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EQUILÍBRIO REFLEXIVO

AMPLO E A JUSTIFICAÇÃO
DE CRENÇAS MORAIS
Prof. Dr. Rogel E. de Oliveira
(PNPD-Capes/PUCRS)
EPISTEMOLOGIA MORAL

Justificação de crenças (juízos) morais:


“O que Hitler fez nos campos de concentração é errado.”
“Torturar e assassinar pessoas é errado.”
“Não devemos fazer aos outros o que não gostaríamos que
fizessem conosco.”
PRESSUPOSTOS:

1) COGNITIVISMO MORAL: TEMOS ou PODEMOS TER


CONHECIMENTO MORAL. PORTANTO: HÁ FATOS ou VERDADES
MORAIS; HÁ PROPOSIÇÕES MORAIS COM VALOR DE
VERDADE; AS CRENÇAS MORAIS PODEM SER VERDADEIRAS
ou FALSAS.
2) REALISMO MORAL: OS FATOS ou VERDADES MORAIS SÃO
INDEPENDENTES DAS NOSSAS CRENÇAS ou EVIDÊNCIAS(v.
Brink, 1989, p. 17ss; v. tb. DePaul, 1993; Elgin, 1996)
EQUILÍBRIO REFLEXIVO (ER) – BREVE HISTÓRICO

John Rawls (1951) – Antecipa alguns elementos do ER, em especial o papel dos
“Juízos morais ponderados” (Considered moral judgments).
Nelson Goodman (1955) – Aplica o método (sem nome) para a justificação da
dedução e indução.
John Rawls (1971) – Apresenta e nomeia o método, aplicando-o à teoria moral e
política.
John Rawls (1975) – Torna explícita a diferença entre ER “restrito” e “amplo”
(narrow & wide reflective equilibrium)
EQUILÍBRIO REFLEXIVO (ER) – BREVE HISTÓRICO

 Obs.: No livro “A Theory of Justice” (1971), “Rawls oferece o que poderia ser visto como
três ideias de justificação: o método do equilíbrio reflexivo, a derivação de princípios na
posição original, e a ideia da razão pública. Elas podem parecer estar em alguma tensão
uma com outra” (Scanlon, 2003, p. 139).
 Os métodos de fato interagem entre si: na seção 4 do Cap. 1, o método do ER é aplicado
para a justificação das próprias condições da Posição Original!
 Entretanto, o ER ganhou autonomia como método de justificação entre os teóricos morais.
EQUILÍBRIO REFLEXIVO (ER) – BREVE HISTÓRICO

M. DePaul:
“Uma vez que você tem uma caracterização abstrata do método, é plausível pensar que
filósofos o têm usado, em ética e em outros lugares, durante todo o tempo” (2006, p.
598)
EQUILÍBRIO REFLEXIVO (ER) –
USO ATUAL EM TEORIA MORAL

“[O ER] é o método mais comumente endossado de investigação moral


entre os filósofos morais contemporâneos” (J. McMahan, 2013, p. 110).
“Este método, propriamente compreendido, é de fato o melhor modo de se
decidir sobre matérias morais e sobre muitos outros assuntos. Realmente,
ele é o único método defensável: aparentes alternativas a ele são ilusórias
(T. M. Scanlon, 2003, p. 149; cf. M. DePaul, 2006, p. 597, para opinião
semelhante).
QUESTÃO PRINCIPAL:

 O ER (Amplo) é um método ou modelo correto de


justificação de crenças morais?

Em outras palavras:

 O ER (Amplo) justifica epistemicamente nossas


crenças morais, indicando que são verdadeiras?
I – O QUE É EQUILÍBRIO REFLEXIVO?

O EQUILÍBRIO REFLEXIVO RESTRITO:


(NARROW REFLECTIVE EQUILIBRIUM)
Busca coerência (“equilíbrio”) entre duas classes de
proposições ou crenças:
a) Juízos (ou convicções, intuições) morais ponderados;
b) Princípios ou regras morais.
COMO SE CHEGA
AO EQUILÍBRIO OU COERÊNCIA?

1º) O sujeito identifica um grupo relevante de Juízos Morais


Ponderados:
O que são Juízos Morais Ponderados?
São juízos “feitos sob condições favoráveis ao exercício do
senso de justiça”. São aqueles feitos sem hesitação,
aborrecimento ou medo, sem interesses pessoais, tendo o
sujeito “a habilidade, a oportunidade e o desejo de alcançar
uma decisão correta”. (Rawls, 1971/1999)
 São juízos que “nós... fazemos intuitivamente”, ou seja, eles não são
“determinados por uma aplicação consciente de princípios” (Idem, 1951,
1971/1999)
 “As pessoas têm juízos ponderados em todos os níveis de generalidade”
(Idem, 1975).
 Eles são “pontos fixos provisórios” (Idem, 1971/1999.). Ou seja, eles
podem ser revisados ou descartados mais tarde.
 Exemplo: A convicção que nós temos hoje de que “a intolerância religiosa e
a discriminação racial são injustas” (ibid.).
COMO SE CHEGA
AO EQUILÍBRIO OU COERÊNCIA?
2º) O sujeito procura formular Princípios Morais que
sistematizem e expliquem tais Juízos:
Esses princípios devem ser tais que seja possível “derivar” a
partir deles os juízos ponderados
Tais princípios descrevem “a capacidade moral” ou “senso
de justiça” do sujeito
Os princípios e os juízos devem se apoiar mutuamente
(coerência)
COMO SE CHEGA
AO EQUILÍBRIO OU COERÊNCIA?

3º) Diante de “discrepâncias” no passo anterior, o sujeito faz


um ajuste, seja modificando algum princípio, seja revisando
algum(ns) juízo(s).
Nem juízos, nem princípios morais têm algum privilégio; o
ajuste é feito “em ambas as pontas” (ibid.);
Deve-se fazer o ajuste “indo e voltando”, até se atingir um
“ponto de equilíbrio”, ainda que tal ponto não seja estável por
muito tempo.
 “Este estado de coisas eu refiro como equilíbrio reflexivo. É um
equilíbrio porque finalmente nossos princípios e juízos
coincidem; e é reflexivo já que nós sabemos a que princípios
nossos juízos se conformam e as premissas da sua derivação”
(Rawls, 1971)
PROBLEMAS DO ER RESTRITO:

 Tal equilíbrio se limita a descrever e sistematizar a


teoria moral de um sujeito, mesmo que atenuando
“certas irregularidades” (Rawls)
 O ER Restrito é conservador.
 O ER restrito não pode, portanto, justificar as crenças
morais de um sujeito.
O EQUILÍBRIO REFLEXIVO AMPLO:
(WIDE REFLECTIVE EQUILIBRIUM)
Busca coerência (pelo mesmo processo) entre:
a) Juízos (Intuições) Morais Ponderados;
b) Princípios Morais;
c) “Várias concepções” morais “plausíveis” alternativas,
com “todos os seus argumentos filosóficos relevantes.”
(Rawls)
O EQUILÍBRIO REFLEXIVO AMPLO – NA VERSÃO
DE N. DANIELS (1979):

Busca coerência (pelo mesmo processo) entre:


a) Juízos (Intuições) Morais Ponderados;
b) Princípios Morais;
c) “Teorias de Fundo” relevantes (teorias da
personalidade, sociedade, etc.)
O EQUILÍBRIO REFLEXIVO AMPLO:

 Com o ER Amplo, o senso moral do sujeito “pode ou não


sofrer uma mudança radical” (Rawls)
 Concluindo: “Uma concepção de justiça não pode ser
deduzida de premissas autoevidentes ou condições sobre
princípios: ao invés disto, sua justificação é uma matéria de
suporte mútuo entre muitas considerações, de cada coisa se
encaixando em uma visão coerente” (Rawls)
II - DOIS PROBLEMAS CENTRAIS DO ER:

1) A “Credibilidade Inicial” dos Juízos Ponderados ou


Intuições morais;
2) A Conexão entre Coerência e Verdade.
1º) A CREDIBILIDADE INICIAL DOS JUÍZOS
PONDERADOS OU INTUIÇÕES:

“[O apelo às intuições morais] é uma forma disfarçada de subjetivismo...


no sentido mais estrito e antiquado do termo” (Hare, 1973, p. 82s).
“Todos os juízos morais particulares que nós intuitivamente fazemos
provavelmente derivam de sistemas religiosos descartados, de visões
deformadas de sexo e funções corporais, ou de costumes necessários para
a sobrevivência do grupo em circunstâncias sociais e econômicas que
agora jazem no passado distante. (...). Seria melhor esquecer tudo sobre
nossos juízos morais particulares. (Singer, 1974, p. 516).
É inútil apelar para a coerência entre as crenças...
“...a menos que algumas das crenças sejam inicialmente dignas de
crédito – e não meramente inicialmente cridas – por alguma razão
outra que sua coerência” (Brandt, 1979, p. 20).
Em que consiste, pois, a credibilidade ou justificação
inicial dos juízos ou intuições morais?
2º) A CONEXÃO ENTRE COERÊNCIA E VERDADE:

“Por que o fato que uma crença satisfaz os padrões de uma


avaliação coerentista deveria ser tomado como mostrando que ela é
justificada, no sentido de que há uma boa razão para pensar que ela
é verdadeira? O que a coerência tem inclusive a ver com a verdade
ou probabilidade de verdade (assumindo, como estaremos aqui, que
uma teoria coerentista da verdade é inaceitável)? (BonJour, 2002, p.
207)
III - A DEFESA DO ER (AMPLO) POR C. ELGIN:

1) RESPOSTA AO PROBLEMA DA
“CREDIBILIDADE/SUSTENTABILIDADE INICIAL”
DOS JUÍZOS PONDERADOS:
a) Teste das Ações & Presunção Epistêmica
b) O Poder da Coerência
A) O TESTE DAS AÇÕES & PRESUNÇÃO
EPISTÊMICA
“Nossas convicções formam a base para nossas ações. (...). Assim, confiança
num dado juízo indica que nós ainda não o consideramos impedimento para a
ação. (...). Que as sentenças que nós aceitamos não frustram, em geral, nossos
esforços é alguma razão para aceitá-las. É razão suficiente, eu sugiro, para torná-
las inicialmente sustentáveis. Desde o começo de qualquer investigação, portanto,
há uma presunção epistêmica em favor das convicções que nós já temos.” (Elgin,
1996, p. 102).
Embora nós não possamos identificar “o que é aceito” com “o que é aceitável” -
argumenta Elgin - “uma sentença ser aceita não é epistemicamente irrelevante
para sua aceitabilidade.” (ibid.).
B) O PODER DA COERÊNCIA

B-1) A Coerência no sistema “remove” juízos ruins:

“Se eu estou certa, mesmo superstições, ilusões e preconceitos começam sua


carreira como crenças inicialmente sustentáveis. Isto não é tão objetável como à
primeira vista parece, entretanto, porque sustentabilidade inicial é uma conquista
epistêmica modesta e precária. (...). A reivindicação de uma sentença
inicialmente sustentável à nossa submissão epistêmica [epistemic allegiance] é
tênue e facilmente cancelada [overridden] caso a manutenção da aceitação se
prove muito custosa. Entre as [sentenças] mais pronta e decisivamente
desacreditadas estão aquelas que nós acabamos chamando de superstições,
ilusões e preconceitos.” (ibid., p. 102).
B) O PODER DA COERÊNCIA

B-2) A Coerência no sistema “confere” e “aumenta”


credibilidade/sustentabilidade:
“Ao construir [forging] conexões entre afirmações inicialmente sustentáveis
[initially tenable claims], nós as integramos numa rede de suporte mútuo. Isto
aumenta sua sustentabilidade, cada uma sendo mais razoável à luz das outras do
que era sozinha. Isto também confere sustentabilidade às sentenças que nós
anexamos, transformando afirmações inicialmente duvidosas em partes
integrantes de um sistema aceitável de pensamento.” (ibid., p. 104)
EXEMPLO DAS TESTEMUNHAS (INDEPENDENTES)
POUCO CONFIÁVEIS

“Seu acordo evidentemente aumenta o estatuto epistêmico


dos relatos individuais” (Elgin, 2005, p. 157).
2) A RESPOSTA AO PROBLEMA DA CONEXÃO
ENTRE COERÊNCIA E VERDADE:
A LIGAÇÃO DO SISTEMA COM OS JUÍZOS OU CONVICÇÕES INICIAIS
É O ELO COM A VERDADE:
“Somente coerência não é suficiente. Um sistema é coerente se seus componentes estão
adequadamente relacionados uns com os outros. (...). Evidentemente, um tal sistema
poderia ser uma completa ficção. (...). Para o equilíbrio reflexivo, convicções
independentemente motivadas e inicialmente sustentáveis devem subscrever [underwrite]
a coerência. Os componentes de um sistema em equilíbrio reflexivo devem ser razoáveis à
luz uns dos outros, e o sistema como um todo razoável à luz de nossas convicções
inicialmente sustentáveis. (...). Coerência fornece justificação no sistema; a ligação com as
convicções inicialmente sustentáveis [fornece] justificação do sistema.” (1996, p. 107;
grifos nossos).
IV- CRÍTICA À DEFESA DE ELGIN DO ER

1) CIRCULARIDADE:

Problema dos Juízos Ponderados ► Apelo à Coerência


Problema da Coerência ► Apelo aos Juízos Ponderados
2) CRÍTICA DE VAN CLEVE AO EXEMPLO DAS
TESTEMUNHAS

Segundo fórmula de Keynes:


“a concordância de várias testemunhas pode substancialmente
elevar a probabilidade daquilo sobre o que elas concordam mesmo
que algumas das testemunhas tenham credibilidade inicial menor
que 0.5; entretanto, isto é possível somente se for improvável que
outras das testemunhas atestem a X se X for falso...” (Van Cleve,
2011, p. 372).
P(B/X) x P(X/A)
P(X/A&B) = ____________________________________
[P(B/X) x P(X/A)] + [P(B/~X) x (1-P(X/A)]

Obs.: P(X/A&B) será alta, mesmo que P(X/A) e P(B/X) sejam próximas de 0 (mas não iguais
a 0), somente se P(B/~X) também for bastante pequena. Isto, por sua vez, implica que
P(~B/~X) deve ser bastante alta. Ora, P(~B/~X) é um outro tipo de credibilidade, conhecida
como “sensibilidade” (ibid., p. 367, n. 49).
CONCLUSÃO

► O ER segundo modelo coerentista ou “fundacionista fraco” é


problemático

► Talvez tenhamos de recorrer à interpretação do ER nos moldes


do “fundacionismo moderado” para salvar o método.

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