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MEDGRUPO - Ciclo 1: MEDCURSO Capítulo 3 - Anemia nas Desordens Sistêmicas 25

Cap.
anemia nas desordens sistêmicas
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anemia nas desordens sistêmicas

A
nemia é um achado muito frequente em Outros sinônimos empregados para ADC in-
doenças não hematológicas, tais como cluem: “anemia inflamatória”, “anemia hipo-
neoplasias malignas, infecções sistêmi- ferrêmica com siderose reticuloendotelial” e
cas, colagenoses, doenças granulomatosas, doen- “anemia citocina-mediada”. Embora esta últi-
ça inflamatória intestinal, insuficiência renal ma designação seja a mais correta, não costuma
crônica, hepatopatia crônica e endocrinopatias ser utilizada na prática clínica.
(hipotireoidismo, insuficiência suprarrenal).

Todavia, de forma alguma isso nos autorizaria PATOGÊNESE


a não investigar o desenvolvimento de um qua-
dro anêmico nos portadores dessas condições Nos últimos anos, o mecanismo patogênico da
– sabemos que tais desordens também podem anemia de doença crônica se tornou mais claro
complicar com outros tipos de anemia, como com a descoberta de um hormônio que atua no
a ferropriva por perda sanguínea crônica (ex.: metabolismo do ferro: hepcidina... Veja o que
câncer de cólon, estômago, doença inflamató- acontece: os estados inflamatórios e neoplási-
ria intestinal), a anemia megaloblástica (ex.: cos promovem liberação de várias citocinas
hepatopatia alcoólica) e a anemia por invasão que, em conjunto, acabam levando às seguintes
da medula óssea (ex.: câncer metastático e in- consequências:
fecções disseminadas). (1) Redução da vida média das hemácias para
cerca de 80 dias (N: 120 dias);
Dividiremos este capítulo nos seguintes tipos (2) Redução da produção renal de eritropoetina;
de anemia: (I) “anemia de doença crônica”; (II) (3) Menor resposta dos precursores eritroides
anemia da insuficiência renal crônica; (III) à eritropoetina;
anemia da hepatopatia crônica; (IV) anemia (4) “Aprisionamento” do ferro em seus locais
das endocrinopatias; (V) anemia por ocupação de depósito (principal).
medular ou mieloftísica.
As principais citocinas envolvidas nestas
alterações são a Interleucina 1 (IL-1), a In-
I - “ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA” terleucina 6 (IL-6), o Fator de Necrose Tu-
moral alfa (TNF-alfa) e o gama-Interferon
(gama-IFN).
A “Anemia de Doença Crônica” (ADC) é o es-
tado anêmico moderado (queda de 5-15 pontos Em condições normais a transferrina trans-
no hematócrito ou 2-5 pontos na hemoglobina) porta o ferro dos seus locais de depósito (ma-
que frequentemente se desenvolve nos pacientes crófagos do baço/ferritina) para a medula
que apresentam condições inflamatórias (como óssea. Na anemia de doença crônica esta eta-
infecções e doenças reumatológicas) ou neoplá- pa encontra-se “bloqueada”.
sicas, sempre quando estas se fazem presentes
por um período superior a 20-60 dias. Do ponto Tab. 1: Condições que originam a “anemia de do-
de vista laboratorial, o que chama atenção nesta ença crônica”.
forma extremamente comum de anemia é o 1 - Infecções Subagudas ou Crônicas
achado paradoxal de ferro sérico baixo associa- Abscesso pulmonar
do à ferritina sérica normal ou alta – ou seja, Empiema
ferro sérico baixo em um paciente com aumen- Tuberculose
to das reservas totais desse metal!!! Doenças Pneumonia bacteriana prolongada
inflamatórias/infecciosas agudas, com repercus- Endocardite infecciosa
são sistêmica, também podem causar uma ane- Osteomielite
Doença inflamatória pélvica
mia leve (queda de até 6-9 pontos no hemató-
Infecção urinária crônica
crito) em apenas 1-2 dias. A ADC é a principal Micoses profundas
etiologia de anemia em pacientes internados. Meningite
Infecção pelo HIV
No entanto, nem todas as “doenças crônicas” 2 - Doenças Inflamatórias Não Infecciosas
justificam o desenvolvimento de ADC. Em geral Artrite reumatoide
são aquelas doenças que, de alguma forma, au- Lúpus eritematoso sistêmico
mentam as citocinas pró-inflamatórias! Assim, Vasculites sistêmicas
anemias causadas por insuficiência hepática, in- Doenças inflamatórias intestinais
suficiência renal, endocrinopatias, hemólise e Sarcoidose
sangramento não estão incluídas no conceito de Trauma severo
ADC, ainda que tais doenças também sejam 3 - Neoplasias Malignas
“crônicas” e comumente provoquem anemia (por Carcinomas
Neoplasias hematológicas
outros mecanismos que veremos adiante)... A
4 - Idiopática
Tabela 1 reúne as principais etiologias de ADC.

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A IL-6 tem um papel essencial neste bloqueio, 1-2 meses do quadro, estabilizando-se a partir
já que, após o aparecimento de uma doença in- daí. O hematócrito se mantém acima de 25% em
flamatória crônica, os macrófagos começam a 80% dos casos, e o quadro anêmico costuma
liberar esta citocina, que estimula o fígado a acompanhar a atividade da doença. Por exemplo:
produzir hepcidina (que se comporta como um um dos critérios de atividade da artrite reuma-
reagente de fase aguda). Esta última, por sua vez, toide e do lúpus é a anemia. Quando os sinais e
determina uma redução na absorção intestinal sintomas da colagenose melhoram – fase da
de ferro ao inibir a síntese de ferroportina (o remissão – a anemia também melhora, e o he-
“canal de ferro” responsável pela entrada deste matócrito pode voltar ao normal.
elemento nos enterócitos). Ocorre também um
“aprisionamento” do ferro no interior dos ma- Na maioria dos casos, a ADC não cursa com
crófagos e demais locais de depósito, compro- hematócrito abaixo de 25%. Se isso ocorrer,
metendo o abastecimento da produção eritroci- somos obrigados a investigar fatores contri-
tária – um fenômeno chamado de eritropoiese buintes para a anemia (ex.: ferropenia)!!!
restrita em ferro... Tais efeitos da hepcidina
justificam a HIPOFERREMIA encontrada na
anemia de doença crônica! Conforme veremos, L ABORATÓRIO
na ADC o ferro sérico está baixo, a ferritina sé-
rica vai de normal a alta e a saturação da trans- Embora possa ser normocítica-hipocrômica,
ferrina fica reduzida... Observe a Figura 1. ou mesmo microcítica-hipocrômica, a ADC é,
em sua forma mais característica de apresen-
A IL-1 estimula a síntese, pelos polimorfonu- tação, normocítica-normocrômica. Quando
cleares, de lactoferrina, uma proteína seme- existe microcitose, esta é discreta e quase nun-
lhante à transferrina, que compete pelo ferro. ca o VCM fica < 72 fL. Sem dúvida a hipocro-
A lactoferrina é mais ávida por ferro do que a mia é mais comum e mais acentuada do que a
transferrina, e não libera o ferro para a medula microcitose, diferenciando esta anemia da
de forma adequada. O interferon-gama também ferropriva, na qual a microcitose é mais proe-
tem papel importante na anemia de doença minente e se instala antes da hipocromia.
crônica, ao promover apoptose e fazer down-
-regulation dos receptores de eritropoetina nas O índice de produção reticulocitária encontra-
células precursoras da medula óssea. Além -se normal. Os exames do metabolismo do
disso, também parece antagonizar outros fato- ferro encontram-se da seguinte forma: (1) fer-
res pró-hematopoiéticos. ro sérico baixo (< 50 mg/dl) e ferritina sérica
normal ou alta (situando-se entre 50-500 ng/ml)
– essa combinação caracteriza a doença; (2)
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS TIBC normal ou baixo (< 300 mg/dl); e (3)
saturação de transferrina levemente baixa (10-
Como na maioria das vezes a ADC não é 20%). A Protoporfirina Livre Eritrocitária
grave, o quadro clínico é marcado basica- (FEP) encontra-se elevada, mas em menor grau
mente pelos sinais e sintomas da doença de quando comparada à anemia ferropriva. A TRP
base. Eventualmente, pacientes assintomáti- (Proteína Receptora de Transferrina), ao con-
cos com anemia leve acabam descobrindo, trário da ferropriva está baixa...
no processo de investigação diagnóstica, uma
doença oculta... Um paciente que apresenta Reparem: o TIBC está normal ou até baixo
perda ponderal significativa, e cujos exames porque, na anemia de doença crônica, há
revelam anemia + aumento do VHS, deve ser uma redução da transferrina sérica (lembrar
extensivamente investigado para uma doen- que o TIBC não é influenciado pela quantidade
ça sistêmica! de ferro no sangue ou mesmo pela porcentagem
de sítios livres da transferrina – ele é útil porque
A “anemia de doença crônica” em geral se ins- traduz, em última análise, a concentração séri-
tala progressivamente ao longo dos primeiros ca de transferrina).

Fig. 1
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Quadro de Conceitos I
Qual é a principal causa de anemia microcítica-hipocrômica? Anemia Ferropriva
Qual é a principal causa de anemia normocítica-normocrômica? Anemia Ferropriva
Qual é a segunda principal causa de anemia microcítica-hipocrômica? Anemia de Doença Crônica*
Qual é a segunda principal causa de anemia normocítica-normocrômica? Anemia de Doença Crônica
Qual é a principal causa de anemia em pacientes hospitalizados? Anemia de Doença Crônica
*Se microcitose < 72 fL, a segunda causa é talassemia.

A anemia ferropriva é tipicamente microcítica- a nefropatia diabética, a nefropatia hipertensi-


-hipocrômica, mas, eventualmente, em espe- va e as glomerulopatias primárias ou secundá-
cial no início do quadro, pode ser normocítica- rias. Muitos dos sinais e sintomas da síndrome
normocrômica... Como ela é de longe a forma urêmica crônica são devidos à anemia.
mais comum de anemia, acaba sendo res-
ponsabilizada como principal causa tanto de
anemia microcítica-hipocrômica quanto de PATOGÊNESE
anemia normocítica-normocrômica!!!
A anemia geralmente se instala de forma
insidiosa quando a taxa de filtração glomeru-
Anemia Ferropriva Sobreposta à “Anemia de lar cai abaixo de 30-40 ml/min (ou um clea-
Doença Crônica”: alguns pacientes com ADC rance de creatinina menor que 40 ml/min).
podem desenvolver uma anemia ferropriva so- Em um indivíduo de peso médio, isso cor-
breposta, devido à perda sanguínea crônica. responde a uma creatininemia acima de
Neste caso, o diagnóstico da ferropenia torna-se 2 mg/dl ou 3 mg/dl. Embora a anemia da
difícil. Os níveis séricos de ferritina, que nor- nefropatia crônica seja multifatorial, existe
malmente estão < 15 ng/ml na anemia ferropri- um fator principal: a deficiência na produ-
va isolada, apresentam-se superestimados por ção de eritropoietina pelo parênquima
efeito da inflamação crônica (lembre-se: a fer- renal! O rim é o órgão fisiologicamente en-
ritina também é uma “proteína de fase aguda”). carregado de produzir eritropoietina. A per-
Em pacientes com ADC ou doença inflamatória/ da progressiva de seu parênquima reduz sua
infecciosa/neoplásica, o diagnóstico de anemia capacidade produtora.
ferropriva sobreposta deve ser cogitado quando
a ferritina sérica for inferior a 30 ng/ml... Valo- Os outros fatores incriminados na anemia são:
res entre 30-60 ng/ml (ou 30-100 ng/ml, para (1) toxinas urêmicas (como a poliamina es-
alguns autores) devem indicar um aspirado de permina) que funcionam como inibidores da
medula com pesquisa de ferro, ou então uma eritropoiese medular; (2) alterações enzimá-
prova terapêutica com sulfato ferroso. ticas, eletrolíticas e de membrana nas hemá-
cias – elas se tornam mais facilmente reco-
nhecidas pelos macrófagos esplênicos, tendo
a vida média reduzida para algo em torno de
60-70 dias; e (3) efeito do paratormônio
(PTH), que inibe a eritropoiese e promove
mielofibrose leve a moderada.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E
LABORATORIAIS

A anemia da síndrome urêmica é progressiva,


T RATAMENTO chegando a valores de hematócrito entre 15-
30%. Tipicamente é normocítica-normo-
Como geralmente a ADC é leve ou no máximo crômica, e sua gravidade tende a ser propor-
moderada, o tratamento deve enfocar apenas a cional ao grau de disfunção renal (exceções:
doença de base. Nos casos incomuns de anemia na doença renal policística, a anemia tende
grave (hematócrito < 25%), afastando-se a a ser MENOS intensa, enquanto na IRC por
ferropenia e outras causas de anemia, o trata- diabetes e mieloma múltiplo a anemia tende
mento deve ser realizado com eritropoietina a ser MAIS intensa do que em outras etiolo-
recombinante, de modo a evitar as hemotrans- gias de IRC). O índice de produção reticulo-
fusões repetidas. A resposta costuma ser mui- citária na maioria das vezes é normal. Quan-
to boa. Lembramos que o tratamento com do a ureia se encontra muito elevada (> 500
eritropoetina deve ser acompanhado de repo- mg/dl), pode haver aumento dos reticulócitos.
sição de ferro parenteral, pois aumenta signi- O esfregaço de sangue periférico pode reve-
ficativamente o consumo deste elemento. lar múltiplos equinócitos (ou hemácias cre-
nadas) – Figura 2 – e alguns poucos es-
quizócitos em capacete (fragmentos de he-
II - ANEMIA DA IRC mácia). Os parâmetros do metabolismo do
ferro são muito variáveis, com a ferritina
sérica em geral superior a 100 ng/ml. Nos
A insuficiência renal crônica acomete cerca de renais crônicos a cinética do ferro deve ser
1% da população, tendo como principais causas monitorada periodicamente.
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momento durante a terapia com EPO, autoriza


o início da reposição de ferro, primeiro em
doses de reposição, depois em doses de manu-
tenção. A ferroterapia deve ser interrompida
somente se atingida uma saturação de transfer-
rina > 50% ou ferritina > 500 ng/ml, pelo risco
de hemocromatose secundária. Alguns nefro-
logistas recomendam a reposição rotineira de
ferro em todos os renais crônicos em hemodiá-
lise, e alguns ainda recomendam a reposição
em todos os doentes com resposta insatisfatória
à EPO recombinante. Um dos esquemas mais
utilizados em nosso meio para reposição de
ferro nos pacientes em hemodiálise é descrito
na Tabela 2.

Como a perda de ácido fólico na hemodiálise


pode originar anemia megaloblástica, a repo-
Fig. 2: As hemácias crenadas (equinócitos) na
síndrome urêmica.
sição desta vitamina também é necessária (1
mg/dia). Finalmente, a intoxicação pelo alumí-
nio, proveniente da água para hemodiálise não
adequadamente tratada, pode causar uma ane-
T RATAMENTO mia microcítica refratária à eritropoietina e ao
sulfato ferroso. O tratamento deve ser com o
Deve ser feito com eritropoetina recombinan- quelante desferoxamina. Felizmente, as mo-
te por via subcutânea ou intravenosa, na dose dernas máquinas de hemodiálise impedem a
de 80-120 U/kg 3x por semana, a partir do mo- contaminação pelo alumínio, o que faz com
mento em que os níveis de hemoglobina caírem que a intoxicação por esse metal não faça mais
abaixo de 10 g/dl. O objetivo é manter a he- parte do dia a dia do nefrologista como fazia
moglobina em torno de 11 g/dl (entre 10-12 há alguns anos.
g/dl), o que equivale a um hematócrito de 33%
(entre 30-36%). A hemoglobina não deve ultra-
passar 12 g/dl, pois isso aumenta a ocorrência III - ANEMIA DA HEPATOPATIA CRÔNICA
de complicações cardiovasculares (ex.: eventos
tromboembólicos)!!! Caso a hemoglobina atin-
ja este patamar, a eritropoetina recombinante A hepatopatia crônica frequentemente cursa
deve ser suspensa e posteriormente reintrodu- com anemia, em geral leve a moderada. Apesar
zida com uma dose menor... O principal efeito da prevalência de anemia nos hepatopatas crô-
colateral é a hipertensão arterial, e um parae- nicos girar em torno de 75%, na maioria dos
feito gravíssimo, embora raro, é a aplasia eri- casos o mecanismo é meramente dilucional,
troide pura por anticorpos antieritropoetina como resposta à retenção hidrossalina caracte-
induzidos por algumas formulações de EPO rística da hipertensão portal. Apenas 40% des-
recombinante. A diálise tem pequeno papel no ses pacientes possui uma redução absoluta da
tratamento da anemia, ao depurar toxinas que massa de hemácias circulante.
contribuem para a sua gênese.

Reposição de ferro em renais crônicos: nos PATOGÊNESE


usuários de EPO recombinante, estima-se que
o consumo médio de ferro para levar o hema- O principal mecanismo de anemia na hepatopa-
tócrito de 24 a 33% seja da ordem de 1.000 mg tia crônica é a hemodiluição. Contudo, vários
(praticamente todo o estoque corporal de fer- outros mecanismos podem levar à “anemia ver-
ro!). Ainda há perda crônica de sangue na he- dadeira”, isto é, redução da massa de hemácias
modiálise e nas frequentes coletas de sangue. circulante, nos hepatopatas crônicos. Dois fato-
Dessa forma, é fundamental a monitoração res costumam estar associados: (1) redução da
laboratorial periódica da cinética de ferro nes- vida média das hemácias para 20-30 dias; (2)
ses pacientes, sendo a primeira dosagem ime- redução da resposta medular à eritropoietina.
diatamente antes do início da terapia com EPO.
A presença de saturação de transferrina ≤ A justificativa para uma menor vida média do
20% ou ferritina ≤ 100 ng/ml (paciente pré- eritrócito é multifatorial, estando entre os prin-
-dialítico ou em diálise peritoneal) ou ≤ 200 cipais fatores (1) o hiperesplenismo (devido à
ng/ml (paciente em hemodiálise), a qualquer esplenomegalia congestiva); (2) alterações no

Tab. 2: Reposição de ferro para renais crônicos em programa de hemodiálise.

Ferro IV 1.000 mg, divididos em Iniciar se St transf ≤ 20% ou ferritina ≤ 200 ng/ml.
Esquema de
dez aplicações em sessões Objetivo: atingir St transf entre 30-50% e ferritina entre
reposição
consecutivas de HD. 200-500 ng/ml.
Objetivo: manter St transf entre 30-50% e ferritina entre
Esquema de
Ferro IV 25-100 mg 1x/semana. 200-500 ng/ml.
manutenção
Interromper se St transf > 50% ou ferritina > 500 ng/ml.
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metabolismo eritrocitário, tornando as hemá-


cias instáveis e (3) alterações da composição
lipídica de suas membranas, com aumento do
teor de colesterol e lecitina.

A menor resposta eritropoiética pode ser ex-


plicada por (1) efeito direto do álcool na me-
dula óssea – no caso da hepatopatia alcóolica;
(2) anemia megaloblástica por carência de
folato – também típica da hepatopatia alcoóli-
ca; (3) anemia ferropriva por sangramento
crônico, geralmente proveniente do trato diges- Fig. 3: Hemácias em alvo nas hepatopatias.
tivo alto (varizes, doença ulcerosa); e (4) talvez
uma queda da produção da eritropoetina hepá-
tica. Na verdade, a anemia da hepatopatia crô- IV - ANEMIA DAS ENDOCRINOPATIAS
nica pode até ser resultante diretamente de uma
doença hepática, mas, frequentemente, tem
como causa principal um distúrbio associado Hipotireoidismo
(etilismo, ferropenia pelo sangramento, mega-
loblastose pela carência de folato). É bastante variável a ocorrência de anemia no
hipotireoidismo – oscilando entre 20-60% dos
Síndrome de Zieve: episódios autolimitados casos. A anemia é leve, o hematócrito quase
de anemia hemolítica aguda podem se desen- sempre superior a 30%. Valores inferiores in-
volver em etilistas crônicos que apresentam dicam outras causas de anemia, em especial a
hepatopatia leve ou incipiente, geralmente com ferropriva (ex.: hipermenorreia associada).
predomínio de esteatose hepática. Esses pa-
cientes podem desenvolver esplenomegalia, A tireoidite de Hashimoto pode estar associada
icterícia e hiperlipidemia, quadro que conhe- à anemia perniciosa, uma vez que ambas são
cemos como síndrome de Zieve. Sua patogê- doenças autoimunes. Neste caso, teremos os
nese é desconhecida. achados clássicos da anemia megaloblástica
por carência de B12. Caracteristicamente, a
Anemia Hemolítica com Acantócitos: cerca anemia do hipotireoidismo é normocítica-
de 5% dos pacientes com degeneração hepato- -normocrômica ou discretamente macrocítica.
celular avançada desenvolve uma anemia he- A macrocitose também pode ocorrer sem ane-
molítica grave, marcada pela presença de múl- mia, como uma resposta fisiológica à redução
tiplos acantócitos na periferia. O mecanismo do consumo de O2 pelos tecidos, típica do es-
parece ser o aumento do teor de colesterol na tado hipometabólico. A menor necessidade de
membrana eritrocítica, sem um aumento cor- O2 leva à queda dos níveis de eritropoietina. O
respondente da lecitina. A esplenectomia pode efeito direto da queda do T3, reduzindo a eri-
corrigir apenas parcialmente esta anemia. tropoiese medular, também pode contribuir. A
reposição hormonal melhora a anemia vagaro-
samente, sem haver um pico reticulocitário.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E
LABORATORIAIS Hipertireoidismo

Como, na maioria das vezes, a anemia é leve ou Cerca de 10-25% dos pacientes com hiperti-
moderada, o quadro clínico é marcado pelos reoidismo apresenta anemia. A anemia é dis-
sinais e sintomas da hepatopatia crônica. Os creta, e seu mecanismo é desconhecido. Um
achados laboratoriais característicos são de uma componente de hemodiluição parece contribuir.
anemia normocítica ou macrocítica, com índi-
ce de produção reticulocitária elevado, em torno Classicamente, é do tipo normocítica-normo-
de 8,5% (variação entre 2,5-24%). A macroci- crômica ou microcítica. A microcitose não
tose ocorre em 30-50% dos casos, geralmente responde à reposição de ferro. Com o tratamen-
não excedendo o limite de 110 fL O esfregaço to da doença, a anemia é corrigida.
do sangue periférico pode mostrar uma série de
alterações sugestivas: (1) macrócitos finos – Outras Endocrinopatias
hemácias com diâmetro aumentado, porém,
volume corpuscular normal – este achado é Uma anemia leve pode aparecer no hipoadre-
comum, ocorrendo em cerca de 60% dos casos; nalismo (ex.: doença de Addison), hipogona-
(2) hemácias em alvo (Figura 3) – idênticas dismo masculino, hipopituitarismo e hiperpa-
àquelas encontradas nas hemoglobinopatias e ratireoidismo. Geralmente, trata-se de uma
na esplenectomia – o mecanismo é o aumento forma normocítica-normocrômica que reverte
da superfície da hemácia, em razão do acúmulo após a correção hormonal.
de lipídeos na membrana, em relação ao volume
corpuscular; e (3) acantócitos – 5% dos pacien- No caso do hipogonadismo masculino, a falta
tes. Pancitopenia ou bicitopenia (leve a mode- de androgênio reduz a produção renal de eri-
rada) pode ocorrer, em virtude do hiperesplenis- tropoietina, trazendo o hematócrito para os
mo frequentemente coexistente. níveis normais do sexo feminino.
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Tab. 3: Causas de anemia por ocupação medular –
V - ANEMIA POR OCUPAÇÃO MEDULAR “mieloftísica”.
(Anemia Mieloftísica) 1 - Neoplasias Malignas Hematológicas
Leucemias agudas ou crônicas
O termo mieloftise (tise = tuberculose) foi criado Linfomas
Mieloma múltiplo
numa época em que a tuberculose não apresen-
Metaplasia mieloide agnogênica
tava tratamento, evoluindo, com frequência, para Policitemia vera
a forma disseminada ou miliar. A infecção atingia Trombocitemia essencial
uma série de órgãos, entre eles fígado, baço, me-
2 - Neoplasias Malignas Não Hematológicas
ninges, linfonodos, rins, coração e medula óssea.
A medula apresentava múltiplos focos de granu- Carcinomas Metastáticos – principais:
- Mama
loma caseoso e áreas de fibrose, e o paciente - Pulmão
desenvolvia pancitopenia progressiva associada - Próstata
ao aparecimento de células jovens na periferia - Estômago
(eritroblastos e granulócitos imaturos), o que se 3 - Infecções Granulomatosas Disseminadas
denomina leucoeritroblastose (Figura 4).
Tuberculose miliar
Micoses profundas
4 - Doenças Inflamatórias Não Infecciosas
Sarcoidose
Lúpus Eritematoso Sistêmico (Mielofibrose)
5 - Miscelânea
Osteopetrose
Doença de Gaucher

Nos estágios mais avançados, o aspirado de


medula pode ser “seco” e a biópsia demonstrar
apenas extenso grau de fibrose. Existe uma neo-
plasia hematológica, classificada no grupo das
síndromes mieloproliferativas, denominada
metaplasia mieloide agnogênica ou mielofibro-
se idiopática, cujo quadro é caracterizado por
Fig. 4: Leucoeritroblastose. À esquerda hemácias
imaturas (nucleadas), à direita formas jovens de
intensa mielofibrose desde o início da doença.
leucócito. Essas células foram “expulsas” da medu-
la óssea devido à infiltração desta última por algum O quadro clínico da anemia por ocupação me-
processo patológico. Podemos observar também a dular é marcado pelos sinais e sintomas da
presença de um dacriócito (“hemácia em lágrima”). doença neoplásica metastática, da neoplasia
hematológica ou da infecção disseminada. É
Felizmente, nos dias atuais, a grande maioria dos comum a pancitopenia. A anemia (normocítica,
casos de tuberculose é tratada e curada, evitando ou, menos frequentemente, macrocítica) é o
esse tipo de evolução, que se tornou raridade. achado mais precoce (e mais comum) na mie-
Entretanto, a experiência médica tem mostrado lofibrose secundária. O achado característico no
que uma série de doenças, especialmente as neo- sangue periférico é, como já dito, a leucoeritro-
plasias malignas, pode ter comportamento seme- blastose, definida pela presença de eritroblastos
lhante à mieloftise, tornando-se uma causa im- e granulócitos jovens (mielócitos, metamielóci-
portante de pancitopenia com leucoeritroblastose. tos e bastões) em grande quantidade, na vigência
de anemia e leucopenia. Também podem estar
As neoplasias malignas (hematológicas ou não presentes hemácias em lágrima (dacriócitos).
hematológicas) podem infiltrar a medula óssea,
principalmente quando em seu estágio mais O tratamento é voltado para a doença de base.
avançado de disseminação. As células neoplá- Alguns casos de carcinoma de mama respondem
sicas estimulam a liberação de substâncias fi- bem à quimioterapia, mas de modo geral a cura
brosantes pelos megacariócitos medulares, é muito difícil. O prognóstico baseia-se na con-
levando à mielofibrose progressiva. dição responsável pela infiltração medular.

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