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Apontamentos das Aulas Práticas (casos) de Direito dos


Contratos I
Contratos II (Universidade de Lisboa)

A Studocu não é patrocinada ou endossada por alguma faculdade ou universidade


Descarregado por Alfredo Fonseca (alfredosfonseca@gmail.com)
lOMoARcPSD|30744206

DIREITOS DOS CONTRATOS I (livro de casos)

Caso N.º 1

Amílcar vendeu a Beto um smoking. Ficou acordado que o preço seria pago no final do
mês, depois de o Beto receber o seu ordenado.

Estamos perante um contrato de compra e venda nos termos do art. 874.º, segundo o qual,
se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço - no caso, se
transmite a propriedade do smoking, mediante um preço.
Falando de um smoking estamos perante coisa móvel nos termos do art. 202.º/1, 203.º e
205.º, pelo que nos termos do art. 875.º a contrario, não é necessário forma especial para a
realização do contrato, havendo liberdade de forma nos termos do art. 219.º, pelo que o
facto de a venda ter sido realizada por telemóvel nada obsta à validade do contrato.

Ainda, e nos termos do art. 874.º conjugado com o art. 879.º, alínea a) e art. 408.º/1, o
consenso verificado por via do telemóvel é suficiente para a transferência da propriedade
da coisa (sistema de título).

a) Beto recebeu o smoking em casa uma semana depois

i) Interpelado para pagar, Beto diz que:

● não tem de pagar porque ainda não é o fim do mês

Nos termos descritos, terá ficado acordado entre as partes que o preço pelo smoking seria
pago no final do mês, mas Beto vem a ser interpelado antes desse momento.
Coloca-se, então, um problema em relação à obrigação, por parte do comprador, de pagar
o preço da coisa nos termos do art. 879.º, alínea c).

Primeiro ponto a verificarmos é se houve um prazo validamente fixado:

➢ se se aceita que “no fim do mês” é uma fixação válida, então estamos na presença
de uma obrigação a prazo, implicando que a realização da obrigação de pagamento
da coisa seja diferida para outro momento. Desta forma, partindo-se daquela
condição, nos termos do art. 779.º, o benefício do prazo dá-se a favor do devedor, o
que implica dizer que a obrigação pode ser cumprida a qualquer momento pelo
devedor, mas não pode ser exigida pelo credor até ao fim do prazo.
Assim sendo, tendo ficado acordado que a obrigação só seria cumprida no final do
mês, Bento pode cumprir a qualquer momento MAS Amilcar não pode exigir tal
pagamento até ao fim do prazo → desta forma, Bento teria razão quando diz que
não teria de pagar

SE CONTRARIAMENTE,

➢ se não se considerar que o “fim do mês” é uma fixação válida, então não houve a
fixação de nenhum prazo, pelo que estamos na presença de uma obrigação pura,
sujeita aos termos do art. 777.º. Teremos então um benefício em favor de ambos,

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que implica que” o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da
obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela”.
Assim sendo, não tendo ficado acordado prazo, e naqueles termos, Bento pode
cumprir a qualquer momento, ao mesmo tempo que Amílcar pode exigir o
cumprimento a todo o tempo → desta forma, Bento não teria razão quando diz que
não teria de pagar, podendo entrar em mora nos termos do art. 805.º/1.

● não tem de pagar porque não foi fixado preço nenhum, pelo que nada é
devido

Nos termos do art. 874.º e 879.º, alínea c) resulta do contrato de compra e venda que a
obrigação de pagamento é, além de um elemento essencial, também um efeito essencial.
Pergunta-se se o preço teria de forçosamente consistir em dinheiro, e a resposta tem de ser
afirmativa - o preço é a expressão do valor em dinheiro.

Ora, nada impede que ab initio, o preço não tenha sido determinado, apresentando solução
para esse problema o art. 883.º. Nos termos de tal artigo releva:
I. em primeiro lugar, o preço fixado por entidade pública1 → nada nos referindo o
artigo e não parecendo ser usual que uma entidade pública tenha fixado preço para
revenda de um smoking passamos ao critério seguinte
II. “partes o não convencionarem nem convencionarem o modo de ele ser
determinado” → é precisamente esse o problema em causa, nada havendo
estipulado pelas partes
III. “preço que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato” →
segundo Pires de Lima e Antunes Varela “para que haja preço do vendedor é
necessário (...) que ele venda habitualmente coisas do género, pois só assim se
poderá falar do preço normalmente praticado por ele” → referindo o caso tratar-se
de um negócio na base de uma relação de amizade nada parece indicar que
Amílcar tenha por hábito a revenda de smokings
IV. “o do mercado ou bolsa”2 → o mesmo se pode aqui dizer que foi referido em relação
à entidade pública
V. parece sobrar o último critério “determinado pelo tribunal, segundo juízos de
equidade3”

Concluiria-se, então, que embora não tivesse sido fixado um prazo, este pode ser
encontrado, em princípio, pelo tribunal segundo juízos de equidade.

1
Preço determinado por autoridade pública significa aquele cujo montante é fixo, não se encontrando
sujeito às oscilações da vontade das partes.
2
Havendo variações no valor de bolsa ou de mercado ao longo do período a considerar deve usar-se
o preço médio.
3
Menezes Cordeiro, aplicado à análise do art. 400.º, distingue entre equidade em sentido fraco
(aplicada nesse artigo, e no mesmo sentido Pedro de Albuquerque) e em sentido forte. Numa noção
mais fraca “partindo da lei positiva, permitiria corrigir injustiças ocasionadas pela natureza rígida das
normas abstratas, aquando da aplicação concreta” versus uma noção mais forte que “prescinde do
Direito estrito e procura, para os problemas, soluções baseadas na denominada justiça do caso
concreto”. O que faz, portanto, a distinção, é o facto de no primeiro ainda se ter apoio na lei,
enquanto que na segunda se prescinde do Direito e se procura a solução nas normas da experiência
e perante as circunstâncias em causa.

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ii) Beto constata que o smoking não veio acompanhado de um certificado


da marca, nem de dois botões de bolsos interiores

Neste ponto temos um problema em relação à obrigação de entrega nos termos do art.
879.º, alínea b).

O problema em concreto será solucionado em duas partes:

● não veio acompanhado do certificado de marca

Nos termos do art. 882.º/2 “a obrigação de entrega abrange, salvo estipulação em contrário,
as partes integrantes, os frutos pendentes4 e os documentos relativos à coisa ou direito”.

Segundo Raul Ventura e Pedro de Albuquerque, ficam excluídos dessa obrigação de


entrega: 1) os documentos cuja entrega é essencial para que haja entrega do direito
transmitido e 2) os documentos relativos à transferência da coisa (probatórios do contrato).

Raul Ventura analisa a questão de saber que documentos estão, então abrangidos por
aquela obrigação, não estando o vendedor obrigado a entregar: a) certidões de
documentos contidos em arquivos públicos de que o comprador possa extrair; b)
documentos que não sejam relativos à situação atual da coisa; c) documentos que não
tenham chegado a produzir alguma alteração material ou jurídica da coisa; d) documentos
que não tenha em seu poder.
Devem, contudo, ser entregues os documentos necessários para o uso normal da
coisa (como licenças de circulação).

É relevante a determinação de que tipo de documento falamos, e se está, ou não,


abrangido pela entrega da coisa, uma vez que isso tem efeitos na validade do contrato.
Ora, estando, embora, em causa uma obrigação acessória em relação à obrigação de
entrega da coisa, esta “não é autonomizável (indissociável) da obrigação principal, de tal
modo que se pode dizer que não é possível cumprir a obrigação de entrega da coisa sem a
entrega dos documentos. A obrigação de entregar a coisa importa para o vendedor o dever
de investir o comprador na posse efectiva na posse e detenção dos direitos transmitidos
para que este os possa fruir plenamente. Só assim fica cumprido totalmente o objecto da
obrigação de entrega do veículo e satisfeito o interesse do credor.5”

4
Conclusões em relação ao art. 882.º/2, segundo Pedro Albuquerque: (i) o momento relevante para
a fixação do âmbito da obrigação de entrega é o correspondente à data da venda; (ii) abrangidos
pela obrigação de entrega são apenas as partes integrantes ou frutos pendentes ao tempo da venda;
(iii) excluem-se as partes integrantes ligadas à coisa em momento ulterior ao da venda. O mesmo
vale para os frutos produzidos depois desta data.
Não porque o comprador não tenha direito a ela, porque tem mas é porque é proprietário, não
porque é comprador. As partes ligadas ou produzidas em momento posterior à venda pertencem-lhe
na qualidade de proprietário, não de comprador.
Por isso, para as obter, em caso de reticência do vendedor, deverá o comprador lançar mão da ação
de reivindicação ou das ações possessórias, mas não pode recorrer ao incumprimento do contrato.
Raul Ventura: “Daqui não pode, todavia, concluir-se a contrario sensu que as partes integrantes e os
frutos posteriores à venda pertencem ao vendedor”.
Romano Martinez: tem posição contrária,
5
Acórdão 15/02/2007, Processo 2479/06-1

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Parece-me, então, que embora não sendo algo necessário ao uso normal da coisa, não era
um documento que estivesse excluído de tal entrega. Temos, então, que:
- se se considerasse como essencial para o uso da coisa, a falta de entrega deve incluir-se
no regime de falta de cumprimento de entrega da coisa
- se não se considerasse como tal, a sua não entrega apenas atribui ao comprador o direito
de ser indemnizado pelos prejuízos que essa falta lhe venha a provocar

● não veio acompanhado dos botões interiores

Previsto no art. 204.º/3, parte integrante é “aquilo que, não só determina a fisionomia
essencial de uma coisa, não só serve para a utilizabilidade do todo, mas, além disso, não
pode ser considerado, tal como é no seu estado, senão enquanto ligado à coisa que serve.
De modo que uma separação teria o efeito de prejudicar esta e aquela. A coisa a que
aquela é destinada; porque ficaria impedida ou diminuída à sua utilizabilidade."
Das partes integrantes se distingue as coisas acessórias previstas no art. 210.º/1 como
“coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afectadas por forma
duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra.” Isto é, “uma coisa é destinada a
tornar possível a gestão económica de uma outra, a que está adstrita e que por isso figura
como coisa principal, mas, é susceptível de uma utilização diversa (por exemplo, pode ser
ela mesmo o centro de uma gestão económica)”.

No mesmo sentido que costuma ser feita a relação entre um carro e o pneu suplente, como
o pneu sendo uma coisa integrante, faremos a mesma relação, dizendo-se que os botões
interiores são partes integrantes do smoking, já que sem eles, se pode ver diminuída a sua
utilidade.

Assim, nos termos do art. 882.º/2, enquanto parte integrante do smoking, a entrega dos
botões está abrangida pela obrigação de entrega.
“A propósito da obrigação de entrega, o CC não estabelece regime especial de
cumprimento ou falta de cumprimento. (...) Somos, portanto, remetidos por duas vias para
as regras relativas ao não cumprimento das obrigações: pela via indireta da omissão (...);
pela via direta da remissão (feita pelo art. 918.º)”6.
No mesmo sentido Pedro de Albuquerque - “a obrigação de entrega da coisa acha-se
subordinada às regras gerais do cumprimento e do incumprimento”.

Face ao referido parece que poderíamos falar de cumprimento defeituoso, em geral7.

b) Onde deve ser pago o preço? E onde deveria ser entregue o smoking?

Lugar de cumprimento da obrigação de pagamento


- se considerarmos que não havia prazo então o art. 885.º/1 é aplicável, segundo o qual “o
preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida” mas a inversa

6
Raul Ventura, O contrato de compra e venda no Código Civil, pág. 638.
7
Em relação ao cumprimento defeituoso temos que: a) constitui-se em mora quando podendo
reparar os danos, ainda há interesse pelo credor (art. 804º) OU b) já estará em incumprimento
definitivo quando o credor perdeu o interesse (art. 808 → art. 798.º)

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não é verdadeira → lugar da entrega da coisa vendida é a residência do Beto, pelo que
seria aí que ele teria de proceder ao pagamento → casa do Beto8
- se considerarmos que havia prazo então era, antes, aplicável o art. 885.º/2, segundo o
qual deve ser feito no “domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento” → Coimbra

Lugar de cumprimento da obrigação de entrega da coisa → o art. 882.º refere o que


está incluído na obrigação de entrega da coisa mas não onde esta deve ser realizada, pelo
que se aplicam as regras gerais. Assim, nos termos do art. 773.º, o smoking devia de (ter
sido) entregue “no lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio”,
que no caso, é na “casa de férias, na Ericeira” de Amílcar. (?? art. 772.º → Coimbra)

c) Amílcar e Beto acordaram 60€. Contudo, Amílcar mandou limpá-lo, gastando 25€,
pelo que pretende que Beto lhe pague, afinal, 625€

Estamos perante uma situação em que há uma diferença entre o momento de celebração
do contrato e o momento de entrega da coisa, o que implica referir o art. 882.º/1, segundo o
qual “a coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda”.
Neste ponto, Raul Ventura e Pedro de Albuquerque referem que esta obrigação implica
duas espécies de conduta:
1) negativa, consistente em nada fazer que impeça a entrega da coisa no estado em
que se encontrava ao tempo da venda e
2) positiva, consistente em fazer aquilo que for necessário para que a coisa se
conserve no estado em que se encontrava ao tempo da venda → atividade de
custódia ou guarda

Raul Ventura, não é nem objeto de uma obrigação nem objeto de um ónus, mas sim uma
simples obrigação de entregar a coisa no estado em que se encontrava ao tempo da venda
→ "recaindo sobre o vendedor a obrigação de entregar a coisa no estado em que se
encontrava ao tempo da venda (ou de conservar e guardar a coisa até à entrega) são por
ele suportadas as despesas necessárias” → os 25€ ficariam a cargo de Amílcar
No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela (“as despesas com a guarda ou
custódia da coisa devem, como encargos inerentes ao dever de entrega, ser suportados
pelo vendedor;”.

Embora o art. 878.º, tenha a epígrafe “despesas do contrato”, não faria sentido a sua
aplicação no caso em concreto. “As despesas do contrato relevantes são as da escritura, se
houver lugar a ela, incluindo os encargos fiscais que lhe são inerentes, como o selo (...)
despesas com o registo.9”

8
Se o art. 885.º/1 não existisse então seria de aplicar as regras gerais, o que implica a aplicação do
art. 774.º (pagamento do preço é obrigação pecuniária) → domicílio do credor → Coimbra
9
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Anotado, pág. 167

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Caso N.º 2

Carlos vendeu a Diogo um terreno para construção por 10 000 000€, indicando além da
respectiva localização, que o mesmo tinha 10 000 metros quadrados.

Estamos perante um contrato de compra e venda nos termos do art. 874.º, segundo o qual,
se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço - no caso, se
transmite a propriedade terreno pelo preço de 10 000 000€.
Falando de um terreno estamos perante coisa imóvel pelo que nos termos do art. 875.º, em
derrogação do princípio geral do art. 219.º, requer forma (escritura pública ou documento
particular autenticado).

a) Passados 7 meses, Diogo verifica que o terreno tinha apenas 9000. Exige de
Carlos mais 1000 metros de terreno ou, em alternativa, aquilo que considera
ter pago a mais, mas este recusa.

Parece que estamos perante um problema de venda de coisas sujeitas a contagem,


pesagem ou medição.
Este tipo de modalidade de compra e venda refere-se a coisas determinadas, ainda que
sujeitas a uma posterior operação, não sendo este regime aplicável à venda de coisas
genéricas10 dado que a obrigação só está determinada quanto ao género e quantidade (art.
539.º). Ex: compra de um saco de batatas, mencionando que este tem 10 quilos.
Nestas situações, a coisa está efetivamente determinada, não é necessária a sua
concentração (não é genérica), o que acontece é que, por escolha, se decidiu quantificar
essa coisa; achou-se por bem incluir as medidas da coisa vendida (como refere Menezes
Leitão permite uma maior especificação do objeto), mas a transmissão da propriedade da
coisa deu-se logo com a celebração do contrato.11

Antes de mais, cabe fazer a distinção das situações do art. 887.º - venda ad mensuram, em
que o preço é estabelecido em função de um tanto por cada unidade - enquanto que no art.
888.º temos a venda ad corpus, em que o preço não foi estabelecido por unidade de coisa,
mas antes pelo conjunto de coisas vendidas. 12

10
Art. 540.º: obrigação genérica é aquela em que a prestação se encontra determinada apenas por
referência a uma certa quantidade, peso ou medida de coisas dentro de um género, mas ainda não
está concretamente determinado quais o espécime daquele género que vai servir para o
cumprimento da obrigação.
11
Questão de saber se é aplicável aos contratos de fornecimento de energia elétrica → PA diz que
não, porque é um negócio indeterminado à sua medida ou quantidade. Sabe-se o que é que se está
a vender - energia elétrica - mas não se sabe a quantidade porque isso vai depender do consumo.
12
A diferença de soluções reside na circunstância de, na venda a corpo, o facto de as partes não
terem indicado um preço unitário mas um preço global levar a supor que a sua vontade se formou
essencialmente em relação a esse preço global, sendo incidental a referência à quantidade, peso ou
medida das coisas vendidas, pelo que “não há falta” de mudança do preço. Pelo contrário, na venda
por medida, o facto de as partes fazerem referência direta ao preço unitário leva a supor que a
vontade das partes e fazer o preço corresponder à efetiva quantidade, peso ou medida das coisas
entregues, e que se a quantidade que foi entregue não foi a quantidade desejada faz sentido fazer o
ajuste.

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No caso, vende-se o terreno, dizendo apenas que pelos 10 000m se vendia a 10 000 000€,
pelo que estaremos perante uma situação do art. 888.º.13, cuja conclusão seria no sentido
de se dever o preço declarado (independentemente de a diferença ser para cima ou para
baixo).

Temos, contudo, que atentar no n.º 2 do artigo → Raul Ventura: “pressuposto da aplicação
do n.º 2 do art. 888.º é haver uma quantidade declarada no contrato; havendo-a, calcula-se
a diferença entre a quantidade real e a quantidade declarada e, verificando-se que esta
diferença é superior a um vigésimo da quantidade declarada, o preço será reduzido ou
aumentado na mesma proporção” ⇒ 1) 10 000 - 9 000 = 1 000; 2) 1/20 * 10 000 = 500 →
1 000 > 500 → verificando-se que aquela diferença é superior então aplica-se o n.º 2.14 , e
terá de haver no caso uma redução proporcional.

Em relação ao critério de como tal é realizado:


● Pires de Lima/Antunes Varela e Pedro de Albuquerque: o aumento ou redução do
preço previstos na lei destina apenas a cobrir a diferença que exceda o vigésimo →
haveria uma redução de 500
● Menezes Leitão: preço sofrerá redução ou aumento proporcional na totalidade e não
apenas na parte que excede um vigésimo → haveria uma redução de 1 000 000

Em relação a este direito tínhamos ainda que ver o art. 890.º/1 - “o direito ao recebimento
da diferença de preço caduca dentro de 6 meses ou um ano após a entrega da coisa,
consoante esta for móvel ou imóvel;”. Diz Pires de Lima e Antunes Varela que os casos de
recebimento da diferença de preço são os previstos nos arts. 887.º e 888.º/2.
No caso em específico, tratando-se de coisa imóvel, Diogo ainda estava no prazo (1 ano)
para receber a diferença de preço (sobravam ainda 5 meses).
Este prazo é contado a partir de que momento? A partida da entrega porque só nessa
altura é que o comprador está em condições de verificar que as medições não estão
corretas.
E porque é que o legislador estabeleceu este prazo? Porque se fosse aplicado o regime
geral dos prazos, estaria em causa um prazo demasiado grande; prolongava-se a incerteza
por mais, impedindo a circulação dos bens no mercado.

Conclusões: Diogo vê o valor do terreno reduzido, tendo direito a receber o valor que
entregou “a mais”.

[A hipótese tratada no art. 887.º não é, por conseguinte, a de o vendedor ter entregue coisa
quantitativamente diferente da que constitui objeto do contrato: nesse caso, haverá
cumprimento defeituoso. Do que se trata é de o objeto do contrato, que foi inteiramente
entregue, não se ajustar à indicação que sobre eles fizeram”] → parece-me que o que se
quer dizer é que, porque o que aqui está em causa é uma obrigação que já está
determinada, e é entregue aquilo que se diz que se ia entregar, simplesmente em razão das
medições se verifica que afinal a quantidade era diferente, mas a coisa que foi entregue foi
aquela que ficou acordada que seria entregue.
13
Uma situação do art. 887.º seria dizer p.e. que cada 10m de terreno se vendia por 100€
14
A situação em causa é precisamente a exemplificada por Pires de Lima e Antunes Varela: “o
vendedor aliena um prédio, que diz ter 100m por 1000. Verifica-se posteriormente que o prédio
vendido tem apenas 90m.”

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b) Em que condições pode Diogo resolver um negócio

Falando-se de resolução vamos ver a aplicação do art. 891.º/1 - “Se o preço devido por
aplicação do artigo 887.º ou do n.º 2 do artigo 888.º exceder o proporcional à quantidade
declarada em mais de um vigésimo deste, e o vendedor exigir esse excesso, o comprador
tem o direito de resolver o contrato.”

Requisitos:
1) questão do preço → Raul Ventura: “haverá, pois, que tomar o preço declarado e
calcular um vigésimo deste15; em seguida determina-se a quantidade real e
calcula-se o preço correspondente; se o excesso do preço correspondente à
quantidade real for superior a um vigésimo do preço correspondente à quantidade
declarada, existe a faculdade de resolução do contrato”
O relevante daqui é que a resolução só é conferida ao comprador se houver um
aumento de preço superior a uma vigésima parte do preço declarado → não é
desta situação que se trata, estando em causa na verdade uma redução de preço

2) se o vendedor exigir esse excesso, por escrito → o comprador não pode resolver
o contrato por sua “iniciativa”, pois é uma faculdade que lhe é concedida como uma
defesa contra a exigência do excesso ⇒ nada no caso nos parece indicar que
houve tal exigência, pelo que não se encontrando os requisitos cumulativos reunidos
não seria possível a resolução

3) comprador não ter agido com dolo

Por análise dos requisitos não seria possível resolver o negócio com base no art. 891.º.
Assim, para que tal fosse possível tinha que estar em causa, em relação ao 1.º requisito
mais terreno, e em 2.º uma exigência por parte do vendedor.

O artigo contempla apenas o excesso, pelo que a redução do preço está fora do seu
âmbito. Sendo assim, é natural que a faculdade de resolução compete apenas ao
comprador e ele justifica-se porque, por um lado, o vendedor está normalmente em
melhores condições para determinar a quantidade exata ou muito aproximada e, por outro
lado, o comprador pode não ter a capacidade para pagar o excesso do preço.

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo “o direito à resolução caduca no prazo de três meses,
a contar da data em que o vendedor fizer por escrito a exigência do excesso”.
Neste ponto, Raul Ventura refere que o preceito não pode ser entendido à letra. A
declaração do vendedor tem um destinatário e, portanto, está sujeito às regras do art. 224.º.
Desta forma, o prazo de caducidade não começa a contar no momento em que o vendedor
realiza a exigência, mas no momento em que essa declaração se torne eficaz por ter sido
recebida ou por ele conhecida. No mesmo sentido Pedro de Albuquerque, dizendo que “em
rigor, a contagem do prazo de caducidade não se dá no preciso momento da emissão da
declaração, mas, sim, na altura em que ela se torne eficaz”.

15
No caso do art. 887.º multiplica-se o preço unitário pelo n.º de unidades declaradas e no caso do
art. 888.º encontra-se diretamente um preço correspondente à quantidade declarada

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c) Suponha agora que, no mesmo dia, no mesmo cartório, Carlos tinha vendido a
Diogo dois terrenos: um por 2 000 000 com 2000m; outro por 1 000 000, com
1000m. Posteriormente veio a verificar-se que, afinal, cada um dos terrenos tem
1500 metros. Quid iuris?

Este caso parece ser uma situação de aplicação do art. 889.º. Verificando os requisitos de
aplicação:

1) circunstância de o objeto de compra e venda ser constituído por uma pluralidade de


coisas determinadas e homogéneas, com a fixação de um preço único. É uma
situação de venda por um só preço de uma pluralidade de coisas → Tenho algumas
dúvidas em relação à verificação deste requisito:
a) É preciso que se trate de um só contrato e não de duas vendas distintas ou
por outras palavras “desde que esteja estabelecido um preço separado para
cada uma das coisas vendidas, haverá dois contratos” → ora, o enunciado
não parece indicar que houve a fixação de um preço único mas antes o
preço por cada terreno, com a conveniência de ambas as vendas serem
feitas ao mesmo tempo (“no mesmo dia, no mesmo cartório”)

2) serem coisas determinadas e homogéneas


a) neste ponto temos uma divergência doutrinária: por um lado, Raul Ventura,
diz que homogéneo significa da mesma natureza, idêntico, igual e por
exemplos como o milho e centeio, e vinho branco e vinho tinto não deveriam
ser considerados homogéneos. Por outro lado, Pedro de Albuquerque e
Pires de Lima e Antunes Varela que dizem que devem ter-se por
homogéneas as coisas do mesmo género (p.e. cereais diversos existentes
no mesmo celeiro).16

b) no caso em particular, temos de nos perguntar se terrenos são homogéneos.


E o meu critério é, um pode ser sucedâneo do outro? Não me parece que a
resposta possa ser afirmativa em relação a terrenos porque podem ter uma
natureza diferente, um piso diferente, … → não se encontraria verificado o
requisito

3) tem de haver a declaração contratual da quantidade

Não se encontrariam verificados os requisitos para realizar a compensação.17

16
Neste ponto tenho de discordar do regente. Faz-me mais sentido a distinção de Raul Ventura, em
função do valor de cada coisa, porque não faria sentido considerar p.e. uma situação em que um
vinho tinto feito em Lisboa pudesse compensar a falta de vinho tinto do Alentejo, apenas porque são
ambos vinhos.
17
Para efeitos de sub-hipótese, se se considerasse que estavam verificados os requisitos: seria feita
a compensação entre a vantagem proveniente do excesso e o prejuízo derivado da falta → no caso
os 500m a mais em relação ao terreno de 1000, compensa a falta de 500m em relação ao terreno de
2000m

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10

A ponderar é a questão de saber se a compensação está ela própria sujeita aos limites do
artigo 888.º/2:
● Pires de Lima e Antunes Varela dizem que sim: se, efetuado o encontro, se provar
exceder a diferença, entre o preço global e o resultante dos preços unitários que os
contraentes tiveram ou deveriam ter em vista, 1/20 daquele, deve permitir-se o
aumento ou redução proporcional do preço
● Menezes Leitão diz que não: “e na medida em que se opera a compensação,
naturalmente que deixam as partes de poder exigir a diferença do preço, ainda que
a discrepância da quantidade de uma ou de ambas ultrapasse 1/20 em relação à
declarada”
● Pedro de Albuquerque diz que o art. 888.º/2 só será de se aplicar se, após a
compensação, subsistir uma diferença de 1/20 entre a quantidade declarada e
efetivamente vendida

Em relação à questão de saber se um prédio estava no art. 887.º ou art. 888.º:


- “vendo um prédio a 100€ o m” e “vendo o prédio que mede 1 ha a 100€ o m” →
887.º
- “vendo o prédio por 1000€” e “vendo o prédio que mede 1 ha por 1000€” → art.
888.º
- nas situações de mistura → “será questão de facto averiguar qual das duas
intenções possíveis foi, no caso concreto, a vontade das partes, se quais podem
preparar a solução do eventual problema tornando clara a prevalência de uma ou
outra das duas declarações”

CONSIDERAÇÕES
- título podia ser corrigido acrescentando-se “coisas determinadas” e “operação
posterior”
- o facto de termos coisas determinadas isso não impede que tenham um conjunto de
unidades mas o que acontece muitas vezes é que não se diga apenas o objeto,
referindo Menezes Leitão que permite uma melhor especificação
- podemos ou não tentar reconduzir estas hipóteses a questões de erros. Se for erro
sobre objeto pode dar azo à nulidade do negócio.
- ainda, alguns autores admitem que seja fundamento de um cumprimento defeituoso
por venda de coisa defeituosa → professor admite em algumas situações - VER
PROFESSOR ROMANO MARTINEZ
- este regime é uma espécie de afloramento do princípio do favor negotii que perante
uma discrepância vai no sentido da subsistência do negócio
- questão da diferença entre os art. 887.º e 888.º: a diferença reside na circunstância
de, na venda a corpo, o facto de as partes não terem indicado um preço unitário
mas um preço global levar a supor que a sua vontade se formou essencialmente em
relação a esse preço global, sendo incidental a referência à quantidade, peso ou
medida. Pelo contrário, na venda por medida, o facto de as partes fazerem
referência ao preço unitário leva a supor que a vontade das partes é fazer o preço
corresponder à efetiva quantidade, peso ou medida
- divergência sobre se é calculada dos 5% para cima, ou se é em relação à totalidade
→ professor inclina-se para dizer que atendendo à lógica responde no sentido de
que a lógica que até 5% é um risco natural do negócio para ambas as partes;
quando é superior parece que já possa haver correção.

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Caso N.º 3

Quem é, afinal, o proprietário dos headphones?

1) Evandro → Francisco por 350€. O preço seria pago no destinatário, com o ato de
entrega.

2) No dia em que ia proceder ao envio, Evandro → Gastão por 400€. Gastão pagou 100€, e
os restantes 300€ seriam pagos 1 mês depois.

3) Nesse dia, Franscisco → Heloísa por 400€

Começando pelo negócio 1), estamos perante um contrato de compra e venda nos termos
do art. 874.º, segundo o qual, se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito,
mediante um preço - no caso, se transmite a propriedade dos headphones mediante um
preço.
Falando de uns headphones estamos perante coisa móvel nos termos do art. 202.º/1, 203.º
e 205.º, pelo que nos termos do art. 875.º a contrario, não é necessário forma especial para
a realização do contrato, havendo liberdade de forma nos termos do art. 219.º.

Contudo, o ponto mais relevante que aqui temos de analisar é o que resulta da análise
conjugada do art. 874.º com o art. 879.º, alínea a) e art. 408.º/1.
Como ficou referido, como resultado daquela conjugação, um efeito essencial da compra e
venda a eficácia real translativa ou quoad effectum; assim, um contrato do qual não
ocorresse este efeito essencial não seria qualificado como uma compra e venda → Em PT
vale o sistema de título.
Assim, e nos termos do art. 408.º/1, vale o Princípio do Consensualismo, bastando o
consenso entre as partes para que se dê a transferência da propriedade dos headphones,
que no caso em concreto ocorreu. E ainda, o Princípio da Causalidade, segundo o qual é
necessário que o negócio em causa seja válido, que como ficou já verificado, assim se
verifica.

Ao nosso sistema contrapõe-se:

● sistema de modo - o contrato de CV não produz efeitos reais tendo apenas por
função a constituição de obrigações, resultando a transferência do direito de um
segundo ato, que o vendedor se obriga a praticar e, esse ato sim, produz efeitos
reais. Vigora o princípio da abstração (obrigação de transmissão do direito pelo
vendedor subsiste mesmo que a CV seja inválida). Seguido no sistema alemão.

● sistema de título e modo - sistema de transmissão dita causal, quer dizer que o
negócio base e o ato de transferência são distintos e separados mas em que se
requer uma articulação entre os dois. A transmissão depende de dois atos distintos
mas tem que haver uma articulação entre eles, o que quer dizer que as vicissitudes
de um afetam o outro. Seguido no sistema espanhol.

A diferença entre os dois, é no sistema de modo os negócios não dependem um do outro,


enquanto que no sistema de modo e título, o segundo ato depende do primeiro e

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vice-versa, os dois negócios sendo independentes influenciam-se reciprocamente (sofrendo


o primeiro negócio de alguma vicissitude, o segundo cai).

Conclusão: Deste negócio 1) temos que:


a) Evandro enquanto proprietário dos headphones tem a possibilidade os alienar nos
termos do art. 1305.º,
b) concretiza-se a venda independentemente de não haver pagamento imediato do
preço e entrega da coisa, uma vez que estes são efeitos obrigacionais que em nada
põem em causa o efeito real que é a transmissão da propriedade
c) por via daquele CV Francisco torna-se o novo proprietário dos headphones nos
termos do art. 1316.º e 1317.º, alínea a)

Em relação ao negócio 2), refere o enunciado que Evandro realiza de novo um CV, desta
vez tendo Gastão como comprador. Como ficou provado anteriormente, contudo, bastando
o mero consenso, quando Evando vendeu os headphones a Gastão, estes já eram
propriedade de Francisco, o que quer dizer que estaremos perante um contrato de compra
e venda de coisas alheias nos termos do art. 892.º, sendo essa venda, então, nula.
Ainda, e nos termos do art. 894.º/1 (“sendo nula a venda de bens alheios, o comprador que
tiver procedido de boa fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço”), pelo que
tendo pago 100€, tem direito a que esses sejam restituídos.
Neste ponto, o facto de Gastão ter recebido os headphones pode torná-lo proprietário
deles? Isso podia acontecer por usucapião nos termos do art. 1317.º, alínea c).

Relativamente ao verdadeiro proprietário da coisa (Francisco), o contrato de compra e


venda de coisa alheia é res inter alios acta, não modificando ou atingindo em nada, e por si,
a sua posição jurídica. Isto quer dizer, que em relação ao negócio 3, ao realizar nova
alienação dos headphones a Heloísa, o direito daqueles é efetivamente transferido para
Heloísa nos mesmos termos que já foram explicitados para Francisco. Como refere Raul
Ventura, “os atos de disposição realizados pelo proprietário depois do contrato de venda
são perfeitamente válidos.”
Quer isto dizer que o verdadeiro proprietário dos headphones é Heloise.

Em relação à questão do efeito real nos termos do art. 408.º/1, já que o próprio art. 408º/1 menciona
“as exceções previstas na lei”. Temos de perguntar se é, então, admissível situações de CV com
simples eficácia obrigacional.
A determinação do significado da expressão do artigo irá depender do sentido que normativamente
se deva atribuir ao termo “mero” constante da redação do mesmo preceito:
a) “Mero” surge como simples forma de reforçar a ideia expressa no art. 408º/1, 1ª parte, e que
portanto a regra seria a compra e venda dotada de eficácia real mas excepcionalmente
admitir-se-ia a venda obrigatória;
b) “Mero” não tem um sentido reforçativo.

É uma forma de indicar que a transferência de direitos decorre, não apenas do contrato, mas
unicamente dele → a regra seria a transferência de direitos reais ser o único efeito do contrato, e os
casos de exceção serem aqueles em que essa transferência é efeito do contrato, mas acompanhado
de outros (embora a transferência decorra do contrato depende, também, da verificação de um outro
facto posterior) A transmissão não se dá com o negócio mas ocorre por efeito dele, sem necessidade
de subsequente negócio jurídico. Todas as situações seguintes, são, como diz Galvão Teles,
"situações em que a aquisição é diferida, mas a sua causa é o contrato celebrado, sem necessidade
de nova manifestação de vontade nesse sentido. O caráter real da venda significa que esta é a
causa da transmissão, seja transmissão imediata ou futura”. O regente apoia a 2.ª interpretação,

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referindo que não parece que exista alguma forma ou modalidade de CV que corresponda a um
modelo de compra e venda obrigacional, passando à análise das exceções que têm sido suscitadas:

● Compra e venda de bem futuro - a transmissão ocorre apenas quando a coisa for adquirida
pelo alienante (408º/2). O vendedor apenas fica obrigado a desenvolver as diligências
necessárias (880º/1), mas não necessita de praticar nenhum ato translativo da propriedade;

● Coisa indeterminada - nos casos de coisa genérica ou em alternativa, a transferência só se


dá com a concentração. Esta tanto pode depender de um ato do vendedor (539º), como
verificar-se por outros meios (541º e 542º). Ora, basta a possibilidade de a concentração não
surgir como consequência ou resultado de um ato do vendedor para logo se poder concluir
ou constatar não ter venda de coisa indeterminada obrigatória;

● Bens alheios - uma vez adquirida pelo vendedor a titularidade do direito ou a coisa vendida,
a venda consolida-se e verifica-se a transmissão para o comprador (895º). Tendo o vendedor
a obrigação de sanar a nulidade, através da aquisição (807º), não tem obrigação de a
transmitir, coisa que logo ocorre quando o vendedor se torna proprietário da coisa vendida.

● Frutos naturais ou partes componentes ou integrantes - a transferência verifica-se no


momento da colheita ou separação. Não há pois qualquer obrigação de dare da qual fique
dependente a transmissão;

● Compra e venda com reserva de propriedade: neste caso existe uma divergência
doutrinária. Por um lado, ASSUNÇÃO CRISTAS/FRANÇA GOUVEIA sustentam que o art.
409º/1 permitiria às partes estipularem ficar a transmissão da propriedade dependente da
entrega da coisa. Haveria a distinção clara entre a primeira parte do preceito e a segunda
parte, onde se refere a verificação de qualquer outro evento, que poderia ser, por força do
princípio da autonomia privada, a entrega da coisa. Desta forma, poderia convencionar-se
uma compra e venda perfeita e produtora de efeitos, com exceção da transferência da
propriedade, dependente de tradição. Já PEDRO ALBUQUERQUE, não aceita aquela tese.
Tendo de se fazer uma interpretação conjugada de todos os preceitos, o art. 409º/1 não
preenche, por si, a exigência do art. 405º/1 de que as cláusulas convencionadas pelas partes
respeitem os limites da autonomia privada: pois o artigo 409º não pode ser interpretado
isoladamente tendo de se conjugar com o art. 874º (refere como elemento essencial a
transmissão da propriedade da coisa ou direito). Mesmo que surjam obrigações associadas
a essa transmissão, não são elas que produzem o efeito real, mas sim o contrato que o
produz de forma automática uma vez verificado o evento posterior.

● Valores Mobiliários - parece que poderíamos estar perante o sistema do título e do modo,
mas o professor refere o art. 80.º/2 CMVM significando que a transferência da titularidade da
ação se opera pelo simples consenso (não é o ato de registo que opera a transferência mas
sim o contrato de CV) e depois o art. 210.º/1 CMVM que desmente categoricamente que
entre a data da CV e a efetivação do modo a transferência não se efetua, porque se diz
pertencer ao comprador os direitos patrimoniais aos valores mobiliários vendidos.

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CASO N.º 4

Aníbal, agricultor, vendeu a Beatriz, comerciante, a totalidade da sua produção


mensal de alface, a 1000€ por mês, durante um ano. É sabido que Aníbal, por via de
regra, produz cerca de 1 tonelada de alface por mês.

Começamos por referir que estamos perante um contrato de compra e venda nos termos do
art. 874.º, segundo o qual, se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito,
mediante um preço. No caso, Aníbal vende a totalidade da sua produção mensal de alface
a Beatriz, que por essa paga 1000€.

Ora, tendo ficado assente que estamos perante um contrato de compra e venda, sabemos
ainda que o seu objeto são coisas futuras nos termos do 211.º - o vendedor aliena bens
inexistentes ao tempo da celebração do contrato, bens que não se encontrem em seu poder
ou bens a que não tem direito. Mas podem igualmente considerar-se como CV de coisa
futura os outros contratos de CV referidos no art. 880.º.18
PPV → “No que respeita às coisas naturalmente futuras, nenhuma dificuldade se suscita.
Trata-se de coisas que ainda não existem mas que se espera que venham a existir e das
quais se dispõe nessa expectativa. É o caso, por exemplo, dos frutos ainda não produzidos
(...)"

É feita a distinção entre coisas absolutamente futuras, que são as que não existem quando
o contrato é celebrado, e as coisas relativamente futuras que são as já existem mas que
não estão no poder do alienante.
Tendo em conta que a venda é em relação a uma produção mensal, parece que o contrato
foi realizado tendo em vista aquela produção e que portanto as alfaces ainda não existiam
nessa altura em que o contrato foi realizado. Mais, após a realização do contrato, as alfaces
encontram-se em crescimento, e portanto existem, mas não estão ainda na disponibilidade
de Aníbal → por isto, parece que estaria em causa tanto coisas absolutas como
relativamente futuras (se disséssemos que eram relativamente futuras no momento em que
já existindo mas faltavam sem apanhadas). O professor disse que o facto de o contrato ter
sido realizado para 1 ano podia apontar no sentido de as coisas serem absolutamente
futuras porque iam precisar de ser sempre plantadas.

a) Porém, no mês de Abril, em razão do mau tempo prolongado, Aníbal apenas


produziu 700Kg de alface. Apesar disso, Aníbal exige de Beatriz o pagamento
dos 1000€ relativos àquele mês. Quid iuris?

Nos termos do art. 408.º/2, “se a transferência respeitar a coisa futura, o direito transfere-se
quando a coisa for adquirida pelo alienante”. Ora, nos termos do art. 880.º/1 surge
precisamente a obrigação que concretiza aquele momento de transferência → obrigação de
o vendedor “exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens
vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato”.

18
A diferença entre os bens futuros stricto sensu e os restantes bens elencados no art. 880.º é a
transferência da propriedade se dar em momentos distintos: no primeiro dá-se com a aquisição pelo
alienante da coisa coisa; no segundo, dá-se com a colheita ou separação.

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O problema é precisamente em relação a que bens é que o vendedor tem de diligenciar


uma vez que, como refere o enunciado, Aníbal produz tipicamente 1 tonelada de alfaces,
mas no mês de Abril apenas produziu 700 quilos.
Neste ponto temos que ter em atenção: o objeto do contrato como estipulado no enunciado
é a produção mensal e não a referida tonelada de alfaces, que é apenas a produção que
costuma ocorrer. Por isso, pegando na referida norma vamos ver:

● resultava das circunstâncias do contrato que o que seria objeto de entrega era
a produção mensal, e portanto, no mês de Abril, 700 quilos de alfaces →
literalmente o que ficou acordado foi que o objeto da venda era a produção de
alfaces mensal, pelo que tendo apenas produzido os 700 quilos, apenas são
devidos os 700 quilos, na mesma pelo preço de 1000€ (e isto resulta da obrigação
de pagamento do preço do art. 879.º, alínea c)

● resultava das circunstâncias do contrato que o que seria objeto de entrega era
1 tonelada de alfaces → em termos interpretativos é verossímil que a expectativa
de Beatriz era a venda de uma 1 tonelada, e que sendo essa a produção que Aníbal
sabe que normalmente produz, se poderia considerar como implícita. Assim,
implicitamente teria ficado acordado que o objeto de venda era uma tonelada pelo
que se tem de verificar os efeitos de a prestação realizada não ser conforme à
prestação “acordada”. Ora, sendo aplicado em geral o regime do não cumprimento
(responsabilidade civil), e estando em causa, uma impossibilidade não culposa,
então temos à nossa disponibilidade a possibilidade de redução na medida do
possível nos termos do art. 793.º/1. Desta forma, sendo devido 1 tonelada mas
apenas sendo possível entregar 700 quilos, a prestação do vendedor reduz-se a
essa quantidade, ao mesmo tempo que o preço devido pelo comprador é reduzido
proporcionalmente, passando a dever apenas 700€. Se Beatriz deixar de ter
interesse na prestação pode ainda resolver o contrato nos termos do n.º 2 daquele
artigo.19

20

21

19
“Tratando-se de uma impossibilidade, total ou parcial, não culposa ou imputável ao vendedor, o
efeito será o da extinção do contrato ou o cumprimento parcial, hipóteses em que ou o vendedor
perde o direito à prestação (art. 795.º/1) ou a redução na medida da impossibilidade (art. 793.º/1).”
20
Refere Raul Ventura, “os contraentes podem estipular as relações entre a quantidade da coisa e o
cumprimento do contrato ou entre a quantidade da coisa e o preço. Podem, por exemplo,
convencionar que o contrato só produzirá efeitos se vier a existir uma quantidade mínima fixada no
contrato e nesse caso ter-se-á como inexistente a coisa se essa quantidade não for atingida, com as
consequências normais da inexistência, designadamente quanto ao preço, que não é devido.
Podem estipular um preço por unidade, de modo que o preço total será proporcional à quantidade
produzida. Podem estabelecer um preço global e fazê-lo reduzir se não chegar a existir uma
quantidade mínima."
21
O facto de, na compra e venda de uma esperança, o preço ser devido, mesmo se o bem futuro
não se efetivar, não obsta à sua qualificação como compra e venda. Independentemente de o bem
futuro vir, ou não, a ter existência há sempre algo efetivamente vendido: a própria esperança ou
expectativa de aquisição.
A obrigação de entrega segue os termos gerais. Independentemente de ser rei speratae ou de
emptio spei, deve ser entregue pelo vendedor a coisa estipulada. Se, na segunda modalidade, o

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Contudo, diz Menezes Leitão que há casos “em que o objeto da venda é a mera esperança
de aquisição das coisas, como no exemplo de alguém vender a futura produção de laranjas
do seu pomar, independentemente de esta ocorrer ou não” → parece precisamente o que
se passa aqui, pelo que teríamos que dizer que estávamos perante a venda de esperanças
e por isso perante uma venda de coisas futuras emptio spei, nos termos do art. 880.º/2,
segundo o qual mesmo que não se chegue a verificar a transmissão dos bens, haveria
obrigação de pagamento do preço total.

Cumpre fazer a distinção entre:


➢ bens futuros → venda de coisas futuras rei speratae (n.º 1)
➢ esperanças → venda de coisas futuras emptio spei (n.º 2) → nestas situações o que
está em causa é a mera esperança da aquisição dos bens, assentando sobre o
comprador o risco de mesmo que aquela transmissão não se vir a verificar, ainda
assim fica adstrito a realizar o pagamento. Nesta hipótese o objeto da venda é
inicialmente uma mera esperança e, destarte, o preço será devido mesmo se a
efetiva transmissão da coisa ou bem futuro se não efetivar.

A venda de coisa futura diferencia-se de uma venda de esperança pelo facto de na primeira
o preço só ser devido se a coisa vier realmente a existir. (...) na segunda o risco de não se
verificar a transferência da propriedade é atribuído ao comprador.

Nestes casos como refere a norma “é devido o preço, ainda que a transmissão não chegue
a verificar-se” se as partes atribuírem ao contrato caráter aleatório, isto é, que em
contraposição com os contratos de caráter comutativo em que há uma certeza objetiva das
prestações que no primeiro não existe, assumindo o comprador apenas o risco de que
essas prestação virão a existir (são situações em que a atribuição patrimonial não é certa).

Neste ponto, cumpre referir que existe divergência doutrinária:


a) o caráter aleatório tem de ficar expressamente estipulado, pelo que se as partes
nada dizerem o contrato não poderá ser considerado emptio spei, mas rei speratae
pelo que sujeito àquele regime de redução → Menezes Leitão: “a diferença entre a
venda de bens futuros e a venda de esperanças, é que na segunda o risco de não
se verificar a transferência da propriedade é atribuído ao comprador. Uma vez que
essa atribuição envolve uma derrogação às regras normais de distribuição do risco,
tem-se entendido que deve ser expressamente clausulado.” ⇒ a seguirmos esta
doutrina, nada no enunciado parece implicar que houve tal estipulação não se irá
aplicar o art. 880.º/2, o que quer dizer que não seria uma esperança mas antes uma
coisa futura stricto sensu - redução do valor a pagar

b) o caráter aleatório não tem de ficar expressamente estipulado → Pedro de


Albuquerque: “alguma doutrina entende dever essa cláusula ser expressamente
pactuada por estar em jogo uma alteração das regras gerais da distribuição do risco.
Não vimos, porém, razões para alterar a regra geral em matéria de relevância da

comprador preferir receber bem diferente, em vez de nada há uma alteração voluntária do objeto do
contrato.

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vontade das partes.” ⇒ não sendo necessário que o caráter aleatório fique
estipulado, então parece de aplicar o art. n.º 2 e nesse caso mesmo que Beatriz
tivesse esperança de receber 1 tonelada de alfaces, e não as recebeu, pagará na
mesma a totalidade do preço

b) Imagine agora que Aníbal apenas tinha produzido 700kg de alface no mês de
abril por não ter utilizado nos meses de fevereiro e de março as dosagens
adequadas de pesticidas. Quid iuris?

Parece ser uma questão referente à obrigação presente no art. 880.º/1, onde se diz que o
“vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira
os bens vendidos”.
O que é que se entende por “diligências necessárias”? → deverão ser determinadas caso a
caso. Num caso pode implicar a prática de atos materiais (p.e. regar um pomar), noutros
casos podem ser atos juridicos (p.e. deixar vencer juros). No caso presente, estaria em
causa a prática de atos materiais, mais concretamente, a utilização dos pesticidas de forma
correta.

O vendedor está obrigado a adquirir, para si, o bem alienado, dando-se a transferência da
propriedade de forma automática (art. 408.º/2).22
Se não o fizer, por facto imputável, responderá por incumprimento obrigacional, nos termos
do art. 798.º e 799.º. Neste ponto, em termos de indemnização, existe uma divergência
doutrinária sobre se o vendedor responde pelo:
● interesse contratual negativo, isto é, visando colocar o comprador prejudicado na
situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o contrato (aquilo que perdeu
com a obrigação) → Raul Ventura: “a indemnização corresponde ao interesse
negativo, aos prejuízos que o comprador não teria sofrido se o contrato não tivesse
sido celebrado (...) só conta o interesse negativo, pois o vendedor impediu que se
completasse o negócio em formação.” → esta escolha é resultado de Raul Ventura
considerar que o que está em causa num contrato de bens futuros é um contrato
incompleto (*).

● interesse contratual positivo, isto é, ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a


obrigação tivesse sido cumprida (aquilo que iria ganhar com a prestação)
○ Menezes Leitão: “Uma vez que está em causa uma obrigação emergente de
um contrato validamente celebrado, naturalmente que essa indemnização
não ficará limitada pelo interesse contratual negativo”
○ Pedro de Albuquerque: “Diremos apenas não estar impedida a produção de
alguns dos efeitos a que tendem os negócios incompletos. Afastada estará,
isso sim, tão-só, a produção da totalidade dos respetivos efeitos.
Parece-nos, destarte, e atendendo ao facto de logo com a compra e venda
de bens futuros surgir para o vendedor a obrigação de adquirir a coisa,
determinar o respetivo incumprimento culposo o dever de indemnizar pelo
interesse contratual positivo.

22
Esta é uma obrigação de conteúdo positivo, não se confundindo com o dever das partes de nada
fazerem suscetível de impedir a especificação.

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Nos casos de indemnização pelo interesse positivo (logo, ressarcimento em relação àquilo
que ia ganhar com a prestação), mantém-se a sua obrigação correspectiva de prestação.
Assim, querendo ser indemnizado pela não produção, ainda tinha que pagar o preço.

Pode na CV de bens futuros haver lugar a garantia pelos vícios ou falta de qualidades da
coisa? Ou se o facto de a coisa ser futura a exclui implicitamente?
➢ na emptio spei o problema reside em saber se a natureza aleatória abrange os
defeitos da coisa. A resposta terá de ser não, pois o comprador admite o pagamento
do preço mesmo que a coisa não chegue a existir.
➢ na emptio rei speratae admite-se em regra a garantia sem prejuízo de poder ser
excluída por convenção expressa ou implícita das partes, pela natureza da coisa, ou
pelas circunstâncias em que se prevê a respectiva produção.

Natureza e enquadramento dogmático da venda de bens futuros ou pendentes e de partes


componentes ou integrantes de uma coisa:
1) Teoria da condição → Romano Martinez
2) Teoria do negócio incompleto → Raul Ventura (*): “o negócio sobre coisas futuras é,
assim, um negócio cuja formação não fica completa no momento em que é
celebrado, mas que as partes encaram como podendo vir a completar-se pela
presença da coisa e que ficará eternamente incompleto se a coisa não chegar a ser
presente”
E Pedro de Albuquerque → 23 “Parece, pois, uma realidade incompleta. (...) Só não
parecerá apropriada a utilização do termo negócio incompleto se se entender não
poder este produzir nenhum tipo de efeitos, pois na compra e venda bens futuros se
produz um efeito obrigacional (...) assiste-se já à produção de alguns efeitos do
negócio, mas não há a respectiva plenitude (...) entender como um negócio jurídico
de formação complexa. Relativamente à emptio spei, atendendo à natureza
aleatória, ela traduz um negócio completo e não em via de formação.”

3) Teoria do Negócio Obrigacional → Menezes Leitão: “Finalmente, outra posição


refere tratar-se de uma modalidade especial de venda obrigatória, uma vez que o
vendedor se obriga, com caráter definitivo, a realizar o que for necessário para que
se possa verificar a aquisição da propriedade pelo comprador. (...) há que referir que
a venda de bens futuros não constitui uma modalidade específica de venda

23
Tivesse a venda de bens futuros e a venda de esperanças de se sujeitar à mesma moldura, a
possibilidade de se apelar para a ideia de compra e venda obrigacional ficava, na nossa perspetiva,
desde logo afetada. A venda de esperanças não pode ser jamais um negócio meramente
obrigacional, pois, ele transfere imediatamente a esperança (...) a compra e venda de bens futuros
com caráter aleatório é um negócio com eficácia transmissiva imediata de uma esperança (...) é um
negócio com uma dupla virtualidade, mas não um negócio só obrigacional.
A verdade, porém, reside no facto de nos parecer não se vislumbrar nenhuma razão para submeter à
mesma moldura.
Poder-se-á, então, entender como obrigacional ou como uma prestação de serviço a venda de
coisas futuras sem caráter aleatório? Não. Desde logo porque a obrigação do vendedor de adquirir a
propriedade ser evitável. Além disso, toda a venda produz alguns efeitos obrigacionais, mas nem por
isso é um contrato obrigacional.
Também não parece possível dizer-se ser a prestação de serviço ou de diligenciar um dever
acessório.

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obrigatória, na medida em que a celebração do contrato já integra o esquema


negocial translativo, que não fica dependente de uma segunda atribuição patrimonial
a realizar pelo vendedor. É, no entanto, manifesto que aqui surge uma obrigação
para o vendedor, de cujo cumprimento vai depender a realização do efeito da
transmissão previsto no contrato. Assim, e com a ressalva acima referida,
parece-nos que a qualificação mais adequada consiste nesta última posição.”

Comentários ao art. 880.º:


- podemos discutir se as diligências são obrigações acessórias ou realmente uma
parte do contrato → se assegura a entrega dos bens está a garantir a produção do
efeito real
- o ponto de partida no incumprimento é que se presume a culpa
- diligências podem ser ações ou omissões
- sendo as diligências cumpridas pode acontecer que a coisa não venha a ser
adquirida → ponto de partida é a presunção - se provar não ser culpa - só paga o
que recebe
- se entrega a coisa mensal nunca há incumprimento porque ele se obrigou a
entregar a produção mensal e não a tonelada
- a referência à tonelada pode ser para efeitos de fixação de um preço médio
- partes podiam ter acautelado melhor a situação ao prever p.e um acerto de contas
OU tinha que o arranjar noutro sítio
- art. 881.º → como as situações são diferentes a consequência é a oposta. No 880
só pago o acordado a não ser que haja caráter aleatório; no 881.º porque as partes
sabem daquilo o preço tem de ser pago na totalidade a não ser que as partes
estabeleçam que assim não seja

CASO N.º 5

No início do mês de janeiro, Josefina vendeu a Leonel o seu anel de diamantes de noivado,
obrigando-se a Leonel a pagar o mesmo até ao final daquele mês, uma vez que Josefina
necessitava do dinheiro para pagar até ao dia 10 do mês seguinte, um avultado empréstimo
bancário.
Analise, de forma autónoma, cada uma das seguintes situações:

Estamos perante um contrato de compra e venda nos termos do art. 874.º, segundo o qual,
se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. No caso,
está em causa a venda de um anel de Josefina a Leonel, segundo uma contraprestação de
pagar por aquele.

Falando de um anel estamos perante coisa móvel nos termos do art. 202.º/1, 203.º e 205.º,
pelo que nos termos do art. 875.º a contrario, não é necessário forma especial para a
realização do contrato, havendo liberdade de forma nos termos do art. 219.º.

Ainda, e nos termos do art. 874.º conjugado com o art. 879.º, alínea a) e art. 408.º/1, o
consenso verificado é suficiente para a transferência da propriedade da coisa (sistema de
título), mesmo que não se tenha ainda realizado o pagamento do anel.

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a) Passados cinco dias Leonel apresentou-se a Josefina a solicitar-lhe a entrega


do anel. Esta porém diz que só entrega a jóia com o pagamento do dinheiro.
Terá atuado corretamente?

Não! Porquê? Três “argumentos”:

1) Devemos começar, antes de tudo, por atentar ao que ficou acordado entre as partes: o
pagamento do anel seria feito até ao final daquele mês. Desta forma, a aceitar24 que “no fim
do mês” é uma fixação válida, então estamos na presença de uma obrigação a prazo,
implicando que a realização da obrigação de pagamento da coisa seja diferida para outro
momento. Desta forma, partindo-se daquela condição, nos termos do art. 779.º, o benefício
do prazo dá-se a favor do devedor, o que implica dizer que a obrigação pode ser cumprida
a qualquer momento pelo devedor, mas não pode ser exigida pelo credor até ao fim do
prazo.
Assim sendo, tendo ficado acordado que a obrigação só seria cumprida no final do mês,
Leonel pode cumprir a qualquer momento MAS Josefina não pode exigir tal pagamento
antes do fim do prazo → unicamente por esta via, sabemos já que não seria possível a
solicitação do pagamento antes do prazo acordado, pelo que Josefina não atuou
corretamente.

2) O prazo relativo à obrigação de entrega do anel. Assim, apenas temos o art. 882.º/1 que
nos refere que a coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da
venda. Nada se tendo estipulado, parece que estaria em causa uma obrigação pura nos
termos do art. 777.º/1, pelo que temos um benefício em favor de ambos, que implica que ”o
credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o
devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela” → por aqui temos que a entrega do anel
pode ser feita a qualquer momento por Josefina, ao mesmo tempo que pode ser requerida
a qualquer momento por Leonel. Isto quer dizer que quando Leonel veio requer a entrega
do anel, estava a interpelar Josefina, que em não cumprindo entraria em mora nos termos
do art. 804.º e 805.º.

3) Temos um terceiro aspecto a considerar que é o facto de Josefina dizer que só entregava
o anel se Leonel procedesse ao pagamento → isto parece apontar para uma invocação de
exceção de não cumprimento nos termos do art. 428.º, que é uma faculdade de um dos
contraentes (neste caso Josefina) de recusar a sua prestação enquanto a outra contraparte
não efetuar a sua ou não oferecer o seu cumprimento. Em relação a esta faculdade são
exigidos dois requisitos:
1) “contratos bilaterais” → em relação a este primeiro requisito falamos de uma
questão de sinalagma - contratos sinalagmáticos são aqueles em que existem,

24
Se não se considerar que o “fim do mês” é uma fixação válida, então não houve a fixação de
nenhum prazo, pelo que estamos na presença de uma obrigação pura, sujeita aos termos do art.
777.º. Teremos então um benefício em favor de ambos, que implica que” o credor tem o direito de
exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo
exonerar-se dela”.
Assim sendo, não tendo ficado acordado prazo, e naqueles termos, Leonel pode cumprir a qualquer
momento, ao mesmo tempo que Josefina pode exigir o cumprimento a todo o tempo.

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como dizem Pires de Lima e Antunes Varela “prestações correspectivas ou


correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante de outra.”
→ são aqueles dos quais não só nascem obrigações para ambas as partes, como
também, essas obrigações se encontram unidas uma à outra por um vínculo de
reciprocidade ou interdependência. Estamos perante um vínculo que acompanha as
obrigações típicas do contrato desde o nascimento deste, e por isso falamos de um
sinalagma genético [art. 897.º, alínea b) e c)], e continua a refletir-se no regime da
relação contratual durante todo o período de execução do negócio (falando-se de
um sinalagma funcional).
Ora, é precisamente de um contrato bilateral que falamos nos contratos de compra e
venda uma vez que com a sua realização se criam obrigações para ambas as
partes, mas é também um contrato sinalagmático uma vez que ao mesmo tempo
que o devedor do preço se torna credor da entrega da coisa, o credor do preço se
torna devedor daquela entrega → neste ponto, seria um requisito mais que
verificado.
O CV tem sempre um sinalagma genético e funcional. A exceção de não
cumprimento, é considerada pela jurisprudência, como uma manifestação do
sinalagma funcional porque permite o equilíbrio das prestações através de um
cumprimento mútuo das obrigações.

2) “prazos diferentes para o cumprimento das prestações” → ora neste ponto já vimos
que o prazo para a realização do pagamento era até ao fim do mês. Parece-me que
existiam prazos diferentes para o cumprimento das obrigações, uma vez que o
prazo de entrega do preço era o final do mês, enquanto que o prazo de entrega do
anel deu-se com a interpelação → em princípio, não seria possível invocar a
exceção de não cumprimento.

Contudo, e segundo Menezes Leitão esta questão dos prazos diferentes não é absoluto
podendo ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do
outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que deva cumprir primeiro → no
caso não se podia ser na mesma porque quem invocou a excepção foi quem foi
interpelado, que era precisamente a pessoa que tinha de cumprir primeiro.

Há porém uma situação em que apesar de existirem prazos diferentes, a lei permite a
utilização da exceção mesmo ao contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro
lugar → art. 429.º (que deve ser conjugado com o art. 780.º e 781.º) → não parece caber
dentro de nenhuma dessas possibilidades, pelo que essa possibilidade seria afastada.

De qualquer forma, o professor referiu que o problema podia ser respondido


unicamente por recurso às regras gerais das obrigações, sem ser necessário levantar
o problema da exceção de não cumprimento.

b) Considerando, por um lado, que Leonel não pagou o preço do anel no prazo
combinado, e por outro a necessidade do dinheiro para liquidar o mútuo
bancário, Josefina escreve a Leonel declarando o contrato resolvido e
exigindo-lhe o anel de volta para depois vender a Manel. Quid iuris?

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Nos termos do art. 874.º e art. 879.º, alínea c) o pagamento do preço é simultaneamente
um elemento essencial do contrato de compra e venda e um efeito essencial. Assim, e
como ficou referido na alínea anterior, havendo um prazo para o cumprimento estaríamos
perante uma prestação a prazo.
Contudo, Leonel não paga o preço do anel nesse prazo. Estaríamos então numa situação
de mora nos termos do art. 804.º/2 - “considera-se em mora quando, por causa que lhe seja
imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido” - conjugado com
o art. 805.º/2, alínea a).

Por causa do atraso no pagamento, e porque tem o empréstimo para pagar, Josefina
pretende resolver o contrato → não o pode fazer → art. 886.º “transmitida a propriedade da
coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção
em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço.”. Temos então que
verificar os “requisitos”:
○ transmissão da propriedade → sabemos que foi transmitida a propriedade da
coisa, uma vez que essa transmissão se dá por mero efeito do contrato nos
termos do art. 408.º/1, art. 874.º e art. 879.º, alínea a).
○ entrega da coisa → sabemos também que foi feita a sua entrega uma vez
que o enunciado refere que na declaração de Josefina, esta exigiu também
que Leonel devolvesse o anel.
○ “salvo convenção em contrário” → nada no caso nos refere que as partes
acordaram o direito de resolução na falta de pagamento pelo que se
presumindo que efetivamente não ocorreu também estaria verificado
25

Desta forma, por via do art. 886.º não poderia haver resolução do contrato.

A solução do art. 886.º representa uma exceção ao art. 801.º, pelo que só faria sentido
referir este artigo se o art. 886.º não existisse. Para efeitos de sub-hipótese, nos termos do
art. 801.º/2 a resolução apenas funciona perante incumprimento definitivo, o que implica
que tivesse de haver a transformação da mora nos termos do art. 808.º/1 por perda de
interesse ou por via de uma interpelação admonitória. Assim, aquela declaração teria que
contar, na melhor das hipóteses como a referida interpelação, que não cumprida é que
abria a oportunidade para o incumprimento definitivo.

Porque é que o legislador vem acrescentar isto no art. 886.º? “Uma das circunstâncias
incluídas na previsão legal é a de ter havido reserva de propriedade. Compreende-se a
exigência. Se houver transferência da propriedade, deixa de ser possível, em qualquer
caso, sob pena de grave incoerência do sistema, a resolução do contrato por falta de
pagamento do preço. É o que se preceitua no art. 866.º.”

25
Quando é que se pode então proceder à resolução do contrato com fundamento no não
pagamento do preço? 1) na eventualidade de isso ter sido convencionado, 2) na hipótese de não ter
havido entrega da coisa, 3) no caso de o vendedor reservar para si a propriedade da coisa nos
termos do art. 409.º
Pires de Lima e Antunes Varela → “ (...) o art. 886.º também lhe não retira por completo o direito de
resolução do contrato (...) Se o vendedor a não tiver entregue e o comprador se recusar a pagar o
preço no momento devido, nada impede que, nos termos já indicados, ele possa vir a obter a
resolução da venda.”

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O professor aqui diz que na ótica de uma das partes já está cumprido por isso o legislador
parte do pressuposto, embora as partes possam acordar o inverso, que faltando apenas o
pagamento do preço, o único objetivo que se tem é esse pagamento e não a resolução do
contrato.

O facto de o art. 886.º permitir ou não ainda está dependente dos termos gerais.

Art. 886.º → aplicação é passível de criar equívocos porque está escrito de uma maneira
pouco feliz. Temos 2 pressupostos positivos e 1 negativo → se os 3 estiverem verificados a
consequência é negativa (se o legislador o estivesse escrito pela positiva teria sido de
aplicação mais fácil).

Qual é a pretensão indemnizatória? Pelo art. 806.º, os juros de mora. E se tiver danos
superiores aos juros, pode pedi-los pelo n.º 3 mas tem que provar esses danos.

c) Não estando Leonel por motivos imprevistos em condições de pagar o anel,


propôs a Josefina que aceitou de modo a garantir o cumprimento de tal
obrigação aditar ao contrato uma cláusula de reserva de propriedade do anel.
Comprador e vendedor atuam validamente?

Como referido no enunciado, estaria aqui em causa uma cláusula de reserva de


propriedade, prevista no art. 409.º/1, segundo a qual, é "lícito ao alienante reservar para si a
propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou
até à verificação de qualquer outro evento.”

Raul Ventura → “A cláusula de reserva de domínio, como parte do contrato, está sujeita à
forma legal do contrato e em princípio é dispensada de exigências de forma quando o
mesmo suceda para o contrato” → no caso estava em causa uma coisa móvel, não sujeita
a forma especial, pelo que também a cláusula não estaria sujeita a forma.

Assim, tendo sido aceite, J (alienante) reserva para si a propriedade do referido anel até, ao
que o enunciado parece indicar, seu pagamento total. Até aqui parece uma situação normal
de cláusula de reserva de propriedade. Contudo, é necessário atentar no facto que a
cláusula foi negociada e aceite após o contrato de compra e venda já estar concluído e em
execução. Cabe então saber se é permitido clausular a reserva de propriedade depois de
celebrado o contrato.

Pedro de Albuquerque refere que “via de regra, os contratos são livremente alteráveis
mediante acordo das partes. À primeira vista poderia, pois, parecer possível inserir (...)
Sucede, todavia, gozar a compra e venda de eficácia real. Uma vez celebrada assiste-se à
transmissão da propriedade (...) Donde, celebrada a venda deixa de ser possível, mesmo
com a anuência do comprador, o vendedor reservar para si algo que não lhe pertence.”

No mesmo sentido, Raul Ventura: “(...) mas não resolvemos o problema de saber se a
estipulação da cláusula deve ser contemporânea da celebração do contrato (...) O
obstáculo à inserção da cláusula em contrato de venda já existente consiste no efeito real
do contrato; se este já transferiu a propriedade para o comprador, não pode ter efeitos uma
sua modificação no sentido de a propriedade ser mantida temporariamente no vendedor.”

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24

E ainda Menezes Leitão: “Assim, se a venda já foi celebrada, não poderá posteriormente
ser nela inserida uma cláusula de reserva de propriedade, dado que a propriedade nesse
caso já foi transferida para o comprador.”

Contra esta posição, Luís de Lima Pinheiro que “pende a favor da possibilidade de a
estipulação de reserva de propriedade, depois de vendido o bem poder representar uma
retransmissão da propriedade.” Não sendo possível incluir, então, tal cláusula depois do
contrato já estar realizado, que alternativas é que existem? 1) a possibilidade de as partes
estipularem, através de contratos autónomos, que o vendedor readquira a propriedade e
depois a torne a transmitir sob reserva, 2) em relação às situações em que o contrato ainda
não tiver produzido efeitos reais p.e. com coisas futuras; nessas situações, as partes
podiam acordar a reserva antes de a coisa de tornar presente (porque verdadeiramente
nesse caso a questão não se coloca).

No caso em discussão, tratava-se, verdadeiramente, de uma situação de impossibilidade


porque a reserva da propriedade pressupõe a titularidade do bem, que no caso já não
existia.

Sendo então proibida, ainda assim a cláusula foi aditada. Qual é a consequência? →
nulidade da cláusula.

CASO N.º 6

Nuno comprou um carro a Ofélia por 20 000 €. Quanto ao pagamento do mesmo, ficou
combinado que Ofélia receberia um outro carro de Nuno em retoma, avaliado em 10000 €,
sendo os restante 10 000 € pagos em 20 prestações mensais e sucessivas, de 500€ cada uma.
Foi ainda estipulada a reserva de propriedade do veículo no terceiro.

Estamos perante um contrato de compra e venda nos termos do art. 874.º, segundo o qual,
se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. No caso,
está em causa a venda de um carro de Ofélia a Nuno, segundo uma contraprestação de
pagar por aquele.

1) Questão do pagamento → ficou acordado que o preço a pagar seria realizado pela
entrega de um carro no valor de 10 000€, e os restantes 10 000€ seriam pagos por
prestações mensais de 500€ durante 20 meses → a questão do pagamento por via de
entrega de um outro bem implica dizer que estaríamos perante um contrato de permuta.
Não se levantava, contudo, problemas a esse nível, uma vez que por via do art. 939.º, o
regime da compra e venda é aplicável “aos outros contratos onerosos pelos quais se
alienam bens” → questão de qualificação

2) Tínhamos ainda uma compra e venda a prestações nos termos do art. 934.º → refere
Pedro de Albuquerque que a expressão “não retrata de modo rigoroso esta modalidade (...)
a prestação é uma só como uma só é a dívida (...) traduz antes parcelas de uma
prestação”.
A regra geral das vendas a prestações é o art. 781.º, contudo, vem a ser derrogado pela
norma específica para a compra e venda a prestações presente no art. 934.º.

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3) Falando de um carro estamos perante coisa móvel sujeita a registo → isto é relevante
para a questão da reserva de propriedade. Havendo uma cláusula de reserva de
propriedade nos termos do art. 409.º/1, e nos termos de Raúl Ventura e Pedro de
Albuquerque, a cláusula estando sujeita à forma legal do contrato, terá que neste caso ser
também ela registada → temos que ter em atenção o Decreto-Lei 54/75 de 12 de Fevereiro
(relativo ao Registo Automóvel) para nos termos do art. 5.º/1, alínea b) dizer que está
sujeito a registo a reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação de veículos
automóveis.

Mesmo que não haja registo não deixo de ser proprietário.

E se não for registada? Não é oponível perante terceiros.

E se fosse uma coisa não sujeita a registo, seria oponível?


● Pedro Romano Martinez → retomando a posição de Vaz Serra entende que a
cláusula não é oponível a terceiros de boa fé e invoca quatro argumentos:
1) necessidade da tutela da aparência e regime da compra e venda a
comerciante → não há analogia de situações. Além disso, para a venda de
bens alheios existe solução expressa para o problema da aparência (art.
892.º)
2) relatividade dos contratos (art. 406.º CC), já que sendo a reserva de
propriedade uma cláusula sem registo não poderia ser oponível a terceiros
→ prova demais porque assim nem mesmo a transferência da coisa ou
titularidade do direito podia ser alegada diante de terceiro
3) não se compreenderia que a reserva no caso de bens imóveis dependesse
de registo, e que tratando-se de reserva de móveis fosse erga omnes →
também prova demais. Na hipótese dos bens sujeitos a registo a própria
oponibilidade do negócio de transmissão a terceiros de boa fé depende de
registo. O mesmo não sucede com os atos de transmissão dos móveis.
4) pela falta de pagamento cabe ao vendedor resolver o contrato nos termos
admitidos pelo art. 886.º, mas nos termos do art. 435.º/1 a resolução não
prejudica os terceiros de boa-fé → uma vez que na compra e venda com
reserva de propriedade o vendedor mantém a propriedade, a reserva não
afeta nenhum direito adquirido por terceiro, dado o comprador, por não ser
proprietário, não poder transmitir ou alienar mais do que os próprios direitos

De resto, a posição é claramente desmentida pelo art. 104.º/4 do CIRE quando este dispõe
que mesmo nos casos de insolvência do comprador, a oponibilidade da cláusula de reserva
de propriedade apenas depende do requisito da sua estipulação por escrito. Em casos de
insolvência, a cláusula é oponível desde que reduzida a escrito. Se na insolvência assim é,
nos restantes casos basta que se prove, e mesmo que assim não fosse nunca se chegaria
à posição de Romano Martinez.

● Pedro de Albuquerque e Menezes Leitão → (ML) “É manifesto que de acordo com


os princípios da causalidade e consensualidade vigentes no nosso sistema a
reserva poderá ser normalmente oposta a terceiros de boa-fé. A lei só exige a
publicidade da reserva nos casos de bens sujeitos a registo. Nos outros não será

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por isso exigida qualquer publicidade para se poder opôr a reserva a terceiro mesmo
que esteja de boa-fé e tenha obtido a propriedade por transmissão do adquirente.

a) No terceiro mês do contrato, Nuno falha no pagamento da prestação deste


mês. Em consequência, Ofélia decide vender o carro a Penélope. Quid iuri?

Nesta questão temos que analisar dois pontos:

● a falha no pagamento da 3.ª prestação de Nuno [atenção: quando o professora fez a


correção desta hipótese referiu que o facto de o enunciado referir a venda a prestações não
implicava que esse fosse um problema aqui a discutir e que o caso era para nos focarmos no
problema da reserva de propriedade]

Como já referido o princípio geral é o do art. 781.º, segundo o qual “a falta de realização de uma
delas importa o vencimento de todas”. Atenção que neste ponto existe uma divergência doutrinária:
por um lado, há autores que apoiados na letra da lei defendem que com a falta de uma das
prestações, as restantes são alvo de um vencimento antecipado. Por outro, há autores (PA e MC)
que dizem que não se trata de um real vencimento antecipado mas antes de uma simples situação
de exigibilidade antecipada (“o credor deve dispor da faculdade de exigir ou de não exigir o
pagamento imediato”.

Contudo, esta norma é derrogada pela aplicação do art. 934.º, específica para os contratos de
compra e venda a prestações → “Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita
a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava
parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de
propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, sem
embargo de convenção em contrário.”

Ora, o que iremos então verificar através deste artigo é a possibilidade de resolução ou perda do
benefício do prazo por incumprimento de uma das prestações → contudo, há que atentar, que PA diz
que o art. 934.º tem o mesmo âmbito que o art. 781.º → “o mesmo princípio vale para o art. 934.º (...)
o vendedor pode interpelá-lo, exigindo o pagamento das prestações vincendas. A partir desse
momento, o comprador estará em mora relativamente a todas as prestações não pagas” → ou seja,
o que trata de se ver aqui é se na realidade verificar se o vendedor pode exigir as restantes
prestações (e não que tem direito a elas por resolução do contrato).
Assim, para a aplicação do artigo tem que se verificar:

I. venda de coisas a prestações → é precisamente disso que aqui se trata

II. com reserva de propriedade → Pires de Lima e Antunes Varela: “Uma das circunstâncias
incluídas na previsão legal é a de ter havido reserva de propriedade. Compreende-se a
exigência. Se houver transferência da propriedade, deixa de ser possível, em qualquer caso,
sob pena de grave incoerência do sistema, a resolução do contrato por falta de pagamento
do preço. É o que se preceitua no art. 866.º”

III. houve a entrega da coisa → neste caso teríamos que abrir a hipótese uma vez que nada nos
caso nos dá essa informação:
A. houve a entrega
B. não houve a entrega → PA: “o art. 934.º parece absolutamente perentório no sentido
de a limitação (...) depender da entrega da coisa. Mas a solução não pode ser
acriticamente aceite” (...) nenhum impedimento em aplicar também a restrição
imposta pelo art. 934.º, no respeitante ao vencimento antecipado, aos cenários nos

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quais se não assistiu à tradição da coisa” → a solução seria a mesma que se tivesse
havido entrega

IV. a falta de pagamento de uma prestação que exceda 1/8 do preço


A. “falta de pagamento em dois sentidos (...) tratando-se da exigência do cumprimento
da totalidade das prestações basta a mora. Estando, porém, em jogo o exercício do
direito de resolução apenas após incumprimento definitivo”. Em relação a este ponto,
Pires de Lima e Antunes Varela “não adquire o vendedor imediatamente direito à
resolução do contrato. Deixa apenas de funcionar o obstáculo à resolução do
contrato levantado pelo art. 934.º, passando a sujeitar-se ao regime normal da
resolução (...) o vendedor só adquirirá realmente direito à resolução do contrato
quando a mora se converter em não cumprimento definitivo, nos termos do art.
808.º/1”
B. 1/8 * 20 000 = 2500€. Sabemos que a prestação em falta tem o valor de 500€, pelo
que se conclui que a falta de pagamento não excede aquela percentagem →
requisito não se encontrava verificado

O último requisito não se encontrava verificado, pelo que o art. 934.º não tinha aplicação.

● a questão de Ofélia ter vendido o carro o Penélope

Raul Ventura: “O vendedor, ao vender com reserva de propriedade, assume para o


comprador um dever de não vender ou por outro modo alienar a coisa. Não se trata apenas
do dever geral de nada fazer que impeça a produção do efeito do contrato, mas antes, em
nosso entender, de uma convenção de indisponibilidade da coisa implícita na reserva de
propriedade, como necessária salvaguarda do comprador (...)”.
“(...) há que determinar o valor jurídico para com terceiros das vendas efetuadas pelo
vendedor, apesar da reserva. Deve assentar-se em que, mantendo o vendedor a
propriedade, tem, em princípio o poder de alienação da coisa: assim, nos casos em que
nem o contrato nem a reserva sejam oponíveis a terceiros, a venda a um terceiro não sofre
de vício invocável contra o terceiro adquirente. Se tanto o contrato como a reserva são
oponíveis a terceiros a nova venda está subordinada a esse facto; o contrato ainda não
produziu a transmissão da propriedade, mas se esta vier a ocorrer, será oponível a terceiros
(...)”

Ainda, PA que diz “O titular do direito alienado deixa, verdadeiramente, de o ser para, ter
uma garantia real, ou se se preferir, uma propriedade limitada ao papel de garantia. O
comprador, esse, passa a deter, como efeito do negócio sujeito à reserva, uma expectativa
real de aquisição do bem.”

«Todavia, a sua posição analisa-se num conjunto de outros deveres secundários,


designadamente o de proporcionar o gozo pacífico da coisa ao adquirente, “sobretudo sem
que sejam praticados actos que possam comprometer a substância da expectativa ou
impedir a sua conversão num direito real”. Neste quadro, a hipótese de alienação a
terceiros do bem objeto de reserva na pendência da mesma é de difícil verificação, pois o
vendedor encontra-se adstrito a proporcionar o gozo pacífico do bem e a assegurar a sua
aquisição uma vez pago o preço.»

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Não podia vender e vendeu → consequências? Não pode ser considerada uma venda
válida. Apesar de Ofélia manter a propriedade, a cláusula de alienação com reserva
encontra-se registrada pelo que pode ser conhecida por terceiros.
Depois da venda, Ofélia não mantém a plenitude dos poderes do normal proprietário,
nomeadamente os poderes de alienação. Consequentemente, tal hipótese deverá ser
equiparada à venda de coisa alheia como própria, sancionando-se tal venda com a
nulidade.
Será que podemos justificar esta solução dizendo que o art. 1305.º quando diz que o
proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de disposição, abre a ressalva de
que assim é “dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Não poderíamos então considerar que o próprio art. 409.º é uma das limitações abertas
pela própria lei àqueles poderes plenos de disposição ?

O comprador sobre reserva não irá ver a sua posição afetada porque nos termos do n.º 2
ela é oponível a terceiros.
O vendedor não mantém a reserva para vender a coisa a outrem, mas para poder resolver
o contrato nos casos de incumprimento, por isso se diz que não poderia realizar a venda.
Se ele não pode vender e o faz, em termos internos, pode haver indemnização em relação
aos danos sofridos (que o professor diz que, em princípio, não serão muitos).
Há quem sustente que esta situação deve ser tratada como uma venda de coisas alheias
(ML e PA), pelo que a venda não irá produzir quaisquer efeitos. TSF não concorda, e diz
que parece que deveria ser tratado em termos de uma venda de bens onerados (o segundo
comprador adquire a coisa onerada com a reserva).
b)
c) No quinto mês do contrato, por origem criminosa nunca apurada, o carro ficou
irremediavelmente inutilizado. Nuno exige que Ofélia lhe entregue um carro
novo, sob pena de deixar de pagar as prestações seguintes.

A vende carro, sob reserva a B, entregando a coisa vendida, mas o carro é destruído por
causa não imputável às partes. Pode B exigir outro carro? E recusar-se a pagar?
Este problema não está expressamente tratado no nosso sistema, e portanto as
coordenadas para o problema serão o art. 409.º associado ao art. 796.º 26.

Mas isto é um problema? Qual é a relevância? Em termos de risco, a regra geral é correr
pelo comprador nos termos do art. 796.º/1. Mas a questão coloca-se aqui porque não há
uma transferência automática da propriedade

Para a resolução do problema, podemos encontrar diferentes soluções:

a) risco corre pelo comprador → nesta solução, correndo o risco pelo comprador
Nuno não tinha direito a exigir um carro novo, e mantinha-se na mesma na
obrigação de pagar as suas prestações:

26
O n.º 1 dá-nos a regra de que o risco corre pelo titular do direito. No n.º 2 temos as situações em
que apesar de ter havido a transferência, a coisa continuar com o alienante, segundo a qual o risco
não se transfere. No n.º 3 temos o risco em matéria de negócios juridicos condicionados.

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i) Raul Ventura → há quem diga que assim é porque era vontade de partes
que risco passasse a correr pelo comprador. O comprador já pretende tirar
vantagens da coisa e por isso assume o risco desse aproveitamento.
TSF diz que aceita esta opção quando tenha havido expressa vontade, mas
que se torna difícil de apoiar o risco cair no comprador se nada for dito;

ii) Romano Martinez → fundamenta o risco do comprador pelo art. 796.º/1: o


n.º. 1 fala de realidades distintas, já que uma coisa é a transferência do
domínio sobre certa coisa e outra é a transferência do direito real. Na CV
com reserva não há transferência do direito real mas há uma transferência
do domínio;
1) a reserva de propriedade tem essencialmente uma função de
garantia mas em que o comprador tem o gozo da coisa,
legitimando-se, portanto, ser ele a assumir o inerente risco
2) o art. 796.º refere a transferência de domínio
3) a cláusula de reserva de propriedade seria em simultâneo uma
condição suspensiva e resolutiva; sendo resolutiva e tendo havido
tradição da coisa, o risco corre pelo comprador
4) o art. 796.º/3 determina correr, tendo a coisa sido entregue ao
comprador, o risco por conta deste (...) mesmo quando se trate de
condição suspensiva, a tradição da coisa importa a transferência do
risco

Pedro Albuquerque → art. 796.º/1 → “o sentido normativo do artigo 796.º/1


é elucidar como independentemente da natureza associada a reserva de
propriedade ela importa sempre a transferência do risco da perda ou
destruição da coisa para o adquirente, não o desonerando de pagar o preço
mesmo se ela vier a desaparecer ou perecer”. “A cláusula de reserva não
representa nem uma condição nem uma condição resolutiva. Ainda assim, a
posição mantém-se: o perigo de perecimento fortuito da coisa incide sobre o
comprador que não é desonerado do pagamento do preço”.

Referiu-se o argumento do domínio material da coisa. Então basta a entrega da coisa para
que o risco passe a correr pelo comprador? E o professor invoca mais algum argumento?
O que é que quer dizer isto de correr o risco? Quais são as consequências práticas?

iii) Menezes Cordeiro → apoiam a posição com base no art. 796.º/2, porque nos
casos em que não se produz o efeito real a regra é de o risco se transfere
com a entrega

iv) art. 796.º/3 → Pires de Lima e Antunes Varela: “Sendo a venda a prestações,
com entrega da coisa, um contrato sujeito a resolução, o risco de
perecimento da coisa corre já por conta do adquirente”

b) há quem entende que o risco se mantém no vendedor, com base na regra geral
do n.º 1. O contrato não importa a transferência de propriedade porque esta foi
sujeita a reserva pelo que o risco corre pelo vendedor → Galvão Teles → Neste
caso, correndo o risco pelo vendedor então Nuno tinha razão em pedir novo carro,

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que se não fosse, podia levar validamente à recusa do pagamento do


remanescente.

E se o bem perecer por facto imputável a terceiro → PA: “deverá proceder-se à repartição
do risco segundo o proveito próprio de cada um. Atendendo ao facto de o vendedor
preservar a propriedade apenas com uma função de garantia, deve suportar o risco de
perda de garantia. O comprador, que já estava a tirar o gozo da coisa, suportará o risco da
perda ou deterioração dela.”

- o art. 409.º não restringe a reserva de propriedade às compras e vendas, apesar de


na maioria dos casos é aqui que os problemas se levantam.
- muitos problemas sobre a reserva estão relacionados com o facto de haver um
único artigo
- numa interpretação unilateral até pode dar a impressão - errada - que podia ser
estipulada unilateralmente. Na verdade, requer o consentimento; estamos na área
dos contratos
- pode discutir-se se pode ser aposta uma reserva até o devedor pagar uma dívida a
terceiro
- só quando a cláusula esteja registada é que é oponível a terceiros pelo que se não o
for tem como consequência o não ser oponível a terceiros → 1) o registo não é
condição de validade mas é condição de oponibilidade (pelo que não é a cláusula
não é afetada em termos de validade, nem em termos de oponibilidade entre as
partes); 2) coisas não sujeitas a registo são inoponíveis a terceiros (n.º 2 a
contrario). [Romano Martinez diz que não será oponível a terceiros de boa fé.]
- esta oponibilidade quando exista é oponível pelo vendedor, pelo comprador ou por
ambos
- a reserva de propriedade existe para proteger o vendedor (comparativamente com
um vendedor sem reserva). Por exemplo, pode resolver o contrato, afastando-se a
aplicação do art. 886.º. Seria um problema que seria facilmente resolvido por via de
uma convenção das partes possibilitando a resolução, mas mesmo assim não seria
oponível a terceiros.
O próprio facto de haver a transferência só se dar com o final do pagamento é um
incentivo ao pagamento, mas não é uma verdadeira garantia em sentido real.
A questão ainda das situações de não ingressando no património do devedor não
serve para responder aos restantes credores do comprador (que correm em termos
igualitários nos termos do art. 604.º) → com a reserva asseguro melhor estas
situações, e ainda as situações de insolvência.
Se nós disséssemos que o risco corre por conta do vendedor estaríamos a
subverter aquilo que era o objetivo da reserva, porque poderia ficar numa situação
de que teria de entregar coisa nova e numa situação melhor que um vendedor sem
reserva (que é precisamente o contrário do que se queria).
- há quem diga, na questão do risco, que as partes estipulando a reserva e realizando
a entrega da coisa que se afastam as regras do art. 796.º
- VER AS OUTRAS QUESTÕES LEVANTADAS NO MANUAL (acrescentar)

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CASO N.º 7

Andreia adquiriu a Bernardo uma máquina de lavar louça, tendo sido convencionada a
reserva de propriedade e acordado que o preço devido no valor total de 1000€ seria pago
em vinte mensalidades de 50€ cada.

Analise de forma autónoma das demais cada uma das seguintes situações:

a) Andreia esqueceu-se de pagar a primeira mensalidade.

Estamos perante um contrato de compra e venda nos termos do art. 874.º, segundo o qual,
se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. No caso,
está em causa a venda de uma máquina de lavar de Bernardo (vendedor) a Andreia
(comprador), segundo uma contraprestação de pagar por aquele de 1000€.
Tratando-se de uma coisa móvel não está sujeita à forma prevista no art. 875.º, pelo que há
liberdade de forma nos termos do art. 219.º.

Tratava-se em concreto de uma compra e venda a prestações nos termos do art. 934.º →
refere Pedro de Albuquerque que a expressão “não retrata de modo rigoroso esta
modalidade (...) a prestação é uma só como uma só é a dívida (...) traduz antes parcelas de
uma prestação”.

O que se trata em concreto nas seguintes alíneas é do tratamento do incumprimento de


Andreia que se esqueceu de pagar a primeira mensalidade. Assim, cumpre fazer a análise
do art. 934.º e ss. (e relacionados, como o art. 781.º).

ARTIGO 934.º

RESOLUÇÃO VENCIMENTO ANTECIPADO


(diga-se exigibilidade antecipada)

1) venda a prestações 1) venda a prestações


2) reserva de propriedade 2) não é necessário haver reserva de
a) PA → não é necessário propriedade (o próprio artigo assim
b) ML → é necessário o diz)
3) entrega da coisa 3) não é necessária a entrega da coisa
4) valor da prestação em (PA) (Lobo Xavier diz que mesmo
incumprimento tem de exceder 1/8 para o vencimento antecipado é
necessário a entrega)
Se não existisse o art. 934.º seria aplicável 4) valor da prestação em
o art. 886.º, segundo o qual não é permitida incumprimento tem de exceder ⅛
a resolução se 1) houver transmissão da
propriedade, 2) houver entrega da coisa e Se não existisse o art. 934.º seria aplicável
3) não houver convenção. o art. 781.º.

i) Pode Bernardo resolver o negócio? NÃO

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Contudo, esta norma é derrogada pela aplicação do art. 934.º, específica para os contratos
de compra e venda a prestações → “Vendida a coisa a prestações, com reserva de
propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só
prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato,
nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo
relativamente às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.”

“Vendida a coisa a prestações com reserva da propriedade, e feita a sua entrega ao


comprador, a omissão de uma prestação cujo valor exceda a oitava parte do preço, ou de
duas ou mais prestações independentemente do seu valor, dá ao vendedor o direito de
resolver o contrato”. Assim, para a aplicação do artigo tem que se verificar:

I. venda de coisas a prestações → é precisamente disso que aqui se trata

II. com reserva de propriedade


A. PA → “Julgamos não fazer realmente sentido não aplicar a limitação do art.
934.º às situações de reserva de propriedade (...) não erguem um estorvo à
aplicação analógica do art. 934.º à resolução do contrato de compra e venda
a prestações sem reserva”. Não haverá contudo necessidade de ponderar a
existência de uma lacuna. “Na realidade, afigura-se não ser o sentido
normativo da referência, no art. 934.º, à reserva de propriedade, o de tornar
a resolução da venda a prestações sem reserva isenta das restrições. (...) a
de a norma abranger, quer as hipóteses de reserva, quer as de falta dela” →
não é necessária a reserva de propriedade
B. ML → “Na venda a prestações, a resolução do contrato depende da
circunstância de ter sido celebrada uma cláusula de reserva de
propriedade.”. No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela.

III. houve a entrega da coisa → neste caso teríamos que abrir a hipótese uma vez que
nada nos caso nos dá essa informação:
A. houve a entrega
B. não houve entrega → trata-se de requisitos cumulativos, pelo que não
havendo a entrega faltava um requisito para a possibilidade de resolver o
contrato

IV. a falta de pagamento de uma prestação que exceda 1/8 do preço → 1/8 * 1 000 =
125€. Sabemos que a prestação em falta tem o valor de 50€, pelo que se conclui
que a falta de pagamento não excede 1/8 → requisito não se encontrava
verificado, pelo que sendo requisitos cumulativos não haveria direito a
resolução.

Ainda assim e mesmo que todos os requisitos estivessem verificados diz PA que “falta de
pagamento em dois sentidos (...) tratando-se da exigência do cumprimento da totalidade
das prestações basta a mora. Estando, porém, em jogo o exercício do direito de resolução
apenas após incumprimento definitivo”. Em relação a este ponto, Pires de Lima e Antunes
Varela “não adquire o vendedor imediatamente direito à resolução do contrato. Deixa
apenas de funcionar o obstáculo à resolução do contrato levantado pelo art. 934.º,
passando a sujeitar-se ao regime normal da resolução (...) o vendedor só adquirirá

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realmente direito à resolução do contrato quando a mora se converter em não cumprimento


definitivo, nos termos do art. 808.º/1” → Assim, mesmo que os requisitos estivessem
verificados, teria que haver a transformação da mora em incumprimento definitivo.

Não pode resolver o contrato por aqui, então o que pode fazer? art. 806.º e 804.º/1 (juros de
mora) e art. 817.º (ação de cumprimento).

E se não existisse o art. 934.º? Tínhamos que ir ao art. 886.º e íamos chegar à conclusão
que podia resolver porque havia reserva de propriedade (porque o artigo 886.º tem os
requisitos pela negativa para a não possibilidade de resolução - não se verificando um
daqueles requisitos pode resolver).

ii) E exigir o pagamento de todas as mensalidades por vencer? NÃO

O princípio geral em relação ao incumprimento nas vendas a prestações é o do art. 781.º,


segundo o qual “a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Atenção que neste ponto existe uma divergência doutrinária: por um lado, há autores que
apoiados na letra da lei defendem que com a falta de uma das prestações, as restantes são
alvo de um vencimento antecipado. Por outro, há autores (PA e MC) que dizem que não se
trata de um real vencimento antecipado mas antes de uma simples situação de exigibilidade
antecipada (“o credor deve dispor da faculdade de exigir ou de não exigir o pagamento
imediato”).
Ora, o que iremos então verificar através deste artigo é a possibilidade de resolução ou
perda do benefício do prazo por incumprimento de uma das prestações → contudo, há que
atentar, que PA diz que o art. 934.º tem o mesmo âmbito que o art. 781.º → “o mesmo
princípio vale para o art. 934.º (...) o vendedor pode interpelá-lo, exigindo o pagamento das
prestações vincendas. A partir desse momento, o comprador estará em mora relativamente
a todas as prestações não pagas”. O mesmo princípio vale para o art. 934.º. Ou seja:
faltando o comprador a uma prestação superior a um oitavo do preço, ou a duas
prestações, independentemente do seu valor, o vendedor pode interpelá-lo, exigindo o
pagamento das prestações vincendas. A partir desse momento, o comprador estará em
mora.

Assim, para ser possível a exigência de todas as mensalidades por vencer (“exigibilidade
antecipado”).

I. venda de coisas a prestações → é precisamente disso que aqui se trata

II. a reserva de propriedade deixa de ser um requisito [PA → “Em qualquer dos
cenários - com ou sem reserva de propriedade - a falta de pagamento de uma
prestação de montante inferior a um oitavo não determina a perda do benefício do
prazo.”]

III. entrega da coisa → neste caso teríamos que abrir a hipótese uma vez que nada nos
caso nos dá essa informação:
A. houve a entrega
B. em relação à não entrega da coisa → PA: “o art. 934.º parece absolutamente
perentório no sentido de a limitação (...) depender da entrega da coisa. Mas

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a solução não pode ser acriticamente aceite” (...) Mas a distinção de regime
em razão de a coisa ter sido, ou não entregue, parece mostrar-se pouco
apropriada se em jogo estiver apenas o vencimento antecipado. (...) Não
vimos nenhum impedimento em aplicar também a restrição imposta pelo art.
934.º, no respeitante ao vencimento antecipado, aos cenários nos quais se
não assistiu à tradição da coisa” → a entrega ou não, não seria relevante
não sendo necessária a sua entrega para que se possa exigir as restantes
prestações.

IV. a falta de pagamento de uma prestação que exceda 1/8 do preço → 1/8 * 1 000 =
125€. Sabemos que a prestação em falta tem o valor de 50€, pelo que se conclui
que a falta de pagamento não excede 1/8 → requisito não se encontrava verificado,
pelo que sendo requisitos cumulativos não haveria direito ao vencimento
antecipado.

b) Andreia pagou a primeira mensalidade, apesar de tardiamente, e depois voltou


a esquecer-se de pagar a segunda mensalidade. Quid iuris?

Problema: já houve “incumprimento” de uma primeira mensalidade (que, contudo, foi paga
tardiamente) e volta a haver o incumprimento de uma segunda mensalidade.
ML → “se no entanto, o que ocorrer for uma mera reiteração do incumprimento, como no
caso o devedor faltar pela segunda ou terceira vez ao pagamento de uma prestação, depois
de ter liquidado tardiamente as outras que se encontrassem em dívida, já parece que o
artigo 934.º continuará a aplicar-se (...) nesse caso a liquidação tardia sana os efeitos do
incumprimento ulterior, pelo que continua a estar em falta uma só prestação” → Assim,
apesar de ter havido um incumprimento prévio, este foi temporário, tendo vindo a ser pago
pelo que verdadeiramente o que está aqui em causa é apenas o incumprimento de uma
prestação, que sabemos já não ser excedente a ⅛.
Assim, não poderia haver nem perda do benefício nem resolução.

c) Andreia não pagou a terceira mensalidade, nem a seguinte. Quid iuris?

Aqui o problema é já um incumprimento reiterado das mensalidades. Temos um


incumprimento no valor de 100€ (a falta de duas prestações). Mas 1/8 da divida é 125€.
Assim, estamos precisamente perante a situação que Menezes Leitão diz ser controvertida
de estar em causa duas prestações cujo montante total não excede um oitavo do preço.
Assim, pergunta-se se deverá ser determinante a expressão “uma só prestação”? Ou a
expressão “que não exceda a oitava parte do preço”?

● No sentido de que faltando duas prestações acumuladas é indiferente o seu valor.


Note-se contudo que as duas prestações em falta devem verificar-se em simultâneo,
não valendo como tal uma reiteração de falha, mas em que uma das obrigações já
foi cumprida apenas se encontrando por pagar outra → Pedro de Albuquerque (ML,
Pires de Lima e Antunes Varela, Pedro Romano Martinez) → Temos que o
incumprimento foi seguido, e sendo indiferente o seu valor, houve a falta de duas
prestações pelo que não se justifica estender a esta hipótese o benefício do art.
934.º e pode então haver perda do benefício ou a resolução. Isto porque como

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refere ML “faltando o comprador ao pagamento de duas prestações a falta de


confiança do vendedor na realização das prestações futuras é total”.

● Em sentido contrário, sustentando a necessidade de na hipótese de existirem várias


prestações em falta, a sua soma ser igual ou superior à oitava parte → Batista
Lopes (“ caso se entenda que o elemento determinante na fixação é o valor em falta:
não ser superior a um oitavo o vendedor não pode resolver o contrato”) → a
proteção do art. 934.º mantém-se porque o valor em incumprimento é inferior ao 1/8
pelo que não há perda de benefício ou possibilidade de resolução.
d) .
e) Suponha que tinham sido acordadas, ao invés de vinte mensalidades, apenas
cinco → isto implica que cada uma das prestações passa a valer 200€

i) Andreia falta ao pagamento de uma das mensalidades

Assim:
I. venda de coisas a prestações
II. a reserva de propriedade (na opinião do regente não é necessária nem para a
resolução, nem para o vencimento antecipado)
III. entrega da coisa → neste caso teríamos que abrir a hipótese uma vez que nada nos
caso nos dá essa informação (para a resolução é necessária a entrega da coisa. Já
para a possibilidade de vencimento antecipado não é necessário que tenha havido
tal entrega)
A. houve a entrega → é possível quer a resolução, quer o vencimento
antecipado
B. não houve a entrega → apenas é possível o vencimento antecipado

IV. a falta de pagamento de uma prestação que exceda 1/8 do preço → 1/8 * 1 000 =
125€. Sabemos que a prestação em falta tem o valor de 200€, pelo que se conclui
que a falta de pagamento excede 1/8

Verificam-se todos os requisitos, pelo que não é possível resolução (porque o artigo está
escrito na negativa).

Como é que há a articulação entre a resolução e o vencimento antecipado? Não pode


resolver e depois exigir as restantes prestações (porque não pode pedir algo de um
contrato resolvido). Só poderá resolver o contrato depois de ter exigido as restantes
prestações.

Há aqui mais alguma coisa que Bernardo podia fazer?

ii) Andreia falta ao pagamento da 1.ª mensalidade mas ainda não tinha
havido entrega da máquina

I. venda de coisas a prestações


II. a reserva de propriedade (na opinião do regente não é necessária nem para a
resolução, nem para o vencimento antecipado)

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III. entrega da coisa → não houve (para a resolução é necessária a entrega da coisa.
Já para a possibilidade de vencimento antecipado não é necessário que tenha
havido tal entrega).
IV. a falta de pagamento de uma prestação que exceda 1/8 do preço → 1/8 * 1 000 =
125€. Sabemos que a prestação em falta tem o valor de 200€, pelo que se conclui
que a falta de pagamento excede 1/8

Não podia haver resolução, mas podia haver um vencimento antecipado. ATENÇÃO
PORQUE O ARTIGO ESTÁ NA NEGATIVA.

Na discussão sobre a entrega, o que é que resulta da lei? A letra não diz nada em
específico sobre a reserva, sendo que a única coisa que distingue é a questão da reserva
pelo que parece apontar no sentido de que é necessário.
Mas PA e Lobo Xavier discordam.
Será que esta posição faz sentido perante os casos da hipótese? É neste tipo de casos que
os professores colocam o problema?
E, pessoalmente, acha que esta posição faz sentido?

A resolução e o vencimento como é que se articulam? Podem ambos ser exigidos? São
alternativos? Para resolver o contrato é necessário a exigência das restantes
mensalidades?

Bernardo podia fazer alguma coisa? Podia intentar uma ação de cumprimento,
acompanhado de indemnização pelos juros de mora.

iii) Andreia falta ao pagamento da 1.ª mensalidade mas não tinha havido
reserva de propriedade, nem entrega da máquina

I. venda de coisas a prestações


II. a reserva de propriedade (na opinião do regente não é necessária nem para a
resolução, nem para o vencimento antecipado)
III. entrega da coisa → não houve (para a resolução é necessária a entrega da coisa.
Já para a possibilidade de vencimento antecipado não é necessário que tenha
havido tal entrega)
IV. a falta de pagamento de uma prestação que exceda 1/8 do preço → 1/8 * 1 000 =
125€. Sabemos que a prestação em falta tem o valor de 200€, pelo que se conclui
que a falta de pagamento excede 1/8

Seria possível o vencimento antecipado mas continuava a não ser possível a resolução
porque a coisa não tinha sido entregue.

Como é que o professor fundamenta a interpretação de que na resolução não é necessário


a reserva? O professor diz que em geral é o princípio geral é o ser admissível sem reserva,
e que o “com reserva” é no sentido do legislador assentar que também nas situações de
reserva é possível a aplicação deste artigo.

f) Pronuncie-se sobre a admissibilidade da cláusula final inserida no contrato


entre Andreia e Bernardo

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Em relação ao art. 934.º, esta cláusula é admissível? Quando se diz “sem embargo de
convenção”? Questão da imperatividade do art. 934.º:
● é imperativa
○ Pires de Lima e Antunes Varela → “Esse o sentido que inquestionavelmente
decorre do espírito da lei, toda empenhada em defender o computador
contra a perigosa sedução do pagamento a prestações e da máquina
publicitária dos vendedores e em atenuar as consequências da desigual
condição económica dos contraentes. Para conseguir esse objetivo, a norma
legal necessita de impostor-se ao próprio contraente protegido a fim de que
ele não seja vítima da sua mesma fraqueza.” Em acórdão, não faria sentido
admitir-se que essa protecção fosse retirada por simples estipulação
negocial, que dificilmente corresponderia a um efectivo exercício da
liberdade contratual”
○ PA → “não parece existir, a nosso ver, nenhuma dúvida no sentido da
imperatividade do preceito.” (dá a mesma justificação que CC Anotado)

● é supletiva → STJ 4 de Fevereiro de 2003 (Ponce de Leão) → “se estivéssemos


perante disposição imperativa seria perfeitamente despropositada a expressão final
(...) o sentido natural da ressalva final seja exatamente o de permitir às partes
disporem diferentemente”

As partes convencionaram que “em caso de incumprimento de Andreia e de resolução do


contrato por Bernardo, este tem direito a reter todas as prestações recebidas.”
Parece, então, que o que está em causa é uma cláusula penal nos termos do art. 935.º,
consentida, em geral pelo art. 810.º.

Assunto debatido é o de saber se a limitação estabelecida no art. 935.º vale para toda a
situação de incumprimento ou apenas para as situações de resolução:
● apenas se aplica em situações de resolução → Menezes Leitão e PA
● ambas as situações → Pires de Lima e Antunes Varela: “Os critérios limitativos
estabelecidos neste artigo tanto valem para a hipótese de, não cumprindo o
comprador, o vendedor pedir a resolução do contrato, como para o caso de ele optar
pela manutenção do contrato, requerendo o pagamento das prestações em dívida.
Tudo depende do sentido e alcance que as partes tenham atribuído à estipulação da
cláusula penal.” → tendo a cláusula previsto ambas as situações, a cláusula era em
abstrato válida. Temos que, contudo, atentar aos valores referidos nos restantes
números do artigo.

Art. 935.º/2 → a indemnização fixada pelas partes será reduzida a metade do preço quando
as prestações pagas superem este valor e se tenha convencionado a não restituição delas.

QUESTÕES:

1) qual o significado no art. 934 quando se refere “falta de pagamento”? → o regente


refere que tem dois sentidos, uma vez que o próprio artigo prevê duas situações.
Assim, para a resolução exige-se o incumprimento definitivo; para o vencimento
antecipado é necessário a mora

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2) o que é o preço nos termos do art. 934.º? → estão normativamente abrangidas


todas as quantias a pagar pelo comprador ao vendedor como efeito da alienação,
mesmo se se tratar apenas de despesas, juros ou outras importâncias (PA)
3) e se não existisse o art. 934.º o que se aplicava para a resolução? art. 886.º
4) o que significa "perda do benefício do prazo"? (discutido em cima)
5) os requisitos da resolução são os mesmos que para a perda de beneficio? NÃO!
TABELA!
6) e se não existisse o art. 934.º o que se aplicava ao vencimento antecipado? art.
781.º

Considerações:
● o art. 934.º fala de dois problemas relacionados com a falta de pagamento
● o artigo é especial em relação ao regime já especial, que é especial já por si →
dupla especialidade. É uma especialidade que tem por escopo proteger o
comprador. Que prova por si que a disposição final do preceito é a imperatividade.
Daqui podemos ainda concluir que se a convenção estipulada der uma proteção
maior que a prevista no artigo então é admitida, pelo que este se torna supletivo. Se
a convenção estipular uma proteção menor então o artigo é imperativo → é uma
imperatividade de mínimos
● percorrendo o texto da lei diríamos que para a resolução é preciso 1) uma venda, 2)
a prestações, 3) reserva 4) entrega e 4) que o incumprimento não exceda 1/8 → se
estiver preenchido não pode resolver. Se não estiver preenchido, temos um
problema de falta de pagamento e vamos ver a aplicação do art. 886.º.
● quanto ao vencimento antecipado diz expressamente que não é necessário reserva.
E o sentido do texto, nada se especificando, é que é necessário a entrega da coisa.
Apesar de assim ser o texto, PA discorda.
● exigindo todas as prestações, e não sendo cumpridas ou intenta ação de
cumprimento (com direito a juros moratórios) ou resolve o cumprimento (o que foi
pago deve ser restituído, e o que foi entregue deve ser devolvido). Para resolver não
precisa de exigir, bastando o incumprimento definitivo de uma das prestações. O
que é óbvio que não é admissível é o resolver o contrato e depois pedir as
prestações
● em relação ao art. 935.º: 1) não invalida a aplicação do art. 810.º; 2) alguns autores
que dizem que a especificidade do art. 935.º só se aplica a alguns tipos de cláusulas
penais
● se eu resolver o contrato vou ter de restituir o que foi prestado. Nalguns casos isto
pode constituir uma situação extremamente desvantajosa p.e. imagine-se a situação
de CV de um carro, em que estive a receber o pagamento durante 4 anos; mas com
a resolução, tenho que devolver o que foi prestado e ainda recebo um caso com um
uso de 4 anos. Para se acautelar, é legítimo que o vendedor se queira acautelar
contra isso.
Está quase subjacente uma situação de usura.

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CASO N.º 9

Nuno e Maria, namorados, zangaram-se um com o outro, tendo Nuno decidido sair do
apartamento onde morava, com a Maria. Por falta de espaço na nova casa, Nuno decidiu
vender algumas das suas coisas que tinha no apartamento, pedindo a Maria se as poderia
mostrar a eventuais interessados. Resolva, de forma autónoma das demais, cada uma das
seguintes hipóteses:

a) Óscar desloca-se ao apartamento e fica interessado num armário de Nuno,


pretendendo comprá-lo e levá-lo. Maria, alegando que estava autorizada a
“tratar do assunto”, vende o móvel a Óscar. Quid iuris?

O ponto de partida é o tratarmos de um caso de venda de coisas alheias nos termos do art.
892.º e ss.. Há contudo que verificar os requisitos da venda de bens alheios:

I. venda de bens alheios


II. venda da coisa como própria → só se aplica o regime de compra e venda de bens
alheios se existir vontade de vender como próprias coisa alheia → Maria não está a
vender o armário como se fosse dela, invocando poderes de representação pelo que
não está em causa verdadeiramente uma CV de coisas alheias.
Esta característica não está diretamente na letra do art. 892.º, por isso pergunta-se
se está realmente na lei ou é uma construção doutrinária? Esta característica está
no art. 904.º !!

III. questão da legitimidade → PA levanta a questão de saber se a existência de


legitimidade para proceder à venda retira a natureza de venda de bens alheios ao
contrato
A. PA → Não: não deixaria, nestas situações, de se verificar uma compra e
venda de bens alheios, se o sujeito os vendesse como próprios, ainda que
legitimados. Assim, as hipóteses de venda de bens alheios por sujeito
legitimado apenas se referem às situações em que o sujeito vende os bens
como alheios
B. a generalidade da doutrina (Paulo Olavo, ML, MC) afirma ser pressuposto da
compra e venda de bens alheios a falta de legitimidade, isto é, não dispor ele
de poderes para a prática do ato pelo que não haveria compra e venda de
bens alheios se o vendedor dispusesse de poderes para realizar o ato de
disposição. Assim, não haveria compra e venda de bens alheios se o
alienante dispusesse de poderes para realizar o ato de disposição.

Temos, contudo, que pensar na possibilidade de o pedido feito por Nuno a Maria de mostrar
as suas coisas não ser considerado como uma verdadeira autorização; seria antes apenas
um pedido que não se estendia à possibilidade de o representar → se assim fosse
interpretado tínhamos uma situação em que Maria declara atuar como representante mas
não possui uma verdadeira legitimidade ("aspecto debatido é o de saber se se aplica, ou
não, o regime da compra e venda de bens alheios às situações nas quais o alienante
declara atuar como representante mas sem possuir a legitimidade necessária”):

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● Raul Ventura e Paulo Olavo Cunha → não há aplicação deste regime aos cenários
nos quais se vende algo pertencente a outrem no âmbito da representação sem
poderes designadamente, no domínio da gestão de negócios representativa, tendo o
comprador a possibilidade de revogar ou rejeitar o negócio.
● PA → “Julgamos, porém, (...) abrangem eles também as hipóteses em que o
vendedor admite não ser titular do bem, mas se arroga a legitimidade para alienar.
(...) Sujeitas ao regime da compra e venda de bens alheios estão, também, as
situações nas quais o vendedor atua em gestão não representativa, sem revelar a
sua qualidade, exceto se o dono do negócio vier a regularizar posteriormente os
atos praticados. Note-se, porém, não haver já motivo para a aplicação dos art. 892.º
e ss se o gestor revelar à contraparte a sua qualidade de gestor. O mesmo nos
parece valer para aqueles cenários nos quais o vendedor atua como mandatário
sem poderes de representação; mas já não nos parece poder afirmar-se não valer o
regime da compra e venda de bens alheios nas hipóteses nas quais existe mandato
sem representação e o mandatário alega poderes .”

As situações em que declara atuar como representante mas não tem os poderes para tal
estão abrangidos pelo art. 892.º e ss.27
Para PA estão também sujeitas à venda de bens alheios os casos de venda em gestão não
representativa (sem revelar a qualidade), no mesmo sentido, exceto se o dono do negócio
vier a ratificar os atos praticados. Revelando a qualidade, a solução é distinta: não há venda
de bens alheios.

PA → não deixa de se verificar uma


o pedido de Nuno de mostrar as suas situação de bens alheios
coisas implica a atribuição de poderes de
representação generalidade da doutrina → a falta de
legitimidade é um pressuposto pelo que no
caso não havia venda de coisas alheias

Paulo Olavo e Raul Ventura → não se


o pedido de Nuno não implica a atribuição aplica o regime de CV de coisas alheias
de poderes mas ainda assim eles são
invocados PA → estas situações estão incluídas com
certas ressalvas

b) Pedro desloca-se à casa e gostou muito de um quadro. Maria diz a Pedro que
aquele quadro ‘era seu’, mas que poderia vendê-lo a Pedro por 100€. Este
aceita. Quando soube do sucedido, Nuno exige o quadro de volta a Pedro que,
por sua vez, se recusa. Maria, contudo, diz que não pode fazer nada e que se a
pretensão de Nuno for a tribunal, o mesmo terá de declarar a nulidade do
contrato. Quid iuris?

27
Argumento: o regime da representação sem poderes, com a possibilidade de rejeição do negócio,
não pode conduzir a solução diversa da estabelecida na venda de bens alheios; em termos
indemnizatórios deve ficar na mesma posição que o que vende coisas alheias; a ratificação compra
um direito de exercício transitório (268.º/4) – na falta desta, aplica-se a venda da venda de bens
alheios

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● “Maria diz a Pedro que aquele quadro era seu” → nesta hipótese já se verifica
aquele segundo requisito (vender a coisa como própria), pelo que verificando-se a
questão da legitimidade estaremos já perante uma verdadeira CV de coisas alheias
nos termos do art. 982.º que se tem como nula.
Deste ponto, cumpre ver os efeitos dessa nulidade (em análise das restantes
questões levantadas pela hipótese.

● Nuno (o verdadeiro proprietário) exige o quadro de volta a Pedro que se


recusa

O que pode Nuno fazer para ter o quadro de volta? Relativamente ao proprietário da coisa o
CV de coisas alheias surge como res inter alios acta, não modificando ou atingido em nada,
e por si, a sua posição jurídica. Isto implica que Nuno não deixou de ser proprietário do
quadro. Assim, tem à sua disponibilidade a faculdade da ação de reivindicação nos termos
do art. 1311.º (vai ter que provar que: (a) é o proprietário do quadro, (b) Pedro tem a coisa
no seu poder e (c) Pedro não tem o direito de ter o quadro no seu poder).
ML → “Mesmo o verdadeiro proprietário não terá legitimidade para invocar a nulidade, já
que em relação a ele o contrato será sempre ineficaz (art. 406.º/2), pelo que ele será
sempre admitido a exercer a reivindicação, sem ter que discutir a validade do contrato ou
demonstrar que não consentiu na venda.”

Neste ponto, cabe verificar o que pode o proprietário, cujo bem foi vendido por terceiro
(Maria), fazer para clarificar a situação: (1) ação de declaração de nulidade de negócio ou
(2) ação declarativa de ineficácia.
a) Raúl Ventura → prioridade da nulidade sobre a ineficácia, pelo que a falta de
produção dos efeitos relativamente ao proprietário seria consequência da nulidade e
não da ineficácia. Além disso é indubitável o facto de o proprietário ter legitimidade
para interpor uma ação declarativa do seu próprio direito, apesar do contrato
celebrado entre outras pessoas, dado que numa ação declarativa contra o negócio
teria que ser necessariamente analisada a nulidade;
b) Pedro Albuquerque → discorda de Raúl Ventura
i) a prova de que a ineficácia não resulta da nulidade é suscetível de ser
extraída do regime de CV de bens alheios em comércio, que não é nulo mas
nem por isso deixa de ser ineficaz em relação ao proprietário
ii) sendo a propriedade um direito absoluto, a ação declarativa irá
fundamentar-se em razões absolutas: apenas terá que provar a sua
titularidade e não a nulidade do negócio).

Problema associado a este é o de saber se o tribunal deve considerar improcedente uma


ação de declaração de nulidade proposta pelo proprietário? → Antunes Varela e Nuno Pinto
de Oliveira, o juiz tem o poder-dever de corrigir o erro na qualificação jurídica do efeito
pretendido e declarar a ineficácia do contrato.

E Nuno pode pedir diretamente o quadro a Pedro? Tem que o exigir a Maria?
O que é que é melhor? Arguir a nulidade ou reivindicar?
Podia exigir diretamente a Pedro se fosse reividicar?

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● Maria diz que não pode fazer nada → questão da obrigação de convalidação e
indemnização pela nulidade do contrato

Nesta questão temos que discutir os efeitos que resultam da nulidade:

1) obrigação de restituição do preço e da coisa vendida → em resultado da sanção da nulidade a coisa


deve ser restituída, pelo comprador, ao vendedor esteja de boa fé ou de má fé. A restituição é feita a
quem procedeu à sua entrega e não ao verdadeiro proprietário (excepto se tiver sido intentada ação
possessória ou de reivindicação).

Art. 289.º conjugado com o art. 290.º → havendo nulidade, o vendedor deve restituir o preço; o comprador tem
de devolver a coisa (não sendo possível, deve entregar o valor correspondente).

Em específico, na obrigação de restituição do preço (por parte do vendedor e por isso de Maria) temos o art.
894.º: restituição integral do preço: o comprador (Pedro) de boa fé tem direito a exigir a restituição integral do
preço, mesmo se os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor.
Em termo deste preceito, de facto, muitas interpretações se desenvolvem:

a) Argumento a contrario: o comprador de má fé não pode pedir a restituição integral do preço (ao
contrário do que resulta do regime geral).

b) Diogo Bártolo e Raul Ventura: o artigo 894.º/1 não visa dar ao comprador de boa fé o direito à
restituição integral do preço (pois esse direito já resulta do artigo 289º/1); o sentido deste preceito é
desligar a restituição integral do preço de vicissitudes sofridas pela coisa, enquanto esta esteja em
poder do comprador de boa fé (não se pode exigir ao comprador de boa fé a prudência com o bem
similar ao devido se ele soubesse que é alheio). Por isso, não pode inferir-se do art. 894.º/1 não ter o
comprador de má fé jamais direito à restituição integral do preço mas tão-só não possuir o direito à
devolução da totalidade da importâncias nas situações de perda do bem, deterioração ou diminuição.
Ou seja, se o comprador está de má fé vale o regime do art. 289.º e 290.º (que lhe permite restituir o
preço)

c) MC: harmoniza o artigo 894º/1 com o artigo 1269º - o comprador de boa fé, de bem alheio, só
beneficiaria do regime estabelecido no artigo 894.º se as vicissitudes não se deverem a culpa sua.

d) ML: o adquirente de boa fé beneficia, por via do artigo 894.º/1, de uma proteção superior à do
possuidor de boa fé (o grau de diligência exigido ao primeiro é inferior ao exigido ao segundo) – na
hipótese de o comprador estar de boa fé, ele tem o direito de exigir a restituição integral do preço,
mesmo se os bens se hajam perdido, deteriorado ou diminuído. Nestas situações o comprador não tem
de devolver o valor referente à diminuição gerada pelo que estaríamos perante uma limitação, pelo
enriquecimento sem causa, do valor a restituir (art. 479.º/2).

e) PA
i) como ponto de partida parece de aceitar que o art. 894.º remete para o enriquecimento sem
causa (havendo perda, deterioração ou diminuição impõe para o comprador de boa-fé apenas
a restituição do enriquecimento; obrigando o adquirente de má-fé a restituir o obrigado à custa
de outrem).
ii) Significará isto um afastamento do art. 1269.º? O regime do art. 1269.º estabelece uma
responsabilidade, ou não, do possuidor perante o proprietário e um direito aos frutos e às
benfeitorias nas relações entre possuidor e proprietário.
Questão de ao art. 894.º estar subjacente uma nulidade atípica → vem regular a obrigação de
restituição do preço pago a (e perante) alguém que não tem legitimidade para o negócio.
1) Relações vendedor-comprador: como defende Menezes Leitão, vale a solução
prevista no artigo 894º; a culpa do comprador de boa fé na perda ou destruição do
bem é irrelevante e não influencia o direito à restituição integral do preço
(a) a partir do conhecimento do vício da compra: passa a responder pela perda,
deterioração ou diminuição (recebe do vendedor o preço limitado pelas
circunstâncias). Mas se o adquirente de boa fé não tiver culpa na perda ou

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deterioração terá direito à restituição integral do preço mesmo se


posteriormente à compra ele tiver sabido da nulidade.
(b) acresce-se, em qualquer das circunstâncias, o previsto no artigo 894.º/2
(c) nos termos do artigo 903º/1, o artigo 894º tem natureza supletiva: ele cede
perante convenção em contrário, excepto se o contraente a quem a
convenção aproveitaria houver agido com dolo, e de boa fé o outro
estipulante
2) Relações proprietário-comprador de boa fé: regem os artigos 1269.º e seguintes;
portanto, se destruir com culpa, o comprador responde perante o dono pela perda ou
deterioração.

2) obrigação de convalescença → art. 897.º

Por força do art. 895.º logo que o vendedor adquira a propriedade da coisa ou do direito
vendido, o contrato torna-se válido e a dita propriedade ou direito transfere-se para o
comprador.
Existem, porém, as limitações à convalescença no art. 896.º.

Art. 897.º → dever de validação do contrato de compra e venda em caso de boa fé do


comprador → vamos ver se havia esta obrigação para Maria.
Deve entender-se nestas situações a obrigação do alienante como qualquer outra, sendo
aplicável os art. 798.º e ss.
O comprador de boa fé pode exigir ao tribunal a fixação de um prazo para cumprimento da
obrigação de convalidação.

A obrigação de convalidação suscita o problema do seu emolduramento dogmático. Tendo


ela origem contratual põe-se a interrogação no sentido de saber como pode ser retirada:
a) Galvão Teles → filia-se diretamente na lei: não decorre de uma CV válida, resulta de
uma CV nula, como mero facto legal, a que por razões de justiça se atribui essa
consequência ou efeito
b) MC → tem a mesma natureza que a obrigação prevista no art. 880.º, pelo que seria
uma obrigação derivada do tipo contratual “venda de bens futuros”. Estar-se-ia
perante uma situação de conversão legal: redundaria na transformação da venda de
bens alheios numa venda de bens futuros.
PA → não segue MC porque haja que deve ser feita uma distinção entre a obrigação
de convalidação e a obrigação de diligenciar a aquisição na CV de coisas futuras.
c) Pires de Lima e Antunes Varela → obrigação legal embora de raiz contratual
d) PA → “não andam longe da verdade Pires de Lima/Antunes Varela”, reconduzindo o
dever de convalidação à autonomia privada

Isto tudo para concluir que havia uma obrigação de Maria para convalidar a CV → não o
fazendo temos uma indemnização fundada na obrigação de convalidar o contrato nos
termos do art. 900.º.
Diferentemente dos art. 898.º e 899.º em que o regime regra é o da indemnização pelo
interesse contratual negativo, surge no art. 900.º uma indemnização pela mora ou pelo não
cumprimento na qual está em jogo o interesse positivo.

Indemnização fundada na nulidade do contrato → art. 898.º e 899.º:

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● art. 898.º → necessário que um dos contraentes tenha atuado com dolo e o outro de boa fé. A
expressão dolo deve ser estendida à má fé. Daqui se deve entender haver indemnização na hipótese
de mera má fé ética
● art. 899.º → só será aplicável se o comprador se encontrar de boa fé. Estabelece uma
responsabilidade objetiva pelos danos causados ao comprados, mas que institui uma reparação
integral. PA diz que abrange apenas os danos emergentes, e que a responsabilidade objetiva não
alcança os lucros cessantes.

28

Conjugação dos art. 988.º, 989.º e 900.º:


a) havendo boa fé de ambos os contraentes o vendedor não pode opor a nulidade do contrato à outra
parte; responde pelo risco e pelo interesse contratual negativo nos termos do artigo 899º, e pelo
interesse contratual positivo segundo o artigo 900º;
b) se o vendedor estiver de má fé́ no momento da celebração do contrato e o comprador de boa fé só o
comprador pode suscitar a nulidade; o alienante responde de acordo com o artigo 898.º, pelo interesse
contratual negativo, e por força do artigo 900.º pelo interesse contratual negativo
c) se ambos estiverem de má fé, qualquer um pode suscitar a nulidade do contrato, mas não se aplica
nem a obrigação de convalidação (artigo 897.º), nem qualquer das indemnizações constantes dos
artigos 898.º a 900.º. O regime aplicável será́ o geral, com relevo para o artigo 570.º
d) se o alienante se encontrar de boa fé e o comprador de má fé só o primeiro pode suscitar a nulidade;
aplica-se apenas o regime do artigo 898.º – indemnização pelo interesse contratual negativo a cargo do
comprador.

Nos casos de má fé do comprador, não há nunca possibilidade de cumulação (pois nesses casos não há
obrigação de convalidação).

O art. 900.º/2 é mais restritivo pois afasta totalmente a cumulação e impõe ao comprador a opção entre a
indemnização pelo lucro cessante pela celebração do contrato inválido e a do lucro cessante pelo retardamento
ou ausência da convalidação.

Problema de saber se o art. 900.º/1 permite, de facto, a acumulação entre as indemnizações correspondentes
ao interesse contratual negativo e positivo:

● Paulo Mota Pinto → teria, pois, de se concluir, aplicando os princípios gerais, não permitir a cumulação
(...) mesmo só para os danos emergentes. O sentido do artigo não seria o de permitir a cumulação mas
apenas o de permitir ao comprador optar pela indemnização de valor superior, além da parte em que
os prejuízos são comuns, sem porém se poder somar rubricas do prejuízo correspondentes às
hipóteses mutuamente excludentes.
● PA → a solução passa por admitir a possibilidade de cumulação. A explicação reside no facto de ao
vício originário do contrato se juntar o não-cumprimento da obrigação de reparação do vício.

● Maria diz que o Tribunal teria de declarar a nulidade

Neste ponto trata-se de discutir a questão da legitimidade para arguir a nulidade, em


concreto saber se a nulidade pode ser conhecida oficiosamente:

a) Admissibilidade → Raul Ventura e Pires de Lima e Antunes Varela


b) Inadmissibilidade → MC, ML, Romano Martinez e PA → “esta orientação mostra-se
manifestamente preferível, pois, de outro modo estar-se-ia a afastar (indiretamente)
as proibições de invocação da referida nulidade.”
28
Nos danos emergentes, as despesas tornadas inúteis (deslocações, comunicações, custos legais, etc.)
realizados pelo adquirente para a celebração do contrato, a preparação da receção da prestação ou o
cumprimento da sua contraprestação são comuns tanto ao prejuízo que o comprador não sofreria se a compra
não tivesse sido realizada (pois não as teria realizado) como à falta de sanação do negócio (se o contrato fosse
válido o comprador teria incorrido nelas, mas não se teriam tornado inúteis).

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c) Quirino desloca-se ao apartamento e compra a Maria, por 500€, a televisão que


esta tinha comprado numa promoção no Centro Comercial de Aljubarrota,
juntamente com Nuno, quando ainda estavam apaixonados um pelo outro e a
viver juntos. Quid iuris?

Antes de mais, começar por referir, que dizendo o enunciado que a TV foi comprada por
Maria juntamente com Nuno estamos numa situação de compropriedade nos termos do art.
1403.º/1, segundo a qual “duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito
de propriedade sobre a mesma coisa.”

Assim, Maria e Nuno são comproprietárias do automóvel, o que implica nos termos do art.
1403.º/2 que os direitos que ambas têm sobre a coisa são qualitativamente iguais (isto é,
têm exatamente os mesmos tipos de faculdades sobre a coisa), embora possam ser
quantitativamente diferente (haja uma diferente repartição do exercício dessas faculdades)
embora se presuma que são quantitativamente iguais → assim, na falta de indicação em
contrário presume-se que as quotas são iguais (art. 1403.º/2, parte final), o que quer dizer
que 50% da TV (do seu valor) pertence a Maria, e os restantes 50% a Nuno.

Isto implica, e nos termos do art. 1408.º/1 que Maria pode dispor da sua quota na
comunhão. Não pode é, como refere a 2.ª parte do preceito, “alienar nem onerar parte
especificada da coisa comum” sem o consentimento dos restantes consortes (no caso
Nuno). Em relação a este preceito costuma ser feita a interpretação extensiva no sentido de
aqui se incluir não só a parte especificada da coisa comum mas toda a coisa.
Contudo, foi efetivamente isso que Maria veio a fazer, tendo vendido a TV a Quirino, e
portanto indo além da sua quota, sem o consentimento de Nuno → a consequência está
prevista no n.º 2 do mesmo artigo segundo o qual se deverá então considerar haver uma
disposição de coisa alheia na parte além da sua quota, isto é, tratamos aqui de uma venda
de bens parcialmente alheios.

Temos, então, o art. 902.º para estas situações segundo o qual “se os bens só parcialmente
forem alheios e o contrato valer na parte restante por aplicação do artigo 292.º,
observar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduzir-se-á
proporcionalmente o preço estipulado.” → Requisitos:

I. que os bens só parcialmente forem alheios → referem Pires de Lima e Antunes


Varela que “o preceito aplica-se, não ao caso de os bens serem do vendedor e de
outros comproprietários, mas de os bens distintos pertencerem ao vendedor e a
outras pessoas.” → não havia aqui uma venda de bem parcialmente alheio, mas
totalmente alheio porque o que existe na compropriedade é uma quota alheia
quando digo que tenho a quota de algo não tenho uma parte.
Art. 902.º → alguém vende uma coisa que é totalmente sua e depois vende uma
coisa que não é sua (implica a venda de duas coisas) → ex: vendo uma jarra minha
e depois vendo a jarra de outra pessoa (que é diferente de vender uma jarra em
compropriedade)

II. que o contrato valha na parte restante por aplicação do art. 292.º = isto é, tem que
se mostrar que mesmo com a parte alheia, o negócio ainda teria sido realizado. Se

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isso não ocorrer, e que portanto se verificar que o negócio não teria sido realizado
sem a parte alheia, o contrato é totalmente nulo, valendo as regras do art. 892.º e
ss.
Se o acordo tivesse sido celebrado, não obstante o caráter parcelarmente falho,
reduz-se, sempre, segundo o art. 902.º, proporcionalmente ao preço estipulado e
observam-se as disposições antecedentes a propósito da parte nula.

Conclusão: não estariam verificados os requisitos, pelo menos em relação ao primeiro,


uma vez que se trata de uma situação (compropriedade) que não está incluída na previsão
do preceito.

O Quirino fica proprietário da televisão?

d) Maria vende a bicicleta de Nuno a Ruben, tendo dito a este último que Nuno
lhe tinha prometido, por contrato, vender-lha. Posteriormente, contudo, veio a
suceder que Nuno vendeu a referida bicicleta a Sara. Ruben pretende agora
que Maria lhe devolva o preço que pagou pela mesma. Quid iuris?

pretensão indemnizatória

Paulo Olavo Cunha → “Para que a coisa seja considerada como futura é necessário que o
contrato se realize na perspetiva de que ela venha a entrar no património do alienante (art.
893.º). Por exemplo, ser o vendedor um promitente-comprador de bens, ou ser titular de um
direito de preferência na venda feita pelo proprietário, ou vender bens que tenha
encomendado, mas que ainda não lhe foram entregues.”

O que teríamos então aqui seria uma situação de venda de bens alheios como bens futuros
nos termos do art. 893.º 29:

● “fica sujeita ao regime da venda de bens futuros” → art. 880.º/1: “o vendedor fica
obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os
bens vendidos” → tornar o contrato-promessa em contrato definitivo

● “se as partes os considerarem nesta qualidade” → tínhamos que interpretar a


declaração negocial e verificar se efetivamente a bicicleta estava a ser vendida
como bem futuro → se concluirmos nesse sentido então a venda seria válida,
aplicando-se o regime da venda de bens futuros.

O que é que implica a aplicação do regime da venda de bens futuros para o resto da
hipótese, mais concretamente para a pretensão de Ruben em que lhe seja devolvido o
preço e que lhe seja pago uma indemnização pelos prejuízos que alega ter sofrido?

29
PA → “Mas não são hipóteses de venda de bens alheios as hipóteses nas quais as partes julgam
os objetos alienados como efetivamente alheios, seguindo-se, então, o regime da venda de bens
futuros (art. 904.º e 893.º)” (...) “se ambos os contraentes estavam cientes do facto de a coisa ser
alheia, não haver especiais razões para os proteger. Até por ser certo poderem sujeitar os bens à
disciplina do art. 893.º”

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↳ “O vendedor está obrigado a adquirir, para si, o bem alienado, dando-se a


transferência da propriedade de forma automática (art. 408.º/2).” = Neste caso, a Maria
estava obrigada a concretizar o contrato-promessa, para que se possa dar a transferência
da propriedade.

Se não o fizer, por facto imputável, responderá por incumprimento obrigacional, nos termos do art. 798.º e 799.º
→ Questão da divergência doutrinária, em que cumpre saber se o vendedor responde pelo:
● interesse contratual negativo, isto é, visando colocar o comprador prejudicado na situação em que
estaria se não tivesse sido celebrado o contrato (aquilo que perdeu com a obrigação) → Raul Ventura:
“a indemnização corresponde ao interesse negativo, aos prejuízos que o comprador não teria sofrido
se o contrato não tivesse sido celebrado (...) só conta o interesse negativo, pois o vendedor impediu
que se completasse o negócio em formação.” → poderia exigir que lhe fosse devolvido o preço

● interesse contratual positivo, isto é, ressarcimento do prejuízo que não sofreria se a obrigação tivesse
sido cumprida (aquilo que iria ganhar com a prestação)
○ Menezes Leitão: “Uma vez que está em causa uma obrigação emergente de um contrato
validamente celebrado, naturalmente que essa indemnização não ficará limitada pelo
interesse contratual negativo”
○ Pedro de Albuquerque: “Diremos apenas não estar impedida a produção de alguns dos efeitos
a que tendem os negócios incompletos. Afastada estará, isso sim, tão-só, a produção da
totalidade dos respetivos efeitos. Parece-nos, destarte, e atendendo ao facto de logo com a
compra e venda de bens futuros surgir para o vendedor a obrigação de adquirir a coisa,
determinar o respetivo incumprimento culposo o dever de indemnizar pelo interesse contratual
positivo.

Nos casos de indemnização pelo interesse positivo (logo, ressarcimento em relação àquilo
que ia ganhar com a prestação), mantém-se a sua obrigação correspectiva de prestação.
Assim, querendo ser indemnizado pela não produção, ainda tinha que pagar o preço → não
poderia exigir que lhe fosse devolvido o preço

Nesta alínea cumpre ainda referir a questão de saber se é ou não admissível um


contrato-promessa de venda de coisa alheia:
● Posição maioritária → vai no sentido da admissibilidade do contrato-promessa na
venda de bens alheios porque se alega que no contrato-promessa de venda de
coisa alheia o objecto não é legalmente impossível, uma vez que o comprador pode
adquirir a coisa até ao momento da celebração do contrato definitivo. De resto, caso
não adquirisse o objeto prometido haveria mero incumprimento do contrato e não
nulidade.

● Contra → Raul Ventura e Paulo Olavo Cunha: o art. 830.º permite a execução
específica, desde que não haja convenção em contrário e a isso não se oponha a
natureza da obrigação assumida. Ora, não havendo convenção em contrário a
natureza da obrigação não se opõe à execução, uma vez que a coisa foi prometida
foi vendida como própria. É, porém, manifesto não pode ter lugar neste caso uma
sentença que produza os efeitos negociais da declaração do faltoso, pois nesse
caso a decisão do tribunal teria a força de uma compra e venda nula, o que
equivaleria a compelir o tribunal a proferir uma decisão que não poderia produzir os
efeitos negociais a que se destina ⇒ Por isso o contrato-promessa de venda de
coisa alheia deve considerar-se nulo, excepto se existir a convenção contrária à
execução específica (art. 830.º/2).
PA → “se estivermos perante um CPCV de bem alheio dotado de execução
específica, devemos aplicar logo o regime da CV de bens alheios, sendo esse

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contrato considerado nulo.” - apenas admite a validade deste contrato sobre coisa
alheia se tiver sido afastada a execução específica.

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