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Disciplina: Enfermagem Psiquiátrica Data: 14/03/2022.

Professora: Andreza Amaro

CUIDADO EM SAÚDE MENTAL

O ato de cuidar adquire características diferentes em cada sociedade e é determinado por fatores
sociais, culturais e econômicos. Esses fatores vão definir os valores e as condições em que se
processa o ato cuidador. O cuidado é único e sempre dirigido a alguém. Não existem fórmulas
mágicas para o ato do cuidar, e sim a invenção, o jogo de cintura, a busca de possibilidades várias.

A assistência a transtorno mental, em toda a sua história, sempre registrou a impossibilidade da


família de estar junto, conviver com o doente mental e cuidar dele. Tratar do doente mental
significou, durante décadas, o afastamento do convívio social e familiar. Transformar, recriar as
relações existentes entre a família, a sociedade e o doente mental não é tarefa das mais fáceis.

Existe o pronto, o universalmente aceito, a delegação do cuidado a outrem, que revelam as


incapacidades de lidar com a loucura, de aceitar novos desafios e de se aventurar em caminhos não
trilhados.

Entre as diferentes maneiras de entender o ato cuidador, temos:


 Para alguns, cuidar pressupõe somente a presença de uma instituição, ou seja, o hospital
psiquiátrico, onde para cuidar, é precisamos isolar, retirar o sujeito de seu âmbito familiar e
social.
 Para outros, o ato cuidador, vai mais além. Ele faz emergir a capacidade criadora existente
em cada um, ressalta a disponibilidade em se lançar, em criar novas maneiras de conviver
com o outro em suas diferenças.

Não podemos reduzir a amplitude de um serviço a um local físico e aos seus profissionais, mas a
toda a gama de oportunidades e lugares que favoreçam a reabilitação da pessoa. Um dos lugares
privilegiados no intercâmbio com os serviços é a comunidade, e dela fazem parte a família, as
associações, os sindicatos, as igrejas, etc. A comunidade é, portanto, fonte de recursos humanos e
materiais, lugar capaz de produzir sentido e estimular as trocas.

As relações estratégicas mantidas entre o serviço e a comunidade podem ser pautadas pela negação
(a comunidade não existe), pela paranoia (a comunidade são os inimigos que nos assediam), pela
sedução e busca de consenso (a comunidade é tudo aquilo e somente aquilo que me aceita da forma
como sou e me aprova) e pela interação/integração (a comunidade é uma realidade complexa e
exprime interesses contrastantes).

Visto que a família é parte integrante da comunidade, o serviço geralmente usa com a família as
mesmas estratégias utilizadas com a comunidade. Dessa maneira, a família pode se tornar não só a
protagonista das estratégias de cuidado e de reabilitação propostas pelo serviço, mas também uma
protagonista conflituosa dessas mesmas estratégias.

Para reduzir as dificuldades enfrentadas pela família na convivência com o doente mental, o serviço
deve estar apto a reduzir os riscos de recaída da pessoa; prestar informação clara e precisa sobre a
doença (sinais, sintomas, tratamento, medicação, etc.); ensinar habilidades de manejo e
minimização dos sintomas; e possibilitar que os familiares sejam capazes de exprimir suas
necessidades e sentimentos.

Para ir além de uma abordagem biomédica a uma abordagem psicossocial obriga à adoção de
mudanças importantes:
 na formulação das políticas de saúde mental;
 na formulação e no financiamento de programas de saúde mental;
 na prática cotidiana dos serviços;
 no fortalecimento da atuaçao multiprofissional.

A abordagem psicossocial acentua o reconhecimento do papel da pessoa com transtorno mental, da


família, da comunidade e de outros profissionais de saúde como fontes geradoras de recursos para o
tratamento do transtorno mental e da promoção da saúde mental.

A reabilitação psicossocial deve ser entendida como uma exigência ética, “um processo de
reconstrução, um exercício pleno da cidadania e, também, de plena contratualidade nos três grandes
cenários: habitat, rede social e trabalho com valor social”.
Nesse processo, estão incluídas a valorização das habilidades de cada indivíduo, as práticas
terapêuticas que visam ao exercício da cidadania, a postura dos profissionais, dos usuários, de
familiares e da sociedade perante o transtorno mental.

Segundo a OMS, a reabilitação psicossocial é classificada como um processo que proporciona aos
indivíduos que estão desabilitados, incapacitados ou deficientes em virtude de transtorno mental a
oportunidade de alcançar o seu nível potencial de funcionamento independente na comunidade.

Entretanto, reabilitação psicossocial não significa substituir uma desabilitação por uma habilitação.
Não se trata simplesmente de recuperar habilidades perdidas em consequência da instauração de um
processo de adoecimento psíquico grave. Onde pode-se oferecer ao usuário oportunidades para que
ele possa aumentar suas trocas de recursos materiais e afetivos, em que se estabelece como decisiva
a perspectiva da negociação.

Trata-se não de conduzi-lo a determinada meta estabelecida a priori, em um referencial da


normalidade, mas de convidá-lo a exercer plenamente aquilo, seja pouco ou muito, do que seja
capaz. Assim, reabilitar não se reduz a repor mais ou menos bem uma perda, e sim trabalhar na
direção da construção de vínculos sociais possíveis.

Para alguns usuários, especialmente aqueles com alto risco de exclusão social e prejuízo de sua
autonomia, pequenas mudanças podem significar grandes avanços. Por exemplo, a simples
circulação de um usuário psicótico pela cidade, que antes não saía de seu quarto, pode representar
um movimento importante na construção de novas perspectivas de trocas e de inserção social.

As estratégias de reabilitação psicossocial são compostas por inciativas de trabalho e geração de


renda, assim como empreendimentos solidários e coorperativas sociais.

O trabalho deve estar direcionado ao processo de facilitação do indivíduo com limitações a


restauração no melhor nível possível de autonomia do exercício de suas funções na comunidade; o
processo enfatizaria as partes mais sadias e a totalidade de potenciais do indivíduo.

A Reabilitação Psicossocial tem como objetivos a defesa da inclusão da reabilitação em políticas


públicas e o atendimento integral mediante ações de prevenção, promoção e reabilitação, sendo o
território comunitário um espaço privilegiado para a atenção em reabilitação.

É importante considerar os diferentes cenários para reabilitação psicossocial a casa, o lugar que
acolhe a pessoa, que atende às suas necessidades materiais e afetivas, destacando a diferença
fundamental entre „estar em um lugar‟ e „habitar um lugar‟.
Para prover a reabilitação psicossocial é preciso ter uma atitude que possibilita o exercício da
cidadania, assegura o poder contratual da pessoa com transtorno mental, habilita não somente o
indivíduo ao meio, mas o meio ao indivíduo, instigando a sociedade à capacidade de aceitar o
diferente, possibilita a valorização das potencialidades dos portadores de transtorno mental e
trabalha as suas limitações; essas ações precisam ser articuladas entre cliente, serviços de saúde,
família, comunidade, sociedade civil e Estado.

Isso diz respeito à impessoalidade, à ausência de posse e de poder decisional, enquanto o habitar
representa um grau de contratualidade elevado em relação à organização material e simbólica dos
espaços e dos objetos, um lugar de afeto. Não basta, portanto, encontrar uma moradia para o doente
mental, mas um lugar de trocas e de bem-estar.

Geralmente, os serviços intervêm na rede social por intermédio da família, pois se trata do universo
mais definido, não só do ponto de vista de sua definição social (clara para o usuário, para o
profissional e para a própria família), mas também do ponto de vista das estratégias de
coenvolvimento da família. A família é, portanto, o lugar primeiro de qualquer intervenção de
reabilitação.

A reabilitação psicossocial é um importante processo na operacionalização da reforma psiquiátrica,


sob o qual estão fundamentados serviços de Saúde Mental como o Caps e o Naps. Pois em sua
definição, estão contidos aspectos como reinserção social, treinamento de atividades diárias e
suporte social, devendo ser combinada com adequada medicação e psicoterapia no manejo dos
transtornos mentais e comportamentais.

A responsabilização compartilhada dos casos exclui a lógica do encaminhamento, pois visa a


aumentar a capacidade resolutiva de problemas de saúde pela equipe local, estimulando a
interdisciplinaridade e a aquisição de novas competências para a atuação em saúde.

Em saúde mental, o apoio matricial é geralmente realizado por profissionais da saúde mental
(psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros a assistentes sociais com formação
em saúde mental). Esses profissionais podem estar ligados a serviços de saúde mental – Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS), ambulatórios de saúde mental – ou se dedicarem exclusivamente a
essa atribuição, na forma de equipes volantes, ou pelos Núcleos Ampliados de Apoio à Saúde da
Família (NASF).

Os serviços de Saúde Mental devem elaborar projetos terapêuticos que incluam a construção de
trabalhos de inserção social, respeitando as possibilidades individuais e os princípios de cidadania
que minimizem o estigma e promovam o protagonismo de cada usuário frente à sua vida.

É importante que os profissionais de saúde compreendam a reabilitação psicossocial como criação


de possibilidades de vida, afastando-se do entendimento de “reabilitação” enquanto “readaptação”.

A proposta contida nesse conceito é a de permitir que os chamados “loucos” possam estar
engajados com a cidade, ou seja, que façam parte da sociedade e não estejam “à margem” dela. É
também reconhecer que o sujeito adoecido não é o único responsável por sua loucura e, por isso,
faz-se necessária a articulação de diversos segmentos e setores para a criação de espaços
existenciais para a loucura.

Assim, a concepção de reabilitação psicossocial deve ser vista como um direito de cidadania, que
implica um envolvimento ativo do sujeito nos diversos setores da rede social da qual faz parte
(família, trabalho, vizinhança, serviços de saúde, associações comunitárias etc.).
ATIVIDADE
Um ponto muito importante para o trabalho em Saúde Mental é que o profissional consiga
compreender como cada indivíduo e suas famílias interpretam sua doença, isso facilitará o
estabelecimento de laços entre o usuário e o serviço.

Olhando para o seu meio, como as pessoas entendem a doença mental?


Como um profissional enfermeiro, pode promover a criação de laço social entre o usuário de
serviços de Saúde Mental e os espaços de vivência da comunidade?

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REFERÊNCIA
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. Saúde Mental na Atenção Básica: o vínculo e o diálogo necessário.
Inclusão das ações de saúde mental na Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde. 2003.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Legislação em saúde mental: 1990-
2004. 5. ed. ampl. Brasília: Ministério da Saúde, 2004e. 340 p.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Reforma psiquiátrica e política de
saúde mental no Brasil. Brasília: Opas, 2005.
CHIAVERINI, D.H. et al. (Org.). Guia prático de matriciamento em saúde mental.
Brasília:Ministério da Saúde, 2011. 236p.
OMS. Relatório Mundial da Saúde: saúde mental: nova concepção, nova esperança. Genebra: OMS,
2001.
ATIVIDADE 2
Pensando nos componentes da RAPS e seus pontos de atenção, vamos analisar o caso da Dona
Helena!

Helena, 50 anos de idade, mãe de dois filhos adultos. O filho mais velho, João, possui 32 anos, e se
envolveu com cocaína há dois anos, foi interno em hospital psiquiátrico durante um ano, e quando
retornou ao convívio social passou seis meses sem fazer uso de drogas. Frequentou igreja
evangélica e trabalhou em uma serralheria até conhecer a sua atual esposa (Joana), que é usuária de
drogas.
Ao conviver com Joana, João voltou a utilizar cocaína, perdeu o emprego, isolou-se e passou a
residir em outro local, diferente do domicílio da mãe.
Maria, a outra filha de Helena, é casada há quatro anos, possui dois filhos, um de 3 anos e outro de
1 ano. Trabalha em uma farmácia e cuida das tarefas domésticas e dos filhos. Seu marido, há três
meses, passou a usar crack e mudou muito o comportamento, tornando-se agressivo. Deixou o
trabalho de técnico de eletricidade em uma multinacional, abandonou cursos de capacitação (nos
quais habitualmente se matriculava), de cuidar dos filhos junto com a esposa e de dormir em casa.
Maria descobriu há poucos dias que está grávida e relatou à mãe dela que a gravidez é consequência
de um estupro praticado pelo marido. Maria não está mais aguentando a convivência com ele, mas,
ao mesmo tempo, não quer abandoná-lo.
Helena já teve vários picos de hipertensão arterial, está muito nervosa, com labilidade emocional e
já tentou ajudar os filhos de muitas formas, inclusive solicitando o apoio da Pastoral da Sobriedade
e da enfermeira da sua ESF.

Considerando o mapa territorial, quais são as possíveis estratégias de atuação dentro da Rede de
Atenção Psicossocial no caso de Dona Helena?

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