Você está na página 1de 20

Intuicionismo Moral

Dr. Rogel Esteves de Oliveira (PNPD-Capes/PUCRS)


INTUICIONISMO MORAL – O QUE É

Há dois sentidos de “Intuicionismo Moral”, não excludentes, cada um relacionado a uma tese
específica:

 Sentido amplo: teoria que defende a pluralidade de princípios morais, irredutíveis entre si,
e irredutíveis a fatos naturais. Defende, portanto, um realismo não-reducionista pluralista.
(tese metafísica)
 Sentido restrito: teoria que defende que podemos ter conhecimento ou justificação de
algumas verdades morais de modo direto (não-inferencial), através de intuições morais.
(tese epistêmica)
 Obs: Intuicionismo moral não é análogo a intuicionismo em matemática!
Caracterização Epistemológica do
Intuicionismo Moral
O Intuicionismo Moral defende:

1) Algumas crenças morais são fundacionais, ou “propriamente básicas”.


 Básicas: são formadas não-inferencialmente (causação direta)
 Propriamente básicas: são justificadas não-inferencialmente (justificação direta)
2) O que justifica uma crença moral fundacional é que ela:
(i) Tem um conteúdo proposicional que é auto-evidente (Ross, Audi), ou
(ii) É produzida por uma “aparência” ou “percepção” que não foi derrotada (Huemer,
McGrath)
Caracterização Epistemológica do
Intuicionismo Moral
 Uma proposição é “auto-evidente” quando:

(a) sua compreensão é condição suficiente para se “perceber” que é verdadeira (sentido usual);
ou
(b) sua compreensão é condição suficiente para se estar justificado em crer que é verdadeira
(Audi).
Caracterização Epistemológica do
Intuicionismo Moral
3) Uma crença moral ser fundacional ou direta não significa que ela seja imediata, ou que não
precise de reflexão. A compreensão da proposição pode exigir tempo e esforço. Reflexão é
diferente de raciocínio (inferência).

4) O intelecto produz crenças morais básicas, por meio de intuições, como acontece, por
exemplo, com as verdades matemáticas. Não é necessário se postular uma “faculdade” ou
“órgão” especial que seja responsável pela moralidade.

5) Crenças morais básicas não necessitam ser “infalíveis”. Uma intuição moral pode ser falsa,
ainda que justificada.
Caracterização Epistemológica do
Intuicionismo Moral
6) Crenças morais básicas podem ocorrer em três níveis possíveis de generalidade. Elas podem
ser:

(i) Princípios morais ou primeiros princípios (Sidgwick). As demais crenças morais são
inferidas dos princípios.
(ii) Normas ou regras morais (para tipos de ações). Ross defendia os “deveres morais prima
facie” que eram auto-evidentes. Eles podiam, entretanto, ser “derrotados” quando
aplicados a casos particulares.
(iii) Juízos morais particulares. (S. McGrath). “Percebemos” verdades morais em casos
particulares. Podemos rever nossas normas morais à luz dos casos particulares.
Caracterização Epistemológica do
Intuicionismo Moral
7) Demais crenças morais (não básicas) devem ser justificadas por sua relação com as crenças
morais básicas.
Objeções ao Intuicionismo Moral

1) Existência de conflitos ou desacordo sobre crenças morais? Respostas:


(a) Nem todas as crenças morais em conflito são crenças fundacionais;
(b) Crenças fundacionais são falíveis, ou seja, podem ser falsas. Deste modo, mesmo
desacordo envolvendo crenças fundacionais não é incompatível com o intuicionismo
moral.

2) A noção de auto-evidência é problemática ou pouco clara (C. Ginet). Intuições morais


podem esconder um mero subjetivismo (Hare).

3) As mesmas críticas dirigidas ao fundacionismo em geral.


O CONSERVADORISMO FENOMÊNICO
(PHENOMENAL CONSERVATISM-PC)
PRINCÍPIO DO CONSERVADORISMO FENOMÊNICO (Michael Huemer*):

 PC: Se parece a S como se P, então S tem, pelo menos, justificação prima facie para crer
que P (Huemer, 2001, p. 99).

 PC (rev.): Se parece a S que P, então, na ausência de derrotadores, S tem pelo menos algum
grau de justificação para crer que P (Huemer, 2007, p. 30).

 Outros defensores: Cullison (2010), Lycan (2013), Skene (2013), Tucker (2010),
Swinburne (2003). Cf. Dogmatismo: Pryor (2000), Audi (1993), Chisholm (1989),
Chudnoff (2011), Pollock e Cruz (1999).
“ De acordo com o Conservadorismo
Fenomênico, a posição epistemológica
padrão [default] é aceitar as coisas
como elas parecem. As aparências são
presumidas como verdadeiras, até prova

em contrário” (Huemer, 2001, p. 100).
“PARECE a S que P”?? – O que é este
“parecer” ou “aparência” que P??
 É um estado mental com conteúdo proposicional (i.e., é “um tipo de atitude
proposicional”);
 Tem uma força assertiva: representa um conteúdo como atualizado, como sendo o caso ou
verdadeiro;
 Não é crença: pode parecer a S que P sem que ele creia que P (ou até saiba que não-P)
 Não é inclinação ou disposição para crer (cf. F. Jackson, 1977):
a) Pode parecer a S que P sem que ele esteja inclinado a crer que P;
b) Aparência que P fornece explicação não-trivial da inclinação para crer que P;
c) S pode estar inclinado ou disposto a crer que P sem que pareça a S que P é o caso (e.g.
desejo que P seja verdadeiro)
DIFERENTES TIPOS DE APARÊNCIAS:

a) Sensorial
b) Intelectual (intuições)
c) Mnemônica (aparências de memória)
d) Introspectiva
MOTIVAÇÕES & VANTAGENS DE PC:

 Está em acordo com Senso Comum, sendo a “visão natural” com respeito a percepção
(Pryor), intuição (Chudnoff) e memória (Pollock e Cruz);
 É uma saída para o Problema do Regresso;
 Dá um princípio único que unifica as várias formas de justificação não-inferencial e talvez
até inferencial;
 Resolve outros problemas epistemológicos, como o exemplo de Chisholm da “galinha
salpicada” (cf. Tucker, 2010; Brogaard (2013); entre outros.
ARGUMENTOS PRÓ PC:
1- O Argumento da Perspectiva da Primeira
Pessoa:
 Dado 1: “Quando parece a você que P, na ausência de derrotadores, você tem uma relação
com P que torna irracional negar ou suspender juízo sobre P” (Tucker, 2013, p. 10; cf.
Huemer, 2001, p. 104-5)

 Dado 2: “Quando P e Q parecem iguais em todos os aspectos epistemicamente relevantes,


é irracional tratar as duas proposições diferentemente (e.g., crer uma, mas negar a outra)”
(Ibidem; cf. Huemer, 2006, p. 151).
2 – O Argumento da Autoderrota

HUEMER (2011, p. 1):


(1) Todas as nossas crenças (nos casos relevantes*) são baseadas em aparências.
(2) Uma crença é (doxasticamente) justificada somente se aquilo no que ela se baseia constitui
uma fonte adequada de justificação (proposicional).
(3) Portanto, se aparências não são uma fonte de justificação, então todas as nossas crenças são
injustificadas, incluindo a crença (se alguém a tem) que aparências não são uma fonte de
justificação.

* Crenças relevantes são as que “não são baseadas em auto-engano, fé, e coisas semelhantes.
[Tais crenças] não são candidatas plausíveis para serem justificadas epistemicamente” (ibid., n.

O argumento aqui não é diretamente um argumento que o
Conservadorismo Fenomênico é verdadeiro, mas, ao
invés, que as teorias epistemológicas que se opõem ao
Conservadorismo Fenomênico são autoderrotadoras
(Huemer, 2007, p. 41). ”
Entretanto, o argumento pode continuar:

“Mas, se nós concedermos que a negação do Conservadorismo


Fenomênico gera o ceticismo global com respeito à justificação, a
única suposição [assumption] a mais requerida para derivar que o
Conservadorismo Fenomênico é verdadeiro é que algo é em certa
medida justificado. Parece-me que isto é literalmente o mínimo que
nós poderíamos assumir, em qualquer discussão” (Huemer, 2007, p.
50).
Ou seja, o argumento pode continuar assim:

(1)Se o CF é falso, então nenhuma crença é justificada.


(2)Algumas crenças são justificadas.
(3)Portanto, o CF é verdadeiro.
CRÍTICAS:
1- O Problema da Permissividade e o da “Fonte
Contaminada” (Tainted Source)
 PERMISSIVIDADE: Se o princípio PC é verdadeiro, então crenças altamente
controversas, as geralmente tomadas como irracionais e até perigosas pela maioria das
pessoas tornam-se facilmente justificadas. Por exemplo: as crenças do fanático religioso
que mata em nome da religião. (Tooley, 2013)
 FONTE CONTAMINADA: Algumas aparências são causadas por estados mentais que não
são fonte de justificação epistêmica. Por exemplo: algumas aparências que P são causadas
pelo desejo que P; outras aparências são causadas por crença injustificada. (Markie,
2013)
2- Exigência de Meta-Justificação

 É necessário que se mostre a conexão entre aparência que P e


verdade de P, ou seja, que crenças baseadas em aparências são
provavelmente verdadeiras.

 Exigência para a Teoria epistemológica ou para S?

Você também pode gostar