Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
-1-
Olá!
Você está na unidade Cessão da validade da norma e teoria da relação jurídica. Conheça aqui as causas e
formas que fazem com que uma norma deixe de ter validade, como a revogação (expressa, tácita e global), a
Conheça também a teoria da relação jurídica, compreendendo os termos da relação jurídica, os sujeitos de
direito (conceito e espécies), dever jurídico e direito subjetivo, além de conceitos de fato, ato e negócios jurídicos.
Bons estudos!
-2-
1. Causas e formas de cessão de validade: revogação,
caducidade e desuso
O Direito brasileiro adota, como regra, o princípio da continuidade. Tal regramento determina que uma norma
jurídica legal tem caráter permanente, de forma a manter sua vigência até que outra norma venha lhe tomar o
lugar ou, então, modificar (Farias e Rosenvald, 2011). Tal princípio encontra-se previsto no art. 2º da Lei de
Assista aí
https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2
/8693363908d95f12b7449f6971ec8554
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a
Algumas normas, como é possível perceber, possuem eficácia temporária, nascendo com um prazo delimitado de
vigência. Todavia, a regra é a vigência indeterminada, que apenas cessa por meio do fenômeno conhecido como
Assista aí
https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2
/2a343ff45f9a1561bb814bde9be31612
-3-
1.1 O conceito de revogação e suas formas de operação (expressa, tácita ou
global)
A revogação é um fenômeno em que a norma perde sua validade e é retirada do sistema jurídico, perdendo a sua
vigência. Isso ocorre devido à aprovação de outra norma que trata do mesmo assunto. Importante ressaltar que
não necessariamente uma norma revogada perde sua eficácia, podendo ter seus efeitos conservados, a depender
do caso.
Noutro giro, Gonçalves (2012), com base nos ensinamentos de Maria Helena Diniz, afirma que a revogação se
A norma que retira a validade de outra é denominada norma revogadora, enquanto a que perde a validade é a
norma revogada. A norma revogadora estabelece um “não-dever-ser”, tendo como conteúdo estabelecer a
invalidade da revogada.
Determina que a norma revogadora deve ser hierarquicamente superior ou idêntica à norma revogada.
Fixa que a norma especial revoga a norma geral, em relação ao que disciplinarem em comum.
Aponta-se que uma norma geral apenas revoga uma norma especial se alterar completamente o regime no qual a
norma especial se insere (FERRAZ JÚNIOR, 2003). No entanto, podem coexistir normas de caráter geral e caráter
especial, sem que haja incompatibilidade entre elas necessariamente. Nesse sentido, pode, por exemplo, uma
norma especial trazer uma complementação à uma norma geral, sem criar incompatibilidade e, portanto, sem
gerar revogação.
Quando há conflito entre normas, o que pode ocasionar numa revogação, tem-se a chamada antinomia. Quando
isto ocorre, utiliza-se o critério cronológico, o critério de especialidade e o critério hierárquico, previamente
elencados, para tentar solucionar o conflito. Quanto for possível resolver o conflito por meio destas regras, tem-
se uma antinomia aparente, pois na verdade o conflito não existia. Quanto não for possível, tem-se uma
Ab-rogação
total)
-4-
Derrogação
É a supressão em parte do texto legal anterior.
(revogação
parcial)
Destaca-se que, no caso de edição de uma nova Constituição, ocorre necessariamente uma ab-rogação da
Constituição anterior, mesmo que não haja previsão expressa nesse sentido. Isso acontece pois é impossível a
Por outro lado, as formas de se operar a revogação podem ser expressa, tácita ou global, todas previstas no
parágrafo 1º, do art. 2º da LINDB. Revogação expressa (ou direta) é aquela que, como o próprio nome diz,
ocorre por meio de uma norma revogadora que expressamente declara a revogação da norma revogada (Ferraz
Júnior, 2003). É o caso, por exemplo, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei nº 8.069), que, ao entrar
em vigor, dispôs em seu último artigo: “Revogam-se as Leis n.º 4.513, de 1964 (que criava a Fundação Nacional
A revogação tácita (ou indireta) é aquela que ocorre de maneira implícita: a norma não determina de modo
expresso a revogação, mas o faz como resultado de incompatibilidade entre a matéria que ela regula e as
esta se dará quando, não havendo disposição expressa nesse sentido no texto da lei, apresentar-se o
novel diploma legal incompatível, no todo ou em parte, com disposição legal que antes cuidava da
matéria. Fulcra-se, pois, a revogação tácita na incompatibilidade entre uma e outra lei.
Por sua vez, a revogação global é aquela que ocorre quando uma norma revoga outra de maneira implícita, mas
sem que haja, necessariamente, uma incompatibilidade entre elas. Aqui, a revogação se dá porque a nova norma
regula inteiramente a matéria que a norma antiga tratava. Ferraz Júnior (2003) cita como exemplo a hipótese de
que, se promulgada uma lei geral das obrigações que regulasse de forma integral as normas já contidas no
-5-
Figura 1 - Revogação de leis
Fonte: rawf8, Shutterstock (2020).
Apesar do ordenamento pátrio permitir essas três formas de revogação apresentadas, deve-se dar preferência
para a revogação expressa, pois esta é fornece mais clareza e consequente disciplina para o sistema jurídico
brasileiro. Tal conclusão pode ser extraída do art. 9º, da Lei Complementar nº 107/01, que prevê “a cláusula de
revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas” (Brasil, 2001). Em outras
palavras,
opta o sistema jurídico brasileiro, como regra geral, pela revogação expressa, por entender que
facilita a aplicação do Direito, além de disciplinar melhor o ordenamento jurídico. Não significa,
porém, que a revogação não poderá ser tácita. Se, por ventura, uma determinada lei nova, sem
qualquer menção expressa, tratar, inteira ou parcialmente, de matéria contida em lei já existente,
ocorrerá revogação tácita, afastando-se a norma jurídica anterior. Veja- se, ilustrativamente, o art.
2.045 do Código Civil, indicando expressamente as normas legais revogadas. De qualquer maneira,
novo texto legal com a lei anterior ou parte dela (FARIAS E ROSENVALD, 2011, p.135).
Por fim, diretamente relacionado com a revogação, tem-se o instituto da ultratividade (ou pós-atividade). Como
já dito antes, uma norma revogada necessariamente perde sua validade e vigência, mas pode conservar sua
produção de efeitos. Trata-se de um instituto oriundo do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, que prevê
a garantia da não retroatividade das normas, independendo de previsão expressa em nova lei. Para exemplificar:
sucessão aberta na vigência do Código Civil de 1916, mesmo que a ação de inventário tenha sido
proposta já após o ad- vento do Código Civil de 2002 (art. 2.041). É também a hipótese da incidência
do art. 2.038 da Lei Civil vigente que, apesar de proibir a criação de novas enfiteuses (direito real na
-6-
1.2 Repristinação e restauração da validade jurídica
O fenômeno da repristinação das normas, previsto no parágrafo 3º do art. 2º da LINDB, nada mais é do que a
revalidação de norma já revogada em decorrência da revogação da norma revogadora que a revogou. Em outras
palavras, uma norma que havia sido anteriormente revogada volta a ser restaurada, recuperando sua vigência
O art. 2º em questão determina que, como regra, proíbe-se tal efeito repristinatório no ordenamento brasileiro,
salvo se houver previsão expressa em sentido contrário. Assim, ainda que a norma revogadora sofra revogação,
não se pode deduzir que a norma anterior recupera sua vigência. Tal repristinação, portanto, deve ocorrer de
significando que a revogação da lei revogadora não restaura os efeitos da lei revogada; ii) a
outras palavras, quando revogada uma lei por outra, sobrevindo nova revogação desta segunda lei,
não se restauram os efeitos daquela primeira, salvo expressa previsão em contrário. Exemplificando:
se a Lei A é revogada pela Lei B e, em seguida, vem a Lei C e revoga a Lei B, não se restauram os
efeitos da Lei A, salvo expressa previsão legal (Farias e Rosenvald, 2011, p. 138).
Fique de olho
No caso de declaração de inconstitucionalidade de uma lei revogadora, o efeito repristinatório
ocorre automaticamente de forma natural sob a lei revogada, pois retira-se completamente a
eficácia da lei revogadora, excluindo-a completamente do ordenamento jurídico, salvo em caso
de modulação expressa dos efeitos da inconstitucionalidade (FARIAS; ROSENVALD, 2011).
-7-
1.3 A caducidade como perda das condições de aplicação do enunciado
normativo
Como regra geral ao tratar da cessão de validade, tem-se a concepção de que uma norma perde a validade ao se
tornar ineficaz. Nesse sentido, temos o fenômeno da caducidade: quando uma norma se torna inválida em
Este fato superveniente que gera caducidade pode tanto ser uma condição temporal, quanto uma condição de
fato. Condição temporal é o caso de uma norma que nasce com um prazo terminal para sua vigência, enquanto
condição de fato ocorre quando uma norma visa regular uma situação fática específica e efêmera, como por
exemplo, um caso de calamidade, que depois deixa de existir (FERRAZ JÚNIOR, 2003).
Noutro giro, Gonçalves (2012), além de mencionar como possíveis causas intrínsecas que geram a perda da
eficácia, o advento de termo fixado ou a ocorrência de condição resolutiva, também menciona a consecução dos
fins da norma. Ela ocorre quando a norma atinge o fim para o qual foi criada, cumprindo seu papel de modo
completo e terminativo.
Por fim, mister destacar que a caducidade (ou seja, a perda da eficácia) também pode decorrer da decretação da
inconstitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal, quanto então o Senado Federal suspende a sua
execução. É nesse sentido a redação do art. 52, inciso X, do texto constitucional: “Compete privativamente ao
Senado Federal:X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão
-8-
1.4 O desuso como expressão da ineficácia social
Enquanto a caducidade é voltada para a observância de uma condição que gerará o fim da vigência da norma, o
desuso é voltado para a observação do comportamento dos destinatários da norma – no caso, a eficácia social da
norma.
Quando os destinatários de uma norma não se sentem mais obrigados a cumpri-la, diz-se que esta norma
encontra-se em desuso. Assim, através de uma análise subjetiva dos efeitos da norma, percebe-se que ela perde
seu sentido e, consequentemente, sua validade por ineficácia (Ferraz Júnior, 2003).
Cumpre ressaltar que, enquanto a caducidade é pacificamente aceita pela doutrina brasileira, o mesmo não
ocorre com o desuso (FERRAZ JÚNIOR, 2003). Farias e Rosenvald (2011) defendem, por exemplo, que tal
instituto não existe no ordenamento jurídico brasileiro devido ao princípio da supremacia da lei sobre os
costumes – em que só uma norma jurídica é capaz de retirar a eficácia de outra norma jurídica.
Desse modo, o desuetudo (desuso) não seria hábil a revogar normas jurídicas. Nas palavras dos autores (2011, p.
137), ressalta-se
um exemplo interessante da inexistência do desuetudo pode ser lembrado com o fato de que a
tolerância que se tem, em determinados lugares do nosso país, com as casas de prostituição, não
afasta a ocorrência de um crime, previsto no art. 229 do Código Penal. Por isso, o Superior Tribunal
de Justiça vem afirmando que “a eventual tolerância ou indiferença na repressão criminal, bem assim
o pretenso desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico, como causa de atipia. A norma
incriminadora não pode ser neutralizada ou ser considerada revogada em decorrência de, v.g.,
desvirtuada atuação policial (STJ, Ac. 6ª T., Resp 146.360/PR, rel. Min. Félix Fischer, DJU 8.11.99).
-9-
2. Teoria da relação jurídica
Em Teoria Geral do Direito, muito se discute qual é o elemento característico da experiência jurídica, ou seja, do
direito em si. Existem teorias que defendem que são as normas (teoria normativa), enquanto outros defendem
que o direito é uma instituição (teoria institucional). Há ainda aqueles que defendem que o direito tem como
elemento característico as relações jurídicas e é exatamente esta teoria que será aqui analisada (BOBBIO, 2003).
Segundo a teoria da relação jurídica, que tem como um de seus grandes doutrinadores o iluminista Immanuel
Kant (1724-1804), o direito é uma relação jurídica que deve ser entendida como conjunto de condições em que o
arbítrio de um sujeito pode ser acordado como o arbítrio de outro sujeito, tendo em vista a lei universal da
liberdade. Assim, o direito cuida de relações entre sujeitos que exercem ações juridicamente relevantes entre si.
Deste modo, o direito possui a relação jurídica como principal pilar estrutural. Relação jurídica, por sua vez, pode
ser entendida como uma relação intersubjetiva entre sujeitos, com um titular de uma obrigação (sujeito ativo) e
Existem várias espécies de relações sociais no mundo, como as relações que se desempenham para fins jurídicos,
para fins morais, para fins religiosos, econômicos, artísticos, etc. As relações jurídicas são as relações sociais que
surgem em razão do ato constitutivo do Estado, sendo relevantes por estarem inseridos numa estrutura
a regra jurídica pode ser vista, mas só por abstração, como uma cobertura protetora da conduta
humana e dos processos de sua estruturação e garantia. Poderíamos dizer, apenas para facilitar a
exposição, que as normas jurídicas projetam-se como feixes luminosos sobre a experiência social: é
só enquanto as relações sociais passam sob a ação desse facho normativo, é que elas adquirem o
Assim, existem dois requisitos essenciais para a existência de uma relação jurídica:
Por esse ângulo, evidencia-se que a teoria do direito como relação jurídica passa pelo componente crucial do
reconhecimento normativo de uma relação, havendo uma clara interdependência entre relação jurídica e norma
jurídica. Nesse sentido, importante destacar a consideração feita por Bobbio (2003) de que as teorias normativa,
institucional e da relação jurídica não se excluem entre si, mas se complementam. Então, a experiência jurídica
- 10 -
Tendo este panorama em vista, estuda-se agora os termos da relação jurídica, os sujeitos de direito, a relação
entre dever jurídico e direito subjetivo e, por fim, os conceitos de fato, ato e negócio jurídico.
- 11 -
2.1 Os termos da relação jurídica
A relação jurídica possui quatro elementos fundamentais, segundo Reale. O sujeito ativo é o credor da prestação
principal de uma relação jurídica. O sujeito passivo é a pessoa que se obriga a cumprir uma prestação. O dois
estão conectados pelo vínculo de atributividade, que nada mais é do que “a concreção da norma jurídica no
âmbito do relacionamento estabelecido entre duas pessoas. É o vínculo que confere a cada um dos participantes
da relação o poder de pretender ou exigir algo determinado ou determinável” (REALE, 2001, p. 203)
Assim, é possível dizer que o vínculo de atributividade garante a legitimidade dos sujeitos para cumprir seus
papeis em uma dada relação (REALE, 2001). Anna, por exemplo, firma um contrato de venda de automóvel com
Gabriela, fazendo nascer o dever de Gabriela pagar a Anna pelo bem adquirido. Anna, portanto, é o sujeito ativo;
Gabriela o sujeito passivo e o vínculo de atributividade entre elas é o contrato, dotado de pretensões legítimas e
defeso em lei.
Cumpre ressaltar que o vínculo sempre se dá entre sujeitos (pessoas físicas ou jurídicas), nunca entre sujeito e
coisa. No direito de propriedade sobre um imóvel, por exemplo, o sujeito ativo é o proprietário, enquanto o
sujeito passivo não é o imóvel, mas a coletividade que deve respeitar aquele direito (REALE, 2001).
Ao falar da relação estabelecida entre sujeito ativo e passivo, não se deve pensar só na relação estabelecida entre
- 12 -
tais relações jurídicas existem, por exemplo, entre os indivíduos competentes para a criação de
normas gerais e os indivíduos competentes para a sua aplicação, como, v. g., entre o órgão legislativo
sujeitos de deveres ou direitos fundados nas normas jurídicas por aqueles órgãos criadas ou
aplicadas; assim como também existem entre os indivíduos competentes para a execução de atos
coercitivos e os indivíduos contra os quais os atos coercitivos se dirigem (KELSEN, 1998, p.115).
Por fim, há, ainda, mais um quarto elemento da relação jurídica. O objeto nada mais é do que o motivo pelo qual
a relação se constituiu. Pode, portanto, ser uma coisa, uma prestação ou a própria pessoa (direitos pessoais, a
Fique de olho
Segundo Reale (2001), alguns autores defendem que a norma e a sanção também podem ser
consideradas elementos da relação jurídica. Todavia, tal entendimento não seria adequado,
pois, na verdade, a norma e a sanção são pressupostos de qualquer forma de experiência
jurídica.
- 13 -
2.2 Sujeitos de direito: conceito e espécies
Conforme destacado, os sujeitos de direito são elementos essenciais da relação jurídica. O sujeito de direito
(sujeito jurídico) é portador de um direito ou de um dever correspondente. Por sua vez, usa-se modernamente o
termo “pessoa” para se referir ao sujeito de direito, denominação que transmite de forma implícita a ideia de
Na mesma linha, segundo Reale (2001, p. 212), pessoas são, para o direito, aquelas para “as quais as regras
jurídicas se destinam”. Nesse sentido, importante lembrar que os sujeitos de direito são elementos da relação
a teoria tradicional identifica o conceito de sujeito jurídico com o de pessoa. Eis a sua definição:
pessoa é o homem enquanto sujeito de direitos e deveres. Dado que, porém, não só o homem mas
também outras entidades, tais como certas comunidades como as associações, as sociedades por
ações, os municípios, os Estados, são apresentados como pessoas, define-se o conceito de pessoa
como “portador” de direitos e deveres jurídicos, podendo funcionar como portador de tais direitos e
Retomando a ideia de dignidade humana inerente à ideia de pessoa, aponta-se que o Código Civil Brasileiro, em
seus artigos 2º e 3º, traz a ideia de que “todo o homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil” (BRASIL,
2002), não sendo possível fazer distinções entre nacionais e estrangeiros para o gozo das proteções cíveis. Reale
a ideia de pessoa é fundamental tanto do domínio da Ética como no campo estrito do Direito. A
criatura humana é pessoa porque vale de per si, como centro de reconhecimento e convergência de
valores sociais. A personalidade do homem situa-o como ser autônomo, conferindo-lhe dimensão de
natureza moral. No plano jurídico a personalidade é isto: a capacidade genérica de ser sujeito de
capacidade. A personalidade diz respeito à aptidão “de ser sujeito de direitos ou obrigações, ou seja, de exercer
2001, p. 216). Todos seres humanos que nascem com vida possuem personalidade, que também pode ser
- 14 -
chamada de capacidade jurídica (Ferraz Júnior, 2003). É nesse sentido a redação do art. 2º, do Código Civil, que
determina: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida” (BRASIL, 2002).
Por sua vez, capacidade é um termo que se refere à aptidão de exercer direitos e deveres, que não é inerente a
todos seres humanos devido a algumas condições de fato. O art. 3º do Código Civil, por exemplo, determina que
os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes para o Direito Civil. Por outro lado, são
vontade;
Pródigos.
Tendo estes conceitos em vista, destaca-se que existem duas espécies de sujeitos de direito: as pessoas físicas e
as pessoas jurídicas. A pessoa física é o indivíduo propriamente dito, o ser humano, considerado assim do seu
nascimento até sua morte. Utiliza-se o termo “pessoa natural” como sinônimo de pessoa física (FERRAZ JÚNIOR,
2003).
- 15 -
Pessoa jurídica, por sua vez, não é um indivíduo tangível, mas de uma pessoa institucionalizada e abstrata,
capaz de desempenhar papel juridicamente relevante. É o caso, por exemplos, de empresas, entes federativos,
Para autores como Savgny, pessoas jurídicas são uma ficção do Direito (fictio juris), construídas de modo fictício
para corresponder a necessidades do mundo real. Em outras palavras, a pessoa jurídica “não existe como
entidade dotada de existência própria, mas como elemento técnico, uma conceituação ficta, mediante a qual os
juristas podem coordenar normas jurídicas distintas, para disciplinar a responsabilidade resultante do ato
Em contraponto à teoria de Savgny, denominada teoria de ficção, tem-se a teoria organicista ou teoria real. Ela
afirma que, quando um conjunto de seres humanos se reúnem com um objetivo específico, tem-se uma entidade
nova. Esta ideia de coletividade existente em um grupo é, assim, uma entidade substancial, sendo a pessoa
Realizando um meio termo entre a teoria da ficção e a teoria real, a teoria do institucionalismo determina que
pessoas jurídicas não são uma mera ficção do Direito, como também não existem na realidade palpável. Uma
pessoa jurídica existe no plano teleológico (finalístico), pois trata-se de um conjunto de seres humanos que se
reúnem, com um fim comum, buscando uma finalidade definida (unidade de fins).
Pessoas jurídicas, por sua vez, podem ser de direito público (interno ou externo) ou de direito privado,
conforme previsto no art. 40 do Código Civil. O artigo seguinte do referido diploma legal enumera quem são as
pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados, Distrito Federal e Territórios, Municípios, autarquias
e associações públicas e demais entidades de caráter público criadas por lei. Já o art. 42 define quem são pessoas
jurídicas de direito público: os Estados estrangeiros e todas as demais pessoas regidas pelo direito internacional
público.
Por fim, pessoas jurídicas de direito privado são aquelas enumeradas no art. 44 do Código Civil (Brasil, 2002):
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações.
IV - as organizações religiosas;
V - os partidos políticos.
- 16 -
2.3 Dever jurídico e direito subjetivo
Dever jurídico e o direito subjetivo são conceitos intrínsecos ao entendimento de relação jurídica. Nesse sentido,
ao definir as relações jurídicas segundo a teoria tradicional, Kelsen (1998, p. 114 e 115) preceitua que
em estreita conexão com os conceitos de dever jurídico e de direito subjetivo (Berechtigung) está,
segundo a concepção tradicional, o conceito de relação jurídica. Esta é definida como relação entre
sujeitos jurídicos, quer dizer, entre o sujeito de um dever jurídico e o sujeito do correspondente
direito (Berechtigung) ou - o que não é o mesmo - como relação entre um dever jurídico e o
Berechtigung) devem ser entendidas no sentido da teoria tradicional. Dizer que dever e direito se
correspondem significa que o direito é um reflexo do dever, que existe uma relação entre dois
indivíduos dos quais um é obrigado a uma determinada conduta em face do outro. Em ambos os
Dever jurídico é, como se extrai desta denominação, um dever social, mas que pode ser exigido através do
direito, podendo-se exigir uma conduta do sujeito, imposta pelo Estado, através de normas. Para haver uma
relação de dever, é necessário que haja uma norma de obrigação que imponha uma conduta e uma sanção para o
Por direito subjetivo apreende-se a ideia de poder jurídico, por ser uma capacidade concedida pela ordem
jurídica ao sujeito em uma relação jurídica para exigir o cumprimento de um dever jurídico de outro indivíduo
(KELSEN, 1998).
Tal conceito não é um mero reflexo do dever jurídico, pois abarca outras modalidades relacionais, como a
faculdade, liberdade, imunidade e capacidade dentro do direito de propriedade, por exemplo. Assim, do ponto de
vista da ciência do direito, o direito subjetivo serve para operar relações, que são reguladas por normas (FERRAZ
JÚNIOR, 2003).
Tendo em vista os conceitos apresentados, é necessário enfrentar a dicotomia entre direito objetivo e direito
subjetivo. Esta existe em um sentido que o direito, ao mesmo tempo que é um fenômeno objetivo composto de
normas de caráter universal, é também um fenômeno subjetivo, sob a perspectiva que torna sujeitos titulares de
Kelsen (1998, p. 134), que cunhou a Teoria Pura do Direito, defende que tal dualismo encontra-se superado,
- 17 -
ao analisar o conceito de pessoa como a personificação de um complexo de normas jurídicas, ao
reduzir o dever e o direito subjetivo (em sentido técnico) à norma jurídica que liga uma sanção a
judicial a tal fim dirigida; quer dizer: reconduzindo o chamado direito em sentido subjetivo ao
Direito objetivo.
Em outras palavras, por meio de uma óptica objetivista-universalista, o direito objetivo absorve o direito
subjetivo, pois este só existe na dependência das normas positivadas. Assim, a teoria jurídica deve se preocupar
Todavia, para outros doutrinadores, a dicotomia permanece e mostra-se necessária, pois a compreensão do
direito subjetivo é intrinsecamente conectada com o status libertatis dos cidadãos. Assim, tendo em vista a
liberdade, o direito como fenômeno subjetivo é capaz de analisar interesses individuais que impõem limites à
atividade estatal, que cuida do direito como fenômeno objetivo (FERRAZ JÚNIOR, 2003).
Por fim, cumpre ressaltar a utilização do termo “responsabilidade”, comum na temática de dever jurídico e
direito subjetivo. Trata-se, segundo Ferraz Júnior (2003), da exigência da prestação, intrínseca ao dever jurídico.
Ela pode ser subjetiva, quando decorre diretamente do vínculo estabelecido entre os sujeitos, ou objetiva,
quando decorre do risco potencial de uma situação, não das ações dos sujeitos ou de seu vínculo.
- 18 -
2.4 Fato, ato e negócio jurídico
Para compreender o conceito de fato e ato jurídico, é necessário, primeiramente, compreender o que é hipótese
normativa. A norma jurídica deve ser vista como um imperativo despicologizado, no sentido de que é um critério
para a conduta humana do ponto de vista universal, regulando comportamentos e outras funções. Desta maneira,
A hipótese jurídica é uma situação de fato (comportamento, fenômeno natural ou qualidade), prevista em uma
norma, da qual decorre um efeito jurídico (consequência). Assim, a hipótese normativa é, para o direito penal, o
“tipo”, enquanto para o direito tributário é o “fato gerador”, por exemplo (FERRAZ JÚNIOR, 2003).
Assista aí
https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2
/c3952ff609adb0f033a21df3bd7c5872
Atos e fatos jurídicos compõem a hipótese normativa, sendo então necessário distingui-los. Atos tem a ver com
ações, que podem ser tanto omissões quanto comissões. Assim, necessariamente tratam de interferências
voluntárias no curso da natureza. Fala-se em atos lícitos e atos ilícitos a depender se a ação humana foi em
Já os fatos têm a ver com a ideia de “estado da coisa”, que independe de uma ação omissiva ou ativa, adentrando
no mundo jurídico em razão da interferência da vontade humana. Em outras palavras, “entendemos por fato
jurídico todo e qualquer fato, de ordem física ou social, inserido em uma estrutura normativa. Por dois modos
Em decorrência da noção da involuntariedade dos fatos jurídicos, decorrem conceitos importantes para o
direito, como o caso fortuito e a força maior, que podem trazer consequências jurídicas diferenciadas (FERRAZ
JÚNIOR, 2003).
Os negócios jurídicos, por sua vez, são uma espécie de relação jurídica obrigacional em que a “relação resulta
diretamente da vontade manifesta ou exteriorizada na forma da lei, sendo inseparável da vontade declarada”
(Reale, 2001, p. 208). Em relação ao objeto, existem três tipos de relações jurídicas: pessoais, obrigacionais e
reais.
- 19 -
Nesse sentido,
donde poder-se dizer que negócio jurídico é o ato jurídico pelo qual uma ou mais pessoas, em virtude de
declaração de vontade, instauram uma relação jurídica, cujos efeitos, quanto a elas e às demais, se subordina à
vontade declarada, nos limites consentidos pela lei. Como se vê, todo negócio jurídico culmina numa relação
Típicos
Atípicos
São aqueles que não encontram previsão expressa, mas são compatíveis com o ordenamento jurídico.
Então, observa-se que não é necessário “que a vontade exteriorizada coincida, ponto por ponto, com o fim
prefigurado no negócio, bastando que entre os efeitos práticos visados e a decisão volitiva haja um nexo de
Nos negócios jurídicos, os efeitos originados são pretendidos pelos agentes, pois foram previamente negociados
entre eles. Em outras palavras, no negócio jurídico “se procura criar normas para regular interesses nas partes”
(DINIZ, 2007, p. 42). Trata-se de um reconhecimento da autonomia da vontade pelo ordenamento jurídico e,
assim, “podemos constituir, modificar ou extinguir determinados tipos de relações jurídicas, disciplinando os
nossos interesses, nos limites e em função do interesse social” (Reale, 2001, p. 209).
Para que os negócios jurídicos garantam o exercício da autonomia da vontade juridicamente reconhecida, é
preciso que os agentes envolvidos sejam sujeitos capazes e devidamente legitimados para os atos. Nesse sentido,
Reale (2001) aponta que os negócios jurídicos exigem, portanto: manifestação expressa de vontade, objeto lícito
• Unilaterais
Geram uma declaração de vontade una, de uma única pessoa, como ocorre em testamento.
• Bilaterais
- 20 -
Quanto à forma, podem ser:
• Solenes
• Informal
• Mortis causa
• Inter vivos
• Gratuitos
• Onerosos
• Causais
• Abstratos
Segundo Kelsen (1998), o negócio jurídico mais relevante e mais comuns do ordenamento jurídico são os
negócios jurídicos bilaterais (ou plurilaterais). Isso ocorre porque exige maior atenção devido à necessidade de
- 21 -
uma pacificação de vontades e uma observância entre as vontades declaradas e a realidade, o que pode gerar
discrepâncias. Justamente estas discrepâncias é que devem ser analisadas pelo direito e, caso seja necessário,
dependendo do caso, a declaração pode ter mais peso que a vontade de fato, ou o contrário.
Por fim, cumpre ressaltar que o negócio jurídico também é fonte do Direito, com base na autonomia dos agentes.
Na medida em que a ordem jurídica institui o negócio jurídico como fato produtor de Direito, confere
aos indivíduos que lhe estão subordinados o poder de regular as suas relações mútuas, dentro dos
quadros das normas gerais criadas por via legislativa ou consuetudinária, através de normas criadas
Assista aí
https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/746b3e163a5a5f89a10a96408c5d22c2
/2d06616db4481d4383e86f0a70e219a0
é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• conhecer as causas e formas que fazem com que uma norma deixe de ter validade;
• aprender sobre conceitos como revogação, caducidade, repristinação, fato, ato e negócios jurídicos;
• compreender os termos da relação jurídica, os sujeitos de direito (conceito e espécies), dever jurídico e
direito subjetivo.
Referências
BOBBIO, N. Teoria da norma jurídica. 2ª ed. Bauru: Edipro, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível
- 22 -
_____. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942. Institui a Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, 9 set. 1942. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03
_____. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan.
DIDIER, F. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodvm, 2015.
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2.
FERRAZ JÚNIOR, T. S. Introdução ao estudo do Direito: técnica decisão dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas,
2003.
REALE, M. Lições preliminares de Direito. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
- 23 -