobre como o gelo pode ser perigoso.
Mamãe aperta o meu braço.
— Uma já foi. — Ela sussurra, suas unhas cravando em meu braço
com força.
Meu pai entra no quarto e tenta acalmar minha mãe, mas ela está
perdida na loucura, gritando e se batendo. Alguém me tira dali, mas consigo
ver minha mãe gritando que as vozes a avisaram, que ela avisou.
— Lily, eu preciso ir ver Lily. Ela deve estar tão assustada.
Alguém levanta minha cabeça e eu vejo Krigor.
— Seraphina, você precisa ser forte para você e sua família, sua
irmã se foi.
Eu nego.
— Não, ela só está brincando. É um engano.
Seu olhar de tristeza me faz perceber que não é um engano, não
realmente. Lily não vai voltar, ela se foi para sempre. Escuto gritos e mais
gritos, mal percebendo que sou eu a gritar. Minha irmãzinha. Ela não pode
morrer. Ela devia viver, ser feliz. Ela não merecia a família que tinha. Uma
mãe maluca, um pai relapso e uma irmã que não pude salvar. Ela não
merecia isso.
32
YURIO

Espero a sessão de Seraphina acabar pacientemente, não era para eu


segui-la, mas foi mais forte que eu. Enquanto ela estava na sua sessão de
última hora, pelo que a recepcionista falou, eu agilizo algumas coisas. É
quinta-feira e véspera de feriado, o mundo pode se danar até segunda.
Seraphina não sabe que eu sei sobre seu passado e vou esperar ela
mesma me falar, mas está tomando tudo de mim não tomar conta da
situação como estou acostumado. Quero que ela confie em mim e se abra.
Seraphina sai da terapia mais calma do que a tinha visto antes e
arregala os olhos ao me ver, o terapeuta me observa antes de estender a
mão.
— Sou Robert Ulyanov, você deve ser Yurio, correto?
Não sei se gosto ou não dela ter me citado, mas aperto a mão dele.
— Sim. — Então olho para ela. — Tudo certo?
Seraphina acena e o terapeuta fala com a secretária.
— Nós entramos em contato para agendar as novas consultas. Sua
consulta com o psiquiatra deve ser agora.
Dali nós subimos no elevador e ela espera até as portas se fecharem
para falar:
— Você me seguiu?
— Eu estava preocupado — admito.
Isso parece acalmá-la.
— O que ele falou?
Penso que ela não irá responder, mas ela se vira para mim.
— Ele disse que é o estresse pós-traumático, que talvez eu só
precise de tempo com todas as mudanças recentes, mas que era bom
adiantar minha próxima consulta com o psiquiatra e ele pode querer mudar
colocar mais um calmante ou algo do tipo. Ele não acredita que eu esteja
louca.
Pego sua mão e dou um aperto.
— Eu já sabia disso.
Sua consulta com o psiquiatra é mais rápida e sai de lá com uma
nova receita de seus medicamentos e um olhar triste. No hospital mesmo
nós pegamos os novos remédios.
— Ele aumentou algumas doses e me colocou para terapia
semanalmente, como o doutor já esperava.
— Vai ficar tudo bem. — A consolo.
Nós saímos do prédio e eu abro a porta do carona do meu carro para
ela, que entra e eu vou para o volante.
— E o meu carro?
— Virão buscar.
Ela não pergunta para onde estamos indo ou tenta conversar, posso
vê-la se cobrando mentalmente e acabo segurando sua mão, posso não
salvá-la da sua mente, mas posso dar um descanso a ela.
Dirijo até o antigo prédio de Nikolai, ele me emprestou depois que
disse que Seraphina e eu precisávamos de um tempo sozinhos,
provavelmente ele pensou que era para sexo, mas acredito que é do silêncio
que ela precisa.
— Uau! — Ela vai direto para as grandes janelas que têm vista para
toda a cidade.
Chego por trás dela e beijo seu pescoço.
— Vou te foder forte contra essa janela mais tarde, agora vamos
pedir comida que estou faminto.
Admito que não pensei em tudo, então não tínhamos roupas e pedi a
Anton para trazer, já que pegamos todos os medicamentos na farmácia do
hospital. Coloquei um filme e Seraphina dormiu ainda no começo dele,
mostrando quão cansada estava. Ela pode não ter sido a minha escolha de
mulher, mas não conseguia imaginar outra pessoa que não ela agora.
Não sei o que é o amor, mas tinha certeza de que a minha obsessão
por ela só aumentava cada vez mais que estava junto dela. Acho que
Nikolai era o único que me entendia, e se ele, com todos os seus demônios,
conseguiu achar alguém para ele eu também poderia.
Ela não fugiu quando demonstrei um pouco do meu verdadeiro eu
no bosque e me pergunto se ela ainda gostará de mim se eu falar tudo que
tenho na minha mente. Decidindo testar minha teoria eu desligo as luzes da
casa, com o sol indo embora a escuridão domina o ambiente.
Seraphina dorme adoravelmente no sofá e eu coloco seu cabelo para
o lado, beijando e mordiscando seu pescoço. Ela acorda com um sorriso no
rosto.
— Boa maneira de me acordar. — Sua voz sai rouca de sono
enquanto ela se inclina e beija meu queixo, mas eu não me mexo.
— Você quer brincar comigo, Kiska?
Ela se senta no sofá, percebendo a escuridão no ambiente, mas não
há medo em seu olhar.
— Que jogo?
Eu molho meus lábios.
— Se eu te pegar eu posso fazer o que quiser.
— E se eu conseguir fugir?
— O mesmo.
Ela tira as meias do pé.
— Perigoso. — Uma risadinha sai dela. — Mas eu aceito. Quanto
tempo?
— Dois minutos.
Ela nem espera eu terminar de falar e se levanta correndo para trás
do sofá. Começo a minha caçada, ouvindo sua risada quando corro atrás
dela, contabilizando o tempo na minha cabeça. Ela é esperta e sabe que se
correr para o quarto irá ficar sem espaço para fugir então vai para a cozinha
e contorna a mesa de jantar.
— Tic Tac. — Ela caçoa, puxando a camisa sobre a cabeça e esse é
seu erro.
Consigo contornar a mesa e a agarro pela cintura, a camisa ainda
enrolada em sua cabeça.
— Isso é injusto!
Eu a coloco em cima do balcão da cozinha e a ajudo a se livrar da
camisa, deixando seus seios incríveis livres finalmente. Estico a mão e
acendo a luz da cozinha, me deliciando em vê-la completamente. Abro o
fecho de seu short e desço pelas pernas junto com sua calcinha, que já tem
uma pequena mancha.
— Ficou excitada com nossa brincadeira, me diga?
Ela morde o lábio tímida e acena com a cabeça. Eu levanto uma de
suas pernas, abrindo-a e revelando sua excitação para mim. Toco sua boceta
com a ponta do dedo e ela geme dengosa, seus olhos implorando por mais,
mas sem coragem de pedir.
Abaixo minha cabeça, devorando sua boceta com vontade.
Seraphina grita, tentando fugir e ao mesmo tempo me puxando para mais
perto, perdida nas sensações e é delicioso saber que sou o único a prová-la.
Que ela é minha em todos os sentidos.
— Yurio.
Amo o jeito que ela geme meu nome com reverência. Como seu
corpo se arqueia querendo mais e treme sob meu toque. Agarro suas coxas
para contê-la e desfruto, enfiando um dedo em sua boceta e curvando em
busca do seu ponto G. Seraphina solta um grito e eu sorrio sabendo que
consegui. Enquanto massageio seu clitóris inchado, mexo com aquela parte
dentro dela desfrutando do prazer que eu estava lhe trazendo.
Chupo e mordisco sua entrada, seus sucos escorrendo até seu
cuzinho, me deixando louco enquanto ela geme. Seraphina puxa meus
cabelos com tanta força que eu preciso me afastar um pouco para ver o
prazer estampado em seu rosto.
— Goza pra mim.
Enfio o dedo na sua bunda, ela geme alto, mas todo meu dedo passa
sem problemas. Ela está tão relaxada que poderia comê-la aqui que ela
deixaria sem problema. Sua boceta é minha ruína, escorrendo, pedindo por
mais. Vermelha, inchada e molhada, sem resistir acerto um tapa firme e ela
grita, gozando. Seu corpo se contorcendo enquanto ela chora.
A puxo para mim, bebendo suas lágrimas enquanto ela me agarra
sem conseguir pronunciar uma única palavra. A guio para o quarto e a
coloco em cima da cama, Seraphina toma meus lábios, sentindo seu próprio
gosto e rebolando no meu pau na sua entrada.
Olhando em seus olhos eu a penetro com força, suas unhas cravando
em minhas costas enquanto ela geme meu nome. É delicioso sentir seu
corpo contra o meu, o poder sob minhas mãos quando minha mão se enrola
em seu pescoço delicado.
Querendo mais eu saio de dentro dela e a viro de bruços.
— Abre a bunda para mim.
Seraphina enfia sua cabeça no travesseiro, me fazendo sorrir e lhe
acertar um tapa firme na sua bunda. Com as mãos trêmulas ela abre as
bandas da bunda e eu lambo os lábios vendo o pequeno botão. Me abaixo
lambendo, fazendo-a lamentar. Deixo-o bem molhado e enfio dois dedos
firmes, abrindo e fechando para deixar pronto para mim.
— Comi sua boceta na floresta e vou comer seu cuzinho na cama
para você não me chamar de animal.
Ela geme e reparo como seu corpo está arrepiado quando pressiono
a cabeça contra a sua entrada. Desço minha mão até sua boceta e acaricio
seu clitóris lentamente enquanto entro. Seraphina deixou meu pau tão
molhado que nem precisa de lubrificante.
Cuspo na sua entrada e quando estou dentro dela, Seraphina chora
contra o travesseiro, paro os movimentos, mas ela começa a se mexer.
— Por favor, por favor... não pare. — Ela morde o lábio como se
fosse doloroso para ela confessar que estava gostando demais disso.
— Isso, implora pelo meu pau no seu cuzinho.
Mordo seu ombro e invisto pesado, sem dar misericórdia. Suas mãos
agarram os lençóis e sua boca se abre num grito que nunca sai, porque seu
corpo estremece enquanto ela goza na minha mão. Seu corpo inteiro se
contorcendo, suas lágrimas molhando o travesseiro inteiro.
O prazer é tanto que eu não consigo aguentar e gozo dentro dela,
dando uns tapas na bunda gostosa enquanto ela sorri, me olhando por cima
do ombro.
— Já quero de novo.
Sim, ela foi feita para mim.

Mais tarde, depois de mais uma rodada no chuveiro estamos


agarrados na cama falando sobre tudo e nada.
— Eu me sinto tão sozinha às vezes. — Ela comenta do nada. —
Sinto falta de ouvir o riso de Lily, de seus gritinhos quando ganhava lírios
em seu aniversário, papai me dava um buque de peônias, que são as minhas
favoritas, e para mamãe rosas. Acho que nos encher de presentes era sua
forma de amor.
— Do que mais você lembra?
— De mamãe fazendo panquecas quando eu era pequena, de ver
filmes abraçada com ela e papai. A vinda de Lily pode ter feito minha mãe
ficar doente, mas ela não foi sempre daquele jeito. Ela era amorosa comigo
e Lily, gostava que dançássemos com ela e era legal no começo.
Ela para de falar, provavelmente revivendo os momentos tristes.
— Gostaria de ter conhecido Lily melhor.
Ela sorri.
— Ela também amaria te conhecer, te acharia um príncipe.
Beijo sua testa e voltamos ao silêncio confortável, se eu pudesse
tiraria toda essa dor de Seraphina.
— Amanhã é dia 14 de outubro, Dia Pokrov. Podemos passar o dia
na cidade e mais tarde ir ao jantar da minha família. Depois temos sábado e
domingo livres, podemos voltar pra cá — sugiro quando ela pergunta se
vamos embora amanhã.
Isso a anima e entendo, aqui passamos um dia ótimo, os problemas
não parecendo ultrapassar essas paredes.
— Parece incrível, não vai te causar problema ficar tantos dias longe
do Monastério? — perguntou acariciando meu peito.
— Não, os caras podem resolver qualquer problema.
— Yurio... — Ela levanta a cabeça para mim. — E se eu estiver
ficando maluca igual a minha mãe?
Eu a aperto mais contra mim.
— Isso não vai acontecer, eu não vou deixar.
33
SERAPHINA

Como o prometido estou escolhendo um lenço para colocar na


cabeça, em uma barraquinha do centro da cidade. Dia Pokrov é uma
celebração russa com a proteção da Virgem Maria; cresci ouvindo histórias
de como no século X uma cidade chamada Constantinopla foi cercada por
tropas inimigas pelo mar e não tinha como se defender.
Os habitantes da cidade se reuniram na Igreja Blachernae, nos
arredores de Constantinopla, fizeram vigília durante toda a noite e
clamaram pela Rainha Celestial implorando por salvação, logo depois que
aqueles que oravam na igreja de Blachernae à noite deixaram a casa de
oração, uma tempestade repentina varreu os navios inimigos na baía e o
inimigo recuou das muralhas de Constantinopla.
O Dia Pokrov também é associado a casamentos, com um elegante
lenço nas noivas e muitas mulheres saem para festejar a primeira neve do
inverno. Passeamos pela rua vendo várias crianças brincando de casamento
e todas as mulheres que vi até agora usavam um lenço na cabeça.
Uma senhora na barraca nos parou para perguntar se Yurio não iria
comprar um para mim e agora estávamos escolhendo.
— Eu gosto do vermelho — disse vendo entre tantos modelos e
cores.
Yurio colocou sobre a minha cabeça, nós já havíamos tomado café
com panquecas assadas polvilhadas de açúcar e chocolate quente, mas o
frio estava se tornando maior.
— Sabiam que os casamentos nesse período trazem famílias fortes e
amigáveis? — A senhora sondou enquanto Yurio pagava.
— Nós somos jovens demais para nos casar agora — intervi
suavemente. — Mas hoje é dia de brincar de noiva.
Coloquei meu braço sobre o de Yurio enquanto voltamos a andar.
— Vai nevar hoje, certeza. — Olhei para cima e quando Yurio não
respondeu me virei para ele vendo que me fitava. — O quê?
— Tecnicamente nós já somos noivos, Seraphina. — Ele brinca.
Eu rolo meus olhos.
— Não lembro do seu pedido.
O empurrei de leve.
— Vamos passar em alguma loja para comprar um vestido para mais
tarde.
— E calcinhas — completou me fazendo sorrir, já que a pequena
mala com roupas não continham calcinhas ou sutiãs.
Yurio me acordou hoje de manhã com sua boca em mim, minha
única calcinha foi rasgada. Ele não gostou que no meio da noite senti frio e
vesti calcinhas e coloquei um casaco, mas realmente estava frio. Basta dizer
que eu estava sem calcinhas e muito satisfeita.
Nós decidimos ir um pouco mais cedo para a casa de seus pais por
conta da neve que começa a cair, sem querer arriscar. Quando chegamos
somos recebidos por Lara e Sophia, nós conversamos sobre o passeio que
fizemos hoje pelo centro e logo todos nós jantamos juntos. Yurio é tão leve
aqui com a família, mas ainda assim às vezes vejo um olhar triste quando
pensa que ninguém está prestando atenção.
Depois do jantar, Lara traz álbuns de fotos para mostrar a Sophia e
eu. As meninas me incluem na conversa e eu tenho que controlar minha
risada ao ver uma foto de Yurio pelado bebê com uma panela na cabeça.
Ele está com seu pai e tio, que estão fumando charutos, e eu não me
contenho.
— Yurio. — O chamo e mostro a foto.
— Mamãe! — Ele reclama fazendo todo mundo rir. Ele vem para a
mesa junto com a gente e começa a fechar os álbuns. — Chega.
Sua mãe segura um contra o peito.
— Esse aqui não tem ninguém nu, eu juro! — Ela mostra a capa que
é dos anos escolares de Yurio. — Estava conversando com seu pai
justamente sobre isso, olhem e me digam, o que acham?
Yurio se senta ao meu lado e abre o álbum que sua mãe lhe
entregou, a primeira foto é do jardim de infância da turma toda com um
avental cheio de tinta.
— Olha eu pequena — aponto para a minha foto com o dedo na
boca. Yurio está ao meu lado mordendo um giz de cera azul, sua cara
invocada. — Desde pequeno com esse olhar de psicopata — comento e
tampo a boca, mas já é tarde, sua família está rindo.
Yurio pisca para mim e passa para a próxima foto, começo a
perceber um padrão, em todas as fotos, sem exceção, nós dois estamos um
do lado do outro, como ímãs. Os lugares nunca foram marcados e estamos
juntos em todas, menos na do dia da formatura porque eu já não estava.
Me viro para ele e percebo que ele também reparou.
— Vocês dois parecem destinados a estarem juntos. — Lara
comentou.
— Em muitos desses anos nós nem nos falamos — comento. —
Nunca havia reparado que estávamos sempre juntos nas fotos.
— Eu também não.
Passo as fotos e a última que estou presente é na foto de formatura,
porque não estive nem no baile e nem na festa de formatura.
— Você estava lindo. — Toco a foto dele junto com os amigos
usando ternos e fecho o álbum. — Gostaria de ter ido.
Izma traz chá e me cumprimenta, não sabia que ela trabalhava
mesmo em feriados, Lara a convida para ficar conosco, mas Izma declara
que já está na hora dela ir se deitar.
Yurio coloca a boca no meu ouvido e sussurra enquanto bebo chá.
— Termine logo para irmos para meu antigo quarto.
Tomo um gole maior, minhas bochechas coradas com medo de que
alguém escutou o que ele disse, mas ninguém está prestando atenção. Mais
um gole e o chá acaba e Yurio se levanta.
— Nós já vamos nos deitar, estamos muito cansados. — Ele força
um bocejo e eu lhe acerto uma cotovelada na barriga por ser tão debochado
na frente da sua família.
— Boa noite! — Nem consigo olhar nos olhos de ninguém enquanto
saímos.
Yurio me agarra assim que estamos longe da vista deles, me
pressionando contra o corredor e tomando meus lábios, como se
estivéssemos separados há meses. Uma tontura vem e eu me agarro a ele,
não querendo estragar o momento.
— Vem. — Ele segura minha mão e me guia pelo corredor, mas meu
corpo parece estranho, meio mole, minha boca seca.
Vejo algo se mexer na parede e solto um grito assustado, com o meu
reflexo no espelho, mas ele começa a parecer desforme, meu rosto caindo.
Só percebo que estou gritando e me debatendo quando Yurio me levanta do
chão e nos leva até seu quarto.
A imagem não sai da minha cabeça e eu começo a puxar meus
cabelos, só para ter minhas mãos seguradas. Alguém bate na porta.
— Yurio, está tudo bem?
Mas as vozes parecem longe. Meu ouvido está zunindo e meu
estômago protesta, solto um som engasgado e Yurio me leva até o vaso
onde eu vomito todo o jantar. Posso escutar ele falando com alguém
enquanto segura meus cabelos, mas tudo parece a anos=luz de mim.
Aos poucos vou melhorando e a realidade me bate. Yurio me levanta
do vaso e dá descarga, me colocando sentada na bancada do banheiro
enquanto escova meus dentes. Um soluço sai de mim, eu não consigo nem
mesmo olhar em seus olhos.
Eu tive uma crise de loucura e com certeza toda a casa ouviu. Eu o
envergonhei. Ele estava com uma maluca, sua família devia pensar e eles
não estão errados.
— Ei, não chore. — Ele pede, sua mão tentando secar minhas
lágrimas.
— Eu devia ir embora — murmuro sem conseguir levantar a cabeça.
— Seraphina.
— Eu estou doente, Yurio. Eu sou maluca como minha mãe. —
Fungo. — Vou falar com seu pai, cancelar esse namoro — soluço. — Você
não precisa passar por isso.
Ele segura meu rosto e mesmo sem querer acabo encontrando seus
olhos.
— Não.
É a sua resposta.
— Yurio...
— Não, eu não quero que fale assim de você novamente. Você é
minha. Não há como fugir de mim nem se tentar, Seraphina.
— Mas eu...
Ele me puxa para ele, ficando entre minhas pernas no balcão.
— Foi um dia corrido e você está cansada, vamos descansar.
Ele me leva até o quarto e me entrega os medicamentos da noite.
— Yurio, você não precisa se prender a mim. — Meus ombros estão
cedidos de vergonha e medo. — O que as pessoas vão pensar...
— Caralho! Eu não vou terminar com você, Seraphina. Eu te amo
— declara em voz alta e sinto como se um peso me deixasse. — Não me
importo com o que vão pensar. Você é minha. Eu nunca achei que poderia
me apaixonar por alguém, mas você é perfeita para mim. — Ele me beija.
— Eu amo que você me encara, me desafia, que não foge. — Volta a me
beijar. — Amo sua força, sua coragem. — Mais beijos. — Acho que sempre
te amei, você viu nossas fotos. Você nasceu para mim.
Eu já estou chorando muito e ele me segura firme.
— Você é minha e vamos enfrentar isso juntos.
Ele beija minha testa e coloca os comprimidos na minha mão e me
dá o copo d’água.
— Eu estou nessa com você e não vou te deixar. Nós vamos
descobrir isso.
— Eu... — Abro a boca para responder, mas ele coloca o dedo.
— Diga quando você se sentir pronta, porque eu estou aqui para
ficar.
34
YURIO

Seguro Seraphina enquanto o remédio faz efeito e tento pensar no


que pode ter desencadeado sua crise, mas nada vem a minha mente. Nós
passamos um dia divertido, talvez até seja isso. Seraphina já passou por
tanta coisa, vê-la se sentindo envergonhada pelo que aconteceu é triste até
para mim, a vontade de cuidar dela só aumentou.
Vê-la derrotada me fez perceber o quão importante ela é para mim e
eu não me importo com o que vão pensar, ela é minha e não vou abrir mão
no primeiro problema. Nós temos a tecnologia, a medicina moderna a nosso
favor e descobriríamos como ajeitar o que estivesse errado com ela.
Lembrei de sua mãe, o olhar vazio e Seraphina não tem esse olhar. Minha
menina é uma lutadora.
Uma batida suave na porta me faz levantar depressa para não a
acordar, se bem que os remédios que ela tomou a derrubaram
imediatamente e duvidava muito que ela acordasse até amanhã.
Abro a porta vendo que é meu pai.
— Como ela está? — Ele olha para dentro do quarto vendo-a
dormir.
— Eu sei o que você vai dizer e não me importo — declaro.
Meu pai levanta a sobrancelha.
— Sabe?
— Eu a amo, pai. Seraphina é forte, determinada, ela me desafia, me
faz querer ser alguém melhor para ela. Eu não vou desistir disso.
Meu pai fica em silêncio, me observando como se lesse minha alma.
Ele é a pessoa que mais admiro e respeito no mundo, mas eu não desistiria
de Seraphina nem que ele me mandasse.
— Cuide dela, filho. — Ele bate no meu ombro e me deixa.
Me deito ao lado dela, ajeitando-a entre os travesseiros e a cobrindo
para estar confortável enquanto acaricio seu rosto. Uma vontade de chorar
vem, não lembro a última vez que chorei, mas sinto as lágrimas caindo dos
meus olhos ao vê-la tão indefesa.
— Eu estou aqui para você. Eu prometo — sussurro e ela parece
relaxar mais em seu sono, sabendo que eu nunca a deixaria.

***
Acordo primeiro que Seraphina e levo meu tempo admirando sua
beleza, seus cílios grossos e longos, seus traços delicados e sua boca rosada
entreaberta. É bem cedo e sei que assim que ela acordar sentirá o peso do
mundo sobre seus ombros depois de ontem.
Eu realmente não acho que Seraphina é louca, tem algo acontecendo
e eu descobriria, passamos um tempo juntos e nada aconteceu, por que
agora que estávamos na presença de outras pessoas aconteceria?
Mando uma mensagem para os caras que me xingam pelo horário,
mas prometem cuidar do que eu pedi. Talvez seja demais, mas quero que
ela se sinta feliz e segura no Monastério, eles caçoam de mim, mas
prometem que tudo estará pronto quando eu voltar.
Decido lhe preparar um café na cama como já vi meu pai fazendo
para minha mãe várias vezes enquanto crescia. Desço para a cozinha e
aproveito que estou sozinho, apesar de não saber cozinhar muito bem eu
consigo fazer uma omelete e fritar salsichas, além de usar a máquina de
café e até mesmo pego morangos na geladeira e coloco chocolate derretido,
acho que com um café desses mereço um boquete.
Estou terminando de ajeitar a bandeja quando mamãe entra na
cozinha. Ela levanta uma sobrancelha ao ver a bagunça que eu fiz, mas me
dá um pequeno sorriso ao ver a bandeja.
— Faltou pano de prato. — Ela vai até o armário e pega um junto
com um suporte e coloca na bandeja, também troca os talheres pelos mais
chiques e olha em volta pegando uma flor de um vaso.
— Não acho que precisa disso tudo — resmungo.
Mamãe ajeita meus cabelos e tenta tirar remela dos meus olhos
como se eu fosse um bebê.
— Você está em um relacionamento, deve saber agradar a sua
namorada para que ela nunca pense que outro pode fazer melhor.
Isso me faz parar, pensando em como tirei a virgindade dela no meio
da floresta, de como a tratei e uma sensação de mal-estar vem, apesar de
Seraphina ter falado que tinha gostado.
Mamãe limpa a garganta me tirando dos pensamentos.
— Izma me contou que o que aconteceu ontem é recorrente, será
que Seraphina está se tratando?
Aperto minha mandíbula, então Izma está contando o que acontece
no Monastério? Filha da puta. Eu havia avisado que se ela quisesse
trabalhar lá deveria manter o que vê em silêncio, não preciso dos meus pais
sabendo cada passo que eu dou.
— Sim, ela está fazendo tratamento. Acabou de mudar os
medicamentos, sua crise foi por cansaço.
Mamãe acena e então limpa a garganta, seu rosto e colo ficando
vermelhos.
— Sei que não deveria perguntar sobre isso, mas vocês estão se
cuidando? Eu adoraria ser avó, mas penso que Seraphina e você gostariam
de terminar a faculdade sem ter que se desdobrarem para cuidar de um
bebê.
Poderia dizer que não era da sua conta, mas ao ver a sua
preocupação sei que ela só quer o melhor para a gente. A ideia de ser pai
agora nem passou pela minha cabeça, mas nunca me preveni, sei que não
tenho doenças venéreas, mas fui irresponsável de não perguntar se ela
estava se prevenindo.
— Nós vamos cuidar disso, mamãe.
Pego a bandeja, mas ela barra o caminho.
— Seraphina não tem mais uma figura materna e eu gostaria de
estar lá para ela, caso ela queira.
— Não acho que ela precise de uma conversa de onde vem os bebês.
Mamãe rola os olhos.
— Só me deixe marcar de sair e aí posso ver o que ela precisa.
— Tá bom.
Mamãe beija minha bochecha e ajeita meus cabelos mais uma vez
antes de me deixar ir. Quando volto ao quarto vou rapidamente escovar os
dentes e lavar o rosto antes de ir acordar Seraphina. Ela é tão linda. Passo a
mão por seu cabelo e beijo seu pescoço, ela abre os olhos sorrindo.
— Bom dia! — Ela se senta na cama e arregala os olhos ao ver a
bandeja de café da manhã. — Isso é tão... você fez isso?
Dou de ombros, ficando sem graça com sua atenção. Ela estica a
mão e pega um morango, dando uma mordida antes de se esticar e beijar
meus lábios.
— Isso é incrível, nunca tive nada como isso.
Ver o brilho em seu olhar me faz querer lhe dar o mundo inteiro. O
café da manhã é divertido, mas posso ver o cérebro dela trabalhando sobre
os acontecimentos de ontem.
— É verdade o que você me falou ontem, sobre os seus
sentimentos?
Seguro sua mão.
— Já te avisei que não a deixarei ir. Eu nunca amei antes, mas acho
que o que sinto por você é o que deve ser o amor. — Coloco sua mão sobre
meu peito.

Passamos o dia no apartamento, sem falar sobre o que houve. Em


vez disso ficamos na cama, vendo filmes e comendo besteira e mais tarde a
levei a um restaurante chique. Seraphina estava corada quando puxei a
cadeira para ela, me achando um cavalheiro até eu sussurrar em seu ouvido:
— Você não sai desse restaurante até gozar pra mim.
Nem preciso dizer que ela se engasga. Seu rosto ficando vermelho
enquanto eu fazia nosso pedido.
— Você tem que parar de fazer isso — resmunga depois de beber
um gole de água.
— De quê?
Ela exaspera.
— Você sabe muito bem.
Me aproximo, pegando sua mão na mesa.
— Fale e talvez eu pare.
Ela não fala, em vez disso sinto seu pé deslizando por minha perna
debaixo da mesa. Seu olhar travesso me desarma, ela me olha como se fosse
dona do mundo e eu não resisto, abrindo mais minhas pernas à espera do
que ela possa fazer. Suas bochechas estão coradas adoravelmente e ela
morde o lábio quando seu pé roça na minha ereção dura.
— Yurio, que bom lhe ver!
Levanto a cabeça para o convidado indesejado. É Miroslav
Balashov, assumiu os negócios de seu pai uns anos atrás e por ser bom no
que faz, parece achar que tem intimidade o suficiente para interromper meu
encontro com minha garota.
O pé de Seraphina sai de cima do meu colo imediatamente enquanto
olha assustada para Miroslav. Existem muitas histórias sobre a cicatriz que
ele tem da testa até a boca, uns dizem que foi numa luta de facas, outros que
ele mesmo fez isso e tem até uns boatos que foi Leoncio quem mandou seu
próprio pai fazer isso nele para mostrar confiança.
— Balashov. — Aceno, mas ele não sai dali, sua atenção focada em
Seraphina.
— Senhorita Petrova, está mais bonita a cada vez que a vejo.
Seraphina olha para mim em busca de ajuda, seu desespero me
causando raiva.
— É melhor você parar de olhar para minha mulher assim,
Balashov.
Ele parece acordar do transe e acena antes de deixar mesa.
— O que foi isso?
Seraphina toma um gole de água.
— Ele era um dos pretendentes que queriam se casar comigo.
Eu tomo um gole do meu uísque.
— Bem, isso não vai acontecer.
— Por quê?
— Porque eu não vou te deixar ir, Seraphina. Mesmo que você
implore.

***

No domingo à tarde estou me sentindo um pouco patético enquanto


dirijo, Seraphina por outro lado está ansiosa tentando descobrir aonde
estamos indo. Ela cantarola as músicas e tirou uma foto nossa quando paro
no sinal.
— Yurio.
— Hmm.
Me viro vendo-a sorrindo.
— Não me importo para onde vamos, você não precisa me
impressionar mais. Eu já estou...
Um carro atrás de nós buzina fazendo-a pular de susto. Eu dou
partida e sorrio ao vê-la carrancuda.
— Você terá outros momentos para dizer o quanto me acha
irresistível, não se preocupe.
— Convencido — responde, mas sinto o sorriso em sua voz.
Mais à frente estaciono o carro e Seraphina ofega ao meu lado.
— Achei que você gostaria de matar um pouco da saudade.
Dou a volta no carro e abro a porta para ela, não por ser um
cavalheiro, mas por não saber como ela irá reagir. Seraphina pega minha
mão e quando sai do carro me puxa para um abraço apertado.
— Obrigada!
Pago a nossa entrada e chegamos bem a tempo das apresentações no
gelo. Nós nos sentamos em nossos lugares, mas só passam alguns minutos
antes que eu veja câmeras nos filmando, começo a me levantar imaginando
ser algo ruim, mas ela segura minha mão.
— Eles me reconheceram. — Ela diz envergonhada e acena para as
câmeras antes de voltar sua atenção para a apresentação.
Quando acaba ela se levanta e aplaude de pé, vejo como seus olhos
estão marejados e não tenho ideia se foi uma boa ideia trazê-la aqui ou não.
Apresentação após apresentação Seraphina é tietada e perguntada quando
estará de volta às competições. Ela é simpática, mas não responde às
perguntas.
As vencedoras pedem fotos com ela e apesar de já saber do sucesso
que Seraphina fora durante nossos anos na escola, isso é insano e só
responde a minha pergunta interna de que ela precisa voltar ao gelo para
competir.
Quando voltamos para o carro minha menina está praticamente
deslizando sobre o chão, um sorriso tão doce que me faz puxá-la para mim
e tomar seus lábios.
— Gostou da surpresa?
— Yurio, eu nem tenho palavras para dizer o quanto amei a
surpresa. Eu não tinha ideia de que sentia tanta falta de competir até hoje.
— Ela fica na ponta dos pés, suas mãos em meu peito para se apoiar. — Eu
nunca pensei que pudesse ser amada dessa maneira, que existisse alguém
que ficaria comigo, ainda mais com tudo que tem acontecido. — Lágrimas
escorrem de seu rosto. — Você se tornou minha âncora, meu melhor amigo
e eu pensei que meu coração tivesse sido arrancado do meu peito com a
morte da minha família, mas você...
Sua voz falha e eu mesmo fico emocionado em ver o amor em seu
olhar.
— Nós dois não somos fáceis de amar, essa é a verdade. Nós
lutamos contra isso, mas eu estou completamente apaixonada por você. Eu
te amo, Yurio.
Ela me puxa para um beijo, parecendo ter medo de como vou reagir
a sua declaração de amor, mas eu lhe mostro exatamente como me sinto
quando voltamos para o apartamento.
Na segunda-feira nós voltamos para o Monastério cedo, Seraphina
está relaxada e com um sorriso bobo no rosto depois do jeito que a acordei,
chupando-a até que acordou gozando. Quase acabamos nos atrasando para
as aulas, mas queria que ela visse o que planejei pela manhã.
— Tem algo para você lá dentro.
Observo sua bunda enquanto ela sobe as escadas correndo, comigo
atrás para ver sua reação. Seraphina leva as mãos aos lábios ao ver o
aquário de quinhentos litros na sala, luzes de LED iluminando, corais
ornando tudo. Junto a Oscar agora havia uma companheira para ele e alguns
outros peixes.
— Oscar! — Ela solta um gritinho tocando o aquário grande com a
ponta do dedo.
— Eu queria que você se sentisse mais em casa aqui e...
Ela se joga nos meus braços, me enchendo de beijos.
— É o melhor presente que já ganhei.
Ela se vira para olhar mais e eu envolvo meus braços em sua cintura
e meu queixo sobre sua cabeça. Por mais que eu queira ficar mais tempo
assim ambos precisamos ir para nossas aulas, Seraphina fala que me
encontra no almoço e assim fizemos.
Os últimos dias com Seraphina podem ter sido divertidos, mas
acabou me atrasando em alguns assuntos e apesar de odiar perder aulas é
preciso. Vou até a sala do reitor e a secretária sequer tenta me fazer esperar.
O reitor arregala os olhos ao me ver.
— Senhor Leonov.
Me sento a sua frente sem desviar meus olhos dele.
— O ofício falando sobre a suspensão já foi enviado?
Ele limpa a garganta e puxa um pouco a gravata.
— Veja bem, muitas pessoas viram que o senhor deu o primeiro
soco e...
— Quem viu? — Sorrio quando vejo o suor se acumulando em sua
testa.
Ele pega um paninho para limpar o suor, eu nem escondo meu asco
e me levanto.
— Até o fim do dia quero a suspensão encerrada.
Saio da sala e a secretária engasga me oferecendo água, mas eu a
ignoro. Sou um filho da puta, mas gosto de usar o medo a meu favor às
vezes. Estou atrasado para uma reunião das fraternidades antes dos jogos e
acho que as únicas pessoas que eu evito são o conselho de provas, que são
ex-reis. Apesar de conhecer bem alguns, eles nunca revelam as respostas ou
as provas, é uma brincadeira que todos gostam. Em algum momento deixou
de ser saudável para ser sangrento, mas é só um detalhe. Bem, o que esperar
de filhos de mafiosos?
Irina rola os olhos quando entro na sala sendo o último a chegar, até
mesmo Seraphina está ali. O salão está cheio de membros e levanto uma
sobrancelha ao ver meu pai ali na área dos Cárpatos, para meu desgosto.
Me aproximo do meu grupo e entre eles está Nikolai; como eu
fundei essa fraternidade não temos ex-reis mais antigos para estarem no
conselho e me foi mandando escolher alguém. Meu tio não gostou muito,
mas quem não gostava de ver jovens sangrando e chorando às vezes?
— Os Kitsunes estão sendo um pé no saco. — Ele diz quando eu me
aproximo.
Estou meio avisado quando Lupita Foweg se levanta usando um
terninho rosa horroroso numa mulher de quase cinquenta anos que acha que
tem vinte. Não importa quantas cirurgias plásticas fez, mesmo de longe ela
não consegue esconder a cara azeda e a voz irritante. Ela é uma das rainhas
de seus anos e seu marido era um bobão que a deixava comandar essa parte
para ela se sentir útil além das suas saídas para compras.
— Bem, já podemos começar. Chegou a nosso conhecimento que
agora o Monastério é um ambiente híbrido e com isso é lei que em todas as
provas em grupo haja uma mulher, assim como nas outras fraternidades. —
Ela troca o papel em sua mão por outro. — É esperado que o baile
fornecido por cada fraternidade também conte com a ajuda de todos os
membros, é claro.
Seraphina geme ao meu lado.
— Baile? — Ela murmura.
— É só um jeito delicado de falar uma festa de fraternidade. —
Matvei oferece.
Lupita continua a falar sobre como o decoro é importante nas festas
e tal, fazendo todo mundo esconder o riso. A palavra é passada para meu
pai.
— Todas as fraternidades irão receber a programação três dias antes
das provas para se prepararem e dividirem suas equipes, seus corpos e
mentes serão postos à prova. A tabela de pontos, como de costume, só será
revelada no final junto à pontuação de cada fraternidade.
— Vocês levam isso bem a sério mesmo, né? — Seraphina comenta
em voz baixa e olha para todos do nosso grupo. — Sabem que vão precisar
de mais mulheres no Monastério se quiserem vencer, certo?
Alguns gemem e outros parecem animados com a ideia, mas
realmente não vejo outra mulher querendo entrar por livre e espontânea
vontade.
— Nós vamos pensar sobre isso.
— Melhor pensarem logo por que eu definitivamente não vou me
transformar em um polvo multifuncional.
A reunião acaba e Nikolai resmunga algo antes de ir embora. Meu
pai vem até mim com um sorriso.
— Preparado para ser derrotado?
Seraphina ofega ao meu lado, me lançando um olhar para eu ficar
quieto, mas já estou sorrindo para meu pai.
— Preparado para fazer os Cárpatos comerem poeira, novamente?
No semestre passado, nos jogos de Primavera, nós ganhamos com
uma pequena diferença dos demais, já que não tínhamos mulher na equipe e
isso nos dificultou em algumas provas.
Depois foi a vez dos Kitsunes ganharem os Jogos de Verão, não que
eles tenham sido ganhadores genuínos, já que foram oferecidos convites
para a orgia com as mulheres mais gostosas da Kitsune para aqueles que
desistissem e nem preciso dizer que mais da metade dos caras de todas as
fraternidades desistiram, mas esse ano eu não estava deixando isso
acontecer novamente; a surra que meu bando tomou serviu para aprenderem
a não se deixarem levar.
— Tivemos ideias muito boas para os Jogos de Outono. — Ele deixa
no ar antes de sair, como um aviso silencioso.
— Porra, ele vai nos foder. — Grigory geme.
Meu pai normalmente só estava no dia das provas para beber cerveja
e se divertir com os outros pais da Bratva, se ele estava ajudando a
organizar definitivamente seria mais complicado agora.
— Por que sinto que quem vai se foder nessa brincadeira sou eu? —
Seraphina reclama e aponta um dedo para mim. — É melhor você resolver
isso.
Ela sai e um pequeno sorriso se curva em meus lábios.
— Vai deixar mulher mandar em você agora? — Kaz reclama
brincando.
— Ela não está errada, mais mulheres iriam nos ajudar nas provas
unissex. — Mik comenta.
Kaz lhe acerta um tapa na nuca.
— Tudo isso é culpa da Irina, controle sua mulher.
Mik resmunga, mas concorda.
Olho para todos os meus homens e suspiro.
— Quantas mulheres será que conseguimos até as provas?
A resposta até o final do dia é nenhuma, como eu esperava. Eu não
estava disposto a diminuir a dificuldade de nossas provas só para mulheres
entrarem, não queria diminuir nosso nível e quando comentei isso durante o
almoço Seraphina bufou ao meu lado.
— Não é certo querer medir a força da pessoa em uma iniciação.
Existem aqueles que são mais inteligentes do que fortes e isso também é
importante.
Suspiro quando vejo os homens concordando com ela.
— Tudo bem, o que sugere?
Ela para pra pensar adoravelmente, minha garota definitivamente
não tinha chegado na parte em que eu aceitava com facilidade.
— Bem, podíamos manter a caçada, porém as mulheres podem usar
as ferramentas que quiserem para evitar serem pegas.
— Fala de sexo? — Matvei pergunta com os olhos arregalados.
Seraphina dá de ombros.
— Acho que depende da mulher, mas oferecer para limpar o quarto
por um semestre, ou cozinhar... ensinar alguma matéria.
— Definitivamente vão oferecer sexo. — Kaz afirma e todos os
homens na mesa, sem exceção, acenam.
Seraphina joga um pedaço de pão nele.
— Tenho certeza que elas vão surpreender. — Mas seu rosto já não
demonstra tanta certeza.
Eu a puxo para mim.
— Com certeza você entraria pelo boquete que faz em mim —
sussurro em seu ouvido e vejo o vermelho corar suas bochechas.
Ela me empurra.
— Eu entrei porque sou foda e nada pode tirar meu mérito. — Mas
ela ainda tem um sorriso bobo nos lábios.

***

O resto da semana é corrido, Seraphina se junta a nós para o treino,


mas usa seu próprio tempo marcado no gelo. Até Ivy foi acompanhá-la para
filmá-la uma vez e estar no gelo definitivamente não era algo que ela fazia
direito, mas ficou por causa de Seraphina. Como se já soubesse que quero
conversar com Tory a respeito de Seraphina, ela me evita durante toda a
semana, fugindo de mim.
Mas eu não desisto e na sexta-feira convido Irina e algumas de suas
amigas para virem para o Monastério, Seraphina não está muito animada,
mas minha garota não é do tipo que se esconde.
Observo ela passando máscara de cílios de frente para o espelho
enquanto termina de se arrumar. Ela está com uma saia jeans que me faz
querer correr minhas mãos por suas pernas e bunda quando ela se inclina no
espelho mais uma vez, me provocando.
— É melhor parar de se inclinar assim ou vamos ficar aqui mesmo.
Ela se vira para mim.
— Por que não fizemos isso antes?
— O que, te comer contra o espelho?
Ela sorri.
— Não, bobo. Estou falando de ficarmos juntos, acho que meu
último ano teria sido bem mais interessante. Talvez se tivesse você eu não
seria o que sou agora. — Ela dá de ombros, como se não fosse grande coisa.
Me levanto até parar na sua frente e levantar seu queixo.
— Eu gosto da mulher que você é hoje.
Ela inclina a cabeça na minha mão, gostando do carinho.
— Nós tivemos um momento naquele baile, por que você não me
quis naquela época?
É difícil responder, porque eu realmente não sei uma resposta certa.
Isso faz Seraphina bufar e bater na minha mão antes de me empurrar.
— É por que eu não era quebrada o suficiente?
— Seraphina — falo seu nome com um aviso, mas ela está puta e
gostosa.
— Você tem tesão por meninas órfãs e malucas?
A pergunta é séria, mas acabo rindo.
— Só por uma.
Ela solta um grunhido irritado como um animal raivoso e se joga
sobre mim, fazendo nós dois cairmos na nossa cama. Eu rapidamente nos
viro e dou uma mordida em seu ombro, fazendo-a gritar.
— Quer uma foda com raiva e não está sabendo pedir, Kiska?
Ela volta a grunhir tentando se soltar de mim, mas reparo como seus
mamilos marcam na camisa apertada, de como sua respiração está forte.
— Pergunta para as meninas que você convidou!
Então é isso, ela está com ciúme. Meu sorriso só a faz se contorcer
mais, me deixando louco.
— Quer que eu diga como você é a única que eu quero? Que é só
pensar em você que fico duro como pedra, de como sempre te achei a
menina mais bonita do mundo?
— Mentiroso.
Minha mão vai para a sua garganta, não apertando o suficiente para
ela ficar sem ar, mas o suficiente para ela não se mover mais.
— Eu sempre te achei perfeita demais, não achava que era bom o
suficiente para você.
Isso a faz suspirar.
— Mas naquele dia do baile eu te mostrei quem eu era, você viu que
não havia nada de perfeito em mim.
— E ainda assim você tinha medo de mim — retruco seco.
Ela franze a testa.
— Eu não tinha medo de você.
Eu me sento na cama.
— Qual é, Seraphina? Eu ouvi você falando sobre como eu te
assustava, que te dava arrepios do jeito ruim e que eu era um psicopata.
Ela também se senta.
— Eu nunca falei isso de você, Yurio. Eu juro.
— Se eu mesmo não tivesse ouvido o áudio poderia acreditar. — Me
levanto. — Vem, vamos descer.
Seraphina não se mexe na cama.
— Eu nunca falei isso de você. Eu estava louca por você desde
nosso primeiro beijo, mas então você virou um idiota e estava com outras
garotas, inclusive Tatiana!
— Queria que eu esperasse você, que disse que eu era um psicopata
e que te transformaria numa boneca? Você e Tory estavam rindo.
Ela arregala os olhos.
— Eu lembro disso, mas eu não estava falando de você e sim de
Eduard Flertew.
Meu olhar suspeito a faz revirar os olhos.
— Eu lembro desse dia, Tory falou que ele estava interessado em
mim e eu disse que o achava assustador e tal, que estava gostando de você.
— Ela se levanta parando na minha frente. — Você ouviu uma conversa de
garotas no banheiro, pensou que era você e por isso ficou com outras
garotas?
Não, eu não ouvi a conversa. Irina ouviu e gravou. Caralho. Os
caras estavam me zoando dizendo que eu estava apaixonado por Seraphina
depois que dançamos e saímos juntos do baile, então Irina veio e me
mostrou o áudio e disse que ouviu elas falando de mim no banheiro. Eu
acreditei, sabia que Irina tinha uma queda por mim, mas não imaginei que
ela fosse mentir na minha cara.
Abro a boca para contar a Seraphina, mas sua antipatia por Irina é
clara e ela ainda é noiva do meu melhor amigo. Não acho que isso afetaria
nossa amizade, mas definitivamente escolheríamos nossos lados e isso
poderia complicar as coisas.
— Eu tinha dezessete e era um idiota, essa é minha justificativa. —
Dou de ombros.
Seraphina me olha como se pudesse ver através da minha mentira,
mas acena.
— Bem, você ainda é assustador e psicopata, mas é meu. — Ela
beija meus lábios.
Ela segura minha mão, sua mão sendo bem menor e mais delicada
enquanto descemos as escadas. Irina está sentada no colo de Mik falando
sem parar enquanto ele acena sem muito entusiasmo, mas com um olhar
apaixonado e me pergunto se pareço assim quando estou com Seraphina.
Ela desce as escadas com um suspiro e passa pelas meninas indo até
os Sentinelas que estão perto do aquário e começa a conversar com eles. Do
outro lado do salão vejo o jeito que Tory olha para ela, com saudade e
tristeza, seus olhos chegando a marejar quando ela sai dali e decido a seguir.
Espero pacientemente ela sair do banheiro social e ela arregala os
olhos ao me ver esperando por ela.
— Por que você rompeu sua amizade com Seraphina?
Ela começa a negar e gaguejar, mas logo está chorando sem parar.
Eu só a observo até que ela quebre de vez.
— Irina está me ameaçando. Primeiro ela disse que só tinha que
pegar o celular de Seraphina por alguns minutos enquanto nos
arrumávamos para comemorar o sucesso do Lava- rápido de caridade;
quando descobri que havia colocado um vídeo no celular dela eu fiquei mal
e ia contar, mas ela me ameaçou...
Ela funga, mas não espera que eu a conforte.
— É uma traição à Bratva? — Ela nega. — A mim ou a algo
relacionado a Seraphina? — Ela volta a negar. — Então deixe comigo.
Ela solta um suspiro chocado, mas eu a assusto quando dou um
passo em sua direção.
— Mas volte a magoar Seraphina e é a mim que você vai enfrentar.
Não fale nada a respeito disso para ela.
— Eu realmente sinto muito, não queria que nada acontecesse com
ela, mas então Irina mandou eu me afastar e ser cruel com ela. O segredo
que ela tem de mim poderia arruinar a minha vida...
— Eu resolvo, sai.
Ela acena rapidamente e sai correndo. Irina mais uma vez ferrando
com Seraphina. Mando uma mensagem para Mik me encontrar no escritório
e ele chega com a testa franzida.
— Aconteceu alguma coisa?
— Irina está fodendo comigo e eu não estou gostando. Isso precisa
acabar.
Ele se senta e eu conto como ela mentiu para mim, de como
manipulou a todos nós e por isso Seraphina foi obrigada a se inscrever no
Monastério, de como ameaçou Tory ao ponto dela estar assustada para
afastá-la de Seraphina. Ele escuta tudo em silêncio, seu rosto tenso, mas
sabe que eu não aumentei ou inventei nada aqui. Mik pode ser um bobo
apaixonado, mas não é um idiota.
— Eu vou resolver.
— Eu espero, porque senão eu irei.
Saio do escritório vendo-o falar algo em voz baixa para Irina e os
dois saírem para seu quarto. Vou até a caixa de som e aumento mais em
caso de gritos e histeria. Seraphina não é frágil, mas não quero que ela
acabe tendo uma crise ou piore por causa de Irina e sua inveja.
Observo Tory se aproximar e apontar para o aquário e começar a
falar com Seraphina. Minha menina parece surpresa e até emocionada
enquanto responde. Ivy não veio e eu a respeito por não querer passar muito
tempo no mesmo lugar que Irina, eu também não iria aguentar.
No final da noite as duas estão rindo felizes, o sorriso sincero de
Seraphina quando ela me olha diz que de alguma forma ela sabe que eu
tenho a ver com essa aproximação de Tory, mas que está agradecida. Eu
pisco para ela antes de voltar para minha conversa.
Os caras e eu decidimos partir para a defensiva e escolher algumas
mulheres mais fortes e inteligentes e as convidar, deixando claro a
segurança delas e os benefícios. Acredito que algumas podem até vir só por
um quarto grande e com suíte privativa, mas por garantia mando uma
mensagem para mamãe falar no seu spa com as mães de algumas, nós
estamos usando as armas que temos para vencer.
35
SERAPHINA

Yurio pode ter ou não ameaçado minha melhor amiga e eu não


quero gritar com ele, na verdade eu acho que vou ter que agradecê-lo muito
bem esta noite. Apesar disso, Tory parecia precisar desse empurrão para
voltar sua amizade comigo, ainda não sei o que aconteceu, mas dou dois
dias para ela me falar. Tory realmente não é boa em guardar segredos de
mim.
Nós marcamos de nos encontrar amanhã no almoço e apesar de
querer passar horas conversando com Tory, eu quero mais ficar com Yurio.
Ele está sentado conversando com os caras e sem pensar muito vou até ele e
me sento em seu colo, meu rosto indo para seu pescoço e sentindo seu
perfume amadeirado marcante.
A conversa entre eles continua, principalmente a respeito dos jogos
e eu não posso evitar bufar quando eles falam que vão conversar com
primas e parentes para entrar no Monastério.
— O quê? — Yurio pergunta.
— Vocês precisam ser mais atrativos — comento antes de beijar a
bochecha de Yurio. Sua mão agarra minha cintura. — Ninguém quer ser
forçado a entrar.
— Isso funcionou para você. — Matvei comenta.
Eu rolo os olhos.
— Quer fazer uma aposta para ver se isso vai funcionar novamente?
Quando ele nega eu rio.
— Na verdade, era só para te darmos um susto em você por ter
bisbilhotado a iniciação. — Grigory resmunga, ele já bebeu bastante e
parece que vai desmaiar logo.
— Mas aí você filmou. — Kaz acena sua cerveja para mim. — Foi
você que nos filmou uns anos atrás também?
— Não, na verdade eu nem lembro de ter filmado naquela noite. Eu
lembro de ter visto e vomitado, mas não de ter filmado. — Engulo seco. —
Tem coisas que eu esqueço que faço, mas não é desculpa. Eu provavelmente
apagaria quando o visse na galeria quando estivesse normal.
Yurio me puxa para mais perto dele.
— Está tudo bem.
— Não está, numa dessas eu quase morri queimada porque tinha
certeza de que apaguei a vela, mas ela estava acesa. É frustrante a ideia que
posso colocar pessoas em perigo por causa de mim.
Yurio me vira para ele.
— Você tem uma fraternidade inteira para cuidar de você,
Seraphina. Não vamos deixar nada acontecer. — Ele promete. Então
suspira. — Sobre o vídeo, não foi você. — Ele olha para todos ali antes de
virar para mim. — Irina pegou seu celular e colocou o vídeo.
Abro a boca para retrucar, mas ele nega com a cabeça.
— Mik vai cuidar disso, nós já temos muita coisa na cabeça, mas
queria que todos soubessem que não foi sua culpa.
Eles mudam de conversa para uma mais leve, me trazendo para o
assunto, mas minha mente vai para longe. Por que Irina faria uma coisa
dessas, por inveja, ódio? Quero partir para cima dela, mas Yurio está certo,
tenho muitas coisas na cabeça. Posso não ter filmado, mas ainda tive um
apagão sobre a vela que quase colocou fogo em tudo. Será que eu chegaria
ao ponto da minha mãe, de perder completamente a razão?
Coloco meu rosto no pescoço de Yurio e ele acaricia minhas costas,
e automaticamente começo a descer beijos pelo seu pescoço.
— É isso, boa noite. — Yurio me pega em seus braços e me joga por
cima do seu ombro enquanto sobe rapidamente os degraus.
Assim que subimos escutamos os gritos histéricos de Irina, Mik nos
vê primeiro e me lança um olhar de desculpa antes de fechar a porta. Talvez
eu realmente não precisasse ir para cima dela, ela mesma estava se
enterrando sozinha.
— Irina realmente deve ser muito boa de cama para Mik aguentar
seus chiliques — resmungo e Yurio ri nos puxando para nosso quarto.
— E aquela foda de ódio? — Ele brinca me puxando para si.
***

Na manhã seguinte estou a caminho da minha aula de matemática


quando algo chama a minha atenção. São quatro sentinelas sem camisa
ostentando tanquinhos com uma faixa falando que o Monastério está
aceitando inscrições femininas. A temperatura está em cinco graus e posso
ver o lábio deles já ficando azuis.
Uma gargalhada alta me escapa, logo seguida por outras. Os caras
me veem e eu caminho para a barraca improvisada.
— Faça uma cara feliz. — Jamal brinca e eu não posso deixar de
gargalhar toda vez que olho para eles.
— Vocês estão se prostituindo!
Eles dão de ombros e sorriem para cada menina que passa.
— Vocês estão revezando? — Eu pesco.
— Não, Yurio, Anton e Mik estão indo de sala em sala tentando
pegar as mais inteligentes.
Isso tudo para mim é muito divertido, mas como faço parte da
fraternidade eu preciso ajudar. Pego um banquinho e subo em cima. Jamal
me dá um autofalante, claramente doido para sair dali.
— Atenção! As vagas femininas estão abertas no Monastério e isso
inclui quarto privativo com suíte. E inclui ser vizinha de porta de homens
gostosos!
Duas meninas se aproximam e se inscrevem. Ivy passa apressada e
eu tenho uma ideia.
— Esperem — grito e corro atrás de Ivy. — Ei, você está bem?
Ela sorri, mas parece cansada.
— Oi, minha colega de quarto destruiu meus livros porque achou
que eu roubei uma blusa dela. — Seus olhos já marejam e eu a puxo para
um abraço. — Nem entra em mim de qualquer maneira.
Eu a puxo comigo até a lista do tablet e dou a ela.
— No Monastério você terá uma suíte própria e ninguém mais vai
foder contigo, sem falar que é muito mais do que uma fraternidade.
Ela pensa um pouco.
— Sem falar que você fará Irina ter um chilique.
Isso faz um pequeno sorriso brotar em seus lábios e se inscrever.
— Isso não quer dizer que eu vou entrar.
Eu empurro seu ombro com o meu.
— Vai sim. — E me viro para os meninos. — Coloquem um casaco,
pelo amor de Deus.
Eles acenam, com três assinaturas já é mais do que tinham quando
começaram. Durante o almoço percebo uma tensão entre Irina e Tory, assim
como os olhos vermelhos da minha amiga. Então tudo se encaixa, foi Tory a
dar meu celular para ela.
Yurio tira a minha atenção momentânea delas ao colocar uma fatia
de bolo de chocolate para mim.
— Soube que você está ajudando a ganhar assinaturas.
Eu dou uma colherada.
— Espere até as mulheres dominarem o Monastério. — Então me
viro para Tory. — Você deveria tentar. — Qualquer coisa seria melhor que
ficar com Irina.
Irina bufa do outro lado da mesa.
— Como se ela pudesse — resmunga, mas não tenta falar em voz
alta ou até mesmo olhar na direção de Tory.
O almoço acaba e em vez de ir para a próxima aula eu caminho pelo
campus com Tory. Falo para ela da minha vontade de voltar a competir e de
como Yurio e eu estamos bem, ela parece animada por mim e pronta para se
abrir, mas percebo que está constrangida.
— Você pode falar comigo, sabe? Eu nunca vou te trair. — Mas
então repenso. — Mas eu posso estar ficando louca, então não sei se posso
cumprir minhas promessas.
Isso a faz parar e me encarar com os olhos arregalados.
— O quê?
Então lhe conto sobre as alucinações que tenho tido, a ida aos
médicos e de como Yurio tem sido paciente e nós duas estamos chorando.
— Fina, eu fui uma idiota de me afastar de você. Devia estar lá, eu
prometi que não te abandonaria. — Ela segura minha mão. — Irina
descobriu algo sobre mim e me chantageou para pegar seu celular enquanto
nos arrumávamos para a festa, não sabia que ia colocar um vídeo do
Monastério lá e te ferrar. — Ela chora. — Eu sinto muito, queria muito te
contar, mas ela me ameaçou e mandou me afastar de você, ser ruim com
você, mandou eu ser cruel. Ela tem me feito de escrava.
Então era isso. Tory soluça atraindo atenção das pessoas que passam
enquanto ela chora.
— Me perdoa, por favor.
Eu a acalmo, ela errou, mas o medo nos leva a lugares sombrios.
— Yurio descobriu? — pergunto.
Ela nega fungando o nariz na sua blusa.
— Não, ele só perguntou o que estava acontecendo e disse que ia
resolver.
Estou morrendo de curiosidade para saber seu segredo, mas não
pergunto.
— Nós estamos bem, eu e você sempre sim? — Levanto o dedo
mindinho.
Ela sorri e acena entrelaçando o dedo com o meu.
— Eu acho que você deveria se inscrever no Monastério, juntas nós
podemos chutar a bunda de Irina e sua gangue.
Isso a faz sorrir, antes de voltar a chorar.
— Ela não vai fazer nada, Yurio tem controle dela e de Mik. Ela
sabe que não pode com ele.
Isso a acalma um pouco e nós duas vamos para uma cafeteria
tentando deixar o papo leve, mas eu não vou deixar Irina sair só com um
aviso de Yurio depois de atormentar Tory.
— Eu tenho uma ideia de vingança.
Saco meu celular e mando mensagem para Ivy nos encontrar.
— Não é perigoso colocar ela no meio? Ivy é irmã de Irina.
Entendo sua preocupação, mas Irina merece um pouco do próprio
veneno.
— Vai ser só uma brincadeirinha.

Ivy tentou disfarçar sua animação com o plano de atormentar sua


irmã mais velha, mas ela foi a primeira a citar brincadeiras leves, mas
divertidas. Pensei em espalhar um boato que ela tem alguma DST, mas isso
ficaria ruim para Mik então decidimos focar nela, mais precisamente em
seus belos cachos loiros.
Para garantir, Tory também se inscreveu no Monastério porque
claramente seria expulsa, mesmo que nós três combinamos de eu assumir a
culpa, afinal o que ela poderia fazer contra mim quando eu namoro um
Leonov?
— Você está com cara de quem está aprontando — comenta Yurio,
me observando passar creme pelo corpo.
— Digamos que hipoteticamente eu fiz algo mau, você vai me
defender de represálias? — pergunto, mas já é tarde demais para acabar
com nosso plano.
Ele se levanta e beija minha nuca.
— O que você aprontou?
Antes que eu pudesse responder um grito toma a mansão, mas
quando Yurio se inclina para pegar sua arma eu seguro sua mão. O olhar
sério que ele me dá me arrepia enquanto saímos do quarto.
Os gritos continuam e logo em seguida a porta do quarto de Mik se
abre e lá está Irina com a cara e o corpo manchados de rosa. Podemos ou
não ter trocado o conteúdo do seu shampoo e sabonete líquido por tinta
rosa.
Minha cara de surpresa não deve ser muito convincente porque ela
vem para cima de mim, a toalha a ponto de cair. Mik aparece no corredor e
arregala os olhos antes de ir para sua noiva, que ao vê-lo começa a chorar.
— Olha o que ela fez comigo.
Mik me lança um olhar de raiva por cima do ombro antes de levar
Irina de volta para seu quarto e bater a porta. Estou segurando o riso quando
Yurio me vira para ele.
— Por que você fez isso?
Eu fico na ponta dos pés e envolvo meus braços em seu pescoço,
dando meu melhor para parecer inocente. Quando nossos lábios estão
próximos eu sussurro:
— Porque ela mexeu com minhas amigas.
Em vez de um discurso, ele me puxa até nossos lábios estarem
colados.
— Você é uma diabinha, não é?
Eu dou de ombros.
— Só não gosto que mexam com quem eu amo.
Para evitar mais atritos Yurio me leva para jantar fora e nós dois
acabamos rindo mais lembrando da cara de Irina, provavelmente ela
conseguirá remover completamente a tinta sem problemas; foi Ivy a
comprar a tinta e teve pena da irmã porque a cor que eu e Tory queríamos
era verde néon.
— Você também vai me defender se alguém me irritar? — Yurio
pergunta, mas não há julgamento.
Roubo uma batata frita de seu prato.
— Sim. Eu agora não ligo se alguém faz algo comigo, se aquela
pessoa não tem relevância na minha vida, mas eu fico doida quando
chateiam alguém que eu amo.
Conto sobre ter imprensado Irina contra a parede no banheiro no
ensino médio e Yurio racha de rir.
— E eu achava naquela época que você era uma princesinha calma.
Nós mudamos o assunto para hóquei e Yurio comemora que a
suspenção foi encerrada. Então passamos para a prova de iniciação
feminina e eu acho justo o que ele escolheu.
— Pelo menos elas não vão ter que comer o coração de vaca cru. —
Dou de ombros.
Yurio ri.
— Na primeira leva de Sentinelas colocamos eles em caixas com
baratas, ratos e larvas, mas fez uma sujeira danada e tivemos que contratar
uma empresa de dedetização.
Um arrepio me toma pensando em acordar com um rato ou uma
barata perto de mim.
— Tiraram todos, né?
Ele ri e segura minha mão enquanto saímos do restaurante.
— Sabe, eu acho que vou voltar a treinar para competir. Talvez eu
consiga ir para competições de primavera e me inscrever nas olimpíadas de
inverno do ano que vem.
Danço pelo estacionamento fingindo estar no gelo enquanto Yurio
fica parado admirando, estou sorrindo quando de repente alguém coloca um
saco preto na minha cara e me joga dentro de um carro. Grito e me mexo,
mas eles são fortes.
Estou chorando alto, se eles conseguiram me levar o que fizeram
com Yurio? Ele não deixaria isso acontecer. A ideia de perdê-lo tira meu ar e
eu começo a hiperventilar até que tudo que eu possa ouvir é um zumbido
em seguida do vazio.
36
SERAPHINA

Desperto quando um balde de água fria é jogado na minha cara.


Ainda estou tonta quando percebo que tem alguém ao meu lado, consigo
virar a cabeça e vejo Jamal, tão surpreso quanto eu.
Finalmente me viro para frente e me arrependo, há mais de vinte
homens mascarados e com túnicas pretas. Reconheço a máscara das Bestas,
os outros usam máscaras semelhantes, mas de jeito e cores diferentes.
Também reconheço o lugar, é o subterrâneo embaixo do Monastério.
— Jamal Alekseeva e Seraphina Petrova, por que vocês merecem
estar no Monastério?
Jamal é o primeiro a responder.
— Porque eu lutei para estar aqui, dei meu sangue e suor. Não é
uma brincadeira para mim, é meu futuro.
A resposta agrada a eles, que o libertam antes da atenção deles virar
para mim.
— Bem, eu não entrei pelas vias normais, não me inscrevi para isso,
mas não me arrependo de fazer parte, de estar aqui. Eu acho que de certa
forma ganhei uma família e não vou abrir mão disso.
Quando eles não fazem sinal que vão me libertar acho que minha
resposta não foi das melhores, mas em seguida me surpreendo com quem
vem me libertar, é o próprio Jamal.
— Ela merece estar aqui tanto quanto eu.
Ele me coloca em pé e eu tenho que morder o lábio para não chorar.
O caminho se abre quando Yurio para na nossa frente, a máscara não me
deixa ver seu rosto, não tenho ideia de sua reação.
— Vocês provaram ser dignos de continuar e então já era hora de
vocês receberem suas máscaras.
Ele aponta para atrás de nós e eu vejo diversas máscaras, algumas
pintadas como crânios de animais, outras mais simples para você mesmo
customizar, mas a que chama a minha atenção é uma com chifres que se
entrelaçam formando uma coroa, ela definitivamente é menor que as outras
e não consigo desviar dela.
Jamal pega uma de gorila assustadora de boca aberta, cheia de
dentes, e nós dois sorrimos um para o outro antes de nos virar.
— Vocês serão punidos se revelarem suas identidades, então usem
suas máscaras quando precisarem. — Yurio fala, sua voz grossa e firme. —
Isso não é mais sobre a fraternidade, vocês estão prontos para lutar e morrer
por mim?
— Sim! — respondemos em uníssono.
— Então derramem o seu sangue na pedra.
Ele aponta para uma pedra meio avermelhada e meu estômago
embrulha com a noção que terei de me cortar, mas ainda assim é um fato
pequeno comparado ao que Yurio está oferecendo. Não estou aqui como sua
namorada, estou aqui como uma igual.
Dando passo à frente eu levanto a palma da minha mão e sem
hesitar ele passa a faca, o sangue jorrando imediatamente assim como a
queimadura de dor. Vou até a pedra e abro a mão, deixando pingar. É
mórbido, mas me vejo intrigada e, mais que isso, feliz de fazer parte disso.
Quando acaba alguém traz panos para nós, e finalmente colocamos
as nossas máscaras e um coro de boas-vindas vem com força. Finalmente
Yurio tira a máscara e me puxa para ele, tirando minha máscara antes de
tomar meus lábios em um beijo intenso e marcante.
— Você é incrível e é minha. — Ele sussurra no meu ouvido.
— Acabou finalmente as etapas intermináveis para o Monastério?
— resmungo brincando.
Ele aperta minha cintura fazendo cosquinha.
— Abusada.
Eu envolvo meus braços em seu pescoço.
— Foi você que escolheu aquela máscara para mim, né?
Ele não responde, mas sorri para mim.
Nós todos brindamos e comemoramos, eu abraço Jamal por ele ter
me defendido.
— Nós somos tecnicamente irmãos de linhada, Seraphina. — Ele
responde dando de ombros, mas vejo o carinho.
— Isso significa que você vai deixar eu fazer suas sobrancelhas e
tirar suas cutículas?

Todos entramos em acordo que precisamos de alguma menina


inteligente para a prova de inteligência e não importa o quanto eu sou boa
em matemática, eu posso não me dar muito bem em outras matérias.
— Ivy é extremamente inteligente, ela subiria bastante o ranking do
Monastério.
— Estamos aceitando balofas agora? — Um dos caras comenta
rindo, ele já bebeu demais, mas ainda assim é um idiota.
— Porque o burro parece que já aceitamos — respondo.
Os homens riem e concordam que Ivy seria muito boa para nós, mas
eu tenho a clareza que a prova para ela entrar seria extremamente mais
difícil, uma vez que ela não é tão atlética. Talvez, agora que os homens
enxergaram que ela seria uma ótima opção, deem uma colher de chá para
ela e peguem mais leve.
Alguns não estão tão felizes por Tory ter se inscrito, já que ela faz
parte dos Kitsunes, mas eu garanto a eles que minha amiga não é uma
traidora, colocando o meu na reta. Yurio demonstra que não gostou, mas
não discute comigo na frente de todos.
— Ela vai ser boa na prova de circuito, vocês duas são uma boa
dupla. — Matvei comenta. — Sabia que você passou na televisão?
— O quê? Por quê? — Lembro que depois que meus pais morreram
saíram matérias falando da minha família e sobre mim, mas nunca fui muito
ligada em redes sociais e notícias.
— A ida ao campeonato, eles estavam estipulando se voltaria a
competir ou não.
— Você deveria voltar, era muito boa. — Mik diz, mostrando que
não está mais com raiva de eu ter deixado sua namorada de cabelo rosa.
Olho para Yurio, que pisca para mim.
— Eu acho que quero sim, só não sei se Sonia, minha antiga
treinadora, vai querer voltar a me treinar...
— Ela estará aqui amanhã às duas horas. — Yurio interrompe.
— O quê?
— Eu falei com ela e ela nem hesitou.
Eu pisco, sem acreditar em como ele foi rápido.
— Mas eu ainda tenho que falar com meu tutor para liberar o
dinheiro, patinação é cara e...
— Eu cuido disso.
Eu rapidamente nego.
— Não, nem pensar. Eu tenho me preparado para isso a vida toda,
tenho minha herança e um dinheiro guardado dos patrocínios que tinha e
tudo mais...
— Tá bom, mas ainda tem treino amanhã. — Ele se levanta e
estende a mão para mim. — Melhor irmos dormir.
Escutamos as vaias enquanto subimos por esse labirinto de lugar.
— Essas entradas saem por todo Monastério? — pergunto curiosa.
— Só na estrutura original. Tem pouco tempo que descobrimos uma
entrada secreta no quarto de Anton, ele ficou puto com o susto que demos
nele e arrancou a porta da entrada para nos ver antes.
— Não é perigoso, tipo alguém entrar por essa entrada e matá-lo
enquanto dorme?
Yurio ri e beija minha testa.
— Você tem muita criatividade, ninguém invadiria aqui, estamos
numa área neutra.
Mas o medo já está instalado na minha cabeça. E se alguém
invadisse o Monastério? Quando tiver um tempo livre irei perguntar a Yurio
os pontos que ele conhece ou até mesmo tentar mapear e descobrir mais
entradas, parece como uma caça ao tesouro.

As meninas me desejaram boa sorte quando chegou a hora da minha


primeira aula, estava nervosa e sei que Sonia não ficaria feliz que não
pratiquei durante todo esse tempo e só agora estava voltando para o gelo.
Não esperava ganhar o primeiro campeonato, mas faço uma promessa a
mim mesma de estar pelo menos em segundo ou terceiro lugar.
Sou recebida pela Sonia que me lembrava, sempre com a cara
fechada, sotaque forte e julgamento. Eu adoro. Ela me manda fazer uma das
minhas apresentações antigas para saber o nível que estou e, apesar de não
cair, eu erro o ponto algumas vezes e alguns saltos não saem perfeitos.
— Tudo bem, podemos começar agora.
Ela me coloca para fazer saltos simples que aprendi quando criança,
movimentos que poderia fazer dormindo, mas não questiono. Faço tudo que
ela me manda e quando a uma hora e meia passa estou ofegante e acabada,
mas satisfeita de estar voltando.
Estamos conversando sobre a próxima aula quando os meninos
entram no gelo, é a hora de treino e me pego babando por Yurio em campo
dando ordens.
— Não se distraia do seu objetivo, Seraphina. Aquele garoto é
problema.
Eu rio.
— É meu namorado.
Ela acena.
— Imaginava pela hora que ele me ligou exigindo que eu a
treinasse. Já sabia que ele era problema desde o tempo em que ficava
olhando você treinar.
Ela sai e eu fico parada. Yurio ficava me olhando treinar?
Quando volto para casa vejo minha máscara e uma túnica em cima
da cama e já sabendo o que vem a seguir eu a visto e seguro a máscara
enquanto ando pelo corredor, sem saber se devo encontrar todos lá embaixo
ou não. Escuto barulho no quarto de Kaz e me aproximo para perguntar
para onde ir quando estanco ali.
Matvei e Kaz estão alheios a minha presença e parecendo estarem
em um clima enquanto ajeitam suas túnicas, olhares intensos que me deixa
até sem ar. Por um momento penso que estou vendo coisas, mas quando a
mão de Kaz desce para agarrar a ereção de Matvei eu saio do choque e dou
uns passos para trás, só para o chão de madeira fazer barulho. Os dois se
viram para mim.
— Eu não vi nada. Nadinha de nada. Nada.
Saio apressada, sabendo que meu rosto inteiro está vermelho de
vergonha e coloco a máscara para esconder pelo menos um pouco do meu
embaraço. Matvei e Kaz, eu não imaginava que eles eram um casal ou algo
do tipo.
A porta da sala está aberta e quando me aproximo vejo alguns caras
indo para os fundos e ao chegar lá vejo as meninas reunidas em um círculo.
Uma delas já está chorando e acho que elas foram sequestradas da mesma
maneira que eu. Ivy e Tory olham para mim, percebendo que sou eu pela
minha altura e me contenho para não lhes dar um tchauzinho.
Me aproximo de Yurio esperando eles começarem, quem toma a
frente é Anton, começando o discurso sobre como o Monastério é
importante e muito mais do que só uma universidade. Quando fala que
quem não está preparado pode sair a menina que estava chorando vai
embora correndo.
Um dos Sentinelas dá adesivo com números para cada uma, assim
como uma pulseira rastreadora.
— Então a prova é o seguinte, falta uma hora para o sol se pôr,
vocês serão caçadas e se forem pegas estão fora, vocês devem achar a
primeira bandeira com o número de vocês e lá haverá mais pistas. Antes da
caçada começar vocês podem oferecer favores ou algo do tipo para diminuir
a quantidade de caçadores na sua cola. A pulseira serve somente para caso
alguma acabe se perdendo pra valer na floresta depois do término da prova.
Quem quer começar?
Por incrível que pareça é Ivy a levantar a mão.
— Eu ofereço ajuda para estudar nas matérias que precisarem.
Alguns homens levantam a mão concordando e só isso faz os
caçadores de Ivy ficarem em só cinco. Ela morde o lábio.
— Eu também ofereço para fazer sobremesas durante um mês.
Eu levanto a mão e cutuco Yurio, que levanta a dele. Isso faz mais
alguns aceitarem, sobrando só dois. Kaz e Matvei.
— Esteja preparada para correr, docinho. — Kaz fala.
Tory levanta a mão.
— Eu ofereço duas semanas no Diamond, o melhor prostíbulo da
cidade com tudo liberado. — Alguns caras assobiam, Diamond era um
clube realmente caro e ainda ter acesso liberado por uma semana custaria
uma pequena fortuna; a sua sorte é que eu pai controlava o clube junto com
seus irmãos. — Papai está emocionado com a ideia de eu entrar no
Monastério.
Todos os caras, exceto eu, Yurio e Anton levantam as mãos.
Tory coloca a mão na cintura, revoltada.
— Anton, eu sei que é você, seu tamanho entrega! Por que você não
quer?
Ele não responde, fazendo ela bufar revoltada e eu esconder meu
corpo, tremendo de rir, atrás de Yurio. As outras meninas oferecem até
ações em empresas, favores com seus pais e parentes, mas é a última que
surpreende. Eu não lembro de tê-la visto antes, essa tinha ascendência
coreana, cabelos pretos lisos com algumas mechas coloridas, mas o estilo
todo roqueiro, com uma vibe “não se aproxime” contrastando com seu rosto
delicado.
— Eu não tenho dinheiro ou influência a oferecer, mas sou uma boa
hacker e sou pequena, pode me colocar para entrar em algum lugar ou algo
assim. — Deu de ombros.
Matvei levantou a mão. Eles deram cinco minutos de vantagem para
as meninas. Havia sete meninas e eu tinha esperança de que Ivy e Tory se
juntassem para ter mais chance.
— É errado que eu queira que elas acabem com a gente? —
pergunto.
Alguns caras riem e Jamal bufa.
— Ainda sinto dor da paulada que você me deu.
O relógio apita e como lobos eles entram na floresta uivando,
mesmo que precisemos de meninas no Monastério eles parecem não poder
conter o caçador que existe neles. Yurio me mantém perto enquanto
corremos, havia uma grande chance de ele ir atrás de Tory então quando
acho que estamos sozinhos eu o seguro contra uma árvore.
— O que está fazendo, Kiska? — Ele pergunta com a voz séria, mas
capto um sorriso.
— Nada.
Me ajoelho no chão e tiro minha máscara. A capa tem uma abertura
e ele me ajuda, mostrando o jeans preto e a camisa térmica da mesma cor.
Abro o botão de sua calça e o zíper, já sentindo sua ereção quente contra
minhas mãos. Ele começa a puxar a máscara que devia me assustar, mas me
excita.
— Não. Fique com ela.
Ouço sua risada suave enquanto abaixo sua calça e fico cara a cara
com sua ereção dura. O piercing parecendo ainda mais assustador. Lambo
os lábios me preparando, minha boca enchendo de água de vontade.
Pego sua ereção e esfrego em meus lábios como se fosse um batom,
querendo desfrutar o momento sem tempo e quem sabe dar vantagem a
minha amiga. Yurio parece ler meus pensamentos porque sua mão agarra
meus cabelos pela nuca, me puxando diretamente para sua ereção. Então,
penetra minha boca com força me fazendo engasgar. Abri a boca sugando
profundamente, degustando do seu tratamento bruto.
— Tome tudo. — Ele rosnou.
Investindo na minha boca com força, me fazendo engasgar e lutar
por ar. Yurio estava fodendo minha boca e eu estava amando cada momento
disso. Sua outra mão também agarrou meus cabelos, me deixando arrepiada
e pronta para ele.
Ele se retirou da minha boca, mas antes que eu pudesse reclamar ele
investiu novamente.
— Você gosta disso, não é? Adora ter sua boca fodida por seu
homem.
Lágrimas já estavam descendo por meu rosto, o deixando ainda mais
duro. Ele se afastou um pouco, passando o dedo por minhas lágrimas.
Aproveitei para recuperar o controle, agarrando seu pau com minha mão e o
masturbei enquanto lambia a ponta e brincava com seu piercing.
Eu devia estar com medo de estar fazendo isso na floresta, com a
possibilidade de alguém ver, mas isso só subiu minha excitação. Nós dois
sabíamos que não havia tempo o suficiente para uma foda do jeito que a
gente queria, mas isso só me deixaria mais ansiosa para mais tarde.
Um movimento à esquerda me ver olhar para lá. A roqueira, não me
lembrava seu nome, estava escalando uma árvore a alguns metros de nós e
olhando mais para cima percebi que havia a bandeira com seu número ali.
Desviei o olhar antes que Yurio percebesse, mas como o psicopata
que é, ele já a tinha visto. Antes que ele pudesse alertar os outros eu o tomei
por inteiro, seu piercing batendo na minha garganta enquanto eu tentava
relaxar.
Ele gemeu rouco, totalmente focado em foder minha garganta e em
poucos minutos o gozo veio, descendo quente e gostoso. Ele me pegou em
seus braços e levantou sua máscara para me beijar.
— Você vai pagar por isso mais tarde.
Eu o empurrei de leve.
— A bandeira em cima da árvore? Sério?
Ele riu.
— Preferia que todas as meninas abrissem uma tumba também?
Estremeci e segurei sua mão.
— Vamos.
Nós chegamos à clareira e vejo que foi montada uma estrutura para
subir, afinal, o rio estava congelado ou quase isso agora. A estrutura era de
madeira, alta como um forte e lá em cima havia outras bandeiras.
— Isso é muito alto — resmungo.
A primeira a entrar na clareira foi Tory, ela estava descabelada e
adorável. Mal nos notou quando correu para subir, um de seus pés estava
descalço, só de meia. Ela fora ágil subindo sem problemas e quando chegou
lá em cima sacudiu a bandeira, gritando, provavelmente para alertar as
outras meninas.
Uma outra apareceu na clareira, carregada por um dos homens. Ela
estava choramingando que havia torcido o pé, mas assim que viu onde
estava a bandeira se livrou dele e correu para pegar.
— Que porra foi essa? — Ele resmungou.
— Isso, meu amigo, foi como as meninas podem ser manipuladoras.
— Kaz disse saindo de dentro da floresta sozinho.
Os gritos lá em cima recomeçaram e percebi que a roqueira
conseguiu subir lá pelo outro lado sem a gente ver. Ivy então cruzou a
clareira já ofegante antes mesmo de subir a plataforma. De longe vi seus
lábios se movendo em um palavrão antes dela começar a escalar, tendo o
incentivo das outras meninas.
Matvei então surgiu, a máscara em sua mão estava cheia de lama
assim como suas roupas. Quando ele estava perto o suficiente, Anton
resmunga com incredulidade.
— Foi passado pela Ivy?
Matvei não responde, tão pouco olhou para nossa cara. A última
menina que cruzou a floresta era uma ruiva, em algum momento ela fez
marcas nas bochechas com batom, numa pintura de guerra. Ela realmente
estava inspirada e até soltou um grito de guerra enquanto subia. Ela passou
por Ivy, que acelerou seu passo e também conseguiu completar a prova.
As meninas começaram a descer, Tory pulou em cima de mim
puxando minha máscara para cima.
— Eu consegui! — Ela gritou na minha cara me fazendo rir. —
Pensei que eles iam me enterrar viva ou algo do tipo!
— Não me dê ideia. — Yurio resmunga.
Nós esperamos o resto das meninas descer, parecia mais difícil que a
subida, mas quando só faltou Ivy percebi a sua dificuldade. Ela acabou
despencando a um metro do chão e soltou um grito de dor.
Corri até ela, enquanto ela segurava o tornozelo.
— Acho que quebrou! — Ela chorou.
Anton a pega no colo sem esforço e acena para Yurio falar.
— Parabéns, meninas, vocês entraram no Monastério, a primeira
missão... da maioria de vocês é caçar as meninas que se perderam.
Ele joga um rastreador na roqueira, que consegue o pegar.
— Quando quiserem podem se mudar para o Monastério, todos
poderão ajudar com suas mudanças. Agora vão.
Elas saem todas correndo e ao ouvir o riso de Kaz eu me viro para
ele. Todo mundo já está tirando suas máscaras. Anton já está sumindo com
Ivy em seus braços enquanto Matvei os segue.
— O quê?
— As meninas já foram embora sãs e salvas. — Yurio responde.
— E o que elas estão caçando?
— Grigory vai brincar um pouco com elas antes de trazê-las de
volta para a festa de iniciação. — Mik responde rindo.
Eu mesma acabo rindo, sabia que estava fácil demais para elas.
— Podemos ou não ter enterrado um dos rastreadores. — Yurio diz,
me puxando para ele e beijando meu pescoço para me distrair.
— Vocês querem que as meninas desistam antes mesmo do jogo?
Ele me vira para ele.
— Quero mulheres fortes que têm algo a oferecer dentro do
Monastério. — Seu olhar desvia para onde Anton foi para levar Ivy. — Ela
é sua amiga, mas não me provou que é digna de estar aqui.
— Ela machucou o pé — protesto.
Ele dá de ombros.
— Ela terá que mostrar seu lugar ou sair.
Ivy chega primeiro que as meninas, Matvei a levou no posto da
universidade e lá foi constatado que foi só uma torção. Ela precisará usar
bota ortopédica por três semanas. Ela está corada e triste.
— Tudo bem. — Seguro sua mão. — Você provou que é capaz ao
entrar.
— E fodi meu pé. As meninas estão na floresta sozinhas e eu estou
aqui. — Ela olha em volta percebendo que os outros estão espalhados pela
sala. — Anton falou que eu vou ter que provar que sou digna, como eu faço
isso?
Dou de ombros, nem eu mesma sei.
— Eu roubei um troféu. As meninas estão desenterrando uma cova.
Ela arregala os olhos.
— O que eu vou ter que fazer, lutar contra um canguru?
Eu rio.
— Você vai descobrir, afinal conseguiu passar por Kaz e Matvei.
Suas bochechas coram e eu sei que ela demorará para se acostumar
com a beleza dos meninos. Como se fosse coreografado, o que eu acho que
foi conhecendo Tory, as meninas entram no Monastério com um grito de
guerra, suas bochechas pintadas de vermelho como a ruiva e todas elas têm
um Grigory preso com sua própria camisa e sua barriga, ou melhor, seu
tanquinho marcado com batom escrito “As meninas do Monastério
detonam”.
Estou gargalhando tanto que até fico com falta de ar. Tory puxa Ivy
e eu e posamos para uma foto, onde eu saio com lágrimas nos olhos de
tanto rir.
— É meninos, o Monastério está sob nova direção — brinco.
— Meninas no comando! — Elas gritam em uníssono.
Penso que Yurio vai ficar puto, mas até ele acha graça. Nós bebemos
e brindamos a essa nova era e acabo bebendo um pouco demais. Yurio não
se despede quando me joga por cima do ombro e vamos para seu quarto.
Mais tarde naquela noite passo a mão pelo peito de Yurio, estamos
enrolados na cama conversando.
Queria que tivéssemos feito isso antes, nós nos conhecemos a vida
toda, mas éramos estranhos. Me sinto tão à vontade que fico confortável em
falar sobre Lily com ele novamente e de alguma forma parece não doer
mais tanto.
— Lily amava a neve, nós brincávamos de fazer anjinhos de neve
todo inverno. Quando ela era menor eu a segurava em meus braços
enquanto patinava pelos rios congelados. Sua risada fazia qualquer um rir.
Abro meu celular mostrando algumas fotos de nós duas juntas.
Espero a dor forte vir, mas em vez disso vem a saudade.
— Eu lembro um pouco dela, era muito bonita.
— Ela era. — Engulo seco. — Quando mamãe começou a ficar
estranha Lily era só um bebê. Eu e sua babá que basicamente a criamos,
mamãe teve depressão pós-parto. Eu acreditava que ela iria melhorar, mas...
Ele me aperta e beija minha testa.
— Tudo bem.
— Não. Eu devia ter atendido o celular naquele dia, mas só queria
ficar sozinha. Se eu tivesse atendido eu teria voltado para casa e Lily não
teria pedido a minha mãe para levá-la. O gelo estava fino...
O choro dolorido sai e Yurio me segura enquanto meu corpo treme.
— Eu devia estar lá para ela.
— Você sabe que não é sua culpa, você tinha tanta responsabilidade
em cima de você.
— Mas eu era tudo que ela possuía.
Ele beija minha testa.
— Não posso trazê-la de volta, mas eu queria para lhe fazer feliz,
Kiska.
Levanto a cabeça para ele.
— Você me faz feliz, Yurio. Você me fez voltar à vida e isso basta.
— Aproximo meus lábios dos seus. — Eu te amo.
Ele nos vira até que está em cima de mim.
— Eu também te amo.
37
SERAPHINA

A mudança de Ivy foi fácil, conseguimos levar tudo no banco


traseiro e porta-malas, a mudança de Tory que foi mais difícil. Não só pela
quantidade de coisas que tinha, mas porque as garotas da fraternidade
ficaram na porta tentando ser pitbulls assustadores, mas pareciam mais
chihuahuas desnutridos.
Irina era a rainha delas, cheia de raiva de Tory por ter conseguido
entrar no Monastério, tanta raiva que nem percebeu quando eu parei na sua
frente e a segurei pelos cabelos.
— Por quê?
Ela choraminga, mas eu não me importo. Aperto mais e ela grita.
— Por que eu estava com ciúme! Você mal voltou e Yurio não tirava
os olhos de você.
Isso só me traz mais raiva.
— Você está apaixonada por ele?
Ela arregala os olhos.
— O quê? Claro que não! Eu amo Mik. Só não quero que você seja
melhor que eu!
Tudo isso por ciúme, solto seus cabelos querendo me afastar dela.
— Você é tão patética que só consegue estar rodeada porque as
pessoas têm medo. Irina, você pode ser bonita por fora, mas é podre por
dentro e logo Mik verá isso.
Saio dali escutando os fungados de Irina, qualquer vontade de bater
com ela não será melhor do que saber que ela nunca vai ser completamente
feliz enquanto sentir inveja dos outros, mas Tory não deixaria por isso
mesmo, depois de guardar a última caixa no meu carro ela se virou para
uma Irina imponente na porta.
— Irina, nós vamos acabar com vocês nos jogos e sua irmã vai estar
lá, porque ela também é uma Besta do Monastério agora!
Nós duas corremos para o carro e rimos enquanto saímos de lá.
— Ivy não vai gostar de você ter contado.
Tory aumenta o som.
— Ela deixou, eu disse que ela deveria debochar de Irina, mas Ivy
disse que eu podia fazer se quisesse.
Isso me faz rir.
— Eu precisava disso depois do inferno que ela me fez passar. —
Sua voz oscila um pouco.
— Quer conversar?
Ela acena e eu paro o carro no acostamento. Me viro para minha
amiga e vejo que ela está chorando.
— Irina descobriu que eu sofri um aborto ano passado e estava
ameaçando contar a meus pais; ela sabia que se fizesse isso eles me tirariam
da universidade.
Eu a abraço apertado enquanto ela chora.
— Eu não sabia que estava grávida. Comecei a sentir muita cólica
uma noite e Irina me levou para o hospital, lá eles falaram que eu estava no
primeiro trimestre e que isso podia acontecer... eu só...
A aperto mais, sentindo meu corpo tremer de raiva dela por ter
usado algo assim contra Tory.
— Ela prometeu que não falaria nada e até cuidou de mim, achava
que finalmente Irina tinha criado sentimentos, mas quando você voltou ela
sentiu ciúmes.
— Isso não justifica te ameaçar daquele jeito!
Me arrependo agora de não ter batido nela. Tory segura minha mão.
— Não quero que você entre em problemas. Yurio já cuidou disso e
me disse que ela nunca mais me ameaçará.
— Ele sabe?
Minha amiga nega e encosta a cabeça no vidro, dando o assunto por
encerrado. Quando estaciono só temos mais alguns segundos antes que
venham nos ajudar, então seguro sua mão.
— Eu estou aqui para você, sempre.
Ela acena e limpa as lágrimas pretas da máscara de cílios debaixo
dos olhos.
— Deixa eu limpar ou vão achar que vou sentir falta daquelas putas.
Nós então começamos a sua mudança, assim como as outras
meninas. Será divertido não ser a única mulher aqui. As meninas se
instalam e logo começo ver a diferença nos ambientes, nos banheiros
sociais tem sabonete líquido, novos tapetes espalhados pela casa e flores.
Kaz parece ser o que mais gosta de ter meninas aqui agora, já que
ama a limpeza e elogia os desodorizadores usados por elas. Não comentei
com Yurio sobre ter pego Kaz e Matvei juntos, não é da minha conta, mas
sempre que olho para eles me pergunto se estão tendo algo sério escondido
ou não.
A semana passa e eu e as meninas estamos organizando a festa à
fantasia da próxima semana. Tory encomendou roupas para cada uma e
mesmo Ivy protestando não escapou de tirar as medidas. Tory logo a faria
abandonar os blusões e moletons se Ivy não tivesse um pulso firme, mas a
menina era doce demais e seria atropelada pelo caminhão Tory.
As meninas eram bem legais e todas estão bem unidas, a ruiva que
descubro se chamar Alexandra é filha de um executor e é extremamente
competitiva, a roqueira é Cora, decidiu entrar para garantir sua vaga na
universidade.

Meus treinos têm sido incríveis e estou animada para voltar a


competir. Tory me convenceu a voltar a usar meu antigo Instagram e tenho
recebido muitas mensagens de meninas dizendo que se inspiram em mim.
Tenho ido na terapia e não aconteceu mais nada comigo, finalmente sinto
que tudo está indo bem. Tenho um namorado que me ama, amigas, voltei a
patinar e tenho uma vida social.
Quando chego na pista, abro meu armário e junto com meus patins
brancos tem uma mensagem de Yurio.
“Estão afiados e limpos. Bom treino! XO”
Calço os patins pensando em como ontem comentei que precisava
os levar para afiar e tal, ele guarda cada palavra do que digo. Decido seguir
o que Tory falou de postar um pouco do meu treino e faço um storie
sorrindo para a câmera enquanto patino, ainda assim sou péssima nisso, mas
decido não apagar.
O treino é exaustivo, mas mesmo depois que Sonia vai embora eu
persisto. Hoje a pista está vazia, não tem outras pessoas treinando até a
noite e eu decido explorar esse tempo livre no gelo. Provavelmente vou
ficar com dor, mas estou fazendo o que eu amo.
Meu tutor não teve problemas em aceitar tirar dos meus fundos a
grana para me manter no gelo, mas frisou no e-mail que era de suma
importância que minhas notas permaneçam boas. Por isso já falei com Ivy
de participar do grupo de estudos para as provas.
Quando finalmente dou meu treino por encerrado, penso em passar
no cemitério; já faz um tempo que não estive lá, o sentimento de saudade
vem forte e é como um soco. É errado querer ser feliz depois de toda a
tragédia, mesmo que eu tenha culpa disso?
Me sento no banco começando a tirar os patins. Eles pesavam cerca
de quatro quilos e depois do treino extra eu definitivamente estava cobrando
Yurio uma massagem nos pés em troca de favores sexuais.
Estava sorrindo com o pensamento, sacando meu telefone para
mandar uma mensagem para ele quando uma mão tocou meu ombro, me
fazendo soltar um gritinho. O momento seguinte foi tão rápido que eu
sequer consegui raciocinar. De repente estava sendo jogada no chão com
um corpo sobre o meu.
Tento me contorcer, mas ele era muito grande. Meus gritos ecoaram
por todo lugar enquanto eu lutava. Consigo arranhar seu rosto, o fazendo
sair de cima de mim por um momento e aproveito para tentar fugir, mas mal
consegui levantar antes que ele voltasse a me atacar. Dessa vez consigo ter
uma visão dele e arregalo meus olhos ao ver que era Miroslav Balashov.
Eu devia ter imaginado que alguns dos homens que me queria como
esposa não desistiria tão fácil, mas a ideia me parecia tão absurda de uma
pessoa ir contra os Leonov que sequer pensei nessa alternativa. Minhas
unhas fizeram seu rosto sangrar, contrastando com sua antiga cicatriz
horrível, deixando-o ainda mais assustador.
Consigo acertar uma joelhada entre suas pernas e quase vomito ao
sentir que estava duro. Ele grunhiu e socou minhas costelas, enquanto eu
tentava me encolher.
— Cale a boca, vadia!
O ar faltou nos meus pulmões e apesar de não ter força ainda assim
tentei gritar.
— Você vai ser minha, como devia ter sido. — Ele grunhe, cuspe
saindo de sua boca.
Quando minha camisa foi rasgada eu já estava soluçando esperando
o pior, minhas mãos roçaram em algo afiado, mas antes que eu pudesse
puxar o que quer que fosse alguém veio por trás dele e então senti a
quentura seguida pelo cheiro forte de sangue em cima de mim. O homem
gorgoleja, suas mãos indo tentar tampar o corte em sua garganta, seu corpo
cedendo em cima de mim.
Enquanto empurrava seu peito, o fazendo cair ao meu lado, eu quase
desmaiei ao ver eu mesma na minha frente. Só que essa eu usava cabelos
cacheados e tinha olhos frios.
— Você é um ímã de problemas. — Ela, ou eu, falou em voz alta.
Sua voz era muito parecida com a minha, mas num timbre diferente.
O homem gorgoleja, só de olhá-lo, pensar no que ele podia ter feito
fez uma raiva subir em mim com força e não queria que ele morresse pelas
mãos de outro alguém. Meus patins estavam perto e apesar de não ter tanto
peso, serviriam.
Bati com um dos meus patins em seu rosto, ouvindo os grunhidos e
me senti satisfeita que cada vez que meu patim acertava seu rosto mais
sangue surgia. Em minha volta já tinha uma poça e mesmo quando sua
respiração cessou eu não parei. Eu não era uma vítima, eu não era uma
presa fácil ou uma moeda de troca novamente.
Só percebi que pessoas haviam chegado quando fui puxada do
corpo, o rosto irreconhecível. Alguém falava algo enquanto me segurava,
mas eu mesma não ouvia. A realidade batendo sobre mim, eu havia matado
alguém. Eu era uma assassina. E o pior, dentro da Bratva, o sangue era pago
com sangue.
38
YURIO

— Você irá aprender por bem ou por mal o que ser um Leonov
significa. — Escuto a voz do meu avô, mas não consigo sequer levantar a
cabeça.
Não lembro bem do que aconteceu, mas quando acordei estava
preso na parede, sendo agredido por homens que juraram cuidar da minha
família a mando do meu avô. Homens que me viram crescer e que eu
achava que podia contar.
A lembrança de ter hesitado ao ver meu avô atirar em um traidor
vem, o asco me subiu e levou tudo de mim para não vomitar, pensei ter
escondido a reação a tempo, mas ele viu a fraqueza e aproveitou.
Tento falar, mas todo meu corpo dói. Eu me mantinha na linha,
guardando meu ódio e ressentimento do meu avô para mim, não por
lealdade, mas por medo do que poderia acontecer. Ele nunca escondeu que
éramos somente uma peça em seu tabuleiro e poderíamos ser descartáveis,
mas ele precisava do meu pai para manter a Bratva em nossa família e
consequentemente a mim.
Ele levanta a minha cabeça, mas meu olho está quase fechado, mal o
vendo. Sei que alguém virá me salvar, mas também sei que é questão de
tempo até ele me pegar novamente.
— Você é patético, assim como Krigor.
Outra rodada de socos vêm e vão, meus pés cedem, mas meu corpo
continua suspenso, com meus pés se arrastando no chão enquanto sangue
escorre pelos meus braços.
— Por quê? — Consigo perguntar quando o vejo indo até a porta.
— Porque eu posso.

Acordo suando frio, Seraphina acariciando meu rosto com um olhar


preocupado. Me sento na cama, a vergonha tomando conta de mim. Achei
que o ressentimento e o medo tinham passado, sendo apagados assim como
a morte de Leoncio, mas ele se tornou um fantasma, sempre à espreita
esperando o momento certo para atacar, para demonstrar que mesmo não
estando mais lá ele causou feridas que nunca cicatrizariam.
Seraphina não pergunta, ela segura minha mão e encosta no meu
peito, fazendo carinho em meu peito nu e demonstrando que estava ali para
mim.

***

— Pode falar, você está apaixonado por ela. — Grigory me joga


uma batata.
Estávamos numa lanchonete e eles não paravam de me zoar.
— Seu olhar te entrega. — Mik completa. — Já falaram o eu te
amo?
O xingo em voz baixa, fazendo todos rirem.
— De todos nós eu sempre achei que você seria o último a se
apaixonar. — Matvei comenta.
Seu comentário é uma verdade, Anton precisava de uma mulher para
confiar, Mik sempre esteve com Irina, Gregory é fácil de amar e seria
fisgado sem nem perceber, Matvei e Kaz são como unha e carne criados
juntos, então ou se assumiriam ou encontrariam uma mulher para completá-
los por que de jeito nenhum conseguiriam ter um relacionamento separado
onde o outro não fizesse parte. Eu, entretanto, nunca sequer cogitei a
hipótese de me apaixonar.
Era para ser uma brincadeira, mas me fez refletir que já fazia tempo
ou realmente nunca aconteceu antes de uma mulher realmente chamar
minha atenção, ainda mais como Seraphina. Ela era única.
— Você deveria se garantir e casar logo com ela — refletiu Anton.
Kaz riu batendo no ombro do seu amigo.
— Juro que a primeira menina que aguentar seu pau sem chorar vai
ganhar um diamante no dedo.
Todos nós estávamos rindo quando meu celular vibrou. Era uma
mensagem de Seraphina.
Seraphina: Socorro. Estou na pista de gelo.
Me levantei num pulo.
— Seraphina está com problemas.
Não esperei a resposta deles, já correndo para fora direto para meu
carro. Os caras me seguiram e acelerei, chegando lá em menos de dez
minutos. Eu estava preparado para tudo, menos para o que vi a minha
frente.
Acho que parei na porta ao ver todo sangue, mas voltei a andar
quando reparei que Seraphina ainda batia com um pé de seus patins em
cima de um homem caído. Ela estava cheia de sangue no rosto, mas nada se
comparava à quantidade a sua volta.
— Seraphina! — Eu gritei, mas ela não pareceu sequer perceber.
Eu não sabia quão machucada ela estava e se esse sangue era seu, a
puxei para longe do homem, mas ela parecia fora de si. Mik se abaixou e
me deu um aceno com a cabeça que o homem estava morto. Anton me deu
sua jaqueta para colocar sobre Seraphina, só então percebi que ela estava
com sua roupa rasgada e o horror me tomou, mas nem tive tempo para
pensar nisso porque seus pés cederam e ela desfaleceu em meus braços.
— Eu levo vocês para o hospital, o resto de nós cuida disso. —
Matvei comandou.
Segurei Seraphina em meus braços enquanto saíamos dali. Tentei
ver suas feridas, mas o mais preocupante para mim é que ela podia não se
recuperar do que aconteceu.

***

Quando chegamos ao hospital Seraphina acordou, mas parecia


perdida em sua cabeça, gritando e se debatendo, precisando ser sedada. O
médico fez um check-up nela, mas garantiu que não foi abusada
sexualmente, parece que ela matou o homem antes que ele conseguisse.
Não saí de seu lado enquanto eles a limpavam ou quando tiraram
seu sangue para fazer testes, pois havia a possibilidade de ela pegar alguma
doença já que houve machucados e sangue trocado.
Segurava sua mão delicada, seu rosto estava com um roxo perto do
queixo, mas foram suas costelas que levaram o pior. Se ele já não estivesse
morto, eu o mataria. Os caras vieram dizer que o médico da Bratva estava
com o corpo, mas que conseguiram identificá-lo como Miroslav Balashov.
— Filho da puta. Nós o encontramos num jantar há algumas
semanas. Não gostei do jeito que ele olhou para Seraphina. — Olho para
minha menina na cama. — Eu devia tê-la protegido.
Senti lágrimas nos meus olhos e me virei indo para janela. Eles não
deviam me ver assim, um dia seria Pakhan, tinha que ser forte.
Uma mão tocou meu ombro e percebi que um tempo havia passado.
— Vim assim que fui avisado. — Meu pai falou.
Percebi que só nós dois estávamos no quarto agora.
— Ela...
Tento falar, mas minha voz falha. Meu pai me puxa para ele e me
abraça.
— Eu entendo.
Isso só trouxe mais lágrimas a meus olhos porque ele não só passou
por isso, mas teve que carregar a culpa de não proteger a mulher de seu
próprio pai e que eu era um fruto disso, de um estupro. Meu pai não era
meu pai, era meu irmão mais velho.
Sequei meus olhos quando me afastei um pouco, mas meu pai
segurou meus ombros.
— Se recomponha. Seraphina precisa de você lá para ela.
Acenei e voltei a me sentar no lado da sua cama. As meninas vieram
visitar Seraphina, mas como ela ainda estava apagada não deixei que
ninguém ficasse além de mim no quarto. Podia ser egoísta, mas não a quero
sobrecarregada.
O médico me garantiu que o calmante já tinha acabado o efeito e
agora era só esperar. Seu psicólogo foi chamado e estava a postos esperando
por ela. Nenhum de nós tinha ideia de como ela estaria quando acordasse e
ele sugeriu até mesmo interná-la se continuasse em surto.
Já era noite quando Seraphina deu os primeiros sinais que iria
acordar. Sua mão apertou a minha e quando movi meus olhos para seu rosto
ela estava com um pequeno sorriso para mim.
— Oi. — Sua voz saiu rouca de tanto ter gritado.
Aos poucos a realidade veio e ela arregalou os olhos. Seus
batimentos disparam, seu rosto estava cheio de medo.
— Está tudo bem, você está bem.
— Ele... ele surgiu do nada...
Ela tenta se mexer e geme de dor.
— Calma.
Ajudo ela a se ajeitar e aperto o botão para chamar a enfermeira, ela
vem com o médico e eles fazem perguntas e a examinam.
— Ela teve uma concussão leve, vai precisar descansar. Os exames
saíram e está tudo bem.
Solto um suspiro de alívio. O médico continua a falar, mas não
comenta sobre o incidente. Ele sabe que não deve se meter. Em seguida
meu pai entra, junto com o psicólogo. Ele conversa suavemente com ela e
então faz a pergunta que todos nós queremos saber.
— Você pode nos dizer o que aconteceu?
Seraphina engole seco e eu lhe dou um pouco de água antes de
segurar sua mão.
— Eu estava terminando meu treino e tirando os patins. Ele surgiu
do nada e já me jogou no chão. — Ela engole seco, seu corpo tremendo. —
Ele estava me batendo e arrancando minha roupa. Eu tentei lutar, mas ele
era tão grande...
— Tudo bem. — Quero a puxar para mim, mas sei que só a
machucaria mais.
— Ele estava falando coisas, eu não estava entendendo, só queria
me libertar e correr então ela surgiu e... — Todos podíamos ouvir seus
dentes batendo e meu pai pegou mais uma coberta e a cobriu.
— E o que você se lembra? — O psicólogo tentou.
O olhar assombrado de Seraphina era assolador.
— Ela cortou a garganta dele... o sangue espirrou em mim.
Havia outra pessoa lá?
— Ele caiu sobre mim, eu e ela o empurramos. — Seu olhar fica
perdido, se lembrando antes de me olhar. — Ela estava lá, Yurio. Eu não
estou maluca.
— Quem? — O psicólogo pergunta.
— Ela era igual a mim, mas diferente. Ela estava lá.
O psicólogo acena, mas seu olhar mostra que ele não acredita.
— Você alucinou novamente?
— Não! — Ela grita. — Ela é real! Ela é real!
A enfermeira entra e ele acena. Antes mesmo que eu pudesse dizer
algo, novamente Seraphina está dopada. Quando está quase apagando ela se
vira para mim.
— Acredite em mim, por favor. Ela é real.
Espero ela dormir e me viro para o psicólogo.
— Não era para dopá-la.
— Ela estava desequilibrada, quanto mais dormir é melhor. Seu
subconsciente criou essa personalidade para se proteger, ela está se
desassociando. Ela não está aceitando que tirou a vida de uma pessoa e com
tratamento eu posso ajudá-la, mas agora o melhor que podemos fazer é
deixá-la descansar.
O psicólogo sai e meu pai recebe uma mensagem, quando termina
de conversar ele se vira para mim.
— Fizeram uma autópsia em Miroslav Balashov, o corte em seu
pescoço não foi feito pela lâmina dos patins como imaginávamos. Eles
procuraram por tudo, mas não acharam a arma do crime.
— Ela não poderia ter escondido. Ela ainda estava em cima do
corpo batendo nele com os patins quando chegamos.
Meu pai se levanta.
— Tudo é possível agora. Ela estava em crise, quem sabe o que ela
podia ter feito com a arma do crime. — Ele abotoa o paletó. — Eu vou
conversar com os Balashov, deixá-los a par da situação. Seraphina está sob
minha proteção, mas talvez seja necessário mais sangue Balashov para
deixar claro isso. — Ele faz uma pausa. — Yurio, ela ainda não é uma
Leonov, então será preciso mais que uma conversa para protegê-la a partir
de agora.
A Bratva era um ninho de víboras e infelizmente a morte de Leoncio
não levou todos os monstros junto com eles. Homens como Balashov
sempre existiram, acham que podem tudo, que o mundo lhes pertence e
mesmo respeitando e temendo o Pakhan, seus instintos nojentos falavam
mais alto.

No dia seguinte, mesmo com recomendação do psicólogo para


Seraphina permanecer no hospital eu a levarei para casa. O que ela precisa é
da nossa cama e carinho.
Ela, ao acordar, fica emocionada de ver flores e balões por todo o
quarto de hospital. Eu a ajudo a tomar banho, tendo que morder a língua
para não demonstrar minha raiva por seus machucados. Quando coloco uma
roupa normal nela, vendo seu olhar confuso eu explico.
— Nós vamos voltar para casa.
O alívio em seu olhar me faz saber que tomei a decisão certa. O
médico vem fazer o último check-up antes de a liberar, nós pegamos os
analgésicos antes de finalmente voltarmos para casa.
Tenho que me conter para não a carregar até em casa, apesar da dor
minha garota é forte e quer mostrar isso a todos. Ela leva seu tempo até a
porta da frente e quando chega lá parou para respirar um pouco. Eu acaricio
suas costas.
— Você está indo bem.
Ela me lança um sorriso agradecido e eu abro a porta. Todos estão lá
reunidos para recebê-la. Até prepararam um café da manhã especial. Depois
de ser abraçada e cumprimentada ela finalmente se dá por vencida e se
senta numa poltrona.
Tory está tentando disfarçar, mas precisa se afastar para chorar por
sua amiga. Até Irina está aqui e quando penso em chutá-la para fora ela
entrega uma sacola rosa para Seraphina.
— O que é? — Seraphina pergunta um pouco desconfiada.
Irina cruza os braços e Seraphina abre revelando maquiagens.
— Bem, ser atacada é uma coisa, mas você realmente não precisa
parecer ter sido atacada.
Seraphina bufa uma risada.
— Obrigada.
Irina dá de ombros antes de ir sentar-se no colo de Mik.
— Umas roupas melhores também não fariam mal. — Ela
resmunga, mas então aponta para todas as meninas. — Isso não é trégua,
não esqueci o que vocês fizeram comigo.
Ela lança um olhar de raiva para sua irmã. Mik fala algo em seu
ouvido, que a faz sorrir sinceramente e vejo que pode ter algo de bom nela,
mesmo que seja pouco. Seraphina boceja e eu dou a visita por encerrada;
pegando-a em meus braços a levo até o nosso quarto, mas dessa vez ela não
reclama. Os medicamentos a deixaram exausta.
Os próximos dias são difíceis para Seraphina, ela quer voltar para a
universidade, mas suas costelas doem até mesmo para respirar mais fundo;
por sorte não houve fraturas, mas os roxos não desapareceram. As meninas
se revezam em fazer companhia para ela, tentando animá-la, mas Seraphina
está ansiosa para voltar a sua rotina. Sua recuperação não está tão rápida
quanto ela imaginava, mas pelo menos ela já consegue andar um pouco sem
ficar com falta de ar.
Na primeira noite enquanto estávamos deitados na cama ela voltou a
falar da mulher que parecia com ela, jurando ser verdade.
— Eu pesquisei sobre doppelganger e tem várias lendas a respeito.
Não quero ser um idiota cético então a escuto.
— E o que falava a respeito disso?
Ela engoliu seco.
— Que é um presságio de morte, que quem viu a outra primeiro é a
mais provável de morrer.
— Isso não vai acontecer — declaro, pegando sua mão e dando um
beijo. — Nem que eu tenha que matar a sua irmã gêmea do mal.
Ela dá um tapa no meu peito.
— Não estou brincando, eu realmente a vi. Ela tinha cabelos
enrolados, olhos bem marcados com maquiagem. Eu nunca usaria algo
assim. Até a entonação da voz era diferente.
Talvez eu mesmo esteja ficando maluco, mas começo a acreditar
que ela realmente viu algo ou alguém naquele dia.

***

— Eu odeio isso. — Ela resmunga enquanto passo a pomada de


arnica em seus hematomas pela manhã.
— Está doendo?
Ela bufa.
— Não. É só que eu imaginava que se estivesse sem camisa meu
namorado estaria olhando meus peitos em vez de passar uma pomada em
meus roxos.
Não tínhamos tido nada desde o acidente e apesar de amar seu corpo
não acho que conseguiria tocar nela enquanto está assim tão vulnerável.
— Acredite em mim, eu estou olhando.
Belisco seu mamilo de brincadeira. Ela me lança um sorriso sincero.
— Eu poderia furá-los, para combinar com o do seu pau — brinca.
Penso na ideia, já me sentindo engrossando com o pensamento.
— Você vai se vestir de que hoje? — Ela pergunta mudando de
assunto, sabendo que tinha me afetado, mas também que eu não faria nada a
respeito disso.
Mal me lembrava da festa de Halloween hoje, por mim ficaríamos
em casa, mas Seraphina estava animada pela primeira vez desde o acidente
e eu não queria tirar isso dela.
— Não sei, acho eu e os caras vamos usar nossas máscaras como de
costume. — Dou de ombros.
— Vão aprontar por aí?
Eu beijo sua testa, ajudando-a a vestir a camisa.
— Provavelmente.
— Vai para a festa com as meninas?
— Provavelmente. — Ela joga de volta.
Nós acordamos mais tarde que de costume, mas é sábado. Quando
descemos as escadas a comida está terminando de ser preparada, hoje foi
dia de Ivy, Matvei e Kaz na cozinha. Desde que Izma foi demitida ainda não
encontramos alguém para substitui-la. Muitas vezes comemos na
universidade ou na rua, então não era uma prioridade, mas todos sentimos
falta de comida caseira às vezes.
Seraphina ri quando Kaz bate com a toalha em Ivy, que grunhe algo
enquanto mistura a panela.
— O que estão fazendo? — pergunto curioso. O cheiro realmente
está bom.
As bochechas de Ivy coram quando percebe que tem companhia.
— Ah, é massa.
— Massa feita do zero por ela, molho de tomate caseiro. — Matvei
conta encantado.
— E até nos ensinou a fazer pão e transformar em torrada —
acrescenta Kaz balançando os dedos.
— Eu tinha uma babá italiana que ensinou. — Ela dá de ombros
tímida.
Kaz a puxa para um abraço.
— Ela tem mãos de anjo!
E Kaz tem razão, o cheiro da comida atrai todo mundo do
Monastério, que vem comer. Ivy fez bastante comida porque todos
comeram e alguns até repetiram. Seraphina estava acariciando a barriga
depois de comer tanto, mas fiquei me perguntando como seria engravidá-la.
Foi preciso tirar seu sangue quando ela chegou no hospital para fazer os
exames e entre eles fez o de gravidez, que deu negativo. Comentei com ela
e Seraphina informou que vai começar a tomar anticoncepcional.
— Juro, eu vou aumentar a quantidade de dias livres só para comer
sua comida. — Tory afirma antes de bater palminhas. — Agora meninas,
vamos para o spa descansar e nos preparar para mais tarde.
Me aproximo de Seraphina enquanto ela coloca um casaco quente e
pego um cachecol colocando sobre seu pescoço, antes de puxá-la para mim
para um beijo delicado na ponta no nariz.
— Está bem mesmo para ir?
Ela sopra adoravelmente.
— Sim, eu estou. — Ela fica na ponta dos pés e me beija.
Sua língua tenta pedir passagem e leva tudo de mim afastá-la, mas
não posso fazer isso agora ou vou jogá-la sobre o ombro e levá-la para
nosso quarto. Digo a mim mesmo que sou um homem, não uma besta.
— Melhor você ir.
— Yurio... — Ela geme, mas quando tenta me agarrar estremece de
dor.
— Viu? Eu te falei.
Seu olhar triste e desolado me faz pensar que tem algo a mais que
não vi antes.
— O que foi?
Ela morde o lábio. A maquiagem que Irina deu serviu para esconder
o hematoma no seu rosto, mas ainda assim eu sei que está lá.
— Nós não transamos há dias, sei que homens têm suas
necessidades...
Nem a deixo terminar.
— Escute bem, não existe isso de homens e necessidades. Nós não
somos animais e quem finge isso nem devia ser chamado de homem. Eu
estou com você e não aceito traição. Eu te amo e não ficaria com outra
porque não transamos. Confie em mim.
Ela suspira, mais aliviada.
— Eu confio, mas é difícil.
— Um homem que não respeita sua mulher não é um homem de
verdade, Seraphina.
Tory se aproxima, ou alheia a nossa conversa séria ou querendo
acabar com ela, porque puxa suavemente Seraphina.
— Vamos, Phina. Precisamos de massagem com pedras quentes e
um novo corte de cabelo.
— Sem corte. — Eu digo antes que possa me conter, mas em vez de
me olhar irritada Seraphina ri.
Ela morde o lábio antes de acenar para eu abaixar um pouco a
cabeça para poder sussurrar.
— Faça valer então meu cabelo grande para puxá-lo enquanto me
fode.
Ela me deixa ali atordoado enquanto sorri adoravelmente e se
despede.
— Quer jogar videogame? — Anton pergunta e eu dou de ombros,
não temos muito o que fazer hoje até a hora da festa.
Depois da terceira partida todas as Bestas estão aqui reunidas, se
intercalando entre as partidas e nos arrumar. Gregory estava xingando
quando eu o derrotei na luta.
— Sacanagem. Como se não bastasse ter dado prosseguimento à
maldição.
Os caras riram e só eu e Mik não entendemos. Kaz, enxugando
lágrimas dos olhos, falou:
— É que achamos que agora tem uma maldição do amor, tipo Mik
está com a Rainha Má e agora você está com a Frozen, é questão de tempo
até que o próximo seja atingido.
Rolo os olhos.
— Quando vocês perceberem que encontrar uma mulher é melhor
do que sair pegando várias a cabeça de vocês explode.
Mik concorda comigo e batemos os punhos, apesar de não achar que
Irina se enquadra nessa categoria.
— Será que agora tendo que conviver com mais mulheres eles serão
fisgados? — Pisquei para Mik que entrou na onda.
— É verdade, né? Falam que as mulheres quando se juntam no
mesmo lugar menstruam ao mesmo tempo e jogam feromônios. Talvez
afete os homens.
Nesse momento Grigory já estava com olhos arregalados e Kaz tirou
não sei de onde um desodorizador, que passou por sua cabeça e por todos
nós, deixando a sala com cheiro de lavanda e flores.
Ainda estávamos gargalhando quando as meninas entraram pela
porta já arrumadas, só então percebi que já estava na hora da festa.
Seraphina entrou sorrindo para mim. Estava muito gostosa com um corpete
preto marcando bem sua cintura fina, a saia me deu mil ideias de como
fodê-la. Sua maquiagem nos olhos estava um pouco escura, mas ainda
suave como ela gostava, só então reparei que em seu pescoço havia uma
gargantilha vermelha imitando sangue, parecia que ela teve o pescoço
cortado.
— Ousado — disse tocando seu pescoço.
Depois de tudo que ela passou, demonstrava força e isso me encheu
de orgulho. Ela morde o lábio.
— Era isso ou vampira sexy.
— Vocês ainda não estão prontos? — Tory berra, estava fantasiada
de líder de torcida morta, clássico, já que Irina queria sua cabeça. — Nós
ficamos seis horas nos preparando para isso e vocês simplesmente...
Ela acena com as mãos quando os caras apenas colocam suas
máscaras. Tory está indignada, mas as outras meninas estão gargalhando,
inclusive Seraphina. Por sorte, em algum momento da tarde, enquanto
outras pessoas jogavam tiramos tempo para tomar banho, mas Tory não
sabe dessa informação.
— Boa sorte para conseguir uma menina cheirando mal.
Anton tenta discretamente cheirar sua camisa e ela aponta
acusadoramente para ele.
— Viu?
— Não vai ser por isso que as mulheres vão fugir dele. — Kaz tenta
defender o amigo, mas só piora.
— Por que então? — Tory cruza os braços.
Kaz levanta as duas mãos deixando-as bem separadas e Tory rola os
olhos.
— Eu realmente não acredito que as meninas fogem pelo tamanho
do seu pau, já pensou que pode ser por você ser ruim na cama, talvez
egoísta?
Se pudesse Anton já teria agarrado o pescoço fino de Tory e a
estrangulado.
— Victoria, cale a boca. — Ele resmunga antes de subir os degraus,
apressado para tomar um banho.
— Tory. — Seraphina murmura para a amiga. — Você magoou ele.
Tory arregalou os olhos.
— Eu realmente estava tentando ajudar. Tipo, somos todos da
mesma fraternidade, se alguém falar mal nós temos que defender.
Isso faz os meninos rirem mais ainda.
— Então você vai defender nossa honra? — brinco.
Tory acena seriamente.
— Eu já discuti com uma menina que disse que poderia pegar todos
vocês porque segundo ela vocês pegam tudo que respira.
Mik sorri.
— E o que você disse?
— Disse que nem se fosse assim ela conseguiria pegar, porque eles
não gostam de faladeiras sem cérebro que chupam comprimidos de laxante
como se fossem bala.
Ivy limpa a garganta, estava usando uma fantasia de Dorothy que
ficou adorável nela e realçou seus seios.
— Rice falou para mim que o Monastério agora aceita qualquer um
e eu disse que qualquer um menos ele.
Isso faz a ruiva bater sua mão com a dela.
— Isso aí, garota. — Então ela se vira para a gente, vestida de
soldada sexy com vestido camuflado. — Eu tenho ficado com Carson
Stevyn e tentado recolher informações. Vou colocar pó de mico em suas
roupas no dia da prova.
Ela realmente parecia ter planejado isso, Seraphina estava mordendo
o lábio para não rir, mas os outros não tiveram a mesma delicadeza.
— E você? — perguntei à garota sempre de preto, Cora. Ela estava
com um quimono que suspeitava não ser uma fantasia. Não era sexy como
as outras garotas e na verdade acho que ela bateria se alguém dissesse algo
sobre isso.
Ela deu de ombros.
— Vou vencê-los nos jogos e fazê-los ficarem envergonhados de
perder para uma garota, filmando tudo e mandando para toda a
universidade, é claro.
Ela disse com tanta certeza que eu acreditei que o faria.
— Fiquem de olho nela, caso eles fiquem hostis. — Dei a ordem
para ninguém em particular, mas todos acenaram, inclusive as meninas.
Bem, elas pelo menos tinham espírito, esperava com o tempo poder
corrompê-las para fazerem pegadinhas com mais sangue e gritos.
Quando entramos no carro, Seraphina virou para mim seus olhos
inquisidores.
— O que você está aprontando?
— Nada.
Ela levanta uma sobrancelha e eu suspiro.
— Bem, imaginei que hoje seria uma boa noite para as novatas
provarem seu valor.
Seraphina se encostou no banco, rolando os olhos.
— No que você pensou?
— Sequestro de um membro de cada fraternidade.
Uma risada alta saiu dela.
— Quase posso dizer que roubar o troféu foi a tarefa mais fácil que
já tive.
— Você pode decidir se elas fazem isso antes ou depois de beber. —
Sugiro só para não deixar a culpa de arruinar a noite delas sobre mim.
Seraphina me dá um soquinho.
— Acho que elas vão precisar de álcool para conseguirem. Elas
podem escolher alguém para ajudar. — Ela estica a mão e eu aperto.
— Nós teremos muita diversão essa noite. — Beijo sua mão.
O caos se encontra logo na entrada, pessoas se drogando, outras se
agarrando, outras vomitando e até algumas dormindo no chão, o que a
maioria dos homens tem em comum é o olhar de desejo que estão dando a
Seraphina. Ela está alheia e sorri como se eu tivesse lhe dado o mundo
quando abro a porta para ela.
A música estoura assim que a porta se abre e Deus abençoe quem
criou o isolamento acústico. As luzes brilham colorido e Seraphina se vira
para mim mexendo os quadris e rebolando, me puxando para dançar com
ela.
Gosto de vê-la tão animada e leve, ela rodopia e meu olhar duro
para os outros nos abre espaço para que ninguém esbarre nela. Seraphina
curte as músicas e é impossível não a olhar. Ela é perfeita.
Não acho que ela esteve em muitas festas depois de se mudar e ser
internada, talvez seja até umas das primeiras dela como foi na boate, então,
mesmo querendo colocá-la numa bolha, eu a deixo se divertir. Tory se
aproxima e as duas começam a dançar juntas, Irina surge no meio das
pessoas junto com Mik e praticamente faz sexo enquanto dança com ele.
Anton para ao meu lado, sua cara fechada como de costume.
— O quê? — pergunto.
Ele dá de ombros virando seu copo.
— Eu sei foder uma mulher direito — resmunga e se eu não tivesse
lido seus lábios provavelmente não teria entendido.
— Ela alugou um triplex na sua cabeça, né?
Ele bufa e vejo o seu lado caçador aflorar, enquanto ele procura a
vítima para provar que ele sabe dar prazer a uma mulher.
Seraphina volta para meus braços e minha boca vai para seu pescoço
enquanto minhas mãos vão para sua bunda, como senti falta disso. Ela se
afasta um pouco e morde meu lábio inferior antes de me puxar para selar
nossos lábios.
— Passei no posto de saúde hoje e aplicaram o anticoncepcional
injetável. — Ela sussurra no meu ouvido. — Em sete dias eu estarei
protegida.
Porra. Não quero usar camisinha com ela, mas aguento para
protegê-la. Ter um filho nesse momento era tudo que não precisávamos.
Beijo seus lábios e ela sorri.
Pego uma água para nós e ela faz um biquinho adorável.
— Logo você vai estar curada e poderá beber o quanto quiser. —
Mas nós dois sabemos que isso não aconteceria tão cedo.
Mas não estar bebendo álcool não nos impediu de brincar e nos
divertir. Vamos para o ping-pong de bebida e enquanto ficam bêbados nós
rimos. É pouco depois da meia-noite e percebo que ela já está cansada, mas
não quer dar o braço a torcer.
O aviso da missão foi dado uma hora antes e agora está na hora de
ver quem conseguiu cumprir. Para não ficar realmente difícil deixamos que
os sequestrados fossem apresentados nos fundos da festa, onde não havia
ninguém.
— Devíamos ter feito um bolão. — Seraphina ri.
Ela tropeçou no chão e eu a segurei, ela ficou tensa, provavelmente
por tê-la segurado pelas costelas.
— Imagina se as meninas ficaram tão bêbadas que esqueceram —
comento já ficando tenso com essa perspectiva. Se isso ocorresse com
algum dos membros masculinos certeza de que ele seria o saco de pancadas
de todos, mas não tinha ideia do que fazer com as meninas se isso
ocorresse.
A primeira pessoa que vejo é Ivy, com Irina presa numa árvore e
com uma venda na boca para não gritar, procuro o ajudante de Ivy, mas ela
está sozinha.
— Muito bem!
Elogio e desato as amarras improvisadas de Irina. Ela aponta para
sua irmã numa mensagem silenciosa antes de sair resmungando. Esperamos
alguns metros antes de começarmos a rir.
Alexandra estava mexendo no celular enquanto Rice estava caído no
chão, desmaiado, ao nos ver ela se levanta.
— A parte mais difícil disso foi fazê-lo calar a boca. — Ela sorri
docemente e eu tenho a certeza de que essa menina é louca.
Reparo Grigory encostado a alguns metros.
— Ela o atraiu para cá na esperança de ter seu pau chupado e em
seguida o drogou com uma bebida.
Definitivamente louca.
Passo procurando Tory e Cora. Encontro-as juntas com uma parte do
time de futebol da escola, conto três caras.
Quero realmente perguntar como elas fizeram isso!
Seraphina não tem o mesmo receio e pede com detalhes.
— Ele simplesmente me seguiu para fora como um maluco e eu o
acertei com um pedaço de pau. — Tory conta. — Aí enquanto arrastava o
corpo, Cora estava com dois caras do time, mas parecia estar tendo um
pouco de dificuldade, já que os dois estavam bêbados. Enquanto ela
amarrava um eu derrubei o outro.
Os caras do Monastério concordam com a cabeça e acho que Tory
será um membro útil para nós. É preciso alguns carros para reunir todas as
garotas e as levar, a maioria está bêbada demais.
— Verifiquem se elas não os mataram e os libertem. — Não falo
para ninguém em particular e saio com uma Seraphina que não para de rir.
Levo Seraphina para nosso quarto e a ajudo a tirar sua fantasia sexy.
— Nós vamos ficar bem, né?
Beijo sua testa.
— Sim, nós vamos.
39
SERAPHINA

Passou duas semanas da festa de Halloween e todos estávamos nos


preparando à nossa maneira para os jogos de inverno e as provas. A maioria
das pessoas ficavam nervosas na época de prova, mas eu estava calma,
tenho estudado bastante e, comparado a minha vida atualmente, é uma das
únicas coisas que não foi afetada. Todos estávamos em grupos de estudos
junto com Ivy, que ajudou todos no que pode, mas até ela precisava de seu
tempo para estudo.
Quando a semana de provas chegou ao fim estávamos esgotados
demais até para comemorar numa sexta-feira, em vez disso todos nos
reunimos na sala vendo filmes de terror. Não seria minha escolha de gênero,
mas a maioria ganhou. Estava sentada entre Yurio e Tory, ambas assustadas
e enquanto eu me escondida no peito de Yurio ela se escondia nas minhas
costas.
Posso dizer com certeza que não vi nem metade do filme, mas
acenei quando acabou fingindo ter sido muito bom. Depois dele foi
colocado um filme adolescente cheio de besteira e era isso que precisava
para me acalmar do outro filme. Rimos muito e no final estava curiosa.
— Será que as pessoas fazem isso realmente?
Tory ri do meu comentário.
— Claro, é melhor quando se está bêbado para não perder a
coragem. — Um sorriso toca os lábios da minha amiga, ela sabia que eu
perdi muitas coisas. — Seraphina, eu desafio você a fazer um anjo de neve
nua!
Eu pulo.
— Não! Está três graus lá fora!
Yurio ri ao meu lado.
— Sem chance de ela fazer isso.
Eu me viro para ele.
— Pois eu desafio você!
Uma chuva de gritinhos veio enquanto ele me olhava intensamente,
então se levantou.
— Tudo bem. — Ele puxa a camisa pela cabeça, me fazendo perder
o raciocínio. — Mas você vem comigo.
Quando sua mão estende para me pegar eu consegui desviar e logo
estava correndo pelo Monastério. Fiquei do outro lado da mesa e Yurio
tentava me pegar.
— Eu não vou lá fora!
Ele rola os olhos.
— Está com medo?
— Então vamos juntos. — Tentei.
Ele para.
— Querida, se me quer pelado é só pedir.
Rolo os olhos e começo a tirar minha camisa e jogo nele antes de
correr para a porta. Minha coragem indo embora assim que abri a porta da
frente e o frio veio com força em mim, mas não tinha como eu fugir. Yurio
já estava arrancando suas calças e correndo lá para fora com a sua bunda
aparecendo.
Puxei minhas próprias calças e corri para neve de roupa íntima e
meias. Soltei um gritinho e tentei correr para dentro novamente, mas Yurio
me pegou, me girando antes de me colocar no chão. O frio entrando no meu
corpo fazendo meus dentes baterem, mas eu estava rindo dele segurando
seu pau com uma mão.
Abri e fechei minhas pernas no chão fazendo o bendito anjo de
neve.
— Faz um também — pedi mesmo achando que ele não o faria.
Yurio se deitou ao meu lado e fez, e mesmo que nós dois
estivéssemos congelando eu me virei para ele.
— Eu te amo.
Ele sorriu, fumaça saindo de sua boca e nariz.
— Eu também te amo, Kiska.
Nosso beijo me aqueceu e o abracei, ao longe ouvimos o pessoal
rindo e brincando de termos congelado, mas não havia lugar que eu
preferisse estar do que aqui com ele.
— Seraphina? — Me viro para ele, seu rosto estava corado do frio e
sua boca ficando roxa. — Casa comigo?
Ofego, não esperava por isso, ainda mais nesse momento. Nada
entre nós foi planejado previamente e acho que era isso que ajudava nosso
relacionamento a dar certo, nunca sabia o que esperava.
— Sim!
Ele nos vira e eu solto um gritinho quando minhas costas bateram na
neve.
Eu poderia chorar, mas minhas lágrimas congelariam antes mesmo
que caíssem. Nós dois fomos criados para isso, mas olhando para Yurio ele
não estava pedindo em casamento alguém de dentro, ele estava pedindo em
casamento a mulher que amava. Pela primeira vez eu me via num futuro
feliz, onde eu era amada e amava.
40
YURIO

Minha mãe provavelmente ficaria um pouco decepcionada do meu


pedido improvisado de casamento e sem anel, mas ver o brilho nos olhos de
Seraphina e a emoção em seu olhar substituiria qualquer arrependimento de
não ter conseguido guardar o que eu sentia para mim. Antes de Seraphina
eu nem sabia que podia sentir isso, esse amor, essa necessidade de alguém.
Deixá-la esta manhã não era a minha ideia do começo de um bom
dia, mas precisava participar de uma reunião da Bratva e aproveitaria para
conseguir o anel de Seraphina, não importava o quão gostosa ela estava
com a boca entreaberta, sua perna jogada sobre meu corpo e seus braços me
apertando.
Ouço meu pai tomar conta da reunião enquanto me mantenho
atento, sei bem que as pessoas farejam fraqueza, ainda mais com a morte de
Miroslav Balashov; muitos não estavam felizes e anunciar meu noivado
com Seraphina melhoraria um pouco as coisas. Respondo perguntas a
respeito de Tuiham e quando Seraphina é citada eu aproveito a deixa.
— Soube que ela ficou à frente de uma venda. — Um dos homens
comenta e um pequeno sorriso toca os lábios de Nikolai, que estava ao meu
lado.
A notícia aparentemente correu e Rice tem sido zoado e nem
escondo meu orgulho.
— Minha noiva é uma mulher forte. A pedi em casamento ontem.
Meu pai e Nikolai conseguem disfarçar a surpresa enquanto sou
parabenizado. Depois de Seraphina ter tirado uma vida, mostrar que ela está
somando dentro da organização ajudará ela a ser respeitada.
Depois que todos saíram meu pai sorri.
— Sua mãe vai querer os detalhes do pedido.
— Eu irei falar, só preciso arranjar um anel primeiro.
Nikolai, que até agora estava em silêncio, cai na gargalhada
enquanto meu pai balança a cabeça. Meu tio então estende a mão para seu
irmão, que pega uma nota de cem e dá a ele.
— Sabia que você não demoraria a pedir a garota em casamento. —
Nikolai informa.
Meu pai se levanta.
— Vamos, sei onde arranjar o anel.
Nikolai vai embora e é um pouco estranho estar sozinho com meu
pai, tenho evitado isso desde que descobri a verdade. Ele dirige o carro
comigo na carona, com um carro com seguranças nos seguindo. Acho que
vamos para alguma joalheria, mas em vez disso ele guia o carro até a nossa
casa. Não querendo ser um idiota, mas já sendo acabo falando.
— Não vou pegar a aliança da mamãe.
Não era justo, depois de tudo que ela já passou ainda perder a
aliança de casamento. Eles tinham a chance de começar uma família de
verdade agora que Leoncio se foi e esperei por isso, ainda espero para falar
a verdade.
Papai estaciona o carro e se vira para mim.
— Não vou te dar a aliança de sua mãe.
Nós saímos do carro e nos dirigimos até seu escritório, pela hora
mamãe deve estar no spa trabalhando, fazia meio período alguns dias da
semana. Ele vai até o cofre atrás de sua mesa e tira uma caixa de alianças de
lá, colocando em cima da mesa a minha frente.
— Arseny foi um grande amigo para mim, nós nos conhecemos
desde crianças, fizemos faculdade juntos e fomos iniciados ao mesmo
tempo. Seraphina é uma boa menina, apesar de seus problemas...
— Pai — aviso, não aceitaria que ele falasse dela.
— Eu entendo. Arseny me contou que esse anel tem estado em sua
família há quatro gerações, então o guardei para Seraphina; não tinha ideia
de que seria você a entregar a ela, mas me sinto orgulhoso por ser seu pai e
vê-lo se casando por amor, não por obrigação.
Minha garganta se fecha, como ele podia me amar?
Alguém bate na porta antes de Izma entrar com uma bandeja de
lanches para nós. Fazia tempo que não a via e lhe ofereço um pequeno
sorriso em respeito, mas jamais estará no Monastério de novo, já que
quebrou minha confiança.
Meu pai agradece e quando a porta se fecha atrás dela ele bufa.
— Você não acha que está sendo rancoroso?
Raramente meu pai me questionava de alguma atitude, então paro
para pensar por alguns segundos antes de negar com a cabeça.
— Não. Porque se ela passa informações para um, quem garante que
não passe para o outro?
Ele acenou com a cabeça.
— Ela tem trabalhado aqui faz vinte anos, antes disso era uma
dama.
A informação me pega desprevenido. Não sabia que Izma já foi
mais do que uma empregada; vendo a surpresa em meu olhar meu pai
prossegue.
— Seu pai era um capitão, mas estava fazendo desvios de dinheiro.
Ele foi abatido e ela precisou morar com a família de empregados, de lá
meu pai a trouxe para trabalhar aqui assim que completou dezoito anos.
Estremeço, aquele velho nojento abusou de várias mulheres e não
duvido que Izma tenha sido uma delas, sem precisar perguntar em voz alta
meu pai acena. A compaixão por Izma vem, mas ainda não sei se a quero
novamente no Monastério.
Pego a caixa de aliança e abro revelando uma linda joia, o anel
cheio de diamantes, delicado, mas ainda assim reflete a luz das pedras por
todo o cômodo. Seraphina irá amar.
— Não sabia que você era tão próximo do pai dela.
Meu pai dá um sorriso triste.
— Emoções sempre foram consideradas fraqueza por seu avô.
Esconder amizades eram preciso para preservá-las. Eu acompanhei Arseny
se apaixonar pela bailarina, ele largaria tudo por ela. Era inevitável os dois
ficarem juntos. Nunca pensei que tudo ia acabar desse jeito. — Ele suspira.
— Bem, já que estamos falando sobre os Petrova acho que você deve saber
algo.
Eu me inclino para frente.
— Se é sobre a saúde mental de Seraphina ela já me contou, está se
cuidando e está muito melhor.
— Não é isso. Quando seus pais morreram Seraphina precisava de
um tutor e sua tia por parte de mãe não era confiável, então assumi esse
papel, mas não queria pressioná-la a ficar conosco, por isso me mantive
anônimo para seu bem. Ela tem uma mesada e irá receber a herança quando
completar vinte e um anos, mas decidi inserir uma cláusula para que ela
termine a faculdade, a menina me parecia tão perdida que achei que isso
poderia ajudá-la.
A informação me pega de surpresa, mas posso imaginar meu pai
fazendo isso claramente. Acho que de alguma forma meu pai salvou
Seraphina, porque ela não teria nada a fazer se não fosse os estudos, o
contato com as pessoas a está fazendo melhorar.
— Você planeja contar a ela? — Não quero guardar mais segredos
do que posso dela.
— Sim, acredito que no Natal, se vocês passarem conosco.
Terminamos de comer antes de mamãe chegar. Ela fica emocionada
quando conto sobre o pedido e acho que tive sorte de não pedir Seraphina
em casamento durante o sexo ou não haveria forma nenhuma de eu contar
para minha mãe. Ela me faz prometer passar o Natal com eles e dou a noite
por encerrada antes de dirigir para casa.
É tarde e encontro Seraphina dormindo de bruços. Seus cabelos
presos num rabo de cavalo baixo, ela estava usando uma camisa preta
minha que ficava praticamente um vestido nela e podia ver a calcinha de
renda preta. Provavelmente ela me esperou até que acabou adormecendo.
Seu rosto está contorcido de medo e percebo lágrimas deslizando
pelo seu rosto, é angustiante vê-la assim, me aproximo com cuidado e toco
seu rosto.
— Kiska, acorde.
A sacudo suavemente, mas nem assim ela desperta, está inerte.
— Abra os olhos, Seraphina.
Eu a sacudo com mais força e finalmente ela abre seus olhos
marejados e logo soluços saem enquanto eu a aperto contra mim, tentando
acabar com sua dor. Seu choro é alto e dolorido, sua boca se abrindo em
palavras repetidas como uma oração.
— Eu não consigo, eu não consigo, eu não consigo. — Suas unhas
cravam em meus braços, mas eu nem sinto a dor. — Me desculpe, me
desculpe...
— Está tudo bem.
Alguém bate na porta do meu quarto e vejo o olhar preocupado de
Mik. Nego com a cabeça e ele acena antes de sair. Aos poucos ela se acalma
e levanta a cabeça para mim.
— Eu sinto muito...
— Não faça isso, não me peça desculpas. — Passo o polegar por
suas lágrimas. — Você estava tendo um pesadelo.
— Eu tentei ficar acordada te esperando, nem tomei o remédio de
dormir. — Ela passa a mão pelo cabelo pensativa, provavelmente
lembrando do sonho.
— Foi só um pesadelo — asseguro.
Alguém dá uma batida suave na porta antes de Mik entrar com um
copo de leite.
— Achei que isso pudesse ajudar.
Ele me entrega e dá um pequeno sorriso para Seraphina antes de sair
do quarto. O leite está quente e com cuidado coloco nas mãos trêmulas dela.
Ela toma uns goles e finalmente seu corpo começa a relaxar.
— Eu estava com meu pai em uma reunião e planejava escolher
uma aliança para você. — Alcanço meu bolso e abro a caixinha na frente
dela, que ofega.
— Esse é o anel da minha família! — Ela toca com tanto cuidado.
— Lembro do meu pai me contando histórias de como um dia ele
pertenceria a mim, de amar vê-lo refletindo luz enquanto mamãe dançava.
Achei que tivesse o perdido para sempre.
Tiro-o da caixa e coloco em seu dedo, serve perfeitamente. Beijo
sua mão e ela se vira para mim.
— Eu não tenho sido completamente honesta com você sobre meu
passado. Depois da morte dos meus pais eu entrei em surto e fui internada,
não pude nem ir ao enterro deles e foi até bom por que... — Ela engole
seco. — Eu os odiava. Odiava como eles destruíram a minha família, em
como papai não tratou a doença da mamãe, de como ela praticamente levou
Lily para a morte, de como tudo que importava era aparência e status , me
ressentia de como para eles não havia escolhas para mim sobre meu próprio
futuro, de como não importava o quão perfeita eu fosse ainda não era o
suficiente para provar meu valor. — Ela respira fundo e me fita com olhos
assombrados. — Talvez por isso que fiz aquilo.
— O quê? — pergunto com cuidado.
— Eu matei meus pais, Yurio.
41
SERAPHINA

Vejo o olhar surpreso dele, mas não há julgamento. Não duvidava


agora que Yurio faria qualquer coisa por mim, porque mesmo demonstrando
surpresa ele não deixaria eu ser pega pelo meu crime.
— Como aconteceu? — Ele pergunta. — Me lembro do meu pai
falar que foi um incêndio.
Engulo seco.
— Minha mãe tinha crises em que perdia a realidade das coisas, ela
acreditava que vozes falavam com ela, pediam para ela fazer coisas ruins.
Acho que é hereditário. — Rio sem humor. — Lily também estava
começando a ouvir, mas eu achava que não aconteceria comigo, mas a
morte da minha irmã acabou comigo. Naquela casa parecia que eu era a
errada de sentir a morte dela, de estar de luto.
Ele aperta minha mão.
— Leve seu tempo.
Respiro fundo precisando desabafar.
— Eu acho que estava no meio de um episódio depressivo, me
perguntei se não era melhor ficar com Lily. Eu os odiava tanto. Eu sou um
monstro. — Tampo meu rosto com vergonha de ver a decepção em seu
olhar.
— Monstros não têm sentimentos. Você não é um, Seraphina. — Ele
segura minhas mãos.
— Lembro de querer que tudo acabasse. Tínhamos acabado de
enterrar Lily, mas parecia que era um dia normal. Eu lembro de procurar um
isqueiro na cozinha, de subir as escadas e parar na frente da porta dos meus
pais, abri e acendi o isqueiro e o encostei nas cortinas, mas depois disso é
tudo confuso, eu estava fora de casa e o quarto deles estava em chamas. A
minha próxima memória é eu já internada numa clínica psiquiátrica, fiquei
fora por semanas tendo medicações fortes e em seguida fui levada para
Nova York com a minha tia. Nunca fui acusada e o incêndio foi controlado.
— Engulo seco. — Não sei se o seu pai sabe que fui eu, mas não podia
deixar você se amarrar a mim sem saber disso.
Ele não fala, entreguei em suas mãos o meu maior segredo e ele,
como filho do Pakhan, tinha a obrigação de delatar; no nosso meio o sangue
sempre se paga com sangue.
— Eu estive entrando e saindo das clínicas e minha tia só ligava
para o dinheiro que recebia, ela não gostava de como eu atrapalhava sua
vida e nem de se envolver com a Bratva. Havia visitas esporádicas para ver
meu estado, mas eu estava sozinha. Tirar fotos era um meio de terapia
ocupacional, mas nada preenchia o vazio realmente. A única que me ligava
e quando dava ia me visitar era Tory, ela me fazia sentir um pouco normal.
Tento me levantar para lhe dar espaço, mas ele me segura. Respiro
fundo antes de encontrar seus olhos.
— Eu não me importo. — Ele fala.
De tudo que ele poderia dizer, nunca imaginei que isso sairia da sua
boca, percebendo que estou atônita ele sorri.
— Eu não me importo — repete. — Não me importo se você quis
ou não matá-los, eu conheço você, Seraphina. Você não é ruim e mesmo se
fosse eu queimaria o mundo inteiro para estar ao seu lado.
O alívio que eu sinto por finalmente ter contado isso a alguém e ser
apoiada me faz perder o ar. Confiava em Tory, mas não queria que ela visse
as partes sombrias da minha mente e com Yurio é diferente, ele me entende
de uma maneira que ninguém mais faz, ele mergulhará na escuridão se
significar estar ao meu lado.
— Eu te amo. — Consigo dizer com a voz trêmula.
— Eu também te amo, com todas as suas partes sombrias. — Ele
beija minha testa.

***

— Então, como é estar noiva? — Tory pergunta meio ofegante


enquanto corremos.
Todos estamos treinamos e não somos os únicos. Ao longe vejo o
restante da nossa turma tendo passado os Beserkers, mas por pouco. Como
eu ainda não estava cem por cento fui ficando para trás e Tory, como uma
boa amiga, me acompanhou para fofocarmos.
— Não sei, bom eu acho. Não mudou muita coisa, para falar a
verdade. — Olho para o anel no meu dedo e me pego sorrindo.
— Não mudou, sei. — Ela zoa. — Estou feliz por vocês; de todo
mundo que eu conheço, você é a mais merecedora de toda a felicidade.
— Ainda tenho chance de ficar louca — declaro e Tory tropeça
antes de se ajeitar.
— Claro que não! — Eu rolo os olhos, negar não vai fazer tudo
sumir. Minha amiga suspira. — Ainda mais que você se casando com o
futuro Pakhan ninguém vai ser louco de falar de você. Entendeu o
trocadilho? — Ela me empurra com o ombro e nós duas rimos.
Finalmente chegamos até onde o resto do nosso grupo está e caio
sentada, sentindo um pouco de incômodo, mas a maior parte da dor já foi
embora.
— Cansada? — Yurio pergunta em pé ao meu lado, me lançando um
sorriso.
— Morta! — corrijo.
— Tenho umas maneiras bem criativas de te reviver.
O celular dele toca, quebrando o clima e ele se afasta para atender.
Tory aproveita para saltitar.
— Estou com tantas ideias para nossa festa de vitória.
Anton bufa, ele está sentado no chão a poucos metros de mim.
— Está um pouco presunçosa, não?
Ela o ignora.
— Estou falando, nós vamos arrasar!
Sua alegria é contagiante e impulsiona todos que estavam cansados
a voltar a correr para casa. Eu permaneço no chão até que Yurio vem até
mim e me levanta.
— Quer uma carona?
— Não está cansado?
— Você pode me pagar no chuveiro.
Ele pisca para mim enquanto vira e eu pulo em suas costas. Ser
amada é bom, mas ser mimada é ainda melhor.

***

Sabia que tinha algo de errado quando entrei em casa e encontrei os


meninos andando de um lado para o outro. Tory estava ao meu lado, tão
confusa quanto. Nós duas tínhamos ido buscar os uniformes para os jogos.
Ela havia me contado no jogo passado como foi divertido demais e que
todos ficaram bêbados e coisa e tal.
— O que houve?
Coloco as sacolas no chão e caminho apressada até Yurio, ele está
realmente puto enquanto escuta o que a outra pessoa fala no outro lado do
telefone antes de acenar.
— Obrigado por avisar.
Ele desliga e suspira, caindo sentado na sua poltrona assustadora de
ossos.
— O que aconteceu? — pergunto me aproximando e ele me puxa
para o seu colo.
— Aparentemente vazou informações que os jogos desse ano não
seriam normais. Eu entrei em contato com umas fontes e eles disseram que
seria anunciado ainda hoje as mudanças.
— Tipo mudança de dias? De atividades ou algo do tipo? — Tory
parece tão confusa quanto eu.
— Não, tipo envolvendo a máfia literalmente.
Posso ver o receio em seu olhar, um medo real, mas não por ele e
sim por mim.
— Desde que meu pai assumiu o cargo de Pakhan, mais jovens se
voluntariaram a entrar na organização. Muitos são inclusive estudantes da
Brave. Acontece que decidiram que seria muito mais fácil selecionar os
melhores aqui dentro e estão usando os jogos e ainda querem ganhar
dinheiro transmitindo-o.
Mik xinga baixo.
— Devíamos ter previsto isso.
— Ano passado meu pai falou como era um desperdício de tempo os
jogos universitários. — Anton comenta, seu pai tinha uma fama de gostar
demais de tortura psicológica. — Tivemos mais lutas nas últimas edições.
— Isso provavelmente não foi decidido agora, afinal teve aquela
reunião meses atrás com antigos membros — relembro.
— Meu pai não falou nada a respeito. — Yurio comenta frustrado.
Eu seguro seu rosto.
— Não leve para o pessoal, existe uma diferença entre pai e Pakhan,
não acho que ele vá arriscar a sua vida. Acho que essa mudança é só para
separar os lobos das ovelhas.
— Não é por mim que tenho medo. — Ele responde.
E agora, mais que nunca, eu precisava ter força para ser um lobo ou
poderei colocar o poder de Yurio em perigo. Eu não podia falhar.
Mais tarde, como esperado, é anunciado e no e-mail deixa bem claro
a obrigatoriedade de participação. Ninguém seria louco de contestar sem
acabar numa vala rasa. Yurio está furioso, mas consigo acalmá-lo e o
obrigar a comer um pouco antes de subirmos para o nosso quarto.
— Nós vamos ficar bem.
Ele se vira para mim.
— Não vou deixar ninguém mais te ferir. — Posso ver claramente
que ele está lembrando de me encontrar machucada.
— Eu sei.
O puxo para a cama.
— Agora, que tal você me deixar tirar umas fotos suas? — Saco
meu celular e coloco no aplicativo de foto. — Faz um tempo que não tenho
vontade de fotografar.
Yurio bufa se deitando na cama.
— E eu vou ser sua musa inspiradora?
Jogo as minhas pernas por cima de seus quadris e posiciono a
câmera. Ele me olha tão intensamente mesmo sob a lente da câmera e até
fico trêmula ao bater uma foto. Não querendo acabar com esse momento eu
começo a bater outras, focando em cada parte de seu lindo rosto, mas logo
as fotos vão se tornando mais ousadas e vou descendo pelo seu abdômen
sarado.
— Está ficando divertido agora. — Ele brinca quando roço sem
querer em cima de sua ereção.
Ele se livra de sua camiseta e eu finjo estar me movendo
inocentemente, mas o pequeno sorriso em seus lábios mostra que ele sabe
exatamente o que estou fazendo. Quando penso que consegui distrai-lo ele
me vira e beija minha testa.
— Precisamos ir dormir, vamos acordar cedo amanhã.
Eu rio achando que era mentira, mas quando ele se ajeita entre os
travesseiros e apaga a luz, me viro para ele.
— Você está falando sério?
— Sim. Se você for uma boa menina amanhã, te recompensarei.
Mesmo sem querer admitir dormir parecia uma boa ideia. Encostei a
cabeça em seu peito e ele me abraçou apertado e é incrível que meus
problemas de insônia vão embora quando tenho Yurio ao meu lado.

***

Quando Yurio citou acordar cedo, não esperava ser às seis horas da
manhã. O tempo estava frio demais, mas isso não o abalou, ele acordou
todos nós e nos levou até um campo aberto.
— Bem, os jogos são depois de amanhã e não teremos esse ano
briga de meninas na piscina de gelatina.
O quê?
Os caras fingem enxugar lágrimas enquanto Tory revira os olhos.
Ela me lança um sorriso doce, nunca havia falado sobre isso antes e
definitivamente eu não estaria fazendo isso por nada.
— Então precisamos nos preparar para o pior. Como a maioria de
nós vem de famílias influentes não acho que as provas serão até a morte,
mas tem uma pequena chance disso então preciso que vocês estejam
preparadas.
Gostaria de dizer que é sexismo da parte dele, mas eu mesma nunca
toquei numa arma e nem saberia o que fazer e pelo olhar das meninas aqui
muitas delas também parecem não saber.
Como um passo coreografado os meninos vão a cada menina ajudá-
las. Yurio é um bom professor, me ensinando a montar e desmontar a pistola
e como funciona uma semiautomática. Depois de várias tentativas ele
finalmente passa para me ensinar a atirar em latas de cerveja à distância. O
barulho do tiro é ensurdecedor. Eu erro a maioria dos tiros, mas quando
acerto um no galho perto Yurio parece ter um pouco de esperança.
— Se fosse uma pessoa teria atingido na perna, se pegasse na veia
ele morreria em minutos.
Ele fala isso com tanta calma que tenho que engolir o enjoo que me
toma ao pensar em matar alguém, só para lembrar que eu já fiz isso. Não
uma vez. Primeiro meus pais e depois Miroslav. As consultas com o
psicólogo me ajudaram a perceber que eu estou criando uma realidade
paralela para tentar me safar do que eu fiz, seja apagando da minha mente
ou criando uma personalidade para assumir meus erros.
— Ei, você vai melhorar. — Yurio toca meu ombro como se
pensasse que estou ansiosa porque não acertei o alvo, mas ao me virar para
ele percebo que ele está se referindo a outra coisa. — Isso não faz de você
um monstro, serve para você não morrer nas mãos de um.
Um pequeno suspiro entrecortado sai de mim enquanto ele me
abraça. Mal percebo o quanto estou tremendo.
— Podemos encerrar por hoje. — Ele sugere.
Me afasto, negando com a cabeça. Não é só sobre mim agora.
Somos todos um time, um depende do outro e não quero decepcionar
ninguém.
— Vou tentar de novo.
Quando atiro dessa vez o som não parece mais tão horrível e tenho
um controle melhor na arma. Atirar por um dia não me faria ser uma
atiradora profissional, mas pelo menos eu saberia como fazer algum dano.
Um tapa acerta minha bunda e eu me viro para Yurio, que levanta as
mãos em paz.
— Só vendo seus reflexos.

***

Estávamos todos prontos em nossos uniformes pretos e vermelhos


apesar de só uma parte do nosso time competir hoje. As provas seriam
durante toda essa semana e eu estava ansiosa demais. Quando imaginei
esses jogos universitários definitivamente eu não esperava serem dentro da
boate que fomos antes. Havia câmeras por todo lado, uma estrutura grande
foi montada e parecia realmente algo profissional.
Depois que entregamos os nomes de quem faria as provas teve até
sessão de fotos para divulgação e venda de coisas. Só percebi o quão sério
era quando vi que estavam vendendo até mesmo camisas do Monastério e
de outras fraternidades.
Parecendo que estávamos numa luta do UFC, Alexandra foi
apresentada, ela lutaria pelo time feminino. Ela estava de volta com sua
pintura de guerra de batom, trança boxeadora e luvas vermelhas. A roupa
era curta e indecente, mas ela disse que não se importava.
Irina é apresentada como sua rival da noite e apesar do ego que Irina
tinha, não seria o suficiente para derrotar Alexandra. Alexandra fazia parte
dos Cárpatos antes de ir para o Monastério, ela me confessou que era
horrível ser tratada como um objeto e quando surgiu a oportunidade de ser
algo mais no Monastério ela agarrou.
Quando elas são apresentadas um coro de gritos pedindo por sangue
me deixa com olhos arregalados.
— Não parece que vão colocar uma banheira de gelatina hoje —
comento baixo.
— Acho que hoje eles querem sangue, mesmo das mulheres. —
Yurio fala, seu rosto livre de qualquer emoção, mas eu não me sentia tão
segura quanto ele.
Se em uma luta feminina eles esperavam sangue, o que viria a
seguir?
Quando as duas estão dentro do octógono eu pulo quando as grades
se fecham, as trancando lá dentro. Isso estava ficando cada vez pior. Aqui
da área vip tínhamos uma visão completa e eu temia que o hambúrguer que
comi antes voltasse.
— Senhoras e senhores se preparem que a luta vai começar! — O
locutor fala, fazendo a plateia gritar. — De um lado temos o Monastério e
do outro Kitsunes.
As meninas são apresentadas e Alexandra disse que daria uma coça
na Irina por ter mexido comigo e com Tory, ela não sabia de toda a história,
mas tomou as nossas dores e tinha esperança de sermos grandes amigas no
futuro.
A luta começa e é como se o caos tivesse sido derramado, não havia
brincadeiras como imaginei, muito menos sexismo. Era uma luta de
verdade e nem imaginava que Irina seria uma boa lutadora, mas ela estava
indo para cima de Alexandra com tudo, sem hesitação. Alexandra, por sua
vez, rebatia e se defendia, as pessoas vibravam a cada soco e as apostas
estavam altas. O primeiro tempo acaba e elas vão tomar água e se ajeitar.
— Isso é brutal — sussurro e Yurio me segura apertado. Se fosse eu
a estar nessa luta seria destruída.
— Não sabia que Irina era tão boa — comenta Yurio. — A luta
feminina normalmente é para causar entretenimento e risadas.
Nem comento o sexismo disso ou o fato que as duas meninas estão
lutando por sangue mesmo. A luta recomeça e Alexandra grita na cara de
Irina, que se assusta, arrancando várias risadas da plateia. Irina solta um
gritinho e acerta um soco na cara de Alexandra, o sangue explode em seu
nariz e eu acho que a luta vai acabar quando toca o sino de descanso.
No último round Alexandra consegue derrubar Irina e monta em
cima dela, acertando vários socos até que finalmente Irina bate no chão
pedindo arrego. Ela sai dali carregada por sua equipe e chorando. Tento
resgatar algo em mim para sentir pena dela, mas lembro de tudo que ela fez
e acho que agora estamos quites.
As lutas femininas prosseguem antes das masculinas chegarem e é
preciso tudo de mim para não desviar o olhar, mas não quero parecer fraca
sabendo que tem olhos sobre mim. As lutas de Matvei e Gregory são
sangrentas, mas eles conseguem se classificar para as finais. Anton também
queria lutar, mas não foi autorizado, pois não havia nenhum outro lutador
dos outros times com seu tamanho ou peso.
Quando finalmente vamos todos para a casa, Gregory e Alexandra
ganharam suas lutas e estavam no pódio. Matvei, apesar de um bom lutador,
acabou perdendo para um Beserker, que é um dos líderes. Nós cuidamos
dos três com muito gelo e analgésicos. Nós cuidávamos dos nossos e eu
desejava que essa família nunca se desfizesse.
42
YURIO

Olhando para Seraphina no outro lado da mesa, rindo, sei que não
posso deixá-la se machucar por causa de mim. As lutas de mais cedo foram
brutais e temia imaginar o que viria a seguir, não foi preciso muita
investigação para saber que Balashov tinha muitos aliados que já não
concordavam de eu ter criado uma fraternidade e agora ter uma noiva que
matou um dos seus só piorou tudo; agora queriam o sangue de Seraphina,
mas sabiam o suficiente para não tentar.
Meu celular toca e é meu pai, nos falamos há poucos dias então fico
tenso com a nova ligação. Há uns dias ele ligou enquanto corríamos para
perguntar se Seraphina estava bem e quando perguntei o porquê ele disse
que foi informado que ela foi a um banco sem documentos tentar sacar
dinheiro, mas fora negado. Imaginei que fosse para comprar algo para casa
ou para os jogos, já que eram as meninas a organizar ou algo que ela
precisasse, mas realmente não achei nada demais.
Me levanto e sorrio tranquilizador quando Seraphina me lança um
olhar preocupado.
— É meu pai, já volto.
Me afasto e ao atender já sei que tem algo de errado só pela sua
respiração.
— Yurio, você está com Seraphina?
— Sim.
Um novo silêncio vem antes de meu pai suspirar.
— Acabo de ser informado que sua tia foi morta em Nova Iorque,
acharam seu corpo sem cabeça.
Sangue se paga com sangue . Sempre me gabei de ser esperto, mas
não imaginava que eles iriam atrás da tia de Seraphina, uma vez que ela
estava protegida comigo. Olhei para minha menina no outro lado da sala,
ela tinha sido muito doce em cuidar dos ferimentos de Alexandra e tentar
tranquilizar o resto das meninas.
Ela havia me dito que não era tão próxima da sua tia, mas ainda
assim era sua única parente viva. Seraphina vivia numa linha fina e temia
que a notícia pudesse romper sua sanidade.
— Vou contar a ela, mas sem detalhes.
— Não seria melhor deixar o psicólogo o fazer? — Sua pergunta era
válida, mas ainda assim sabia que seria melhor receber a notícia por alguém
que a ama do que um estranho. Nem mesmo a ele ela contou a verdade
sobre aa morte de seus pais.
— Amanhã pela manhã a levarei para uma consulta.
Desligo a ligação e depois de raciocinar um pouco de como contar
eu me aproximo da minha menina e só de me olhar, seu sorriso some e ela
se levanta.
— Aconteceu algo?
— Venha comigo um momento.
Nós subimos as escadas até nosso quarto e fecho a porta atrás de
nós.
— Yurio, o que aconteceu? — Ela pergunta, trêmula.
Decidindo ser direto eu a levo até a cama e nos sento.
— Meu pai acabou de ligar, sua tia acabou falecendo.
Ela ofega, seu rosto branco, pálido antes das primeiras lágrimas
caírem, mas é a falta de expressão que me assusta. Bem diante de meus
olhos posso vê-la se perdendo em sua mente, é assustador.
— Ei. — Seguro seu rosto. — Eu estou aqui com você. Eu não vou
te deixar.
A seguro em meus braços, como uma criança de colo, enquanto digo
palavras suaves. Suas unhas se cravam em meus braços, enquanto ela tenta
conter seus soluços. Me sinto novamente aquele menino indefeso, que não
posso fazer nada para ajudá-la então ofereço meu conforto.
Quando o choro finalmente cessa, eu enxugo suas lágrimas.
— Como aconteceu?
Eu hesito e isso a faz arregalar os olhos.
— Foi por minha causa? — Sua voz sai trêmula e pequena.
Penso em mentir, mas não gosto dessa ideia.
— Não temos provas, mas sangue se paga com sangue. Eles não
tocariam em você.
Ela fecha os olhos, parecendo perdida.
— Não vou deixar nada acontecer com você. Eu prometo.
— E se eles fizerem algo com você? Eu não vou me perdoar. — Ela
se levanta e começa a andar pelo quarto. — Eu nem fiz isso! Por que
ninguém acredita que não fui eu?!
Ela chuta uma cadeira e puxa seus cabelos. Temendo que ela entre
em uma crise me levanto e a coloco em meus braços.
— Se quiser podemos voar até Nova Iorque para o enterro.
Ela pensa por alguns segundos antes de negar.
— Estamos no meio dos jogos, não vai adiantar de nada estar lá.
— Meu pai cuidará do enterro, tudo será perfeito. Eu prometo.
A força parece sair de seu corpo quando suas pernas cedem e eu a
seguro. A coloco na cama, ajeitando seus cabelos vendo seu rosto sereno
completamente apagado.

No dia seguinte Seraphina ainda está triste e cabisbaixa, mas


consegue disfarçar um pouco, colocando culpa no nervosismo quando
perguntam. Como hoje não haverá jogos decido sair um pouco com ela para
distrair. O tempo está bom, então pego a moto e rodamos sem rumo, com
ela agarrada na minha garupa.
Depois de algumas horas a fome bate, mas nenhum de nós tem
vontade de ir a algum restaurante, então em vez disso guio a moto até a casa
de Nikolai. Como não esperavam visitas somos recebidos por meu tio já
com arma em punho e seus cachorros vira-latas assustadores.
Com um simples assobio as bestas voltam para as casinhas enquanto
desmontamos e eu retiro o capacete de Seraphina.
— Está tudo bem?
Ela suspira.
— Agora está.
Sophia nos recebe como se estivesse nos esperando, mas vejo um
olhar de pena quando Seraphina está distraída olhando a estante com rosas
em domos.
— Estou surpreso por estar aqui durante a semana dos jogos. —
Nikolai fala em voz baixa enquanto observa Sophia.
— Por isso que estou aqui, algo não parece certo nesses jogos. Sinto
que estou perdendo algo.
Nikolai acena conciso.
— Depois da morte de Balashov começaram a levantar perguntas
sobre a morte dos Petrova.
Não fico tenso ou demonstro desconforto.
— Estão achando que Seraphina os matou? — caçoo.
Meu tio se vira para mim me olhando com atenção.
— Estão tentando arranjar algum modo de colocá-la na cruz, sem
colocar o deles na reta.
— Não vai acontecer. Seraphina é minha. Todos sabem.
— Isso não diminui o objetivo de muitos de fazer você se casar com
a filha deles. Por ser uma órfã ela não tem ninguém de sua família para
defendê-la, então o único jeito é ela demonstrando força.
Nós dois viramos olhando-as e não consigo esconder o meu medo.
Seraphina não foi feita para ser temida, foi feita para ser adorada, mas e se
isso acabar sendo sua ruína?
43
SERAPHINA

Sophia é realmente boa, ela não questiona a nossa visita surpresa e


me faz sentir em casa. Para mim ainda é um pouco estranho pensar que
alguém tão doce escolheria se casar com Nikolai, mas Yurio também não é
um mar de rosas e os homens Leonov tem seu charme.
— Já começou os preparativos do casamento?
— Ainda não, mas sei que será um evento grande. — Dou de
ombros, sem querer demonstrar que a ideia não me era tão atrativa.
Meus pensamentos vão direto para que eu não tenho um pai para me
levar ao altar ou qualquer pessoa da minha família. Posso não ter sido tão
ligada à minha tia, mas ainda sinto falta de ar só de pensar o quão só estou.
Não duvido que se conversasse com Yurio ele tentaria de tudo para fazer um
casamento pequeno, mas ele era o herdeiro da Bratva, líderes viriam para
seu casamento, seria o evento do ano provavelmente.
— Eu nem sei se iremos casar. — Acabo soltando e ela me olha com
cuidado. — Eu amo Yurio com todas as minhas forças, mas...
Sophia segura minha mão.
— Pode conversar comigo.
— Eu não sei se posso condená-lo a ficar comigo mesmo que eu
esteja enlouquecendo como minha mãe.
Ainda bem que estou de costas para Yurio ou ele veria as lágrimas
nos meus olhos.
— Sabe, o amor não é uma linha reta. É uma montanha russa,
principalmente se é com alguém do nosso meio, mas ainda assim é o
sentimento mais raro e não há como Yurio abrir mão disso.
— Mas eu... — Minha voz falha. — Às vezes eu já não sei
diferenciar a realidade da fantasia — confesso.
Espero Sophia tentar negar que eu esteja ficando maluca ou algo
assim, mas em vez disso ela suspira.
— Cresci com meu irmão sendo bipolar, com crises de
personalidade e tudo mais que você imaginar. Não é algo falado, ainda é um
tabu na sociedade falar sobre transtornos psicológicos, mas hoje em dia
temos tratamentos para quase tudo. Você tem o apoio de Yurio e de sua
família, dos seus amigos. Você não está sozinha, Seraphina. Meu irmão
sempre teve o amor da sua vida, mas nem isso pode salvá-lo sempre, mas
saiba que todas as vezes que ele caiu, ela estava lá para ele, o incentivando
a melhorar. Não duvide que Yurio fará o mesmo por você.
Nós nos abraçamos e eu me sinto um pouco melhor. O resto da
conversa é leve antes que tenhamos que voltar para casa, quando a moto
para na frente do Monastério eu tiro o capacete e beijo os lábios de Yurio.
— Obrigada por estar comigo.
— Sempre.

***

Todos nós estamos reunidos em um círculo com uma urna no meio


de nós, cada grupo tem uma e depois de pegarmos uma bolinha cada com
um número somos vendados e realocados. Consigo ouvir o som das pessoas
à distância e tento não deixar o meu medo aparecer. Não tenho ideia do que
vem a seguir e a pessoa que me levou só deu a informação que quando o
apito soasse eu deveria arrancar a minha venda, ele também havia colocado
em mim o que parecia ser um colete.
Espero pacientemente e quando o apito soa eu arranco a minha
máscara vendo primeiramente a plataforma reta com cada pessoa do nosso
time em um ponto. Em minha frente havia uma mesa tampada com um
pano. Em primeiro lugar havia Anton e Tory no que parecia ser o começo
de uma estrutura tipo daqueles programas de desafio ninja.
Em seguida havia Cora, parada ao lado de uma estrutura alta acima
de nós, em seguida havia Kaz dentro de um octógono, havia venda em seus
olhos e logo depois um caminho bifurcado que juntava as estruturas com as
dos outros concorrentes. Então finalmente chegava a minha vez e depois
Ivy, que para meu horror estava ao lado de uma parede de escalada.
Me inclino tentando ver depois disso, mas realmente não consigo.
Em vez disso tento focar minha atenção no meu propósito, querendo
descobrir o que tinha ali embaixo.
— Atenção todos os competidores, em cada etapa tem uma chave
que poderá abrir o botão de encerramento da prova, todos devem estar com
sua chave antes de irem até o totem no final. Todos os competidores devem
estar presentes... — O apresentador riu. — Mesmo carregados. Quando o
apito soar a prova começa. Boa sorte a todos.
A multidão grita e eu tenho certeza que uma das câmeras estava
focada em mim. Só Deus sabe para onde eles estavam transmitindo ao vivo,
provavelmente a dark web. Antes que eu pudesse pensar, o apito soa e
Anton começa a passar pelos obstáculos com rapidez e inteligência, Tory
logo atrás o acompanhando no mesmo ritmo insano.
Vejo Rice na sua plataforma ao lado também sendo rápido junto
com sua parceira, por ser um pouco menor e mais leve consegue passar por
alguns obstáculos melhor do que Anton, mas sua parceira não era tão rápida
quanto Tory. Tinha me esquecido o quanto minha melhor amiga pode ser
competitiva.
Até agora a prova parece ser razoável, estava esperando sangue ou
mais lutas até a morte. Talvez círculos de fogo ou até mesmo caixões.
Observo Anton e Tory se ajudando a passar pelos trechos de prova e os dois
estão completamente em harmonia.
Procuro Yurio, mas não consigo vê-lo, me deixando receosa de onde
ele está e se está bem. Um grito alto chama minha atenção quando Rice e
sua dupla chegam ao final do circuito e uma piscina com baratas, minhocas,
escorpiões e até algumas cobras é revelada. Uma corda é amarrada na
menina e Rice precisa segurá-la para que ela possa entrar lá dentro e sem o
menor cuidado a empurra dentro da piscina.
Volto minha atenção para minha equipe e Anton está terminando de
colocar o equipamento em Tory. Ela está longe, mas posso ver as lágrimas
em seus olhos.
— Eu tenho você. — Consigo ler a boca de Anton enquanto ele
começa a descê-la até a piscina.
De primeira só suas mãos são colocadas na direção e Tory solta
gritinhos toda vez que toca em algum bicho. Desse jeito eles não vão
conseguir achar a chave. Olho para as outras equipes que simplesmente
jogaram as mulheres dentro das piscinas sem nenhum cuidado. Tory olha
para o lado e vê o mesmo que eu porque vira para Anton.
— Me solte.
— Não.
Ela engole um grito quando uma cobra tenta subir por seus braços.
— Me solte.
Ele hesita antes de soltá-la com cuidado. Nem um segundo depois
de cair Tory está gritando, mas enfiando a mão entre os bichos procurando
desesperadamente a chave. Quando uma cobra fica perto do seu rosto ela se
joga para atrás caindo em cima dos insetos que começam a andar por seu
corpo.
— Você consegue, Tory — grito o mais alto que posso.
Escuto gritos e alguns das outras equipes estão retirando as meninas
de lá depois que elas acharam as chaves. Se continuar assim ficaremos para
trás e Tory mais tempo ali. Ela começa a jogar as criaturas para fora da
piscina e só espero que eles não cheguem até aqui.
Com um grito ela levanta uma chave vermelha e eu mesma
comemoro gritando e batendo palmas. Anton sem hesitação a puxa dali e
começa a apalpá-la para tirar os bichos que ficaram agarrados em sua roupa
e cabelo enquanto ela chora copiosamente.
Olho para cima, vendo Cora correndo entre as estruturas no teto que
vão ficando mais espaçadas a cada passo, até ficar quase impossível. No
outro lado eu posso ver a chave vermelha brilhante, mas faltam quatro
degraus e ela consegue pular um quase caindo, mas se equilibra a tempo.
A multidão está gritando esperando uma queda. Cora pula outro com
a mesma dificuldade e parece estar quase caindo, no próximo ela se joga e
fica pendurada. Mesmo que haja uma corda de segurança ainda assim é
assustador. Vejo um membro masculino da outra equipe caindo no final e
sendo puxado até o começo para recomeçar.
Cora com dificuldade consegue se erguer e fica sentada,
recuperando o fôlego por um momento, então ela pula para o último,
ficando pendurada por um só braço e quando acho que vai cair, ela solta um
grito e consegue se levantar.
Escuto a comemoração de todo meu time e eu mesma não posso
conter o grito animado quando ela pega a chave e balança para a gente.
Então é minha vez. A mesa na minha frente é revelada: um quebra-cabeça.
Bem, sabia que Yurio estava tentando me proteger, mas isso chega a
ser ridículo. Entretanto, quando toco no quebra-cabeça duas coisas
acontecem ao mesmo tempo. Um cronômetro começa a tocar e sinto um
choque forte. Quando tiro a mão o choque para.
O relógio continua a correr e eu tenho que fazer isso. Preparando
uma respiração eu começo a tentar ajeitar as peças, as correntes passando
tanto pela mesa quanto pelo colete. Minhas pernas quase cedem, mas eu
continuo tentando montar a imagem. Aguento só alguns segundos antes de
largar tudo, nesse momento estou me controlando para não chorar.
Um barulho chama a minha atenção e uma tela cai, revelando Yurio
preso em uma cadeira, seu corpo tremendo pelo choque que parecia ser
ainda mais forte que o meu. Quando eu toquei no quebra-cabeça seu corpo
relaxou e eu percebi que enquanto eu não tomava choque, ele o levava por
mim.
Rapidamente eu agarro uma peça no impulso para que sua dor pare
e nossos olhos se encontrem.
— Kiska. — Consigo ler seus lábios, mas não há tempo para
conversar agora.
Meu corpo inteiro está tremendo enquanto monto o quebra-cabeça,
demoro um pouco a identificar a imagem até perceber que é a bandeira do
Monastério e solto as peças quando a minha visão começa a escurecer.
Todos estão contando comigo, cada um fez seu sacrifício e não posso falhar
com eles. Eles são tudo que eu tenho. Falhar com eles seria ficar sozinha
novamente e eu não quero isso, não vou conseguir.
Quando consigo colocar a última peça, despenco no chão. Minha
visão desfocada e um assobio alto no meu ouvido é tudo que consigo sentir
além do meu corpo inteiro tremendo e dormente.
Sinto meu corpo ser erguido, mas nem consigo abrir os olhos para
saber quem é. Quando recobro a consciência já estamos no final da prova e
Tory está usando as chaves para descobrir qual é a certa para destravar a
porta e apertar o botão. Procuro Yurio com os olhos e nem é preciso muito
esforço, pois ele está ao meu lado e suspira aliviado quando me vê
acordada.
Seu próprio rosto está pálido, mas ele parece mais preocupado
comigo.
— Nunca mais se coloque em perigo por mim! — É a primeira coisa
que ele diz.
— Você estava sendo eletrocutado.
— Você também — rebate, mas tem uma suavidade em seu olhar,
mais que isso orgulho.
Só percebo quem está me segurando quando sou jogada para cima
enquanto todos comemoram que conseguiram completar a prova. Grigory
pede desculpas enquanto recebe um tapa na nuca de Yurio.
Ficamos alguns pontos abaixo dos Kitsunes, mas espero que no final
os pontos sejam suficientes para nossa vitória. Tory e Yurio insistem para
irmos ao médico fazer um check-up depois dos choques, e só concordo
quando convenço Yurio a vir comigo. O bom é que o médico que nos
atende não faz perguntas do incidente. Acho que a Bratva tem todo mundo
sob seu controle.
Quando finalmente voltamos para casa todos estão bebendo e
comemorando, mas eu só quero dormir. Sem querer ser chata fico ali e
animo Ivy, que contou que não teve um tempo tão bom de prova e está
decepcionada consigo mesmo.
— Eu só não entendo como eles sabiam que ela não era boa em
escalada. — Tory comenta.
Yurio e eu imediatamente trocamos um olhar. A prova de iniciação
das meninas foi completamente fechada e todos foram orientados a não
falar sobre e quando digo orientados quero dizer ameaçados. Grigory já está
pensativo ao lado, tendo o mesmo pensamento. Será que alguém estava
falando demais ou tínhamos um traidor?
44
YURIO

Seraphina está exausta, mas aguenta para comemorar conosco. Ela


não só me surpreendeu por enfrentar a dor para que eu não a sentisse, mas
surpreendeu a todos que duvidavam da sua capacidade como futura rainha
da Bratva. Queria mais que nunca arrancar suas roupas, mas seu olhar
cansado e o meu próprio me param. A deixo socializar por mais meia hora.
Durante esse tempo remoo como descobriram que Ivy não era boa
em escaladas, em como Cora tinha medo de altura ou como Grigory tinha
alguns pontos cegos em sua visão devido a seu passado. Não eram
informações fáceis de conseguir.
Ainda tínhamos à frente a minha prova de corrida de moto e Mik
carro, precisávamos ganhar para garantir a nossa posição. Penso em
começar a investigar agora, mas minha menina está quase dormindo
sentada. Quando me levanto ela solta um pequeno suspiro feliz antes de se
levantar e vir até meus braços.
— Estou com tanto sono que nem vou precisar dos remédios para
dormir.
Ela boceja para provar o ponto e acho adorável. Segurando sua mão
nós dois subimos as escadas e mesmo depois de cuidar dela no banho, vestir
e colocá-la para dormir eu mesmo não consigo. A imagem dela aguentando
os choques para que eu não sentisse ficará comigo para sempre.
Seraphina mostrou que ela não só será uma boa esposa, mas
também uma boa parceira, que fará de tudo por mim e mesmo orgulhoso
não posso deixar de me preocupar que ela não tente tomar uma bala por
mim.

***

Na manhã seguinte somos acordados com um banquete preparado


por Izma, ela vem até mim quando entro na cozinha.
— Sei que não me quer aqui, mas não podia deixar vocês com fome
depois de ontem. — Ela toca meu ombro. — Eu me importo com você,
querido.
Talvez eu estivesse exagerando de bani-la daqui.
— Nada mais de contar o que acontece aqui para meu pai e pode vir
só uma vez por semana. — Olho para a mesa cheia de gente, era divertido
ver cada dia um grupo preparando algo para todos, sempre uma surpresa. —
Nós temos o controle de tudo no momento.
— Claro que sim. — Ela começa a se afastar. — Vou preparar os
ovos mexidos que você gosta.
Me sento de frente para Seraphina e pisco para ela, que sorri corada.
Terminamos o café da manhã e vamos para a sala de estar. Meu celular
vibra e eu abro uma mensagem recebida de um número anônimo. É um
vídeo.
Não podia acreditar no que estava vendo, lentamente levanto a
cabeça para olhar a mulher que despertou sensações que eu não sabia
possuir, que me fez desejar mais. A mulher no vídeo do meu celular beijava
outro cara num bar. Seraphina estava alheia ao que estava acontecendo,
sorrindo para mim do outro lado da mesa.
Como um masoquista eu repito a cena mais uma vez, em seguida
mais uma. Meus olhos grudados na tela enquanto eu tento ver se é alguma
montagem ou algo do tipo, mas está claro para mim. A filmagem continua
com ela puxando o cara para o banheiro e contém o dia em que Seraphina
tinha ido sozinha a uma consulta, talvez a tentativa de retirada de dinheiro
do banco fosse justamente para calar quem tivesse me mandado o vídeo.
— Você está tão sério, aconteceu alguma coisa? — Ela pergunta
docemente e por um momento quero acreditar que é mentira.
— Deixe-me perguntar uma coisa. — Minha voz sai exatamente
como eu quero, calma e sem demonstrar nada. Seraphina acena alheia a
meu ódio. — Você já me traiu?
Tory ri ao lado dela, pensando que era piada ou talvez a piada fosse
eu.
— Brincando a essa hora? — Ela rola os olhos. — Seraphina é
completamente apaixonada por você.
Eu não tiro os olhos de Seraphina, vendo a confusão em seu olhar.
— Responde.
A brincadeira para. Seraphina toma um gole do café e ri.
— Isso é algum tipo de aposta ou brincadeira?
Eu me levanto.
— Eu que devia te perguntar isso ou você é só uma vadia que gosta
de brincar com o perigo?
Alguém chama meu nome, mas nem sei quem é. Totalmente focado
em seu choque. Ela é tão boa atriz, tinha que dar isso a ela. Depois que
acabasse com ela, esse vídeo precisava ser apagado antes que eu ficasse
com fama de corno.
— Yurio, por que você está falando assim comigo? — Ela pergunta
com a voz trêmula e Tory a segura.
— Não sei que porra estão falando dela, mas você não pode
acreditar realmente que ela o trairia! Está sendo estúpido!
— Você colocaria sua mão no fogo por ela, Tory? — Dou um passo
à frente para elas, mas Anton me segura.
— Sim! Seraphina nunca o trairia! — Sua amiga responde. —
Sinceramente é patético você acreditar em algo assim depois de tudo que já
passaram, é desrespeitoso com ela.
Seraphina já está enxugando algumas lágrimas, me encarando com
descrença e tristeza.
— Não acredito que você está caindo em algum boato universitário.
Claramente estão tentando te desestabilizar para atacá-los e perder pontos.
Está sendo um idiota. — Tory continua.
A própria Seraphina não consegue se defender, mas sua amiga não
para e todos estão falando ao mesmo tempo, concordando e isso me irrita
profundamente.
— Levaria um tiro no meio da testa por ela? — Quando Tory acena
eu volto minha atenção para Seraphina. — Você deixaria sua amiga morrer
por suas mentiras?
— Eu não te traí, Yurio, nunca faria isso.
Abro o vídeo e viro para elas.
— É, Tory, que boa amiga você tem. Ainda mais no nosso meio.
Fique satisfeita que eu não mato mulheres ou a cova seria de vocês duas!
As mãos de Tory vão à boca enquanto ela observa a cena, o ódio
subindo ainda mais quando Seraphina nega com a cabeça.
— Não fiz isso, eu não fiz isso! — Ela se vira para Tory. — Eu juro
que não fiz isso, não sou eu! Acredite em mim!
Tory se afasta.
— Eu coloquei palavra, minha vida e você simplesmente continua
mentindo na minha cara. — Tory nega com a cabeça. — Não sei quem você
é realmente, porque não é a Seraphina que cresceu comigo.
Ela sai e Seraphina olha em volta, mas ninguém tenta consolá-la,
ninguém sabe como agir. Ela volta sua atenção para mim, seus olhos
castanhos brilhantes cheios de lágrimas.
— Yurio, eu não fiz isso, por que você não acredita em mim?! —
Ela puxa os cabelos.
— Por que eu devia confiar na menina que matou os próprios pais?
Ela ofega e tenta dar passos em minha direção, mas eu ergo a mão a
afastando.
— Você sempre será a menininha quebrada que ninguém ama,
porque você não vale nada. Ninguém se importa com você e meu único
arrependimento é não ter colocado uma bala na sua cabeça quando tive a
chance naquela floresta. Você me dá pena.
Ela está soluçando e buscando carinho de alguém, mas as meninas
presentes abaixam a cabeça. Ela se vira e corre, seu choro fazendo meu
coração sangrar e me contenho na vontade primordial de pegá-la nos braços
e dizer que tudo ficaria bem.
Ela pode correr, mas eu não terminei de acabar com ela e não
pararia até conseguir destrui-la completamente. Me viro para meus amigos
ali, tão sem saber o que fazer quanto eu.
Minha atenção vai para Izma no outro lado da sala.
— Se isso vazar eu sei que foi você.
Ela acenou abaixando a cabeça. Sem querer responder mais
perguntas me tranco no escritório, sem ter coragem de entrar no meu quarto
agora. Tudo nesse lugar me lembrava Seraphina e acho que o escritório foi
um dos poucos lugares em que não tivemos momentos juntos.
Vou até o bar e sirvo uma dose no copo antes de desistir e pegar a
garrafa inteira. Enquanto bebo não deixo me perguntar se ela está bem,
arranjar desculpas para o que ela fez. Será que estava em crise? Será que ela
realmente não lembra ou é só mais uma mentirosa manipuladora?
Quem era a Seraphina verdadeira, a mulher que eu conheci e
idealizei ou era só mais uma de suas fachadas?
A porta se abre e Mik entra, ele ergue as mãos em paz, não falando
nada enquanto se senta ao meu lado. Será que ele e os outros estavam rindo
pelas minhas costas, do quanto eu fui tolo de cair de amor em tão pouco
tempo?
Eu precisava me controlar, mas as imagens continuavam se
repetindo na minha cabeça. Minhas mãos estavam atadas nesse momento
para fazer qualquer coisa, mas Seraphina sentiria minha fúria. No entanto,
como eu poderia machucar a mulher que eu amo sem me machucar no
processo?
Mik se inclina para frente da cadeira, seu rosto concentrado.
— Estou vendo você pensando, mas não tome nenhuma decisão
agora.
— Ela me traiu. — Consigo dizer, a frase parecendo errada na
minha boca.
— Sim ela fez, mas ainda é a única mulher que você amou. Nós
podemos consertar isso, ninguém precisa saber.
Mas eu vou saber. A ideia passa pela minha cabeça, poderia acabar
com as provas, mas a imagem dela com outro homem nunca seria apagada.
Nunca teria certeza se meus próprios amigos não estavam rindo
pelas minhas costas, se a mulher que eu amo não faria isso novamente, se
eu me perdoaria por aceitar isso ou o ressentimento iria piorar com o tempo.
— Eu não consigo nem olhar para ela agora.
Ele pega a bebida e toma um longo gole.
— É bom então mantê-los afastados, pelo menos por agora. Não
quero que você faça algo que se arrependa.
Pego a garrafa de sua mão, mas em vez de bebê-la eu a jogo contra a
parede.
— Como ela pode fazer isso comigo?
Chuto o sofá e a cadeira, derrubando tudo pela minha frente. Apesar
de odiar Seraphina nesse momento nunca me perdoaria por machucá-la,
então desconto minhas frustrações em tudo que vejo pela frente.
O barulho faz os caras entrarem no cômodo. Sempre tive orgulho de
ser uma pessoa fria e controlada, mas agora nem me importava que eles
vissem o meu descontrole.
— Ela era minha. — Eu grito derrubando o bar. — Eu fui o primeiro
homem dela, devia ser o único!
Tropeço em meus próprios pés e Anton se aproxima estendendo a
mão para me levantar.
— Vamos sair daqui, podemos ir para a floresta e ficar por lá hoje.
Os caras começam a concordar e me tiram de dentro do Monastério.
O carro que dei a Seraphina ainda está na entrada e como um idiota olho em
volta à sua procura.
Nós montamos uma fogueira improvisada e fico bebendo enquanto
eles caçam lenha. Mik não sai do meu lado.
— Cara, e se ela estivesse numa crise de personalidade ou algo
assim?
Não consigo responder. Fui criado por pais amorosos, mas nem isso
tirou o dano que foi feito por meu avô. Sua voz vem na minha cabeça,
dizendo que eu devia cortar o mal pela raiz, acabar com Seraphina antes
que ela contamine tudo. Sentir é fraqueza, e ela demonstrou que ele estava
certo no final.
45
Enquanto os dias passam a noite está em chamas
Me diga, você mataria para salvar uma vida?
Me diga, você mataria para provar que você está certa?
Quebre, quebre, queime, deixe tudo queimar
Este furacão está nos perseguindo debaixo da terra
Thirty Seconds to Mars - Hurricane

SERAPHINA

Caminho sem saber para onde ir, me sinto perdida e mais que isso
traída por minha própria mente. É como se eu fosse uma outra pessoa e não
posso colocar a culpa em uma outra personalidade. Eu era o que todos
achavam, uma assassina, uma traidora, maluca e sozinha.
Quando dou por mim estou em frente ao túmulo de Lily, a estátua de
bailarina em sua lápide parece zombar de mim, do que era esperado de nós
por nossa mãe e a negligência de nosso pai. Eu era nova e Lily mais ainda,
devíamos ter sido protegidas, devíamos ter sido amadas. Não éramos mais
um dos prêmios da minha mãe ou uma moeda de troca de papai.
Vejo um pedaço de madeira e o pego, acertando com força a lápide
de meus pais. Amados pais , dizia e só podia ser brincadeira. Leva algumas
tentativas até que o mármore trinque, mas ainda não é suficiente. Pego uma
pedra grande e jogo contra ela algumas vezes até que se rache. Subo na
estátua e uso toda a minha força para derrubá-la, cai em cima do mármore
de meus pais e eu rio quando ele se quebra.
Está escuro e eu deveria estar assustada, mas agora parece que os
vivos me assustam mais que os mortos. Volto a andar mesmo quando minha
respiração sai com vapor e meus dentes batendo pelo frio seriam ouvidos à
distância.
Parece que estou em um loop eterno de dor e solidão, que nunca vai
acabar. Uma buzina alta me faz perceber que eu estava no meio da estrada.
— Menina, precisa de uma carona? Você está congelando! — O
motorista do caminhão grita.
Espero o medo, mas ele não vem porque se eu já cortei a garganta
de alguém, já matei meus pais queimados, acabar com a vida do motorista
se ele tentasse algo não seria tão diferente.
— Obrigada. — Minha voz sai estranha, sem emoção e eu gosto.

A casa em que cresci e morei toda a minha vida estava do mesmo


jeito que a vi na última vez, ainda imponente e parecia mais saída de um
catálogo do que uma casa familiar. Ainda havia o quadro ostentando uma
família perfeita acima da lareira, na foto tudo era perfeito. Minha mãe não
parecia a maluca que me fazia ficar horas dançando de madrugada sem
parar, ou meu pai que fingia não ver; nessa foto não parecia que eu era
desesperada pelo amor dos meus pais ou que a minha irmãzinha era só mais
um fantasma nessa casa.
Subo as escadas e vou até o quarto de Lily, mas não consigo abrir a
porta porque sei que ela não estará do outro lado brincando de chá com seus
brinquedos. Sigo pelo corredor até meu antigo quarto, cada detalhe pensado
para a perfeição, nunca tive chance de escolhas, nunca tive chance de não
ser perfeita.
A parede de troféus parecia zombar de mim agora. Patinar era tudo
que eu era e até isso foi roubado de mim, por meus próprios pais. Yurio
trouxe de volta essa parte que achei ter morrido, mas agora parece murcho
como as flores deixadas no cemitério. Uma antiga lembrança que era
importante, que logo sumirá de uma vez por todas.
Tudo isso era uma mentira. As fotos nos pódios, os pais orgulhosos,
os sorrisos, os abraços. Minhas fotos com Tory parecem ter sido há milhões
de anos. O jeito que ela me olhou era como se não me conhecesse.
Mesmo quando eu estava internada sabia que ela sempre estaria lá
para mim, mas agora realmente acabou. Não importa se eu lembro ou não
de ter traído Yurio, ninguém mais gostava de mim, as pessoas que aprendi a
chamar de amigos e considerar uma família não hesitaram em virar as
costas para mim.
Não podia culpar a doença, talvez essa fosse a minha maldição.
Talvez ter tido um período feliz fosse parte da minha penitência por ter
matado meus pais, conhecer a felicidade para depois perdê-la mais uma vez,
conhecer o amor só para ter ele arrancado de mim mais uma vez.
O anel em minha mão parece errado agora, então deixo ele cair no
corredor enquanto caminho para ver onde minha destruição começou.
A porta do quarto dos meus pais não está trancada, mas ainda assim
parece pesar uma tonelada até que eu consiga abri-la. O cheiro de queimado
é o primeiro a chegar ao meu nariz. O quarto não contém mais móveis,
todos foram queimados, os vidros escurecidos pela fumaça, as paredes
manchadas e a madeira do chão queimada.
Quem limpou a casa não se preocupou de fazer o mesmo por esse
cômodo, como se ele precisasse de uma lembrança do que aconteceu. Tento
recobrar as memórias daquela noite, mas nada me vem. Bem, isso não
importa porque eles estão mortos do mesmo jeito.
O ar parece ter sido sugado mais uma vez e quando tento sair do
quarto meus joelhos cedem porque tudo que eu queria agora era o carinho
da minha família. De minha mãe normal, de meu pai presente e do abraço
de Lily. Tudo que eu mais quero é minha família.
46
E talvez seja o passado que esteja falando
Gritando de uma cripta
Me dizendo para puni-lo por coisas que você nunca fez
Então eu justifiquei
Todo aquele sangue derramado, trevo carmesim
The Great War – Taylor Swift

YURIO

Já é tarde quando me arrastam de volta para o Monastério, eu não


queria entrar, mas de outro jeito acabaria congelado e Seraphina precisava
sentir pelo menos um pouco do que eu senti. Posso estar bêbado o
suficiente para estar relaxado, mas estava longe de estar sonolento.
Duvidava muito que ela tenha voltado para cá ou permanecesse,
nem sei o que faria se a visse agora. Ela conseguiu quebrar o que eu achava
que não tinha.
— Eu vou fazer um café. — Mik anuncia ao entrar.
Anton está me segurando pelo ombro, mas me sinto sóbrio quando
vejo Seraphina descendo os degraus. Ela arregala os olhos ao ver todos nós
e dá uma parada antes de ajeitar a postura e abrir um sorriso. Imediatamente
percebi que havia algo de muito errado. Está diferente do que ela costuma
usar, calças pretas, saltos altos, blusa decotada com jaqueta de couro, sem
falar dos cabelos enrolados e maquiagem forte nos olhos.
Ela recupera um pouco da surpresa e continua a descer as escadas,
mas a cada passo que ela fica mais perto, mais parece estranha.
— Ah, eu esqueci meu telefone. — Ela diz sacudindo sua bolsa, a
única coisa que parecia realmente dela.
— Eu acho melhor você ir dormir em outro lugar hoje, Seraphina.
— Grigory anuncia sério, mas não sendo grosso. Quando olha para mim de
canto de olho percebo que ele está preocupado com a segurança dela.
Ela acena, olhando para todos e coloca uma mecha atrás da orelha
como Seraphina costuma fazer, mas até o simples movimento não parece
certo.
Dou um passo à frente quando ela chega ao último degrau e sorri.
— Eu sei, não vou interromper a noite dos garotos.
Ela tenta passar por mim, mas eu a agarro pelo pescoço.
— Yurio. — Alguém grita enquanto tenta me afastar, mas minha
mão está pressionada com força.
— Yurio, o que está errado? — Ela pergunta assustada.
— Não vale a pena matá-la, você vai se arrepender disso! — Kaz
diz.
— Eu não quero matá-la. Só quero saber quem é ela.
Alguém xinga pensando que estou maluco.
— Como assim? Você bebeu demais. — Ela tenta se soltar do meu
aperto, mas não consegue. — Está me assustando, Yurio. — Sua voz sai
trêmula.
— Yurio... — Alguém tenta.
— Quem é você? — pergunto, ignorando a todos. Focado somente
nessa mulher.
Agora, frente a frente, essa definitivamente não é Seraphina e isso
só fica claro quando sua postura de assustada muda para entediada com um
tom de ironia.
— O que me entregou? As roupas ou não parecer uma mosca morta?
A solto como se ela tivesse me queimado enquanto ela rola os olhos
e caminha calmamente até o bar. Ela se serve e olha em volta parecendo
gostar de ver nosso olhar chocado.
Não tiro os olhos dela, no entanto, não querendo que fosse uma
miragem ou fruto da minha imaginação.
— Eu imaginava que logo seria pega, já que o banco suspeitou e não
quis liberar dinheiro, mas me reconhecer com um olhar... Uau. — Ela toma
um gole. — Aplausos para o amor verdadeiro ou algo do tipo.
— Quem é você?
Ela desfila até uma poltrona e se senta cruzando as pernas.
— Aurora Lars.
— Impossível. Seraphina deve ter algum transtorno de
personalidade. — Matvei tenta achar uma explicação enquanto atrás dele
Kaz faz sinal de maluco com a mão.
— Essa bolsa é de Seraphina — aponto.
— Bem, a minha meta era pegar quanto dinheiro eu conseguisse no
banco e ir embora, antes que pudesse ficar no meio disso. — Ela faz sinal
para tudo e joga a bolsa no chão a meus pés e se levanta. — No entanto eu
precisava dos documentos da princesinha. Mas já que isso aconteceu com
quem eu tenho que falar para ter direito à herança, afinal só tem Seraphina
de herdeira, né?
A realidade do que aconteceu me bate com força. Com dedos
trêmulos eu abro o vídeo e ela arregala um pouco os olhos.
— É você aqui, não é? — pergunto apesar de já saber a resposta.
Ela dá de ombros.
— Não me julgue pelo mau gosto bêbado.
Ela tenta voltar para o bar, mas eu a agarro pelo braço. O copo cai
de sua mão quebrando em um milhão de pedaços.
— Você tem noção do que fez? Eu achei que fosse Seraphina!
A sacudo e alguém a afasta de mim antes que eu quebrasse seu
pescoço. Me afasto quase batendo no aquário de Seraphina, seu peixe Oscar
está ali e eu percebo que estraguei tudo. Seraphina poderia nunca me
perdoar. Eu a humilhei, contei o segredo que ela confiou a mim,
praticamente a expulsei do lugar que ela chamava de lar.
— Eu preciso encontrá-la — digo para mim mesmo. — Prendam-na
para que não fuja. Eu preciso achar Seraphina.

Passo a madrugada inteira procurando-a, mas não há nenhum sinal


dela e a cada hora que passa o medo piora. E se alguém achou ela antes de
mim, se alguém a machucou? Será que ela estava com fome? Será que ela
tinha um lugar quente para dormir?
Quando o sol surge no horizonte eu preciso parar o carro na estrada
e vomito. Não posso perdê-la, ela foi a melhor coisa que já me aconteceu e
eu estraguei tudo.
— Nós vamos achá-la. — Mik bate nas minhas costas.
O telefone toca conectado ao carro e Mik atende.
— Encontramos a lápide dos pais e da irmã de Seraphina
completamente vandalizadas. Nós procuramos em todo o cemitério, mas
não tem outro sinal dela. — Mat anuncia.
Porra, ela podia estar no meio de uma crise. Foi ela que destruiu,
tenho certeza.
Nós continuamos rodando, mas não tem mais lugares para procurar
depois de ter procurado em toda a universidade e cafeterias. Seraphina não
tinha ninguém mais. Tory foi tão dura quanto eu e estava arrasada, mas eu
não podia ligar para nada disso agora, minha prioridade número um era
achá-la.
Meu telefone toca e vejo que é Nikolai, mas me recuso a atender.
Perdi a prova de corrida de motos e não estava nem um pouco preocupado
com isso. Nada mais fazia sentido sem ela.
— Vamos novamente para a antiga casa dela — ordeno.
— Nós já passamos por lá, estava tudo escuro e trancado.
— Não importa, vamos novamente.
Como da primeira vez que passamos aqui está tudo completamente
apagado e deserto, mas não posso rodar mais com o carro sem saber para
onde ir. Estava ficando maluco.
Ligar para alguém para conseguir arrombar demoraria demais e eu
poderia consertar o que eu quebrasse depois, por isso pego uma grande
pedra e quebro uma janela. Passo entre os cacos sem me importar de me
ferir. Nenhuma dor pode ser pior do que fiz à Seraphina.
A casa está escura, mas reparo que apesar dos móveis tampados com
lençóis a casa parece limpa. Nós subimos as escadas e apesar da luz do sol
nascendo iluminando um pouco, ainda está bem escuro.
— Cara, não parece que tem alguém aqui.
Estou concordando com a cabeça quando algo no corredor chama a
minha atenção. É o anel que dei à Seraphina. Engulo seco e me abaixo, o
pegando com delicadeza.
— Ela está aqui.
Nós voltamos a procurar por todos os cômodos da casa, mas não há
nenhum sinal dela. O desespero começa a se tornar demais. Não posso
perdê-la. Seraphina, mais que qualquer um, merecia felicidade e eu não
podia imaginar meu mundo sem ela.
Quando saímos do porão vazio Mik tenta esconder o olhar de
tristeza, mas eu consigo ver.
— Não. Ela está aqui, só precisamos encontrá-la!
Mais uma vez reviramos todos os cômodos, cada cantinho dessa
mansão gigante. Estou desistindo tentando pensar aonde ela teria ido daqui,
mas não consigo pensar em nada. Já estivemos nas pistas de patinação das
redondezas e nada até agora.
Um arrepio me toma quando um pensamento vem. Mal escuto Mik
me chamando quando corro para fora dali, esperando não ter chegado tarde
demais. Corro por toda a propriedade orando para um Deus que nunca
acreditei, mas era onde toda minha esperança estava agora.
Chego na beira do lago congelado, onde sua irmã morreu afogada, e
a vejo. O alívio não vem, entretanto. Seraphina está virada, mas não parece
me ouvir quando a chamo enquanto caminha pelo gelo fino.
— Seraphina! — Meu grito quebra o silêncio morto, mas ainda
assim ela não parece me ouvir. Caminhando para mais dentro do lago.
Ela sequer estava usando um casaco de inverno. Estava com um
collant branco com meias e mesmo de longe podia ver o sangue em seus
joelhos e pé. Ela parecia uma bailarina quebrada.
— Seraphina.
Começo a caminhar pelo gelo, ignorando os gritos de Mik sobre o
gelo fino. Chamo novamente Seraphina, mas ela não me escuta. Quando
estou a dois metros dela eu tento novamente e seus ombros ficam tensos
quando ela se vira para mim.
Seus olhos gelados e mortos vão ficar para sempre na minha cabeça.
Ela parece olhar através de mim.
— Por favor. — Eu peço estendendo a mão. — Vamos embora.
Mas ela não se mexe, nem mesmo grita quando o gelo embaixo dela
cede e ela cai para a escuridão do lago congelado. Sem hesitação pulo atrás
dela, a água congelada parecendo me bater como uma porrada. A ideia de
perdê-la para sempre é o pior e se tiver que morrer em seus braços tenho
certeza de que seria o meu desejo final.
Minhas mãos encontram seu corpo, a puxo contra mim e ela não luta
enquanto tento subir para a superfície, mas cada nado parece estar mais à
distância. O peso aumentando, mas nunca a soltaria. Quando finalmente
consigo subir sou recebido pelo gelo congelado. Um grito sai de mim, me
fazendo engolir mais água enquanto luto para me manter acordado e salvar
nós dois.
Não pode acabar assim. Não posso perdê-la. Seraphina merece uma
vida longa de felicidade e amor. Soco o gelo com toda a força que consigo,
mesmo quando meu corpo está ficando mais pesado a cada segundo. Não
sinto meu pulso e segurar o resto do ar se torna mais difícil.
De repente o gelo se quebra e empurro Seraphina para cima.
Alguém a pega e em seguida eu, quando tentam me tocar eu nego com a
cabeça com as minhas últimas forças.
— Ela. Ela. Cuide dela.
Então finalmente me entrego à escuridão, porque se meu último ato
foi salvar a mulher que eu amo então eu morreria feliz e abraçaria as trevas
que me aguardam.
47
E se eu desmoronasse
Se não pudesse mais aguentar isso
O que você faria?
The Kill — 30 Seconds to Mars

SERAPHINA

Acordar deveria ser uma alegria, mas tudo devia ter acabado agora.
Estar em um hospital não era o que eu tinha em mente, não imaginava que o
purgatório seria como um hospital. Minha última lembrança era acordar no
meio da noite no antigo quarto de meus pais e ouvir a voz da minha mãe me
chamando para o sótão onde se localizava seu estúdio de balé.
Como ela sempre exigia me vesti com o collant, meias e sapatilhas.
Meu cabelo preso num coque perfeito e mesmo na escuridão eu podia
lembrar claramente do espaço à minha volta e as coreografias que ela me
mandava executar. Dancei até o sol nascer e depois disso dancei até minhas
unhas do pé quebrarem e meus joelhos sangrarem, dancei até o ar me faltar
e eu cair. Tentei dançar até morrer, mas nem isso foi o suficiente.
Então ali, no chão, tive uma síncope. Não poderia morrer dançando,
meu corpo nunca seria encontrado e eu me tornaria só mais um fantasma
nessa casa. Lily morreu afogada, mas antes disso ela foi feliz fazendo o que
amava.
Parecia uma experiência fora do corpo enquanto eu descia os
degraus e saía pela porta da cozinha caminhando, ignorando o frio do
inverno, sendo guiada pela lembrança dos risos entre Lily e eu e que logo
estaria com ela.
Entrei no lago congelado e a sapatilha fina me fazia sentir o gelo
realmente fino embaixo de mim. Escutei vozes chamando o meu nome e
imaginei que seria mais uma confirmação que estava maluca demais para
esse mundo, que as vozes voltaram a me chamar.
Mesmo sabendo que era minha mente me pregando peças mais uma
vez me virei, vendo Yurio a uns metros de mim. Sua expressão preocupada
me fez pensar que minhas alucinações estavam piores do que eu imaginava
e se ele fosse o último rosto que eu visse, seria uma misericórdia que eu não
merecia depois de tudo que eu fiz.
Duvido que alguém iria sentir minha falta e quando o gelo cedeu
embaixo de mim eu acolhi o vazio que já habitava em mim.

Não entendia o porquê de estar aqui, mas não estava amarrada à


cama como aconteceu algumas vezes antes. Talvez alguém tivesse me
achado ou talvez eu tivesse fracassado na tentativa. Me levantei sentindo
meu corpo inteiro doer. Usei o banheiro e fitei a figura pálida e triste que
me olhava do outro lado do espelho. Alguém havia secado e escovado meus
cabelos, mas nem isso melhorava a minha aparência.
Olhar no espelho parecia ver alguém que eu não conhecia, alguém
que eu não queria mais ser, aquela pessoa que eu prometi não ser quando
voltei para a Rússia e ainda assim me encontro olhando-a.
Saio do banheiro reparando uma muda de roupa dobrada em uma
cadeira, assim como meu velho all-star preto e o colar que Yurio me dera, a
última lembrança que tinha dele. Minha mão vazia, sem o anel de noivado,
só mostra que realmente acabou. Vesti as roupas enquanto tentava fazer
planos, mas o que fosse que os médicos me deram me fazia sentir letárgica
e fraca.
— Ah, você acordou! — Uma mulher diz e eu percebo que uma
enfermeira havia entrado. — Tem muita gente preocupada com você.
Isso me faz olhá-la com atenção. Era uma pegadinha ou talvez esse
fosse o meu inferno real e eu nem percebi. Nada disso existia, nada disso
era real. Eu precisava sair daqui e acabar de uma vez por todas com isso.
— Vou avisar que você acordou e...
Eu bato com um vaso na cabeça dela, que cai desacordada no chão.
Penso em correr, mas não tenho nenhum dinheiro comigo. Me abaixo
pegando sua carteira, os euros que têm antes de correr para fora. Não posso
ficar internada novamente ou esse ciclo nunca acabaria. Eu não podia mais
viver assim. Quem eu me tornei? Quem eu era? Por que não podia
simplesmente fazer tudo sumir?
Meus pulmões queimam enquanto eu caminho apressada para fora
do hospital, um táxi está ali parado e quando entro abra a boca para pedir
que me leve ao Monastério, mas lá não é mais minha casa. Ninguém gosta
de mim lá. Até meu peixe Oscar está melhor sem mim. Eu o coloquei num
aquário pequeno e Yurio lhe deu vários peixes de companhia, uma família.
Não podia tomar isso dele também.
Passo o endereço da minha antiga casa, onde tudo deu errado para
mim, é onde devia terminar de uma vez por todas. Dessa vez eu não fugiria
quando o incêndio começasse, deixando o rastro de destruição para trás; eu
seria a destruição e não haveria mais dor.
A porta da frente está entreaberta, mas nem sinto medo ou receio de
entrar. Em vez disso vou até os armários em busca de líquidos inflamáveis,
acho umas duas garrafas de álcool, mas isso não é suficiente. Jogo-os pelo
sofá e invado a antiga adega de meu pai, lá acho várias bebidas e vou direto
na mais cara, a que ele vivia dizendo que guardaria para um dia importante,
um uísque envelhecido não sei quantos anos. Acredito que minha morte
pode ser considerada um evento importante, pelo menos para mim.
Espalho pelo chão da sala os líquidos enquanto bebo o uísque. Uma
voz na minha cabeça diz que não era sensato misturar bebida com as
medicações que eu tomava, mas então lembro que eu sequer consegui sair
do Monastério com minha bolsa, quem dirá medicamentos, sem falar que
não vou precisar mais deles.
Quando dou por satisfeita percebo que eu esqueci o principal. O
fósforo. Numa mansão desse tamanho não deveria ser difícil achar, mas
talvez pela bebida ou a fraqueza do afogamento, eu estava mais lenta que o
normal.
Depois de caçar em todas as gavetas da cozinha eu vou até a lareira
e encontro alguns fósforos soltos ali. Talvez eles estivessem velhos, mas é
melhor que nada. Estou tentando acender quando um quebra, porém um
barulho no outro lado da sala me faz virar.
— Seraphina.
Yurio está ali parado, com as mãos erguidas, talvez fosse mais uma
visão porque eu rio.
— Seraphina, você precisa de ajuda...
Eu rio novamente quando Tory e Anton entram pela porta também.
— O que é isso, uma reunião de ex-amigos?
A mandíbula de Yurio fica tensa.
— Só quero o seu bem, você estava certa sobre todas as coisas e eu
ferrei tudo...
— Eu não me importo.
Falar essas palavras é de alguma forma libertadora.
— Eu não me importo — repito. — Acho que finalmente entendi o
sentido da vida, sabe? Merdas acontecem, mas não se pode fugir do
passado. Não se pode.
— Seraphina.
Ele tenta dar um passo à frente, mas eu dou um para trás e pego
outro fósforo.
— Só precisa de uma fagulha para tudo acabar e nada mais vai
importar. Nada mais vai doer, nada mais vai me machucar e eu vou pagar
pelos meus pecados. — Olho para a grande foto da minha família. — Eu
vou me juntar a eles.
— Não é isso que você quer. — Yurio rebate. — Você está com
medo. Você sempre se demonstrou forte e resiliente e agora quer a saída
mais fácil, essa não é você!
Risco o fósforo e ele para a poucos centímetros de mim.
— Vá em frente, acenda. Eu não vou a lugar nenhum. Nós vamos
queimar juntos, se é isso que você realmente quer.
Hesito.
— Eu só quero que tudo acabe. — Minha voz falha.
— Eu sei, mas você também quer viver, você quer aventuras, você
quer o perigo, você quer se apaixonar e viver.
— Eu te traí — sussurro.
— Não, você não fez isso e eu nunca vou me perdoar por não
acreditar em você.
Olho para a chama em minha mão bem a tempo que o fósforo aceso
me queima, parecendo me despertar. O ar me falta quando eu caio no chão.
— Eu quero a minha mãe. Eu quero a minha mãe.
Quero seu colo, seu carinho, seu cuidado antes de tudo mudar.
Quero me desculpar por não ter feito mais por ela, por ter desistido, por não
estar lá para ela, por não lutar por todas nós. Quero me desculpar por não
conseguir salvar Lily, por parte de mim estar aliviada que ela não viveu o
suficiente para não ser contaminada como eu com a loucura da mamãe.
Yurio me segura enquanto eu quebro, enquanto eu aceito que sou a
culpada. Não tem mais desculpas para minhas ações, não posso mais usar
mentiras para fingir que está tudo bem e que eu estou superando. Não posso
mais usar a desculpa de não me lembrar.
— Eu coloquei fogo na cortina. Eu só queria que aquilo acabasse; se
meus pais estivessem mortos eu seria a única herdeira, não poderia ser
obrigada a me casar. Eu acendi o fogo e vi o fogo começar... eu...
Então um clarão vem e eu me lembro daquela noite, mas não pode
ser real. Talvez seja minha mente pregando peças.
— Eu apaguei — sussurro. — Eu apaguei com a água de um vaso
de flores. Meus pais não acordaram. Fechei a porta e...
— O que aconteceu?
Toco a minha cabeça.
— Eu não sei, acho... acho que caí.
Me viro para ele.
— Eu apaguei o fogo, eu apaguei.
Espero ele me acusar mais uma vez, me humilhar, mas ele acena.
— Acredito em você.
Porque agora estou começando a pensar que eu não era a única
acordada naquela noite em casa, que eu posso não ter sido aquela a matar
meus pais.
Vejo Tory chorando, mas não consigo sentir nada. É como se um
vazio tivesse se instalado dentro de mim. Tudo que eu posso pensar é que se
não fui eu a colocar fogo, alguém o fez. Alguém matou meus pais e me fez
acreditar que eu tivesse feito isso.
Me levantei e passei por eles. Cheguei até a porta da frente antes da
adrenalina passar e meus pés cederem, mas lutei contra a escuridão porque
o que me mantinha viva agora era a vingança. Quem matou meus pais
pagaria, nem que fosse a última coisa que eu fizesse.
48
YURIO

— Ela está começando a responder ao tratamento. — Seu psicólogo


fala ao sair do quarto de Seraphina.
Ela já está aqui há três dias, no primeiro passou dopada e nos outros
dois só permitiu a entrada do psicólogo e do psiquiatra. Ela estava
irredutível sobre ver qualquer outra pessoa.
Sua entrada aqui estava sob completo sigilo, ninguém sabia de sua
presença aqui. Havia desembolsado uma quantia para isso e chantagem
também foi bem-vinda. Depois que ela fugiu do hospital eu deveria ter
colocado fogo em tudo, mas precisava encontrar Seraphina.
Terry Hyman, o rei dos Cárpatos, de alguma forma ficou sabendo do
desaparecimento de Seraphina e não era preciso ser um gênio para saber
que a fofoca estava correndo, então quando ele me mandou os dados do
rastreador dentro do colar dela, eu agradeci em vez de matá-lo.
Foi devido a ele que consegui chegar a tempo antes que Seraphina
se matasse mais uma vez. Vê-la daquele jeito era devastador. Eu precisava
salvá-la, mesmo que fosse para deixá-la em paz depois.
Não saí do hospital desde que a trouxe, Tory só voltou para casa
depois de muito pedido. Ela também estava se sentindo culpada, mas não
mais que eu.
— Ela falou a respeito das tentativas de suicídio?
Ele acena, como médico não deveria falar sobre os pacientes, mas já
passamos por isso uma vez que ameacei explodir seus miolos caso qualquer
informação de Seraphina fosse vazada e se ele não me contasse tudo.
— Nós acreditamos que ela estava em surto, fizemos alguns
exames, mas é difícil saber se ela tomou algo, já que passou tempo e saiu do
organismo.
— Você acha que ela se drogou? Seraphina não usa drogas.
Ele dá de ombros.
— Tenho acompanhado a melhora dela, uma crise dessas não vem
do nada. Ela estava medicada, estável e feliz. Não foi uma crise depressiva
que acarretou isso simplesmente. Ainda estou analisando as informações,
mas acredito que foi um conjunto de situações que a trouxe a esse estado.
Hoje ela conversou comigo a respeito de seus medos e anseios. Ela não se
lembra com clareza dos últimos dias.
Nikolai aparece no corredor vindo até mim.
— Me mantenha atualizado.
Me aproximo do meu tio.
— Eu estive tentando entrar em contato contigo nos últimos dias.
Passo a mão pelo meu cabelo.
— A situação tem sido... complicada.
— E vai ficar pior. Há boatos que Seraphina sumiu e o conselho não
ficou feliz, na verdade eles usaram isso para argumentar que Seraphina não
seria uma boa escolha de esposa para o futuro Pakhan.
— Eles não podem fazer isso!
Nikolai suspira.
— Eu e seu pai temos tentado acalmar as coisas, mas os ânimos
estão exaltados. Eles viram essa brecha e estão tentando entrar. Eu comecei
uma investigação própria desde a morte de Balashov, algo parecia
realmente fora do lugar. Porque iria atacar Seraphina, então liguei os
pontos.
Me aproximo mais.
— O que descobriu.
— A família Balashov estava com alguns problemas com Petrova e
eles temeram que se Seraphina assumisse os negócios do pai poderia
descobrir, por isso queriam se livrar dela. No começo achei que estavam
tentando só preservar a imagem de Miroslav, mas essa família está suja até
o pescoço e estavam pressionando os seus aliados a concordarem com eles.
— Isso é ótimo, vamos acabar com eles.
Nikolai se encosta na parede.
— Quem dera fosse tão fácil. Eles já conseguiram plantar a
discórdia, muitos estão contestando a ideia de Seraphina ser sua esposa e
ela nunca seria respeitada.
Quero dizer que poderíamos matar todos, mas isso não resolveria as
coisas, só aumentaria o caos e nos deixaria fracos. Sendo fracos não
poderíamos proteger Seraphina, minha mãe ou Sophia.
— O que podemos fazer?
— Mostrar que ela é forte. Nós convencemos todos que ela é
inocente da morte de Miroslav, mas isso também foi um tiro no pé.
— Eles respeitam o sangue.
Nikolai olhou para a porta onde Seraphina se encontrava.
— Acredito que ela não conseguiria matar alguém por vontade
própria. Os boatos que ela não está mentalmente sã estão aumentando.
Então uma ideia me vem. Posso não conseguir resolver todos os
problemas, mas esse eu pelo menos sei.

Desço até a cripta do Monastério, Aurora, ou seja, qual o seu nome


está numa cela. Ela está sentada na cama e se levanta quando nos vê. Seus
lábios se inclinam em um sorriso olhando para cada um.
— Finalmente, achei que tinham me esquecido aqui.
— Você não quer saber se achamos Seraphina? — pergunto curioso.
Ela dá de ombros.
— Não acho que você veio para me mostrar esses belos olhos azuis.
— Ela mexe nos cabelos e pisca lentamente. — Vocês me deixaram aqui
por dias mofando...
— Eu trouxe comida. — Mik interfere, puto. Não seria a primeira
vez que ele mandou mensagem para mim reclamando sobre Aurora. Ela não
era nada como Seraphina e estava claro.
— De qualquer jeito. — Ela suspira como se não tive sido
interrompida. — Algo mudou, talvez a minha gêmea precise de um rim ou
um transplante de cérebro porque ela claramente é louca...
— Pare com isso. Seraphina não é louca!
Ela ri.
— Tentei falar com ela e ela surtou totalmente.
Percebo que ela está enrolando, não conseguimos encontrar nada
sobre ela além de uma certidão de óbito logo depois que elas nasceram.
Claramente forjada, mas não tinha como investigar sem levantar suspeitas e
nesse momento era a última coisa que precisávamos.
— O que você quer com Seraphina? Já fingiu ser ela?
Aurora se senta na beira da cama.
— Eu já fui ao banco como revelei e também à secretaria do campus
pegar a senha do armário dela, mas juro que essa menina não guarda nada
de importante lá, como a carteira ou a identidade e todas as vezes que tentei
entrar em contato ela surtou.
Me aproximo da grade.
— É isso que você quer, dinheiro?
Ela se levanta e começa a tirar a blusa, sem qualquer hesitação.
— O que eu quero é um banho quente, alguns milhares de euros e
quem sabe você na minha cama? — Ela aponta para Anton.
— Você matou para proteger Seraphina.
Ela desabotoa a calça e sua intenção está clara, ela quer nos distrair
e nos expulsar, pois claramente sabe que eu sou possessivo com Seraphina e
essa peste tem o rosto e corpo igual da minha mulher. De jeito nenhum vou
deixar alguém vê-la nua.
Os caras já estão desviando o olhar em respeito, sabendo exatamente
meu pensamento. Aurora ri.
— Como você entrou no Monastério? — Tento outra abordagem.
Ela termina de tirar os jeans, mas mantém as roupas íntimas. Não
desvio o olhar do seu rosto. Ela pode ser igual a Seraphina, mas nada nela
me atrai.
— Esses túneis são fáceis de entrar e... — Ela se aproxima mais da
grade e sussurra. — Cá entre nós, eu não sou a única a entrar por esses
túneis.
Fico tenso.
— Impossível! — Grigory argumenta. — Ela está tentando nos
manipular.
Ela dá de ombros.
— Diga o que quiser, mas eu não sou louca como a sua namorada.
Eu ouvi. Por isso que decidi entrar pela porta da frente e me arriscar
pegando os documentos antes que acabasse morta entre essas paredes. —
Ela estremece, então sorri como o diabo, passando o dedo pela grade. —
Agora, por que não me diz o que você realmente quer?
Odeio precisar dessa mulher, ela tem algo de errado, algo faltando.
Posso ver em seus olhos. Não sei o que ela passou até aqui, mas deve ter
sido ruim o suficiente para tirar a humanidade dela. Mesmo depois de tudo
que Seraphina passou ela não era fria assim e só esperava poder recuperá-la
antes que ela acabasse como a irmã.
— Você salvou Seraphina, mas também a colocou em problemas.
Eles querem testá-la.
Paro de falar quando ela ri.
— E você quer que eu finja ser a sua amada santinha porque ela não
aguenta ver sangue sem surtar.
Me jogo contra a grade querendo agarrar o pescoço da vadia e ela é
rápida em se afastar.
— Seraphina está internada porque tentou se matar duas vezes nos
últimos dias. Mesmo se ela sobreviver vai estar sempre com um alvo nas
costas, por acharem que ela é fraca.
Percebo um pouco de sensibilidade antes que ela cubra com
sarcasmo.
— E o que eu tenho com isso? A princesinha viveu uma vida de
ouro, mas ainda assim está mais fodida do que eu. Não devo nada a ela, na
verdade ela que me deve e muito!
— Quanto você quer? — Claramente a única linguagem que ela fala
é o dinheiro e se ela esteve tão desesperada para entrar no Monastério pela
porta da frente, ela precisa dele e fará qualquer coisa.
— O que eu tenho que fazer? — Ela joga de volta, medindo seu
preço.
— Só ir a um julgamento e se manter forte. Não precisa dizer nada.
— Como eu disse, eu quero um banho quente, podemos ver o preço
do serviço depois.
Contra meu julgamento eu abro a cela, mas antes que ela passe por
mim eu agarro o seu braço.
— Não tente fugir, você sabe onde se enfiou ao entrar no
Monastério.
Ela se aproxima a centímetros do meu rosto e é preciso tudo de mim
para não me afastar.
— Por isso que eu só quero a grana e ir embora. Ninguém precisa
saber que eu existo.
Mesmo só vestindo roupa íntima ela caminha segura de si pelos
degraus e sobe as escadas do Monastério como se pertencesse a ela. Não
tiro meus olhos dela, mas faço sinal para os caras ficarem atentos e
fecharem as entradas. Se ela estiver certa existe um rato aqui e
precisávamos descobrir quem era.

***

Aurora estava usando uma roupa de Seraphina, seus cabelos lisos e


escorridos como minha garota gostava e até o jeito de andar ela imitou. Nós
entramos no carro e tive que respirar pela boca para evitar vomitar ao
perceber que até mesmo o perfume de Seraphina ela usou. Minha menina
devia estar aqui e em vez disso está arramada a uma cama de hospital.
— Então, seu pai, pelos meus estudos, é o Pakhan e estará lá, assim
como seu tio. Os dois conhecem Seraphina, eles sabem do seu plano?
— Não e não precisam nesse momento.
Atualizo um pouco Aurora sobre Balashov e ela me surpreende
rindo.
— Quer dizer, eu sabia que o cara que matei era um merda por
tentar abusar de Seraphina, mas isso desencadeou uma onda de traidores.
Eu deveria receber um prêmio. — Ela se vira para mim. — Em dinheiro, é
claro.
O caminho até a sala de reuniões é longo e sei que preciso pelo
menos tentar quando olhar nos olhos de Seraphina e contar sobre a sua
irmã.
— Quando você descobriu sobre Seraphina?
— Há um ano. Estava num bar em Dublin e me perguntaram se eu
era uma patinadora e quando neguei a pessoa me mostrou um vídeo e lá
estava o nome dela. Foi chocante. Eu comecei a fazer pesquisas, mas
quando cheguei perto de Moscou todos já haviam morrido e ninguém sabia
onde ela estava. — Ela dá de ombros como se não estivesse muito
interessada.
— Seraphina foi para Nova Iorque ficar com uma tia, mas acabou
internada algumas vezes. Ela voltou depois que recebeu alta para tentar
voltar ao normal.
— Ela não fez um bom trabalho, claramente. — Ela cruza os braços
na defensiva.
— O que quero dizer é que ela tem estado sozinha por sua própria
conta há muito tempo e acho que você entende.
Ela não responde e decido não a pressionar. Me concentro no trajeto,
mas minha mente está a mil, essa reunião precisa correr bem e tenho que de
alguma forma fazer Aurora querer ficar depois que receber o dinheiro, mas
não quero forçá-la porque tenho a certeza de que ela iria conseguir fugir na
primeira oportunidade.
— Aqui.
Ofereço a ela o anel e o colar de Seraphina, não posso dar brechas
para quando ou se descobrirem Aurora contestarem essa noite. Aurora
coloca os objetos e se vira para mim fingindo preocupação.
— Assim está bom?
Não respondo, saindo do carro e ela me segue parecendo nervosa,
mas já estou ficando atento a suas mentiras. Anton e Mik já estão lá nos
esperando e enquanto entro na sala, sei que ela estará protegida por eles.
Meu pai acena quando entro na sala e a reunião continua. Nikolai
me lança um pequeno sorriso, o que deixa alguns homens tensos, ninguém
sabe quando começará um banho de sangue pelas mãos do meu tio.
Quando finalmente o assunto dos Balashov é colocado em pauta,
meu pai me olha.
— Gostaria de falar com Seraphina.
— Claro. — Nem hesito. — Ela está esperando.
Abro a porta e “Seraphina”, entra acanhada. Meu pai, como um
cavalheiro, se levanta e puxa uma cadeira para ela.
— Seraphina, você poderia falar sobre a noite da morte de
Miroslav?
Ela acena e engole seco.
— Eu estava treinando, tenho praticado patinação novamente e
passei um pouco do meu horário, mas eu costumo perder as horas. — Ela
parece tão real que por um segundo até eu mesmo fico na dúvida se não é
Seraphina. — Tinha acabado de tirar os patins então ele apareceu e me
atacou. Não ouve conversa ou qualquer coisa, ele simplesmente me atacou,
me batendo. Eu caí no chão e ele estava em cima de mim e...
— Como você pode falar sobre esse dia se fontes disseram que você
ficou completamente... desequilibrada? — Gunter Parlov, pai de Irina se
intromete.
— Sim, eu fiquei chocada na hora. Não fui criada para me defender,
meu pai me ensinou a vida toda que eu era um bem a ser protegido, que era
uma honra. — Ela joga as palavras e vários homens mais antigos acenam
com a cabeça. — Eu entrei numa epifania, mas sabia que só eu podia me
salvar naquele momento e meus instintos agiram.
— Você está dizendo que uma mulher do seu tamanho conseguiu
atacar Miroslav sozinha, sem ajuda? — Outro homem pergunta.
— Sim, ele estava ocupado demais tentando abrir o fecho da calça
para me estuprar e não, eu não lamento por tê-lo matado.
— E como você o fez? — Meu pai pergunta.
Porra, não tínhamos estudado essa parte, mas Aurora não
decepciona.
— Com a lâmina dos meus patins. Yurio havia afiado naquela
manhã para mim.
Meu pai se vira para os homens.
— Isso já foi o suficiente, Seraphina foi muito forte em ter que
passar por isso, não deveria estar aqui sendo entrevistada. — Ele se vira
para ela e com um tom calmo diz: — Nós descobrimos os motivos de
Miroslav ir atrás de você, que não será revelado, mas tem a ver com seu pai.
O pai de Miroslav, Artem, será sentenciado hoje e você é bem-vinda a
assistir.
Em outras palavras, obrigada. Aurora acena e segura minha mão.
Artem entra na sala com as mãos amarradas e é colocado numa
cadeira. Ele tomou uma boa surra, mas com seu olho que ainda abre ele vê
Aurora.
—Você matou meu filho. — Ele acusa, sua voz transbordando ódio.
— E ele morreu gritando. — Ela debocha de volta, para a minha
surpresa.
Seraphina nunca falaria algo como isso, mas traz admiração de
muitos ali. Ela demonstrou força.
— Já que você pensa isso, você deveria fazer a sentença. — Parlov
sugere.
Aurora arregala os olhos, mas algo me diz que é teatral. Olho para
meu pai em busca de ajuda, mas ele não encontra meu olhar. Nikolai
suavemente balança a cabeça dizendo que não tem outra escolha.
— Você não precisa fazer isso se não quiser — afirmo para ela. —
Eu o farei.
— Não, você já sangrou por nós, mas quem garante que ela irá
também? — Meu pai fala, sua voz ecoando por todo o salão. Na verdade,
não era meu pai falando e sim o Pakhan. — Seraphina, se você quer entrar
para o clã Leonov, precisa demonstrar ser digna. Se quiser sair por aquela
porta não haverá retaliação, mas você deve deixar o anel para atrás.
Ela toca o anel em seu dedo como se fosse algo valioso para ela,
mas nós dois sabemos que não é e o que ela fizer vai refletir no meu futuro
com Seraphina.
— Não...
— Eu farei. — Ela me corta e coloca ambas as mãos no meu rosto.
— Confie em mim, meu amor.
Se ela me beijar eu vou dar um soco na cara dela. Tenho orgulho de
nunca ter batido numa mulher, mas meu cavalheirismo não se aplica aqui.
Aurora se afasta antes que eu acabe com o seu disfarce e Nikolai
pega sua própria arma e estende para ela, que se vira para mim em busca de
ajuda. Sob o olhar de todos na sala eu indico o que ela tem a fazer e fico
atrás dela, como um noivo faria. Ajudo ela a ficar na posição e só para
tentar enfatizar eu digo:
— Você não precisa fazer isso, querida.
— Por nós. — Ela diz e puxa o gatilho, seus olhos fechados.
A arma dispara e mal se mexe na sua mão, demonstrando uma
aptidão e só espero que ninguém mais tenha reparado esse detalhe. Penso
no que faria se fosse Seraphina e a viro para mim antes que ela veja o
corpo.
— Estamos saindo. — Não falo para ninguém em particular
enquanto a levo para fora, mas paro na porta aberta. — Que essa seja a
última vez que duvidam da capacidade da minha mulher.
— Uau! — Aurora suspira assim que nos afastamos um pouco. —
Posso ver o que a Seraphina gostou em você, mas queria saber o que você
pensa sobre ela.
Ela se inclina para mim.
— Vamos, nós dois sabemos que eu sou melhor que ela... em todos
os sentidos.
Ela envolve as mãos em meu pescoço e é preciso tudo de mim para
não a empurrar, deixo-a brincar antes de segurar seu queixo.
— Não vai acontecer. Nunca.
— Por que me pareço com ela?
— Porque você não é ela.
Em vez de parecer irritada percebo que passei em algum tipo de
teste de gêmea do mal, porque depois disso ela me deixa em paz, mas por
garantia Mik vai conosco no carro.
Como já esperava meu pai me manda uma mensagem mandando
irmos direto para a mansão. Quando paro na mansão da minha família
Aurora protesta.
— Eu cumpri minha parte, vão me colocar em outra prisão?!
— Não. — A tranquilizo. — Só uma parada.
Nós entramos e somos recebidos por Izma, que puxa Aurora para
ela.
— Querida, eu estava tão preocupada.
É a primeira vez, mesmo em frente a mafiosos que Aurora
demonstra desconforto.
— Precisamos ir, Izma.
Izma vem até mim e ajeita meus cabelos.
— É claro, meu menino. Vou preparar um lanchinho para vocês.
Quando Izma some nos corredores eu me viro para Aurora.
— O que foi?
Ela hesita antes de voltar à pose de vadia do mal.
— Nada.
Vou até o escritório do meu pai e nos sentamos confortavelmente
nos sofás. Aurora vai até a mesa e se serve.
— E a mosca morta, como está?
Meu sangue ferve, mas então percebo que isso é só mais um de seus
disfarces para não demonstrar emoções.
— Ela está melhorando, mas não quer ver ninguém ainda. — Mik
responde por mim.
— Hmmm. — Ela toma um gole do uísque e franze a testa. —
Uísque de rico queima até a alma.
— Queima os pecados. — Meu pai diz ao entrar na sala. — Agora,
quem vai me explicar por que recebi atualizações sobre Seraphina estar no
hospital e ela estar aqui?
O silêncio reina por um minuto antes de Aurora se aproximar e
estender a mão.
— Eu sou Aurora Lars.
Raras vezes vi meu pai surpreso com algo, mas agora ele nem
conseguia falar. Ele vai até sua cadeira e cai nela, tampando seu rosto com
as mãos.
— Eu lembro de quando sua mãe ficou grávida, Arseny veio até
mim emocionado por estar tendo gêmeas. Era um segredo, porque ele não
queria que já tivesse abutres pedindo a mão de sua filha ainda na barriga da
mãe. Quando foi dito que uma das gêmeas havia morrido no parto meu
coração ficou partido. — Vendo a confusão em todos ele continua: —
Stephane ficou muito fragilizada e seu pai achou melhor não falar mais
sobre você, Aurora.
Ela dá de ombros.
— Não foi difícil me esquecer. — Ela rola os olhos. — De qualquer
jeito, quero saber se tenho direito à herança e tudo mais, porém não fui
criada nesse meio e não tenho interesse de fazer parte disso.
Meu pai olha para mim antes de voltar sua atenção para ela.
— Não sei se você sabe, mas eu sou o tutor de Seraphina e preciso
de uns dias para ter a resposta final. Acredito que você ficará no
Monastério, entrarei em contato com a minha resposta.
Ele não deixa aba para resposta e até ela pensa melhor. Alguém bate
na porta e Izma entra com uma bandeja com doces e pães, ela coloca em
cima da mesa e serve chá. Aurora aceita de má vontade, tendo que largar o
uísque, mas sorri educada.
Izma fica parada por um tempo até meu pai limpar a garganta.
— Tudo bem, pode ir, Izma.
Ela sai da sala e meu pai suspira.
— O que queria falar com você também, Yurio, é que estive em
contato com alguns dos melhores médicos psiquiátricos e eles chegaram a
uma decisão sobre a melhor maneira de prosseguir com Seraphina.
— Como você ficou sabendo do estado dela?
— As fofocas correm, mas principalmente porque eu tenho o
hospital na minha folha de pagamento e sou avisado assim que meu filho
passa pelas portas. O estado de Seraphina é complicado, as sessões estão
ajudando, mas não tanto quanto o esperado. Seu cérebro precisa de
estímulos e foi fortemente recomendado o eletrochoque.
— Não! — protesto e Mik segura meu ombro. Eu me viro para ele.
— Não, ela não vai tomar choques na porra da cabeça!
— Sua mãe e Sophia estão com ela no hospital nesse momento,
Sophia tem propriedade no assunto, já que seu irmão recebeu choque para
melhorar várias vezes. Não há sérios riscos.
— Na minha opinião, se é o melhor para ela, então não custa tentar.
— Aurora fala tomando um gole do chá e pegando um biscoitinho, como se
não fosse nada demais.
— Você não tem direito de opinar, nem a conhece.
— E você a conhece o suficiente por ter duvidado dela e ter feito ela
entrar num episódio depressivo. — Ela retruca e eu tenho que ficar calado.
Ela tem razão, a culpa é minha. Abaixo a cabeça, imaginando
Seraphina tomando choques na cabeça, ficando ainda mais vulnerável por
minha culpa.
— É o melhor para ela, filho. — Meu pai diz.
Aurora geme de repente.
— Eu não sou uma expert em chá de gente rica, mas esse está um
tanto estranho. — Ela abre e fecha a boca como se estivesse dormente antes
de rir. — Vocês ricos são pra frente mesmo, hein?
Troco um olhar com Mik que se levanta e sai correndo. Izma. A
filha da puta havia dopado Seraphina e agora Aurora. Tudo fazia sentido.
— Foi Izma, pai.
Meu pai também se levanta e quando Aurora começa a rir
compulsivamente me ajuda a sentá-la na cadeira.
— Porra.
Sim, isso define tudo.
— Ela estava drogando Seraphina para desacreditá-la, deixá-la
louca!
— Eu adoro um sugar Daddy . — Aurora se inclina tentando beijar
meu pai, que se afasta com os olhos arregalados, suas bochechas ficando
vermelhas de nervoso e se não fosse pela situação tensa eu estaria me
acabando de rir.
— Ela fugiu, deve ter percebido que descobrimos. — Mik entra e
meu pai usa a deixa para pegar seu telefone e começar as ordens de caçada.
Pego meu celular dando minhas próprias ordens para o Monastério e
meus aliados. Izma não vai fugir depois de tudo que fez. Mando um grupo
ir proteger Seraphina e até um para colocar câmeras nos corredores do
Monastério, algo que eu sempre neguei, mas agora é uma questão de
segurança. Assim como jogar fora todo tipo de alimento e medicamentos de
todo Monastério, não podíamos arriscar.
Aurora se contorce.
— Isso está melhor que rave em Berlim. Tenho que pegar a receita
desse chá.
Ela parece bem e não assustada como Seraphina. Estou pensando
nisso quando Aurora grita.
— Aranhas, aranhas.
Mik segura suas mãos enquanto ela se contorce, meu amigo então
enfia o dedo na boca dela e faz Aurora vomitar pelo menos um pouco do
chá que tomou.
Ela está hiperventilando até que desmaia. Olho para meu pai em
busca de ajuda, sempre me orgulhei de fazer tudo sozinho, mas agora
simplesmente não consigo me concentrar. Eu deveria ter visto isso antes,
deveria ter protegido Seraphina melhor. Devia estar lá para ela.
Meu pai vem até mim.
— Você vai para o hospital encontrar sua mãe e o tratamento deve
começar o mais rápido possível. Seraphina tão dependente não é bom para
ninguém e a torna incapaz de se defender.
— E Aurora? — pergunto já caminhando para a porta. Não me
importo com ela, mas Seraphina merece a chance de conhecer sua irmã.
— Nós cuidamos dela. Vai. — Mik orienta.

Minha mãe me recebe com um abraço na antessala, Sophia está


sentada na cadeira e também se levanta.
— Ela aceitou o tratamento. — Minha mãe fala com os olhos
marejados.
— Cadê ela? — pergunto.
— Ela já está fazendo o tratamento, nós conversamos. Fiz uma
vídeochamada com meu irmão que falou um pouco do seu ponto de vista
sobre essa terapia de choque e ela aceitou fazer.
Passo a mão pelo meu rosto.
— Não deveria alguém estar com ela?
— Ela escolheu não ir acompanhada e respeitamos a sua decisão.
Minha mãe acaricia meu braço.
— O que podemos fazer agora é esperar e torcer.
Então eu espero e torço para que Seraphina possa melhorar e, se eu
tiver sorte, me perdoar.
49
Você desenhou estrelas em volta das minhas cicatrizes
Mas agora estou sangrando
Cardigan – Taylor Swift

SERAPHINA

O tempo parece tão não linear que não tenho mais ideia de dias,
horário ou sequer mês, talvez já estejamos em janeiro e eu não sei, mas às
vezes parece que não se passou um dia desde que acordei.
Os médicos falaram comigo e tenho tentado melhorar, mas é tão
mais fácil desistir de tudo. Não tinha ideia de quanto tempo passou, mas as
amarras no meu braço eram um constante lembrete de onde eu cheguei.
Eu não tinha muitas escolhas nesse momento, mas a única coisa que
vinha a minha cabeça é que eu não quero ver Yurio, não quero estar com ele
e ver a decepção em seu olhar, pensar que ele só estar comigo por pena é
pior do que essas amarras.
Foi uma surpresa para mim acordar em uma manhã e ver Krigor
Leonov ali, não tinha ideia do porquê ele veio. Quando neguei visitas achei
que se aplicaria a todos, mas parece que ser o Pakhan o torna acima de tudo.
Espero ele começar a me humilhar por trair seu filho, mas em vez
disso ele segura minha mão.
— Eu tenho muitos arrependimentos nessa vida, Seraphina. — Ele
começa. — Como Pakhan eu tenho que tomar decisões difíceis, sempre
olhando por cima do ombro e tentando pensar à frente. O que eu quero dizer
é que falhei com você mais de uma vez.
— Você não o fez. — Minha voz sai rouca e ele pega o copo d’água
na mesa ao lado com canudinho e oferece para mim.
— Sim, eu fiz. Não sei se você sabe, mas eu e seu pai éramos
próximos, amigos. Nossa relação não era conhecida por ambos temerem
represálias de Leoncio, mas quando Arseny morreu eu devia estar lá para
você. Quando você voltou eu também devia estar lá para você. — Ele limpa
a garganta. — Seu pai confiou você a mim e eu falhei.
— Você é meu tutor. — As peças finalmente se encaixam.
Ele sorri tristemente.
— Achei que fazia melhor em deixá-la afastada desse meio, achei
que você estaria melhor sem mim, mas eu estou aqui agora para você.
— Yurio me odeia. — Eu solto e sinto lágrimas quentes caindo de
meus olhos. — Você é o pai dele.
Ele acena com a cabeça.
— Sim, mas eu também estou aqui para você e não vou deixá-la
novamente, então trate de melhorar.
Ele dá uns tapinhas na minha mão, ele não é um homem de
demonstrar sentimentos.
— Eu não quero vê-lo. — Solto, sentindo que posso confiar nele
para manter Yurio longe.
— Eu entendo. O farei se você melhorar.
Aceno, sentindo meus olhos pesarem.
— Obrigada por me falar.
Não escuto sua resposta, mas tenho meu primeiro sono tranquilo.
Entre receber a visita de enfermeiras que me ajudam a tomar banho
e caminhar pelo quarto, quando tudo que eu quero fazer é dormir é
frustrante, mas não tanto quanto ficar falando com o psicólogo todos os
dias, parecendo colocar o dedo na ferida aberta, remoendo tudo que eu
devia ter feito, me perguntando onde errei e o que poderia ter sido diferente.
Alguém bate na porta para minha surpresa e é Sophia a entrar, ela
carrega consigo uma pequena mala.
— Oi, Seraphina. Trouxe algumas roupas novas para você, acho que
um pouco de cor pode alegrar.
Ela mostra algumas peças de pijamas coloridos realmente bonitos e
até roupas de sair.
— Sabe, eu entendo um pouco do que você está passando. — Ela se
senta ao meu lado.
— Acho difícil — resmungo e me arrependo de ser grossa, mas ao
mesmo tempo não me importo o suficiente.
— Eu sei, mas cresci com um irmão com muitos transtornos
mentais. Ele entrava em crises pesadas de depressão que eu achava que não
sobreviveria, junto a isso eu também temia pelas crises de mania porque ele
se colocava em perigo e podia acabar morto.
Ela limpa algumas lágrimas de seus olhos antes que caiam.
— O que quero dizer é que ele não desistiu. Ele luta tanto para ser
sua melhor versão e eu estou orgulhosa dele, assim como estou de você.
Não consigo encontrar seus olhos de tanta vergonha.
— Eu não sou corajosa. Eu tentei me matar, Sophia. Duas vezes.
Ela segura minha mão.
— Eu sei, mas você teve uma nova chance e deve se agarrar à vida.
Ela pode ser difícil, mas ainda é sua. — Ela então limpa a garganta. — Os
médicos falaram do seu estado e tem algo que pode ajudar.
Um pouco de esperança começa a brotar enquanto Sophia fala sobre
a terapia de eletrochoque, mas só quando ela coloca seu irmão na
vídeochamada que eu consigo ver uma luz.
— Não é fácil ou linear, você vai cair, mas tem que levantar. — Ele
diz simplesmente. Eric Hoffmann é um homem tão bonito por fora, que não
parece ter tantos demônios em sua vida. — Eu demorei a entender isso, mas
só você pode se salvar, só você pode vencer as batalhas contra si mesmo.
Então eu quebrei, chorei toda a dor.
— Eu quero melhorar. — Consegui dizer, minha voz rouca de tanto
choro.
Sophia tira as amarras dos meus braços e se deita ao meu lado, me
abraçando. Lara entra depois, com um lindo buquê de rosas e beija minha
testa. Ela não precisa falar nada enquanto se senta ali ao meu lado e segura
minha mão enquanto o médico dá detalhes sobre o tratamento.
— Eu aceito. — Parece até uma experiência fora do corpo, porque
depois disso sinto que vejo um futuro bom à minha frente e eu estou nele.

A terapia de choque não era fácil, toda manhã durante cinco dias eu
tomava esses choques e era como se cada um deles me fizesse sentir mais
viva. Lara e Sophia vieram me visitar todos os dias e não insistiram quando
falei que não queria receber outras visitas.
O quarto estava cada dia mais cheio de flores e balões, mas só
ontem tive coragem de ver os cartões de quem mandou. O único que não
abri eram as peônias brancas que recebi com um cartão vermelho porque
sabia que era dele .
Os cartões em sua maioria eram simples desejando melhoras, os de
Tory sempre continham desculpas e fotos nossas desde pequenas e eu não
queria nada mais que abraçar minha amiga, mas ainda era difícil pensar fora
desse quarto.
O médico falou que era normal, mas eu devia enfrentar meus medos,
então quando ele falou que finalmente era a última sessão eu comentei que
aceitaria as visitas. Se é que havia alguém que quisesse me ver realmente.
No entanto, quando entrei na sala fui recebida por várias pessoas.
— Surpresa! — Eles gritaram e eu me senti como se fosse meu
aniversário.
Estava um pouco fraca da terapia e a enfermeira me ajudou a me
acomodar na cama, então recebi vários abraços e logo minha cama estava
cheia de doces que eu gostava.
Não queria procurá-lo, mas nossos olhos se encontram
imediatamente. Ele estava no outro lado da sala, encostado na parede
enquanto me olhava parecendo atordoado. Sim, eu estava abatida, mas a
minha maior surpresa foi vê-lo aqui depois de tudo, não imaginava que ele
viria. Rapidamente desviei o olhar, não querendo vê-lo se transformar em
desgosto ou nojo como da outra vez.
— Obrigada, gente. É demais. — Aceno para todos os doces e
mimos.
— Era para ter mais, mas esses caras comeram. — Tory aponta para
os meninos.
Eu rio e é divertido vê-los se justificando. Eles falam assuntos leves
como as últimas festas e de como ganhamos os jogos.
— Nossa! Parabéns, pessoal.
Parece que os jogos aconteceram mil anos atrás, mas fico feliz em
ver a alegria deles.
— E você não sabe a melhor parte. Estávamos empatados com os
Kitsunes e sabe o que desempatou? — Jamal pergunta animado, mas antes
que eu pudesse responder ele mesmo o faz. — O troféu que você roubou,
ele ganhou pontos extras pela audácia. Foi unânime.
— Foi um trabalho em equipe. — Ergo minha mão para batermos.
Eles falam mais um pouco e tento ao máximo não desviar minha
atenção para Yurio, mas aos poucos meus olhos vão ficando pesados e
quando estou quase dormindo sinto um beijo na minha testa antes de
adormecer sorrindo.

Voltar para o Monastério é uma verdadeira provação para mim, mas


preciso encerrar meus ciclos, terminando o semestre e pensando no futuro.
A ideia de morar com meus ex-sogros também não era a minha ideia de
recomeço. Morar com meu ex não parecia divertido, mas ainda assim é
melhor do que ir para a mansão que eu quase coloquei fogo ou para um
dormitório que eu tive esse mesmo problema.
Entretanto não queria uma festa, então pedi para que Sophia
avisasse para ninguém fazer nada demais, já tive a recepção no hospital e
não quero ser vista por todos como a garota frágil que precisa de atenção.
Não estava autorizada a dirigir ainda, então Sophia me trouxe. Ela
até ofereceu que eu ficasse em sua casa, mas eu queria enfrentar a minha
nova vida.
— Me ligue para me atualizar, fofocar ou só para respirar. — Sophia
pede me abraçando.
— Eu vou, só preciso descobrir onde ele está — brinco.
Saio do carro dando tchau e respiro fundo olhando a bela estrutura,
mas também assustadora e intimidante que é o Monastério. Vejo a passagem
que dá para o cemitério, mas não sinto vontade de ir lá, na verdade sinto
vontade de estar entre os vivos. Depois de tantos dias ruins e uma semana
no hospital, eu queria viver.
Sei que não será fácil, ainda tenho que tomar meus remédios, tenho
consultas duas vezes por semana e sei que estão de olho em mim, mas não
deixo isso me abater.
Colocando os ombros para trás, tomo uma respiração e caminho até
o Monastério. Abro a porta e sou recebida por algumas pessoas ali, é como
antes e a ansiedade não vem. Tomo café e vou ver Oscar, que me dá um
tchauzinho com a nadadeira.
Escuto a voz de Yurio e de repente o medo de ser expulsa daqui vem
e escapo, aproveitando que alguém abre a porta da frente, acabo batendo em
Jamal e peço desculpas apressada antes de descer os degraus e começar a
andar.
Talvez não tenha sido uma boa ideia estar aqui, talvez eu devesse ir
para um hotel ou algo assim, talvez...
— Seraphina! — Alguém me grita e eu vejo Jamal correndo atrás de
mim com meu casaco na mão. Só então percebo que estou tremendo de frio.
— Pegar um resfriado no primeiro dia de volta não é o ideal. — Ele brinca
me dando o casaco.
— Só queria caminhar um pouco.
Ele acena.
— Vou caminhar com você, precisava esticar as pernas mesmo.
Duvido muito, mas quero colocar uma distância entre Yurio e eu.
Caminhamos num silêncio fácil e quase esqueço a presença dele.
— Eu tentei ligar para você depois do que aconteceu. Ivy, Alex e
Cora fizeram uma malinha para você e eu ia levar para o hotel onde você
ficaria. Nenhum de nós acreditou que você fez aquilo, só não...
— Podiam questionar Yurio — completo.
Ele acena.
— Ele pode ser justo, mas ainda é neto de Leoncio e só Deus sabe
quando ele pode virar um idiota sanguinário. — Ele para e se vira para
mim. — Nós estávamos tentando provar sua inocência, que o vídeo era
forjado antes da verdade ser revelada.
— Como assim?
Ele arregala os olhos.
— Caralho! Você não sabe ainda! Yurio vai me matar!
Eu toco seu braço.
— Eu não sei de nada e não precisa falar.
Volto a andar até que uma ideia me ocorre.
— Onde eu vou dormir?
Jamal coça a cabeça.
— O quê?
— Eu não vou dormir no quarto de Yurio, é capaz dele me jogar lá
de cima...
— Duvido muito disso. — Ele corta. — Mas você é uma Besta, tem
direito a seu quarto. Reivindique novamente. — Ele dá de ombros.
Sim, eu sou uma Besta do Monastério, a primeira mulher a entrar e
eu tenho meus direitos. Jamal ri quando vê meu rosto.
— Agora podemos voltar, minhas bolas estão congelando com esse
frio.
Percebo que eu mesma estou com as orelhas e mãos geladas.
— Sim. Eu estou pronta.
Ainda assim entro sorrateira e corro nas escadas esperando chegar a
meu antigo quarto sem acabar encontrando Yurio. Quando entro no quarto e
fecho a porta atrás de mim suspiro feliz por ter conseguido.
Estou quase fazendo uma dancinha da vitória quando uma mulher
sai de toalha do banheiro e quando ela se vira eu vejo eu mesma. Meu grito
é tão alto que machuca meus ouvidos.
— De novo não! — Eu grito puxando meus cabelos. — Você não é
real, você não é real — repito para mim mesma.
A porta do quarto é aberta e Yurio arregala os olhos.
— Porra, não é assim que você deveria saber.
Ele vem até mim e me puxa para seus braços.
— Você está vendo-a também? — sussurro, com medo de falar em
voz alta e ela mais uma vez sumir.
A mulher mexe nos cabelos molhados e sorri irônica, me olhando
dos pés à cabeça.
— Olá, você deve ser Seraphina. Eu sou Aurora, sua gêmea, caso
não tenha ficado claro ainda.
Então meus pés cedem debaixo de mim e Yurio me segura antes que
eu caia no chão.

***

Acordo ouvindo vozes à distância, discutindo. Sinto que estou


deitada na cama, nos braços de alguém e nem preciso abrir os olhos para
reconhecer esse corpo e seu cheiro. Yurio me segura contra ele enquanto
acaricia meus cabelos.
Penso em continuar fingindo estar dormindo, mas a discussão se
torna mais acirrada e a ideia que Yurio também viu a gêmea do mal me faz
pensar no que isso significa.
Abro os olhos e me sento, vendo meu quarto cheio de gente, mas o
que me choca é ver a outra versão de mim de braços cruzados, com uma
expressão de deboche enquanto Tory discute com ela.
— Ela que invadiu o quarto, queridinha.
— Queridinha?! — Tory grita e Anton a levanta do chão antes que
ela parta para cima dela. — Ela acabou de voltar do hospital, não deveria se
aborrecer.
Me sento ereta, chocada por todos estarem vendo-a.
— E você acha que eu quero estar aqui? Volte para seu castelo,
princesinha e não enche meu saco!
— Chega! — Yurio ordena, se virando para mim. — Seraphina, sei
que tudo isso parece demais, mas você tem uma irmã gêmea.
— Eu não estava louca? — pergunto mais para mim mesma.
Ele toca meu rosto, me tirando de minha mente.
— Não, Kiska. Você não estava louca.
Tampo meu rosto e meus ombros tremem enquanto choro. Um
alívio passa por mim, que não sou igual a minha mãe, mas então a
confusão.
— E na sua casa, eu a vi. Ela estava lá?
— Deus me livre. — Escuto o resmungo dela. — Estavam te
drogando, docinho. Apesar de ter gritado feito louca quando aparecia para
falar com você.
Me levanto e caminho com calma até ela. O mesmo jeito curioso
que a olho ela também o faz e quando paro na sua frente a raiva me domina
e eu levanto a mão e lhe acerto um tapa na cara.
— Você me fez pensar que eu estava maluca como mamãe — grito.
Estou tremendo, mas dessa vez é de ódio. Ela podia ter me falado, em vez
disso me deixou pensar que eu estava louca e ainda é debochada.
Ela toca a bochecha, mas antes que possa fazer algo Yurio está a
meu lado.
— Nem tente. — Ele diz olhando para ela.
Então me bate que eu tenho uma irmã. Que eu não estou mais
sozinha.
— Me desculpa.
Tento dar um passo para mais perto, para abraçá-la, sentir que ela é
real, mas ela não está interessada e se afasta.
— Não vem com essa de gêmeas amigas e purpurina de unicórnio.
— Ela aponta para mim. — Eu quero dinheiro. DI-NHEI-RO.
— Depois falamos sobre isso. — Yurio a corta e segura minha mão.
— Izma estava te drogando, ela tentou fazer o mesmo com Aurora na casa
de meus pais, mas como ela tem mais resistência a drogas percebeu que
tinha algo errado e descobrimos.
— Em outras palavras eu gosto de uma verdinha, umas balinhas nas
festas. — Aurora interrompe.
— Mas por que ela faria isso?
Não acho que nem mesmo Yurio tem essa resposta, mas então
Aurora estala os dedos.
— Sabia que reconhecia aquela mulher de algum lugar. — Ela olha
diretamente para Yurio. — No orfanato tinha uma louca que em todo meu
aniversário ia me aterrorizar falando coisas horríveis para mim e ninguém
do orfanato ligava, então quando tinha treze anos ela disse algo sobre ter
um jogo melhor para brincar e nunca mais voltou.
— Lily — sussurro.
— Quem? — Aurora pergunta, finalmente voltando sua atenção para
mim, ela pode ser igual a mim fisicamente, mas é tão diferente.
— Nossa irmãzinha. — Engulo seco. — Lily nasceu quando eu
tinha... nós tínhamos treze anos. — Seco as lágrimas que caem. — Mamãe
começou a ficar louca, daí ela alucinava que as paredes falavam com ela.
— Seraphina. — Yurio coloca a mão no meu ombro.
— Lily uma vez disse que também ouviu e eu pensei que a doença
de mamãe tinha passado para ela, mas e se foi Izma?
— Você não a conhecia antes de vir ao Monastério — aponta
Matvei. Eu nem lembrava que ainda tinha gente no quarto.
— Precisamos de uma lista de todas as pessoas que trabalharam na
casa.
Aurora bufa e se senta numa cadeira.
— Vai demorar, já que você deve ter crescido com milhões de
funcionários.
Ela é tão amarga, tão má. Nem eu, com tudo que passei, sou assim e
me pergunto o que ela viveu para ter colocado uma casca de durona tão
forte.
— Tudo bem, vamos deixar as duas conversarem. — Tory diz e vem
até mim e me abraça e eu hesito um pouco em retribuir. — Bem-vinda de
volta, senti sua falta. Sei que temos que conversar, mas temos tempo para
isso.
— Na verdade eu não quero conversar não. — Aurora se levanta e
coloca a mão na cintura. — Então esse é ou não meu quarto?
— É. — Yurio diz ao mesmo tempo que eu digo: — Não.
— Esse é meu quarto. Eu sou uma Besta do Monastério e esse
quarto é meu — respondo seriamente, marcando meu território.
Ela me olha dos pés à cabeça antes de desfilar para fora do quarto.
— É, parece que tem um pouco de espírito em você.
Todo mundo sai do quarto, exceto Yurio.
— Nós precisamos conversar.
— Não agora — respondo firme e me afasto quando ele tenta
acariciar meu rosto.
— Seraphina.
Não, não vai ser um olhar que vai apagar toda minha mágoa, de
como ele não confiou em mim e me humilhou. De como me fez sentir um
nada e praticamente me jogou do penhasco.
Vou até a porta e a seguro aberta.
— Adeus, Yurio.
Ele passa por ela e para do outro lado.
— Nós ainda vamos conversar.
Bato a porta na sua cara e me sinto muito bem com isso.
50
YURIO

Seraphina estava puta comigo e eu definitivamente mereço isso, mas


agora era uma questão de segurança para todos conseguir a lista de
empregados e qualquer pista de quem poderia ter envenenado a mãe de
Seraphina. Uma autópsia não revelaria nada nesse momento.
Ela não queria falar comigo então tive que usar Aurora como
moeda, para que Seraphina concordasse em ir comigo para sua antiga
mansão. Aurora estava fitando as unhas no banco de trás do carro, enquanto
Seraphina me ignorava no banco ao meu lado.
— Então deixa eu ver se entendi, vocês se separaram porque ele viu
um vídeo meu com outro cara e pensou que era você?
— Não estamos separados! — falo ao mesmo tempo que Seraphina
fala: — É.
Eu olho para ela, mas ela se mantém olhando para a janela.
— Nós não estamos separados! — Volto a falar e Seraphina mesma
nem responde.
— Então, Aurora, onde você morava? — Seraphina pergunta.
— Então, Seraphina, como é ter tudo e ainda assim ter que tomar
remédios controlados? — Ela retruca ácida.
Seraphina ofega, mas me lança um olhar para não me meter.
— Solitário. — Ela responde depois de um tempo. — Acho que
tudo teria sido melhor se você estivesse comigo.
Aurora não responde, mas também não tenta mais alfinetar
Seraphina até chegarmos em sua casa. Dois seguranças mandados por mim
estão a nossa espera, eles já checaram toda casa para não haver nenhuma
surpresa.
— Uau. — Aurora olha encantada a casa. — E ainda tem coragem
de falar que rico tem problema. — Ela resmunga antes de entrarmos.
A sala foi limpa e não tinha mais cheiro de álcool, não queria que
quando ela voltasse essa memória viesse. Seraphina vai direto até o
escritório do pai e eu a sigo, ela puxa um quadro e atrás dele tem um cofre e
ela faz algumas tentativas.
— Você não sabe a senha? — Aurora pergunta entrando no
escritório. — Tenta o aniversário ou algo do tipo.
Seraphina se vira para ela.
— Nosso pai não ligava muito para as filhas, mas era obcecado por
nossa mãe.
Ela tenta mais algumas vezes até que suspira e coloca uns números e
o cofre abre.
— O dia em que meus pais se conheceram, foi a última apresentação
de mamãe.
Não perco que ela não cita a data e escondo um riso quando vejo a
expressão decepcionada de Aurora, na certa ela voltaria aqui só para
assaltar o cofre. Entre os papéis Seraphina ofega.
— Papai tinha uma lista de suspeitos de desviar dinheiro.
Estico a mão para pegar, mas ela se afasta.
— Entregarei isso diretamente ao Pakhan.
Aurora nem esconde o riso.
— Agora senti firmeza. Vem cá, nessa casa tem comida?
Seraphina dá de ombros não parando de procurar documentos e
Aurora sai para procurar comida.
— Seraphina, eu queria me desculpar com você. Tudo que eu
disse...
Ela finalmente me olha, mas o vazio em seu olhar é horrível.
— Não vou fingir que está tudo bem, Yurio. Entendo suas razões,
mas doeu tudo que você falou para mim, que revelou meu segredo. Preciso
de um tempo.
Ela volta para os papéis até que acha um documento.
— Aqui, todos os funcionários que já trabalharam aqui. Meu pai era
sistemático a esse ponto, além dos arquivos digitais. Nesses arquivos já tem
dados de cada um, onde trabalharam antes, referências e tudo mais.
Antes que eu pudesse sugerir que procurássemos juntos, ela coloca
de volta ao cofre o restante dos arquivos e depois de fechá-lo sai sem me
esperar. Ela encontra Aurora na sala olhando para o quadro de família.
— Lily era a alegria da casa, deixava tudo menos sombrio. Ela
gostava muito de brincar de chá da tarde e adorava quando eu a levava para
patinar, apesar de cair bastante. — Seraphina conta enquanto olha para o
quadro. — Ela era uma menina doce e Elain, a sua babá, dizia que ela era
um anjinho que veio à terra.
— Achou tudo que precisava? — Aurora pergunta, sua rigidez
voltando.
— É sua. — Seraphina fala.
Aurora se vira para ela, mas Seraphina permanece olhando para o
quadro.
— O quê?
— A casa, é sua. Se você quiser morar ou vender. — Ela dá de
ombros. — A única coisa que quero daqui são as fotos e memórias da
família.
Ela sai pela porta da frente e encosta no carro nos esperando voltar.
— Ela está em crise de novo? — Aurora segura meu braço quando
tento seguir Seraphina.
— Não, ela só é boa desse jeito. Você deveria dar uma chance a ela.

Na volta para casa me sinto um cachorro em busca de afeto e paro o


carro num restaurante, querendo estender mais nosso tempo juntos.
Seraphina agora estava no seu próprio quarto e sequer foi buscar o resto de
suas coisas no nosso.
É um tanto cômico ver as duas gêmeas pedindo a mesma coisa com
os mesmos complementos.
— Acho que é a única coisa que vocês têm em comum.
Aurora rola os olhos.
— O bom gosto para homens também.
As bochechas de Seraphina coram.
— Quer dizer, o mau gosto. — Joga de volta e Aurora levanta a sua
taça de milkshake e brindam.
Não acho que milkshake seria a primeira opção de Aurora, e
desconfio que ela escolheu algo sem álcool para não beber na frente de
Seraphina.
Depois que comemos pago a conta e Seraphina anda na minha frente
até o carro.
— Ela realmente está com raiva de você — resmunga Aurora. —
Boa sorte.
Ao entrarmos eu suspiro.
— Vamos deixar uma cópia dos documentos com meu pai e ver se
ele tem alguma sugestão.
O silêncio é a resposta.
Isso está começando a me irritar, mas controlo o monstro que há
dentro de mim. Seraphina passou por muito e não merecia ver meu lado
ruim agora.
Somos recebidos pela minha mãe, que surpreende Aurora a abraçá-
la.
— É tão bom te conhecer.
Aurora dá um pequeno sorriso.
— Ah, você também. Sua mansão é linda.
Meu pai faz cópias dos papéis e entrega uma para Seraphina ver o
que ela acha. Envio o arquivo para Matvei investigar alguma conexão entre
eles com Izma. Enquanto meu pai e Seraphina conversam eu vou até minha
mãe.
— Ela me odeia.
Mamãe ajeita meus cabelos e acaricia meu rosto.
— Ela está magoada. Isso não vai passar da noite para o dia, você
precisa ter paciência para reconquistá-la — aconselha.
— Eu já acho que você tem que usar todas as suas armas a seu
favor. — Aurora fala com um copo de uísque na mão e apontando para meu
corpo. — Pelo que vi no cemitério vocês gostam de umas coisas loucas.
— No cemitério? — Minha mãe arregala os olhos e cai sentada no
sofá.
— Cala a boca.
Mas não posso deixar uma pequena risada sair, será que é isso que
Seraphina precisa para me perdoar? Que eu solte o monstro sobre ela mais
uma vez e não lhe dê escolhas?
51
SERAPHINA

— É difícil pensar que as pessoas que me viram crescer estavam


machucando minha família — comento enquanto passo os olhos mais uma
vez pela lista de funcionários.
— As piores apunhaladas são a de quem mais nos importamos. —
Krigor responde com sabedoria.
Será que foi isso que Yurio sentiu quando viu o vídeo e por isso
reagiu tão mal?
Olho para mim, tentando arranjar desculpas porque estava sentindo
falta dele, mas não posso pensar com meu corpo. Se eu ficar com Yurio
novamente estarei mais uma vez me agarrando a ele como uma muleta e
quando cair novamente estarei sozinha.
Aurora se aproxima, olhando a minha lista.
— Será que não dá para pensar que Izma tinha um namorado ou
algum amigo na casa, tem que ser alguém importante ou muito confiável,
mas acho que a razão principal é saber os motivos dela.
— A família dela perdeu tudo quando seu pai foi acusado por
traição. Ela e sua mãe precisaram trabalhar de empregadas. Sua mãe não
aguentou e se matou. Meu pai a trouxe para casa porque Izma era... bonita.
Que nojo, coitada da pobre mulher. Vendo a minha expressão Krigor
acena.
— Exatamente. Ele, entretanto, não conseguiu abusar dela por muito
tempo, pois teve disfunção erétil. — Ele fica pensativo. — Agora me
pergunto se isso também não está ligado; Leoncio teve seu estado de saúde
piorando durante os anos, mas era orgulhoso demais para ir ao médico para
saberem que ele estava doente.
— Ele morreu de ataque cardíaco, né? — pergunto. — Será que uma
exumação pode ver se ele foi envenenado ou algo assim?
— Não. — Krigor responde imediatamente. — Não vamos deixar os
outros saberem sobre isso. Nós temos que nos manter fortes.
Ele olha seriamente para Aurora e eu, que acenamos rapidamente.
Krigor então passa a mão pelo rosto.
— Vamos discutir outro assunto, Aurora pensei bastante do que
pode ser feito devido a seu pedido.
— Pedido? — pergunto curiosa.
— Aurora não tem interesse em fazer parte da Bratva e como não foi
criada dentro, eu posso a deixar de fora, mas...
— Sabia que estava ficando bom demais para ser verdade. — Ela
reclama. — Olha, Seraphina já me deu a mansão.
Krigor me lança um olhar que me faz querer encolher, antes de focar
sua atenção na minha irmã.
— Tudo bem, mas como tutor de vocês duas há regras que devem
ser seguidas e se aplicam às duas. — Ele levanta um dedo a cada regra. —
Antes de receberem suas partes totais da herança ambas devem estar
formadas. Aurora, assim como Seraphina, você receberá uma pensão, a casa
irá para seu nome depois de se formar. Você será necessária aqui nas festas
familiares e sempre será bem-vinda aqui. Também gostaria que vocês
passassem mais tempo juntas para criarem um laço que foi roubado de
vocês.
Aurora e eu nos olhamos antes de assentirmos para Krigor.
— No momento é isso. Aurora, você começa suas aulas no próximo
semestre e já está matriculada, terá tempo para se acostumar com a ideia e
escolher uma fraternidade, assim como um carro de sua escolha.
— Ela pode fazer parte do Monastério — sugere Yurio.
Aurora bufa com deboche.
— Vamos ver.
Lara nos convida para jantar, mas tudo que eu quero é ir para meu
quarto, mas não quero ser grossa, uma vez que Krigor deixou claro que quer
fazer parte da nossa vida e sinto que se quiser ir embora estarei roubando
esse momento de Aurora, já que acho que os Leonov agora são parte da
nossa pequena família.
— Acho que a neve vai aumentar em breve. — Aurora fala para a
minha surpresa. — Teremos outras oportunidades.
— Tudo bem, mas espero vocês no meu spa para um dia de beleza
no sábado, o que acham? — pergunta Lara.
— Maravilhoso — respondo sorrindo e a abraço. — Obrigada.
Nos despedimos e quando entro no carro solto um suspiro de alívio.
Yurio está conversando com seu pai e Aurora entra no carro.
— Obrigada!
Ela dá uma piscada para mim.
— Vem cá, eu não perguntei lá porque ficaria chato, mas quanto é a
pensão, porque também estou com umas dívidas no meu nome e o banco
provavelmente vai comer tudo.
Acabo rindo, Aurora realmente não tem ideia de como somos ricas.
— Acho que ainda vai sobrar. — Então eu decido ser uma boa irmã.
— Eu tenho um dinheiro sobrando, poderíamos ir no shopping só nos duas
no sábado antes de irmos ao spa.
Ela hesita antes de assentir com a cabeça e focar a sua atenção na
janela, encerrando o assunto. Yurio entra no carro e tenho que me
concentrar para não respirar fundo seu perfume e nem ficar babando por ele
enquanto dirige.

***

Dormi sem problemas e acordei com disposição. Nevava lá fora e a


temperatura estava a dois graus, mas não deixei isso me abalar. Vesti a
roupa térmica com um casaco e calcei meu par de tênis. Imaginei que era
cedo demais para alguém estar acordado e fui usar a academia para correr
um pouco na esteira.
Enquanto corria pensava onde passaria as férias, quer dizer, era
errado querer passar com Aurora, e agora Krigor disse que éramos bem-
vindas, mas não acho que foi um convite e sim uma convocação. Meu
médico disse para focar no presente, então depois de correr vou tomar um
banho e me preparar para a volta às aulas, provavelmente estou atrasada nas
matérias, mas não deixo isso me abater.
Não tenho vergonha de admitir que fujo de Tory e pego uma carona
com Ivy. Jamal realmente tinha falado a verdade e quando peguei meu
celular depois do banho pela primeira vez vi mensagens de apoio. Havia
também muitas mensagens de Tory, mas decidi não abrir para não estragar
meu dia. Algumas ela deve ter escrito com raiva naquele dia e não queria
voltar a isso.
Durante o caminho até as aulas me surpreendo com os
cumprimentos de todos comigo, por um momento penso que todos sabem
ou pensam que sabem da traição, mas não seria recebida com tanto carinho,
então penso que sabem que fiquei internada, mas só quando uma menina
que tem umas aulas comigo me dá um café eu entendo.
— Então, você está melhor? — Ela pergunta enquanto nos ajeitamos
nos assentos da aula de cálculo.
— Sim.
— Que bom, Yurio proibiu de fazer a festa de comemoração até
você voltar das férias. — Ela começa a falar sem parar e eu me perco. Yurio
mentiu para todos, proibiu a comemoração? — Tipo, todo mundo sabe que
esses jogos foram assustadores e aquele choque que você recebeu...
— O quê? — Acordo dos meus pensamentos.
— Aquelas provas não foram divertidas, se fosse eu teria me mijado
toda. Doeu muito?
Ah, ela estava falando do choque da prova em vez da terapia de
choque.
— Já passei por coisas piores — respondo com sinceridade e foco
minha atenção na aula.

Já devia ter percebido que a minha sorte estava por acabar quando
entrei no refeitório e vi uma mesa com toalha rosa claro, cheia de todas as
minhas coisas favoritas. Quase dei meia volta e saí, mas o olhar de
esperança de Tory completamente sem maquiagem, o que por si só já era
inédito para ela, me paralisou.
Suspirando, caminho até ela e me sento ao seu lado.
— Oi. — Ela começa timidamente. — Eu sei que sou uma péssima
amiga, sei que te magoei e...
Eu seguro sua mão.
— Eu entendo, você ficou decepcionada. Havia provas.
— Mas você é minha melhor amiga, eu devia ter te dado pelo menos
o benefício da dúvida, podia ter sido armado, havia milhões de
possibilidades e eu escolhi acreditar no pior em você.
Não sei o que dizer então pego uma rosquinha rosa e dou uma
mordida, saboreando o gosto açucarado. O silêncio entre nós é confortável e
eu paro para me perguntar o que faria se estivesse em seu no lugar. Mesmo
se Tory fosse culpada eu ainda lutaria por ela, faria de tudo para ela ficar
bem, mas não posso esperar que façam por mim o que eu faria por eles.
Entendo que ela ficou chateada e estava brava naquele momento,
então quando vou para a próxima aula abro as mensagens, as primeiras
eram com raiva, perguntando porque estraguei tudo e porque escondi dela.
Então vieram as preocupadas, perguntando se Yurio era tóxico comigo e me
machucava de alguma forma, então as perguntando onde eu estava e muita
preocupação, e por último era uma mensagem para o dia que eu estava
internada.
“Sei que você não vai ler isso, eu te conheço. Ou só lerá quando sua
raiva por mim passar pelo menos um pouco, mas de toda forma queria dizer
que sinto muito por não ter ficado ao seu lado como sei que você teria feito
se fosse ao contrário. Você é minha melhor amiga e eu não tenho sido a
melhor, te excluindo, escondendo coisas e ainda assim você me perdoou. Eu
sou uma péssima amiga e sei disso, mas juro que se você me der outra
chance eu serei a melhor.”
Para amolecer mais meu coração as próximas mensagens eram fotos
nossas ao longo dos anos e a última era uma montagem de nós duas
velhinhas, de cabelos brancos.
“Quero estar assim com você.”
Não percebi que estava chorando até alguém perguntar se eu estava
bem. Não consegui prestar atenção no restante da aula, eu queria minha
amiga de volta, queria perdoar Tory, perdoar Yurio, mas precisava pensar
em mim, no que eu merecia. Não seria um almoço e umas fotos que fariam
isso.
Saí da sala de cabeça baixa, mas parei quando ouvi alguém gritar
meu nome. Era Tory.
— Eu preciso que você venha a um lugar comigo.
Acenei sem querer lutar mais, talvez um café que ela me pagasse
selaria o acordo. Em vez de me levar a um café como esperado ela me leva
até a pista de patinação.
— Tory, ainda não voltei a treinar.
Ela me puxa para dentro e vejo o Monastério inteiro ali dentro,
sentados.
— Eu não vou fazer isso — resmungo para ela, chateada de estar
sendo forçada assim.
Ela arregala os olhos.
— Não! Não é você que vai fazer o show!
Então ela me acomoda na primeira fileira e vai se ajeitar. Fico
paralisada olhando-a colocar a calça de enchimento que normalmente as
crianças usam quando começam a patinar. Ela calça os patins e sorri para
mim.
— Você está prestes a ver a pior apresentação de sua vida.
Então minha melhor amiga, que sempre foi péssima no gelo entra na
pista, escorregando algumas vezes antes de ir para o centro. Eu já estou
chorando vendo-a se humilhar na frente de todos. Seu pior medo.
A Thousand Miles começa a tocar e eu gargalho antes mesmo dela
começar a coreografia. Quando convencemos nossos pais a nos deixar
aprender a dirigir com dezesseis anos colocávamos essa música para irritar
o guarda designado a nos ensinar. Nós sempre cantávamos alto e ele, apesar
de não reclamar, sempre dava olhares raivosos.
Tory se vira e rebola com a bunda de espuma e é impossível não rir,
mas ela dá o seu melhor e percebo que ela está tentando fazer uma das
minhas primeiras apresentações. Ela está falhando copiosamente, mas é
muito divertido assistir. Ela não consegue fazer a maioria das acrobacias e
as pessoas vão à loucura quando ela consegue dar um pulo simples sem
cair, quando a música acaba Tory está ofegante, mas sorrindo para mim.
Ela patina até mim ainda arfando.
— Eu sei que isso não apaga nada, mas...
A puxo para meus braços.
— Eu também quero ficar velhinha ao seu lado.

***

Aurora e eu definitivamente não tínhamos os mesmos gostos ou


estilos, mas tinha que dar o braço a torcer que ela era mais estilosa que eu.
— Devia experimentar. — Ela mostra uma jaqueta de couro preta
com tachinhas nos ombros.
— Acho que não é meu estilo.
Ela rola os olhos e puxa uma de couro marrom, que é a minha cara.
Apesar de estar bebendo champanhe e agindo como se estivesse
acostumada ao luxo dessa loja, não deixo de notar seus olhos se arregalarem
toda vez que vê o preço de uma peça.
Isso só mostra como nós duas vivemos realidades totalmente
diferentes; eu posso ter sido cobrada demais por meus pais, mas tinha
dinheiro para tentar suprir, assim como a patinação. Não acho que Aurora
teve nada parecido.
— Então até quando vai durar o gelo em Yurio?
Paro de olhar as camisas disponíveis e suspiro.
— Ele disse coisas horríveis para mim.
— Mas ele também quase foi queimado vivo e pulou no gelo por
você. Poético, se pensar bem. — Ela me passa um vestido preto apertado
que eu normalmente não teria coragem de usar. — O mais romântico que
um cara já fez por mim foi tirar uma cárie de graça do meu dente... e ele era
dentista.
Sei que não devia rir, mas acabo fazendo.
— Me desculpa.
Ela rola os olhos.
— Não estou dizendo para você perdoá-lo simplesmente, mas deixe-
o saber que você está disposta a fazê-lo.
— E como faço isso?
Ela pega um salto alto e o balança na minha frente.
— Provocando-o.

Chegamos ao salão e spa de Lara e a lembrança de Yurio me


trazendo aqui quando entrei em colapso vem. Ele sempre esteve presente
para mim, mesmo quando não era nada meu.
— Que legal, vocês são gêmeas. — A cabeleireira comenta sorrindo.
— Vão querer um tratamento nos cabelos?
— Na verdade eu quero um corte e talvez uma mecha vermelha.
Ao meu lado Aurora ri.
— Isso aí, se eu me sentir boazinha posso te ensinar algumas
posições para deixar os caras loucos.
Arregalo os olhos com suas palavras, mas as cabeleireiras e
manicures logo entram numa conversa com ela. Aurora cativa as pessoas
quando quer, algo que eu nunca conseguiria, mas é muito interessante de se
ver.
Depois de ter nossos cabelos, sobrancelhas e unhas feitas, vamos
para a área de spa e recebemos massagem e um merecido descanso na
hidro. Lara vem nos ver e conversamos enquanto comemos um brunch,
depois disso ela precisa sair para resolver algumas coisas, mas nos faz
prometer fazer mais alguma coisa com ela.
— Você deveria entrar para o Monastério, não tem tantas garotas,
mas acho que você se encaixaria bem. — Tento sem querer deixar muito
óbvio que a queria perto de mim.
— Sem querer ofender eu não gosto que mandem em mim e com
Yurio sendo o rei dos homens e você das mulheres...
— Eu não sou...
Ela levanta a sobrancelha e eu fico quieta.
— De todo jeito eu gosto de me virar e fazer meu próprio caminho...
nós ainda estaremos nos vendo de todo jeito.
Quando nós temos que voltar, o banco de trás e o porta-malas está
cheio de sacolas e eu estou feliz. Isso até um carro de polícia nos parar.
— Porra, você não tem carteira! — Aurora resmunga pouco antes do
policial bater na janela e eu ter que abrir.
Ele olha para Aurora e eu percebo a malícia em seu olhar e quase
estremeço, mas mantenho o rosto sem expressão.
— Preciso da sua carteira de motorista, mocinha.
Nem finjo estar procurando porque sinto que não vai resolver nada.
Os Leonov tem a cidade toda a seu poder, mas de jeito nenhum vou ligar
para Krigor me livrar da cadeia por dirigir sem carteira.
— Então, eu não tenho carteira, mas...
— Posso pensar em maneiras de vocês me compensarem. — Ele diz
e Aurora faz uma cara de nojo.
Sinto o sangue subir com a sua fala. Odeio homens que acham que
podem usar sua posição para conseguir coisas.
— Na verdade você pode oferecer essa proposta para meu
namorado, Yurio Leonov!
Antes que ele pudesse falar já estou pegando meu celular e discando
seu número. Ele atende no primeiro toque.
— Seraphina...
— Amor, um policial me parou. — Uso uma voz doce de propósito
enquanto vejo o policial perder a cor.
— Passe para ele. — A voz de Yurio é fria.
Passo o telefone e o homem engole seco antes de colocar no ouvido.
Juro que essa é a ligação mais rápida que alguém já fez, porque em
segundos o homem me devolve o celular e sai sem falar nada, entrando na
sua viatura e passando por nós.
Solto uma respiração e sei que preciso agradecer a ele.
— Ele já foi.
— Claro que sim — responde arrogantemente.
— O que você disse? — A curiosidade toma a melhor.
— Que ia enfiar o distintivo dele no rabo se ele sequer olhasse para
minha garota.
Aperto minhas pernas juntas por suas palavras, mas então lembro
que não somos mais nada.
— Eu não sou mais sua garota — respondo mais firme do que me
sinto.
Aurora finge vomitar.
— Você é sim. Dirija com segurança até em casa. — Ele responde
antes de desligar.
Desligo o telefone e ligo o carro, mas me viro para minha irmã.
— Ele disse que eu sou sim a sua garota!
— Um fato. — Mas então um sorriso malvado toma seu rosto. —
Posso pensar em umas ideias para mostrar que você está no controle e não
ele.
Normalmente eu não faria nada assim, mas acho que estar com
Aurora está me corrompendo mais do que Yurio já fez. Escuto sua ideia e
ligo para Tory e coloco no viva-voz enquanto ouvimos as ideias geniais de
Aurora.

Assim que chegamos vamos direto para meu quarto me preparar


para a festa da vitória, Tory e o restante das meninas estavam organizando
tudo e era só questão de tempo para Yurio descobrir.
Só não esperava que seria tão rápido. Mal saio do banheiro enrolada
numa toalha e com os cabelos presos para não molharem quando ele bateu
na porta. Aurora correu para o banheiro para se esconder e eu de toalha fui
até ele.
— Oi.
Ele abre a boca, mas nada sai. Yurio me olha dos pés à cabeça e
limpa a garganta, mas ainda assim sua voz sai grossa.
— Tory disse que a festa da vitória será amanhã.
Eu pisco lentamente.
— Sim.
Ele parece ter perdido o prumo, mas acena.
— Eu não organizei nada.
Em outras palavras, ele não mandou .
— Sim, eu fiz.
Ele coloca a mão no batente da porta e se aproxima até estar alguns
centímetros nos separando, mas me mantenho firme.
— Tem certeza de que quer batalhar comigo, Kiska?
Eu sorrio.
— Se me lembro bem foram os meus pontos que trouxeram a vitória
para o Monastério. — Dou um passo à frente e ele vai para trás, surpreso
com a minha ousadia.
— É assim que você quer jogar?
Eu dou um passo para trás e seguro a porta.
— Não sei do que você está falando, mas preciso me arrumar para a
festa.
Fecho a porta e só então faço uma dancinha da vitória. Essa noite
prometia.
52
Tantas manhãs eu acordei confusa
Nos meus sonhos, eu faço o que quero com você
Minhas emoções estão expostas
Elas estão me enlouquecendo
Shameless — Camila Cabello

YURIO

Ela estava querendo me provocar, soltar a besta dentro de mim, mas


tudo que parecia era uma gatinha raivosa. Já estava duro quando ela me
ligou para resolver o problema com o policial, mas agora, depois de nosso
pequeno embate, eu estava pronto para jogar tudo para o ar e entrar em seu
quarto e a foder contra a parede, mas decidi entrar na sua brincadeira e ver
até onde ela vai antes de implorar por meu pau.
Se Seraphina quer uma festa, então ela terá a melhor festa. Ajudo
com os fornecedores e nenhum reclama pelo tão pouco tempo.
Normalmente em festas de fraternidade focamos mais em bebidas, mas
como Seraphina definitivamente não pode beber peço tudo que ela gosta,
suas músicas favoritas e uma variedade de bebidas sem álcool para ela.
Uma festa tão cedo depois que ela voltou não estava nos meus
planos, mas já que ela quer tenho que admitir que isso tirou um problema
dos meus ombros. Se tem algo que universitários gostam é festa e eu estava
sendo cobrado pela festa, mas de jeito nenhum a faria sem Seraphina
presente.
Quero que essa seja a melhor festa para ela e conto meus planos
para Tory, que concorda, prometendo guardar segredo de Seraphina. Todos
se empenham em ajudar e fazer tudo dar certo. A notícia se espalha e toda a
universidade está correndo atrás do traje adequado. Normalmente eu
delegaria as funções, mas até eu mesmo preciso ir à cidade buscar coisas
para que tudo saia do jeito que quero.
Consigo roubar Aurora por um momento e depois de falar o plano
ela diz que irá ajudar. Mais tarde decido pagar com a mesma moeda. Estou
no banheiro quando escuto alguém entrar no meu quarto e não tenho
dúvidas que é Seraphina, afinal, a maioria de suas roupas e material de
estudo está aqui.
Tiro minhas roupas e saio do banheiro como vim ao mundo.
Seraphina estava de costas para mim, então podia ver a sua camiseta vinho
apertadinha de alcinha e short jeans que marcavam sua bunda. Ela estava de
coque então podia ver sua nuca perfeitamente, o que faltava nela eram
minhas marcas.
Ela se vira com o notebook na mão e arregala os olhos ao me ver,
antes de tampar seus olhos com uma mão.
— Posso ajudá-la?
— Eu... eu só queria pegar umas coisas.
Ela entreabre os dedos para me ver e fico lá parado orgulhoso, meu
pau ficando duro sob seu escrutínio disfarçado. Seu peito sobe e desce
rapidamente e eu levo meu tempo contemplando seu pescoço delicado, seus
seios redondos, sua cintura fina e suas longas pernas.
— Você está me dando algumas ideias.
Ela dá um passo para trás e lambe os lábios. Não escondo meu riso
enquanto a observo se virar para sair.
— Você ainda cumpre suas promessas?
Ela se vira com um olhar de reconhecimento, antes de ser
substituído por sua cara de vadia má. Ela caminha até a porta, mas para lá e
sem olhar para trás responde:
— Sim, eu sempre cumpro.

***

Já passa da meia noite quando paro em sua porta. O Monastério


inteiro está dormindo, os alarmes ligados e a paz reina. Testo a fechadura da
porta de Seraphina e está entreaberta, como se estivesse me esperando.
As cortinas estão abertas então a luz da lua entra no quarto,
formando uma penumbra e no meio da cama está Seraphina. Ela não está
usando coberta e meu pau já fica duro de vê-la só com a minha camiseta,
calcinha e meias. Ela está de bruços e juro que sua bunda parece empinada
para mim.
Me aproximo com calma sem saber se ela está realmente dormindo,
se está medicada ou não. Subo na cama com cuidado e coloco seus cabelos
para o lado, desnudando seu pescoço. Coloco o seu colar no lugar onde
pertence e abaixo a cabeça, sentindo o seu cheiro doce e testo dando um
pequeno beijo. Ela se arrepia toda e eu preciso esconder um sorriso. Me
sentindo estimulado eu volto a beijar sua pele, mordendo de leve seu
pescoço.
Nada ainda.
Coloco minha mão por debaixo da camisa e pego um de seus seios,
o mamilo está duro e ela solta um suspiro quando aperto, seus cílios
tremendo fechados.
Então você quer brincar, Kiska?
Subo a camiseta até ela ficar bem enrolada, revelando suas costas
nuas. Passo a língua por suas costas, apreciando os arrepios que seu corpo
toma e quando me abaixo mais um pouco lá está a prova. Um ponto
molhado em sua calcinha.
Com cuidado puxo a peça delicada para baixo e Seraphina até
levanta um pouco o quadril para me ajudar. Ela continua a fingir que está
dormindo e até abre mais as pernas, ansiosa pelo que vem a seguir.
Com delicadeza a viro e puxo a camisa para cima de seus seios, e
sem me conter mordo um mamilo enquanto manipulo o outro. Mantenho
um dos meus joelhos entre suas pernas para que não se juntem, mas eu
devia saber que isso não interromperia a minha mulher.
Seraphina move o quadril, sua boceta roçando contra meu joelho.
Penso ter sido acidentalmente, mas novamente ela faz o mesmo movimento.
Lambo os lábios observando seu corpo, seu rosto sereno e quase permito
que ela brinque com minha perna, mas estou com água na boca para
devorá-la de uma vez por todas.
Afasto meu joelho e agarro suas pernas, puxando seus joelhos para
cima antes de abri-la para mim, aproveitando o quão flexível ela é. Sua
boceta está depilada e molhada, pronta para mim. Penso em brincar com
ela, mas sabia que uma vez que a provasse não conseguia parar até que ela
gozasse por todo o meu rosto.
Ela geme alto quando desço sobre ela, mordo o interior de sua coxa
a marcando como minha, como deve ser e só então provo o gosto da sua
boceta. Seraphina volta a gemer quando enfio minha língua em seu canal
antes de chupar seus lábios, evitando seu clitóris.
Levanto os olhos para vê-la, ela está maravilhosa. A cabeça jogada
para trás, as sobrancelhas juntas em concentração para não gemer
novamente, o lábio inferior entre os dentes e sei que nem no paraíso haveria
visão melhor que essa.
— Goza para mim.
Então sugo seu clitóris e traço minha língua por ele do jeito que a
deixa louca, enfiando meu dedo e o curvando dentro dela para achar todos
os seus pontos de prazer. Ela grita tentando juntar as coxas, mas eu não
deixo.
— Goza pro seu homem.
Ela vem novamente e eu sorrio quando estremece e tenta me afastar
com as mãos. Me ergo, limpando com o braço seu mel antes de lamber os
lábios. Seraphina nem tenta fingir dormir mais enquanto me observa
arrancar a minhas roupas. Seus olhos passando apreciativamente por meu
corpo.
Deito-me em cima dela com cuidado para não a esmagar e agarro
minha ereção, passando provocativamente por seu clitóris. Ela geme e eu
aproveito para agarrar o seu queixo.
— Isso, geme mais, geme o meu nome.
— Yurio.
Ouvir meu nome em seus lábios me deixa louco e ao mesmo tempo
que tomo seus lábios num beijo cheio de saudade, entro nela, fazendo-a
fincar suas unhas nas minhas costas. Ela ergue as pernas, envolvendo-as na
minha cintura enquanto treme em meus braços. Desço meus beijos para seu
pescoço, precisando que ela fique com ainda mais marcas para lembrar a
quem pertence.
— Eu te amo tanto — sussurro contra seu pescoço. — Vou passar a
vida toda me desculpando.
Em resposta ela finca as unhas na minha bunda, pedindo para que eu
vá mais depressa, mas em vez disso fico ainda mais lento, apreciando o
momento, matando a saudade da mulher da minha vida. Não sou do tipo
romântico, mas essa mulher me faz querer prometer a lua e toda essa merda
romântica.
Seguro seu rosto entre minhas mãos quando ela tenta se afastar.
— Eu te amo, Seraphina. Nunca senti nada por ninguém antes. Eu
me assustei e te machuquei no processo. Vou passar nossa vida inteira te
recompensando.
Aumento as investidas precisando de sua voz, mesmo que sejam
apenas gritos em vez de palavras. Como um mendigo vou aceitar qualquer
migalha. Sinto que estou quase gozando, mas preciso que isso seja bom do
tipo memorável para ela então saio de dentro dela, ouvindo o seu gritinho
de raiva.
A viro de bruços e pego um travesseiro colocando embaixo do seu
quadril.
— Empina para mim, que eu vou comer seu cuzinho.
Posso ver seus olhos se revirando enquanto suas unhas cravam na
coberta só com minhas palavras. Peguei no seu ponto fraco e só de
brincadeira acerto um tapa que deixa a sua bunda com a marca da minha
mão.
Abro as bandas de sua bunda e lambo sua entrada até seu cuzinho,
que pisca parecendo implorar. Enfio um dedo, gemendo como ela me
recebe bem e não posso evitar me masturbar olhando para ela.
— Yurio, por favor. — Ela pede, levantando-se pelos cotovelos e se
virando para me olhar.
— Por favor o quê? — pergunto sem parar de mover minha mão.
Ela observa e lambe os lábios e em vez de repetir, ela desce uma de
suas mãos até seu clitóris inchado e começa a brincar.
— Porra.
Ela sorri, mordendo o lábio e mexe a bunda, empinando ainda mais
para mim. Fico paralisado por um momento, gemendo quando ela enfia o
próprio dedo na boceta e começa a se foder. Recobro meu juízo e afasto sua
mão.
— Você só goza com a minha língua, meus dedos ou meu pau.
Para mostrar quem manda, acerto um tapa em sua boceta que
escorre e deixa minha mão molhada. Passo por toda a minha ereção e
recolho para passar na sua bunda. Sem precisar de mais preliminares
começo a entrar nela, é apertada demais, mas também tão gostosa.
Seraphina grita contra o travesseiro na sua cabeça, mas eu o pego e
jogo longe.
— Quero que o Monastério inteiro ouça você gritando por mim,
Seraphina. Porque você pode não ter me perdoado, mas seu corpo já o fez.
Agarro seu quadril e meto com brutalidade, gemendo quando ela
contrai os músculos. Querendo ver seu rosto quando ela gozar novamente
saio de dentro dela e a viro, rapidamente ela se ajeita e segura as pernas
para cima enquanto volto a entrar.
Me abaixo tomando seus lábios e ela geme dengosa enquanto é bem
fodida por mim.
— Você vai me perdoar — declaro agarrando seu pescoço. — Vou
entrar aqui toda noite, te comer até você ficar sem voz de tanto gritar, até
você desmaiar e ainda assim vou continuar porque você gosta.
Enfio os dedos na sua boceta e ela goza gritando e sem conseguir
aguentar mais venho dentro dela, chupando seu lábio inferior antes de
desmontar ao lado dela e a puxar para mim antes que ela se recuperasse e
fugisse.
Nós navegamos pelas ondas do orgasmo, meus dedos traçando suas
costas até que ambos recuperemos a respiração.
— Lembra da noite no baile?
Seraphina não responde, mas prende a respiração.
— Você me salvou de mim mesmo. Eu nunca agradeci.
Ela continua em silêncio, mas sei que está acordada.
— Aqueles últimos anos foram pesados demais, achei que com a
morte de Leoncio as coisas melhorariam, mas ele era como um fantasma,
me lembrando quem eu era.
Isso a faz levantar a cabeça.
— Você não é como ele, Yurio. Você é gentil, justo, você é forte e
corajoso.
Beijo seus lábios.
— Ele sabia que não tinha muito tempo de vida então quis plantar o
caos, deixar instalado até que ele explodisse. — Engulo seco. — Leoncio
Leonov é meu pai, Seraphina. Ele abusou da minha mãe.
Ela ofega e se senta, lágrimas já rolando de seus olhos.
— Eu sou uma besta, por isso escolhi esse nome para o monastério.
— Rio sem humor. — Por isso criei minha própria fraternidade, porque não
podia suportar ir para a mesma de meu pai... Krigor. Não podia continuar
agindo como seu herdeiro, mentindo para todos.
Seraphina segura minha mão.
— Krigor criou você, lhe deu amor. Ele é o seu pai, o único que
importa.
— Eu queria te contar antes, você merece saber. — Engulo seco. —
Gostaria de ser honrado e dizer que vou respeitar sua decisão se disser que
não me quer mais, mas a verdade é que eu sou egoísta e não vou desistir de
você. Se tiver que te sequestrar para fazer você me perdoar e me amar
novamente eu vou...
Ela segura meu rosto e beija meus lábios.
— Eu nunca deixei de te amar, Yurio. Nunca. — Ela respira fundo.
— Você me amou quando pensou que eu estava louca. Queimaria comigo,
se afogaria comigo, como posso não o amar?
— Sempre estarei com você.
Ela olha para baixo antes de me olhar diretamente nos olhos.
— Eu não sou perfeita, ainda tenho muito a trabalhar.
Seguro sua mão.
— Eu sempre estarei aqui com você.
— Você me machucou mais que qualquer um, porque eu te amo
tanto que dói. O amor deveria ser isso?
Ela parece adoravelmente confusa.
— No mundo normal não, mas não estamos num mundo normal,
não fomos criados nele. No nosso mundo eu mataria milhões e morreria por
você. No nosso mundo meu dever principal é com a Bratva, mas você
sempre será a minha escolha.
Me levanto da cama e recolho minhas roupas.
— Para onde você está indo? — Ela pergunta com a voz pequena.
Me aproximo e beijo sua testa.
— Te dando tempo para você pensar em que tipo de amor quer.

***

O sol mal surgiu quando parei o carro em frente à casa de meus pais,
sabia que meu pai já estava acordado e na sala de musculação, quando
morava aqui gostava de acordar cedo com ele e treinar, era um momento
normal que tínhamos de pai e filho.
Ele estava secando o rosto com a toalha quando me viu e abriu um
sorriso.
— Que bom ver você, filho. Caiu da cama?
Olho para o homem que me criou com todo amor, nunca me senti
deixado de lado ou um estorvo. O homem que me ensinou tudo que não foi
ensinado, que foi para mim o pai que ele queria ter tido. O homem que
criou o fruto do estupro da sua esposa.
— Eu sei de tudo... pai.
Ele franze a testa antes da realização.
— Como?
Ele vai até o banco e se senta, parecendo esgotado de repente.
— Naquela noite que mamãe e eu ficamos presos no escritório, ele
queria que eu soubesse.
Seus ombros caem em derrota.
— Quando eu descobri que sua mãe estava grávida de você, eu
fiquei muito emocionado, mas também com muito medo. Meu objetivo
naquele momento era ser o pai que eu não tive, que te protegeria a todo
custo e que seria alguém que você podia contar. — Ele vai até o bar e nos
serve uma dose de uísque. — Eu falhei em proteger sua mãe.
— Pai — começo, a voz embargada.
— Eu falhei e me arrependo todos os dias disso, mas não me
arrependo de ter criado você. Quando você chutou dentro da barriga da sua
mãe, quando peguei você em meus braços você foi meu filho. Você é meu
maior orgulho. Sei que não falamos sobre isso, nunca queria que você
descobrisse na verdade, porque para mim isso não importa. Eu sou seu pai e
Leoncio não tirou isso de mim. Nunca quis falhar com você, Yurio.
Vou até meu pai, nunca fomos muito de contato físico para
demonstrar sentimentos, mas o abraço forte. Temos agora a mesma altura,
temos o mesmo cabelo e os mesmos olhos, ele sempre será a única figura
paterna que eu tenho.
— Eu te amo, filho.
Nós nos afastamos e eu enxugo uma lágrima que cai. Ele suspira.
— Eu devia ter percebido, achei que morte de Leoncio tinha a ver, o
que fizemos depois, toda aquela tortura, aquele derramamento de sangue
havia mudado você. Achei que eu fosse culpado e esse foi meu peso a
carregar.
— Não é sua culpa. Eu passei um longo tempo pensando que não
era digno.
Isso o faz levantar a cabeça e balançar.
— Nunca. Você é meu filho, meu maior orgulho. Leoncio pode ter
tentado, mas ele nunca conseguiu destruir nossa família. — Então ele
suspira. — Por isso você escolheu criar o Monastério em vez de ser um
Cárpato?
Vergonha me toma.
— Eu não queria manchar o seu legado.
Ele toca meu ombro.
— O meu legado é saber que eu criei meu filho para ser um homem
justo e digno que nunca será parecido com Leoncio. Eu queria ter te
protegido mais, Yurio. Queria que você nunca soubesse.
— A mamãe...
Minha voz falha e ele mesmo olha para o chão.
— Você é nosso bem mais precioso, nosso milagre. Mas como pai
eu tenho que te pedir que nunca fale com a sua mãe sobre isso, partiria seu
coração.
Aceno.
— Ele tentou novame...
— Nunca mais. Eu queria matá-lo, mas naquela época ele era muito
poderoso, eu não conseguiria sobreviver ao confronto e nem vocês. Me
matou ter que dividir o mesmo teto com ele, vê-lo te cercando, querendo
torná-lo como ele, por isso obedecia as suas ordens, assim o mantinha longe
de vocês.
— Até... — Fecho a boca e ele concorda.
Sophia Hoffmann era para ser só uma cativa e ainda assim salvou
todos nós ao matar Leoncio. Esse, entretanto é um segredo que jamais
deveria ser revelado ou poderia matar todos nós. Alguns segredos
precisavam ficar enterrados para a nossa segurança.
— Não falarei para mamãe.
Me levanto querendo sair dali, mas sou surpreendido por um abraço.
— Eu te amo, filho.
— Eu também te amo, pai.
53
SERAPHINA

Quase não dormi a noite pensando em tudo, Yurio estava certo, não
estávamos no mundo normal. Não era normal achar certo alguém matar por
você, mas me trazia conforto de saber que sempre seria cuidada. Yurio
esteve lá para mim em todos os momentos, seus gostos se entrelaçando com
os meus como se tivéssemos nascido um para o outro.
Havia cometido alguns erros na minha vida e perder Yurio por medo
seria sem dúvidas o pior deles, não que eu considerasse que ele pararia de
lutar por mim e isso só o tornava ainda mais perfeito para mim. Ele confiou
em mim um segredo que podia arruinar toda sua família. Ele enfrentou o
fogo e a água por mim, me amou e despertou sentimentos em mim tão
fortes que jamais imaginei existirem. Como podia duvidar se meu lugar era
ao seu lado?
O sol já havia surgido quando me levantei, mas ao sair do quarto
não encontrei Yurio em lugar nenhum. Bati em seu quarto, mas estava
vazio. A nossa conversa de ontem foi esclarecedora e eu vi um lado novo
em Yurio que não conhecia, o medo de não ser amado. Quero que ele
entenda que mesmo depois disso tudo que aconteceu ele é amado por mim e
não acho que esse sentimento vai diminuir ou desaparecer.
— Ah, oi — digo quando vejo Aurora no corredor. — Quer vir a um
lugar comigo?
Ela hesita por um momento.
— Claro, deixa só eu pegar um casaco.
Nós vamos até a floricultura e Aurora até ajuda a escolher as flores.
— Então, você já pensou no que vai estudar e em qual fraternidade
vai estar?
Ela sorri se inclinando para cheirar uma flor.
— Na verdade estou com umas ideias.
Ela não fala e eu não aguento de curiosidade.
— Fala logo, está me matando!
Aurora ri.
— Você é a rainha das Bestas do Monastério e eu acho que é meu
momento de mandar também.
Eu franzo a testa para isso.
— Mas aí você teria que namorar algum líder de fraternidade.
— Ou conquistar meu lugar lá.
— Bem, conte com meu apoio. — Então falo basicamente o que eu
sei das outras fraternidades, o que não é muito, mas pelo brilho nos olhos da
minha irmã, ela já fez sua escolha.

A floresta está mortalmente fria e cheia de neblina a essa hora da


manhã, enquanto entramos no cemitério penso que talvez não tenha sido
uma ideia tão boa assim.
— Hmm, só agora eu lembrei que vandalizei o túmulo da nossa
família. Juro que não te chamei para limpar.
Aurora joga a cabeça para trás, rindo tão alto que poderia acordar os
mortos.
— Quando penso que você não pode me surpreender... — Ela
balança a cabeça ainda rindo. — Eu realmente não ligo para isso.
Nós chegamos ao túmulo Petrov e levo a mão a boca ao ver ele
totalmente arrumado, em vez da estátua de bailarina há uma estátua de Lily
sentada, tomando chá com seus brinquedos, como uma foto que eu tinha.
Só percebo que estou chorando quando Aurora me abraça.
— Está tudo bem, você não está mais sozinha. Eu estou aqui. — Ela
diz. — Sou sua irmã e não vou a lugar nenhum.
Um galho quebra em algum lugar e nós nos separamos e como num
filme de terror Izma surge da neblina, parecendo completamente fora de si.
Ela olha entre nós duas antes de rir, sua mão apontando uma arma em nossa
direção.
— Sabia que era questão de tempo até encontrá-las novamente.
Arrependimento passa por mim por não ter vindo com ninguém,
mas nem passou pela minha cabeça que alguém poderia tentar algo aqui
dentro.
— Nem tente. — Alguém fala atrás de nós e eu me viro vendo
Elain, a antiga babá de Lily ali, também apontando uma arma. — Jogue no
chão.
Só então percebo que Aurora estava tentando puxar uma arma
discretamente e se não tivesse alguém atrás de nós ela teria conseguido. Ela
hesita, mas a joga no chão e chuta para longe.
— Por quê? — pergunto olhando para a mulher que me ajudou a
criar Lily, que sempre esteve lá para nós, que cuidou da gente como filhas.
Elain treme.
— Não era para Lily se machucar! — Sua voz sai trêmula e algumas
lágrimas caem quando ela olha para o túmulo da minha irmã.
Apesar de suas mentiras ela amou Lily, era difícil não amar minha
irmã. Precisava ganhar tempo suficiente para que percebam que eu não
estava no Monastério e me achassem através do colar.
— Mas a culpa é sua, você fez minha mãe ficar maluca, você fez ela
levar Lily até o lago! — Minha voz cresce e eu não ligo para as armas
apontadas em minha direção. — Lily morreu por sua culpa!
A arma treme em sua mão.
— Elain, não escute ela. — Izma fala com a voz calma. — Os
Petrov sempre culpam os outros.
Elain não tira os olhos de mim.
— Por quê? Por que você fez isso? — Eu preciso saber.
— Seu pai. — Ela fala me surpreendendo. — Ele matou meu futuro
noivo!
Que meu pai fazia parte da Bratva não era novidade, mas saber que
ele matou alguém revira meu estômago; sempre imaginei que ele fazia o
serviço de contabilidade e era isso, mas acho que eu só estava me
protegendo.
— Mas Lily não fez nada para você, eu não fiz e nem minha mãe!
Aurora cresceu sem família...
Aurora aperta meu braço me mandando ficar quieta, mas se eu
morrer nesse momento quero saber de tudo.
— O incêndio que matou meus pais...
Elain começa a chorar.
— Não era para você estar acordada, nunca quis machucar nem
você e nem Lily.
Dou um passo para trás, chocada. Eu não matei meus pais.
— Eu fiquei internada por quase um ano, tenho depressão, crises de
ansiedade, você destruiu a minha vida e vem falar que nunca quis machucar
Lily e eu?
— Se isso é verdade, por que então Izma ia até o meu orfanato me
dar medo quando eu era uma criança? — Aurora se intromete e Elain parece
surpresa, lágrimas caindo de seus olhos.
— Eu não sabia. Só comecei a trabalhar lá quando Lily nasceu. Nem
sabia que você estava viva. — Então ela se vira para Izma. — Eu te disse
que nossa vingança não deveria afetar as crianças.
— Ah, cale a boca! Arseny matou meu irmão, seu noivo e fez você
continuar sendo uma empregada. Ele acabou com a minha vida e eu não
vou parar até acabar com todos os Petrov do mundo. — Izma cospe raivosa
e engatilha a arma. — Isso precisa acabar hoje.
— Sim, precisa! — Elain vira a arma para Izma e atira, mas erra.
Izma entretanto não erra. Ela mira em Elain e atira sem qualquer
hesitação, fazendo-a cair para trás.
Mesmo depois de tudo eu corro até Elain e pressiono minha mão
contra seu abdômen.
— Vai ficar tudo bem.
Imagens dela brincando com Lily, sendo mais mãe dela do que
minha própria mãe vem e eu faço isso pela memória da minha irmã.
— Largue a arma! — A voz de um homem vem, ele aponta a arma
para Izma enquanto tenta entender a situação. Nossos olhos se encontram
por um momento.
Vejo Izma virar para o homem e atirar nele no peito. Reconheço-o
como um dos líderes dos Beserkers, tivemos algumas aulas juntos e ele até
me pagou um café um dia. Izma está descontrolada e temo que ninguém
saia vivo desse cemitério.
Ele cai para trás, batendo a cabeça na quina de uma lápide. Ao
mesmo tempo vejo Aurora se jogando no chão para pegar sua arma e assim
como ela matou Balashov, não hesita em descarregar o pente todo da arma
em Izma. Ela não hesita, não pula para trás quando a cabeça de Izma está
irreconhecível e mais uma vez vejo o monstro que a habita.
Quero vomitar, mas ainda estou paralisada, mesmo quando Yurio
chega e vem me puxar para ele, mesmo quando sou levada de volta ao
Monastério. Escuto as ambulâncias, mas tudo parece estranho, a minha
respiração começa a falhar e escuto o apito em meus ouvidos.
Posso ver que Yurio está falando comigo, mas sua voz parece longe.
— Respire comigo. — Ele pede e eu sigo seu comando.
Respira, inspira, respira, inspira.
Até que o mundo parece voltar a seu lugar. Yurio aperta minha mão
antes de ir se juntar aos outros garotos. Ivy me chá uma xícara de chá e
segura minha mão enquanto se senta ao meu lado. Aurora se ajoelha na
minha frente.
— Você está bem agora?
— Eu não matei nossos pais — sussurro, a realidade batendo sobre
mim. Eu não sou uma assassina. — Eu não matei meus pais — falo mais
alto.
Ela franze a testa, antes de sorrir.
— Isso é bom.
Tory então aparece com potes de sorvete e entrega um para cada.
— Vamos relaxar um pouco, temos muitos motivos para comemorar.
Aceito o sorvete e as meninas começam a conversar e quase parece
que nada aconteceu, mas ainda assim tudo mudou. Eu não era uma
assassina, eu não matei meus pais e também não estava louca. Agora a
certeza veio com força.
Levanto a cabeça vendo Yurio ali e quero correr para seus braços,
mas em vez disso pergunto.
— Elas morreram?
— Izma morreu na hora, mas Elain está em cirurgia, assim como
Theodoro.
Aceno sem saber o que falar, mas Yurio parece entender e me puxa
para seus braços.
— Eu não poderia viver num mundo em que você não existiria. —
Beija minha testa com carinho.
As meninas me chamam e Yurio me empurra suavemente para elas.
— Vai se distrair, temos que cuidar de algumas coisas.
Como o corpo de Izma. Ela morreu rapidamente e se Elain não
sobrevivesse nós não saberíamos de muitas coisas, mas estávamos vivos e
isso era tudo que importava.
— Eu quero vê-la se ela acordar — peço e parece que Yurio entende
o que eu quero antes de mim mesma.
— Claro.

As meninas me distraem, mas nada tira essa sensação de que ainda


falta algo, que não houve justiça o suficiente para o mal que Izma e Elain
fizeram à minha família. Quando estou sozinha por um momento com
Aurora decido falar um pouco dos meus pensamentos com ela.
— É normal se sentir assim, nós somos diferentes, Seraphina. Eu
gosto de vingança e consegui ao estourar os miolos de Izma. Ela me
atormentou por anos, e ver que ela nunca mais poderá me machucar é bom.
— Ela dá de ombros.
— Eu posso não ter matado nossos pais, mas em algum momento eu
quis que eles morressem — confesso e ela segura minha mão.
— Tudo bem ter esses pensamentos, não faz de você uma pessoa
ruim.
Estamos compartilhando coisas e ela me revela que Yurio a pagou
para fingir que era eu e por ter matado alguém. Ela diz como se não fosse
grande coisa, mas eu a puxo para um abraço.
— Não acho que matar uma pessoa seja fácil.
Ela me abraça de volta.
— Não é, mas vai ficando mais fácil. E acho que é bom dizer que
não fiz só pelo dinheiro, você é minha irmã.
Mais tarde estamos jantando quando o celular de Yurio toca e toda
minha atenção vai para ele. Como magnetismo seu olhar se prende ao meu
enquanto ele fala ao telefone antes de encerrar a ligação.
— Elain acordou.
Me levanto e Tory também.
— Você não precisa ir vê-la.
— Eu preciso.

O caminho até o hospital é silencioso, Yurio respeita meu espaço,


mas percebo seu olhar atento sobre mim. Nós passamos pela recepção e
vejo dois jovens fortes que reconheço como os líderes Beserkers. Um deles
usa um capuz que não me permite ver seu rosto direito enquanto o outro me
olha com ódio.
— Eu sinto muito o que aconteceu com Theodoro. Ele nos salvou.
— E como isso acabou para ele? Em coma numa cama de hospital!
Yurio dá um passo à frente, mas eu o empurro.
— Eu realmente sinto muito.
Ele se vira de costas e o outro me ignora completamente. Entendo a
raiva deles e tudo que posso fazer é torcer que Theodoro saia dessa.
Nós paramos na porta do quarto de Elain e um guarda fica ali
parado. Me viro para Yurio.
— Preciso fazer isso sozinha.
Espero ele negar, mas em vez disso concorda.
Respirando fundo entro no cômodo, temendo ver Elain como um
monstro, mas ela parece tão pequena na cama de hospital. Seus braços estão
presos e ela tem vários fios ligados a ela. Ela é o último fio do meu passado.
— Seraphina. — Ela fala, sua voz saindo rouca.
Vou para seu lado e pego um copo d’água, ajudando-a beber.
— Sabia que você viria.
— Eu preciso saber de tudo Elain, você me deve isso.
Ela respira fundo e acena, sua mão tentando pegar a minha e eu
deixo.
— Seu pai descobriu um esquema com o pai de Izma e ele e seu
irmão foram executados, o irmão dela era meu namorado e prometeu que
me assumiria apesar de eu ser da classe trabalhadora. Izma foi mandada
para trabalhar para os Leonov e eu fiquei desonrada e grávida.
Aperto sua mão e espero ela controlar um pouco das emoções.
— Não sabia que você tinha um filho.
Ela chora mais.
— Ela morreu ao nascer. Minha pobre menininha. — Espero ela se
recompor e continuar a história. — Izma me encontrou uns anos depois e
disse que iria se vingar dos Petrov e eu aceitei, não sabia que ela tinha
pegado a menina e colocado num orfanato, eu juro.
— Acredito em suas palavras.
Ela fica mais calma.
— A ideia era fazer sua mãe parecer louca e depois dar um jeito de
matar os dois. Você iria para a faculdade e eu ficaria como tutora de Lily e a
criaria. Nunca quis machucar vocês, meninas.
Tenho que controlar minha raiva, assim como minhas lágrimas.
— Você sabia que eu precisei ficar internada, que eu achava que
matei meus pais...
Ela me olha angustiada e até seus batimentos ficam mais rápidos.
— Eu não sabia, a morte de Lily me devastou. Quando você voltou
sabia que Izma tentaria fazer algo contra você e não podia deixar, então eu
coloquei fogo em seu quarto, na esperança que você voltasse para Nova
York.
— Sabia que tinha apagado a vela — murmuro para mim mesma.
— Em vez disso acabei te levando diretamente para Izma. Ela havia
me mostrado como entrar no Monastério e imaginei que se você parecesse
igual sua mãe iria se afastar de tudo e ir embora.
— Era você. As vozes.
Tiro sua mão da minha.
— Você destruiu nossas vidas.
Ela tenta se levantar, mas as amarras a impedem, assim como a dor.
Não posso evitar me sentir bem ao vê-la com dor.
— Eu não queria que você se machucasse. Você nunca quis fazer
parte da Bratva, podia ter vivido uma vida normal longe daqui.
Sim, eu podia. Mas a ideia de viver num mundo diferente de Yurio e
meus amigos não era uma opção para mim. Eles eram minha família, assim
como minha irmã.
— Você tem que me perdoar. — Ela implora.
Observo-a na cama de hospital, frágil e machucada. A vida não foi
boa para ela. Mesmo que ela tenha tentado da sua maneira me proteger,
ainda assim arquei com as consequências de suas ações.
Mais cedo eu a deixei viver por causa de Lily, mas agora eu
precisava pensar em mim e no meu futuro. Estar com Yurio sempre me
colocaria em risco e eu não tinha que depender de outras pessoas para me
salvarem.
— Eu te perdoo — consigo dizer.
— Estou pronta para lidar com as consequências. — Ela sorri. —
Espero que você me visite se eu for presa.
Pego um travesseiro e vejo seu sorriso começar a murchar.
— Você tem razão. Não é a vida que eu queria ter, mas isso foi antes
de ter tudo arrancado de mim. — Coloco o travesseiro contra seu rosto e
seguro enquanto seu corpo tenta se contorcer. — Essa é a vida que eu
escolhi.
Só tiro o travesseiro de sua cabeça quando não há mais batimentos
na máquina. Saio do quarto com o som da morte e me sinto invencível.
Yurio parece saber exatamente o que eu fiz e me abraça apertado, beijando
minha testa.
— Estou com você, sempre.
54
SERAPHINA

Quando volto para casa as meninas me levam imediatamente para o


escritório do Monastério, não lembro de ter vindo aqui antes, mas
definitivamente ele não teria a quantidade de vestidos de gala que hoje tem
em araras.
— Para que isso? — pergunto.
Tory passa entre os modelos dos vestidos.
— Esse vai realçar a mecha rosa. — Ela aponta para um vestido
rosa-escuro com tomara que caia e saia rodada.
— Tem baile da Bratva e eu não sabia? — perguntei, mas todas
pareceram estar ocupadas com alguma coisa.
Eu tinha conversado com Tory para organizar a festa de vitória do
Monastério, por que elas estavam escolhendo vestidos de gala para uma
festa de fraternidade?
Ainda não sabia como me sentir por tirar uma vida, mas não era
comparado à dor que senti ao pensar por um ano que matei meus pais. Elain
e Izma mereceram e não acho que não dormiria à noite por causa disso.
Tory me coloca sentada numa cadeira e começa a ajeitar meus
cabelos, Aurora já tem seus cachos feitos e degusta uma taça de vinho.
— Você sabe o que está acontecendo?
Ela ri.
— Só desfrute o momento, você merece depois de tudo.
Sigo seu conselho e deixo Tory e Cora cuidarem dos meus cabelos e
maquiagem. Elas colocam meu cabelo meio preso e meio solto e fazem
alguns cachos para realçar, além da franja lateral do corte que fiz.
Alexandra ajuda Ivy com o penteado e logo todas nós estamos
prontas. Experimentei dois vestidos, mas Tory tinha razão e o vestido rosa
ficou perfeito em mim. Ainda estava curiosa de onde estávamos indo, mas
também serviu para me divertir.
Quando é uma limusine que está parada na porta eu levo a mão à
boca, começando a entender tudo. As meninas se servem de vinho, mas eu
não consigo engolir nada, tenho vontade de chorar de alegria, mas não
quero estragar a maquiagem.
A limusine para em um enorme salão e a decoração era exatamente
como a noite do baile que perdi, Noite Estrelada. Tory me passa um
lencinho e percebo que várias meninas também estão emocionadas. A porta
se abre e Yurio, usando um terno, me recebe com um sorriso.
Coloco minha mão sobre a dele.
— Como... por quê? — Não consigo nem falar.
Yurio estende a mão e limpa as lágrimas que caem.
— Porque você merece tudo.
Ele me leva para dentro e nós tiramos fotos juntos, até o DJ que teve
no baile de formatura estava lá. As pessoas estavam todas arrumadas e
bonitas, e enquanto estou dançando com Yurio na pista de dança sei que
esse homem faria qualquer coisa por mim.
— Eu te amo.
Ele me puxa para ele, tirando meu fôlego e me deixando excitada.
— Você sempre foi minha, só preciso que saiba que nunca mais irei
duvidar de você.
Ele pega meu dedo e coloca o anel, levando minha mão até a boca e
dando um beijo casto. Quando acho que ele está sendo um cavalheiro ele
diz em meu ouvido:
— Estou doido para ver o que está usando embaixo desse vestido.
Dou um tapinha nele e me afasto rindo, indo até onde Aurora está.
Posso ver a confusão das pessoas e também o desconforto de Aurora.
Aproveito que conheço algumas pessoas e me aproximo.
— Ei pessoal, essa é minha irmã gêmea, Aurora, e ela estudará aqui
no próximo semestre.
As pessoas se apresentam ansiosas para puxar seu saco, olho em
volta vendo todo mundo se divertindo e me pego sorrindo ao notar Yurio
me olhando do outro lado do salão com seus intensos e sombrios olhos. Nós
podemos ser guiados pelo caos de nosso sangue, mas somos fortes o
bastante para nos sobrepor e reinar no caos.
EPÍLOGO
SERAPHINA

Respiro fundo e, apesar das luzes estarem sobre mim, sei


exatamente onde estão as pessoas que eu amo. Não foi fácil conciliar a
faculdade com a patinação, mas tudo valeu a pena para esse momento e eu
nem estava falando sobre ganhar.
Meu maior prêmio estava lá fora, mas também não podia ser sonsa
de dizer que não queria ganhar meu ouro nas Olimpíadas de Inverno. Podia
sentir a vibração de Yurio enquanto fazia a coreografia que conhecia de cor,
que treinei algumas madrugadas até que estivesse perfeita, com ele sempre
ao meu lado.
O último ano tem sido uma loucura. Entre entrar em forma e voltar a
competir, redescobri mais uma vez meu amor pela patinação, mas ao
mesmo tempo não queria mais participar de competições, eu não precisava
mais de medalhas para mostrar que eu sou digna.
Em vez disso estou abrindo meu próprio estúdio de patinação,
enquanto terminava a faculdade. Queria incentivar meninas e meninos a
sonharem e atingirem objetivos de uma forma mais lúdica. A ideia de
ensinar me fazia ter o mesmo frio no estômago que sentia em competir.
Planejava usar meu diploma de contabilidade para ajudar os Leonov
quando precisassem, mas fora disso não tinha por que arranjar um trabalho
na área além de cuidar das finanças do estúdio. Me sentia realizada.
Quando termino a apresentação fito o anel em meu dedo e sorrio
como sempre faço. Nos casamos no ano passado e foi um dia para entrar na
memória, mas não trocaria nenhum detalhe. Quando saio do gelo sou
recebida pelo seu casaco sobre meus ombros enquanto me esquenta.
— Foi maravilhosa! — Ele beija meu pescoço com delicadeza.
Nossos amigos e família me parabenizam pela apresentação e
quando sou anunciada no primeiro lugar e coroada, as entrevistas e fotos
passam como um borrão e quando eu vejo já estamos todos comemorando
no salão.
Yurio me oferece uma taça de vinho e eu nego suavemente, sua testa
se franze antes que ele arregale os olhos.
— Sério?
Nem consigo responder antes que ele me levante em seus braços e
me rode.
— Descobri essa manhã, mas queria deixar para contar depois da
competição.
— Por isso você mudou a coreografia.
Foi algo tão simples que não achei que ele notaria, mas já devia
saber que Yurio presta atenção em cada detalhe sobre mim.
Ele beija meus lábios suavemente e eu passo a mão por sua nuca.
— Não pense que a gravidez vai me impedir de te acordar à noite.
Eu rio.
— Eu te amo.
— Eu também te amo, Kiska. Obrigado por me fazer enxergar que
você era perfeita para mim.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente como sempre agradecer a Deus, por me ajudar a
escrever o livro do jeitinho que imaginei, talvez até melhor. Sem a força
Dele, eu não seria nada.
As minhas leitoras por sempre estarem comigo e me apoiando em
cada livro novo e a acreditarem no meu trabalho, vocês são tudo para mim.
Obrigada por amarem tanto O Monstro da Bratva e pedirem mais dos
Leonov.
Esse livro é nosso!
Gostou do livro? Não deixe de avaliar, ajuda demais a autora e estimula a
continuar a publicar seus livros! <3
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OUTROS LIVROS DA AUTORA
Além de escrever livros únicos a autora tem um juliaverso acontecendo em seus livros
de máfia, inclusive alguns personagens que apareceram aqui faz parte disso.

O monstro da Bratva

SÉRIE MEU MAFIOSO


Meu Eterno Mafioso – livro 1
Meu Doce Mafioso – livro 2
Meu Bruto Mafioso – livro 3
Meu Quebrado Mafioso – livro 4
Meu Estranho Mafioso – livro 5
Meu Anjo Mafioso – livro 0.5

TRILOGIA OS KING
Meu Querido Consigliere
Meu Amado Consigliere
Meu Devasso Consigliere

TRILOGIA NÚMEROS
CORROMPIDO
IMPLACAVEL
DESTRUTIVO

LIVROS UNICOS

O LUTADOR
CEO: COMPLICADO E SENSUAL

[1]
Gatinha em russo.

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