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Ácidos Gordos

Berg (Stryer) Cap. 12 + 22

Lípidos

Os lípidos são um grupo heterogéneo de moléculas essenciais aos seres vivos

• Caracterizam-se por ser insolúveis em água, mas solúveis em solventes


orgânicos, como o clorofórmio ou a acetona

• Não têm, contudo, grupos funcionais característicos que indiquem a sua


estrutura, como acontece com as proteínas, glícidos ou ácidos nucleícos

• Funções:
− São uma das principais fontes energéticas (combustíveis…) da célula,
incluindo serem a sua principal forma de armazenamento
− Têm um importante papel na estrutura das membranas biológicas
− São constituintes das hormonas esteroides e de algumas vitaminas

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Lípidos

Há fundamentalmente dois tipos de lípidos: os que contêm ácidos gordos e os


que contêm uma estrutura esteroide de quatro unidades cíclicas

Ceras são produzidas por alguns insetos e plantas

Ácidos Gordos

Ácidos gordos são ácidos monocarboxílicos com longas cadeias alifáticas


que tendem a ter um número par de átomos de carbono
• Tipicamente contêm 14 a 24 átomos de carbono, sendo os de 16 e 18 os mais
comuns
• Podem ser saturados ou conter uma ou mais ligações duplas (insaturados)
• Quando contém ligações duplas, estas estão em posição cis e estão separadas por
pelo menos um grupo metileno (-CH2-)

A estrutura do isómero trans não


se diferencia muito do saturado;
a hidrogenação de óleos, para
além de saturar ligações duplas,
também converte frequentemente
isómeros cis em trans

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Ácidos Gordos

Ácidos gordos saturados têm nomes comuns e sistemáticos


• Têm propriedades semelhantes aos alcanos correspondentes – o ponto de fusão
aumenta com o tamanho da cadeia
• São facilmente “empacotáveis”

Ácidos Gordos

Ácidos gordos insaturados têm nomes comuns e sistemáticos


• Podem ter uma (monoinsaturados) ou mais ligações duplas (polinsaturados)
• Já não são “empacotáveis”, pelo que têm pontos de fusão menores que os saturados
correspondentes

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Ácidos Gordos

Há dois sistemas para nomear ácidos gordos:


• tendo em conta o número de átomos de carbono, o número de ligações duplas e a sua
posição contando a partir do grupo carboxílico
• tendo em conta a 1ª ligação dupla contada a partir do CH3 terminal

Nome sistemático: Ácido cis-hexadec-9-enoico


Nome bioquímico: Ácido palmitoleico 16:1, ∆9
Nome nutricional: Ácido palmitoleico ω-7

Ácidos Gordos

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Triglicéridos

Os triglicéridos são uma forma neutra de armazenamento de ácidos gordos,


obtidos pela sua esterificação com o glicerol

Triglicéridos

• São formas muito concentradas de armazenamento


de energia: 38 kJ/g, contra 17 kJ/g de glícidos ou
proteínas
• Mais ainda, os triglicéridos são anidros enquanto
cada grama de glicogénio hidrata com 2g de água
• Tipicamente, um homem com 70 kg mantém em
reserva 420.000 kJ em triglicéridos (=11 kg),
100.000 kJ em proteínas (no músculo), 2.500 kJ em
glicogénio e 170 kJ em glucose
• Em mamíferos, o principal sítio de acumulação de
triglicéridos é o citoplasma de células adipócitas
• Uma dieta normal atende as necessidades
fisiológicas de lípidos de um adulto, pelo que este
tem geralmente pouca necessidade de sintetizar de
novo ácidos gordos
• Os processos de absorção, mobilização e
oxidação de ácidos gordos têm maior importância
no ser humano adulto
• Os processos de síntese são mais importantes
durante o desenvolvimento embriónico, lactação ou
em patologias como o cancro

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Triglicéridos - absorção
• Como são hidrofóbicos, os triglicéridos têm de ser tornados acessíveis às enzimas
hidrolíticas – são incorporados em micelas formadas com a ajuda de ácidos biliares,
como o glicolato

Derivado do colesterol,
atua como “detergente”

• Os triglicéridos ingeridos têm de ser degradados a monoacilgliceróis para poderem


atravessar o epitélio intestinal, o que é feito por lípases pancreáticas

Triglicéridos - absorção
• Nas células da mucosa intestinal, os triglicéridos são novamente resintetizados a
partir do monoacilglicerol e de ácidos gordos, e incorporados em partículas
lipoproteícas: os quilomicra, que são libertados para o sistema linfático e depois
para o sangue

• Nos adipócitos e músculos os quilomicra são reconhecidos por lípases membranares,


que hidrolisam novamente a ácidos gordos e monoacilglicerol, para o transporte
membranar. Dentro das células, os triglicéridos são novamente resintetizados e
armazenados

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Triglicéridos - mobilização

• Na primeira fase da
mobilização, os triglicéridos
presentes nos adipócitos têm
de ser hidrolisados a ácidos
gordos e glicerol para serem
transportados para os tecidos
que necessitam de energia
• O glicerol é solúvel, e é
recuperado pelo fígado onde é
convertido a DHAP/G3P,
entrando na glicólise ou na
gluconeogénese
• Os ácidos gordos são
transportados pela albumina
sérica

Triglicéridos - mobilização

• Os ácidos gordos são


oxidados na mitocôndria
(ou no peroxisoma)
• São primeiro ativados e
depois transportados para
o organelo, onde são
metabolizados por um
processo conhecido como
β oxidação

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β-oxidação

Etapa 1 – Ativação dos ácidos gordos

• Os ácidos gordos são ativados por ligação à coenzima A


• A reação é catalisada pela enzima acil CoA sintetase (ou tiocinase), presente na
membrana externa da mitocôndria
• A reação é reversível, mas o equilíbrio segue no sentido dos produtos devido à
hidrólise posterior do PPi

RCOO- + CoA + ATP + H2O → RCO-CoA + AMP + 2 Pi + 2 H+

β-oxidação

Etapa 2 – Transporte para a matriz mitocondrial

• O acilCoA não pode ser transportado para a matriz – o transporte é mediado pela
carnitina, um álcool zwiteriónico

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β-oxidação

Etapa 3 – β oxidação

• A β oxidação consiste numa espiral trans ∆2


sequencial de 4 reações

PalmitoilCoA + 7 FAD + 7 NAD+ + 7 CoA + 7 H2O →


8 AcCoA + 7 FADH2 + 7 NADH + 7 H+

β-oxidação

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β-oxidação

Etapa 3a – β oxidação de ligações insaturadas cis-∆9

• Nos ácidos gordos insaturados, as


ligações duplas são cis – que não são
substratos para a acilCoA desidrogenase
ou para a enoilCoA hidratase
• Nos casos mais simples, uma isomerase
converte a ligação cis-∆3 numa trans-∆2

β-oxidação
• Os ácidos gordos polinsaturados requerem normalmente uma redução adicional

cis-∆9∆12

cis-∆3

trans-∆2

β oxidação; sai AcCoa

cis-∆4

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β-oxidação

Etapa 3b – β oxidação de ácidos gordos impares

• Nos ácidos gordos impares, o produto final é o


propionil-CoA (C3), que é convertido a succinil-
CoA (C4) por carboxilação e isomerização
• A enzima metilmalonil-CoA mutase é uma das
duas enzimas conhecidas a usar a coenzima B12

β-oxidação

Etapa 3c – β oxidação de ácidos gordos longos (>18) ou ramificados

• Ocorre nos peroxisomas, até ao octonoil-CoA (C8), altura em que são transferidos
para a mitocôndria
• A reação inicial é diferente, porque não há cadeia respiratória no peroxisoma para
transferir os eletrões do FADH2 – são transferidos para o O2, gerando H2O2

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Corpos cetónicos

“As gorduras ardem na chama dos açucares”

• A entrada do AcCoA no ciclo de


Krebs depende da disponibilidade
do oxaloacetato, para a formação
do citrato
• O oxaloacetato é normalmente
reposto a partir do piruvato, e este
a partir da glucose (ou
aminoácidos)
• Na falta de glucose, há pouco
oxaloacetato, visto que foi usado
na gluconeogénese
• Nestas condições, o AcCoA é
desviado para a formação de
corpos cetónicos
• A acetona pode ser detetada na
respiração de pessoas com
elevados níveis de acetoacetato
no sangue
• Pode-se formar glucose a partir da
acetona (pouco importante)

Corpos cetónicos

• Os corpos cetónicos podem ser


considerados como formas
solúveis e transportáveis de
grupos acetilo
• Alguns órgãos, como o coração e
o córtex renal preferem corpos
cetónicos à glucose
• O cérebro usa glucose, mas pode
adaptar-se ao uso de corpos
cetónicos em jejum prolongado ou
em diabetes
• O D-3-hidroxibutirato é
reconvertido a acetoacetato e este
a acetoacetil-CoA, usando a
succinil-CoA

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Corpos cetónicos

Síntese de ácidos gordos

• A síntese ocorre no
citoplasma
• Os ácidos gordos estão
ligados a um grupo sulfídrico
de uma proteína (ACP)
• Todas as etapas são
catalisadas por uma única
enzima, a ácido gordo sintase
• O dador é o malonil-ACP, e
não o Acetil-CoA
• O NADPH é o dador de
eletrões
• O intermediário hidroxiacilo
está na configuração L
• A reação termina no ácido
palmítico (C16)

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Síntese de ácidos gordos

Etapa 0 – Transporte para o citoplasma

• O transporte do Acetil-CoA é via


citrato, formado pela mesma
enzima do ciclo de Krebs)
• No citoplasma o oxaloacetato é
reduzido a malato pelo NADH,
que pode retornar diretamente
para a matriz
• Contudo, a via preferencial de
retorno é via piruvato, porque a
descarboxilação do oxaloacetato
é acompanhada pela síntese de
NADPH
• Assim, o transporte dos 8 AcCoA
necessários para formar um
ácido palmítico é acompanhado
pela conversão de 8 NADH em
8 NADPH

Síntese de ácidos gordos

Etapa 1 – Síntese do malonil-CoA


• É a etapa de compromisso da síntese de ácidos gordos
• É catalisada pela acetil-CoA carboxylase, uma enzima com a biotina como grupo
prostético

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Síntese de ácidos gordos
• A enzima é fortemente regulada: a forma ativa é polimérica, sendo a polimerização
favorecida pelo citrato e inibida pelo palmitoil-CoA
• Também sofre fosforilação pela AMP cinase, uma enzima ativada pelo AMP e inibida
pelo ATP – que é ela própria fosforilada via cAMP

Síntese de ácidos gordos

Etapa 2 – Síntese dos ácidos gordos


• Em bactérias, a síntese inicia-se pela transferência do acetil e malonil do Acetil-CoA e
do malonil-CoA para uma proteína transportadora de 77 aminoácidos, a Acil Carrier
Protein, ACP, que contém um grupo fosfopantoteínico idêntico ao da CoA

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Síntese de ácidos gordos

Etapa 2 – Síntese dos ácidos gordos


• Mas em mamíferos, a ACP é um domínio da ácido gordo sintase, uma enzima
multifuncional que catalisa todas as reações da síntese de ácidos gordos

Síntese de ácidos gordos

É o malonil-ACP que se adiciona em cada etapa

É a descarboxilação que decresce o ∆G

É o NADP que é usado na redução

É o isómero D que é formado

O ciclo continua até ao palmitil-ACP, que se


torna substrato para o domínio tioesterase

8 AcCoA + 7 ATP + 14 NADPH + 6 H+ → ácido palmítico + 8 CoA + 7 ADP + 7 Pi + 14 NADP+ + 6 H2O

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Síntese de ácidos gordos

Etapa 3a – Síntese dos ácidos gordos insaturados

• A síntese de ácidos gordos insaturados ocorre na face citoplasmática do retículo


endoplasmático para ácidos gordos associados à CoA
• A reação é catalisada por um complexo de três proteínas membranares e requer O2

• A desaturação pode ser efetuada em qualquer ácido gordo, mas os mamíferos não
conseguem introduzir ligações duplas para além de ∆9

Síntese de ácidos gordos

Etapa 3b – Síntese dos ácidos gordos >C16

• A síntese de ácidos gordos >C16 (elongação) também ocorre na face citoplasmática


do retículo endoplasmático
• A reação requer um ácido gordo associado à CoA, e não à ACP
• O dador do C2 a adicionar é o malonil-CoA, sendo a reação semelhante à da síntese
de ácidos gordos da mitocôndria – a adição é sempre no carboxi-terminal
• A adição pode ser efetuada a ácidos gordos saturados ou insaturados, mesmo aos
fornecidos pela dieta

Palmitato (16:0) → Palmitoleato (16:1 cis-∆9, ω-7) → cis-Vacenato (18:1 cis-∆11, ω-7)
Palmitato (16:0) → Estearato (18:0) → Oleato (18:1 cis-∆9, ω-9) → Gondoato (20:1 cis-∆11, ω-9)

Gondoato (20:1 cis-∆11, ω-9) → ac. gordo (20:2 cis-∆8,11, ω-9) → Meadato (20:3 cis-∆5,8,11, ω-9)
Oleato (18:1 cis-∆9, ω-9) → Linoleato (18:2 cis-∆9,12, ω-6) → Linolenato (18:3 cis-∆9,12,15, ω-3)
Linoleato (18:2 cis-∆9,12, ω-6) → γ-Linolenato (18:3 cis-∆6,9,12, ω-3) → DGLA (20:3 cis-∆8,11,14, ω-3)

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