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Atividade individual

Matriz de análise

Disciplina: Negociação e Administração de Conflitos Módulo: Atividade Individual


Aluno: Eric de Barros Fernandez Turma: 7
Tarefa: Um olhar sobre o filme O Senhor das armas (2005), de Andrew Niccol
Introdução
Em seu livro Como chegar ao sim com você mesmo, William Ury considera que o ato de
negociar possa ser um dos dilemas humanos mais generalizados e desafiadores. Envolve, pois,
comunicação para o alcance de objetivos distintos, além de várias outras delicadas implicações.
Ury (2015) aborda a importante questão sobre objetividade em negociações, indagando: “Como
conseguir o que queremos quando não sabemos ainda o que queremos?” Charlene Barshefsky,
uma importante representante comercial dos Estados Unidos da América, declarou que é
surpreendente o número de pessoas que não sabem realmente o que querem em uma
negociação.
Para O’Connor e Seymour (1995), o primeiro elemento para o sucesso em qualquer área da
vida é ter uma ideia clara do objetivo desejado. É o que demonstra Yuri Orlov, interpretado por
Nicolas Cage, no filme O Senhor das Armas, em suas primeiras palavras no longa-metragem. "-
Há mais de 550 milhões de armas de fogo em circulação no mundo. É uma arma para cada doze
pessoas no planeta. A única questão é: Como armar as outras onze?" A pergunta retórica, sob um
ar irônico, expressa claramente seu objetivo, o de ter sucesso no mercado ilegal de armas, sem
problemas de consciência moral. Além da objetividade, as negociações envolvem elementos
emocionais e técnicos, também observados no filme.
Dessa forma, este trabalho tem a finalidade de ilustrar aspectos teóricos observados em
negociações, por meio da análise de algumas cenas do filme O Senhor das Armas (2005), de
Andrew Niccol. Serão identificadas fontes de poder, etapas das negociações, formas de
comunicação, aspectos positivos, sugestão de melhorias e, por fim, uma breve relação com a
realidade profissional militar, a qual pertence este autor.

Desenvolvimento – análise do processo de negociação em “O Senhor das Armas”


1 Contextualização de cenas e identificação de aspectos teóricos de negociação
No filme O Senhor das Armas, Nicolas Cage personifica Yuri Orlov, um ucraniano vivendo nos
Estados Unidos, descontente com sua condição financeira. Ele decide ingressar no mercado de
armas, após refletir sobre a quantidade de guerras e conflitos de toda ordem, na história da

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humanidade. Chega a classificar as armas como necessidade básica de sobrevivência. Percebe
que poderia obter grandes lucros atuando no mercado ilegal, diante de um, sob sua análise, já
saturado comércio regular de armas.

1.1 Identificação de fontes de poder, ferramentas e táticas


De modo geral, as fontes de poder em uma negociação são os recursos (táticas e
habilidades) aplicados de forma estratégica, com o intuito de se obter aquilo que deseja, com
custo otimizado. Cohen (2007) enumera algumas dessas fontes, como a recompensa,
investimento, coerção, legitimidade, riscos, conhecimento e persuasão.
Em sua primeira venda, Orlov negocia uma submetralhadora Uzi 9mm, demonstrando pleno
conhecimento sobre o objeto de sua negociação. Também está ciente do risco envolvido ao
negociar com criminosos. Poderia não receber seu dinheiro ou até ser assassinado. A tolerância
ao risco é particular e, no caso de Orlov, seu nível é alto. Seus ganhos relacionam-se com a
assunção de riscos.
Ele está sentado, lendo o manual da arma. Assim que o comprador entra no recinto, Orlov
discorre sobre as especificações técnicas e vantagens da Uzi. Usando o poder do conhecimento,
Orlov demonstra total domínio das especificações técnicas e suas vantagens. O comprador,
ameaçador e de expressão sarcástica, entrega-lhe o dinheiro e vai embora com a mercadoria,
sem dizer qualquer palavra. Orlov deita aliviado por estar vivo e com o pagamento em mãos. De
acordo com Castro (2019), é provável que o comprador nada conteste sobre o objeto, quando o
vendedor tem seu background preparado e apresentado logo no início do encontro.
André Baptiste (Eamonn Walker) é um ditador liberiano e se torna um de seus principais
clientes. Na cena, Baptiste manuseia uma pistola oferecida por Orlov. Em meio a conversa,
dispara fatal e friamente contra um de seus soldados, por motivo fútil. Orlov imediatamente
protesta, transtornado. Baptiste então aponta a arma para Orlov. Sentindo medo e sob o risco de
também ser morto, Orlov utiliza o poder da persuasão, com a tática rapport, pela qual se cria
conexão psicológica entre os atores de uma negociação. Adapta, assim, seu discurso, fazendo
parecer que seu protesto se deve pelo disparo tornar a arma uma mercadoria usada. Com isso,
procura demonstrar a mesma frieza e crueldade de Baptiste, o qual acha engraçado e se identifica
com Orlov, pelo “alinhamento” das personalidades. Castro (2019) ensina que, para haver
persuasão, deve-se adentrar no mundo de sua contraparte e que seu grau de identificação com as
pessoas é determinante para a capacidade de negociar.
O poder de recompensa e o de investimento também se mesclam nas negociações entre
Baptiste e Orlov. De acordo com Castro (2019), o sucesso nas interações também depende da
satisfação das necessidades (recompensa) de sua contraparte. Para isso, é necessário conhecê-
la, o que demanda investimento de tempo e energia na busca de informações. Numa segunda

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cena, sabendo das necessidades estratégicas do violento governo de Baptiste, Orlov oferece, ao
final da negociação, carros blindados para transporte de suas tropas, apontando vantagens como
ataques mais rápidos e a redução de baixas, em suas manobras ofensivas. “A postura mais
competitiva deve sempre ficar para o final, quando o outro já tiver feito algum tipo de investimento”
(CASTRO, 2019, P. 24)

1.2 Etapas da negociação: Planejamento, Interação e Controle


Considerando que negociação é um processo, ela se divide entre as etapas de Planejamento,
Interação e Controle. Segundo Castro (2019), são os momentos críticos do processo, pois o
resultado depende da dedicação investida em cada etapa. O descaso em uma delas impacta
negativamente na próxima.
Sobre Planejamento, vê-se que Orlov se dedica muito na preparação de suas negociações,
obtendo dados importantes sobre as necessidades de seus clientes, o cenário sócio-político e as
táticas de abordagem. É conhecedor das demandas de Baptiste e de seu perfil. Castro (2019)
orienta sobre os conceitos da “melhor alternativa em caso de não acordo (Macna) e a da zona de
provável acordo (Zopa). Nesta etapa de interação, essas áreas de barganha são muito úteis para
preservar o negociador de um acordo desvantajoso. Na cena, Orlov demonstra estar preparado
para o questionamento de Baptiste quanto ao preço das mercadorias, informando que devem ser
considerados no custo dos produtos todos os subornos necessários para se evitar transtornos
com as leis e fiscalizações, voltando rapidamente ao domínio da situação, defendendo seus
limites (Macna e Zopa) de concessões.
Os negócios de Orlov são ilegais e isso impacta em seu planejamento. Noutra cena, prestes a
ser abordado pela Polícia num navio cargueiro, muda rapidamente o nome e a bandeira da
embarcação, demonstrando a dedicação nesta etapa de planos e preparações.
Na etapa da Interação, temos o centro da negociação, ao ceder e conceder valores,
buscando o equilíbrio e a obtenção de vantagens para ambos os lados. Na cena em que Orlov
negocia armas com um traficante de drogas, a situação fica demasiadamente arriscada. Orlov
cede e resolve aceitar o pagamento em cocaína, ao invés de dinheiro, de forma a preservar sua
vida e, ainda, ter um ganho significativo na negociação. Nesta cena, a mudança de cenário foi
demasiadamente rápida e emoções se afloraram, nível de risco ao máximo, o que exigiu um
equilíbrio psicológico surpreendente para uma rápida adaptação de limites de concessões.
O Controle é a etapa em que se analisa erros e acertos para melhoria de performance em
futuras negociações. De acordo com Kahneman (2012), reconhecer nossos erros e aprender com
eles potencializa nosso desenvolvimento pessoal. Orlov conta a história com fatos e críticas. Ele
segue a regra de não se envolver com as causas ideológicas de seus clientes. Para ele não há
lado do bem ou do mal. Cita essa estratégia em algumas falas como “o segredo da sobrevivência

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é: não faça a guerra, principalmente contra você mesmo” e “o mal sempre triunfa”. Seus registros
apontam que a matança acontece, independentemente de quem negocia as armas.

2 Uso da comunicação verbal e não verbal


De acordo com Castro (2019), negociar é comunicar-se. Bons resultados podem depender da
boa escolha de palavras. Devemos ter cautela com o uso do “não” e com frases que demonstrem
preconceitos e pressuposições.
As pessoas têm diferentes visões de mundo, e o entendimento de cada um resulta de uma
filtragem pessoal, constituída por experiências, cultura, ambiente, instrução, personalidade, estado
emocional, etc. Dessa forma, a mensagens devem ter a maior clareza possível, de modo a
minimizar os ruídos, decorrentes dos mapas mentais (filtros pessoais).
A comunicação verbal será a fala e escrita, enquanto que a não verbal é formada pela
postura, gestos, expressões; e muito refletem nosso estado emocional. Ambas se complementam
e impactam no andamento e nos resultados em negociações.
Na cena, Orlov se encontra num restaurante com Simeon Weisz (Ian Holm), seu rival no
negócio de armas, com filosofia diferente. Weisz propõe uma parceria com Orlov, pois percebe
que vem perdendo mercado. Durante a conversa, a leitura da comunicação não verbal de Weisz é
essencial para sua decisão de não acordo. Pela postura e gestos de Weisz, Orlov deduz que a
suposta parceria nada agregaria aos seus ganhos, além de outros riscos desnecessários. Weisz
permanece boa parte de sua explanação de braços cruzados, numa postura de negação. Na
realidade, ele mesmo não acredita no que diz. Ao sugerir o trabalho em conjunto, Weisz não
consegue manter o contato visual com Orlov, demonstrando que, ao contrário do que fala, não
acha viável o que propõe.
De acordo com Wheeler (2014), expressões faciais e linguagem corporal causam impactos
mais fortes na negociação.
“Na verdade, quando as palavras de alguém discordam do que é transmitido no seu tom de
voz, gestos ou outros canais não verbais, a verdade emocional está mais no como ele diz alguma
coisa do que no que ele diz” (CASTRO, 2019, p. 38).

3 Aspectos notáveis e sugestão de melhorias


Nas cenas acima descritas, várias qualidades podem ser observadas, como o uso de fontes
de poder, do controle emocional e de suas habilidades de comunicação. Orlov destaca-se pelas
suas preparações (planejamento) e a pela sua cordialidade, em quase a totalidade das suas
interações e acordos.
Na cena da primeira venda (submetralhadora Uzi), o comprador age agressivamente com
gesto ameaçador, apontando a arma. Orlov se mantém firme e apenas diz que aquilo acabaria

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com a possibilidade de negociar. Nas cenas em que é duramente pressionado por Jack Valentine
(Ethan Hawke), um agente da INTERPOL que o investiga, mantém sua polidez, com adequado
tratamento, tom de voz e contato visual, apesar de, às vezes, ter uma expressão ligeiramente
sarcástica. “A primeira regra é preservar a cordialidade” (URY, 2015, p. 74).
Por outro lado, Yuri envolve seu irmão mais novo, Vitaly Orlov (Jared Leto), em suas
negociações. Ao longo da história, fica claro que Vitaly não compartilha o modo de pensar de seu
irmão, sobre o comércio ilegal de armas, pelas vítimas indiretas de seus lucros. Ele aceita o
acordo pelo afeto ao irmão. Tem constantes crises de consciência moral e declara isso em
algumas cenas, inclusive na qual ocorre seu assassinato, por tentar cancelar uma negociação,
com um ato nada inteligente. Numa reflexão, Orlov admite e lamenta o erro de não ter prestado
atenção nas mensagens e sinais passados pelo irmão.
Como já citado sobre o poder da persuasão, desta vez, Orlov não buscou a empatia com seu
próprio irmão. Deixou de adentrar em seu mundo. Nas negociações com Vitaly, não o ouvia com
atenção. Fechou-se apenas em seus interesses e dizia “preciso de você”, sem complementar
seus argumentos. De acordo com Greenstone (2006), não compreender a mentalidade da outra
parte é um dos 25 erros mais graves em negociações. Assim, aspectos técnicos eficazes podem
ser negligenciados por afeto ou excesso de confiança em sua contraparte, a qual comumente
ocorre com entes familiares.

4 Relação dos aspectos de negociação com a carreira militar


O início da carreira militar não abarca muita observação sobre conceitos e efeitos de empatia
e persuasão. De qualquer forma, é uma tradição que tem algumas vantagens, como a certeza da
disposição para uma carreira que necessita de pessoas firmes e determinadas. Mas em seu
decorrer, com o avanço das responsabilidades e maior complexidade nos problemas encontrados,
os aspectos aqui ilustrados podem ser largamente aplicados e podem fazer uma grande diferença
no desempenho pessoal e no alcance dos objetivos das organizações militares.
Assim como demonstrado por Orlov, dedicar-se à fase de planejamento ainda é a melhor
“arma” para aumentar as chances de sucesso em qualquer missão militar. Além disso, a
cordialidade, destacada característica da personagem analisada no filme, parece estar
contagiando as novas gerações de comandantes, chefes, diretores e os militares da efetiva força
de trabalho. Esses aspectos positivos contribuem para cumprimento das missões e para
superação de crises de toda ordem, com menos “baixas”.

Considerações finais

Este trabalho teve a finalidade de apresentar alguns aspectos teóricos de negociações,

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utilizando-se de um olhar crítico sobre o filme O Senhor das Armas (2005), de Andrew Niccol.
Algumas cenas foram selecionadas para ilustrar o uso de fontes de poder, como a recompensa,
conhecimento, investimento, coerção, riscos e persuasão.
Foram também analisadas as etapas da negociação, as quais compõem o processo como um
todo e exigem, assim, atenção e dedicação com o mesmo grau de importância, para que não haja
impactos negativos decorrentes.
Na análise da comunicação verbal e não verbal, observamos que se complementam e o
recado transmitido por gestos e posturas podem não condizer com as mensagens faladas.
Destacou-se aspectos positivos nas negociações observadas nas cenas, como a dedicação
ao planejamento e à cordialidade. Além disso, na ocasião em que houve erro pela falta de empatia
de Orlov em relação ao seu irmão, a consequência foi desoladora e triste.
Por fim, considerando a aplicabilidade dos aspectos positivos observados na carreira militar,
temos que o planejamento e a cordialidade são importantes conceitos para o sucesso nas
missões e na superação de crises enfrentadas.

Referências bibliográficas
CASTRO, Marcela. Negociação e Administração de Conflitos. Rio de Janeiro. FGV. 2019.

COHEN, H. Você pode negociar qualquer coisa. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.

GREENSTONE, James L. 2006. The Most Serious Errors Made by Negotiators: Twenty-Five
to Consider. Disponível em https://www.asherman.com/downloads/news-2013-18.pdf. Acesso em
29.mai.2020.

KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

O’CONNOR, J.; SEYMOUR, J. Introdução à programação neurolinguística: como entender e


influenciar as pessoas. São Paulo: Summus, 1995.

URY, Wiliiam. Como chegar ao sim com você mesmo. Rio de Janeiro: Sextante, 2015.

WHEELER, Michael. A Arte da Negociação: Como improvisar acordos em um mundo


caótico/ Michael Wheeler; tradução de Poliana Oliveira. – São Paulo: LeYa, 2014.

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