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“AUTOEVIDÊNCIA”

EM ROBERT AUDI
Rogel E. Oliveira (PNPD-Capes/PUCRS)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AUDI, Robert. (1999). Self-evidence. In: TOMBERLIN, James E. (Ed.).


Philosophical Perspectives 13 (Epistemology), p. 205-228.
AUDI, Robert. (2008). Skepticism about a priori justification: self-evidence,
defeasibility, and cogito propositions. In: GRECO, John (Ed.). The Oxford
Handbook of Skepticism. Oxford/New York: Oxford Univ. Press. p. 149-175.
AUDI, Robert. (2011). Epistemology: a contemporary introduction to the theory
of knowledge. 3.ed. New York/London: Routledge.
BONJOUR, Laurence. (1998). In defense of pure reason. Cambridge/New York:
Cambridge Univ. Press.
ROSS, W. D. (1930). The right and the good. Oxford: Oxford Univ. Press.
PROPOSIÇÕES AUTOEVIDENTES (PAE):
Proposições autoevidentes são a “base” da justificação/conhecimento a priori para Audi.
Ou seja, é a noção básica a partir da qual ele explica o domínio do a priori (1999, p. 221-
3; 2011, p. 112s). (Mais sobre isso abaixo)
O que são proposições “autoevidentes”?
Definição de Audi:
“[They are] those truths such that (1) if one (adequately) understands them, then by virtue
of that understanking one is justified in (hence has justification for) believing them, and
(2) if one believes them on the basis of (adequately) understanding them, then one
thereby knows them” (2011, p. 105; v. tb. 1999, p. 206).
De fato, “(2) implica que proposições autoevidentes são verdadeiras” (ibid.). Por clareza,
Audi preferiu deixar redundante a caracterização.
De modo mais breve, ainda que “não exatamente equivalente”:
“P is self-evident provided an adequate understanding of it is sufficient for being
justified in believing it and for knowing it if one believes it on the basis of that
understanding” (1999, p. 206).
Ou:
“P is self-evident provided an adequate understanding of it grounds (1) being
justified in believing it and (2) knowing it if one believes it on the basis of that
understanding” (2008, p. 152).
Alguns exemplos de Audi:
 “Se o pinheiro é mais alto que o carvalho, então o carvalho é mais baixo que o
pinheiro”
 “Nada é inteiramente vermelho e inteiramente verde ao mesmo tempo”
COMPREENSÃO ADEQUADA?
Audi não pretende oferecer uma “análise completa”, mas apenas “elucidar” a expressão
(2008, p. 152ss):
1º) Negativamente: compreensão adequada contrasta com “mistaken, insufficient,
distorted, clouded, and equivocal understanding” (ibid., p. 153)
2º) Compreensão adequada tem a ver com a compreensão de conceitos, não meramente
com compreensão linguística. A compreensão conceitual adequada de uma proposição
implica (ibid., p. 154):
(1) Seeing what the proposition says;
(2) Being able to apply it (illustratively) to, and withhold its application from, an
appropriately wide range of cases; and
(3) Being able to (a) see some of its logical implications, (b) distinguish it from a
certain range of close relatives, and (c) comprehend its elements and some of their
relations.
OUTRAS OBSERVAÇÕES SOBRE A DEFINIÇÃO:
a) Nada na definição diz que PAE são persuasivas (compelling), no sentido de
que se alguém compreende uma PAE então ele crê nela. (“Pessoas racionais
tendem a crer”, mas isto não é uma implicação!) (1999, p. 206; 2008, p. 152).
b) Uma PAE não é necessariamente “óbvia”, ou seja, tal que alguém logo a
compreende e “vê” que é verdadeira. Ex:
 “Primos de primeiro grau têm em comum [share] um par de avós”;
 “Um homem pode ser avô e pai da mesma pessoa” (2008, p. 152; 2011, p.
105).
c) Nada na definição diz que a necessidade da proposição precisa ser apreendida
(contra BonJour, 1998), ainda que PAE sejam necessárias (2008, p. 156; 2011, p.
122, n. 1);
d) A definição não implica que a justificação ganha não possa ser derrotada. Um
derrotador (para a justificação de que P) pode:
(i) Tornar a compreensão de P inadequada (defeat by obfuscation);
(ii) Justificar fortemente uma outra proposição incompatível com P (defeat by
overriding);
(iii) Justificar fortemente uma dúvida de que o sujeito esteja justificado em crer
que P (defeat by undermining).
“An intriguing consequence”: Se ocorrer derrota do tipo (ii) ou (iii), sem se
perder a compreensão adequada de P, então “on my characterization of self-
evidence, if one believes it on the basis of that understanding, one knows it. This
would have to be a case of a priori knowledge without undefeated justification,
something one might consider at best odd. [...]. Since I think that knowledge is
possible without justification, however, I would in any case make conceptual
room for knowledge that p to survive defeat of one’s justification for believin p”
(1999, p. 219).
COMO EXPLICAR A JUSTIFICAÇÃO DE PAE?
• PAE podem ser “analíticas” ou “sintéticas a priori”. Audi defende a “visão
clássica” qto. às verdades da razão (2011, p. 107-116)
 “Todo homem solteiro é não casado”. (Analítica).
 “Nada pode ser inteiramente vermelho e inteiramente verde ao mesmo
tempo”. (Sintética a priori)
• “Em ambos os casos [i.e., verdades analíticas e verdades sintéticas a priori], a
relação entre os conceitos envolvidos na verdade parece ser a base daquela
verdade. Em ambos, além disto, eu aparentemente sei a verdade através de
[through] compreender racionalmente aquela relação: uma relação analítica de
‘estar contido’ (containment), em um caso, e de exclusão mútua, no outro ”
(ibid., p. 115)
• Isto não implica que a experiência não seja necessária para “adquirir” os
conceitos em jogo (ibid.)
TIPOS DE PROPOSIÇÕES AUTOEVIDENTES:

1) Proposições “imediatamente autoevidentes”: elas são rapidamente [readily]


compreendidas por “adultos normais (ou por pessoas de alguma descrição
relevante, e.g. agentes morais maduros)” (1999, p. 214; grifo nosso)
2) Proposições “mediatamente autoevidentes”: “sua verdade pode ser apreendida
somente através da mediação de reflexão” (ibid.; grifo nosso).
Reflexão não implica justificação inferencial: “A reflexão pode envolver
inferências, mas seu papel aqui é limitado em grande parte em esclarecer o
conteúdo da proposição em questão [...]. Pode-se exigir tempo para se atingir
uma compreensão adequada de [uma proposição autoevidente], mas não se
necessita de premissa alguma para adquirir justificação para crer nela” (ibid.)
O AUTOEVIDENTE E O ÓBVIO:
• Como já vimos, nem todas as PAE são “óbvias” (i.e., tais que “sua verdade se
manifesta [is apparent] tão logo se as considera com compreensão”). Enquanto
as proposições “imediatamente evidentes” são óbvias, as “mediatamente
evidentes” – que exigem reflexão – não o são (1999, p. 214)
• A “obviedade” acontece em graus; a autoevidência não (apenas tipos diferentes).
Uma proposição não pode ser “mais autoevidente” que outra, embora possa ser
“mais óbvia” que outra. Mesmo proposições “imediatamente evidentes” podem
variar em obviedade. Compare:
 “Se A é mais comprido que B e B é mais comprido que C, então A é mais
comprido que C”
 “Se nunca houve irmãos, então nunca houve primos de primeiro grau” (ibid., p.
215)
• Nem toda proposição “óbvia”, entretanto, é autoevidente:
 Ex: “É óbvio que existe pelo menos uma pessoa” (ibid., p. 214)
O AUTOEVIDENTE, O INTUITIVO E O AXIOMÁTICO

• Pelo exposto acima, nem toda PAE é “intuitiva” [imediata temporalmente?];


e nem toda proposição crida “intuitivamente” é autoevidente (1999; p. 215);
• Uma PAE é “axiomática” no sentido de que não necessita de premissas para
se ter justificação em crê-la;
• Entretanto, contrário a Ross (1930), entre outros, uma PAE não é
necessariamente “axiomática no sentido forte” (strongly axiomatic), ou seja,
tal que não pode ser provada! Audi admite que possa haver mais de um
modo de justificá-la:
• “[D]o fato de uma proposição ser passível de conhecimento [knowable]
baseando-se na compreensão dela não se segue que ela não possa ser
conhecida baseando-se em premissas” (bidi., 216)
O AUTOEVIDENTE COMO BASE DO A PRIORI
As proposições a priori – i.e, aquelas que são justificadas independentemente da
experiência, pela “pura razão” - são aquelas que (1999, p. 221; 2008, p. 157;
2011, p. 112s):
a) Ou são proposições autoevidentes (as diretamente autoevidentes ou a priori
no sentido estrito),
b) Ou, não sendo autoevidentes, são “autoevidentemente acarretadas” por uma
PAE - ou seja, o condicional que representa a implicação é autoevidente (as
indiretamente autoevidentes)
c) Ou, não sendo nem (a) nem (b), é demonstrável [provable], através de
passos inferenciais autoevidentes, a partir de uma PAE (a priori em última
instância).

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