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1. INTRODUÇÃO.
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Especialista em Filosofia (2006) pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal de Minas Gerais, Mestre em Direito (2009) pela Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais. Advogado, Funcionário Público e Professor de Direito da Faculdade Batista
de Minas Gerais.
da realidade jurídica), o sentido pragmático da conduta do indivíduo se restringiria à
experiência técnica?
Ora, se se entende por “pragmático”3 aquilo que é próprio da ação (ou da conduta)
do indivíduo, ação que é concretizada de acordo com um plano razoavelmente
executável no afã de alcançar resultados mensuráveis e profícuos, seria comum
supor que os investigadores analisem a totalidade das atividades técnico-jurídicas
(legislativa, processual, etc.) como a principal experiência da dimensão pragmática
do direito.
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De fato, a partir de sua etiologia, pode-se sugerir que a expressão “técnica” signifique o saber-fazer
algo, ou seja, o deter a capacidade de executar com precisão determinadas tarefas cujos resultados
são úteis.
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A expressão “pragmático” é uma derivação da palavra grega “pragma” que, de acordo com a
tradição que tem em Charles Pearce (1839 – 1914) e William James (1842 – 1910) seus Fouding
Fathers, significa “ação” e, enquanto tal, a conduta finalística e proveitosa que o agente efetua, sejam
quais forem os fins e sejam quais forem os proveitos que o agente estipula para si.
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No presente trabalho as convencionais e tradicionais distinções entre ética e moral não serão
adotadas em absoluto. Para todos os efeitos, moral e ética (e os adjetivos derivados das respectivas
expressões) serão considerados termos sinônimos e, assim, se referirão à realidade valorativa, à
ordem concreta do certo e do errado, enfim, à experiência do bem e do mal que abrange ao todo da
existência humana. Além do mais, ao se falar em valores, ter-se-á em vista valores morais ou valores
A realidade pragmática do direito não se reduz ao exercício de atividades
especializadas ou atividade técnico-jurídicas. Para bem compreender a realidade
jurídica, é necessário compreender que toda experiência jurídica está imbuída de
eticidade, isto é, que toda experiência jurídica é constituída de um sentido ético-
pragmático5.
Se bem que a experiência ética não se restringe a apenas a realidade jurídica: pode-
se pensar na concretude da eticidade nas atividades científicas, nas atividades
econômicas, nas atividades políticas, nas atividades religiosas, nas atividades
artísticas, entre outras. Portanto, para tentar demonstrar a eticidade da realidade
pragmática do direito será necessário, antes de tudo, demonstrar que toda e
qualquer atuação do indivíduo é constituída também por um sentido ético – que toda
a experiência pragmática do humano é moral ou imoral.
É natural que se pergunte: que é a ética? Ou, de modo mais, preciso, qual é o
significado pragmático da ética? Ou seja, há algum sentido em se afirmar que a ética
é pragmaticamente concretizada? Assim, o presente trabalho acadêmico pretende
oferecer mais do que uma análise relativa à eticidade presente em toda a realidade
jurídica; antes, tem como objetivo demonstrar que a eticidade perpassa a toda a
experiência da ação individual.
Para tentar executar uma análise pragmática da ética seria natural escolher um
entre os autores norte-americanos, pais do método pragmático. No entanto, houve
europeus que tiveram um papel relevante na proposição de uma perspectiva
éticos.
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Pode-se dizer também: a realidade pragmática do direito não é constituída apenas por valores de
matriz utilitária, mas de valores de cunho moral ou ético.
analítico-pragmática, influenciando, inclusive, a escola filosófica norte-americana. A
obra do filósofo Ludwig Wittgenstein (1889 – 1951) oferece uma curiosa contribuição
à compreensão dos caminhos abertos pela filosofia contemporânea e pela tradição
pragmaticista.
Segundo Charles Peirce, o pragmatismo pode ser entendido como uma máxima
para o agir científico e, assim, para a obtenção do conhecimento:
Se bem que é verdade identificar uma “atitude pragmaticista”, pode-se afirmar por
consequência uma perspectiva também pragmaticista, perspectiva essa constituída
por pressupostos empiristas, naturalistas e anti-metafísicas presentes na concepção
pragmática de método de investigação6. Como se argumentará a seguir, Ludwig
Wittgenstein adota uma atitude e assim uma perspectiva pragmaticista ao fazer uma
análise da ética.
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Embora o próprio Charles Peirce se declarasse um realista há filósofos contemporâneos que se
opõe ao realismo “clássico” de Peirce, como é o caso de Richard Rorty (1931 – 2007).
3. A LINGUAGEM SEGUNDO WITTGENSTEIN.
Mas, alguém poderia indagar, como é possível que a linguagem permitiria ao sujeito
conhecer? Wittgenstein entendia que cognoscibilidade ensejada pela linguagem
seria baseada na existência de um vínculo lógico (ou uma relação de necessidade,
ou uma ligação essencial) entre a estrutura da linguagem em geral e a realidade,
qual seja, a representatividade ou a capacidade da linguagem representar o que há.
Essa representatividade seria inerente à linguagem, independente de quem a
praticasse e quando a praticasse. Assim, o conhecimento se aperfeiçoaria na
medida em que o sujeito se apropriasse de uma linguagem mais adequada ao real
(ou de representações linguísticas mais próximas à estrutura do real).
Em 1929 Wittgenstein apresentou uma Lecture na qual propôs tratar da ética e o fez
a partir da análise da experiência da linguagem (e, em última análise, da linguagem
que pretende abranger a experiência ética). O filósofo vienense inicia seu texto com
a afirmativa de que, embora a noção de ética se refira ao estudo de valores –
valores de caráter essencial (ou “valores absolutos”), a linguagem não seria capaz
de significar tais noções, isto é, significar noções de valores universais (ou bens
universais) – ou: não faria sentido falar em valores universais.
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Ou “místico” segundo especialistas na obra de Wittgenstein. Em todo o caso, o tratamento da ética
na primeira fase do pensamento do filósofo de Viena não é objeto deste trabalho. Vide PINTO, 1997,
Loyola.
a cognição em seu modo de ser completo, à guisa do raciocínio – H. Arendt dizia
que o pensamento é o diálogo silencioso do homem consigo mesmo), uma vez que
a linguagem não fosse capaz de propiciar a compreensão do que seria um ou mais
valores (universais), a linguagem também teria restrições em propiciar a
compreensão do que seria a ética (de acordo com a noção “essencialista”). Como,
então, alguém poderia tentar a experiência ética dos indivíduos, visto que é inegável
que os indivíduos vivenciem uma tal experiência? Isto é, qual seria o único sentido
plausível para se compreender a ética?
“Now instead of saying ‘Ethics is the enquiry into what is good’ I could have
said Ethics is the enquiry into what is valuable, or, into what is really
important, or I could have said Ethics is the enquiry into the meaning of life, or
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Observe-se que Wittgenstein não utiliza esse adjetivo (“pragmático”) em momento algum de seu
texto; em todo o caso, o filósofo vienense pretende se referir à dimensão do comportamento,
pretende se referir à experiência ativa, enfim, pretende se referir à facticidade do comportamento do
indivíduo.
into what makes life worth living, or into the right way of living. I believe if you
look at all these phrases you will get a rough idea as to what is that Ethics is
concerned with”. (WITTGENSTEIN, 1929, Galilean Library)
Além do mais, Wittgenstein afirma que o que é válido (ou o que é digno para
realizar) é, ao mesmo tempo, um motivo para o agir; por outro lado, o agir também é
um evento que influencia a construção do que vem a se tornar válido. Essa interação
se faz ao longo da marcha histórica tanto dos indivíduos quanto da comunidade que
aqueles compõem.
Essa abertura para a (ou melhor, esse modo de ser da) experiência histórica em
relação à vida humana e ao seu instrumental linguístico dá ensejo à compreensão
de que a totalidade das vivências está articulada com a casualidade (ou com a
experiência da casualidade, como a experiência daquilo que não é necessário).
Decerto, aludindo ainda à obra de sua primeira fase, Tractatus Logicu-Philosophicus,
Wittgenstein sustentava que o mundo é a totalidade dos fatos, fatos esses que são
sempre casuais (ou não-necessários – é dizer, eventos que ocorrem mas que
poderiam não ter ocorrido). Portanto, Wittgenstein pôde concluir que as ações
efetuadas em busca de escopos (isto é, ações éticas), em toda a sua dimensão
também seriam casuais. Tanto a estipulação de uma meta comportamental quanto o
efetuá-la estariam sujeitos à medidas de casualidade presentes a toda experiência
histórica.
Nesse sentido, Wittgenstein propôs em sua Lecture que o valor estaria ligado à
medida de sucesso vivenciada pelo indivíduo, isto é, o bem estaria posto na
capacidade de certas ações alcançarem finalidades escolhidas pelos agentes, na
escolha dos meios comportamentais mais adequados para a efetivação das metas
perseguidas9. No entanto, se se levar a argumentação até ultimas consequências,
Wittgenstein certamente redundaria em um subjetivismo e em um solipsismo
indesejados (perspectivas deixadas de lado em virtude de sua crítica “pragmática”
às suas concepções iniciais).
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Essa inferência de Wittgenstein se aproxima das lições de William James a respeito do que este
sustentava significar o valor de verdade. Vide JAMES, 1982, Abril Cultural.
Na verdade, as metas almejadas pelos agentes seriam justificadas desde de que
pudessem ser razoavelmente aceitas pelos demais (ou por um número significativo)
de membros da comunidade; com isso, Wittgenstein afirma mais uma vez
dependência da linguagem e da linguagem utilizada na experiência ética à interação
dos indivíduos em suas vivências histórico-intersubjetivas.
No entanto, não se pode negar que muitos indivíduos sustentam que os valores
vinculam a todos. Filósofos, ministros religiosos, juristas, militares, médicos, donas
de casa, poetas, etc, enfim muitos indivíduos entendem e agem como se
determinados valores fossem absolutos. Como tratar, pois, as pretensões à
universalidade dos valores e, assim, as pretensões de universalidade de
determinados comportamentos éticos? Segundo Wittgenstein, as tentativas de
atribuição de predicados universais a certos modos de ser ético seriam o resultado
de uma compreensão descurada do funcionamento da linguagem e, em última
análise, uma compreensão inadequada da própria experiência ética. Quando
submetidas a uma análise “pragmática”, os indivíduos se limitariam a compreender
as vivências éticas enquanto ações finalísticas ou teleológicas.
“For all I wanted to do with them was just to go beyond the world and that is to
say beyond significant language”. (WITTGENSTEIN, 1929, Galilean Library)
O filósofo vienense entende que, mesmo que as vivências de caráter ético, estético
e religioso pudessem ser compreendidas enquanto complexas experiências místico-
intuitivas, elas poderiam ser adequadamente compreendidas por meio de uma
análise pragmática dos usos das expressões linguísticas (expressões e juízos de
natureza ética, estética e religiosa) em discussão. Essa análise implicaria na
demonstração dos limites linguísticos (nos limites do que é dizível) e, portanto, dos
limites práticos do que significa agir de maneira ética, estética e religiosa:
“My whole tendency is, I believe, the tendency of all men who ever tried to
write or talk about Ethics or Religion was to run against the boundaries of
language”. (WITTGENSTEIN, 1929, Galilean Library)
5. CONSEQUÊNCIAS.
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Aspirações intersubjetivas estipuladas a partir de consensos formados ao longo de uma dada
tradição cultural, se bem que se afastam do pragmatismo (e não da análise da linguagem) já que
sustentam uma instância a amparar aqueles consensos de modo que funcione como um fundamento
a uma série de caracteres ético-naturais.
maneira que os indivíduos possam agir de determinados modos que lhes sejam
mais satisfatórios, que lhes sejam mais razoáveis, enfim, que lhes sejam
convenientes)
Assim, em segundo lugar, pode-se concluir que a análise que faz Wittgenstein
resulta em um reducionismo visto que reduz o sentido ético da ação a uma espécie
de sentido finalístico ou teleológico do ação. Quando alguém pronuncia um juízo
moral ou pronuncia uma prescrição não pretende apenas que determinada situação
venha a ser concretizada por meio de certas ações, mas que essas mesmas ações
se concretizem por si mesmas (já que essas ações são desejadas em si porquanto
são portadoras de um sentido de aceitabilidade e de exigibilidade; enfim, porquanto
são moralmente exigíveis)
O fato de alguém se apresentar e agir como um profissional exige, enquanto tal, que
esse alguém se recorde que ele “professa” um conjunto de padrões de correção
pertinentes ao desempenho de suas atividades especializadas e, ao mesmo tempo,
que ele “professa” um conjunto de padrões técnicos aos quais está sujeito para bem
executar os seus serviços.
Ocorre que sua conduta profissional não está vinculada apenas a padrões de ordem
técnica; enquanto profissional o indivíduo também responde por efetuar condutas
eticamente aceitáveis enquanto indivíduo, enquanto membro de um grupo mais
abrangente de indivíduos. Nesse sentido, se alguém pretende ser um profissional do
direito não poderá contornar a conclusão de que, em sua prática cotidiana, suas
condutas resultam na concretização (ou na não-concretização) de modelos
valorativos (ou de padrões de moralidade).
Tais padrões de moralidade (ou padrões éticos) não se limitam a significar a mera
adequação da ação a medidas de funcionalidade ou à mera eficácia do ato praticado
em relação ao resultado técnico almejado: o comportamento, por exemplo, de um
advogado não deve ser apenas tecnicamente eficaz mas (assim os indivíduos o
exigem) deve ser eticamente aceitável.
O mesmo pode ser dito a respeito do ordenamento jurídico: uma determinada norma
de direito civil que exige todos os demais indivíduos se abstenham de interferir na
propriedade imóvel de certa pessoa; é indiscutível a medida de funcionalidade
existente nas normas que tutelam a propriedade imobiliária; por outro lado, o abster-
se de interferir na propriedade de outrem é eticamente aceitável – aliás, é
eticamente exigível. Há pois uma medida de eticidade presente a todo o momento
nas condutas abrangidas pelas normas constituintes do ordenamento jurídico. Essa
medida de eticidade se vivencia em cada comportamento juridicamente relevante do
indivíduo.
Por conseguinte, a realidade pragmática do direito não se limita à mera tecnicidade,
há ao menos outro sentido dessa realidade pragmática do direito, o sentido ético.
Essa pluralidade de sentidos (o técnico-funcional, por um lado, e o ético, por outro)
permitem evocar às lições de Reale, para quem o direito se faz em uma realidade
tridimensional (uma realidade de fato, de valor e de norma) e cujas dimensões
encontram-se ao mesmo tempo presentes na experiência concreta dos indivíduos.
A realidade pragmática do direito é, pois, constituída também por seu modo de ser
pragmático-valorativo na medida em que os indivíduos ensejam condutas em
conformidade ou em desconformidade com preceitos éticos. Para ser mais preciso,
seria mais conveniente afirmar que a realidade pragmática do direito detém uma
efetiva eticidade uma vez que, como se espera ter podido demonstrar, cada
comportamento implica na concretização de certa medida do que é eticamente
aceitável ou do que é eticamente reprovável.
6. BIBLIOGRAFIA
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Eis a parêmia latina: “Non omne quod licet honestum est”, de Paulus.
Filosofia. Vol 7, n° 1. São Paulo: PUC, 2001.