“comportamento anormal” ao longo da história da humanidade
Prof. João Vitor Moreira Maia
O Sujeito da Diferença e as Sociedades Humanas
Foucault (2011), ao refletir sobre a loucura e a sociedade, afirma
categoricamente que “a loucura foi, todos os tempos, excluída” (p.259). O autor francês é categórico quando afirma que
em todas as sociedades há pessoas que têm comportamentos
diferentes dos das outras, escapando às regras comumente definidas nesses quatro domínios [trabalho, ou produção econômica; sexualidade, família, quer dizer, reprodução da sociedade; linguagem, fala; atividades lúdicas, como jogos e festas], em suma, o que chamamos de indivíduos marginais (FOUCAULT, 2011, p. 260). História da Fundação da Psicopatologia
Holmes (2001) nos esclarece que as sociedades explicaram e trataram
o comportamento anormal de diferentes maneiras em diferentes momentos, destacando que “a maneira como uma sociedade particular reage à anormalidade depende de seus valores e suposições sobre a vida e o comportamento humano” (p.26).
O autor destaca ainda que “muitas das antigas ideias ainda
desempenham papéis importantes no pensamento contemporâneo acerca do comportamento anormal. Ao contrário de muitas outras ciências, quando novas ideias sobre o comportamento anormal e seu tratamento foram desenvolvidas elas não necessariamente substituíram as ideias mais antigas. Ao contrário, foram acrescentadas ao grupo existente de explicações e tratamentos” (HOLMES, 2001, p.26). Fases da História do Comportamento Anormal
Demonologia – “A crença de que o comportamento anormal é causado
por forças sobrenaturais que assumem o controle da mente ou do corpo é anterior ao começo da história escrita [...] Não havia nada incomum em relação a estas culturas antigas atribuírem o comportamento anormal à ação de forças sobrenaturais porque elas acreditavam que muitos outros fenômenos, tais como incêndios e inundações, também eram causados por forças sobrenaturais [...] A abordagem típica para expulsar os demônios era usar encantamentos, preces ou poções para persuadi-los a irem embora. Em alguns casos, diversas formas de punição física, como apedrejar ou açoitar, eram defendidos como um meio de forçar os demônios para fora de uma pessoa possuída” (HOLMES, 2001, p.26). Fases da História do Comportamento Anormal Introdução de Explicações Fisiológicas – “A primeira tentativa de explicar o comportamento anormal em termos de causas naturais, ao invés de sobrenaturais, ocorreu quando Hipócrates (460-377 d.C.), conhecido como o pai da Medicina moderna, ensinou que o cérebro é o órgão responsável pelos transtornos mentais. Ele também sugeriu que o comportamento era governado pelos níveis relativos de quatro humores (líquidos) no corpo: bile negra, bile amarela, fleuma e sangue [...] sua abordagem nos iniciou no caminho de ver o comportamento anormal como um mau funcionamento ou doença fisiológica e supriu a fundação para a perspectiva fisiológica sobre o comportamento anormal [...] O tratamento durante esse período envolveu tentativas de restaurar o equilíbrio apropriado entre os humores [...] uma vez que as pessoas perturbadas eram consideradas como sofrendo de doenças, eram cuidadas como as outras pessoas doentes” (HOLMES, 2001, p.26). Fases da História do Comportamento Anormal
Retorno à Demonologia – Durante a Idade Média (500-1500 d.C.), a
religião tornou-se a força dominante em virtualmente todos os aspectos da vida europeia e a abordagem naturalista de Hipócrates e seus seguidores foi essencialmente abandonada. A vida era percebida como uma luta entre forças do bem e forças do mal, sendo estas dirigidas pelo demônio que, considerava-se, afligia as pessoas perturbadas. Em outras palavras, a ideia antiga da possessão demoníaca foi revivida e tratamentos exorcistas brutais eram usados para expulsar o demônio [...] Nessa fase da demonologia, então, os indivíduos perturbados eram vistos como ameaças para a sociedade e mortos em uma tentativa de proteger os outros” (HOLMES, 2001, p.27). Fases da História do Comportamento Anormal
“A Idade Média absorveu na sua religiosidade cristã toda a medicina de então
e apenas nos mosteiros (onde se encontravam todos os livros existentes da época) residiam a ciência, a filosofia, a arte e a literatura. Mesmo os nobres e reis eram analfabetos. A população ignorante cultivava toda a sorte de superstições e crenças sobrenaturais. O Renascimento não modificou muito o quadro medieval: às possessões demoníacas continuavam sendo atribuídos os distúrbios mentais. A forte repressão sexual religiosa acabava por propiciar frequentes surtos catárticos [...] grupais, ‘epidemias’ de loucura em massa ou crises de histeria grupal, ritualizadas ou não [...] Um círculo vicioso se formava, então, com a repressão e a intolerância, ocasionando mais crises, que provocavam mais repressão etc. A perseguição às feiticeiras, a inquisição e os exorcismos não davam qualquer espaço para uma medicina da mente” (BASTOS, 2011, p. 8-9). Fases da História do Comportamento Anormal
Introdução do Cuidado Humanitário – “o século XVI marcou a
primeira vez que foi amplamente reconhecido que as pessoas perturbadas precisavam de atendimento, não de exorcismo ou condenação. Em 1547, o hospital Saint Mary of Bethlehem, em Londres, foi dedicado ao cuidado de pessoas perturbadas. A palavra ‘cuidado’, no entanto, dificilmente é apropriada para descrever como os pacientes naqueles primeiros hospitais (asilos) eram tratados. Em realidade, os primeiros asilos eram mais como prisões do que como hospitais. Nada era feito para os internos, além de confiná-los sob terríveis condições [...] Ao invés de ser uma fonte de preocupação para a sociedade como um todo, as condições nestes primeiros asilos constituíam uma fonte de divertimento e ingressos para ver os pacientes eram realmente vendidos ao público” (HOLMES, 2001, p.27). Fases da História do Comportamento Anormal “Depois que os indivíduos perturbados foram reconhecidos como pacientes, o passo seguinte em promover atendimento humanitário envolveu melhorar as condições nas quais os pacientes viviam. O esforço mais famoso com relação a isto tradicionalmente foi atribuído a Philippe Pinel (1745-1826) em 1792. Ele ordenou que os pacientes de seu hospital, em Paris, fossem desacorrentados e que os alojamentos fossem renovados para se tornarem mais agradáveis [...] Liberar os pacientes das suas correntes e construir mais e melhores hospitais, sem dúvida os tornou mais confortáveis, porém os efeitos terapêuticos de tais mudanças foram muito exagerados. Relatos escritos e desenhos da época sugerem que os pacientes tornaram-se tranquilos, até mesmo normais, quando as correntes foram removidas. Embora isso possa ter sido verdade para alguns pacientes, na maioria dos casos parece improvável que as mudanças tenham resultado em melhoras significativas” (HOLMES, 2001, p.27). Fases da História do Comportamento Anormal Introdução das Explicações Psicológicas – A crença de que as causas do comportamento anormal eram psicológicas pode ser traçada a Europa do século XIX, considerando-se que fatores psicológicos e interpessoais desempenhavam um papel importante em muitos transtornos. Um “contribuinte bem conhecido para o desenvolvimento da explicação psicológica do comportamento anormal foi Jean-Martin Charcot (1825- 1893), neurologista e diretor do Hospital Salpêntrière em Paris. Charcot estava interessado em pacientes que sofriam do que era então chamado histeria. Os transtornos histéricos envolvem sintomas físicos que não apresentam uma base orgânica demonstrável. Os sintomas podem incluir paralisia, cegueira, dor, convulsões e surdez [...] Hoje, chamamos problemas como este de transtornos somatoformes porque eles assumem a forma de problemas somáticos [...] O interesse de Charcot em pacientes com transtornos histéricos e sua conclusão de que seus sintomas tinham uma base psicológica prepararam o palco para o trabalho de Freud. Fases da História do Comportamento Anormal
Interesse Renovado nas Explicações Fisiológicas – Por volta da metade do
século XX, “inúmeros tratamentos fisiológicos para o comportamento anormal estavam em uso, mas nenhum era sobremaneira eficaz [...] No entanto, no início da década de 50, foi introduzido um método fisiologicamente embasado de tratamento que exerceu um efeito verdadeiramente revolucionário, no nosso entendimento, e tratamento do comportamento anormal. Naquele momento, químicos franceses estavam trabalhando sobre anti-histamínicos para uso no tratamento de alergias e asma. Um paraefeito negativo dos anti-histamínicos foi sua tendência a tornar os indivíduos normais sonolentos. No entanto, quando uma versão forte dos anti-histamínicos foi dada para pacientes com esquizofrenia, eles se tornaram calmos, sua confusão cognitiva foi reduzida e o comportamento tornou-se muito mais normal. Em outras palavras, a tranquilização, que era um paraefeito negativo para pessoas com alergia, foi considerado útil para pessoas sofrendo de esquizofrenia” (HOLMES, 2001, p.31) Fases da História do Comportamento Anormal
“Formas mais poderosas de anti-histamínicos foram rapidamente adaptadas
para uso como drogas antipsicóticas, revolucionando o atendimento e o tratamento de pessoas altamente perturbadas. Alas hospitalares foram transformadas de minas de confusão e caos em locais de calma relativa. Isto significou que o tempo da equipe poderia ser dedicado a tratar pacientes ao invés de meramente mantê-los fisicamente contidos [...] Um segundo efeito importante das drogas antipsicóticas Referências Bibliográficas HOLMES, D. S. Psicologia dos transtornos mentais. Tradução Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed, 2001.