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MÉTODOS DA FILOLOGIA ROMÂNICA

P R O F A . D R A . L IL IA N E B A R R E IR O S
(PPGEL/UEFS)
Textos:

SILVA, José Pereira da. O método em Filologia. Philologus, ano 17, n.


50. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set/dez. 2011, p. 91-112.

BASSETTO, Bruno F. Elementos de Filologia Românica: história externa


das línguas. v. 1., 2 ed. São Paulo: Editora da USP, 2005.
Introdução
Dentre vários métodos utilizados em Filologia Românica, uns são mais
adequados e, por isso, mais produtivos, enquanto outros, emprestados de
ciências afins, trazem apenas alguma contribuição para um conhecimento
maior dos conteúdos da Romanística.

Para uma visão mais completa de determinados problemas, frequentemente


é preciso aplicar mais de um método e confrontar os resultados obtidos.
Introdução
Destacam-se:
Método Histórico-Comparativo,
Método Idealista,
Método da Geografia Linguística,
Método de Wörter und Sachen (“Palavras e Coisas”),
Método Onomasiológico,
Método Neolinguístico ou Espacial,
Método da Teoria das Ondas (Wellentheorie) e
Métodos Afins.
Método
Idealista

Métodos Geografia
Afins Linguística

Método
Histórico-
Método da comparativo Método
Teoria das “Palavras e
Ondas Coisas”

Método Método
Neolinguístico Onomasiológico
Método Histórico-Comparativo
Friedrich Diez tornou-se o pai da Filologia Românica aplicando o método histórico-
comparativo, que havia sido usado por Franz Bopp no estudo das línguas indo-européias e
por Jakob Grimm no das línguas Germânicas.

 Franz Bopp realiza estudo comparativo das línguas persa, sânscrita,


grega, latina, alemã e inglesa... > família indo-europeia. Assim, ele cria o
método comparativo.
 Jakob Grimm realiza estudo diacrônico do alemão, criando, assim, o
método histórico que acompanha a evolução da língua.
Método Histórico-Comparativo
O método histórico-comparativo é aplicável a casos de grupos de
línguas genealogicamente afins. Dados colhidos nas línguas com a
mesma origem são comparados entre si para se lhes encontrar a
forma originária, determinar os metaplasmos ocorridos, e
verificar-lhes o significado, a formação de novos campos
semânticos, o motivo ou os motivos de tais formações, e inúmeras
questões semelhantes.
Exemplo com o verbo deixar
Carolina Michaëlis de Vasconcellos, no Glossário do Cancioneiro da Ajuda,
apoiando-se nas formas correntes desleixo e desleixado, derivou “deixar”
supondo uma forma como *delaxare, com os metaplasmos:

delaxare > delaixar > deleixar > deeixar > deixar


Exemplo com o verbo deixar
Entretanto, o levantamento e a comparação das formas correspondentes nas
outras línguas e dialetos românicos mostram que não foi esse o processo,
embora foneticamente viável, que originou o termo português.

francês: laisser; provençal: laisar; castelhano antigo: lexar; português antigo:


leixar; siciliano: dassari; catalão: dexar; castelhano moderno: dejar;
português moderno: deixar.

Leixar > Deixar


Exemplo com o verbo deixar: conclusão
A forma do português “deixar” deve ser colocada no contexto mais amplo e
não é correto derivá-las de mutações que são características do português,
especificamente.

Também não há documentação que comprove a trajetória sugerida pela


autora.
Método Histórico-Comparativo
O método histórico-comparativo tem sido particularmente útil na
reconstituição do léxico do latim vulgar.
Principal fonte léxica das línguas românicas, o latim vulgar certamente nunca
terá seu tesouro vocabular totalmente documentado, tendo-se perdido
muitos termos usuais e correntes.
Contudo, partindo-se de dados fornecidos pelas línguas românicas, pode-se
postular com segurança a existência dos vocábulos-fontes correspondentes
do latim vulgar, ainda que não documentado, mas que podem ou não ser
documentados posteriormente.
Método Histórico-Comparativo
Na fonética, na morfologia, no léxico e questões afins o MHC revelou-se
profícuo.
Sua aplicação à sintaxe apresenta maiores dificuldades porque nesse nível é
mais difícil comprovar a regularidade e a constância das correspondências
em que o método se fundamenta.
O campo sintático é o mais sujeito às particularidades tanto individuais
como coletivas, conforme se pode verificar, por exemplo, no emprego
românico do subjuntivo, precisamente o modo que expressa o ponto de vista
do falante.
Método Histórico-Comparativo
 Princípio – supõe-se a existência de uma expressão, palavra ou função no
latim vulgar desde que ela se encontre em várias línguas românicas, sem
possibilidade de ter surgido de modo independente em cada uma delas.
 Inversamente, caso se encontre em uma só língua, maior é a probabilidade
de que se trata de uma criação própria.
 Trata-se de um princípio metodológico genérico; cada caso deve ser
estudado individualmente.
A linguística histórica (ou diacrônica)
Todas as línguas mudam no curso do tempo. Os registros escritos deixam
claro que o português do século XV é diferente, de maneira bastante notável,
do português do século XXI, tal como o francês ou alemão do século XV é
diferente do que se fala hoje. A principal realização dos linguistas do século
XIX não foi apenas perceber mais claramente do que seus antecessores a
ubiquidade da mudança linguística, mas também colocar sua investigação
científica em base mais sólida por meio do método comparativo.

WEEDWOOD, Barbara. História concisa da linguística. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola,
2002.
Os Neogramáticos
A geração de Diez, fundador da Linguística Românica, esteve sob influência
direta da filosofia espiritualista dos românticos, impregnada de
historicismo;
A próxima escola linguística com influência marcante para a romanística
esteve ao contrário sob uma forte influência das ciências naturais (que
faziam então enormes progressos) e do darwinismo.
Os Neogramáticos
Na prática, o trabalho dos neogramáticos se caracterizou por uma exigência
de extremo rigor, que se traduziu na crença de que as “leis” da evolução
fonética agem de maneira absolutamente regular, admitindo exceções apenas
quando sua ação é contrariada pela ação da força psicológica da analogia
(ILARI, 1992, p.19).

ANALOGIA: Quando uma criança aprende a falar, tende a regularizar as


formas anômalas (irregulares) – isso por analogia com padrões regulares e
produtivos de formação da língua.
Ex: eu fiz/comi/bebi/ abri/ vendi etc. = “eu fazi”
Método Idealista
Teórico de referência: Karl Vossler
Por seu caráter filosófico e de linguística geral, o método dito
idealista de Karl Vossler (1872- 1949) foge um tanto dos
parâmetros propriamente filosóficos. Contudo, por ter Vossler
aplicado seus princípios idealistas estéticos às línguas românicas,
sobretudo ao francês.
Método Idealista
Para Vossler, a linguagem é expressão da alma humana; por isso,
a história da língua é idêntica à das várias formas de expressão,
isto é, é igual à história da arte.
[...] parte do princípio de que o fato linguístico é motivado.
Método Idealista
As palavras são apenas símbolos e toda expressão linguística é
meramente individual; cada expressão é uma recriação, que
carrega sempre algo da alma do falante e, por isso, é diferente de
qualquer outra expressão de todos os outros falantes. Assim a
psicologia pouco explica porque a linguagem se identifica com a
estética.
Método Idealista
Em conclusão, os resultados a que chegou o método idealista são
em geral inexatos e inconcludentes. Falta a seus princípios
contato mais direto com os fatos linguísticos.
Método da Geografia Linguística
Enquanto o método histórico-comparativo parte de fatos
devidamente comprovados em textos ou observados nas línguas
estudadas, a geografia linguística se ocupa com a situação em que
a língua se encontra num determinado momento, em localidades
ou em regiões previamente escolhidas. Não se utiliza de
documentos escritos como objeto de sua pesquisa, mas investiga
sobretudo a linguagem falada.
Método da Geografia Linguística
A ideia do método geográfico encontra-se embrionariamente nos
Saggi Ladini ( Ensaios Ladinos) de Graziadio Isaia Ascoli ,
publicados em 1873, e nos quais estudou os dialetos da antiga
Récia sob o ponto de vista histórico-geográfico.
As características científicas do método foram definidas por Jules
Gilliéron (1854- 1926), que idealizou e concretizou o primeiro
grande atlas linguístico moderno, o Atlas Linguistique de la
France.
Método da Geografia Linguística
Os aperfeiçoamentos do método, dados os bons resultados obtido
por Gilliéron, foram adotados por outros estudiosos e
pesquisadores e outros Atlas linguísticos foram montados.
Atualmente, a tendência é regionalizar os atlas linguísticos,
tornando-os mais particularizados, uns apenas linguísticos,
outros também antropológicos ou etnográficos.
Método da Geografia Linguística
A contribuição do método da geografia linguística para a
romanística foi sem duvida, valiosa, apesar de seu caráter
unilateral: recolhe apenas dados linguísticos instantâneos; de
modo geral, não registra aspectos e vocábulos satíricos,
familiares e afetivos, dado seu caráter sintético.
Método da Geografia Linguística
Contudo, tem o mérito de dar uma visão geral da situação atual
da língua, [...] com a geografia linguística realizou-se o ideal
neogramático de estudar a língua viva. Mostra como as palavras
se chocam entre si, migram, arcaízam-se, renascem ou
desaparecem, tornando claro que, em última análise, o fator
determinante de todo esse processo é o aspecto semântico, cuja a
busca fez nascer outros métodos de pesquisa.
Método “Palavras e Coisas”
Sem abandonar o aspecto fonético da língua, a geografia linguística
aprofundou as pesquisas no âmbito da semântica. Descreveu-se, então, a
natureza, as medidas, as formas, os usos etc. das coisas, considerando-se que
isto facilitaria a fixação da origem e da história das palavras com as quais elas
estão relacionadas.
Cientes de que as coisas precedem as suas denominações, os filólogos que
primeiramente aplicaram o método consideravam que há sempre uma
relação muito estreita entre as coisas e suas denominações. Assim, pelo
conhecimento profundo da “coisa”, chega-se ao étimo da palavra que a
designa.
Método “Palavras e Coisas”
Enfim, tornando mais objetivos os estudos filológicos e
valorizando devidamente a semântica, o método de “Palavras e
Coisas” ampliou as possibilidades do método histórico-
comparativo, “buscando o que há de vivo e não sujeito às cegas
leis na linguagem; buscando estabelecer a etimologia e até a
biografia das palavras”.
Método “Palavras e Coisas”
Teóricos de referência: Hugo Schuchardt e Rudolf Meringer

Visão de linguagem: Entende que, conhecendo-se a natureza, as


medidas, a forma, o uso, etc. dos objetos, é possível fixar a origem
e a história das palavras com as quais esses mesmos objetos são
designados.
Método Onomasiológico
Investigando os aspectos vivos e as forças criadoras da linguagem, a
onomasiologia estuda as denominações das “coisas” e identifica, na língua do
povo, a cultura, os costumes, as ocupações, o instrumental, as crenças e
crendices, a moradia, toda a relação do homem com o ambiente em que vive.
Possibilita, inclusive, caracterizar as atividades de uma região e situá-la no
tempo”, como se pode perceber, comparando o vocabulário relativo a
transporte de uma região servida de rios navegáveis como o Pará ou o
Amazonas, com o correspondente vocabulário de região desprovida de tais
rios, como é boa parte dos estados do Nordeste.
Método Onomasiológico
A onomasiologia, seguindo o caminho inverso da etimologia, é muito
eficiente no estudo da história e da biografia das palavras, visto que a
etimologia toma o significante para chegar aos significados, enquanto aquela
procura dar a história da palavra, desde a época mais antiga até chegar aos
nossos dias, explicando, ou pelo menos tentando explicar, as diversas
influências sofridas, os cruzamentos semânticos, sua vitalidade e frequência
de uso etc.
Método Neolinguístico ou Espacial
Apesar de combater a rigidez das “leis fonéticas” dos neogramáticos, a
linguística espacial estabelece novas “leis”, com o nome de “normas areais”,
com as quais demonstra como “a história dos diversos aspectos da língua
deixa seus traços no espaço”.
Com as cinco normas areais definidas por Mateo Bartoli (1873- 1946),
utilizando dados da geografia linguística, o método complementa o método
histórico-comparativo para numerosos vocábulos dos quais não há
documentação disponível.
Método Neolinguístico ou Espacial
Teórico de referência: Mateo Bartoli

Metodologia: Partem de 5 “normas de área” para estabelecer


como as marcas dos diversos aspectos da língua deixa seus traços
no espaço.
Método Neolinguístico ou Espacial
Através da neolinguística ou linguística espacial, abre-se mais
uma possibilidade para a datação de uma parcela do léxico,
apesar de pouco confiável, dado o grande número de exceções,
quando aplicada na prática. Por isto, só deve ser aplicada como
complemento do método histórico-comparativo e levando-se em
conta as possíveis exceções.
Método da Teoria das Ondas
Teórico de referência: Schuchardt; Schimidt

Visão de linguagem: acredita-se que as inovações linguísticas se


propagam como ondas, irradiadas continuamente de centros
geográficos humanos de prestígio. Acredita-se na existência de
um centro desencadeador da mudança.
Método da Teoria das Ondas
Johannes Schmidt (1843-1901) contesta a teoria da árvore genealógica de
August Schleicher (1821-1868), que imaginou as línguas como organismos
que nascem, crescem e se desenvolvem como qualquer ser vivo e, depois,
envelhecem e morrem, sem qualquer intervenção da vontade de seus
usuários, de modo que a distribuição das línguas poderia ser visualizada
graficamente como uma árvore genealógica.
Schmidt contesta a ideia de que as características das línguas sejam
imanentes e transmitidas hereditariamente, mas, pelo contrário, que
assimilam características desenvolvidas em centros de influência e
transmitidos em ondas, que se cruzam e entrecruzam com frequência.
Método da Teoria das Ondas
Visto assim, fica evidente que a doutrina de Schleicher está mais
fundamentada no método histórico-comparativo e a de Schmidt,
mais na geografia linguística. Isoladamente, esse método seria
pouco produtivo nos estudos de filologia românica, mas pode ser
extremamente útil se for combinado com elementos da geografia
linguística, da linguística espacial e de outros métodos.
Método Afins
Vários outros métodos existem e podem ser úteis também aos
estudos filológicos ou linguístico-filológicos, como a geologia
linguística, a estratigrafia linguística, a teoria dos campos
linguísticos (de Jost Trier, 1894-1970), a lexicologia social (de
Georges Matoré, 1908-1998) e o estruturalismo (de Ferdinand de
Saussure, 1857-1913), entre outros.
Considerações sobre os métodos:
integração entre diacronia e sincronia
A linguagem é, inegavelmente, uma herança social, cuja história se estende
por séculos. Uma visão completa, um conhecimento detalhado de seu
mecanismo, de sua estrutura, de sua semântica e até de sua ortografia só
podem ser obtidos através da pesquisa diacrônica. Os métodos descritos não
deixam dúvida de que a filologia românica se desenvolveu com o método
histórico-comparativo. As possíveis deficiências desse método foram sendo
corrigidas depois pela geografia linguística e pelos outros métodos
derivados. Enquanto o método histórico-comparativo procura as ligações
entre o “terminus a quo” e o “terminus ad quem”, o latim vulgar e as línguas
românicas respectivamente, os outros métodos têm como objeto
especificamente o “terminus ad quem”, pois investigam sincronicamente
aspectos atuais dessas mesmas línguas, cujas explicações, porém, devem ser
buscadas diacronicamente (BASSETTO, 2005, p. 85).

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