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ÍNDICE

Introdução ------------------------------------------------------------------------------------- 6
1. A ética ------------------------------------------------------------ 7
2. A deontologia ----------------------------------------------------------------- 9
2.1. Fontes da deontologia ------------------------------------------------------------- 11
3. A profissão e o código de ética ----------------------------------------------------- 11
3.1. A deontologia jurídica ---------------------------------------------------------------- 13
3.2 . Deontologia profissional ------------------------------------------------------ 15
4. Deveres gerais/específicos de conduta do advogado ----------------------------- 16
5. A ética profissional ------------------------------------------------------- 16
6. Deveres do advogado para com o constituinte ------------------------------ 17
6.1. Dever de zelo e diligência ---------------------------------------------------------- 19
6.2. Dever de informar o cliente --------------------------------------------------------- 20
6.3. Segredo profissional ------------------------------------------------------------------- 20
6.4. Protecção de dados ------------------------------------------------------------------- 21
6.5. Interesses contrapostos entre diferentes clientes ----------------------------- 21
6.6. Manutenção de clientes ------------------------------------------------------------ 22
6.7. Tratamento com clientes ---------------------------------------------------------- 22

6.8. Transferência de clientes --------------------------------------------------------- 23

6.9. Quando o cliente procura outro advogado ---------------------------------------- 23

7. Responsabilidade civil do advogado -------------------------------------------- 24

8- Referências bibliográficas ----------------------------------------------------------- 24


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Al.= Alínea

Art = Artigo

C.C = código civil

CED = código de ética e deontologia

Cfr = confira

CRA= Constituição da República de Angola

EOA = Estatuto da Ordem dos Advogados

OAA = Ordem dos advogados de Angola


LEGISLAÇÃO CONSULTADA

 Constituição da República de Angola


 Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola
 Código de Ética e Deontologia Profissional

Este artigo emerge daquilo que foram as experiências do autor no território angolano, ao
longo de 3 anos, à medida que foi trabalhando com inúmeros profissionais do ensino em
todo o país. À medida que esse trabalho foi tendo lugar e que os professores se foram
envolvendo em projectos de investigação, uma determinada concepção da ciência, na longa
tradição positivista que moldou os primórdios das Ciências Sociais, manifestou-se com todo o
seu vigor. Nesse contexto, produziram-se intensos debates acerca da competição de
paradigmas na investigação científica e, em particular, das questões ontológicas,
epistemológicas e metodológicas que lhes subjazem, o que conduziu a que vários
professores rapidamente vislumbrassem outras vias de trabalho e novas problemáticas para
uma investigação umbilicalmente ligada às suas práticas profissionais quotidianas.
Defendemos neste artigo a necessidade de intensificar estes debates no contexto específico
do ensino superior em Angola como forma de fazer avançar a investigação em ciências
sociais.
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ENTRADAS NO ÍNDICE

Keywords: 
research paradigms, social sciences, qualitative research, transformative research

Palavras chaves: 
paradigmas de investigação, ciências sociais, investigação qualitativa, investigação
transformadora

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MAPA

Introdução

Paradigmas de investigação em ciências sociais

a) Aspectos ontológicos

b) Aspectos epistemológicos

c) Aspectos axiológicos e praxiológicos

d) Aspectos metodológicos

A importância da investigação qualitativa: o caso específico da sociologia da educação

A concluir

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NOTAS DA REDACÇÃO
Recebido a: 15/Abril/2013
Aceite para publicação: 18/Abril/2013

TEXTO INTEGRAL
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Introdução
1Este artigo emerge daquilo que foram as experiências do autor no território angolano, ao
longo de 3 anos, à medida que foi trabalhando com cada vez mais professores em todo o
país. O contacto regular com centenas de docentes e várias escolas de formação de
professores em províncias tão diversas como Cabinda, Uíge, Kwanza-Norte, Luanda,
Malange, Kwanza-Sul, Bié, Huambo, Benguela, Huíla, Namibe, Cunene, proporcionou algum
conhecimento do sistema educativo angolano e, em particular, do ensino primário e
secundário, bem como do sub-sistema da formação de professores.

2À medida que esses docentes se envolviam no desenho de projectos de investigação


educacional nas escolas, muitos deles profundamente ligados a importantes questões da
sociologia da educação, tornou-se evidente a prevalência daquilo que poderíamos designar,
seguindo a designação de Flick [2005], por processo linear de investigação. Por outras
palavras, na maior parte dos casos, um modelo de investigação de matriz hipotético-
dedutiva em que o ponto de partida são hipóteses teóricas fortemente ligadas a modelos
plasmados na literatura científica (na sua maioria oriunda das academias ocidentais), que
são operacionalizadas junto de uma determinada amostra mediante um método de inquérito
que procura medir variáreis e encontrar correlações significativas. Noutros casos, tornou-se
igualmente evidente aquilo a que Flick chamou de versão tradicional das ciências sociais
qualitativas, em que o ponto de partida do investigador, no quadro daquele modelo linear, é
igualmente o conhecimento teórico, de onde deriva “hipóteses que são operacionalizadas e
testadas face a novas condições empíricas. Aqui, os ‘objectos’ de investigação... têm o
estatuto de exemplares... [e] a expectativa do investigador é poder garantir a
representatividade dos dados e resultados obtidos...” [2005: 42]. Dito de outra forma, em
qualquer um dos casos, uma determinada concepção da ciência, na longa tradição positivista
que moldou os primórdios das ciências sociais, manifestou-se com todo o seu vigor.

3Na sua maioria, aqueles docentes revelaram uma concepção de investigação em que tanto
a teoria como o método são anteriores ao objecto de estudo que, para poder ser estudado,
tem de ser concebido de tal forma que possibilite a sua abordagem no âmbito desse modelo
linear de investigação e dos métodos por ele admitidos. Essa situação conduziu-nos a
intensos debates acerca da competição de paradigmas na investigação em ciências sociais e,
em particular, das questões ontológicas, epistemológicas e metodológicas que lhes
subjazem. Para muitos desses jovens investigadores, estes debates não colocaram em causa
as suas concepções da realidade social e dos sujeitos humanos enquanto objectos de estudo
das ciências sociais. Porém, para alguns outros, as acesas discussões em que se envolveram
constituíram verdadeiros momentos de confrontação, desconstrução e reconstrução. Uma
outra perspectiva de investigação geminava agora nas suas mentes, fortemente ligada aos
seus contextos e universos de vida. Em consequência, rapidamente vislumbram outras vias
de trabalho e novas problemáticas para uma investigação umbilicalmente ligada às suas
práticas e aos seus contextos quotidianos.

4Defendemos neste artigo a necessidade de intensificar estes debates no contexto específico


do ensino superior em Angola. Acreditamos que isso contribuiria de forma relevante para o
avanço da investigação científica em ciências sociais. Isso remete-nos para uma concepção
de formação inicial e pós-graduada em que os processos de reflexão e de investigação sobre
as práticas e contextos profissionais constitui o verdadeiro cerne da formação, entendida
como um processo de auto-supervisão em direcção a uma pedagogia para a autonomia
[Vieira, et al. 2006].

5Do nosso ponto de vista, muitos desses contextos e fenómenos específicos com que se
confrontam os profissionais no seu agir quotidiano não podem ser adequadamente estudados
no âmbito do processo linear de investigação a que nos referimos anteriormente. E isso não
acontece apenas no campo da investigação educacional, seja mais ou menos ligada a
questões sociológicas. A situação é semelhante noutros campos das ciências sociais. Assim,
argumentamos neste artigo a imperiosa necessidade de criar condições para que, para além
da investigação tradicional, possa emergir uma investigação em ciências sociais
essencialmente qualitativa e sobretudo focada nos contextos locais e nos fenómenos e
práticas quotidianas, sob a égide dos paradigmas crítico, construtivista e participativo
[Lincoln, Lynham & Guba 2011].

6Para defender o nosso argumento apresentaremos uma breve sistematização destes


paradigmas, assim como daqueles que se lhes opõem, baseada nos critérios ontológicos,
epistemológicos e metodológicos que lhes subjazem. Socorremo-nos para o efeito das
perspectivas de investigação plasmadas na última edição do já célebre Handbook of
Qualitative Research [Denzin & Lincoln 2011]. Após essa exposição, e a título de exemplo:
defendemos a importância da investigação qualitativa no domínio específico da sociologia da
educação, em virtude de ser esse o contexto do qual emerge este artigo.

Paradigmas de investigação em ciências


sociais
7Em 1994 (tradução portuguesa) escrevia Bruce Tuckman no seu Manual de Investigação
em Educação que “o processo de investigação segue o método científico, ou seja, propõe um
problema a resolver, formula uma hipótese, de forma operacional (testável) e, então, tenta
verificar esta hipótese por meio da experimentação...” [13]. Exactamente no mesmo ano,
mas na primeira edição do Handbook of Qualitative Research, Norm Denzin e Yvonna Lincoln
escreviam que o processo de investigação “significa diferentes coisas em diferentes
momentos... Em geral, trata-se uma actividade situada que coloca o [investigador] no
mundo... um conjunto de práticas interpretativas... através das quais os investigadores
procuram compreender os fenómenos no seu contexto natural, captando o seu significado do
ponto de vista dos sujeitos que neles se encontram implicados [1994: 3]. Estávamos, com
efeito, perante duas visões muito diferentes do que é (e pode ser) investigação científica.

8Estas diferentes visões são reveladoras das disputas entre paradigmas no seio da
investigação em ciências sociais. Daí que o ponto de partida para qualquer investigador deva
ser, precisamente, uma profunda reflexão acerca destes paradigmas e dos argumentos que
os suportam. A definição de um objecto de estudo e a escolha do método serão então
posteriores ao posicionamento do investigador, bem como à sua temática, no seio de um
determinado paradigma ou de uma posição paradigmática resultante da confluência de
paradigmas compatíveis entre si. Deste ponto de vista, a habitual polémica quantitativo
versus qualitativo acaba por ser uma questão estritamente metodológica de menor
importância, pois consequência natural de reflexões ontológicas e epistemológicas nas quais
o investigador se deve, forçosamente, envolver. Na perspectiva de Guba e Lincoln os
paradigmas constituem assunções básicas que representam uma visão do mundo e que
definem a própria realidade. Esses diferentes paradigmas de investigação podem ser
definidos em função das respostas que os seus defensores dão a pelo menos três questões
fundamentais: a questão ontológica, a questão epistemológica e a questão metodológica
[1994: 107-108].

9Nas décadas de 70 e 80 do século XX produziram-se intensos debates em torno daquelas


que são reconhecidas como as duas grandes abordagens na investigação em ciências sociais,
a saber: a orientação positivista/empirista e a orientação construtivista/fenomenológica.
Estas orientações estão ligadas a debates filosóficos antigos, mas é amplamente aceite que a
orientação positivista/empirista moldou fortemente as ciências sociais nos seus primórdios
[Flick 2005, Denzin & Lincoln 2011]. Nos anos 80 do século passado aprofundaram-se as
clivagens entre essas abordagens, surgindo com todo o vigor novas posturas epistemológicas
que, nalguns casos, se vieram a revelar totalmente inconciliáveis. Num artigo interessante
publicado em 1989, N.L. Gage falava de uma guerra de paradigmas para se referir ao que
designou de ataques devastadores dos anti-naturalistas, dos interpretativistas e dos tóricos
críticos. O autor colocava o olhar em 2009, 20 anos depois do momento em que escrevia o
seu artigo, procurando vislumbrar, no cenário com que se deparava, como iria evoluir a
investigação em ciências sociais. Gage sistematizou nesse artigo aquilo que considerava
serem os ataques à abordagem positivista/empirista e que aqui recuperamos de forma muito
resumida.
10A crítica anti-empirista reclamava a não existência de um método de investigação comum
a todas as áreas do conhecimento que reivindicam o estatuto científico. Esta questão
metodológica fundava-se em divisões ontológicas profundas que apontavam para visões
radicalmente opostas de conceber o objecto de estudo das ciências sociais, a relação sujeito-
objecto e a natureza do conhecimento produzido no contexto dessa relação. A crítica
interpretativa reclamava que qualquer conhecimento produzido é sempre subjectivo, já que
implica sempre a acção interpretativa de um sujeito investigador que é intrinsecamente
subjectivo. Por sua vez, a teoria crítica colocava em causa a ideia de uma suposta
neutralidade científica, de uma busca desinteressada do saber, reclamando a não existência
de tal coisa como conhecimento neutro, pois todo e qualquer conhecimento é sempre
influenciado pelos valores e interesses que estão na base da sua génese.

11Estes debates, profundamente ligados a aspectos ontológicos, epistemológicos e


metodológicos, marcariam as décadas seguintes e transformariam a investigação em
ciências sociais, orientando os investigadores, cada vez mais, para problemáticas até aí
ignoradas ou insuficientemente trabalhadas, ligadas a questões específicas, localmente
contextualizadas. A investigação qualitativa emancipava-se e definia o seus próprios critérios
de qualidade. A partir daí, e de forma permanente, a chamada investigação qualitativa
passou a ser muito mais do que uma mera colecção de métodos de recolha de dados. Muito
pelo contrário, passou a significar um modo específico de entender a realidade social e os
sujeitos humanos enquanto objectos de estudo, bem como um modo particular de entender
a relação entre o objecto de estudo e o método.

12Em 2002, num artigo ainda sintomaticamente intitulado Las disputas entre paradigmas en
la investigación educativa, Felipe Rizo, da Universidad Autónoma de Aguascalientes, no
México, comentava a forma como Guba e Lincoln [1994] sistematizaram os vários
paradigmas de investigação com base em critérios ontológicos, epistemológicos e
metodológicos, acrescentando a estes dois outros critérios, que designou de axiológicos e
praxiológicos, para propor de seguida uma sistematização alternativa. No essencial, a
reflexão de Rizo baseavam-se nos seguintes aspectos:

a) Aspectos ontológicos
13Os aspectos ontológicos, na sua perspectiva, têm que ver com a natureza do objecto de
estudo da ciência. As divergências ontológicas situam-se entre aqueles que consideram a
existência de uma diferença fundamental entre os objectos de estudo das ciências naturais e
os objectos de estudo das ciências sociais e aqueles que consideram a não existência dessa
diferença fundamental. Reflectir sobre esta questão implica ainda abarcar duas outras
questões relacionadas e que têm que ver, por um lado, com a natureza do investigador (o
sujeito que conhece) e, por outro lado, com a relação sujeito-objecto. Assim, as questões
ontológicas implicam considerar a dimensão interior dos sujeitos humanos, quer enquanto
sujeitos investigadores, quer enquanto objectos de estudo. Esta dimensão da interioridade,
as suas implicações em termos de causalidade dos fenómenos e da sua irrepetibilidade, bem
como o carácter histórico dos fenómenos humanos e sociais parecem constituir os aspectos
ontológicos essenciais.

14É no entendimento diferenciado destes aspectos que se vão distinguir as diferentes


abordagens ou paradigmas na investigação educacional, o que possibilita uma ampla gama
de variações na leitura do mundo, deste as posições positivista e pós-positivista (que tendem
a desconsiderar eventuais diferenças entre os objectos de estudo das ciências naturais e os
das ciências sociais, a considerar o investigador como neutro e meramente receptivo e uma
relação sujeito-objecto marcada pelo distanciamento entre ambos), até às posições
construtivista, crítica e participativa (que assumem uma diferença absoluta e insuperável
entre os objectos de estudo das ciências naturais e os das ciências sociais, sendo a realidade
construída pelos sujeitos e não existindo para além deles, rejeitando-se assim a busca de
objectividade e aceitando-se a coincidência entre sujeito e objecto na construção de uma
realidade que não existe para além dessa interacção).

b) Aspectos epistemológicos
15Aceitando a postura ontológica de que não existem diferenças fundamentais entre os
objectos de estudo das ciências naturais e os das ciências sociais, é razoavelmente linear
aceitar também a ideia de que não exista uma diferença fundamental entre o conhecimento
produzido e utilizado nas ciências naturais e aquele que é produzido e utilizado nas ciências
sociais. Contudo, ao introduzir-se a questão da interioridade inerentemente subjectiva dos
seres humanos, bem como a dimensão historicista, segundo a qual as configurações do
mundo humano são sempre o resultado de processos históricos de formação, o
conhecimento produzido e utilizado nas ciências sociais assume uma característica
eminentemente interpretativa. As orientações historicistas, enquanto formas diferenciadas
de abordagem aos fenómenos e aos contextos especificamente humanos, impuseram assim
a inevitabilidade de um conhecimento das ciências sociais cuja natureza só pode ser
interpretativa.

c) Aspectos axiológicos e praxiológicos


16Para além de se distinguirem em aspectos ontológicos e epistemológicos, os paradigmas
de investigação distinguem-se igualmente por elementos axiológicos, como a influencia dos
valores na investigação científica. Há muito que se compreendeu a impossibilidade de uma
ciência neutra e desnudada de valores. Contudo, trata-se de um tema acerca do qual
permanece a discussão e se assinalam diferenças de entendimento, e logo, de abordagem.
As diferenças situam-se entre posições que consideram que a influência de um determinado
quadro ou hierarquia de valores é controlável e compatível com o alcance de uma razoável
objectividade do conhecimento e posições que consideram essa influência determinante das
formas de investigar e dos resultados que se obtêm, de tal forma que tais valores devem ser
tornados explícitos no trabalho científico.

17As diferenças no que toca à posição do investigador e à sua postura ético-política são
também ponto de discussão. Por um lado, as posições mais próximas do positivismo e das
abordagens pós-positivistas entendem o papel do investigador como de soberba importância
na sociedade, em virtude das suas competências metodológicas e técnicas e do seu
entendimento sofisticado da realidade, pelo que é aos investigadores, na sua condição de
especialistas razoavelmente objectivos, que devem ser confiados os cargos de maior
responsabilidade, tal como é neles e na ciência que deve ser depositada toda a confiança na
resolução dos problemas humanos e sociais. Por outro lado, as abordagens mais afastadas
desta concepção da ciência e dos cientistas propõem uma clara subordinação dos aspectos
metodológicos e técnicos às posições éticas e políticas os investigadores, que, longe de se
conceberem como especialistas com um entendimento sofisticado e razoavelmente objectivo
da realidade, valorizam inúmeras outras formas de conhecimento que integram no seu
trabalho. Nesta perspectiva, as dimensões ideológicas não são ignoradas, assim como
também não é ignorado como o poder é constitutivo das relações sociais, pelo que as
finalidades da investigação situam-se sobretudo na transformação social.

d) Aspectos metodológicos
18As habituais designações de métodos quantitativos versus métodos qualitativos dizem
respeito, mais precisamente, a aspectos metodológicos da investigação científica. As
principais diferenças metodológicas situam-se na clarificação de três aspectos essenciais: as
técnicas e procedimentos utilizados, a relação entre teoria e prática e a definição dos
critérios de qualidade da investigação. Há, naturalmente, tipos ideais de abordagens
metodológicas que podemos designar de quantitativas e de qualitativas. As técnicas de
investigação encontram a sua coerência de utilização enquadradas numa determinada
estratégia global de investigação, a qual pode ser predominantemente quantitativa ou
predominantemente qualitativa. Mas isso dependerá, muito naturalmente, do entendimento
do objecto de estudo, da relação sujeito-objecto e da complexa relação entre a teoria e a
prática.

19Dado que cada abordagem possui características específicas, cada tradição metodológica
foi desenvolvendo critérios de qualidade particulares para a avaliação da investigação
realizada. A investigação qualitativa, ainda que muito diversificada, é hoje autónoma e criou
os seus próprios critérios de qualidade. Os estudos cuja estratégia geral de investigação
inclui tanto um enfoque quantitativo como um enfoque qualitativo aplicam naturalmente uma
dualidade de critérios específicos de cada enfoque, pois tanto a tradição quantitativa como a
tradição qualitativa têm os seus critérios específicos de qualidade.

20A tabela abaixo sintetiza a sistematização que Lincoln, Lynham e Guba [2011: 102-105]
propõem para a diversidade de paradigmas de investigação e que se baseia na anterior
sistematização de 1994 [Guba & Lincoln: 109].

Síntese da Sistematização de paradigmas de investigação proposta por Lincoln, Lynham


e Guba [2011]

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A importância da investigação qualitativa: o
caso específico da sociologia da educação
21Como vimos, a longa tradição positivista que moldou os primórdios das ciências sociais
impôs um modelo de investigação próximo do método experimental das ciências da
natureza. Aquilo a que Tuckman chamava, ainda em 1994, no seu Manual de Investigação
em Educação, o método científico. Por colocar a teoria e o método antes do objecto, como já
referimos anteriormente, esta perspectiva, bem como muitas abordagens pós-positivistas,
excluem à partida todos os problemas que não sejam passiveis de abordagem com os
métodos aceites no quadro desses paradigmas. Ao colocar a enfâse na construção de
hipóteses, na manipulação de variáveis, em relações de causa-efeito, esses paradigmas
restringem fortemente as possibilidades de investigação de uma ampla gama de
problemáticas intimamente ligadas, no caso da educação, ao quotidiano das escolas, dos
professores, das famílias e das comunidades. Com efeito, se toda a investigação educacional
fosse planeada em obediência ao modelo linear de investigação sob a égide dos paradigmas
positivista e pós-positivista, todos os fenómenos complexos, localmente contextualizados e
específicos teriam de ser postos de lado, uma vez tais abordagens são incapazes de captar
toda complexidade e densidade do vivido, pois apenas têm a capacidade de colocar em
evidência as dimensões que já estão contidas no modelo teórico subjacente. E isto acontece
também noutros campos das ciências sociais.

22Assim, há que considerar aquilo a que Flick chama de pluralidade dos universos de vida, o
que exige “uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões” dada a “acelerada
mudança social e a consequente diversidade de universos de vida” que “confrontam cada vez
mais os cientistas com novos contextos sociais e novas perspectivas” que “as metodologias
dedutivas tradicionais... fracassam” em explicar com profundidade, sendo “a investigação...
cada vez mais forçada a recorrer a estratégias indutivas”, em que “o conhecimento e a
prática são estudados na qualidade de conhecimento e prática locais”, e em que “o estudo
dos significados subjectivos e da experiência e prática quotidianas é tão fundamental como a
análise das narrativas e discursos” [2005: 2]. Nesta perspectiva, os métodos têm
forçosamente que ser abertos porque têm de se ajustar a complexidade do objecto de
estudo. Na investigação qualitativa é o objecto que determina o método e não o contrário.
Assim, os investigadores qualitativos procuram explicar os contextos e fenómenos sociais a
partir de dentro, procurando compreender como os sujeitos organizam e constroem o seu
mundo, descrevendo o que fazem de uma forma que seja significativa para os próprios,
proporcionando uma descrição densa localmente contextualizada.

23Contudo, esta questão complexifica-se ainda mais quando argumentamos a favor da


investigação qualitativa em África no domínio das ciências sociais. Num artigo recente,
Cardoso [2012] refere-se às contradições com que os intelectuais africanos estão
confrontados no seu esforço para produzir conhecimento relevante para as condições
africanas, fazendo também referência a aspectos ontológicos, epistemológicos e
metodológicos. Na perspectiva do autor, “os intelectuais africanos encontram-se muitas
vezes numa encruzilhada; os paradigmas que informam as suas crenças e pensamentos são
múltiplos e variam entre a tradição num extremo e a modernidade no outro” [p.91].

24O argumento não é novo, mas impõe-se prudência nas referências a essa dita
modernidade. Mudimbe [2013], a quem o autor se refere ao longo do seu artigo, sinalizava
já de forma brilhante, no seu clássico A Invenção de África, publicado pela primeira vez em
1988, como durante muito tempo os intelectuais africanos permaneceram violentamente
domesticados, intelectualmente falando, preocupando-se sobretudo com as questões de
evolução moral em direcção a uma modernidade imitativa sob o domínio de uma ordem
discursiva que, ainda que não se apercebessem, lhes era imposta como aquela que deveriam
seguir. Com efeito, seria necessário repensar essa modernidade, ou seja, como
acertadamente nos lembra Hountondji [2012], as possibilidades de articulação entre os
saberes e práticas endógenos e os saberes e práticas ditos modernos (exógenos), a favor de
uma nova epistemologia, a saber, uma nova produção científica orientada para a
compreensão profunda, multifacetada e densa dos fenómenos sociais totais, de onde possam
resultar benefícios duradouros e solidamente fundados para as instituições e para a
sociedades africanas.
25Dito de outra forma e invocando aqui o lúcido pensamento do camaronês Jean-Marc Ela
[1994], seria necessário pensar África e as sociedades africanas para além do Africanismo.
No plano metodológico, a proposta de Ela é simples e articula-se plenamente com os
argumentos que vimos defendendo no nosso texto. Na perspectiva do ilustre teólogo e
sociólogo camaronês, impunha-se o abandono dos cânones da “monarquia” Positivista que
durante tanto tempo moldou o olhar dos cientistas sociais africanos. Impunha-se um olhar
renovado e localmente contextualizado sobre o quotidiano sob a égide de novos paradigmas
que abrissem o campo e reclamassem uma pluralidade metodológica capaz de captar a
complexidade e a densidade do vivido. É tempo, enfim, de abordar as questões de fundo
submetendo as problemáticas sociais à prova, numa “sociedade da qual é preciso
compreender as estruturas e as lógicas, as atitudes e os comportamentos, os mitos, os
sonhos e os fantasmas, as contradições e os conflitos, as explosões e as violências, os
actores e as estratégias. Precisamos de nos concentrar fortemente no real e no imaginário,
no oficial e no oficioso, no banal e no quotidiano” [p.97].

26No entanto, a partir deste pensamento não podemos inferir que os investigadores
africanos devem empenhar-se na criação de uma epistemologia radicalmente nova a partir
da sua alteridade. Seria uma insanidade reprovar a tradição ocidental apenas pela sua
herança ocidental [Mudimbe 2013]. Impõe-se, contudo, a necessidade daquilo a que o
insigne filósofo congolês chamou de vigilância epistemológica, a saber, uma preocupação
com os paradigmas de investigação e com a análise das dimensões políticas do
conhecimento, bem como dos procedimentos para instituir novas perspectivas teóricas e
práticas nas ciências sociais e, no caso em apreço, nas ciências da educação. Uma vigilância
que, longe de reforçar os paradigmas dominantes, questione intensamente o seu significado,
interrogando a sua credibilidade para os contextos educativos africanos e desafiando a escala
avaliativa tanto desses processos científicos de investigação como dos pressupostos
ideológicos que lhes subjazem.

27Podemos concretizar aqui esta preocupação do autor, socorrendo-nos do exemplo


daqueles poucos professores de que falámos inicialmente, para concebê-los como
intelectuais orgânicos [Gramsci, 1991] ao serviço da transformação social pela edificação de
práticas educativas democráticas [Patacho, 2011] relevantes para as condições
especificamente africanas e, em particular, angolanas, que sejam fundadas na investigação
sobre os contextos e práticas educativas das instituições e comunidades em que trabalham e
com que colaboram quotidianamente, sob a égide de paradigmas críticos, construtivistas e
participativos. Esta será uma investigação social transformadora.

28Deste ponto de vista, os professores e demais investigadores podem concentrar a sua


atenção na realidade das escolas, nos seus actores e nas comunidades locais, para daí
extraírem uma compreenssão multifacetada e densa dos contextos e fenómenos sociais e
educativos que devem ser entendidos como fenómenos sociais totais. Os professores, por
exemplo, podem analisar com profundidade as experiências dos indivíduos e dos grupos
sociais com que trabalham, compreendendo as suas vidas, o seu quotidiano, as suas
expectativas, as suas histórias e as implicações destas para as suas práticas educativas.
Podem analisar com profundidade as interacções e comunicações que se produzem nos
contextos educativos para perceberem o que está em jogo na negociação do quotidiano das
escolas. Numa única expressão, como acertadamente nos avisou Stenhouse [1987], para
transformar substancialmente o ensino podem fazer das práticas e vidas docentes locais de
investigação. Longe de uma racionalidade técnica da educação, dominada pelo fetiche do
método [Bartolomé, 2007], este professor-investigador tem a capacidade de construir a
transformação do seu quotidiano escolar, consciente da sua responsabilidade ética, cívica e
política para com a construção social da educação democrática [Patacho, 2011] na qual a
investigação tem um papel insubstituível.

A concluir
29O advento das ciências sociais foi fortemente condicionado pela racionalidade científica das
ciências experimentais. Consequentemente, a investigação científica em ciências sociais
permaneceu durante muito tempo – demasiado – amarrada ao jugo positivista. Ao mesmo
tempo, é frequente a ausência de discussões ontológicas e epistemológicas profundas de
onde resultem planos de pesquisa coerentes com posições paradigmáticas claras. O
resultado tem sido a proeminência de determinadas formas de investigação em ciências
sociais.

30É então necessário que a investigação científica em ciências sociais avance para além das
formas de pesquisa mais tradicionais. Abrem-se hoje caminhos sólidos para a produção de
conhecimento científico fundado noutros pressupostos e validado com base noutros critérios
entretanto legitimados pela comunidade científica. Isso acontece à medida que se ampliam
os contextos de investigação e as problemáticas sobre as quais os cientistas sociais
debruçam hoje o seu olhar.

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BIBLIOGRAFIA

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ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES

Título Síntese da Sistematização de paradigmas de investigação proposta


por Lincoln, Lynham e Guba [2011]

URL http://journals.openedition.org/ras/docannexe/image/373/img-1.png

Ficheiro image/png, 323k


s

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PARA CITAR ESTE ARTIGO

Referência do documento impresso


Pedro Manuel Patacho, «Investigar em Ciências Sociais», Revista Angolana de Sociologia,
11 | 2013, 107-119.

Referência eletrónica
Pedro Manuel Patacho, «Investigar em Ciências Sociais», Revista Angolana de Sociologia [Online],
11 | 2013, posto online no dia 09 dezembro 2013, consultado no dia 20 outubro 2021. URL:
http://journals.openedition.org/ras/373; DOI: https://doi.org/10.4000/ras.373
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ESTE ARTIGO É CITADO POR


 Santos, Filomena. (2014) Pesquisa Qualitativa: o debate em torno de algumas
questões metodológicas. Revista Angolana de Sociologia. DOI: 10.4000/ras.1058

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AUTOR

Pedro Manuel Patacho
Pedagogo. Mestre em Educação pela Universidade de Lisboa. É Professor Adjunto no Instituto
Superior de Ciências Educativas (Portugal) e membro da Comissão de Coordenação de cursos de
Mestrado em Ensino. As suas áreas de investigação são a educação e justiça social, participação
democrática nas escolas, educação e activismo social e análise de políticas
educativas. ppatacho@yahoo.com

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DIREITOS DE AUTOR

Bbbbbbbbbbbb

secção: Investigação e Ensino, Notas de Leitura a 13/11/2014 e sem comentários

Obra coordenada pelos investigadores Alberto Sá, Pedro Portela,


Luís António Santos, Luís Pereira e Sandra Marinho, todos do Centro de Estudos em
Comunicação e Sociedade (CECS) da UMinho, com prefácio de Manuel Pinto, também do CECS.

O livro “Dicas para investigar em Ciências Sociais e Humanas” nasce da experiência de cinco
investigadores do Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do
Minho – Alberto Sá, Pedro Portela, Luís António Santos, Luís Pereira, Sandra Marinho – na
elaboração das suas teses de doutoramento e aspira a ser um auxiliar de percurso para muitas
viagens individuais com objetivo semelhante.

O livro está organizado em sete grandes áreas temáticas (Interrogar, Explorar, Situar,
Descobrir, Prevenir, Viver e Personalizar) que correspondem, em traços genéricos, a outros

tantos momen ÍNDICE

Introdução ------------------------------------------------------------------------------------- 6
1. A ética ------------------------------------------------------------ 7
2. A deontologia ----------------------------------------------------------------- 9
2.1. Fontes da deontologia ------------------------------------------------------------- 11
3. A profissão e o código de ética ----------------------------------------------------- 11
3.1. A deontologia jurídica ---------------------------------------------------------------- 13
3.2 . Deontologia profissional ------------------------------------------------------ 15
4. Deveres gerais/específicos de conduta do advogado ----------------------------- 16
5. A ética profissional ------------------------------------------------------- 16
6. Deveres do advogado para com o constituinte ------------------------------ 17
6.1. Dever de zelo e diligência ---------------------------------------------------------- 19
6.2. Dever de informar o cliente --------------------------------------------------------- 20
6.3. Segredo profissional ------------------------------------------------------------------- 20
6.4. Protecção de dados ------------------------------------------------------------------- 21
6.5. Interesses contrapostos entre diferentes clientes ----------------------------- 21
6.6. Manutenção de clientes ------------------------------------------------------------ 22
6.7. Tratamento com clientes ---------------------------------------------------------- 22

6.8. Transferência de clientes --------------------------------------------------------- 23

6.9. Quando o cliente procura outro advogado ---------------------------------------- 23

7. Responsabilidade civil do advogado -------------------------------------------- 24

8- Referências bibliográficas ----------------------------------------------------------- 24

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

Al.= Alínea
Art = Artigo

C.C = código civil

CED = código de ética e deontologia

Cfr = confira

CRA= Constituição da República de Angola

EOA = Estatuto da Ordem dos Advogados

OAA = Ordem dos advogados de Angola

LEGISLAÇÃO CONSULTADA

 Constituição da República de Angola


 Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola
 Código de Ética e Deontologia Profissional

Este artigo emerge daquilo que foram as experiências do autor no território angolano, ao
longo de 3 anos, à medida que foi trabalhando com inúmeros profissionais do ensino em
todo o país. À medida que esse trabalho foi tendo lugar e que os professores se foram
envolvendo em projectos de investigação, uma determinada concepção da ciência, na longa
tradição positivista que moldou os primórdios das Ciências Sociais, manifestou-se com todo o
seu vigor. Nesse contexto, produziram-se intensos debates acerca da competição de
paradigmas na investigação científica e, em particular, das questões ontológicas,
epistemológicas e metodológicas que lhes subjazem, o que conduziu a que vários
professores rapidamente vislumbrassem outras vias de trabalho e novas problemáticas para
uma investigação umbilicalmente ligada às suas práticas profissionais quotidianas.
Defendemos neste artigo a necessidade de intensificar estes debates no contexto específico
do ensino superior em Angola como forma de fazer avançar a investigação em ciências
sociais.
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ENTRADAS NO ÍNDICE

Keywords: 
research paradigms, social sciences, qualitative research, transformative research

Palavras chaves: 
paradigmas de investigação, ciências sociais, investigação qualitativa, investigação
transformadora

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MAPA

Introdução

Paradigmas de investigação em ciências sociais

a) Aspectos ontológicos

b) Aspectos epistemológicos

c) Aspectos axiológicos e praxiológicos

d) Aspectos metodológicos

A importância da investigação qualitativa: o caso específico da sociologia da educação

A concluir

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NOTAS DA REDACÇÃO

Recebido a: 15/Abril/2013
Aceite para publicação: 18/Abril/2013

TEXTO INTEGRAL
PDF 172kAssinalar este documento
Introdução
1Este artigo emerge daquilo que foram as experiências do autor no território angolano, ao
longo de 3 anos, à medida que foi trabalhando com cada vez mais professores em todo o
país. O contacto regular com centenas de docentes e várias escolas de formação de
professores em províncias tão diversas como Cabinda, Uíge, Kwanza-Norte, Luanda,
Malange, Kwanza-Sul, Bié, Huambo, Benguela, Huíla, Namibe, Cunene, proporcionou algum
conhecimento do sistema educativo angolano e, em particular, do ensino primário e
secundário, bem como do sub-sistema da formação de professores.

2À medida que esses docentes se envolviam no desenho de projectos de investigação


educacional nas escolas, muitos deles profundamente ligados a importantes questões da
sociologia da educação, tornou-se evidente a prevalência daquilo que poderíamos designar,
seguindo a designação de Flick [2005], por processo linear de investigação. Por outras
palavras, na maior parte dos casos, um modelo de investigação de matriz hipotético-
dedutiva em que o ponto de partida são hipóteses teóricas fortemente ligadas a modelos
plasmados na literatura científica (na sua maioria oriunda das academias ocidentais), que
são operacionalizadas junto de uma determinada amostra mediante um método de inquérito
que procura medir variáreis e encontrar correlações significativas. Noutros casos, tornou-se
igualmente evidente aquilo a que Flick chamou de versão tradicional das ciências sociais
qualitativas, em que o ponto de partida do investigador, no quadro daquele modelo linear, é
igualmente o conhecimento teórico, de onde deriva “hipóteses que são operacionalizadas e
testadas face a novas condições empíricas. Aqui, os ‘objectos’ de investigação... têm o
estatuto de exemplares... [e] a expectativa do investigador é poder garantir a
representatividade dos dados e resultados obtidos...” [2005: 42]. Dito de outra forma, em
qualquer um dos casos, uma determinada concepção da ciência, na longa tradição positivista
que moldou os primórdios das ciências sociais, manifestou-se com todo o seu vigor.

3Na sua maioria, aqueles docentes revelaram uma concepção de investigação em que tanto
a teoria como o método são anteriores ao objecto de estudo que, para poder ser estudado,
tem de ser concebido de tal forma que possibilite a sua abordagem no âmbito desse modelo
linear de investigação e dos métodos por ele admitidos. Essa situação conduziu-nos a
intensos debates acerca da competição de paradigmas na investigação em ciências sociais e,
em particular, das questões ontológicas, epistemológicas e metodológicas que lhes
subjazem. Para muitos desses jovens investigadores, estes debates não colocaram em causa
as suas concepções da realidade social e dos sujeitos humanos enquanto objectos de estudo
das ciências sociais. Porém, para alguns outros, as acesas discussões em que se envolveram
constituíram verdadeiros momentos de confrontação, desconstrução e reconstrução. Uma
outra perspectiva de investigação geminava agora nas suas mentes, fortemente ligada aos
seus contextos e universos de vida. Em consequência, rapidamente vislumbram outras vias
de trabalho e novas problemáticas para uma investigação umbilicalmente ligada às suas
práticas e aos seus contextos quotidianos.

4Defendemos neste artigo a necessidade de intensificar estes debates no contexto específico


do ensino superior em Angola. Acreditamos que isso contribuiria de forma relevante para o
avanço da investigação científica em ciências sociais. Isso remete-nos para uma concepção
de formação inicial e pós-graduada em que os processos de reflexão e de investigação sobre
as práticas e contextos profissionais constitui o verdadeiro cerne da formação, entendida
como um processo de auto-supervisão em direcção a uma pedagogia para a autonomia
[Vieira, et al. 2006].

5Do nosso ponto de vista, muitos desses contextos e fenómenos específicos com que se
confrontam os profissionais no seu agir quotidiano não podem ser adequadamente estudados
no âmbito do processo linear de investigação a que nos referimos anteriormente. E isso não
acontece apenas no campo da investigação educacional, seja mais ou menos ligada a
questões sociológicas. A situação é semelhante noutros campos das ciências sociais. Assim,
argumentamos neste artigo a imperiosa necessidade de criar condições para que, para além
da investigação tradicional, possa emergir uma investigação em ciências sociais
essencialmente qualitativa e sobretudo focada nos contextos locais e nos fenómenos e
práticas quotidianas, sob a égide dos paradigmas crítico, construtivista e participativo
[Lincoln, Lynham & Guba 2011].
6Para defender o nosso argumento apresentaremos uma breve sistematização destes
paradigmas, assim como daqueles que se lhes opõem, baseada nos critérios ontológicos,
epistemológicos e metodológicos que lhes subjazem. Socorremo-nos para o efeito das
perspectivas de investigação plasmadas na última edição do já célebre Handbook of
Qualitative Research [Denzin & Lincoln 2011]. Após essa exposição, e a título de exemplo:
defendemos a importância da investigação qualitativa no domínio específico da sociologia da
educação, em virtude de ser esse o contexto do qual emerge este artigo.

Paradigmas de investigação em ciências


sociais
7Em 1994 (tradução portuguesa) escrevia Bruce Tuckman no seu Manual de Investigação
em Educação que “o processo de investigação segue o método científico, ou seja, propõe um
problema a resolver, formula uma hipótese, de forma operacional (testável) e, então, tenta
verificar esta hipótese por meio da experimentação...” [13]. Exactamente no mesmo ano,
mas na primeira edição do Handbook of Qualitative Research, Norm Denzin e Yvonna Lincoln
escreviam que o processo de investigação “significa diferentes coisas em diferentes
momentos... Em geral, trata-se uma actividade situada que coloca o [investigador] no
mundo... um conjunto de práticas interpretativas... através das quais os investigadores
procuram compreender os fenómenos no seu contexto natural, captando o seu significado do
ponto de vista dos sujeitos que neles se encontram implicados [1994: 3]. Estávamos, com
efeito, perante duas visões muito diferentes do que é (e pode ser) investigação científica.

8Estas diferentes visões são reveladoras das disputas entre paradigmas no seio da
investigação em ciências sociais. Daí que o ponto de partida para qualquer investigador deva
ser, precisamente, uma profunda reflexão acerca destes paradigmas e dos argumentos que
os suportam. A definição de um objecto de estudo e a escolha do método serão então
posteriores ao posicionamento do investigador, bem como à sua temática, no seio de um
determinado paradigma ou de uma posição paradigmática resultante da confluência de
paradigmas compatíveis entre si. Deste ponto de vista, a habitual polémica quantitativo
versus qualitativo acaba por ser uma questão estritamente metodológica de menor
importância, pois consequência natural de reflexões ontológicas e epistemológicas nas quais
o investigador se deve, forçosamente, envolver. Na perspectiva de Guba e Lincoln os
paradigmas constituem assunções básicas que representam uma visão do mundo e que
definem a própria realidade. Esses diferentes paradigmas de investigação podem ser
definidos em função das respostas que os seus defensores dão a pelo menos três questões
fundamentais: a questão ontológica, a questão epistemológica e a questão metodológica
[1994: 107-108].

9Nas décadas de 70 e 80 do século XX produziram-se intensos debates em torno daquelas


que são reconhecidas como as duas grandes abordagens na investigação em ciências sociais,
a saber: a orientação positivista/empirista e a orientação construtivista/fenomenológica.
Estas orientações estão ligadas a debates filosóficos antigos, mas é amplamente aceite que a
orientação positivista/empirista moldou fortemente as ciências sociais nos seus primórdios
[Flick 2005, Denzin & Lincoln 2011]. Nos anos 80 do século passado aprofundaram-se as
clivagens entre essas abordagens, surgindo com todo o vigor novas posturas epistemológicas
que, nalguns casos, se vieram a revelar totalmente inconciliáveis. Num artigo interessante
publicado em 1989, N.L. Gage falava de uma guerra de paradigmas para se referir ao que
designou de ataques devastadores dos anti-naturalistas, dos interpretativistas e dos tóricos
críticos. O autor colocava o olhar em 2009, 20 anos depois do momento em que escrevia o
seu artigo, procurando vislumbrar, no cenário com que se deparava, como iria evoluir a
investigação em ciências sociais. Gage sistematizou nesse artigo aquilo que considerava
serem os ataques à abordagem positivista/empirista e que aqui recuperamos de forma muito
resumida.

10A crítica anti-empirista reclamava a não existência de um método de investigação comum


a todas as áreas do conhecimento que reivindicam o estatuto científico. Esta questão
metodológica fundava-se em divisões ontológicas profundas que apontavam para visões
radicalmente opostas de conceber o objecto de estudo das ciências sociais, a relação sujeito-
objecto e a natureza do conhecimento produzido no contexto dessa relação. A crítica
interpretativa reclamava que qualquer conhecimento produzido é sempre subjectivo, já que
implica sempre a acção interpretativa de um sujeito investigador que é intrinsecamente
subjectivo. Por sua vez, a teoria crítica colocava em causa a ideia de uma suposta
neutralidade científica, de uma busca desinteressada do saber, reclamando a não existência
de tal coisa como conhecimento neutro, pois todo e qualquer conhecimento é sempre
influenciado pelos valores e interesses que estão na base da sua génese.

11Estes debates, profundamente ligados a aspectos ontológicos, epistemológicos e


metodológicos, marcariam as décadas seguintes e transformariam a investigação em
ciências sociais, orientando os investigadores, cada vez mais, para problemáticas até aí
ignoradas ou insuficientemente trabalhadas, ligadas a questões específicas, localmente
contextualizadas. A investigação qualitativa emancipava-se e definia o seus próprios critérios
de qualidade. A partir daí, e de forma permanente, a chamada investigação qualitativa
passou a ser muito mais do que uma mera colecção de métodos de recolha de dados. Muito
pelo contrário, passou a significar um modo específico de entender a realidade social e os
sujeitos humanos enquanto objectos de estudo, bem como um modo particular de entender
a relação entre o objecto de estudo e o método.

12Em 2002, num artigo ainda sintomaticamente intitulado Las disputas entre paradigmas en
la investigación educativa, Felipe Rizo, da Universidad Autónoma de Aguascalientes, no
México, comentava a forma como Guba e Lincoln [1994] sistematizaram os vários
paradigmas de investigação com base em critérios ontológicos, epistemológicos e
metodológicos, acrescentando a estes dois outros critérios, que designou de axiológicos e
praxiológicos, para propor de seguida uma sistematização alternativa. No essencial, a
reflexão de Rizo baseavam-se nos seguintes aspectos:

a) Aspectos ontológicos
13Os aspectos ontológicos, na sua perspectiva, têm que ver com a natureza do objecto de
estudo da ciência. As divergências ontológicas situam-se entre aqueles que consideram a
existência de uma diferença fundamental entre os objectos de estudo das ciências naturais e
os objectos de estudo das ciências sociais e aqueles que consideram a não existência dessa
diferença fundamental. Reflectir sobre esta questão implica ainda abarcar duas outras
questões relacionadas e que têm que ver, por um lado, com a natureza do investigador (o
sujeito que conhece) e, por outro lado, com a relação sujeito-objecto. Assim, as questões
ontológicas implicam considerar a dimensão interior dos sujeitos humanos, quer enquanto
sujeitos investigadores, quer enquanto objectos de estudo. Esta dimensão da interioridade,
as suas implicações em termos de causalidade dos fenómenos e da sua irrepetibilidade, bem
como o carácter histórico dos fenómenos humanos e sociais parecem constituir os aspectos
ontológicos essenciais.

14É no entendimento diferenciado destes aspectos que se vão distinguir as diferentes


abordagens ou paradigmas na investigação educacional, o que possibilita uma ampla gama
de variações na leitura do mundo, deste as posições positivista e pós-positivista (que tendem
a desconsiderar eventuais diferenças entre os objectos de estudo das ciências naturais e os
das ciências sociais, a considerar o investigador como neutro e meramente receptivo e uma
relação sujeito-objecto marcada pelo distanciamento entre ambos), até às posições
construtivista, crítica e participativa (que assumem uma diferença absoluta e insuperável
entre os objectos de estudo das ciências naturais e os das ciências sociais, sendo a realidade
construída pelos sujeitos e não existindo para além deles, rejeitando-se assim a busca de
objectividade e aceitando-se a coincidência entre sujeito e objecto na construção de uma
realidade que não existe para além dessa interacção).

b) Aspectos epistemológicos
15Aceitando a postura ontológica de que não existem diferenças fundamentais entre os
objectos de estudo das ciências naturais e os das ciências sociais, é razoavelmente linear
aceitar também a ideia de que não exista uma diferença fundamental entre o conhecimento
produzido e utilizado nas ciências naturais e aquele que é produzido e utilizado nas ciências
sociais. Contudo, ao introduzir-se a questão da interioridade inerentemente subjectiva dos
seres humanos, bem como a dimensão historicista, segundo a qual as configurações do
mundo humano são sempre o resultado de processos históricos de formação, o
conhecimento produzido e utilizado nas ciências sociais assume uma característica
eminentemente interpretativa. As orientações historicistas, enquanto formas diferenciadas
de abordagem aos fenómenos e aos contextos especificamente humanos, impuseram assim
a inevitabilidade de um conhecimento das ciências sociais cuja natureza só pode ser
interpretativa.

c) Aspectos axiológicos e praxiológicos


16Para além de se distinguirem em aspectos ontológicos e epistemológicos, os paradigmas
de investigação distinguem-se igualmente por elementos axiológicos, como a influencia dos
valores na investigação científica. Há muito que se compreendeu a impossibilidade de uma
ciência neutra e desnudada de valores. Contudo, trata-se de um tema acerca do qual
permanece a discussão e se assinalam diferenças de entendimento, e logo, de abordagem.
As diferenças situam-se entre posições que consideram que a influência de um determinado
quadro ou hierarquia de valores é controlável e compatível com o alcance de uma razoável
objectividade do conhecimento e posições que consideram essa influência determinante das
formas de investigar e dos resultados que se obtêm, de tal forma que tais valores devem ser
tornados explícitos no trabalho científico.

17As diferenças no que toca à posição do investigador e à sua postura ético-política são
também ponto de discussão. Por um lado, as posições mais próximas do positivismo e das
abordagens pós-positivistas entendem o papel do investigador como de soberba importância
na sociedade, em virtude das suas competências metodológicas e técnicas e do seu
entendimento sofisticado da realidade, pelo que é aos investigadores, na sua condição de
especialistas razoavelmente objectivos, que devem ser confiados os cargos de maior
responsabilidade, tal como é neles e na ciência que deve ser depositada toda a confiança na
resolução dos problemas humanos e sociais. Por outro lado, as abordagens mais afastadas
desta concepção da ciência e dos cientistas propõem uma clara subordinação dos aspectos
metodológicos e técnicos às posições éticas e políticas os investigadores, que, longe de se
conceberem como especialistas com um entendimento sofisticado e razoavelmente objectivo
da realidade, valorizam inúmeras outras formas de conhecimento que integram no seu
trabalho. Nesta perspectiva, as dimensões ideológicas não são ignoradas, assim como
também não é ignorado como o poder é constitutivo das relações sociais, pelo que as
finalidades da investigação situam-se sobretudo na transformação social.

d) Aspectos metodológicos
18As habituais designações de métodos quantitativos versus métodos qualitativos dizem
respeito, mais precisamente, a aspectos metodológicos da investigação científica. As
principais diferenças metodológicas situam-se na clarificação de três aspectos essenciais: as
técnicas e procedimentos utilizados, a relação entre teoria e prática e a definição dos
critérios de qualidade da investigação. Há, naturalmente, tipos ideais de abordagens
metodológicas que podemos designar de quantitativas e de qualitativas. As técnicas de
investigação encontram a sua coerência de utilização enquadradas numa determinada
estratégia global de investigação, a qual pode ser predominantemente quantitativa ou
predominantemente qualitativa. Mas isso dependerá, muito naturalmente, do entendimento
do objecto de estudo, da relação sujeito-objecto e da complexa relação entre a teoria e a
prática.

19Dado que cada abordagem possui características específicas, cada tradição metodológica
foi desenvolvendo critérios de qualidade particulares para a avaliação da investigação
realizada. A investigação qualitativa, ainda que muito diversificada, é hoje autónoma e criou
os seus próprios critérios de qualidade. Os estudos cuja estratégia geral de investigação
inclui tanto um enfoque quantitativo como um enfoque qualitativo aplicam naturalmente uma
dualidade de critérios específicos de cada enfoque, pois tanto a tradição quantitativa como a
tradição qualitativa têm os seus critérios específicos de qualidade.
20A tabela abaixo sintetiza a sistematização que Lincoln, Lynham e Guba [2011: 102-105]
propõem para a diversidade de paradigmas de investigação e que se baseia na anterior
sistematização de 1994 [Guba & Lincoln: 109].

Síntese da Sistematização de paradigmas de investigação proposta por Lincoln, Lynham


e Guba [2011]

Aumentar Original (png, 323k)

A importância da investigação qualitativa: o


caso específico da sociologia da educação
21Como vimos, a longa tradição positivista que moldou os primórdios das ciências sociais
impôs um modelo de investigação próximo do método experimental das ciências da
natureza. Aquilo a que Tuckman chamava, ainda em 1994, no seu Manual de Investigação
em Educação, o método científico. Por colocar a teoria e o método antes do objecto, como já
referimos anteriormente, esta perspectiva, bem como muitas abordagens pós-positivistas,
excluem à partida todos os problemas que não sejam passiveis de abordagem com os
métodos aceites no quadro desses paradigmas. Ao colocar a enfâse na construção de
hipóteses, na manipulação de variáveis, em relações de causa-efeito, esses paradigmas
restringem fortemente as possibilidades de investigação de uma ampla gama de
problemáticas intimamente ligadas, no caso da educação, ao quotidiano das escolas, dos
professores, das famílias e das comunidades. Com efeito, se toda a investigação educacional
fosse planeada em obediência ao modelo linear de investigação sob a égide dos paradigmas
positivista e pós-positivista, todos os fenómenos complexos, localmente contextualizados e
específicos teriam de ser postos de lado, uma vez tais abordagens são incapazes de captar
toda complexidade e densidade do vivido, pois apenas têm a capacidade de colocar em
evidência as dimensões que já estão contidas no modelo teórico subjacente. E isto acontece
também noutros campos das ciências sociais.

22Assim, há que considerar aquilo a que Flick chama de pluralidade dos universos de vida, o
que exige “uma nova sensibilidade para o estudo empírico das questões” dada a “acelerada
mudança social e a consequente diversidade de universos de vida” que “confrontam cada vez
mais os cientistas com novos contextos sociais e novas perspectivas” que “as metodologias
dedutivas tradicionais... fracassam” em explicar com profundidade, sendo “a investigação...
cada vez mais forçada a recorrer a estratégias indutivas”, em que “o conhecimento e a
prática são estudados na qualidade de conhecimento e prática locais”, e em que “o estudo
dos significados subjectivos e da experiência e prática quotidianas é tão fundamental como a
análise das narrativas e discursos” [2005: 2]. Nesta perspectiva, os métodos têm
forçosamente que ser abertos porque têm de se ajustar a complexidade do objecto de
estudo. Na investigação qualitativa é o objecto que determina o método e não o contrário.
Assim, os investigadores qualitativos procuram explicar os contextos e fenómenos sociais a
partir de dentro, procurando compreender como os sujeitos organizam e constroem o seu
mundo, descrevendo o que fazem de uma forma que seja significativa para os próprios,
proporcionando uma descrição densa localmente contextualizada.

23Contudo, esta questão complexifica-se ainda mais quando argumentamos a favor da


investigação qualitativa em África no domínio das ciências sociais. Num artigo recente,
Cardoso [2012] refere-se às contradições com que os intelectuais africanos estão
confrontados no seu esforço para produzir conhecimento relevante para as condições
africanas, fazendo também referência a aspectos ontológicos, epistemológicos e
metodológicos. Na perspectiva do autor, “os intelectuais africanos encontram-se muitas
vezes numa encruzilhada; os paradigmas que informam as suas crenças e pensamentos são
múltiplos e variam entre a tradição num extremo e a modernidade no outro” [p.91].

24O argumento não é novo, mas impõe-se prudência nas referências a essa dita
modernidade. Mudimbe [2013], a quem o autor se refere ao longo do seu artigo, sinalizava
já de forma brilhante, no seu clássico A Invenção de África, publicado pela primeira vez em
1988, como durante muito tempo os intelectuais africanos permaneceram violentamente
domesticados, intelectualmente falando, preocupando-se sobretudo com as questões de
evolução moral em direcção a uma modernidade imitativa sob o domínio de uma ordem
discursiva que, ainda que não se apercebessem, lhes era imposta como aquela que deveriam
seguir. Com efeito, seria necessário repensar essa modernidade, ou seja, como
acertadamente nos lembra Hountondji [2012], as possibilidades de articulação entre os
saberes e práticas endógenos e os saberes e práticas ditos modernos (exógenos), a favor de
uma nova epistemologia, a saber, uma nova produção científica orientada para a
compreensão profunda, multifacetada e densa dos fenómenos sociais totais, de onde possam
resultar benefícios duradouros e solidamente fundados para as instituições e para a
sociedades africanas.

25Dito de outra forma e invocando aqui o lúcido pensamento do camaronês Jean-Marc Ela
[1994], seria necessário pensar África e as sociedades africanas para além do Africanismo.
No plano metodológico, a proposta de Ela é simples e articula-se plenamente com os
argumentos que vimos defendendo no nosso texto. Na perspectiva do ilustre teólogo e
sociólogo camaronês, impunha-se o abandono dos cânones da “monarquia” Positivista que
durante tanto tempo moldou o olhar dos cientistas sociais africanos. Impunha-se um olhar
renovado e localmente contextualizado sobre o quotidiano sob a égide de novos paradigmas
que abrissem o campo e reclamassem uma pluralidade metodológica capaz de captar a
complexidade e a densidade do vivido. É tempo, enfim, de abordar as questões de fundo
submetendo as problemáticas sociais à prova, numa “sociedade da qual é preciso
compreender as estruturas e as lógicas, as atitudes e os comportamentos, os mitos, os
sonhos e os fantasmas, as contradições e os conflitos, as explosões e as violências, os
actores e as estratégias. Precisamos de nos concentrar fortemente no real e no imaginário,
no oficial e no oficioso, no banal e no quotidiano” [p.97].

26No entanto, a partir deste pensamento não podemos inferir que os investigadores
africanos devem empenhar-se na criação de uma epistemologia radicalmente nova a partir
da sua alteridade. Seria uma insanidade reprovar a tradição ocidental apenas pela sua
herança ocidental [Mudimbe 2013]. Impõe-se, contudo, a necessidade daquilo a que o
insigne filósofo congolês chamou de vigilância epistemológica, a saber, uma preocupação
com os paradigmas de investigação e com a análise das dimensões políticas do
conhecimento, bem como dos procedimentos para instituir novas perspectivas teóricas e
práticas nas ciências sociais e, no caso em apreço, nas ciências da educação. Uma vigilância
que, longe de reforçar os paradigmas dominantes, questione intensamente o seu significado,
interrogando a sua credibilidade para os contextos educativos africanos e desafiando a escala
avaliativa tanto desses processos científicos de investigação como dos pressupostos
ideológicos que lhes subjazem.

27Podemos concretizar aqui esta preocupação do autor, socorrendo-nos do exemplo


daqueles poucos professores de que falámos inicialmente, para concebê-los como
intelectuais orgânicos [Gramsci, 1991] ao serviço da transformação social pela edificação de
práticas educativas democráticas [Patacho, 2011] relevantes para as condições
especificamente africanas e, em particular, angolanas, que sejam fundadas na investigação
sobre os contextos e práticas educativas das instituições e comunidades em que trabalham e
com que colaboram quotidianamente, sob a égide de paradigmas críticos, construtivistas e
participativos. Esta será uma investigação social transformadora.

28Deste ponto de vista, os professores e demais investigadores podem concentrar a sua


atenção na realidade das escolas, nos seus actores e nas comunidades locais, para daí
extraírem uma compreenssão multifacetada e densa dos contextos e fenómenos sociais e
educativos que devem ser entendidos como fenómenos sociais totais. Os professores, por
exemplo, podem analisar com profundidade as experiências dos indivíduos e dos grupos
sociais com que trabalham, compreendendo as suas vidas, o seu quotidiano, as suas
expectativas, as suas histórias e as implicações destas para as suas práticas educativas.
Podem analisar com profundidade as interacções e comunicações que se produzem nos
contextos educativos para perceberem o que está em jogo na negociação do quotidiano das
escolas. Numa única expressão, como acertadamente nos avisou Stenhouse [1987], para
transformar substancialmente o ensino podem fazer das práticas e vidas docentes locais de
investigação. Longe de uma racionalidade técnica da educação, dominada pelo fetiche do
método [Bartolomé, 2007], este professor-investigador tem a capacidade de construir a
transformação do seu quotidiano escolar, consciente da sua responsabilidade ética, cívica e
política para com a construção social da educação democrática [Patacho, 2011] na qual a
investigação tem um papel insubstituível.

A concluir
29O advento das ciências sociais foi fortemente condicionado pela racionalidade científica das
ciências experimentais. Consequentemente, a investigação científica em ciências sociais
permaneceu durante muito tempo – demasiado – amarrada ao jugo positivista. Ao mesmo
tempo, é frequente a ausência de discussões ontológicas e epistemológicas profundas de
onde resultem planos de pesquisa coerentes com posições paradigmáticas claras. O
resultado tem sido a proeminência de determinadas formas de investigação em ciências
sociais.

30É então necessário que a investigação científica em ciências sociais avance para além das
formas de pesquisa mais tradicionais. Abrem-se hoje caminhos sólidos para a produção de
conhecimento científico fundado noutros pressupostos e validado com base noutros critérios
entretanto legitimados pela comunidade científica. Isso acontece à medida que se ampliam
os contextos de investigação e as problemáticas sobre as quais os cientistas sociais
debruçam hoje o seu olhar.

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BIBLIOGRAFIA

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bibliográficas por Bilbo, a ferramenta de anotação bibliográfica do OpenEdition.
Os utilizadores das instituições que subscrevem um dos programas Freemium do
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um DOI.

BARTOLOMÉ, Lilia, 2007: Pedagogia da Subordinação, Mangualde: Edições Pedago

CARDOSO, Carlos, 2012: “Globalização, produção de conhecimentos e formação de


intelectuais: Lições e perspectivas”, Mulemba – Revista Angolana de Ciências Sociais,
Vol.2(4), pp.89-110

DENZIN, Norman & LINCOLN, Yvonna (Org.), 2011: Handbook of Qualitative Research, (4th
Ed.), Thousand Oaks: Sage Publications

DENZIN, Norman & LINCOLN, Yvonna, 1994: “Introduction: The Discipline and Practice of
Qualitative Research” in: N. Denzin & Y. Lincoln, (Orgs.), Handbook of Qualitative Research,
Thousand Oaks: Sage Publications, pp.1-29

ELA, Jean-Marc, 1994: Restituer l’histoire aux sociétés africaines. Promouvoir les sciences
sociales en Afrique Noire. Paris: L’Harmattan. Tradução em língua portuguesa também
disponível

ELA, Jean-Marc, 2013: Restituir a História às Sociedades Africanas. Promover as ciências


sociais na África negra. Luanda / Mangualde: Edições Mulemba / Edições Pedago

FLICK, Uwe, 2005: Métodos Qualitativos na Investigação Científica, Lisboa: Monitor

GAGE, Nathaniel L., 1989: “The Paradigm Wars and Their Aftermath: A “Historical” Sketch of
Research on Teaching since 1989”, Educational Researcher, Vol. 18(7) (Oct., 1989), pp.4-10
DOI : 10.2307/1177163

GRAMSCI, Antonio, 1991: Selections from the prison notebooks, New York: International
Publishers

GUBA, Egon & LINCOLN, Yvonna, 1994: “Competing Paradigms in Qualitative Research”, in:
N. Denzin & Y. Lincoln, (Orgs.), Handbook of Qualitative Research, Thousand Oaks: Sage
Publications, pp.105-117

HOUNTONDJI, Paulin. (Org.), 2012: O Antigo e o Moderno. A produção do saber na África


contemporânea, Lisboa/Luanda: Edições Pedago/Edições Mulemba

LINCOLN, Yvonna; LYNHAM, Susane & GUBA, Egon, 2011: “Paradigmatic Controversies,
Contradictions, and Emerging Confluences, Revisited”, in: N. Denzin & Y. Lincoln
(Orgs.) Handbook of Qualitative Research, (4th Ed.), Thousand Oaks: Sage Publications,
pp.97-128

MUDIMBE, V. Y., 2013: A Invenção de África. Gnose, Filosofia e a Ordem do Conhecimento,


Luanda/Mangualde: Edições Mulemba / Edições Pedago
PATACHO, Pedro Manuel, 2011: “Práticas Educativas Democráticas”, Educação & Sociedade,
Vol. 32(114), pp.39-52
DOI : 10.1590/S0101-73302011000100003

RIZO, Felipe M., 2002: “Las disputas entre paradigmas en la investigación


educativa”, Revista Espanola de Pedagogía, LX, Nº221, pp.27-50

STENHOUSE, Lawrence, 1987: Investigación y desarrollo del curriculum, Madrid: Ediciones


Morata

TUCKMAN, Bruce, 1994: Manual de Investigação em Educação, Lisboa: Fundação Calouste


Gulbenkian

VIEIRA, Flávia, et. al., 2006: No Caleidoscópio da Supervisão: Imagens da formação e da


pedagogia, Mangualde: Edições Pedago

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ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES

Título Síntese da Sistematização de paradigmas de investigação proposta


por Lincoln, Lynham e Guba [2011]

URL http://journals.openedition.org/ras/docannexe/image/373/img-1.png

Ficheiro image/png, 323k


s

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PARA CITAR ESTE ARTIGO

Referência do documento impresso


Pedro Manuel Patacho, «Investigar em Ciências Sociais», Revista Angolana de Sociologia,
11 | 2013, 107-119.

Referência eletrónica
Pedro Manuel Patacho, «Investigar em Ciências Sociais», Revista Angolana de Sociologia [Online],
11 | 2013, posto online no dia 09 dezembro 2013, consultado no dia 20 outubro 2021. URL:
http://journals.openedition.org/ras/373; DOI: https://doi.org/10.4000/ras.373
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ESTE ARTIGO É CITADO POR


 Santos, Filomena. (2014) Pesquisa Qualitativa: o debate em torno de algumas
questões metodológicas. Revista Angolana de Sociologia. DOI: 10.4000/ras.1058

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AUTOR

Pedro Manuel Patacho
Pedagogo. Mestre em Educação pela Universidade de Lisboa. É Professor Adjunto no Instituto
Superior de Ciências Educativas (Portugal) e membro da Comissão de Coordenação de cursos de
Mestrado em Ensino. As suas áreas de investigação são a educação e justiça social, participação
democrática nas escolas, educação e activismo social e análise de políticas
educativas. ppatacho@yahoo.com

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DIREITOS DE AUTOR

Bbbbbbbbbbbb

secção: Investigação e Ensino, Notas de Leitura a 13/11/2014 e sem comentários

Obra coordenada pelos investigadores Alberto Sá, Pedro Portela,


Luís António Santos, Luís Pereira e Sandra Marinho, todos do Centro de Estudos em
Comunicação e Sociedade (CECS) da UMinho, com prefácio de Manuel Pinto, também do CECS.

O livro “Dicas para investigar em Ciências Sociais e Humanas” nasce da experiência de cinco
investigadores do Centro de Estudos em Comunicação e Sociedade (CECS) da Universidade do
Minho – Alberto Sá, Pedro Portela, Luís António Santos, Luís Pereira, Sandra Marinho – na
elaboração das suas teses de doutoramento e aspira a ser um auxiliar de percurso para muitas
viagens individuais com objetivo semelhante.

O livro está organizado em sete grandes áreas temáticas (Interrogar, Explorar, Situar,
Descobrir, Prevenir, Viver e Personalizar) que correspondem, em traços genéricos, a outros
tantos momentos do processo de investigação. Partindo de um conceito próximo do de uma
caixa de ferramentas, há aqui, naturalmente, o apelo a um uso muito funcional das sugestões.
A escrita é o mais concisa possível, tentando aproximar-se do estilo adotado numa curta
mensagem de texto (no Twitter, por exemplo) e recorrendo ainda ao uso de palavras-chave
(tags) para agilizar eventuais pesquisas.

 
O prefácio foi escrito por Manuel Pinto, investigador do CECS e coordenador da linha de
investigação de Média e Jornalismo:

O doutoramento constitui um momento importante da carreira académica ou, simplesmente, do


percurso de estudo e de investigação de quem pretende aprofundar e criar conhecimentos num
domínio do saber. Outrora era frequente ser o ponto culminante de uma vida dedicada à
investigação. Hoje, cada vez mais, constitui o requisito para receber carta de alforria na
investigação autónoma e na orientação de novos investigadores. É por isso que claudicar na
exigência e no rigor, num processo de doutoramento, equivale a comprometer a qualidade da
vida académica e do contributo que os doutores novos poderão dar na sociedade. Tudo aquilo
que possa, assim, concorrer para que a empresa do doutoramento possa ser levada a bom
porto, permitindo atingir os seus objetivos sem deixar excessivos estragos, deve ser saudado e
bem acolhido. É o caso deste trabalho que, em boa hora, um grupo de cinco colegas do CECS
decidiu elaborar e publicar. Ele destaca-se, na sua simplicidade e despretensiosismo, por entrar
naquilo que, algo pomposamente, poderíamos designar pelo “território do não-dito”.

Há quem produza um “vademecum” ou procure compendiar questões e respostas para desafios


do género “tudo aquilo que sempre quis perguntar, mas não teve coragem ou não sabia a
quem”. Aqui não é esse, ou não é bem esse, o objetivo. Trata-se sobretudo de dicas,
apontamentos ou de “vitaminas” para atravessar esse “não-lugar” e esse “não-tempo” que é a
preparação da tese de doutoramento. Aparentemente mais fragmentário e mais volátil, tem, no
entanto, o condão de se aproximar da mais da vida, sobretudo daquelas dimensões e
vicissitudes que normalmente não vêm em nenhum vademecum e, muito menos, em nenhum
dos muitos manuais de investigação.

Ao adotar a perspetiva vivencial, os autores falam de experiência feita, a qual está, de resto,
ainda fresca. E é enquanto está fresca que mais importa partilhá-la, como é bom de ver. Esse
vivido comporta dimensões várias, nomeadamente afetivas, emocionais, relacionais, cognitivas,
institucionais. Um trabalho como o presente não se propõe ser certamente um conselheiro
psicológico. Não será, todavia, despropositado acentuar, num contexto destes, que um dos
requisitos para fazer face ao doutoramento é gostar do que se estuda (ainda que o gosto possa
nascer também durante o processo). Isto pressupõe alguma ponderação e tempo dedicado à
escolha do problema a estudar, bem como avaliar se estão reunidas as condições básicas para
esta aventura que tem sempre uma parte de “travessia do deserto”.

Vale a pena, na medida em que isso for possível, conciliar as ‘dicas’ deste livro com aquelas
que podem advir do encontro face a face com quem faz a mesma viagem. Não há muitos anos,
uma colega, que muito admiro, criou uma espécie de grupo de “doutorandos anónimos” que
partilhava ao vivo as suas experiências, com as descobertas, interrogações e ansiedades a elas
associadas. Este trabalho vai na mesma direção e é dele complemento.

E na sua simplicidade é fiel àquele lema do médico e filósofo renascentista bracarense,


Francisco Sanches, para quem “o verdadeiro caminho do conhecimento reside em examinar as
próprias coisas” (resipsas examinare – verus est sciendi modus). Ao questionar os princípios
escolásticos e a ideia de uma ciência feita, abria terreno ao exame das “próprias coisas”, ou
seja, aquilo que apreendemos pela observação e pela experiência. Questionar o óbvio e o
naturalizado e evidenciar o que há de construído e de provisório no processo de elaboração do
conhecimento é um modo de “desdramatizar” e desmitificar não só o conhecimento, mas o
processo individual e social da sua construção. E, por maioria de razão, do doutoramento.

Os autores destas ‘dicas’ deixaram, propositadamente, a sua obra inacabada. Na verdade ela
nunca estará terminada, porque infindas e irrepetíveis são as experiências dos doutorandos.
Mas foram mais longe e desafiam-nos a todos a completá-la reservando um espaço para
continuar a escrita. Convidam-nos, assim, a ser participantes, e não apenas leitores
interessados. Sugerindo já um contributo nesse sentido, deixo uma sugestão: sendo a relação
entre doutorando e orientador(es) parte integrante do processo de doutoramento, e uma vez
que tal relação é normalmente um dos vetores da experiência de investigação e de escrita, que
“vitaminas” propor aos orientadores? E estes? Não deveriam escrever as suas próprias ‘dicas’,
como aqui fazem os doutorandos?

Sobre o Autor
Bruno Duarte Eiras

Bbbbbbbbbbb

Por que fazer Ciências Sociais?


Ciências sociais ou também chamado de sociologia é um ramo da ciência que se preocupa em
estudar as relações sociais nas suas dimensões econômica, política, social e cultural.

Sua área de abrangência está no setor público e privado. Na área pública pode ser em
assessoria de prefeituras, vereadores, deputados, organizações não governamentais, bem
como atuar em sala de aula como professor de sociologia e filosofia. No poder privado pode ser
desde a administração de empresas como também nos setores de recursos humanos e
consultoria.

É o curso do momento! O mundo de hoje exige pessoas capacitadas com visão geral e
completa do todo. E o cientista social engloba todas estas qualidades. Boa parte dos
aprovados nos últimos concursos públicos são advindos das ciências sociais.

O mercado de trabalho exige pessoas motivadas, com boa capacidade de comunicação, tal
como é o cientista social

Portanto, não perca esta oportunidade e venha conhecer o Curso de Ciências Sociais da UnC
Canoinhas.

Visitem nosso blog: cacsunc.wordpress.com

E-mail: cacsunc@gmail.com
E-mail: cienciassociais@cni.unc.br
Twitter: @cacsunc

“Participe, critique e opine, só não fique indiferent

tos do processo de investigação. Partindo de um conceito próximo do de uma caixa de


ferramentas, há aqui, naturalmente, o apelo a um uso muito funcional das sugestões. A escrita
é o mais concisa possível, tentando aproximar-se do estilo adotado numa curta mensagem de
texto (no Twitter, por exemplo) e recorrendo ainda ao uso de palavras-chave (tags) para
agilizar eventuais pesquisas.
 

O prefácio foi escrito por Manuel Pinto, investigador do CECS e coordenador da linha de
investigação de Média e Jornalismo:

O doutoramento constitui um momento importante da carreira académica ou, simplesmente, do


percurso de estudo e de investigação de quem pretende aprofundar e criar conhecimentos num
domínio do saber. Outrora era frequente ser o ponto culminante de uma vida dedicada à
investigação. Hoje, cada vez mais, constitui o requisito para receber carta de alforria na
investigação autónoma e na orientação de novos investigadores. É por isso que claudicar na
exigência e no rigor, num processo de doutoramento, equivale a comprometer a qualidade da
vida académica e do contributo que os doutores novos poderão dar na sociedade. Tudo aquilo
que possa, assim, concorrer para que a empresa do doutoramento possa ser levada a bom
porto, permitindo atingir os seus objetivos sem deixar excessivos estragos, deve ser saudado e
bem acolhido. É o caso deste trabalho que, em boa hora, um grupo de cinco colegas do CECS
decidiu elaborar e publicar. Ele destaca-se, na sua simplicidade e despretensiosismo, por entrar
naquilo que, algo pomposamente, poderíamos designar pelo “território do não-dito”.

Há quem produza um “vademecum” ou procure compendiar questões e respostas para desafios


do género “tudo aquilo que sempre quis perguntar, mas não teve coragem ou não sabia a
quem”. Aqui não é esse, ou não é bem esse, o objetivo. Trata-se sobretudo de dicas,
apontamentos ou de “vitaminas” para atravessar esse “não-lugar” e esse “não-tempo” que é a
preparação da tese de doutoramento. Aparentemente mais fragmentário e mais volátil, tem, no
entanto, o condão de se aproximar da mais da vida, sobretudo daquelas dimensões e
vicissitudes que normalmente não vêm em nenhum vademecum e, muito menos, em nenhum
dos muitos manuais de investigação.

Ao adotar a perspetiva vivencial, os autores falam de experiência feita, a qual está, de resto,
ainda fresca. E é enquanto está fresca que mais importa partilhá-la, como é bom de ver. Esse
vivido comporta dimensões várias, nomeadamente afetivas, emocionais, relacionais, cognitivas,
institucionais. Um trabalho como o presente não se propõe ser certamente um conselheiro
psicológico. Não será, todavia, despropositado acentuar, num contexto destes, que um dos
requisitos para fazer face ao doutoramento é gostar do que se estuda (ainda que o gosto possa
nascer também durante o processo). Isto pressupõe alguma ponderação e tempo dedicado à
escolha do problema a estudar, bem como avaliar se estão reunidas as condições básicas para
esta aventura que tem sempre uma parte de “travessia do deserto”.

Vale a pena, na medida em que isso for possível, conciliar as ‘dicas’ deste livro com aquelas
que podem advir do encontro face a face com quem faz a mesma viagem. Não há muitos anos,
uma colega, que muito admiro, criou uma espécie de grupo de “doutorandos anónimos” que
partilhava ao vivo as suas experiências, com as descobertas, interrogações e ansiedades a elas
associadas. Este trabalho vai na mesma direção e é dele complemento.

E na sua simplicidade é fiel àquele lema do médico e filósofo renascentista bracarense,


Francisco Sanches, para quem “o verdadeiro caminho do conhecimento reside em examinar as
próprias coisas” (resipsas examinare – verus est sciendi modus). Ao questionar os princípios
escolásticos e a ideia de uma ciência feita, abria terreno ao exame das “próprias coisas”, ou
seja, aquilo que apreendemos pela observação e pela experiência. Questionar o óbvio e o
naturalizado e evidenciar o que há de construído e de provisório no processo de elaboração do
conhecimento é um modo de “desdramatizar” e desmitificar não só o conhecimento, mas o
processo individual e social da sua construção. E, por maioria de razão, do doutoramento.

Os autores destas ‘dicas’ deixaram, propositadamente, a sua obra inacabada. Na verdade ela
nunca estará terminada, porque infindas e irrepetíveis são as experiências dos doutorandos.
Mas foram mais longe e desafiam-nos a todos a completá-la reservando um espaço para
continuar a escrita. Convidam-nos, assim, a ser participantes, e não apenas leitores
interessados. Sugerindo já um contributo nesse sentido, deixo uma sugestão: sendo a relação
entre doutorando e orientador(es) parte integrante do processo de doutoramento, e uma vez
que tal relação é normalmente um dos vetores da experiência de investigação e de escrita, que
“vitaminas” propor aos orientadores? E estes? Não deveriam escrever as suas próprias ‘dicas’,
como aqui fazem os doutorandos?

Sobre o Autor
Bruno Duarte Eiras

Bbbbbbbbbbb

Por que fazer Ciências Sociais?


Ciências sociais ou também chamado de sociologia é um ramo da ciência que se preocupa em
estudar as relações sociais nas suas dimensões econômica, política, social e cultural.

Sua área de abrangência está no setor público e privado. Na área pública pode ser em
assessoria de prefeituras, vereadores, deputados, organizações não governamentais, bem
como atuar em sala de aula como professor de sociologia e filosofia. No poder privado pode ser
desde a administração de empresas como também nos setores de recursos humanos e
consultoria.

É o curso do momento! O mundo de hoje exige pessoas capacitadas com visão geral e
completa do todo. E o cientista social engloba todas estas qualidades. Boa parte dos
aprovados nos últimos concursos públicos são advindos das ciências sociais.

O mercado de trabalho exige pessoas motivadas, com boa capacidade de comunicação, tal
como é o cientista social

Portanto, não perca esta oportunidade e venha conhecer o Curso de Ciências Sociais da UnC
Canoinhas.

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E-mail: cienciassociais@cni.unc.br
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“Participe, critique e opine, só não fique indiferent

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