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DOR PSICOSSOMÁTICA

Revista da Sociedade Brasileira Para Estudo da Dor 2006 – Abr/Mai/Jun – 7


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UM INIMIGO INTIMO NOSSO DE CADA DIA – A DOR
Por: Moisés Tractemberg
(Bacharel em Filosofia, Médico e Psicanalista)

A dor ocupa um lugar central na preocupação dos médicos e demais


profissionais da área de saúde. Ela é um sinal de lesão anatômica ou alteração
funcional do organismo, quando o registro destas afecções alcança os centros
sensoriais do cérebro com uma intensidade e quantidade de estímulos nervosos
superiores a capacidade do Eu para administra-los e descarrega-los, produzindo-se a
vivência consciente desagradável que qualificamos de dor. A dor, portanto, só
existe através do seu registro psíquico consciente, e possui a propriedade de
ocasionar uma diminuição ou perda de interesse pelas demais funções do indivíduo.
Uma outra fonte de vivências dolorosas, que rouba energias das demais funções da
mente, é a dor psíquica. Esta se apresenta na vida cotidiana, nas situações de
conflitos, perdas de objetos valorizados, lutos, e nos estados depressivos. O ser
humano doente costuma apresentar um amálgama das duas situações. E é muito
freqüente a “somatização” de estados mentais dolorosos, convertidos em sintomas
ou doenças psicossomáticas que trazem alívio para o sofrimento psíquico.
Em sentido oposto, os profissionais da saúde que utilizam a hipnose
conhecem o meio de eliminar por sugestão a dor de uma afecção orgânica
suprimindo a representação psíquica consciente da mesma.
O fator compaixão que nos integra como membros de uma família,
sociedade e de toda a humanidade, também se constitui em causa de dor psíquica
quando presenciamos ou nos chegam notícias de injustiças, atrocidades e
genocídios.
Os currículos das faculdades de Psicologia que ignoram, ou mesmo minimizam, as
contribuições da psicanálise para a compreensão profunda e holística do
sofrimento, são um exemplo de distorção no cuidado de uma boa formação destes
profissionais.
Por outro lado, os médicos, seja qual for a sua especialidade, exercem um contato
psicoterapêutico com seus pacientes no momento do encontro a dois, durante a
anamnese e nas demais etapas do tratamento. A grande maioria, entretanto, não
sabe disso, nem conhece o significado do que seja
transferência/contratransferência psicológica, que ocorre inevitavelmente na
dinâmica de todo ato clínico. E ignora por que a maioria dos currículos da formação
em Medicina reserva um escasso tempo, ou nenhum, aos estudos de Psicologia
Médica. Por isso, costumam derivar aos psicólogos as tarefas da resolução das
patologias mentais, e aos anestésicos e analgésicos e resolução das síndromes de
dor “física”.
Esta posição se apóia numa filosofia dualista e cartesiana do ser humano,
que o concebe dividido em corpo e espírito, com propriedades antagônicas entre si.
O que fica excluído na prática médica da maioria destes colegas, em especial dos
cirurgiões, é o conhecimento integrado e holístico do ser humano, no qual o
adoecer de um órgão ou sistema é ao mesmo tempo compreendido como uma
afecção dolorosa de todo conjunto corpo-mente. Em síntese, as nossas faculdades
de Medicina foram projetadas para formas médicos com uma concepção
fragmentada do ser humano, em vez de médicos com uma concepção humanista.
Os estágios e residências nas diferentes especialidades visam uma maior
profundidade e extensão dos conhecimentos numa determinada areada Medicina,
recortando do todo uma parcela privilegiada pelo interessado. A solução
“milagrosa” para esta crise da Medicina atual chama-se interdisciplinares entre as
especialidades. Chamo de milagrosa no sentido de idealizada, pois não atende aos
requisitos de uma concepção holística do ser humano, que implica uma visão corpo-
mente como uma unidade essencial.
Esta concepção holística deve apoiar-se num tripé de conhecimentos
fundamentais em Psicologia Médica, Medicina Psicossomática e Psicoterapia
Médica.

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