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Dizer que uma pessoa é tímida, é repetente, dar o estatuto da coisa que vemos, nos faz
pensar no processo de normalização e padronização pelo qual passam certas relações. Se alguém
apresenta uma tendência e essa tendência se cristalize na relação, essa pessoa vira um personagem;
o aluno especial, o presidiário, o louco, o pré-silábico, o aidético, o tímido, o chato, o excluído
esses personagens são objetivações de uma série de práticas.
Se são nas relações e nas práticas que se produzem as objetivações, então as perguntas
devem ser feitas sobre as relações e as práticas e não sobre os objetos. Em vez de perguntar por
que a escola pública produz alunos especiais, ou porque aqueles alunos não aprendem, deve-se
perguntar como as relações de aprendizagem e as relações diagnósticas fabricam estes alunos.
Deve se buscar o funcionamento, devolvendo-se com isso à história aquilo cuja existência
“naturalizamos’.
Naturalizar - é pensar que o que acontece é decorrente da natureza das coisas e não da
história. Aprisiona-se assim a diferença. Quando sentimos que é natural acontecer aquilo que nos
incomoda, ficamos sem ideia sobre o que fazer como se existisse algo fora de nosso alcance que
nos impõe a existência de um objeto a ser analisado.
Relação Cristalizada – é aquela que as queixas são as mesmas há muito tempo, não há
movimento. O efeito é a sensação de que não se pode fazer, apenas esperar. Nela se pergunta
muito o porquê de certas coisas e de certos afetos acontecerem.
Problemas inexistentes - perguntar por que acontece isto e não aquilo, aquilo que era
igualmente possível? Porque o aluno não aprende? Porque ela não está feliz?
Essas perguntas carregam a “ilusão de que o possível existe antes do existente, o não ser
antes do ser, como se o ser viesse encher o vazio, como se o real viesse a realizar uma
possibilidade primordial”. Como se o normal fosse aprender fosse ser feliz.
Problemas mal formulados - agrupam arbitrariamente coisas que diferem de natureza. Cada
vez que pensamos em termos de mais ou menos, vemos diferenças de graus ou intensidades, nas
quais há diferença de natureza entre os seres, entre os existentes. São as eternas comparações: a
saída daquele aluno da Escola foi uma fuga. Sair da escola e fugir são práticas singulares e,
portanto, de naturezas diferentes.
Intenções e Efeitos
Não é “a fileira dos alunos lentos” que é em si boa ou má, assim como não é “a classe
especial”, ou “o repetir”, que são em si bons ou maus. O problema é que certas práticas
potencializam a diferença ser vivida como negação, como algo qualitativamente inferior. Às vezes
nos preocupamos em demasia com o diagnóstico, como se ele fosse definir o que pode fazer bem
ou mal para aquele ser, aquela relação. Juntar o que se julga homogêneo para resolver algum
problema serve mais para produzir cristalizações do que imprimir algum movimento ao que está
cristalizado.
Captura do desejo – em certos contextos e ambientes a criança vai ter sempre o desejo
capturado, aprisionado ao fato de ela ser especial ou estigmatizada. Podemos pensar que todos nós
temos uma infinidade de tendências, algumas capturadas. O que podemos entender por captura de
desejos:
Uma criança lê um livro. Eu pergunto: ‘o que você está fazendo?’ Ela diz: ‘fazendo lição’. Ela
realiza cumprir uma tarefa. A professora recomendou este livro porque lhe foi pedido pela
coordenadora. Odesejo ler a história foi capturado pelo dever fazer a lição. Neste sentido é preciso
libertar o desejo do que aprisiona para poder ter ideias de como efetua-lo.