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Introdução

No Brasil, mais de 1/3 das mortes decorre de causas cardiovasculares, que


perfazem 300.000 casos anuais. Já nos Estados Unidos, estimam-se 250.000
mortes súbitas de causa coronariana por ano. A rapidez e a eficácia das
intervenções adotadas são cruciais para que haja melhor resultado no atendimento
de qualquer situação de emergência, sobretudo em casos de parada
cardiorrespiratória (PCR).
O atendimento da PCR é estruturado numa sequência de intervenções
aplicadas de forma integrada e contínua (Figura 1). Esta sequência é chamada de
corrente da sobrevivência do atendimento cardiovascular de emergência; nela, a
falha em qualquer elo da cadeia compromete o resultado do atendimento como um
todo. O primeiro elo envolve o reconhecimento precoce da PCR e o chamado do
sistema de emergência disponível. O segundo elo é caracterizado pelo suporte
básico de vida e o terceiro é a desfibrilação precoce. O emprego de medidas
avançadas de suporte de vida, como intubação e emprego de drogas, é o quarto elo.
O quinto elo foi adicionado na última revisão sobre o tema, realizada em 2010.
Nesse consenso, é reforçada a importância dos cuidados pós-ressuscitação
aplicados aos sobreviventes da PCR, como a hipotermia induzida.

Figura 1. Cadeia de sobrevivência no atendimento cardiovascular de


emergência.

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Fonte: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary
Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science.

As recomendações atuais para o atendimento da PCR foram publicadas no


Consenso Internacional para Ressuscitação Cardiopulmonar de 2010. Nele, as
atitudes terapêuticas adotadas durante o atendimento da PCR foram classificadas
de acordo com a qualidade dos trabalhos científicos que a sustentam. A qualidade
das evidências sobre o tema varia desde estudos duplo-cegos randomizados
prospectivos até a opinião de especialistas, na ausência de melhores evidências
para a recomendação terapêutica. As recomendações para uso terapêutico estão
descritas na Tabela 1 e foram elaboradas levando-se em conta a efetividade das
medidas, a facilidade do ensino e as características dos sistemas locais de
atendimento.

Tabela 1. Classificação dos níveis de recomendação


Classe Interpretação
I Sempre aceitável, seguro e eficaz
IIa Aceitável, seguro e útil
IIb Opcional, seguro e possivelmente útil
III Inaceitável, lesivo ou inútil
A nova diretriz trouxe mudanças importantes em vários pontos do
atendimento da PCR, reforçando a atenção sobre a qualidade das compressões
torácicas, a alteração da sequência no suporte básico de vida (SBV) de A-B-C para
C-A-B, a retirada da atropina como droga de suporte na PCR e outras alterações
que serão mais bem discutidas ao longo do capítulo.

Suporte básico de vida


As manobras utilizadas no suporte básico de vida visam a estabelecer as
condições mínimas necessárias para manter ou recuperar a oxigenação e a
perfusão cerebral, já que é a viabilidade neurológica que define, em grande parte, o
prognóstico da vítima.
Portanto, as atitudes terapêuticas devem ser adotadas de acordo com sua
prioridade, ou seja, de acordo com o impacto terapêutico da eficácia sobre o
paciente. É possível, didaticamente, dividir o suporte básico em 4 passos, descritos
a seguir.

1. Avaliação do nível de consciência (responsividade)


A checagem do nível de consciência fornece, rapidamente, informações
valiosas sobre o grau de atividade do sistema nervoso central (SNC). Quando o
paciente responde ao chamado, mesmo que a resposta seja incompreensível, fica
assegurada uma condição funcional mínima do SNC, afastando a possibilidade de
PCR.
Se não houver resposta, assume-se que a função do SNC está muito
prejudicada, por diversas causas, inclusive a PCR. A presença de sinais indiretos de
parada circulatória como apneia, ausência de movimentação espontânea e
extremidades frias, também reforça a probabilidade de estar ocorrendo a PCR.
Caracterizada a inconsciência, o próximo passo é chamar por ajuda. O padrão
respiratório de gasping também deve ser entendido como PCR iminente e também
sugere fortemente a PCR em progressão.

2. Chamado para ajuda, pedindo o desfibrilador


O desencadeamento do sistema de emergência é um passo crucial no
atendimento. Como não é possível definir detalhadamente a condição clínica do
paciente em curto espaço de tempo, é obrigatório o chamado para ajuda buscando o
desencadeamento do sistema de emergência disponível para a melhor estrutura de
recursos para atendimento do paciente. Além do chamado por ajuda, deve-se pedir
pelo desfibrilador elétrico automático (DEA). O DEA é um aparelho eletrônico
portátil, constituído basicamente por uma bateria com capacitor elétrico e um
computador capaz de reconhecer a fibrilação ventricular (FV) e a taquicardia
ventricular (TV), as arritmias mais frequentes no início da PCR. Quando presentes, o
aparelho determina o choque em corrente contínua sobre o tórax da vítima,
organizando o ritmo elétrico do coração. Esse aparelho deve estar facilmente
disponível nos ambientes hospitalares e nos extra-hospitalares onde há grande
concentração de pessoas (aeroportos, teatros e outros), pois o tempo de chegada
do desfibrilador até o paciente é determinante da sobrevida na PCR.
A necessidade do chamado precoce de ajuda e do desfibrilador se justifica
pelo fato de cerca de 80% dos eventos de PCR extra-hospitalar serem
desencadeadas por esses ritmos que apresentam bom índice de resposta à
desfibrilação quando tratados em tempo hábil (minutos). No entanto, evoluem com
rapidez para assistolia ou tornam-se progressivamente refratários à desfibrilação
quando tratados tardiamente. Somente no caso de afogamento ou obstrução de via
aérea testemunhada, seguida da perda de consciência, o pedido de ajuda pode ser
postergado, aplicando-se primeiro o suporte básico de vida por 2 minutos. Após este
período, desencadeia-se o chamado para ajuda.

3. Reanimação cardiopulmonar (RCP)


A checagem de pulso carotídeo por 5 a 10 segundos é passo importante no
atendimento da vítima, pois é a sua ausência que define a parada cardíaca. Deve
ser realizada por todo resgatista não leigo. Para o leigo, a checagem do pulso
central não é indicada, pois existe grande chance de erro de interpretação. Nesta
condição, orienta-se ao leigo que identifique a PCR por meio de sinais indiretos de
parada circulatória (apneia, cianose, frialdade de extremidades e ausência de
movimentos espontâneos).
Definida a PCR, as manobras de RCP devem ser iniciadas de imediato, com
30 compressões torácicas alternadas com 2 ventilações assistidas enquanto o
paciente não for intubado. Após a intubação, não existe mais a necessidade de
sincronismo.
As compressões torácicas devem ser aplicadas numa frequência acima de
100 compressões por minuto, de forma contínua, rápida e com deformação do tórax
de no mínimo 5 cm de profundidade. Após a compressão, deve-se permitir que o
tórax retorne à posição de repouso. Após 30 compressões torácicas, deve-se aplicar
2 ventilações assistidas, completando 1 ciclo de RCP. Os ciclos de RCP não devem
ser interrompidos até que a equipe de suporte avançado assuma a RCP, o paciente
apresente sinais de retorno da circulação ou seja colocado o DEA para análise do
ritmo cardíaco (Figura 2)
Para as ventilações, as vias aéreas (VA) devem ser abertas elevando-se a
mandíbula e hiperestendendo a coluna cervical. Tal hiperextensão é contraindicada
em casos de suspeita de lesão cervical, aplicando-se apenas tração/elevação da
mandíbula. A abordagem da VA é necessária porque o rebaixamento do nível de
consciência desencadeia o relaxamento da musculatura que sustenta a posição
correta da língua e da faringe, sendo a queda da língua a causa mais comum de
obstrução da ventilação. As ventilações devem ser aplicadas pelo conjunto máscara-
bolsa-reservatório (AMBU), de forma a promover elevação do tórax e duração de 1
segundo.
Nas diretrizes anteriores, a sequência de abordagem da PCR demandava a
abertura das vias aéreas (VA), 2 ventilações assistidas e a checagem de pulso
central, seguida de compressões torácicas (A-B-C). A checagem da presença de
ventilação (ver-ouvir-sentir) também não é mais recomendada por retardar o início
da RCP. Atualmente, recomenda-se inverter as prioridades, sendo um ciclo de 30
compressões torácicas a primeira medida a ser aplicada, seguida da abertura de
vias aéreas e de 2 ventilações assistidas (C-A-B). Esta inversão se deve sobretudo
ao retardo no início das compressões torácicas quando a VA era prioridade; além
disso, o leigo aplica de forma inadequada a abertura da VA. Assim, a recomendação
atual para o leigo resgatista é realizar apenas as compressões torácicas, pois
quando a RCP é realizada sem ventilações, a mortalidade da vítima não se eleva.
A RCP é uma das poucas atitudes terapêuticas com nível I de
recomendação durante o atendimento da PCR, devendo ser aplicada com o maior
rigor possível, assim como a desfibrilação precoce. As interrupções das
compressões devem ser evitadas ao máximo e a qualidade da compressão torácica,
sempre garantida.

4. Realizar a desfibrilação elétrica


Quanto mais precoce a desfibrilação, melhores os resultados na sobrevida.
Em um estudo recente em que se utilizou o desfibrilador com tempo de desfibrilação
inicial de 3 minutos, a sobrevida foi de 74%. Portanto, a colocação do DEA deve ser
realizada assim que o aparelho estiver disponível. Quando ligado, o desfibrilador
automático aplica um programa que o permite reconhecer os ritmos de FV e TV,
indicando então o choque. Quando o ritmo identificado não for de FV/TV sem pulso,
o choque não é indicado, cabendo ao resgatista manter a massagem cardíaca e as
ventilações por 5 ciclos de 30 compressões e 2 ventilações ou por 2 minutos de
RCP, até a chegada do suporte avançado de vida.
Quando indicado, o choque inicial é aplicado de forma única, na energia
máxima do DEA ou do desfibrilador manual disponível (360 J no aparelho
monofásico ou 180 a 220 J no aparelho bifásico). No momento do choque, o
socorrista deve se certificar de que ninguém está em contato com a vítima para
evitar acidentes durante o atendimento. Após o choque, a RCP deve ser reiniciada
imediatamente, sendo mantida por mais 2 minutos ou por mais 5 ciclos de 30
compressões intercaladas com 2 ventilações assistidas. Após este período, o
desfibrilador irá novamente analisar o ritmo cardíaco. Caso a arritmia seja mantida, o
aparelho indicará novo choque seguido de RCP por mais 2 minutos até que o ritmo
seja revertido. Quando houver reversão do ritmo, o aparelho não indicará o choque e
solicitará a checagem do pulso central (Figura 2).
Se houver reversão da PCR, o paciente deve ser mantido em assistência
ventilatória até que recobre a ventilação de forma espontânea ou até que o suporte
avançado chegue ao local. O pulso central deve ser checado a cada 1 a 2 minutos
durante esta fase de suporte ventilatório.
Caso não haja pulso, é necessário continuar reanimando o paciente por
mais 5 ciclos de 2 minutos de RCP, avaliando-se a indicação de novo choque
nesses intervalos. A tecnologia do uso de onda bifásica desfibrilatória foi adicionada
aos desfibriladores automáticos, nos quais se utiliza a energia de 150 a 220 J. O
choque bifásico é superior ao monofásico somente em pacientes com alta
impedância de caixa torácica, como os obesos.

Figura 2. Algoritmo de suporte básico de vida (SBV).


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Fonte: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary
Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science.

Suporte avançado de vida


Por mais avançados que sejam os recursos disponíveis para o atendimento
da PCR, o suporte básico de vida é crucial para a manutenção da perfusão e da
oxigenação cerebral e coronariana, sobre a qual a viabilidade clínica do doente se
mantém. O suporte avançado de vida envolve a utilização de procedimentos
terapêuticos como o uso de drogas, abordagem invasiva de via aérea e monitoração
cardíaca. Algumas dessas atitudes são de autonomia e aplicação exclusiva do
profissional médico, como a intubação traqueal, a desfibrilação elétrica com aparelho
não automatizado e a prescrição de drogas intravenosas.
No suporte avançado, a identificação do ritmo cardíaco é realizada pelas pás
do desfibrilador/monitor cardíaco, cabendo ao médico a interpretação do ritmo
encontrado. O emprego direto das pás tem o objetivo de poupar tempo durante o
atendimento, permitindo a rápida desfibrilação, caso indicada. Com a identificação
do ritmo cardíaco, é possível dividir a PCR em duas modalidades: PCR em fibrilação
ventricular ou taquicardia ventricular sem pulso (FV/TV) e PCR não FV/TV (atividade
elétrica sem pulso e assistolia).

Parada cardiorrespiratória em fibrilação ventricular ou


taquicardia ventricular sem pulso
As formas mais frequentes de atividades elétricas iniciais na PCR extra-
hospitalar são a fibrilação ventricular e a taquicardia ventricular sem pulso,
encontradas em cerca de 80% dos casos no início. São as formas de melhor
prognóstico para reversão.
A FV é caracterizada por uma atividade elétrica caótica e desorganizada do
coração, sendo o ritmo incapaz de gerar contração cardíaca eficiente, daí a ausência
de pulso central nesse ritmo elétrico. A TV difere da FV por tratar-se de ritmo elétrico
organizado, caracterizado por complexos QRS alargados, idênticos entre si, com
frequência elevada e sem ondas P identificáveis ao traçado. Esse ritmo pode ou não
gerar contração miocárdica eficaz (pulso). Na ausência de pulso, a TV deve ser
tratada como FV. Identificada a FV/TV sem pulso, o tratamento inicial é a
desfibrilação com choque único e imediato na energia máxima do aparelho (360 J,
monofásico ou 180 a 220 J, bifásico).
O correto posicionamento das pás, a aplicação de força sobre as pás e a
utilização de gel condutor contribuem para uma melhor taxa de êxito na desfibrilação
por determinarem redução da impedância torácica, determinando a chegada de
quantidades de energia elétrica sobre o coração.
Após o choque, as manobras de RCP são imediatamente retomadas,
promovendo-se a aplicação de medidas de suporte avançado de vida que incluem o
acesso venoso ou intraósseo, a aplicação de drogas, a abordagem invasiva da via
aérea e a monitoração cardíaca contínua do paciente. O tubo endotraqueal não é
mais utilizado como via de administração para algumas drogas, dando-se
preferência ao acesso intraósseo enquanto não se tem o acesso intravenoso
disponível.
A intubação pode ser realizada durante a RCP, procurando não interromper
as compressões torácicas; caso seja necessário para a IOT, as compressões podem
ser interrompidas pelo menor tempo possível. Após a realização da intubação,
procede-se à checagem primária da via aérea por meio da ausculta epigástrica para
identificação rápida de intubação esofágica seguida da ausculta pulmonar (bases e
ápices) para identificação de intubação seletiva. A utilização de capnógrafo neste
momento é indicada para confirmar o correto posicionamento da cânula traqueal,
além de possibilitar a aferição da qualidade da RCP, pois valores de EtCO acima de
2

10 mmHg estão relacionados ao melhor prognóstico da PCR. Quando valores


abaixo de 10 mmHg são encontrados, deve-se melhorar a qualidade da RCP. Outros
dispositivos de abordagem à via aérea durante a PCR, como o combitubo ou a
máscara laríngea, também estão liberados para uso nessa situação.
Caso o acesso venoso não esteja disponível, pode-se utilizar a via
intraóssea para infusão de drogas durante a RCP. Os possíveis pontos de punção
são a crista ilíaca anterior, o maléolo medial e 2 cm abaixo da tuberosidade da tíbia.
Essa via para uso de drogas é quase tão efetiva quanto a via intravenosa.
Dois acessos venosos calibrosos devem ser instalados assim que possível,
de preferência em veias antecubitais. Na impossibilidade dessa abordagem, deve-se
optar pela punção de veia jugular externa, veia femoral e flebotomia, nessa ordem. A
colocação de acesso venoso profundo durante a PCR pode ser utilizada como última
alternativa para infusão de drogas.
Na FV/TV sem pulso, são utilizadas drogas vasopressoras e antiarrítmicas.
A primeira droga a ser administrada em casos de FV/TV sem pulso é a epinefrina (1
mg a cada 3 a 5 min, IV/IO) ou a vasopressina em uma única dose de 40 UI. A
vasopressina tem a vantagem inicial de ter meia-vida mais longa do que a
epinefrina, permitindo que nenhum outro vasopressor seja necessário por até 10
minutos da primeira dose. Na sequência de drogas, a amiodarona é o primeiro
antiarrítmico a ser utilizado (300 mg EV/IO), podendo ser aplicada a segunda dose
(150 mg IV/IO), se não houver reversão da arritmia após o próximo choque. Em
estudo recente, a amiodarona mostrou-se superior à lidocaína na FV/TV refratária,
em atendimento extra-hospitalar, quanto à sobrevida na admissão hospitalar; no
entanto, a mortalidade intra-hospitalar não foi diferente nos dois grupos.
A lidocaína (nível de recomendação indeterminado) é aceita como
antiarrítmico na dose de 1 a 1,5 mg/kg, na dose máxima de 3 mg/kg. O sulfato de
magnésio (1 a 2 g EV/IO) pode ser benéfico quando há hipomagnesemia
precipitando a arritmia. Na ausência de hipomagnesemia, o sulfato de magnésio não
traz benefício ao doente.
A introdução das drogas durante a PCR ocorre durante os ciclos de 2
minutos de RCP, de acordo com a prioridade e o intervalo das drogas. Nesta
condição, após a primeira desfibrilação, epinefrina ou vasopressina é administrada;
no próximo ciclo, há tempo para emprego da amiodarona e assim por diante.
Entre os ciclos de RCP, é obrigatória a checagem do ritmo elétrico e os
ciclos são mantidos até haver mudança de ritmo ou suspensão das manobras de
RCP. Se houver mudança do ritmo, a presença de pulso central deve ser avaliada.
Se estiver ausente, os ciclos de RCP são continuados. Se houver a presença de
pulso, a PCR foi revertida.
Quando ocorrer a reversão da arritmia e o pulso central estiver presente,
uma dose de manutenção do último antiarrítmico utilizado pode ser administrada por
12 a 24 horas, para evitar a recidiva da arritmia até que os fatores desencadeantes
da PCR estejam controlados ou a critério do julgamento clínico (Tabela 2).

Tabela 2. Antiarrítmicos usados na FV/TV sem pulso


Dose de droga Dose de ataque Manutenção
300 mg 1 mg/min/6h e
Amiodarona 150 mg (2ª dose) 0,5 mg/min/18h
Lidocaína 1 a 1,5 mg/kg 2 a 4 mg/min
Sulfato de magnésio* 1a2g 1 a 2 g/h
* Em caso de hipomagnesemia.
FV/TV: fibrilação ventricular/taquicardia ventricular.

Parada cardiorrespiratória em atividade elétrica sem pulso


ou assistolia
A PCR determinada por assistolia ou atividade elétrica sem pulso (AESP)
recebe tratamento muito semelhante.
Durante a PCR, após a colocação das pás no tórax da vítima, a identificação
de qualquer atividade elétrica regular e sustentada diferente de FV/TV sem pulso ou
assistolia define uma PCR em atividade elétrica sem pulso (AESP). A AESP é
caracterizada por um ritmo elétrico (atividade elétrica miocárdica) que deveria estar
associado a um pulso central (contração miocárdica efetiva). São várias as
atividades elétricas englobadas nessa definição (dissociação eletromecânica,
pseudodissociação eletromecânica, ritmo idioventricular e outros), mas o tratamento
é o mesmo para esses ritmos. A PCR é determinada pelo impedimento do
acoplamento entre a atividade elétrica organizada do miocárdio e a contração
muscular eficaz que deveria resultar dessa atividade elétrica. Existem várias causas
de AESP e são as mesmas causas de assistolia (Tabela 3).
A PCR em assistolia é a forma de PCR de pior prognóstico, consistindo na
ausência de atividade elétrica no coração, cujas principais causas são as mesmas
descritas para a PCR em AESP. Tão importante quanto o tratamento da assistolia é
a sua confirmação diagnóstica, pois há situações nas quais o médico
enganosamente diagnostica, por vários motivos, a assistolia como o ritmo da PCR
quando o ritmo real é de FV/TV sem pulso ou AESP. Para o correto diagnóstico de
assistolia, deve-se proceder ao protocolo da linha reta, que consiste em checar a
conexão dos eletrodos, aumentar o ganho do monitor cardíaco e, por fim, checar o
ritmo em duas derivações contíguas. Todo cuidado na identificação desse ritmo é
pouco, pois o ritmo de base verdadeiro é a FV em até 10% dos ritmos identificados
como assistolia pelas pás.
Isso pode ocorrer porque o eixo elétrico resultante da FV pode ser
perpendicular à derivação da monitoração pelas pás, gerando um ritmo isoelétrico
no monitor (assistolia), bem como por cabos ou eletrodos desconexos. O aumento
do ganho do sinal no monitor também deve ser realizado para permitir a
identificação de FV fina.
Na identificação de PCR em AESP ou assistolia, o tratamento imediato é a
compressão torácica, pois a desfibrilação é contraindicada nesta situação, uma vez
que poderá desorganizar o ritmo elétrico na AESP e não gerará ritmo se aplicada na
assistolia.
A sequência seguinte de tratamento é a mesma da FV/TV sem pulso, ou
seja, 5 ciclos de RCP ou 2 minutos interrompidos para verificação do ritmo e
presença de pulso central, associados às medidas de suporte avançado de vida. A
intubação, a obtenção de um acesso para infusão de drogas e a pesquisa e
tratamento de possíveis causas associadas são essenciais para a reversão do
quadro.
Para os ritmos bradicárdicos na AESP e para a assistolia, a atropina não é
mais recomendada por ser considerada medida fútil, assim como o marca-passo
transcutâneo para a assistolia.
As doses de epinefrina e vasopressina são as mesmas explicadas
anteriormente, assim como os seus intervalos de aplicação.
O término dos esforços deve ser considerado com a análise de diversos
fatores, como tempo de PCR até o primeiro atendimento, tempo de atendimento da
PCR, prognóstico do paciente, idade da vítima, causa associada e outros. Apesar
disso, na assistolia, não havendo reversão da PCR após as medidas terapêuticas
cabíveis, o término dos esforços deve ser considerado, pois o ritmo de assistolia em
PCR carrega consigo um péssimo prognóstico. A Figura 3representa o algoritmo
para suporte avançado de vida na PCR.
Uma atitude clínica importante no tratamento da AESP e da assistolia é a
determinação da causa do evento e a aplicação do seu tratamento específico. São
10 as causas reversíveis e é possível nominá-las de forma simples para
memorização como 5H e 5T.
O tratamento das causas da AESP é o principal fator determinante da
reversão do quadro. Caso não se encontre uma dessas causas durante o
atendimento, a chance de reversão da PCR fica muito diminuída. O tratamento de
cada uma das causas é descrito na Tabela 3.

Tabela 3. Causas de atividade elétrica sem pulso e assistolia


Causa Tratamento
Hipovolemia Volume
Hipoxia Oxigênio (intubação endotraqueal)
Cloreto de potássio/bicarbonato de sódio 1
Hipo/hipercalemia mEq/kg
H+ (acidose metabólica) Bicarbonato de sódio 1 mEq/kg
Hipotermia Reaquecimento
Tamponamento cardíaco Punção pericárdica (Marfan)
Tromboembolismo pulmonar Volume + reversão da PCR
Trombose dcoronariana Volume + reversão da PCR
Pneumotórax hipertensivo Punção torácica de alívio
Tóxicos (drogas) Antagonista específico

A principal causa de AESP é a hipovolemia, a qual deve ser sempre tratada


com provas de volume, assim como a assistolia. A hipoxia é controlada com a
administração de oxigênio pela intubação. A acidose metabólica que determina uma
PCR deve ser controlada com bicarbonato de sódio na dose de 1 mEq/kg, assim
como a hipercalemia. A hipocalemia deve ser corrigida na PCR com a infusão de 40
mEq/L de KCl 19,1% em 1 hora de infusão. A hipotermia deve ser revertida com
medida de reaquecimento, como infusão de soro aquecido, nebulização com ar
aquecido e outras disponíveis. O tamponamento cardíaco é revertido pela punção
pericárdica. A trombólise não é indicada durante a RCP no diagnóstico ou em caso
de forte suspeita clínica de infarto agudo do miocárdio ou tromboembolismo
pulmonar, pois não agrega benefício ao doente. O pneumotórax hipertensivo é
controlado com drenagem ou punção de tórax. Dentre os agentes presentes nas
intoxicações exógenas e que diretamente deprimem o miocárdio, os bloqueadores
de canais de cálcio, betabloqueadores e antidepressivos tricíclicos são os mais
frequentes. Seus antagonistas são, respectivamente, o cálcio iônico, o glucagon e o
bicarbonato de sódio.

Figura 3. Algoritmo de suporte avançado de vida (ACLS).


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AESP: atividade elétrica sem pulso; FV/TV: fibrilação ventricular/taquicardia
ventricular; IO: intraósseo; IV: via intravenosa; PCR: parada cardiorrespiratória;
RCP: reanimação cardiopulmonar.
Fonte: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary
Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science.

Cuidados após a reanimação


Após a reversão da PCR, alguns cuidados são necessários para impedir a
deterioração da vítima e possibilitar a melhor condição possível para a sua
recuperação.
A reabordagem do ABC deve ser realizada periodicamente, sobretudo após
o menor sinal de deterioração clínica do doente.
A verificação do correto posicionamento da cânula e da adequação das
ventilações assegura a boa oxigenação do paciente.
Após a reversão da PCR, o paciente pode ser colocado em ventilação
mecânica. A colocação de um oxímetro de pulso permite avaliar a adequação da
oxigenação. A verificação do correto funcionamento do acesso venoso disponível e
dos dados vitais – pressão arterial por meio de um monitor de pressão arterial não
invasiva e da monitoração da FC e do ritmo de base – permite avaliar e manipular a
condição hemodinâmica do paciente com infusão de volume, drogas vasoativas e
antiarrítmicos, quando necessários. Após a estabilização do paciente, pode-se
providenciar o seu transporte para recursos mais adequados (unidade de terapia
intensiva, sala de hemodinâmica etc.).
O controle glicêmico, a estabilidade hemodinâmica e evitar hiperoxia são
medidas que contribuem para um melhor prognóstico, assim como a intervenção
hemodinâmica precoce para os pacientes com infarto do miocárdio com
supradesnivelamento de ST.
Outra medida terapêutica que deve ser aplicada no período pós-PCR é a
hipotermia induzida (temperatura central de 32 a 34 °C) por 12 a 24 horas. Os
pacientes que se beneficiam são aqueles com sinais e sintomas de encefalopatia
anóxica grave após recuperação da circulação espontânea (postura patológica ao
estímulo doloroso, coma arreativo, midríase fixa, crises convulsivas, ausência de
reflexos de troco encefálico) e aqueles que já demonstram recuperação neurológica
significativa (movimentação espontânea, abertura ocular, resposta a ordens,
localização de estímulo doloroso). Quando iniciada até a 6ª hora após o
restabelecimento da circulação espontânea, a hipotermia determina melhor
prognóstico neurológico, bem como de mortalidade, por alterar a evolução natural da
lesão cerebral associada à hipoxia, além de ser a única medida que reduz a
mortalidade dos sobreviventes à PCR.

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