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Isto

Poema publicado na revista “Presença”, em 1933.

“Isto” – pronome demonstrativo a


apontar para a simplicidade da
resposta do poeta àqueles que o
teriam acusado de mentir, na
sequência do poema “Autopsicografia”.
Isto
1ª parte Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.

Poema escrito na 1ª pessoa do singular


como forma de explicitar uma situação
concreta do sujeito poético.

Reconhecimento do que dizem e negação


da acusação que lhe é feita.
Isto
1ª parte Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.

Dizem que falta à verdade, que é uma “pessoa


fingida”.
Pessoa nega esse fingimento, …
Isto
1ª parte Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

O seu fingimento não é propriamente mentira, já


que sente com a “imaginação” (razão).

Realiza de imediato a fusão entre a verdade


sensorial (sensação) e a vertente intelectual
(imaginação).
Isto
1ª parte Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

O seu fingimento é o trabalho mental que tudo


transfigura por meio da imaginação (“Eu
simplesmente sinto / Com a imaginação”.)

A arte, a poesia não está no plano das sensações


(“coração”), mas na inteligência / imaginação.
Isto
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Em “Autopsicografia”, o poeta distinguia entre a


sensação (dor sentida) e o fingimento (dor
imaginada).

Aqui realiza a síntese “coração” / “imaginação.”

Esta surge como a concentração do sensível e do


intelectual.
Isto
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Na arte, os únicos sentimentos, sensações ou


emoções válidos são “filtrados” pela razão
(intelecto) conduzindo ao “fingimento”.

Este posicionamento face à criação poética é


indissociável da sua estrutura excessivamente
racional e antissentimentalista.
Isto
2ª parte Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Confirmação do conteúdo da 1ª estrofe, baseada na


experiência vivida pelo poeta.
Isto
2ª parte Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Comparação entre dois termos:


o mundo real / o mundo ideal
Isto
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,

- as vivências reais ou imaginárias, ou seja, todas as


contingências da vida (que fazem parte de uma
realidade ainda rudimentar), o mundo real…
Isto
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

- … [o mundo real] é o reflexo ("Sobre outra coisa


ainda") de um mundo ideal ("essa coisa é que é
linda“).
Isto
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

- “um terraço” corresponde à fronteira difícil de


ultrapassar (entre o mundo sensível e o intelectual)
que esconde a realidade mais bela (“outra coisa”).
Isto
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

- A realidade que envolve o sujeito poético é, afinal,


somente a "ponte" para "outra coisa": a obra
poética, a expressão máxima do Belo.
Isto
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Em “Autopsicografia”, o poeta distinguia dois


momentos (sensação / imaginação).
Aqui tudo se processa num só momento: as
realidades belas subjacentes ao “terraço”
(aparências) são intelectualizadas pelo poeta
automática e simultaneamente.
Isto
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Doutrina platónica da reminiscência


(capacidade de olhar para as aparências, as coisas
deste mundo, e ver imediatamente as realidades
puras de um mundo mais alto).
Isto
Por isso escrevo em meio
3ª parte Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.

- “Por isso” (ideia de conclusão)


- O que está ao pé: as sensações, o mundo das
aparências.
- O que não está ao pé: mundo das realidades
puras, da imaginação que transforma, que eleva as
sensações ao mundo da poesia.
Isto
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.

- Só quando o poeta é “Livre do meu enleio,” (coração


/ emoções) é que o milagre da poesia se pode dar.

- “Sério” é quem, como ele, é capaz de se abstrair


do acidental para se concentrar no mundo das
essências (mundo intelectual). Aí está a perfeição.
Isto
3ª parte Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.

Em síntese:
- o poeta, aquando do processo de escrita, procura
distanciar-se da realidade projetando-se nos
domínios da razão, através da qual lhe é possível
elevar as emoções e sentimentos ao nível da arte.
Isto
Sentir? Sinta quem lê!

- o sujeito poético remete (ironicamente) o ato de


sentir para os leitores, desvalorizando-o.
- Para Pessoa, o super-poeta, tudo se passa no
mundo da inteligência-imaginação.
Isto
Em conclusão…

"Fingir" não é o mesmo que "mentir" é a tese


defendida. Não há mentira no ato de criação
poética.

O fingimento poético resulta da intelectualização do


"sentir", da racionalização dos sentimentos vividos
pelo sujeito poético.
Isto
Em conclusão…

- A obra poética é uma síntese onde a sensação


surge filtrada pela imaginação criadora.
Isto
Linguagem

- Vocabulário simples mas plurissignificativo (nomes


“coração” e “enleio” – mundo sensível /
“imaginação” – mundo inteligível; “terraço” –
fronteira entre os dois; adjetivos: “linda”, “livre”,
“sério”); verbo “ser” (3ª estrofe) com valor de
“existir”.
- Uso de recursos expressivos (metáfora, interrogação
retórica, ironia).
Isto
Forma

- Verso curto de 6 sílabas;


- Transporte / encavalgamento
(permite que o discurso seja mais fluente);
- Esquema rimático:
rima cruzada e emparelhada: ABABB.
(sons nasais e fechados – nas duas primeiras estrofes
– alternando na última os fechados com os abertos,
talvez a sugerir o esclarecimento final do problema
inicial).
Isto
Forma

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