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C A P Í T U L O

Patologias de Doenças
Renais Clínicas
J. Charles Jennette, MD e Adil M. Hussein Gasim, MBBS

INTRODUÇÃO
O tratamento clínico das doenças renais é dividido principalmente concentram-se nas chamadas doenças renais clínicas, as
entre médicos clínicos especializados (nefrologistas) e cirurgiões quais incluem as doenças renais não neoplásicas que afetam o
especializados (urologistas). Do mesmo modo, a avaliação parênquima renal. Os urologistas e os patologistas urológicos
histopatológica das doenças renais é dividida entre patologistas concentram-se nas doenças que afetam qualquer nível do
especializados (nefropatologistas), que se especializam em sistema urinário, desde os rins até a uretra, incluindo as doenças
doenças tratadas pelos nefrologistas, e patologistas (patologistas congênitas, infecciosas e neoplásicas. Este capítulo irá tratar das
urológicos), que se especializam em doenças tratadas muitas formas de doenças renais clínicas, e o Capítulo 13 irá
pelos urologistas. Os nefrologistas e os nefropatologistas tratar das doenças renais urológicas.

O QUE FAZEMOS com imunofluorescência (ou imuno-histoquímica) e microsco-


Doenças Renais Clínicas Versus Doenças pia eletrônica. As biópsias renais são os únicos principais tipos
Urológicas e o Papel dos Nefropatologistas de amostras de patologias cirúrgicas que são rotineiramente
processados por microscopia eletrônica. A microscopia com
Os nefrologistas trabalham muito próximos aos nefropatolo-
imunofluorescência utiliza anticorpos marcados com fluorocro-
gistas (patologistas renais) no tratamento das doenças renais
mos para detectar a deposição de IgG, IgA, IgM, C3, C1q, cadeias
clínicas que necessitam de biópsias renais. Muitas doenças re-
nais clínicas, em especial as doenças glomerulares, só podem ser leves kappa, cadeias leves lambda e fibrina no tecido renal, es-
definitivamente diagnosticadas pela avaliação de biópsias. Além pecialmente nos glomérulos. A imuno-histoquímica especial é
disso, a repetição das biópsias renais é importante no acom- necessária para algumas amostras, por exemplo, para detectar
panhamento do tratamento de alguns pacientes para avaliar a proteínas anormais geneticamente determinadas (p. ex., fibras
resposta à terapia e para determinar o grau de atividade versus colágenas anormais na membrana basal glomerular [MBG] cau-
cronicidade da doença. sadas por mutações de genes do colágeno tipo IV), depósitos
As biópsias renais são mais frequentemente obtidas por de proteínas, além das imunoglobulinas (p. ex., amiloide A e
biópsia com agulha percutânea, em que a agulha de biópsia, mioglobina) e dos patógenos infecciosos (p. ex., poliomavírus).
em geral orientada por ultrassom, é inserida na região dorsal A microscopia eletrônica é capaz de detectar alterações ultra-
do paciente. Como a maioria das doenças renais clínicas apre- estruturais não percebidas à microscopia óptica, mas essenciais
senta características diagnósticas apenas no córtex, o objetivo para um diagnóstico preciso. A importância da microscopia com
da biópsia é obter material do córtex renal suficiente para um imunofluorescência e da microscopia eletrônica se tornará mais
diagnóstico histopatológico definitivo. As biópsias renais são evidente à medida que as características diagnósticas das doen-
rotineiramente avaliadas por microscopia óptica, microscopia ças renais forem apresentadas neste capítulo.
298 CAPÍTULO 12

DOENÇAS GLOMERULARES que apresentam múltiplas funções além de fornecer supor-


E VASCULARES te para os capilares glomerulares, incluindo a regulação do
fluxo sanguíneo capilar e a eliminação de debris celulares da
circulação e da zona subendotelial. Os capilares glomerulares
ANÁLISE RÁPIDA
são revestidos por células endoteliais especializadas que são
Anatomia e Histologia Glomerular e Vascular fenestradas, permitindo, portanto, um acesso relativamente
Normal sem impedimento à MBG subjacente (Figura 12-2). Adja-
Os rins são órgãos altamente vascularizados, com nume- centes ao mesângio, as células endoteliais situam-se direta-
rosos vasos, de muitos tipos diferentes, que são alvo para mente em oposição à matriz mesangial. No restante da pare-
múltiplas doenças. de capilar, as células endoteliais situam-se adjacentes à MBG.
No hilo renal, a artéria renal principal divide-se nos ra- A MBG é produzida principalmente pelas células epi-
mos anterior e posterior, que alimentam as artérias interlo- teliais sobrejacentes (podócitos). Ela envolve a parede pe-
bares, que penetram o parênquima renal do outro lado de riférica capilar e, na junção com o mesângio, espalha-se
cada ponta papilar. As artérias interlobares alimentam as para fora da camada mesangial, como MBG paramesangial
artérias arqueadas, que seguem entre a camada medular ex-
terna e o córtex renal, originando as artérias interlobulares,
que seguem perpendicularmente em direção à cápsula re-
nal, onde originam múltiplas arteríolas, que se tornam as ar-
teríolas aferentes, as quais penetram os tufos glomerulares.
O sangue sai dos glomérulos através das arteríolas eferentes
e, subsequentemente, alimenta o córtex e os túbulos medu-
lares pelos capilares peritubulares. Assim, onde houver uma
lesão glomerular, uma lesão tubular secundária irá ocorrer e
apresentar características histopatológicas próprias, além das
lesões glomerulares primárias.
A lesão glomerular é responsável por uma grande pro-
porção de doenças renais clínicas e, portanto, uma compre-
ensão clara da estrutura e da função glomerular é essencial
para a compreensão de muitas doenças discutidas neste capí-
tulo. O glomérulo é uma bolsa (Glomus) formada por capila-
res interconectados (Figura 12-1). Os capilares glomerulares
(Figura 12-2) são apoiados por hastes de células mesangiais,
que são células musculares lisas altamente especializadas e
A

FIGURA 12-1 Glomérulo normal. Microscopia óptica de um glo- FIGURA 12-2 Diagrama (A) e microscopia eletrônica (B) de um
mérulo com o hilo na base. O corante ácido periódico de Schiff (PAS, capilar glomerular normal. O diagrama retrata um podócito (em ver-
de periodic acid Schiff) evidencia as fibras colágenas nas MBGs, a matriz de) com pedicelos estendendo-se à MBG (em cinza-escuro), uma célula
mesangial, a membrana basal da cápsula de Bowman e as membranas endotelial com fenestrações (em amarelo) e uma célula mesangial (em
basais tubulares. vermelho), rodeados por matriz mesangial (em cinza-claro).
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 299

proteinúria, que em geral são menos graves do que nos pacientes


(Figura 12-2). Assim, a MBG não envolve completamente o com síndrome nefrótica. Se a glomerulonefrite resultar em uma
lúmen capilar glomerular, o que permite a entrada direta de perda rápida da função renal, por exemplo, necessitando de di-
materiais do plasma e da zona subendotelial no mesângio.
álise dentro do período de um mês, a doença é chamada de glo-
A superfície externa da MBG é revestida por podócitos
merulonefrite rapidamente progressiva (GNRP). As doenças
que possuem pedicelos e situam-se na superfície do espaço
glomerulares podem progredir para doença renal crônica e, em
urinário da MBG (Figura 12-2). Estendendo-se entre cada
alguns casos, para doença renal terminal. Nos Estados Unidos, a
processo de diapedese, uma fenda diafragmática muito fina,
nefropatia diabética é a principal causa de doença renal terminal,
semelhante a uma junção intercelular aderente, fornece uma
a aterosclerose hipertensiva é a segunda principal causa e todas as
barreira mais seletiva para a passagem de proteínas do plas-
outras formas de doença glomerular são a terceira causa que leva
ma para dentro do espaço urinário. A integridade da fenda
à doença renal terminal. Como será discutido posteriormente
diafragmática parece ser o principal determinante da per-
neste capítulo, a lesão glomerular é o principal componente da
meabilidade da parede capilar para proteínas.
nefropatia diabética e da nefropatia hipertensiva.

SÍNDROMES DE DOENÇAS Síndrome Nefrótica


A síndrome nefrótica resulta em proteinúria grave (> 3 g/24 ho-
GLOMERULARES ras) com consequente edema, hipoproteinemia, incluindo hipo-
A lesão aos glomérulos leva a vários sinais e sintomas clínicos em albuminemia, e hiperlipidemia, incluindo hipertrigliceridemia
decorrência do distúrbio de muitas funções homeostáticas dos (Tabela 12-1). O edema da síndrome nefrótica é mais frequente-
glomérulos. Distúrbios na integridade da parede capilar, em espe- mente encontrado em uma distribuição periorbital e no torno-
cial lesão dos podócitos, resultam em aumento na permeabilida- zelo, mas o edema pode ser generalizado e mesmo associado à
de a proteínas, com consequente aumento nos níveis de proteínas anasarca (edema grave e generalizado). Além da proteinúria, os
na urina (proteinúria). Lesões às paredes capilares que permitem pacientes com síndrome nefrótica com frequência apresentam
a passagem de elementos do sangue para a urina resultam em lipidúria, com lipídeos e lipoproteínas na urina, algumas vezes
hematúria. Comprometimento substancial do fluxo sanguíneo configurados como corpos de gordura ovaloides ou cilindros
através dos glomérulos, por exemplo, causado por inflamação ou gordurosos, que podem ser observados no exame microscópi-
cicatrizes, resulta em menor filtração glomerular, o que provoca co de urina. Proteinúria leve não produz manifestações eviden-
uma elevação na ureia, um aumento da creatinina sérica e uma tes de síndrome nefrótica, sendo detectada apenas no exame
redução na taxa de filtração glomerular. Distúrbios na regulação de urina. Embora hematúria, hipertensão e insuficiência renal
da pressão arterial e do volume resultam em hipertensão. sejam características mais evidentes de síndrome glomerulone-
As diferentes formas de doença glomerular e os diferentes ní- frítica, elas também podem estar presentes, em algum grau, em
veis de gravidade da lesão glomerular produzem diferentes com- pacientes com síndrome nefrótica. Do mesmo modo, pacientes
binações de sinais e sintomas (Tabela 12-1). Os pacientes com com síndrome glomerulonefrítica evidente, com hematúria, hi-
doença glomerular relativamente leve podem apresentar protei- pertensão e insuficiência renal, também podem apresentar al-
núria ou hematúria assintomática ou ambas, que são detectadas gum grau de proteinúria e edema. A formação do edema na glo-
apenas pelo exame de urina. Doenças que causam proteinúria merulonefrite é consequência da retenção de sódio, enquanto o
grave (acima de 3 g/24 horas) resultam na síndrome nefrótica. edema na síndrome nefrótica é causado principalmente pela re-
Doenças que causam inflamação glomerular evidente (glome- dução da pressão oncótica no plasma secundária a proteinúria.
rulonefrite) apresentam-se com hematúria proeminente, com Algumas doenças glomerulares com frequência se apresen-
frequência acompanhada de hipertensão, insuficiência renal e tam com síndrome nefrótica, enquanto outras mais frequente-
mente se apresentam com síndrome glomerulonefrítica (nefríti-
ca) e algumas tendem a ter características sobrepostas de ambas
TABELA 12-1 Doenças glomerulares com frequência (Tabela 12-2). As doenças glomerulares são classificadas como
se apresentam clinicamente como síndrome nefrótica primárias, quando não são associadas a uma doença sistêmica,
ou como síndrome nefrítica (glomerulonefrítica), com
ou secundárias, quando são causadas por uma doença sistêmica
sinais e sintomas sobrepostos
(ou são secundárias a ela). As doenças glomerulares primárias
Síndrome nefrótica Síndrome nefrítica que mais frequentemente se apresentam com síndrome nefrótica
incluem doença de lesões mínimas, glomerulopatia membra-
Edema + a +++ 0 a ++ nosa e glomeruloesclerose segmentar focal (GESF). A glome-
Proteinúria ++ a +++ + a ++ ruloesclerose diabética e a amiloidose renal são exemplos de
Hipoproteinemia + a +++ 0a+ formas secundárias de doença glomerular que se apresentam
com síndrome nefrótica. Das doenças glomerulares primárias que
Hematúria 0 a ++ ++ a +++
causam síndrome nefrótica, a glomerulopatia por lesão mínima é
Hiperlipidemia ++ a +++ 0a+ a causa mais comum de síndrome nefrótica em crianças pequenas,
Azotemia 0 a ++ 0 a +++ a glomerulonefrite membranosa é a causa mais comum de síndro-
me nefrótica primária em adultos caucasianos e a GESF é a causa
Hipertensão 0a+ 0 a +++
mais comum de síndrome nefrótica em afro-americanos.
300 CAPÍTULO 12

CASO 12-1

Um homem caucasiano de 35 anos desenvolveu edema pe- para creatinina de 4,7, 1+ hematúria com 5 a 10 hemácias dis-
riorbitário e nos tornozelos. Seu médico confirmou o edema. mórficas/campo de observação, 0 a 5 leucócitos/campo de
Sua pressão sanguínea era normal. Exames laboratoriais pré- observação, creatinina sérica de 1,2 mg/dL, albumina sérica de
vios realizados no consultório médico revelaram 4+ (de 0 a 4+) 3,1 g/dL, colesterol sérico de 355 mg/dL, e C3 e C4 normais. Os
de proteína e 1+ de hematúria na urina. Ele foi encaminhado testes sorológicos para lúpus, hepatite B e hepatite C foram
para um nefrologista, e avaliações adicionais confirmaram o negativos.
edema e a pressão sanguínea normal. Os exames laboratoriais Uma biópsia renal foi realizada e foi diagnosticada glomeru-
mostraram 4+ de proteinúria, com uma relação de proteína lopatia membranosa (Figuras 12-3 e 12-4).

A B

FIGURA 12-3 Glomerulopatia membranosa com paredes capilares espessadas, mas sem hipercelularidade na microscopia óptica
(A, coloração com PAS; compare com a Figura 12-1), e parede capilar granular corada para IgG na microscopia com imunofluorescência (B).

A B

FIGURA 12-4 Diagrama (A) e eletromicrografia (B) de glomerulopatia membranosa. Características na microscopia eletrônica de
glomerulopatia membranosa incluem numerosos depósitos subepiteliais eletrodensos, que correspondem aos imunocomplexos observa-
dos na microscopia com imunofluorescência, e supressão dos pedicelos. Compare com a Figura 12-2.
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 301

TABELA 12-2 Probabilidade de diferentes apresentações clínicas de doenças glomerulares


Hematúria ou Glomerulonefrite Glomerulonefrite
Síndrome proteinúria aguda ou rapidamente
nefrótica assintomáticas recorrente progressiva

Doença de lesões mínimas ++++ o o o


GESF +++ ++ o o
Glomerulonefrite membranosa +++ +
GNMP/DDD +++ + +++ +
Síndrome de Alport o +++ +++ o
Lesão fina da MBG o ++++ o o
Nefropatia por IgA + +++ +++ +
Glomerulonefrite aguda pós-infecciosa ++++ o o
Glomerulonefrite lúpica + +++ ++
Glomerulonefrite por ANCA + ++ ++++
Glomerulonefrite por anti-MBG o + ++++

Glomerulopatia Membranosa Doença de Lesões Mínimas


Na microscopia óptica, a glomerulopatia membranosa é carac- A glomerulopatia por lesão mínima (doença por lesão mínima)
terizada pelo espessamento da parede dos capilares, na ausên- não apresenta anomalias histológicas discerníveis na micros-
cia de aumento da celularidade glomerular (hipercelularidade) copia óptica, ou apresenta apenas um aumento mínimo da
(Figura 12-3A). Na microscopia eletrônica, o espessamento matriz mesangial ou da celularidade. Na microscopia com
da parede dos capilares é decorrente da deposição de agre- imunofluorescência, não há depósitos de imunoglobulinas ou
gados de imunocomplexos densos na zona subepitelial, entre complemento. A única anomalia histopatológica consistente
os podócitos e a MBG (Figuras 12-4A e B). Pode haver a de- é observada na microscopia eletrônica, com uma grande su-
posição de grandes quantidades de material da MBG entre e pressão dos pedicelos dos podócitos (Figura 12-5). Em vez de
ao redor dos depósitos. Há uma supressão de pedicelos dos múltiplos pedicelos individuais alinhados ao longo da super-
podócitos sobrejacentes aos depósitos. A microscopia com fície urinária das paredes dos capilares, há uma camada mais
imunofluorescência mostra uma coloração granular dos ca- contínua de citoplasma nessa superfície. Embora o citoplasma
pilares glomerulares com anticorpos específicos para imuno- dos podócitos pareça mais contínuo após o desaparecimento
globulinas, em especial IgG (Figura 12-3B), e complemento, dos pedicelos do que quando eles estão intactos, os podócitos
incluindo C3. Os imunocomplexos subepiteliais formam-se estão muito mais permeáveis à passagem de proteínas. Nor-
no local, na zona subepitelial, e são compostos por anticorpos malmente, há uma fenda na membrana entre cada podócito
da circulação e de antígenos derivados tanto dos podócitos que apresenta baixa permeabilidade para proteínas, em espe-
como da circulação. cial proteínas maiores e mais carregadas positivamente. Na
Cerca de 75% dos pacientes com glomerulopatia mem- síndrome nefrótica, tais junções entre podócitos adjacentes
branosa apresentam imunocomplexos compostos de anti- semelhantes a junções adesivas apresentam maior permea-
corpos direcionados contra proteínas do receptor de anti- bilidade. Qualquer forma de doença glomerular com protei-
fosfolipase A2 produzidas pelos podócitos. Os anticorpos núria substancial apresentará desaparecimento dos pedicelos
atingem a zona subepitelial, a partir do plasma, e ligam-se dos podócitos. Entretanto, em uma doença de lesões míni-
aos antígenos liberados pelos podócitos para formar os de- mas, o desaparecimento dos pedicelos é a única lesão patoló-
pósitos de imunocomplexos subepiteliais. A glomerulopatia gica, não apresentando qualquer das características de outras
membranosa também pode ser causada por (sendo secun- doenças glomerulares que são descritas neste capítulo. Assim,
dária a) antígenos derivados de fontes sistêmicas, incluindo o diagnóstico patológico de doença de lesões mínimas é um
infecções (p. ex., hepatite B), câncer (p. ex., carcinoma) e me- diagnóstico por exclusão.
dicamentos (p. ex., penicilamida). Ela também pode ser um
dos muitos fenótipos de lesão glomerular causada pelo lúpus
eritematoso sistêmico. A natureza dos autoanticorpos e dos Glomeruloesclerose Segmentar Focal
antígenos circulantes no lúpus determina se um paciente irá No contexto da doença glomerular, “focal” indica que menos de
desenvolver uma glomerulopatia membranosa ou uma for- 50% dos glomérulos apresentam anomalias histológicas, enquanto
ma mais inflamatória de glomerulonefrite lúpica, que será “difusa” indica que 50% ou mais dos glomérulos apresentam ano-
discutida posteriormente. malias histológicas. “Segmentar” indica que apenas uma porção
302 CAPÍTULO 12

A B

FIGURA 12-5 Diagrama (A) e micrografia eletrônica (B) de glomerulopatia por lesão mínima. As características da glomerulopatia por
lesão mínima ao microscópio eletrônico incluem desaparecimento dos pedicelos dos podócitos na ausência de características ultraestruturais de
outras doenças. Compare com a Figura 12-2.

do tufo glomerular apresenta lesão histológica, enquanto “global” tipos diferentes de lesão resultam em cicatrizes glomerulares
indica que todo o tufo glomerular está lesionado. Assim, GESF in- localizadas. Portanto, para diagnosticar a GESF, outras doen-
dica que, pelo menos no início da doença, apenas uma porção ças glomerulares que provocam cicatrizes glomerulares devem
dos glomérulos apresenta lesões observadas por microscopia ser descartadas, por exemplo, glomerulonefrite segmentar focal
óptica e apenas uma porção (segmentar) dos tufos glomerulares que tenha provocado cicatrizes segmentares (esclerose). Não há
comprometidos apresenta lesões. O termo esclerose indica que evidência de deposição do complexo imunológico por micros-
houve acúmulo de matriz colágena no local da lesão. Trata-se es- copia com imunofluorescência, e por microscopia eletrônica
sencialmente de uma cicatriz. No início da doença glomerular, o há desaparecimento dos pedicelos, mas nenhum depósito imu-
termo esclerose é utilizado em vez de fibrose porque o colágeno nológico denso. A GESF apresenta muitas etiologias diferentes
é liberado por células mesangiais, células endoteliais e podócitos, e mecanismos patogênicos. Como outras doenças glomerulares,
e não por fibroblastos. a GESF pode ocorrer como uma doença primária (idiopática)
A GESF é caracterizada por consolidação glomerular seg- restrita aos rins ou pode ser secundária a um processo sistêmico
mentar e focal e esclerose (cicatrização) (Figura 12-6). Muitos ou uma etiologia reconhecida (Tabela 12-3).

TABELA 12-3 Classificação de glomeruloesclerose


segmentar focal com base na etiologia e na patogênese

GESF PRIMÁRIA (IDIOPÁTICA)


GESF SECUNDÁRIA ASSOCIADA A VÍRUS
HIV-1 (“nefropatia associada ao HIV”)
Parvovírus B-19

GESF HEREDITÁRIA
Mutações no gene da α-actinina 4
Mutações no gene NPHS2 para podocina
Mutações no gene TRPC6 para um canal de cátions

TOXICIDADE MEDICAMENTOSA
Heroína (“nefropatia por heroína”)
Pamidronato
Interferon

MEDIADA POR RESPOSTAS ESTRUTURAIS ADAPTATIVAS


Redução de massa renal
Obesidade
Cardiopatias cianóticas congênitas
FIGURA 12-6 Glomeruloesclerose segmentar focal. Glomérulo Anemia falciforme
com esclerose segmentar (coloração com PAS). Compare com a Figura 12-1.
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 303

TRADUZINDO
Patogênese e Etiologia da que é o maior componente das membranas de separação dos
Glomeruloesclerose Segmentar Focal podócitos. A sobrecarga glomerular também pode ser uma
A GESF é muito heterogênea em seus aspectos histopatológicos, causa de GESF. Um dos mecanismos para essa sobrecarga é a
etiológicos, patogenéticos e clínicos (Tabela 12-3). A maioria das hipertrofia compensatória em resposta a uma redução do tecido
GESFs é idiopática, isto é, sem uma causa conhecida. Entretanto, renal, por exemplo, na remoção de um dos rins e de parte do
recentemente foram identificadas várias etiologias possíveis. Os rim contralateral em função de um câncer. O tecido renal resi-
podócitos constituem o principal alvo da lesão em alguns pa- dual sofre hipertrofia e, portanto, apresenta risco de desenvolver
cientes. Esse fenômeno foi facilmente demonstrado em pacien- GESF. Não é surpresa, portanto, o acentuado aumento de proteinú-
tes com formas hereditárias de GESF, nos quais mutações em ria associada à obesidade e da GESF, em paralelo ao aumento da
genes produzem proteínas de podócitos, por exemplo, nefrina, incidência de obesidade.

Glomeruloesclerose Diabética mesangial leva à formação de nódulos bem definidos, denomi-


nados nódulos de Kimmelstiel-Wilson, que podem ser obser-
A glomeruloesclerose diabética é a causa subjacente da síndro-
vados na microscopia óptica (Figura 12-8). Alterações glome-
me clínica da nefropatia diabética, caracterizada por protei-
rulares semelhantes ocorrem em pacientes com diabetes melito
núria, diminuição progressiva da taxa de filtração glomerular
tipo 1 e tipo 2, embora a doença glomerular no diabetes melito
e hipertensão. A glomeruloesclerose diabética leve produz ini-
tipo 2 seja, muitas vezes, complicada adicionalmente por lesão
cialmente apenas níveis muito baixos de albuminúria assinto-
renal hipertensiva.
mática (microalbuminúria). À medida que a doença avança,
a proteinúria torna-se mais acentuada e pode atingir níveis ne-
fróticos. Com uma progressão mais acentuada, ocorre a perda Amiloidose e Doença de Depósito de
da função renal.
A lesão histopatológica inicial da glomeruloesclerose diabé-
Imunoglobulinas Monoclonais
tica é o espessamento das MBGs e o aumento da matriz mesan- O diagnóstico diferencial clínico de qualquer paciente com sín-
gial, que pode ser bastante discreto, sendo apenas observado drome nefrótica que atinge os 60 anos deve incluir a amiloidose.
na microscopia eletrônica (Figura 12-7). Com a progressão da A amiloidose resulta do acúmulo de proteínas monotípicas nos te-
doença, cada vez mais ocorre o aumento da matriz mesangial cidos em uma configuração especial, levando à formação de fibri-
e o espessamento das MBGs. Por fim, esse aumento da matriz las dispostas aleatoriamente. Os diferentes tipos de amiloidose
são decorrentes de mais de 20 proteínas diferentes. Os dois tipos
de amiloidose que com frequência levam à doença glomerular

FIGURA 12-7 Glomeruloesclerose diabética. Micrografia ele- FIGURA 12-8 Glomeruloesclerose diabética. Microscopia óptica
trônica exibindo MBG acentuadamente espessada e matriz mesangial apresentando aumento segmentar na matriz mesangial, incluindo nó-
aumentada. Compare com a Figura 12-2B. dulos de Kimmelstiel-Wilson. Compare com a Figura 12-1.
304 CAPÍTULO 12

CASO 12-2

Um homem caucasiano de 65 anos desenvolveu edema periorbi-


tário e nos tornozelos. Seu médico confirmou o edema. Sua pres-
são sanguínea era de 155/97 mmHg. Exames laboratoriais prévios
realizados no consultório médico revelaram 4+ de proteinúria e
1+ de hematúria na urina. Ele foi encaminhado para um nefrolo-
gista e avaliações adicionais confirmaram o edema e a hiperten-
são. Os exames laboratoriais mostraram 4+ de proteinúria, com
uma relação de proteína para creatinina de 4,9, traços de hematú-
ria com menos de 5 hemácias dismórficas/campo de observação,
5 a 10 leucócitos/campo de observação, creatinina sérica de 3,2
mg/dL, albumina sérica de 3,4 g/dL, colesterol sérico de 320 mg/
dL, e C3 e C4 normais. A eletroforese de proteínas séricas e uriná-
rias e a imunofixação revelaram a presença de cadeias lambda de
IgG monoclonais. A relação de cadeias leves lambda/kappa livres
no soro estava acentuadamente aumentada. Uma biópsia de me-
dula óssea revelou um discreto aumento de plasmócitos, mas não
definitivo para o diagnóstico de mieloma múltiplo.
Uma biópsia renal mostrou discreto aumento de cadeias leves
FIGURA 12-10 Cilindros hemáticos. Exame microscópico de
urina revelando cilindros hemáticos (lado esquerdo superior e lado
amiloides (AL) da amiloidose, composta de cadeias leves lambda, direito).
mas não uma nefropatia de cadeias leves (Figuras 12-9 e 12-10).

A B

FIGURA 12-9 Amiloidose AL. Na microscopia óptica, a amiloidose provoca a substituição da arquitetura glomerular normal por mate-
rial acidófilo amorfo (eosinofílico) (A, coloração com hematoxilina e eosina [H&E]). A microscopia com imunofluorescência de amiloidose AL
revela depósitos de cadeias leves de imunoglobulinas monoclonais (B, antilambda).

TRADUZINDO provocam uma forma de deposição de imunoglobulinas mo-


noclonais glomerular com depósitos granulares (em geral cau-
Patogênese das Imunoglobulinas Monoclonais sada por cadeias leves kappa), formação de cilindros no lúmen
A amiloidose AL é causada por uma discrasia de células B que tubular, resultando em lesão tubular epitelial aguda, acúmulo no
produz grandes quantidades de cadeias leves monoclonais, re- citoplasma das células epiteliais tubulares proximais, resultando
sultando em depósitos amiloides se as proteínas apresentarem em uma tubulopatia, e não estão associadas a qualquer doen-
propriedades biofísicas amiloidogênicas. A amiloidose AL é mais ça renal. Há evidências de estudos experimentais com animais e
frequentemente causada pelas cadeias leves lambda do que pe- com culturas de tecidos de que diferentes imunoglobulinas mo-
las cadeias kappa. Casos raros de amiloidose são provocados por noclonais apresentam diferentes capacidades patogênicas, com
cadeias pesadas monoclonais anormalmente truncadas (amiloi- base em diferenças em suas características biofísicas, ainda pou-
dose AH). Nem todas as imunoglobulinas monoclonais apresentam co compreendidas. Em função dessa variabilidade patogênica, o
a mesma capacidade de provocar doenças renais. Como acabamos diagnóstico diferencial em um paciente com doença renal asso-
de perceber, algumas imunoglobulinas monoclonais provo- ciada a imunoglobulinas monoclonais, no sangue ou na urina, é
cam amiloidose AL com depósitos fibrilares, enquanto outras mais amplo do que na amiloidose AL isolada.
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 305

são a amiloidose AL, composta de cadeias leves de imunoglo- TABELA 12-4 Probabilidades de diferentes
bulinas, e a amiloidose AA, composta de proteína amiloide A. apresentações clínicas em pacientes com diferentes
Nos países desenvolvidos, a principal causa de amiloidose renal padrões histopatológicos de glomerulonefrites (GNs)
é a proteína amiloide AL, enquanto nos países em desenvolvi- mediadas por anticorpos
mento e nos países subdesenvolvidos a proteína amiloide AA é
a principal causa. A frequência mais elevada de amiloidose AA GN aguda GN
resulta de processos inflamatórios crônicos e de doenças infec- Hematúria ou rapidamente
assintomática recorrente progressiva
ciosas que são mais prevalentes nesses países.
Nenhuma lesão na ++++ o
microscopia óptica
Hematúria Assintomática e Síndrome GN mesangiopro- +++ +++ +
Nefrítica liferativa

As doenças glomerulares discutidas até agora não apresentam GN proliferativa + +++ +


alterações inflamatórias evidentes com um grande influxo de GN crescêntica + ++ ++++
células inflamatórias. Isso ocorre em contraste às doenças glo-
merulares que geralmente se apresentam com características
clínicas mais glomerulonefríticas, incluindo hematúria proemi-
Patologicamente, as doenças glomerulares inflamatórias
nente e vários graus de hipertensão e insuficiência renal e, em
(glomerulonefrites) costumam apresentar hipercelularidade
geral, proteinúria < 3 g/dia. O aspecto mais característico da
glomerular, resultando tanto do influxo de células inflamató-
síndrome glomerulonefrítica (nefrítica) é a presença de hema-
rias, como neutrófilos, monócitos e macrófagos, quanto da pro-
túria glomerular (Tabela 12-1). Hematúria assintomática sem
liferação de células glomerulares, incluindo células mesangiais,
outras manifestações clínicas de doença glomerular ocorre em
células endoteliais e células epiteliais.
doença glomerular leve ou inicial.
O diagnóstico histopatológico da doença glomerular neces-
Mais de 90% de todos os pacientes com hematúria não apre-
sita de dois componentes. Um deles se baseia no padrão e na
sentam causa glomerular. A maior parte das hematúrias resul-
gravidade da lesão glomerular e é designado por termos des-
ta de doenças do trato urinário, e não de glomerulonefrite. As
critivos como glomerulonefrite mesangioproliferativa, glome-
causas comuns de hematúria do trato urinário são cistites, ure-
rulonefrite proliferativa, glomerulonefrite necrosante e glome-
trites, prostatites, urolitíases, nefrolitíases e neoplasias do trato
rulonefrite crescêntica. A apresentação clínica é influenciada
urinário. Outras hemorragias do trato urinário, diferentes da
pelo padrão de lesão glomerular (Tabela 12-4). Um segundo
hemorragia glomerular, em geral são macroscopicamente ver-
componente do diagnóstico indica a etiologia ou a patogênese
melhas ou róseas, e o exame microscópico da urina revela pre-
da doença glomerular e inclui termos como nefropatia por IgA,
dominantemente hemácias arredondadas, com frequência com
glomerulonefrite lúpica, glomerulonefrite por anti-MBG e glo-
uma aparência côncava normal. Quando pode ser observada
merulonefrite por anticorpo anticitoplasmático de neutrófilo
macroscopicamente, a hematúria glomerular apresenta uma
(ANCA, de antineutrophil cytoplasmic antibody). A classifica-
coloração de chá ou coca-cola e, no exame de urina, há muitas
ção etiológica e patogênica da doença glomerular está associada
hemácias dismórficas que apresentam múltiplas vesículas na
a determinado padrão de lesão glomerular, que por sua vez in-
superfície, às vezes semelhantes às orelhas do Mickey Mouse.
fluencia a probabilidade de uma apresentação clínica particular
Outra característica muito peculiar da hematúria glomerular é
(Tabela 12-2).
a presença de cilindros hemáticos na urina, o que resulta do
acúmulo de hemácias nos lumens dos túbulos distais, onde
elas se tornam embebidas em proteína de Tamm-Horsfall, Glomerulonefrite Lúpica
para formar um cilindro eliminado na urina (Figura 12-10). A
O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença autoimune que afeta
presença desses cilindros indica que a hemorragia se inicia nos
com mais frequência mulheres jovens afro-americanas, mas que
néfrons, e não na superfície urotelial. Se a hematúria for pro-
também pode ocorrer em pacientes de qualquer idade e raça. Pra-
vocada por glomerulonefrite, há quase sempre algum grau de
ticamente qualquer órgão do corpo pode ser afetado. Os rins são
proteinúria, embora ela seja menor do que no estado nefrótico
um dos sítios mais frequentemente afetados, e a doença renal é a
(menos de 3 g/24 horas). A hematúria urológica não é acompa-
principal causa de morbidade e mortalidade.
nhada por proteinúria significativa. Dependendo da natureza
A glomerulonefrite lúpica é causada pela deposição glome-
da doença glomerular subjacente, a hematúria glomerular pode
rular de imunocomplexos compostos por anticorpos múltiplos,
ocorrer no início de
ligados a seus antígenos específicos e associados a componentes
1. Hematúria assintomática ativos do complemento.
2. Um episódio de glomerulonefrite aguda, com ou sem insu- A glomerulonefrite lúpica possui diversas apresentações
ficiência renal aguda (IRA) clínicas e níveis de gravidade, que são determinados pela natu-
3. Episódios recorrentes de glomerulonefrite aguda reza, pela quantidade e pela distribuição dos imunocomplexos
4. GNRP com insuficiência renal rápida nos glomérulos. A maior parte dos padrões histopatológicos
5. Insuficiência renal crônica progressiva de glomerulonefrites pode ocorrer em pacientes com lúpus,
306 CAPÍTULO 12

TRADUZINDO para imunoglobulinas nos glomérulos (Figura 12-11C, painel


à direita).
Patogênese da Glomerulonefrite Mediada
por Anticorpos A deposição de imunocomplexos ou sua formação nos glo-
O processo inflamatório que leva à maioria dos tipos de glome- mérulos leva ao processo inflamatório com ativação de comple-
rulonefrite é mediado por anticorpos. A glomerulonefrite me- mento, ativando também os leucócitos pelo envolvimento dos
diada por anticorpos pode ser dividida em: receptores de Fc gama. Há muitos tipos de glomerulonefrites
mediadas por imunocomplexos, caracterizadas por diferentes
1. Glomerulonefrite mediada por imunocomplexos
localizações e diferentes composições dos imunocomplexos,
2. Glomerulonefrite mediada por anticorpo antimembrana ba-
incluindo a glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP), a
sal glomerular (anti-MBG)
nefrite por IgA, a glomerulonefrite pós-infecciosa, a glomerulo-
3. Glomerulonefrite mediada por ANCA
nefrite lúpica e muitas outras.
Essas categorias podem ser diferenciadas na microscopia Os anticorpos anti-MBG ligam-se diretamente às MBGs, for-
com imunofluorescência (Figura 12-11) porque: mando imunocomplexos nos próprios glomérulos e mediando
o processo inflamatório por meio da ativação do complemento
1. A glomerulonefrite mediada por imunocomplexos apresen- e da ativação de leucócitos pelo envolvimento dos receptores
ta proeminentes depósitos granulares de imunoglobulinas e de Fc gama. Os anticorpos ANCA ativam a inflamação ligando-
complemento nos capilares glomerulares, no mesângio ou -se a seus antígenos específicos (proteinase-3 ou mieloperoxi-
em ambos (Figura 12-11A, painel à esquerda). dase), que estão dispostos na superfície de leucócitos circulan-
2. A doença por anti-MBG apresenta uma coloração linear para tes, levando à sua aderência aos pequenos vasos (assim como
as imunoglobulinas (Figura 12-11B, painel central). aos capilares glomerulares), ativando e liberando enzimas de
3. A glomerulonefrite mediada por ANCA apresenta complexos degradação e radicais livres, que levam à destruição das pare-
de ANCA circulantes com pouca ou ausência de coloração des dos vasos.

A B C

FIGURA 12-11 Glomerulonefrite mediada por imunocomplexo observada por microscopia com imunofluorescência apresen-
tando depósitos granulares proeminentes de imunoglobulinas e complemento nos capilares glomerulares, no mesângio ou em
ambos (A, imagem à esquerda). A doença por anti-MBG apresenta coloração linear das MBGs para imunoglobulinas (B, imagem central). A
glomerulonefrite mediada por ANCA apresenta ANCA circulante com pouca ou nenhuma coloração de imunoglobulinas nos glomérulos
(C, imagem à direita) (imunofluorescência com anti-IgG).

O QUE FAZEMOS
Padrões Histopatológicos de Glomerulonefrites: pelo tipo de lesão e também pelo estágio temporal da doença,
Glomerulonefrite Proliferativa, Necrosante, em relação à acuidade, à cronicidade, à progressão e à resolu-
Crescêntica e Esclerosante ção. Como ilustrado na Tabela 12-4, as manifestações clínicas da
O diagnóstico histopatológico de glomerulonefrite inclui um doença glomerular correlacionam-se, em algum grau, ao padrão
termo descritivo, que caracteriza a natureza e a gravidade da le- de lesão, e alguns tipos de glomerulonefrite apresentam maior
são histopatológica, e a denominação, que indica a imunopato- probabilidade de produzir padrões específicos de lesão glo-
gênese ou a etiologia da glomerulonefrite. Os possíveis padrões merular em vez de outros. O tipo de lesão da glomerulonefrite
histopatológicos de glomerulonefrite são semelhantes em to- crescêntica, que com frequência é acompanhada clinicamente
das as categorias patogênicas; entretanto, diferentes categorias por GNRP, deve ser reconhecido rapidamente e diagnosticado
patogênicas possuem diferentes possibilidades de causas de de modo preciso, pois a instituição de terapia imunossupressora
lesões histopatológicas. Os padrões histopatológicos de lesões agressiva e rápida é fundamental para a preservação em longo
na glomerulonefrite são determinados pela gravidade da lesão, prazo da função renal e para o desfecho ideal do paciente.
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 307

Ausência de lesões na microscopia óptica: com lesão glo- leve pode se manifestar com hematúria ou proteinúria assinto-
merular leve, a imunofluorescência e a microscopia eletrônica mática, ou pode apresentar sintomas clínicos mais evidentes de
podem revelar um processo patogênico que não é detectável glomerulonefrite.
pela microscopia óptica (i.e., os glomérulos têm aparência nor- Glomerulonefrite proliferativa (Figura 12-12B, C): a
mal na microscopia óptica). Nessa circunstância, os pacientes inflamação evidente dos glomérulos resulta não apenas em
em geral apresentam manifestações clínicas muito leves de hipercelularidade mesangial, mas também na proliferação
doença glomerular, como hematúria assintomática, proteinúria de células endoteliais e no influxo de leucócitos, incluindo
assintomática ou ambas. monócitos, macrófagos e neutrófilos. Esse padrão de lesão é
Glomerulonefrite mesangioproliferativa (Figura 12-12A): denominado glomerulonefrite proliferativa endocapilar, ou
outra expressão relativamente leve de lesão glomerular é a pre- simplesmente glomerulonefrite proliferativa. Entretanto, o
sença de hipercelularidade mesangial na ausência de outras termo “proliferativa”, nesse contexto, deve ser compreendido
lesões glomerulares. A glomerulonefrite mesangioproliferativa referindo-se à hipercelularidade provocada não apenas pela

A B

C D

FIGURA 12-12 Padrões histológicos comuns de inflamação glomerular. (A) Nefropatia por IgA com glomerulonefrite mesangiopro-
liferativa com hipercelularidade mesangial (coloração com PAS). (B) Glomerulonefrite lúpica proliferativa (classe IV) com hipercelularidade
endocapilar complexa causada por proliferação mesangial e de células endoteliais e influxo de leucócitos. O espessamento das paredes
capilares é causado por deposição de imunocomplexos e uma pequena crescente celular (hipercelularidade extracapilar), em 11 horas a 3
horas (coloração com PAS). (C) Glomerulonefrite aguda pós-infecciosa (pós-estreptocócica) com numerosos leucócitos polimorfonucleares
nos lumens capilares (coloração com H&E). (D) Glomerulonefrite crescêntica por ANCA, com um grande crescente celular, de 10 horas a 2
horas, composto predominantemente de células epiteliais proliferativas (coloração com PAS).
308 CAPÍTULO 12

proliferação de células glomerulares, mas também pelo influxo glomérulos, em especial nas formas mais agressivas de glomeru-
de leucócitos. lonefrite, a glomerulonefrite por anti-MBG e a glomerulonefrite
Glomerulonefrite crescêntica (Figura 12-12D): inflamação por ANCA.
extensa pode resultar na ruptura das paredes dos capilares com Glomerulonefrite crônica: qualquer forma de doença
extravasamento de mediadores inflamatórios na cápsula de Bo- glomerular pode progredir para graus variáveis de cicatri-
wman, onde eles estimulam uma reação celular de proliferação zação glomerular (esclerose). A esclerose glomerular global
de células epiteliais e o influxo de leucócitos, incluindo os ma- difusa avançada é característica de doença renal em estágio
crófagos. Essa reação celular no interior da cápsula de Bowman terminal, secundária à glomerulonefrite. Todos os padrões
é denominada crescente, pois o corte através dessa lesão celular de lesão glomerular podem ocorrer como lesões focais ou
apresenta a forma de um crescente quando observado em duas difusas e segmentares ou globais. Em pacientes que apre-
dimensões. A formação crescente não é específica para determi- sentarem surtos recorrentes de lesão glomerular ativa, com
nada etiologia ou mecanismo patogênico, sendo em vez disso intervalos de relativa quiescência, apresentarão uma mistura
um marcador de lesão inflamatória glomerular grave. A lesão in- de lesões proliferativas agudas ou necrosantes com lesões es-
flamatória grave também pode produzir necrose segmentar em clerosantes crônicas.

podendo ocorrer uma evolução de um padrão para outro. Com Os pacientes com glomerulonefrite lúpica classe III e IV
base nos achados histopatológicos, a glomerulonefrite lúpica é normalmente apresentam extensa deposição glomerular de
classificada assim: imunoglobulinas e de complemento, o que é detectado por
microscopia com imunofluorescência (Figura 12-11A), e
Classe I: depósitos de imunocomplexos exclusivamente mesan-
inúmeros depósitos de imunocomplexos subendoteliais que
giais, sem qualquer lesão glomerular observada na micros-
aparecem como um material eletrodenso na microscopia ele-
copia óptica.
trônica (Figura 12-13). Esses depósitos de imunocomplexos
Classe II: depósitos de imunocomplexos mesangiais e apenas
hipercelularidade mesangial na microscopia óptica. subendoteliais estão em uma posição ideal para interagir com
Classe III: lesões focais (< 50% dos glomérulos comprometi- os mediadores humorais e celulares da inflamação, levando a
dos) inflamatórias proliferativas ou esclerosantes. um processo inflamatório glomerular grave. Pacientes com
Classe IV: lesões difusas (50% ou mais de glomérulos compro- glomerulonefrite lúpica classe III ou IV podem apresentar
metidos) proliferativas ou esclerosantes. uma doença mais grave, com formação crescente. A gravidade
Classe V: glomerulopatia predominantemente membranosa (classe) ajuda a orientar a terapia para a glomerulonefrite lú-
com numerosos depósitos subepiteliais de imunocomple- pica. Os pacientes com doença inflamatória ativa mais grave
xos. (classe III ativa ou classe IV) recebem uma terapia imunossu-
Classe VI: mais de 90% de esclerose glomerular global indican- pressora mais agressiva. Pacientes com glomerulonefrite lúpi-
do insuficiência renal em estágio terminal. ca ativa apresentam consumo de complemento, resultando em
hipocomplementemia. A GNMP e a glomerulonefrite aguda
pós-infecciosa, bem como a glomerulonefrite lúpica, estão
associadas à hipocomplementemia, ao passo que a nefropatia
CASO 12-3 por IgA, a glomerulonefrite anti-MBG e a glomerulonefrite
por ANCA cursam com níveis normais de complemento. As-
Uma afro-americana de 18 anos desenvolveu artralgias, sim, a presença ou a ausência de hipocomplementemia é útil
exantema na região malar e urina cor de chá. Seu médico para estabelecer o diagnóstico diferencial em pacientes com
confirmou o exantema malar e a sensibilidade articular. evidência clínica de glomerulonefrite.
A pressão sanguínea era de 145/91 mmHg. Testes labora-
toriais prévios realizados no consultório revelaram 3+ de
proteinúria e 4+ de hematúria. Ela foi encaminhada a um Nefropatia por IgA e Vasculite por IgA
nefrologista e a avaliação adicional mostrou 4+ de protei-
A nefropatia por IgA é a forma mais comum de glomerulonefrite
núria com uma relação proteína para creatinina urinárias de
nos países industrializados. Nos países menos desenvolvidos, a
2,6, 4+ de hematúria com incontáveis hemácias dismórficas
GNMP e a glomerulonefrite proliferativa, causadas por infec-
e cilindros hemáticos de 10 a 20 por campo de observação,
creatinina sérica de 3,2 mg/dL, albumina sérica de 3,5 g/dL e
ções agudas ou crônicas, são as mais comuns. A característica
colesterol sérico de 198 mg/dL. Os testes sorológicos foram que define a nefropatia por IgA é a presença de depósitos de imu-
positivos para o anticorpo antinuclear (AAN), com um título nocomplexos predominantemente de IgA ou de IgA e de células
de 1:320, anti-DNA positivo, anti-Sm positivo, C3 65 sérico mesangiais nas amostras de biópsias renais, isto é, a microsco-
e C4 8 sérico. pia com imunofluorescência mostra uma coloração mais intensa
Uma biópsia renal foi realizada e foi diagnosticada glo- para IgA, ou pelo menos tão intensa quanto a coloração para IgG
merulonefrite lúpica proliferativa difusa (glomerulonefrite e IgM (Figura 12-14). Também há coloração importante para
lúpica classe IV) (Figura 12-12B). C3, indicando que a ativação do complemento desempenha um
papel na patogênese da lesão glomerular.
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 309

A
B

FIGURA 12-13 Diagrama (A) e eletromicrografia (B) da glomerulonefrite lúpica proliferativa. Na microscopia eletrônica, a glomerulone-
frite lúpica proliferativa difusa (classe IV) apresenta extensos depósitos eletrodensos difusos subendoteliais, bem como mesangiais e subepiteliais.
Compare com a Figura 12-2.

A apresentação clínica dos pacientes com nefropatia por eletrônica, o achado mais frequente são depósitos mesangiais
IgA pode variar muito, dependendo da natureza da lesão glo- densos, correspondentes aos imunocomplexos predominante-
merular subjacente. Do mesmo modo que a glomerulonefrite mente de IgA (Figura 12-15). Frequentemente, os casos mais
lúpica na microscopia óptica, a nefropatia por IgA pode não graves apresentam pelo menos depósitos mais densos nas pa-
apresentar alterações glomerulares distinguíveis, alterações redes capilares.
mesangioproliferativas, alterações proliferativas focais ou difu- Uma apresentação característica é o aparecimento dos sinto-
sas, e vários graus de glomeruloesclerose. Casos mais graves mas de glomerulonefrite ao mesmo tempo do início de uma in-
podem apresentar a formação de crescentes. Na microscopia fecção do trato respiratório superior. Por exemplo, um paciente

CASO 12-4

Um paciente caucasiano de 18 anos apresenta faringite e febre,


e no dia seguinte observa que sua urina está muito escura (cor
de chá). Seu médico confirmou a febre e a faringite e obser-
vou a ausência de exantemas. O paciente já tinha uma história
de urina escura transitória no passado, mas não havia história
familiar de doença renal. A pressão sanguínea era de 140/88
mmHg. Testes laboratoriais remotos realizados no consultório
revelaram 2+ de proteinúria e 3+ de hematúria. Ele foi encami-
nhado a um nefrologista e a avaliação adicional mostrou 2+ de
proteinúria com uma relação proteína para creatinina urinárias
de 1,8, 3+ de hematúria com > 50 hemácias dismórficas por
campo de observação, creatinina sérica de 1,7 mg/dL, albumi-
na sérica de 4,1 g/dL e colesterol sérico de 187 mg/dL. Os testes
sorológicos demonstraram AAN negativo, anti-DNA negativo,
C3 130 sérico, C4 29 sérico, ANCA negativo e títulos normais
de ASO.
Foi realizada uma biópsia renal, que diagnosticou nefropatia
por IgA (Figuras 12-14 e 12-15). FIGURA 12-14 Nefropatia por IgA. A microscopia com imu-
nofluorescência mostra intensa coloração mesangial para IgA, mas
nenhuma coloração nas paredes dos capilares. Compare com a Fi-
gura 12-3B, com coloração nas paredes dos capilares.
310 CAPÍTULO 12

A B

FIGURA 12-15 Diagrama (A) e micrografia eletrônica (B) de densos depósitos mesangiais. Uma amostra com coloração mesangial
para depósitos de imunocomplexos por microscopia com imunofluorescência mostrando depósitos mesangiais eletrodensos, mas sem de-
pósitos densos nas paredes capilares na microscopia eletrônica. Isso pode ser observado na nefropatia por IgA, na glomerulonefrite lúpica
(classes I e II) e em outras glomerulonefrites mediadas por imunocomplexos (Figura 12-2).

pode desenvolver faringite e ao mesmo tempo vai notar uma extremidades inferiores, que resulta de imunocomplexos com
alteração na coloração da urina decorrente de hematúria glo- predomínio de IgA, localizados nos pequenos vasos da derme,
merular, em geral acompanhada por outras características de levando à inflamação e à hemorragia vascular. A dor abdomi-
glomerulonefrite, como proteinúria nefrótica, hipertensão e nal causada pela vasculite dos pequenos vasos do intestino e
insuficiência renal. Essa apresentação é chamada de sinfaringí- as artralgias também são manifestações frequentes. A vasculite
tica (sin, com ou em conjunto) e é distinta da apresentação pós- por IgA é mais comum em crianças do que em adultos, e o epi-
-faringítica de glomerulonefrite pós-infecciosa, que em geral se sódio clínico inicial geralmente é autolimitado, embora alguns
inicia de uma a várias semanas após a infecção aguda. pacientes apresentem uma doença glomerular persistente e, fi-
A nefropatia por IgA pode ser diagnosticada pelo reconhe- nalmente progressiva.
cimento de uma hematúria glomerular em pacientes assinto-
máticos durante um exame físico de rotina para admissão em
um plano de saúde ou no serviço militar. Nesse cenário, a ne-
Glomerulonefrite Aguda
fropatia por IgA e a lesão fina na membrana basal causada por Pós-infecciosa
anormalidades genéticas no colágeno da MBG são as doenças A glomerulonefrite aguda pós-infecciosa é caracterizada pelo
glomerulares mais comumente diagnosticadas no momento da início agudo de sintomas clínicos de glomerulonefrite cerca de 1
biópsia. a 2 semanas após o início de um processo infeccioso agudo, na
Embora a glomerulonefrite sinfaringítica e a hematúria as- maioria dos casos por faringite bacteriana ou pioderma bac-
sintomática sejam apresentações comuns da nefropatia por IgA, teriano. Infecções estreptocócicas ou estafilocócicas são as
os pacientes podem se apresentar com qualquer das manifesta- etiologias mais frequentes. O mecanismo patogênico envol-
ções clínicas de doença glomerular, incluindo a glomerulone- ve a produção de imunocomplexos nefritogênicos contendo
frite aguda isolada, a GNRP ou a glomerulonefrite progressiva antígenos derivados de patógenos infecciosos ou a liberação
crônica lenta. No geral, o desfecho da nefropatia por IgA é ex- de fatores de ativação do complemento pelo patógeno infec-
tremamente variável, com o risco de desenvolvimento de do- cioso, que resulta no acúmulo de componentes ativados do
ença renal avançada ocorrendo em cerca de 1% por ano; assim, complemento no interior dos glomérulos, os quais mediaram
após 20 anos, um paciente poderia apresentar uma probabilida- o recrutamento de células inflamatórias, em especial leucóci-
de de 20% de atingir uma doença renal terminal. tos polimorfonucleares.
A nefropatia por IgA em geral ocorre como um proces- Na fase aguda da doença, o achado histopatológico carac-
so renal limitado, mas também pode ser um componente de terístico é a hipercelularidade glomerular acentuada causada
uma vasculite sistêmica de pequenos vasos, a vasculite por IgA predominantemente pelo influxo de numerosos neutrófilos
(púrpura de Henoch-Schönlein). Os pacientes com vascu- polimorfonucleares (Figura 12-12C). A microscopia com imu-
lite por IgA com frequência se apresentam com púrpura nas nofluorescência revela depósitos de imunocomplexos com
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 311

Glomerulonefrite
Membranoproliferativa
A GNMP é um tipo de doença glomerular inflamatória que pode
se apresentar clinicamente como síndrome nefrótica ou síndrome
glomerulonefrítica ou uma mistura dos sintomas de ambas. Um
achado laboratorial que aumenta a probabilidade de GNMP
em um paciente com doença glomerular é a presença de hipo-
complementemia, em especial uma redução em C3 sem uma
redução comparável em C4. Outras doenças glomerulares que
apresentam hipocomplementemia incluem a glomerulonefrite
pós-infecciosa aguda e a nefrite lúpica, enquanto as doenças
glomerulares que não apresentam redução em C3 ou C4 são a
nefropatia por IgA, a glomerulonefrite por anti-MBG e a glo-
merulonefrite por ANCA.
Na microscopia óptica, a GNMP é caracterizada por pare-
des dos capilares espessadas e pela hipercelularidade glome-
rular (Figura 12-18). As paredes capilares espessas resultam
FIGURA 12-16 Glomerulonefrite pós-infecciosa aguda. Parede da deposição de imunocomplexos ou proteínas do comple-
do capilar grosseiramente granular e coloração mesangial para C3.
mento ativadas e de matriz resultante e da remodelação celu-
lar induzida por esses depósitos. A hipercelularidade resulta
granulações grosseiras que adquirem coloração predominan- de células glomerulares proliferativas, em especial células me-
temente para C3 (Figura 12-16). Na microscopia eletrônica, sangiais, bem como do influxo de leucócitos, especialmen-
esses depósitos correspondem a depósitos subepiteliais densos te monócitos e macrófagos. Há duas variantes principais de
de tamanhos variados, alguns dos quais apresentam a aparên- GNMP:
cia de uma corcova (Figura 12-17). Depósitos subendoteliais e
1. GNMP por imunocomplexo
mesangiais eletrodensos também ocorrem e são provavelmente
2. GNMP por glomerulopatia C3
mais importantes na mediação da inflamação. A glomerulone-
frite pós-infecciosa aguda em geral é autolimitada. Em mais de Em ambas as variantes, o mecanismo patogênico envolve a
90% dos pacientes, os sintomas desaparecem em semanas a me- ativação do complemento no interior dos glomérulos, resultan-
ses sem efeitos adversos posteriores. do na mediação da inflamação, incluindo o influxo de células

A
B

FIGURA 12-17 Diagrama (A) e micrografia eletrônica (B) da glomerulonefrite pós-infecciosa aguda. A microscopia eletrônica revela de-
pósitos eletrônicos densos subepiteliais dispersos, de tamanhos variados e semelhantes a corcovas, bem como pequenos depósitos densos suben-
doteliais e mesangiais dispersos, com frequência acompanhados por neutrófilos nos lumens dos capilares (Figura 12-2).
312 CAPÍTULO 12

e material da matriz mesangial (Figura 12-18). A microscopia


eletrônica revela depósitos subendoteliais e mesangiais disper-
sos eletrodensos, com número variável de depósitos subepite-
liais densos representando ou o acúmulo de imunocomplexos
ou os componentes do complemento ativado (Figura 12-19).
Um aspecto estrutural menos comum que é restrito a pacien-
tes com glomerulonefrite secundária à desregulação do com-
plemento (glomerulopatia C3) é caracterizado por bandas de
material eletrodenso no interior das MBGs e é denominado
doença de depósito denso (DDD) (Figura 12-20).

Glomerulonefrite Antimembrana
Basal Glomerular
A forma mais agressiva de glomerulonefrite é causada por anticorpos
anti-MBG. Esses anticorpos são direcionados contra um epítopo
no domínio não colagenoso do colágeno tipo IV. O mesmo epíto-
po também está presente nas membranas basais dos capilares nos
FIGURA 12-18 GNMP. Microscopia óptica (coloração com PAS) alvéolos pulmonares. Ele parece estar escondido nas membranas
mostrando as paredes dos capilares espessadas com remodelação de basais normais, mas pode ser exposto por alterações conformacio-
MBG e replicação, bem como hipercelularidade mesangial e aumento nais no colágeno tipo IV que o expõe. A microscopia com imuno-
da matriz mesangial. fluorescência revela uma coloração MBG linear em amostras de
biópsia com doença por anti-MBG (Figura 12-11B).
inflamatórias. As lesões glomerulares são caracterizadas tanto Cerca da metade dos pacientes com doença por anti-MBG
pelo espessamento das paredes dos capilares quanto pela hiper- apresenta doença renal limitada e os demais apresentam síndro-
celularidade. Ambos são induzidos por mediadores inflamató- me pulmonar-renal com glomerulonefrite e lesão nos capilares
rios gerados pelo acúmulo de imunocomplexos ou de comple- dos alvéolos pulmonares provocando hemorragia pulmonar e
mentos ativados na ausência de imunoglobulina. hemoptise. A combinação de hemorragia pulmonar e glome-
Os depósitos ricos em complementos medeiam a infiltração rulonefrite provocadas por anticorpos anti-MBG é chamada de
de leucócitos, promovem a proliferação de células glomerulares, síndrome de Goodpasture. Entretanto, a maioria das síndro-
incluindo as células mesangiais e endoteliais, e induzem uma mes pulmonares-renais é causada por doença por ANCA em
maior deposição de material da membrana basal subendotelial vez de doença por anti-MBG.

A B

FIGURA 12-19 Diagrama (A) e eletromicrografia (B) de GNMP. Microscopia eletrônica revelando depósitos subendoteliais eletrodensos com
as paredes dos capilares espessadas em função não apenas dos depósitos, mas também da interposição do citoplasma mesangial e da deposição de
material adicional da matriz (Figura 12-2).
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 313

B
A

FIGURA 12-20 Diagrama (A) e eletromicrografia (B) de DDD. Microscopia eletrônica revelando bandas de material eletrodenso no interior
das MBGs (Figura 12-2).

Amostras de biópsia renal em pacientes com glomerulone- Glomerulonefrite por Anticorpo


frite por anti-MBG revelam a formação de crescente glomerular
(Figura 12-12D) em mais de 90% dos pacientes, e muitos pacien-
Anticitoplasmático de Neutrófilo
tes apresentam patologicamente glomerulonefrite crescêntica A glomerulonefrite por ANCA é a forma mais comum de glo-
extensa e clinicamente GNRP. Na fase aguda da lesão, em geral merulonefrite agressiva em adultos, em especial em adultos mais
ocorre necrose glomerular extensa, bem como formação de cres- velhos. Embora a apresentação clínica seja variada, muitos
cente. A necrose glomerular extensa resulta em cicatrização glo- pacientes com glomerulonefrite por ANCA se apresentam com
merular extensa e insuficiência renal crônica ou doença renal em glomerulonefrite grave, frequentemente de progressão rápida.
estágio final. Pacientes com doença por anti-MBG são tratados Cerca de três quartos dos pacientes com glomerulonefrite por
com imunossupressão agressiva, incluindo aférese para remover ANCA também apresentam vasculite sistêmica de pequenos va-
os anticorpos nefritogênicos anti-MBG circulantes. sos acompanhando a glomerulonefrite. Praticamente qualquer

TRADUZINDO frequentemente provocada por infecção pelo vírus da hepatite


C) ou neoplasia (p. ex., carcinoma, sarcoma ou linfoma).
Patogenia da Glomerulonefrite A variante de GNMP designada como glomerulopatia C3
Membranoproliferativa pode ser causada por mutações genéticas que resultam em di-
A GNMP que resulta da desregulação do complemento (glome- minuição do controle da via alternativa, resultando em aumento
rulopatia C3) é mediada predominantemente por ativação não da ativação, ou por autoanticorpos que do mesmo modo re-
controlada da via alternativa de ativação do complemento. To- sultam em diminuição do controle e aumento da ativação. Por
das as três vias de ativação do complemento (clássica, alterna- exemplo, as mutações genéticas que reduzem a quantidade
tiva e da lectina) produzem um complexo de proteínas com ati- ou o funcionamento do fator H do complemento ou do fator
vidade de convertase C3 que ativa C3 e as etapas subsequentes I do complemento podem provocar GNMP, e autoanticorpos
na geração de mediadores inflamatórios. A convertase C3 da via que estabilizam a C3 convertase da via alternativa ou autoan-
alternativa é composta por fragmentos de ativação de C3 (C3b) ticorpos que reduzem a quantidade e a eficiência do fator H do
e fator B do complemento (Bb) estabilizado por properdina. A complemento ou do fator I do complemento podem provocar a
ativação da via alternativa está ocorrendo em um nível muito variante da GNMP denominada glomerulopatia C3. Além de um
baixo em todos os momentos e é controlada por proteínas re- padrão de lesão GNMP, pacientes com glomerulopatia C3 pro-
guladoras, incluindo o fator H do complemento e o fator I do vocada por desregulação do complemento podem apresentar
complemento. outros padrões de glomerulonefrite proliferativa focal ou difusa.
A glomerulonefrite por imunocomplexos pode ser cau- O tratamento da GNMP é muito diferente se a causa for
sada por infecções crônicas (p. ex., osteomielite bacteriana doença infecciosa crônica (p. ex., terapia antimicrobiana) versus
crônica, mastoidite ou endocardite bacteriana subaguda), do- processo autoimune (p. ex., imunossupressão) versus uma ano-
ença autoimune (p. ex., crioglobulinemia, que por sua vez é malia genética (p. ex., terapia de substituição de plasma).
314 CAPÍTULO 12

CASO 12-5

Uma mulher caucasiana de 67 anos apresentou-se em uma


emergência com hemoptise e dispneia grave. O exame con-
firmou a hemoptise e revelou febre, exantema purpúrico das
extremidades inferiores e das nádegas, sensibilidade nas ar-
ticulações de múltiplos dedos, fraqueza unilateral e perda de
sensibilidade na extremidade inferior esquerda e na mão direita.
Os olhos, as orelhas, o nariz e a boca não apresentaram sinais
dignos de nota, exceto por sangue nas narinas em mucosa sub-
jacente de aparência normal. Ela não informou história prévia
de sinais e sintomas semelhantes. A pressão sanguínea era de
150/94 mmHg. Os resultados laboratoriais incluíram 2+ de pro-
teinúria com a fração proteína na urina versus creatinina de 2,3,
4+ de hematúria com > 50 hemácias dismórficas/campo de ob-
servação e cilindros hemáticos, creatinina sérica de 5,7 mg/dL,
albumina sérica de 3,8 g/dL e colesterol sérico de 228 mg/dL. Os
testes sorológicos revelaram AAN negativo, anti-DNA negativo,
C3 120 sérico, C4 21 sérico, anti-MBG negativo, PR3-ANCA nega-
tivo e mieloperoxidase ANCA positiva (MPO-ANCA).
Uma biópsia renal foi realizada e foi diagnóstica para glome-
FIGURA 12-21 Vasculite por ANCA. Microscopia óptica de
rulonefrite necrosante e crescêntica com poucos imunocomple- uma amostra de biópsia renal de um paciente com poliangeíte mi-
xos, demonstrando também arterite necrosante afetando artérias croscópica apresentando inflamação e necrose fibrinoide de arté-
interlobulares pequenas (Figura 12-21). O relatório da patologia rias interlobulares (coloração tricromática de Masson).
também incluiu um comentário de que a correlação clínico-pato-
lógica era indicativa de poliangeíte microscópica por MPO-ANCA.

órgão do corpo pode ser afetado pela vasculite de pequenos va- são caracterizados com base na especificidade dos autoanti-
sos por ANCA. Manifestações comuns incluem púrpura provo- corpos para a proteinase 3 (PR3-ANCA) ou MPO-ANCA ou
cada pela inflamação de pequenos vasos dérmicos, neuropatia pela ausência incomum de ANCA (ANCA negativo). Qual-
periférica assimétrica causada por inflamação das artérias epi- quer uma das especificidades ANCA pode ser observada
neurais, hemorragia pulmonar provocada por capilarite hemor- em qualquer uma das quatro variantes clínico-patológicas;
rágica ou inflamação granulomatosa necrosante, inflamação do entretanto, a MPO-ANCA é mais frequentemente associada
trato respiratório superior incluindo lesões ulcerativas necro- à doença renal limitada e à MPO, a PR3-ANCA é mais fre-
santes das mucosas no nariz e nos seios da face e manifestações quentemente associada à GPA, e pacientes com GEPA em
oculares de vasculite. geral são ANCA-negativos se não houver glomerulonefrite
Há quatro variantes clínico-patológicas principais da doen- e em geral são MPO-ANCA-positivos se houver glomeru-
ça por ANCA. lonefrite.
1. Glomerulonefrite por ANCA limitada aos rins: nenhuma A doença por ANCA é tratada com imunossupressão agres-
característica de vasculite sistêmica. siva. Para melhor resultado do paciente, a doença por ANCA
2. Poliangeíte microscópica (PAM): vasculite de pequenos deve ser diagnosticada precisamente no início, para que a terapia
vasos em múltiplos órgãos, mas sem evidência de inflama- adequada possa ser iniciada de imediato.
ção granulomatosa, sem história de asma e sem eosinofilia.
3. Granulomatose com poliangeíte (GPA) (chamada ante- Nefrite Hereditária e Lesão de
riormente de granulomatose de Wegener): glomerulone- Membrana Basal Fina
frite e/ou vasculite, bem como inflamação granulomatosa Além da glomerulonefrite inflamatória, o diagnóstico diferen-
necrosante, que ocorre mais frequentemente no trato respi- cial da hematúria glomerular inclui anomalias genéticas nas
ratório superior e inferior.
MBGs que resultam em extravasamento de hemácias na urina.
4. Granulomatose eosinofílica com poliangeíte (GEPA)
As duas expressões patológicas de nefropatias hereditárias da
(originalmente chamada de síndrome de Churg-Strauss):
membrana basal são a nefrite hereditária (síndrome de Alport)
glomerulonefrite e/ou vasculite e inflamação granulomato-
e a nefropatia de membrana basal fina.
sa necrosante, bem como eosinofilia tecidual e sanguínea e
Um componente principal da MBG é o colágeno tipo IV. Ele
uma história de asma.
é composto pelos heterotrímeros alfa 3, alfa 4 e alfa 5 entrelaça-
Além da classificação com base em manifestações clíni- dos. Esse tipo de colágeno está presente nas membranas basais
cas e patológicas, pacientes com doença por ANCA também oculares e auriculares, bem como nas MBGs.
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 315

CASO 12-6

Um homem caucasiano de 31 anos procurou um audiologista


reclamando de dificuldades de audição. O audiologista detec-
tou perda auditiva sensitivo-neural mais grave para tons eleva-
dos. O paciente forneceu uma história de um tio com grave di-
ficuldade auditiva que também desenvolveu insuficiência renal
precisando de diálise. O audiologista o encaminhou para um ne-
frologista, pois suspeitou de síndrome de Alport. O nefrologista
obteve história adicional de que o paciente recebeu vários diag-
nósticos de infecção urinária desde a infância. Ele não se lembra-
va de ter percebido alteração de coloração da urina. Além desse
tio, ele não conhecia outros casos de doença renal, auditiva ou
ocular na família. O exame físico não forneceu dados dignos de
nota exceto por uma pressão sanguínea de 148/92 mmHg. Os
resultados laboratoriais incluíram 2+ de proteinúria com a rela-
ção proteína na urina versus creatinina de 2,6, 3+ de hematúria
com 20 a 30 hemácias dismórficas por campo de observação,
mas nenhum cilindro hemático, creatinina sérica de 1,9 mg/dL,
albumina sérica de 4,1 g/dL, colesterol sérico de 232 mg/dL, AAN
negativo, anti-DNA negativo, C3 130 sérico, C4 31 sérico e PR3-
-ANCA e MPO-ANCA negativos.
Uma biópsia renal foi realizada e diagnosticou síndrome de
Alport com esclerose glomerular focal, ausência de imunocolora- FIGURA 12-23 Síndrome de Alport. Microscopia eletrônica
ção da MBG para alfa 3 e alfa 5 do colágeno tipo IV (Figura 12-22) apresentando laminação anormal da MBG. Compare com a Figura
e laminação da MBG por microscopia eletrônica (Figura 12-23). 12-2B.

A B

FIGURA 12-22 Síndrome de Alport. Microscopia com imunofluorescência evidenciando coloração MBG adequada de uma amostra
controle normal (A) e ausência de coloração MBG para alfa 5 do colágeno tipo IV no glomérulo do paciente (B).

Pacientes com a síndrome de Alport apresentam anomalias autossômicas dominantes. A doença ligada ao X na maioria dos
nos glomérulos, nos ouvidos e nos olhos. Os sintomas incluem casos tem como alvo a cadeia alfa 5 do colágeno tipo IV. Na for-
perda auditiva de alta frequência, várias anomalias oculares e ma mais comum de nefrite hereditária ligada ao X, os indivíduos
hematúria glomerular com desenvolvimento progressivo de in- do sexo masculino apresentam hematúria desde o nascimento
suficiência renal. e desenvolvem insuficiência renal progressiva ao se aproxima-
Cerca de 85% das síndromes de Alport são ligadas ao cro- rem do estágio final da doença em diferentes idades e em dife-
mossomo X, 15% são autossômicas recessivas e muito raramente rentes graus de parentesco; entretanto, em um mesmo grau de
316 CAPÍTULO 12

parentesco, a idade em que a insuficiência renal de estágio ter- entretanto, a hipertensão crônica provoca eventualmente dano
minal se desenvolve é semelhante. As mulheres com a doença a muitos órgãos, incluindo os rins.
ligada ao X heterozigóticas são menos gravemente afetadas, com A hipertensão maligna é caracterizada por pressão sanguí-
apenas cerca de um quarto das pacientes desenvolvendo doença nea diastólica maior do que 140 mmHg, em geral com pressão
renal em estágio terminal, geralmente após os 50 anos. sanguínea sistólica maior do que 210 mmHg, com alterações
Na microscopia óptica, a síndrome de Alport provoca es- vasculares da retina associadas, papiledema, encefalopatia
clerose glomerular focal e segmentar finalmente mais difusa e IRA. As manifestações clínica e patológica de nefropatia
e global à medida que a insuficiência avança. Na microscopia provocadas por hipertensão maligna são muito semelhantes
eletrônica, as MBGs são anormais e apresentam laminação com àquelas que ocorrem em outras formas de microangiopatia
uma aparência de mordidas de traça (Figura 12-23). As mulhe- trombótica e serão discutidas mais adiante em conjunto com
res com doença ligada ao X heterozigóticas apresentam mais aquelas doenças.
frequentemente um afinamento acentuado da MBG no lugar de A nefropatia hipertensiva crônica (arterionefroesclerose) é
laminação (lesão da membrana basal fina). caracterizada clinicamente por progressão lenta da insuficiên-
A lesão da membrana basal fina também ocorre em pacien- cia renal com apenas proteinúria mínima ou secundária e sem
tes que não apresentam a síndrome de Alport típica, mas que, hematúria glomerular. Os rins tornam-se progressivamente
em vez disso, apresentam apenas doença glomerular não pro- menores como resultado de atrofia parenquimatosa e cicatri-
gressiva com hematúria. Os membros da família podem com- zação, e a superfície do rim apresenta uma aparência granular
partilhar essa anomalia genética, resultando na síndrome da he- fina devido a depressões alternadas provocadas por cicatriza-
matúria familiar benigna. Muitos desses parentes apresentarão ção e protuberâncias causadas por hipertrofia compensatória.
mutações heterozigóticas nas cadeias alfa 3 ou alfa 4 do colá- Histologicamente, a lesão parenquimatosa mais grave apresenta
geno tipo IV, embora haja uma grande variedade de anomalias uma distribuição subcapsular com zonas de fibrose intersticial,
genéticas no colágeno tipo IV que podem resultar na lesão da atrofia tubular e esclerose glomerular com zonas adjacentes de
membrana basal fina e na hematúria hereditária benigna. hipertrofia de néfrons intactos residuais. Conceitualmente, as
áreas subcapsulares de atrofia e cicatrização são o resultado de
menor profusão na extremidade terminal na árvore vascular
Arterionefroesclerose Hipertensiva como resultado de estreitamento dos lumens das artérias e das
Arterionefroesclerose hipertensiva está atrás apenas da glomeru- arteríolas provocado por arterioloesclerose e arteriosclerose.
loesclerose diabética como causa de doença renal de estágio ter- A arteriosclerose hipertensiva afeta as artérias de todos os ca-
minal na América do Norte. A forma mais comum de neuropatia libres, incluindo as artérias lobares, arqueadas e interlobulares. A
hipertensiva ocorre gradualmente em pacientes que se encontram característica ubíqua é o espessamento fibrótico da camada ín-
na porção superior da curva de distribuição de pressão sanguínea tima com resultante estreitamento do lúmen (Figura 12-24A).
em determinada população. Também pode haver atrofia focal e esclerose dos músculos ar-
A hipertensão foi caracterizada como benigna de baixa in- teriais. As arteríolas apresentam hialinose com acúmulo de ma-
tensidade ou maligna mais intensa. Inicialmente, a hipertensão terial proteináceo de aspecto vítreo (hialino) abaixo das células
não maligna não está associada à lesão de órgãos terminais; endoteliais. A hialinose arteriolar resulta no estreitamento do

A B

FIGURA 12-24 Arterionefroesclerose hipertensiva. Microscopia óptica revelando arteriosclerose grave de uma artéria arqueada (A), com
fibrose acentuada da camada íntima e atrofia e esclerose da camada muscular, e esclerose global subcapsular dos glomérulos com atrofia tubular
adjacente e fibrose intersticial (B). A coloração pelo tricrômico de Masson cora o colágeno de azul.
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 317

lúmen. Especialmente nas zonas de atrofia subcapsular, os glo-


mérulos apresentam um progressivo enrugamento e contração TRADUZINDO
dos tufos glomerulares com eventual cicatrização e perda de celu- Patogênese da Eclâmpsia/Pré-Eclâmpsia
laridade. Há também uma fibrose intersticial progressiva e atro-
O alvo renal da doença é o glomérulo, e a mediação da lesão
fia tubular adjacente aos glomérulos esclerosados globalmente
glomerular envolve a família do fator de crescimento endo-
(Figura 12-24B). No início, há hipertrofia compensatória tanto
telial vascular (VEGF, de vascular endothelial growth factor) de
estrutural quanto funcionalmente em néfrons não afetados, mas proteínas vasoativas. A família do VEGF também está envol-
ao longo do tempo o processo progressivo leva a uma atrofia pa- vida nos eventos placentários. Há evidências de que os níveis
renquimatosa e fibrose cada vez maiores. elevados de antagonistas circulantes dos receptores de VEGF
O controle adequado da pressão sanguínea é a estratégia de nos glomérulos induzam pré-eclâmpsia/eclâmpsia. Apoio
tratamento primária para prevenir o início e a progressão da a essa ideia vem da utilização de medicamentos antiangio-
arterionefroesclerose hipertensiva. gênicos na terapia cancerígena que bloqueiam a função de
VEGF e resultam em proteinúria provocada por lesões glo-
merulares que se assemelham fortemente a lesões de pré-
Eclâmpsia e Pré-eclâmpsia -eclâmpsia/eclâmpsia.
A eclâmpsia e a pré-eclâmpsia compreendem um distúrbio hi-
pertensivo da gravidez (toxemia da gravidez). A pré-eclâmp-
sia é caracterizada por hipertensão induzida pela gravidez e
proteinúria. A eclâmpsia é definida pelo desenvolvimento de Microangiopatias Trombóticas
convulsões tônico-clônicas em uma paciente com caracterís- As microangiopatias trombóticas são caracterizadas clinicamente
ticas de pré-eclâmpsia. Anomalias placentárias são a causa por hipertensão, insuficiência renal, anemia hemolítica micro-
subjacente dessa condição, e a remoção da placenta melhora angiopática (AHMA) e trombocitopenia. A AHMA apresenta
a condição geral. hemácias fragmentadas circulantes (esquizócitos) resultando
A principal característica patológica da pré-eclâmpsia/ de fragmentação à medida que os eritrócitos circulam através
eclâmpsia é o edema acentuado das células endoteliais dos de pequenos vasos sanguíneos lesionados. As microangiopatias
capilares glomerulares, resultando em um estreitamento dos trombóticas podem ser divididas em duas categorias patogene-
lumens dos capilares (endoteliose) (Figura 12-25). Pode tam- ticamente distintas:
bém haver expansão localizada da zona subendotelial contendo
1. Púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) mediada por
às vezes material proteináceo. Na microscopia óptica, as células
anomalias no fator de von Willebrand (vWF, de von Wille-
endoteliais edemaciadas obliteram os lumens dos capilares (Fi-
brand factor)
gura 12-26).
2. Síndrome hemolítico-urêmica (SHU) mediada por vários
O tratamento da pré-eclâmpsia envolve a prevenção das
mecanismos de lesão endotelial vascular renal
convulsões (em geral utilizando sulfato de magnésio) e o con-
trole da hipertensão. Se outras medidas não forem bem-suce-
didas no controle da doença, o encerramento da gravidez pode Púrpura Trombocitopênica Trombótica
ser necessário para evitar dano a múltiplos órgãos. Pacientes com PTT costumam apresentar febre, hiperten-
são grave, AHMA, trombocitopenia, disfunção neurológica e

FIGURA 12-25 Pré-eclâmpsia. Microscopia eletrônica mostrando FIGURA 12-26 Pré-eclâmpsia. Microscopia óptica (tricrômico de
a obliteração do lúmen de um capilar glomerular por edema de células Masson) mostrando a obliteração dos lumens dos capilares glomerula-
endoteliais. Compare com a Figura 12-2B. res por células endoteliais edemaciadas.
318 CAPÍTULO 12

sangramento, que se manifesta na pele como petéquias ou púr-


pura. Entretanto, pacientes com PTT em geral apresentam insu-
ficiência renal menos frequente e menos grave do que pacientes
com SHU.
A PTT é causada por anomalias no vWF endotelial. O vWF
normal é mostrado na superfície das células endoteliais como
grandes multímeros. O comprimento desses multímeros é re-
gulado por proteólise por uma metaloproteinase clivadora de
vWF (ADAMTS13). Anomalias na quantidade ou no funcio-
namento de ADAMTS13 resultam em multímeros de vWF
anormalmente longos que predispõem à trombose microvascu-
lar rica em plaquetas. Anomalias na atividade de ADAMTS13
podem resultar de mutações genéticas ou podem ser adquiridas
pelo desenvolvimento de autoanticorpos para ADAMTS13.
Pacientes com PTT desenvolvem trombos ricos em pla-
quetas em vasos pequenos em praticamente todos os órgãos
do corpo (Figura 12-27). Trombos no cérebro produzem as
manifestações neurológicas de PTT, e trombos nos rins produ-
zem as manifestações renais. A manifestação histopatológica de
PTT nos rins é a presença de trombos capilares dispersos nos FIGURA 12-27 Púrpura trombocitopênica trombótica. Trom-
glomérulos, bem como trombos ocasionais nas arteríolas. Esses bos em capilares glomerulares no hilo (coloração com H&E).
trombos frequentemente são acompanhados por remodelação
nas paredes adjacentes dos vasos. Nas paredes dos capilares deficiências genéticas ou interferência do sistema autoimune
glomerulares, ocorre replicação de MBGs e expansão da zona nos mecanismos reguladores. O termo SHU atípica é restrito, na
subendotelial e edema endotelial. opinião de alguns, à SHU que resulta da desregulação do com-
O tratamento de PTT com frequência envolve troca de plas- plemento. A SHU atípica pode ser induzida por mutações no
ma, que substitui ADAMTS13 em pacientes com anomalias ge- fator H do complemento, no fator I do complemento, na prote-
néticas e remove autoanticorpos em pacientes com anticorpos ína cofator de membrana (PCM) e no fator B do complemento,
anti-ADAMTS13. na trombomodulina ou em C3. Ela também pode ser induzida
por autoanticorpos direcionados contra as proteínas do comple-
mento controladas, por exemplo, anticorpos contra o fator H do
Síndrome Hemolítico-Urêmica complemento. Os pacientes com essas anomalias frequentemen-
Pacientes com SHU com frequência apresentam características te apresentam uma redução no C3 circulante; entretanto, o C4
que se sobrepõem à apresentação clínica de PTT, incluindo hi- sérico é normal porque a ativação anormal tem como alvo prin-
pertensão grave, trombocitopenia, AHMA e insuficiência renal. cipalmente a via alternativa do complemento. A troca de plasma
Entretanto, púrpura cutânea, petéquias e manifestações neuro- e a terapia plasmática foram utilizadas para tratar a SHU atípica
lógicas proeminentes são raras. secundária a distúrbio na regulação do complemento.
A SHU é causada por lesão endotelial, principalmente dos Anomalias patológicas são indistinguíveis entre as SHUs
endotélios nos capilares glomerulares, nas arteríolas e nas peque- típica e atípica. O achado mais constante é um distúrbio das
nas artérias. Ela pode ser dividida em SHU típica e SHU atípica células endoteliais dos capilares glomerulares, com perda de
(Tabela 12-5). A SHU típica é causada por infecção, geralmente
Escherichia coli O157:H7, a qual costuma ser adquirida a partir
de comida ou água contaminada. A E. coli produz uma toxina
TABELA 12-5 Causas de microangiopatia
trombótica (MAT) tipo síndrome hemolítico-urêmica
semelhante a Shiga (SLT, de Shiga-like toxin) (verotoxina) que é
danosa às células endoteliais, em especial aquelas dos pequenos D+ SHU TÍPICA
vasos renais. Os pacientes com infecção por E. coli desenvolvem SHU induzida por toxina semelhante a Shiga (p. ex., E. coli, Shigella)
uma diarreia hemorrágica e assim essa forma de SHU também D- SHU ATÍPICA
é designada como D+SHU. A SHU típica (D+positiva) é mais SHU hereditária/genética (p. ex., mutações no fator H do complemento)
comum em crianças e é uma condição potencialmente letal com Autoanticorpos para proteínas controle do complemento (p. ex.,
antifator H)
uma taxa de mortalidade de 5 a 10%. A SHU atípica (D-SHU) foi SHU induzida por neuraminadase (p. ex., Streptococcus pneumoniae)
definida como qualquer forma de SHU que não seja secundária SHU induzida por medicamentos (p. ex., inibidor de calcineurina
a uma infecção produtora de SLT. A D-SHU apresenta muitas e anti-VEGF)
etiologias diferentes, incluindo medicamentos, doenças autoi- SHU induzida por transplante de medula óssea
SHU induzida por radiação
munes e anomalias genéticas. A hipertensão maligna frequen- SHU associada à gravidez
temente é causada por SHU. Entretanto, em alguns pacientes, a SHU por crise renal de esclerose sistêmica
hipertensão maligna parece ser a causa de SHU. Neuropatia hipertensiva maligna
Síndrome dos anticorpos antifosfolipídeos (SAF) com SHU
Um subconjunto atípico de SHU é causado pela desregu-
SHU idiopática
lação da via alternativa do complemento como resultado de
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 319

CASO 12-7

Uma menina de seis anos desenvolveu febre e dor abdominal biópsia tivesse sido realizada, teria mostrado os achados das
seguida um dia depois por grave diarreia contendo vestígios de Figuras 12-28 e 12-29.
sangue. A febre, a dor e a diarreia persistiram e ela foi levada
para uma emergência, onde recebeu líquidos por via intraveno-
sa para a desidratação. Os achados laboratoriais incluíram exa-
me de urina normal, creatinina sérica de 0,9 mg/dL e um leu-
cograma elevado com aumento de neutrófilos. Ela voltou para
casa e, nos dias seguintes, a diarreia diminuiu, embora houvesse
sangue persistente nas fezes. Ela continuou a se sentir doente e
começou a apresentar náuseas e vômitos e a urina escura, sen-
do levada de novo para a emergência. Os achados laboratoriais
incluíram 2+ de hematúria, 2+ de proteinúria com a razão entre
proteína na urina e creatinina de 2,8, creatinina sérica de 2,6 mg/
dL, anemia com esquizócitos no esfregaço sanguíneo e trombo-
citopenia. Uma amostra de fezes foi enviada para o laboratório
para análise. No dia seguinte, o laboratório relatou que um teste
foi positivo para a toxina Shiga e as culturas foram positivas para
FIGURA 12-29 Síndrome hemolítico-urêmica. No lado di-
Escherichia coli produtora de toxina Shiga (STEC, de Shiga toxin- reito da imagem encontra-se uma arteríola com necrose fibrinoide
-producing Escherichia coli). da parede e um trombo no lúmen. À esquerda é mostrada uma ar-
Uma biópsia renal não foi realizada nessa paciente por- téria interlobular com uma camada íntima edematosa que oblite-
que os achados clínicos e laboratoriais foram diagnósticos rou o lúmen. Há também uma lesão isquêmica difusa nos túbulos e
para SHU típica (diarreia-positivos) causada por STEC. Se uma edema intestinal (coloração com H&E).

B
A

FIGURA 12-28 Síndrome hemolítico-urêmica. Desenho (A) e eletromicrografia (B) de SHU. Microscopia eletrônica revelando o edema
das células endoteliais dos capilares glomerulares e a separação da MBG, resultando em uma zona subendotelial eletrotranslúcida expandida.
A figura representa um trombo rico em plaquetas que não é observado na micrografia eletrônica. Compare com a Figura 12-2A (Figura 12-2).

fenestrações, edema e separação da MBG resultando em uma podem evoluir para alterações mais crônicas das paredes dos
zona subendotelial eletrotranslúcida expandida (Figura 12-28). capilares, com remodelação e replicação da membrana basal.
Pode ocorrer trombose superposta rica em plaquetas dos capi- Alterações patológicas também costumam ocorrer em ar-
lares glomerulares, mas não se trata de um achado constante teríolas e pequenas artérias. As arteríolas aferentes podem de-
nas amostras das biópsias. Lesões extensas dos capilares glo- senvolver necrose fibrinoide nas paredes, com extravasamento
merulares resultam em necrose glomerular segmentar ou lise de plasma para as paredes arteriolares lesionadas e formação
de áreas mesangiais (mesangiólise). Essas alterações agudas de fibrina (Figura 12-29). Os lumens das arteríolas podem ser
320 CAPÍTULO 12

ocluídos por trombos ricos em plaquetas. Artérias interlobula- identificadas histologicamente. Ateroembolia pode estar asso-
res e arqueadas podem apresentar um espessamento edematoso ciada à hipocomplementemia e à eosinofilia sanguínea. Portan-
acentuado da camada íntima, com graus variáveis de necrose to, a doença renal ateroembólica pode ser confundida com a
fibrinoide (Figura 12-29). Trombos ricos em plaquetas também nefrite por hipersensibilidade tubulointersticial aguda ou a glo-
podem ocorrer nos lumens desses vasos. Lesões crônicas nas merulonefrite aguda. A ateroembolia também pode provocar
arteríolas e nas artérias são caracterizadas por deposição de ca- púrpura das extremidades inferiores que mimetiza a vasculite
madas de colágeno produzindo uma aparência de pele de ce- dos pequenos vasos.
bola na camada íntima espessada. As lesões glomerulares, arte-
riolares e arteriais agudas podem incluir fragmentos dispersos
ANÁLISE RÁPIDA
de hemácias (esquizócitos) nas paredes dos vasos lesionados e
incorporados aos trombos. Histologia Tubular Renal e Intersticial Normal
No córtex renal há normalmente apenas uma pequena
quantidade de interstício, exceto nas áreas adventícias ad-
Ateroembolia jacentes a grandes vasos. Os túbulos corticais parecem ser
A aterosclerose é uma doença vascular inflamatória associada quase sempre consecutivos, separados apenas por capilares
ao acúmulo de lipídeos nas paredes da aorta e dos principais peritubulares e uma pequena quantidade de tecido intersti-
ramos arteriais. A aterosclerose na parede da aorta pode obs- cial fibroso (Figura 12-31). No córtex, a maioria dos cortes
truir o orifício da principal artéria renal e pode afetar a parede transversais dos túbulos é de túbulos contorcidos proximais,
da principal artéria renal, resultando em estenose da artéria re- com poucos túbulos distais misturados. As células epiteliais
nal com hipertensão renovascular e função renal reduzida em dos túbulos proximais apresentam citoplasma abundante e
função da isquemia. bordas em escova bem definidas revestindo o lúmen tubular.
A aterosclerose também pode provocar doença renal pela A medula apresenta uma maior proporção de tecido in-
embolia de fragmentos de placas para a artéria renal, com ex- tersticial e túbulos com células epiteliais cuboidais sem bor-
travasamento dos pequenos vasos distais, resultando em insufi- das em escova conspícuas ou epitélio achatado. Os ductos
ciência renal aguda e crônica. Isso pode ocorrer no momento da coletores distais que se abrem na ponta papilar apresentam
cateterização da aorta durante a angiografia ou como um pro- epitélio cuboidal.
cesso espontâneo em pacientes com aterosclerose aórtica grave. As doenças que provocam lesão tubular e intersticial
Histologicamente, êmbolos dispersos com cristais de coles- resultam em um alargamento do espaço entre os túbulos
terol estão presentes em pequenas artérias, arteríolas e capila- como resultado de edema, fibrose intersticial ou influxo de
res glomerulares (Figura 12-30). O colesterol é dissolvido na leucócitos (Figuras 12-31 a 12-36). As células dos epitélios
preparação das lâminas histológicas, mas são deixados espaços tubulares apresentarão alterações agudas ou crônicas e lu-
em fenda em seu lugar, as fendas de colesterol, que podem ser mens tubulares contendo células epiteliais escamadas, de-
bris celulares ou leucócitos.

Doenças Tubulares e Intersticiais


As doenças tubulares renais e intersticiais provocam insuficiên-
cia renal aguda e crônica e outras manifestações de disfunção
renal, como a síndrome de Fanconi, na qual a disfunção das
células do tubo proximal resulta em absorção reduzida e níveis
mais elevados de glicose, aminoácidos, ácido úrico, fosfato e bi-
carbonato na urina.
Os dois tipos principais de doenças renais tubulares e inters-
ticiais são a lesão direta das células epiteliais tubulares (causada
por isquemia e nefrotoxinas) e a lesão inflamatória dos túbulos
e dos interstícios (causada por infecção ou hipersensibilidade).
A doença renal provocada por lesão glomerular é acompa-
nhada por hematúria com hemácias dismórficas ou cilindros
hemáticos na urina e proteinúria (em geral > 1 g/dia). A doença
renal provocada por doença tubular ou intersticial raramente
apresenta hematúria dismórfica e muito raramente provoca
proteinúria de > 2 g/dia. No exame de urina, pacientes com le-
são epitelial tubular aguda apresentam cilindros castanhos na
urina, que resultam da eliminação do pigmento do citocromo
FIGURA 12-30 Ateroembolia. Fendas de colesterol em uma pe- do citoplasma das células epiteliais tubulares na urina, células
quena artéria interlobular que foi ocluída por um ateroêmbolo. Ocor- epiteliais e cilindros das células epiteliais. A lesão tubular libera
reu uma resposta inflamatória crônica em resposta ao êmbolo, com proteínas das células dos epitélios tubulares na urina, que po-
macrófagos e fibrose em torno das fendas (coloração PAS). dem ser medidas como marcadores de lesão, como a molécula
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 321

A B

FIGURA 12-31 Túbulos corticais. (A) Túbulos corticais normais que são quase consecutivos, sendo separados apenas por capilares peritubula-
res e uma pequena quantidade de tecido intersticial fibroso. Esta coloração com PAS revela a borda em escova bem definida nos túbulos proximais,
o que compreende a maior parte do campo de visão. (B) Córtex com uma zona de lesão tubulointersticial crônica, com túbulos atróficos com mem-
branas basais espessadas, fibrose intersticial e influxo intersticial de células inflamatórias crônicas.

1 da lesão renal (KIM-1, de kidney injury molecule 1) e a lipoca- exemplo, glomerulonefrite proliferativa aguda grave, como a
lina associada à gelatinase de neutrófilos humanos (NGAL, de glomerulonefrite pós-infecciosa aguda grave; glomerulonefrite
neutrophil gelatinase-associated lipocalin). Pacientes com nefrite crescêntica, como a glomerulonefrite crescêntica por anti-MBG
tubulointersticial apresentam leucócitos e cilindros leucocitá- ou a glomerulonefrite por ANCA, e microangiopatia trombóti-
rios na urina. ca, incluindo SHU e PTT causada por LRA.
As duas categorias principais de LRA tubular são a LRA is-
quêmica e a LRA nefrotóxica. A LRA isquêmica pré-renal difere
ANÁLISE RÁPIDA
da LRA isquêmica renal com base na extensão da lesão epitelial
Lesão Renal Aguda tubular e na reversibilidade da insuficiência. A LRA pré-renal
Lesão renal aguda (LRA), denominada anteriormente como é rapidamente revertida com correção da anomalia pré-renal
IRA, é a rápida perda da função renal com uma rápida eleva- e não é acompanhada por alterações histopatológicas identifi-
ção na creatinina sérica de > 0,3 mg/dL ou um aumento de cáveis nos túbulos. Em contrapartida, a LRA renal isquêmica
50% ou mais no valor absoluto de creatinina. A LRA pode precisa de um período latente de reparo tecidual antes de recu-
ser acompanhada por anúria ou oligúria grave (menos de perar o funcionamento e é caracterizada patologicamente por
0,5 mL/kg/h por mais de seis horas). Ela é classificada como: alterações dos epitélios tubulares e edema intersticial.
1. Pré-renal: LRA causada por processos sistêmicos, como Causas de LRA tubular:
desidratação ou hemorragia grave, que produzem insu- 1. LRA isquêmica: hemorragia, choque, queimadura, desidra-
ficiência renal funcional, mas nenhuma lesão patológica tação, diarreia e insuficiência cardíaca.
observável. 2. LRA nefrotóxica: medicamentos (p. ex., aminoglicosídeos),
2. Pós-renal: LRA causada por obstrução do trato uriná- solventes orgânicos (p. ex., etilenoglicol, tetracloreto de car-
rio, por exemplo, por cálculos urinários, neoplasias do bono) e venenos (p. ex., paraquat).
trato urinário ou obstrução uretral por hiperplasia pros-
tática. No passado, a LRA isquêmica foi designada como necrose
3. Renal: LRA causada por lesão ao parênquima renal in- tubular aguda (NTA); entretanto, não se trata de uma desig-
trínseco, incluindo glomérulos, túbulos ou vasos. nação adequada para o padrão de lesão que é observado mais
frequentemente na LRA isquêmica. A lesão mais característica
é um achatamento (simplificação) das células epiteliais tubu-
LESÃO EPITELIAL TUBULAR lares proximais (Figura 12-32). Isso é acompanhado por ede-
ma intersticial e, no início do processo, pela presença de debris
AGUDA citoplásmicos no interior dos lumens tubulares. A maior parte
A lesão epitelial tubular aguda é a causa mais comum de LRA desses debris celulares é derivada da descamação apical do ci-
intrínseca. Entretanto, a nefrite tubulointersticial aguda, bem toplasma na urina, embora haja uma contribuição secundária
como as doenças glomerulares e vasculares, provoca LRA. Por da descamação de células mortas ou mesmo de células viáveis
322 CAPÍTULO 12

FIGURA 12-32 LRA isquêmica. Microscopia óptica revelando


achatamento (simplificação) das células epiteliais do túbulo proximal
e edema intersticial, mas sem influxo de células inflamatórias. Compare FIGURA 12-33 Pielonefrite aguda. Infiltração intersticial intensa
com a Figura 12-31. de leucócitos polimorfonucleares.

para a urina. Como o parênquima renal apresenta uma colora- A via de infecção mais comum na pielonefrite aguda é uma
ção marrom-avermelhada em função dos pigmentos do cito- infecção ascendente no trato urinário, por exemplo, derivada de
cromo das mitocôndrias, os debris celulares que são eliminados uma infecção bacteriana da bexiga. Muito menos comum é a
na urina têm a aparência de “cilindros marrons” quando a urina disseminação hematógena da infecção bacteriana para o parên-
é examinada ao microscópio. Dependendo do grau de necrose quima renal. A pielonefrite é caracterizada por influxo extenso
epitelial tubular, algum grau de regeneração com aumento da de leucócitos polimorfonucleares no interior do interstício, dos
atividade mitótica pode ser observado durante a fase regenera- túbulos (tubulite) e dos lumens dos túbulos (cilindros leuco-
tiva da LRA tubular. Se a causa da LRA isquêmica tubular for citários) (Figura 12-33). Em função da origem ascendente da
revertida rapidamente, com frequência há restauração histoló- infecção, a medula é caracteristicamente comprometida, bem
gica da arquitetura e retorno total da função. como o córtex. A pielonefrite aguda e crônica em geral apresen-
A LRA tubular nefrotóxica pode ser causada por vários ta uma condição predisponente do trato urinário, como infec-
agentes, incluindo medicamentos nefrotóxicos, por exemplo, os ções persistentes do trato urinário, refluxo ou urolitíase.
aminoglicosídeos. Ela pode ter uma aparência muito semelhan- Com a persistência ou a recorrência de pielonefrite aguda,
te à da LRA isquêmica tubular, embora em geral exista mais ne- o processo da doença evolui para pielonefrite crônica, que cos-
crose epitelial tubular evidente com mais eliminação de células tuma ser acompanhada por erosão acentuada da extremidade
para a urina e desnudação de porções das membranas basais papilar resultando em dilatação do cálice adjacente (caliecta-
tubulares. A LRA tubular grave pode precisar de um intervalo sia), que pode ser observada nos estudos de imagem. As ca-
de terapia de reposição renal com hemodiálise, embora os pa- racterísticas patológicas mais específicas da pielonefrite crônica
cientes possam recuperar inteiramente a função renal se a causa são alterações macroscópicas nos rins, com cicatrizes largas no
for eliminada e a lesão for reversível. parênquima recobrindo áreas de atrofia cortical e medular com
caliectasia adjacente. As características histopatológicas são
relativamente não específicas, com graus variáveis de atrofia
NEFRITE TUBULOINTERSTICIAL tubular, fibrose intersticial e infiltração intersticial por células
inflamatórias crônicas (Figura 12-31B). Uma alteração distin-
Nefrite Tubulointersticial Aguda
tiva, mas não específica é a fragmentação dos túbulos, com os
A inflamação aguda dos túbulos e do interstício pode provocar segmentos fragmentados formando estruturas esféricas, com
IRA e, se o processo inflamatório persistir, o quadro pode evo- material cilíndrico em seus lúmens que se assemelham a folícu-
luir para nefrite tubulointersticial crônica e fibrose intersticial los da tireoide com coloide (tireoidização). Além do tratamen-
crônica e atrofia tubular com risco de progressão para doença to antimicrobiano, o tratamento da pielonefrite aguda e crônica
renal de estágio terminal. Dois tipos importantes de nefrite tubu- precisa corrigir qualquer anormalidade do trato urinário que
lointersticial são a pielonefrite aguda e a nefrite por hipersensibi- predisponha à infecção bacteriana.
lidade tubulointersticial aguda. Uma forma especial incomum de pielonefrite crônica é a
1. Pielonefrite aguda: causada por infecção bacteriana, mais pielonefrite xantogranulomatosa. Essa forma incomum de
comumente infecção por E. coli. pielonefrite é caracterizada por acúmulos irregulares de mate-
2. Nefrite por hipersensibilidade tubulointersticial: causada por rial amarelado no parênquima renal em exame macroscópico,
uma resposta alérgica, por exemplo, a um medicamento ou apresentando a forma de lâminas de macrófagos espumosos re-
outras substâncias ingeridas, como remédios fitoterápicos. pletos de lipídeos (células xantoma) em exame histológico. Essa
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 323

CASO 12-8

Uma mulher caucasiana de 76 anos que vivia sozinha desen- da bomba de prótons Omeprazol. O uso do medicamento foi
volveu um mal-estar que piorou com náuseas e vômitos. Sua interrompido.
filha a visitou e, alarmada com suas condições, que também
incluíam desorientação moderada, a levou para uma emergên-
cia. O exame físico revelou pressão sanguínea normal, febre
de baixa intensidade, exame neurológico normal exceto leve
dificuldade cognitiva, ausência de lesões cutâneas e ausência
de doença do trato respiratório. Os resultados laboratoriais
incluíram leve anemia, leucocitose leve sem aumento nos eo-
sinófilos, 2+ de proteinúria com a razão proteína na urina ver-
sus creatinina de 1,6, 2+ de hematúria com 10 a 20 hemácias
dismórficas/campo de observação sem cilindros hemáticos, 10
a 20 leucócitos/campo de observação sem cilindros leucocitá-
rios, creatinina sérica de 4,9 mg/dL, albumina sérica de 3,5 g/dL
e colesterol sérico de 288 mg/dL. Os testes sorológicos revela-
ram AAN negativo, PR3-ANCA negativo, MPO-ANCA negativo,
C3 132 sérico e C4 33 sérico.
Uma biópsia renal foi realizada e revelou nefrite por hiper-
sensibilidade tubulointersticial aguda (Figura 12-34). Após a FIGURA 12-34 Nefrite por hipersensibilidade tubuloin-
obtenção do diagnóstico de biópsia renal, história adicional tersticial aguda. Microscopia óptica revelando infiltração inters-
revelou que a paciente havia procurado seu clínico geral 1 mês ticial por leucócitos mononucleares e numerosos eosinófilos com
antes se queixando de queimação (dispepsia), em especial à núcleos bilobados e citoplasma granular de coloração vermelho-
noite quando ia dormir, e recebeu uma prescrição do inibidor -alaranjada (coloração com H&E).

doença resulta de infecção persistente por vários patógenos di- membranas basais tubulares. Com a persistência de uma nefrite
ferentes, incluindo Proteus, pseudômonas, Klebsiella e E. coli. por hipersensibilidade tubulointersticial, a fibrose intersticial
começa e os infiltrados podem assumir uma aparência granulo-
matosa, com agrupamento de macrófagos e formação ocasional
Nefrite por Hipersensibilidade de células gigantes.
Tubulointersticial A nefrite por hipersensibilidade tubulointersticial aguda em
A nefrite por hipersensibilidade tubulointersticial resulta de uma geral é reversível se a exposição inicial for detectada e removi-
resposta alérgica, por exemplo, a um medicamento. Os medica- da. A doença irá recorrer com nova exposição subsequente ao
mentos que podem induzir nefrite por hipersensibilidade tubu- agente estimulador.
lointersticial incluem diuréticos, antibióticos, em especial anti-
bióticos beta-lactâmicos, medicamentos anti-inflamatórios não
esteroides, inibidores de bombas de prótons e muitos outros. A
Nefropatia por Cilindros de Cadeia Leve
LRA provocada por nefrite por hipersensibilidade tubulointers- e Tubulopatia por Cadeias Leves
ticial geralmente ocorre duas ou mais semanas após o início do Imunoglobulina monoclonal circulante originada por discrasia
tratamento com o medicamento. A clássica tríade de sinais e de células B pode provocar lesão renal por múltiplos mecanis-
sintomas é composta de febre, exantema e eosinofilia no san- mos. A doença renal causada por amiloidose AL e por doen-
gue; entretanto, muitos pacientes não apresentam todos esses ça de deposição de imunoglobulina monoclonal resultando
sintomas clínicos. em lesão glomerular, síndrome nefrótica e insuficiência renal
O exame de urina revela um número elevado de leucócitos, progressiva foi descrita anteriormente. A imunoglobulina mo-
com frequência incluindo eosinófilos, bem como cilindros leu- noclonal, especialmente cadeias leves monoclonais, também pode
cocitários. Sintomas sistêmicos de alergia como febre e exan- provocar lesão tubular com dois padrões de lesão: nefropatia por
tema podem estar presentes, bem como eosinofilia no sangue. cilindros de cadeia leve e tubulopatia por cadeias leves.
As características histopatológicas da nefrite por hipersen- A nefropatia por cilindros de cadeia leve é a forma mais co-
sibilidade tubulointersticial são edema intersticial focal com mum de doença renal associada à imunoglobulina monoclonal
infiltração intersticial por leucócitos predominantemente mo- circulante. Ela é caracterizada pela formação de cilindros no
nonucleares (linfócitos, monócitos, macrófagos), com números interior dos lumens tubulares compostos de imunoglobulinas
variáveis de eosinófilos misturados que podem ser muito cons- monoclonais misturadas a proteínas Tamm-Horsfall. Esses ci-
pícuos em alguns pacientes (Figura 12-34) e raros em outros. lindros com frequência apresentam uma resposta inflamatória
A tubulite aguda focal está presente com os infiltrados intersti- adjacente, incluindo células gigantes multinucleadas (Figura
ciais e é definida pela presença de linfócitos no lado epitelial das 12-35). Os cilindros apresentam uma aparência mais angular,
324 CAPÍTULO 12

FIGURA 12-36 Nefropatia por cilindro mioglobinúrico. Estes


FIGURA 12-35 Nefropatia por cilindros de cadeia leve. Estes cilindros de mioglobina são grosseiramente granulares e vermelhos na
cilindros angulares, fraturados, apresentam células inflamatórias adja- coloração com tricrômico de Masson. A coloração imuno-histoquímica
centes, incluindo células gigantes multinucleadas (corante tricrômico para mioglobina versus hemoglobina seria necessária para confirmar se
de Masson). os cilindros são compostos de mioglobina.

fraturada ou cristalina do que os cilindros hialinos não específi- vigorosa e diurese alcalina. A causa disparadora deve ser cor-
cos. A LRA causada por nefropatia por cilindros de cadeia leve rigida. A recuperação da função renal é comum, embora pos-
é um resultado não apenas da obstrução mecânica pelo material sa ser necessário um intervalo de terapia de substituição renal
dos cilindros, mas também por efeito tóxico direto no funcio- (diálise).
namento das células epiteliais tubulares pelas cadeias leves.
Uma forma muito menos comum de lesão tubular por ca-
deias leves é a tubulopatia por cadeias leves, na qual os túbulos PATOLOGIA DO TRANSPLANTE
proximais apresentam grandes quantidades de cadeias leves, re- RENAL
sultando em dilatação do citoplasma por vacúolos preenchidos
O transplante renal é a forma preferida de terapia de substitui-
por cadeias leves, às vezes em uma configuração cristalina. Isso
ção renal em relação à diálise crônica em função de uma melhor
leva à extensa disfunção dos túbulos, que pode se manifestar
qualidade de vida e maior sobrevida do rim e do paciente. As
clinicamente como síndrome de Fanconi.
doenças em transplantes renais podem ser divididas em doen-
ças causadas por rejeição e doenças não causadas por rejeição.
Nefropatia por Cilindros As doenças causadas por rejeição podem ser classificadas com
base no mecanismo como mediadas por anticorpos versus me-
Mioglobinúricos e Hemoglobinúricos diadas por células T, e com base na duração em agudas versus
Excesso de excreção de mioglobina ou hemoglobina na urina crônicas. Entretanto, os pacientes podem apresentar rejeição
pode provocar LRA e é caracterizado patologicamente por ma- mediada por anticorpos, por células ou por combinações de
terial cilíndrico conspícuo grosseiramente granular composto ambas e rejeição aguda e crônica.
de mioglobina ou hemoglobina nos lumens tubulares. Como na
nefropatia por cilindros de cadeia leve, a LRA é o resultado
não apenas da obstrução mecânica, mas também da toxicida- Rejeição Aguda Mediada por Células
de para o funcionamento dos epitélios tubulares. A mioglo- A rejeição aguda mediada por células é a forma mais comum
binúria resulta de rabdomiólise produzida por trauma grave, de rejeição aguda e ocorre em até 10% dos transplantes re-
em especial lesão por esmagamento, e está associada ao abuso nais durante o primeiro ano após o transplante. Ela em geral
de álcool e drogas, principalmente em função de pressão pro- se manifesta como um aumento agudo na creatinina sérica em
longada sobre os músculos durante episódios de imobiliza- conjunto com uma redução na eliminação de urina se a lesão
ção. A hemoglobinúria e a LRA hemoglobinúrica resultam de for grave o suficiente. A rejeição aguda é mediada por células
hemólise extensa. T alorreativas específicas para antígenos complexo principal de
Histologicamente, cilindros hemáticos e de mioglobina não histocompatibilidade (MHC, de major histocompatibility com-
são distinguíveis uns dos outros pela coloração de rotina (Fi- plex) (HLA) ou para antígenos não MHC. As células T alorrea-
gura 12-36); entretanto, a coloração imuno-histoquímica para tivas podem ter como alvo as células dos epitélios tubulares ou
mioglobina versus hemoglobina é diagnóstica. O tratamento as células endoteliais nos capilares glomerulares, nos capilares
da LRA hemoglobinúrica e mioglobinúrica inclui hidratação peritubulares ou nas artérias. A manifestação histológica mais
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 325

CASO 12-9

Um homem asiático de 35 anos desenvolveu uma doença renal que obteve os seguintes resultados de exames laboratoriais:
de estágio terminal secundária a uma nefropatia por IgA com- creatinina sérica de 2,3 mg/dL, 1+ de proteinúria com a razão
provada por biópsia e recebeu um transplante de rim de um de proteína na urina versus creatinina de 0,7, 5 a 10 hemácias
parente vivo. O transplante funcionou bem, com uma queda por campo de observação e 10 a 20 leucócitos por campo de
na creatinina sérica para um nível basal de cerca de 1,4 mg/dL. observação na urina.
Entretanto, três meses após o transplante, o paciente percebeu Uma biópsia de transplante renal revelou rejeição tubuloin-
uma redução na urina eliminada e sentiu um ligeiro aumento tersticial celular aguda com endarterite (C4d-negativa) (Figuras
da sensibilidade no local do transplante. Ele foi ao nefrologista, 12-37 e 12-38).

FIGURA 12-38 Rejeição celular aguda com endarterite.


Microscopia óptica revelando endarterite afetando uma artéria
FIGURA 12-37 Rejeição celular tubulointersticial aguda. interlobular, com leucócitos mononucleares abaixo de células en-
Microscopia óptica mostrando inflamação com tubulite, linfócitos doteliais edemaciadas, resultando no acúmulo de leucócitos no in-
no lado epitelial das membranas basais tubulares e destruição das terior da camada íntima. Há também leucócitos aderindo às células
membranas basais tubulares (coloração com PAS). endoteliais ativadas (coloração com PAS).

comum é a inflamação tubulointersticial incluindo a tubulite 75%. Menos de 5% das rejeições agudas mediadas por células
dos túbulos não atróficos com linfócitos T no lado epitelial das apresentam um componente de arterite com necrose fibrinoi-
membranas basais tubulares. Tubulite grave resulta na destrui- de, e esses pacientes apresentam menos de 20% de sobrevida ao
ção focal dos túbulos com ruptura das membranas basais tubu- transplante em 1 ano.
lares (Figura 12-37).
A rejeição aguda mediada por células de intensidade leve
afeta apenas os túbulos, sem comprometimento aparente dos Rejeição Hiperaguda e Aguda Mediada
vasos. Rejeição mediada por células mais grave apresenta le- por Anticorpos
sões nas artérias, com endarterite localizada (arterite da cama- Uma forma rara de rejeição mediada por anticorpos é a rejei-
da íntima), com infiltração de leucócitos predominantemente ção hiperaguda, a qual resulta da presença de anticorpos cir-
mononucleares abaixo das células endoteliais, resultando no culantes preexistentes contra as células endoteliais do doador
acúmulo de leucócitos no interior da íntima (Figura 12-38). A no momento do transplante. Esses anticorpos antidoador po-
manifestação mais grave da rejeição mediada por células é a ex- dem ser direcionados contra os antígenos dos grupos sanguí-
tensão da inflamação arterial para a camada muscular, às vezes neos ABO ou antígenos MHC. Na era atual de gerenciamento
acompanhada por necrose fibrinoide. Os glomérulos também de transplantes, esse processo é extremamente raro. Uma vez
podem apresentar evidência de um aumento da marginação que esse processo tenha ocorrido, não há em essência qualquer
de linfócitos T e monócitos (glomerulite). A tubulite isolada tratamento e o transplante é não funcional, sendo cianótico e
é a manifestação mais comum de rejeição aguda mediada por hemorrágico e se tornando amplamente necrótico com o tem-
células e apresenta uma boa taxa de sobrevida ao transplante de po. Histologicamente, em horas haverá o desenvolvimento de
1 ano em > 90%. Cerca de um terço das amostras com rejei- vários trombos vasculares e extensa marginação e diapedese de
ção aguda mediada por células apresenta endarterite, que prevê neutrófilos. Há edema intersticial e hemorragia e desenvolvi-
uma sobrevida ao transplante de 1 ano para aproximadamente mento de necrose fibrinoide nas artérias.
326 CAPÍTULO 12

A forma mais comum de rejeição aguda mediada por an- zona subendotelial, com replicação do material da membrana
ticorpos se manifesta como elevação da creatinina sérica, pos- basal na ausência de depósitos eletrodensos do tipo imunocom-
sivelmente acompanhada de oligúria. A rejeição mediada por plexo. Observa-se na microscopia eletrônica que os capilares pe-
anticorpos é responsável por cerca de um terço a um quarto ritubulares apresentam replicação (laminação) das membranas
dos episódios de rejeição aguda de transplantes renais. Cerca basais, indicando lesão recorrente e estímulo das células endote-
de 90% dos pacientes apresentarão anticorpos circulantes de- liais para a produção do colágeno da membrana basal. Também
tectáveis específicos do doador contra HLA classe I ou II. As pode haver números crescentes de leucócitos mononucleares no
manifestações histológicas de rejeição aguda mediada por anti- interior dos lumens dos capilares peritubulares. A coloração para
corpos incluem dilatação dos capilares peritubulares, acúmulo C4d é positiva em alguns pacientes. Uma vez que estejam pre-
de neutrófilos nos capilares peritubulares, glomerulite com au- sentes os sintomas de rejeição crônica mediada por anticorpos,
mento de neutrófilos e leucócitos mononucleares nos lumens em especial de glomerulopatia crônica por transplante, há uma
dos capilares, trombos nos capilares glomerulares e presença chance de 50% ou mais de perda do transplante em cinco anos.
de coloração difusa dos capilares peritubulares para C4d por
microscopia com imunofluorescência ou imuno-histoquímica,
que é um marcador da ativação do complemento mediado por
Doença do Transplante Renal não
anticorpos. A rejeição aguda mediada por anticorpos apresenta Causada por Rejeição
um prognóstico pior do que o da rejeição aguda mediada por A doença do transplante renal não causada por rejeição pode
células, com cerca de 25% dos pacientes apresentando perda do ser classificada da seguinte maneira:
transplante após 1 ano em comparação a menos de 5% de perda
1. Doença do doador
após a rejeição aguda mediada por células.
2. Doença renal recorrente nativa
3. Doença relacionada ao tratamento
Rejeição Crônica O rastreamento pré-transplante de doadores e rins tem como
O diagnóstico clínico e patológico da rejeição crônica do trans- objetivo minimizar a transferência de uma doença sistêmica ou
plante renal é mais difícil porque as manifestações clínicas e pa- renal do doador para o receptor. Isso reduz, mas não elimina o
tológicas são mais inespecíficas do que aquelas da rejeição aguda. risco de transferir uma doença infecciosa, metabólica/genética ou
A rejeição crônica em geral se apresenta como um progressivo neoplásica ao receptor. Algumas doenças renais do doador, em
fracasso crônico do transplante renal, com frequência com algum especial doenças iniciais, podem desaparecer assim que o trans-
grau de proteinúria e hipertensão. Alguns pacientes serão assinto- plante for colocado no receptor. Por exemplo, a nefropatia por
máticos clinicamente, mas foram identificados em levantamento IgA e a glomeruloesclerose diabética em um doador renal po-
de biópsias com evidência substancial de rejeição crônica. dem desaparecer após o transplante, em especial se não forem
A rejeição crônica mediada por células é caracterizada por avançadas ou graves. A doença do doador que é mais frequen-
fibrose intersticial, infiltração intersticial por células inflama- temente observada no transplante renal é a arterionefroesclero-
tórias crônicas, esclerose glomerular focal segmentar e global e se associada ao envelhecimento ou a arteriosclerose isolada. A
fibrose acentuada da camada íntima arterial. Uma das melhores biópsia do transplante renal implantado (hora zero) é feita para
características distinguíveis da rejeição crônica é a presença de avaliar qualquer doença do doador no transplante. A identifica-
fibrose da camada íntima que não é acompanhada por lamina- ção de arteriosclerose, fibrose intersticial, atrofia tubular e infla-
ção conspícua da camada elástica, a qual estaria presente se o mação crônica é importante a fim de o caso não ser confundido
espessamento fibrótico da camada íntima fosse causado por ou- com o desenvolvimento de rejeição crônica ao transplante.
tros mecanismos de fibrose da íntima, como hipertensão. Pode Doenças genéticas e metabólicas que provocam doença
haver também leucócitos mononucleares mais conspícuos no renal de estágio terminal podem apresentar recorrência em
interior da íntima espessada do que geralmente é observado em transplantes renais, como hiperoxalúria primária, cistinose e
outras formas de arteriosclerose. Em contraste com a rejeição doença de Fabry. Praticamente qualquer forma de doença glo-
crônica mediada por anticorpos, há pouca ou nenhuma colora- merular que não seja provocada por uma anomalia genética in-
ção para C4d nos capilares peritubulares. trínseca nos rins originais pode retornar em um rim transplan-
Conceitualmente, a rejeição crônica mediada por células re- tado, incluindo GESF, glomerulopatia membranosa, GNMP,
sulta de episódios persistentes ou recorrentes ou de lesão endo- nefropatia por IgA, glomerulonefrite lúpica, amiloidose e glo-
telial mediada por anticorpos com remodelação resultante das merulonefrite por ANCA. Doença por anti-MBG raramente
paredes dos vasos. apresenta recorrência a menos que o paciente sofra transplante
A rejeição crônica mediada por anticorpos provoca altera- antes que os níveis de anticorpos anti-MBG circulantes desapa-
ções em reçam. Além disso, qualquer uma dessas doenças pode ocorrer
como uma nova doença. No geral, quando uma doença glome-
1. Glomérulos: glomerulopatia crônica por transplante
rular original sofre recorrência em um transplante, ela provoca
2. Capilares peritubulares: replicação das membranas basais
a perda do transplante em menos de 20% dos pacientes após
3. Artérias: espessamento fibrótico da camada íntima
5 a 10 anos.
As alterações arteriais são semelhantes àquelas causadas por A terapia antirrejeição produz riscos para o transplante e para
rejeição celular crônica. As alterações glomerulares incluem es- o paciente. A imunossupressão extensa coloca os pacientes em
pessamento das paredes dos capilares resultando da expansão da risco de infecção, incluindo citomegalovírus, vírus Epstein-Barr,
PATOLOGIAS DE DOENÇAS RENAIS CLÍNICAS 327

herpes simples, hepatite B, hepatite C e poliomavírus BK. De im-


portância particular para o transplante renal é o risco de nefro-
patia por poliomavírus BK. O vírus BK pode ser derivado do
trato urinário do receptor ou do doador, onde ele é reativado
a partir de uma infecção latente causando uma nefropatia por
vírus BK com nefrite tubulointersticial. O poliomavírus BK
apenas provoca doença em pacientes imunocomprometidos. A
nefropatia por vírus BK provoca insuficiência aguda do trans-
plante renal, embora seja responsável por menos de 5% da in-
suficiência aguda nos transplantes renais. Histologicamente, a
nefropatia evidente por vírus BK provoca inflamação tubuloin-
tersticial com tubulite e inclusões virais nucleares. A imuno-
-histoquímica pode confirmar a presença do vírus no parên-
quima renal (Figura 12-39).
Os medicamentos utilizados no tratamento de transplantes
renais podem provocar lesão do transplante renal. Um exemplo
importante são os inibidores de calcineurina (medicamentos
imunossupressores, como ciclosporina e tracolimus), que po-
dem provocar tanto lesões funcionais quanto estruturais aos
vasos renais, em especial as arteríolas. A toxicidade dos inibi- FIGURA 12-39 Nefropatia por poliomavírus BK. Coloração imu-
no-histoquímica de vírions nos núcleos dos túbulos em um transplante
dores de calcineurina depende da dose. A forma mais branda
renal com nefropatia por BK.
de toxicidade por inibidores de calcineurina provoca disfunção
renal por vasoconstrição arteriolar aferente, é reversível e não
apresenta características histológicas. A anomalia histológica de esclerose segmentar a características da microangiopatia
mais comum é a destruição das células musculares lisas nas ar- trombótica. As lesões das células epiteliais tubulares mais fre-
teríolas aferentes e sua substituição por material proteico vítreo quentemente se manifestam como vacuolações das células epi-
(hialino). Lesões mais graves resultam de uma microangiopatia teliais dos túbulos proximais. A identificação da toxicidade ini-
trombótica com necrose fibrinoide e trombose. Elas podem ser bitória da calcineurina deve levar à redução ou à interrupção da
acompanhadas por alterações nos tufos glomerulares variando terapia inibitória da calcineurina.

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