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Manual de

Farmacologia

D .R E
Nota da Editora: A área da saúde é um campo em
constante mudança. As normas de segurança
padronizadas precisam de ser obdecidas; contudo, à
medida que as novas pesquisas ampliam nossos
conhecimentos, tornam-se necessárias e modificações
adequadas. O autor desta obra verificou cuidadosamente
os nomes genéricos das peças mencionadas, bem como
conferiu os dados, de modo que as informações fossem
precisas e de acordo com os padrões aceitos por ocasião
da publicação. Todavia, os leitores devem prestar atenção
às novas informações , a fim de se certificarem de que o
padrão não sofreu alterações. Isso é importante, sobretudo
em relação a informações novas ou que aparecem com
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devido crédito a todos os detentores dos direitos autorais
de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a
possíveis acertos cado, inadvertidamente a identificação de
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Nome do livro: Manual de Farmacologia


Autor: Rafael Escada
Ano: 2020
Direitos exclusivos para a língua portuguesa
Copyright© 2020 por Carpe Noctem
Reservado todos os direitos.
Esta publicação não pode ser reproduzida, nem
transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo
eletrónico, mecânico, fotocópia, digitalização, gravação,
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autorização escrita da Editora.
Índice

Princípios gerais de farmacologia

Farmacodinamia

Farmacocinética

Fármacos com acção no sistema nervoso autónomo


e central

Introdução ao estudo dos fármacos colinérgicos

Fármacos de acção colinérgica:


parassimpaticomiméticos

Fármacos de acção colinérgica: antagonistas dos


receptores muscarínicos

Fármacos de acção colinérgica: antagonistas dos


receptores nicotínicos
Introdução ao estudo do sistema adrenérgico

Fármacos de acção adrenérgica: simpaticomiméticos

Fármacos de acção adrenérgica: bloqueadores


adrenérgicos

Fármacos que interferem com a transmissão 5-


hidroxitriptaminérgica

Sistema opiáceo endógeno

Fármacos com acção nos receptores opiáceos

Cannabis e canabinóides

Etanol

Fármacos com acção no sistema endócrino

Estrogénios, progestagénios e androgénios

Hormonas tiroideias
Retinóides

Vitamina D

Anti-diabéticos

Anti-bacterianos

Introdução ao estudo dos antibióticos β -lactâmicos

Penicilinas

Cefalosporinas

Outros β -lactâmicos

Inibidores das β -lactamases

Tetraciclinas

Aminoglicosídeos

Quinolonas

Macrólidos
Inibidores da síntese de folatos

Cloranfenicol

Estreptograminas

Oxazolidinonas

Lincosamidas

Nitroimidazoles

Antibióticos peptídicos

Outros anti-bacterianos

Anti-tuberculosos

Tabelas-síntese de anti-bacterianos por


microorganismo

Fármacos com acção no sistema nervoso central

Anti-depressores e ansiolíticos
Tranquilizantes

Farmacoterapia da epilepsia

Anti-parkinsonianos

Anti-psicóticos

Terapia da doença bipolar

Histamina e anti-histamínicos

Sistema purinérgico

Fármacos com acção no sistema cardiovascular e


renal

Anti-arrítmicos

Farmacoterapia da doença cardíaca isquémica

Terapia da insuficiência cardíaca congestiva

Terapia da hipertensão
Sistema da endotelina

Sistema das cininas

Sistema renina-angiotensina-aldosterona

Diuréticos

Fármacos que interferem com a hemóstase

Anti-inflamatórios e imunomoduladores

Corticosteróides

Anti-inflamatórios não-esteróides

Análogos das prostaglandinas e antagonistas dos


leucotrienos

Farmacoterapia da gota

Imunomoduladores

Anticorpos anti-neoplásicos
Anti-víricos

Agentes anti-víricos

Agentes anti-retrovíricos
Farmacodinamia
Em termos muito genéricos, a farmacodinamia pode ser entendida
como a ciência que estuda o modo como um determinado fármaco
actua num organismo vivo. Ora, na maior parte dos casos, os fármacos
dever-se-ão ligar a um receptor, de modo a exercerem os seus efeitos.
Após ocuparem um receptor, os fármacos podem activar, inactivar, ou
não induzir qualquer alteração no receptor em questão – mediante
essas três possibilidades (ocupação e activação do receptor, ocupação
e inactivação do receptor, e apenas ocupação do receptor), os fármacos
podem ser classificados em três grandes grupos - agonistas,
antagonistas e agonistas inversos.

Classes de fármacos de acordo com as suas


propriedades farmacodinâmicas

Agonistas

Os agonistas são fármacos que ocupam e activam


receptores aos quais se ligam. De facto, ao ligarem-se
aos seus receptores, os agonistas alteram a
conformação destes, o que induz o receptor a
desempenhar um efeito (tal como activar uma cascata de
sinalização celular, ou abrir um canal iónico). A título de
exemplo, é comum administrar adrenalina a indivíduos
com asma, uma vez que esta catecolamina ocupa e
activa os adrenorreceptores brônquicos, promovendo a
broncodilatação.

Antagonistas
Por seu turno, os antagonistas são fármacos que ocupam os
receptores, mas não induzem nestes qualquer alteração de
conformação. Assim, os antagonistas não estimulam os receptores,
apenas impedem que outras substâncias se liguem a estes. A título de
exemplo, a atropina ocupa os receptores da acetilcolina, impedindo, por
isso, que a acetilcolina se ligue aos seus receptores.
Os antagonistas podem
ser do tipo competitivo
ou não-competitivo. Um
antagonista
competitivo, como o
próprio nome indica,
actua no mesmo
receptor (e no mesmo
local de ligação) do
agonista, competindo
com este pelo mesmo
local de ligação do
receptor. Ou seja, a
atropina (referida no
exemplo do parágrafo
anterior) é considerada
um antagonista
competitivo da
acetilcolina, uma vez
que ocupa os mesmos
receptores (e locais de
ligação) da

acetilcolina. Todavia, a acção da atropina cessa, caso seja administrada


uma elevada dose suplementar de acetilcolina. Estes antagonistas, cuja
acção cessa aquando da administração de concentrações muito
elevadas do agonista, designam-se por antagonistas competitivos em
equilíbrio e estabelecem ligações fracas com os seus receptores (o
que explica a reversibilidade da acção destes fármacos – os agonistas
podem remover os antagonistas dos receptores por competição, desde
que a sua dose seja suficiente).

Por outro lado, existem antagonistas que se ligam aos respectivos


receptores de forma irreversível ou pseudo-irreversível. Deste modo, a
acção destes fármacos, que se designam por antagonistas
competitivos em não-equilíbrio, não cessa
aquando da
administração de
uma dose
aumentada do
agonista.

Por oposição, os antagonistas não-competitivos não actuam nos


mesmos locais de ligação dos receptores dos agonistas. Os antagonistas
não-competitivos químicos actuam nos agonistas, sequestrando-os e
impedindo-os de interagir com os seus receptores. A título de exemplo, a
protamina é um antagonista químico da heparina, uma vez que se liga à
heparina, impedindo esta última molécula de exercer os seus efeitos.

Já o antagonismo não-competitivo
fisiológico caracteriza-se pela presença
de dois agonistas para receptores
diferentes, e de cuja activação resultam
efeitos opostos. A título de exemplo, a
adrenalina e o captopril são antagonistas
fisiológicos, uma vez que a adrenalina
actua em receptores adrenérgicos,
promovendo um aumento da pressão
arterial, enquanto o captopril é um IECA,
que promove uma redução da pressão
arterial.

De referir que, existem fármacos que


actuam no centro alostérico dos
receptores dos agonistas (ou seja nos
mesmos receptores que os agonistas,
mas em locais diferentes daqueles aos
quais os agonistas se ligam). Ao
actuarem alostericamente, estes
moduladores alostéricos induzem
alterações conformacionais no centro
activo dos receptores, aumentando ou
diminuindo a capacidade de ligação dos
agonistas aos receptores.
Antagonistas inversos
Os agonistas inversos são
fármacos que se ligam a
receptores que se encontram
constitucionalmente activos,
diminuindo a sua actividade.
Assim, enquanto os agonistas
ocupam e activam receptores
que se encontram inactivos, os
agonistas inversos promovem o
término da resposta dos
receptores que se encontram
activos. Actualmente, pensa-se
que muitos fármacos que
tinham vindo a ser classificados
como antagonistas serão, na
verdade, agonistas inversos.

Propriedades farmacodinâmicas

Afinidade

Nem todos os fármacos,


sejam eles agonistas ou
antagonistas, apresentam a
mesma capacidade de
ocupação dos seus
receptores. Para avaliar
essa capacidade,
determina-se a afinidade do
fármaco. Para tal, calcula-se
a constante de
dissociação em equilíbrio
(K) do fármaco em questão,
que representa a
concentração de fármaco
(expressa em moles por
litro) necessária para que
este seja capaz de ocupar
50% dos seus receptores.
Em suma, o valor de K
exprime a afinidade do
fármaco, permitindo
conhecer qual a capacidade
apresentada pelos fármacos
de ocupação dos seus
receptores.

Utilizando um exemplo prático:


Imaginemos que os fármacos A e
B têm respectivamente um K de
1nM e 10nM. Ora, isto significa
que A tem maior afinidade do que
B, uma vez que apenas 1nM de
A é suficiente para ocupar
metade dos seus receptores
(algo que apenas é conseguido
com 10 nM de B).

Por vezes, para exprimir a


afinidade de um fármaco, é
calculado o logaritmo negativo de
K (pK). Assim, utilizando o
exemplo anterior:

KA= 1nM = 1 x 10-9 M pKA =


-log (10-9) = 9 KA= 10nM = 10 x

10-9 M pKB = -log (10-8) = 8


Deste modo, o pK de A é 9, enquanto o pK de B é 8. Ou seja, como o
pK de A é superior ao pK de B, A tem maior afinidade que B (esta
relação é inversa à verificada para o K, uma vez que, quanto maior o K,
menor a afinidade de um fármaco).

Através do estudo das funções “concentração de fármaco-ocupação de


receptores” é ainda possível estudar outras constantes para além de K.
Todavia, estas constantes, das quais é exemplo a constante de
equilíbrio de associação, não são tão utilizadas no meio científico,
uma vez que a afinidade deve ser expressa através dos valores de K ou
pK.

Eficácia
A eficácia diz respeito à capacidade de um fármaco induzir uma
alteração no seu receptor (e, como tal, uma resposta). Ilustrando com
um exemplo, sabe-se que, ao ocupar 5% dos receptores, o fármaco A
induz resposta máxima, enquanto o fármaco B despoleta apenas 50%
da resposta máxima. Ora, neste caso, o fármaco A é mais eficaz que o
fármaco B, uma vez que, para a mesma percentagem de receptores
ocupados, A induz uma maior resposta que B.

Existem vários agonistas


que, quando
administrados em
concentrações suficientes
para saturar o seu pool de
receptores, conseguem
activar os seus receptores
de tal modo que passa a
ser obtida uma resposta
máxima (ou seja, a
resposta mais “forte”
capaz de ser gerada pelo
sistema receptor-efector).
Estes agonistas designam-
se por agonistas totais.
Por oposição, os
agonistas parciais
conseguem activar os
seus receptores, mas não
conseguem gerar nunca
uma resposta

máxima, por muito elevada que seja a sua concentração. Assim, os


agonistas parciais apresentam menor eficácia que os agonistas totais,
enquanto os antagonistas apresentam uma eficácia nula, uma vez que
estes fármacos se limitam a ocupar os receptores, não despoletando
alterações nestes.

De referir que, de acordo com


a teoria dos receptores
poupados, a obtenção de
resposta máxima não requer,
normalmente, a ocupação de
todos os receptores por parte
de um agonista total. A
evidência experimental para
esta teoria surgiu a partir de
estudos em que eram dadas
doses progressivamente
maiores de um antagonista
irreversível, na presença de
um agonista. Ora, mesmo
perante doses consideráveis
(mas não muito grandes) de
antagonista, os agonistas
conseguiam induzir uma
resposta máxima, uma vez
que ainda restava uma
quantidade suficiente de
receptores livres aos quais
estes fármacos se pudessem
ligar.
A eficácia e a afinidade são
propriedades distintas e
independentes, de tal modo
que um fármaco com elevada
eficácia não apresenta
necessariamente elevada
afinidade, e vice-versa. A
título de exemplo, a morfina e
a buprenorfina são dois
analgésicos com eficácia e
afinidade distintas: enquanto
a morfina é um agonista total
que apresenta baixa
afinidade e elevada eficácia,
a buprenorfina é um agonista
parcial que apresenta maior
afinidade mas menor eficácia.
Assim, em situações mais
graves é

preferível administrar uma grande dose de morfina, uma vez que a


buprenorfina, apesar de se ligar facilmente a uma grande quantidade de
receptores, apresenta baixa eficácia. Por outro lado, quando se
pretende administrar morfina, esta não deve ser administrada em
conjunto com a buprenorfina, uma vez que a buprenorfina ocupa os
receptores dos opiáceos com mais facilidade, impedindo a acção, mais
eficaz, da morfina. Assim, os agonistas parciais actuam como
antagonistas parciais, quando se encontram na presença concomitante
de agonistas totais.

Potência
A potência consiste na
concentração (EC50) ou
dose (ED50) de um
fármaco necessária
para a obtenção de
50% da resposta
máxima desse fármaco.
O conceito de potência
é diferente do conceito
de afinidade, embora a
potência dependa
parcialmente da
afinidade do fármaco.
De referir que, no caso
particular dos agonistas
totais que para
despoletarem resposta
máxima necessitam de
ocupar todos os
receptores, o valor da
afinidade é igual ao
valor da potência.

O conceito de potência
é igualmente distinto do
conceito de

eficácia, de tal modo que nem sempre um agonista mais eficaz é mais
potente que um agonista menos eficaz (tal como nem sempre um
agonista total é mais potente que um agonista parcial). De facto,
existem casos em que é necessária menor concentração de um
agonista parcial para atingir 50% da resposta máxima.

Em termos clínicos, a efectividade de um fármaco não depende da sua


potência, mas sim da sua eficácia máxima e das suas propriedades
farmacocinéticas. Assim, quando os terapeutas são forçados a escolher
que fármaco deverão prescrever, normalmente têm preferencialmente
em consideração a eficácia do fármaco, e não a sua potência. Todavia,
a potência é importante para determinar a dose que deverá ser
administrada do fármaco em questão. Para além disso, ao analisar uma
curva concentração-efeito de um fármaco, o terapeuta deve ter em
conta a inclinação das curvas – quanto mais vertical for a curva de um
fármaco, mais rápido é o aumento do seu efeito. A título de exemplo, a
curva para os barbitúricos é muito vertical, o que significa que
rapidamente a sua acção passa de sedativa a indutora de coma.
pA2
Para estudar a actividade dos antagonistas competitivos, é frequente
determinar a concentração de antagonista na presença da qual é
necessário duplicar a concentração do agonista, de modo a que se
obtenha a mesma resposta a esse agonista na ausência do antagonista
(ou seja, qual a concentração de antagonista, para a qual, caso
dupliquemos a concentração do agonista, seja obtida uma resposta
similar à verificada na ausência do antagonista). Essa concentração é
expressa em notação logarítmica e designa-se por “pA2”, o qual em
termos matemáticos se determina a partir da equação de Schild. Ora,
de acordo com a definição, quanto maior o valor de pA2, mais potente o
antagonista em questão.

Regulação da actividade dos receptores


A exposição continuada a um determinado fármaco leva a que o
“organismo responda”, através da regulação da actividade dos
receptores nos quais o fármaco em questão actua. A exposição
continuada a um determinado agonista, em termos agudos (num
período de horas ou dias), leva a que este induza progressivamente
uma resposta de menor intensidade. Este fenómeno é reversível e
designa-se por dessensibilização. A título de exemplo, a β-arrestina é
responsável pela dessensibilização nos receptores β-adrenérgicos, uma
vez que, ao impedir que ocorra uma grande activação na maquinaria a
jusante destes receptores, induz uma diminuição da intensidade da
resposta associada à activação destes receptores.

Por outro lado, a exposição crónica a um determinado agonista induz


um fenómeno de down-regulation, que está associado à diminuição
progressiva do número de receptores presentes na célula (sendo, por
isso, de reversibilidade mais lenta). Este fenómeno explica porque é que
os toxicodependentes têm de aumentar a sua dose de estupefacientes
para obter os mesmos efeitos.

Já a exposição crónica a um determinado antagonista induz um


fenómeno de up-regulation, que consiste no aumento do número de
receptores presentes na célula – este fenómeno verifica-se, por
exemplo, em indivíduos aos quais sejam cronicamente administrados β-
bloqueadores e, como tal, a supressão brusca destes fármacos é
deveras perigosa.

Outros alvos moleculares dos fármacos

Canais iónicos
Alguns fármacos podem actuar como bloqueadores ou abridores dos
canais iónicos. A título de exemplo, os fármacos empregues em
anestesias locais actuam como bloqueadores dos canais de sódio
dependentes da voltagem dos neurónios que serão anestesiados. Por
outro lado, em situações de epilepsia (perturbação caracterizada por um
excesso de actividade dos neurónios do sistema nervoso central), é
possível administrar fármacos abridores dos canais de potássio (de
forma a contrariar os efeitos de despolarização em massa registados
nesta patologia) ou bloqueadores dos canais de sódio. Em suma,
perante um fármaco que actue num canal iónico, é essencial saber em
que canal este exerce o seu efeito e se actua num sentido de abrir ou
de bloquear o canal iónico em questão.

Enzimas
Existem fármacos que interferem com a actividade enzimática, podendo
inibi-la ou estimulá-la. Ilustrando com um exemplo: A acetilcolina
libertada pelos neurónios exerce os seus efeitos e é imediatamente
degradada pela enzima colinesterase, de modo a impedir a acumulação
deste neurotransmissor. Ora, os indivíduos com miastenia gravis
(perturbação caracterizada por falta de força muscular) apresentam um
defeito na placa motora, de tal modo que a administração de um
fármaco que iniba a colinesterase se revela benéfica, no sentido em que
permite que se acumule maior quantidade de acetilcolina e, como tal,
que se desenvolva maior força muscular.

No que concerne aos estimuladores enzimáticos, destaque para os


fármacos que estimulam a guanil cíclase, permitindo a génese de uma
maior quantidade de cGMP e, por conseguinte, maior dilatação do
tecido peniano.

Transportadores
Alguns fármacos podem actuar nas moléculas transportadoras,
estimulando-as ou inibindo-as. A título de exemplo, a insulina é um
estimulador do transportador da glicose GLUT4, sendo, como tal,
administrada a indivíduos em coma diabético. Por oposição, a fluoxetina
é um inibidor do transportador de serotonina, sendo utilizada em
situações de depressão. De facto, a falta de serotonina na fenda
sináptica está associada ao desenvolvimento de depressão. Ora, ao
bloquear o transportador que opera a recaptação da serotonina lançada
na fenda sináptica para o neurónio pré-sináptico, a fluoxetina permite
que uma maior quantidade de serotonina se mantenha na fenda
sináptica.
Farmacocinética
Enquanto a farmacodinamia estuda, de grosso modo, as acções que os
fármacos exercem no organismo; a farmacocinética estuda o modo
como o organismo interage e modifica os fármacos. De facto, para que
um fármaco possa actuar, este deverá chegar aos tecidos onde actua
(biofase) em concentrações apreciáveis. Existem situações em que é
possível colocar o fármaco em contacto directo com os tecidos-alvo,
nomeadamente quando estes correspondem às mucosas ou à pele.
Todavia, na maior parte dos casos, a biofase não pode ser colocada em
contacto directo com o fármaco, e este terá de sofrer uma série de
processos bioquímicos até chegar aos tecidos-alvo e exercer os seus
efeitos.

Os fármacos cuja aplicação envolve o contacto directo com a biofase


designam-se por fármacos de administração tópica. Por oposição, diz-
se que os restantes fármacos apresentam administração sistémica,
pois deverão atingir a corrente sanguínea para atingirem os tecidos-
alvo. De modo a exercerem os seus efeitos, os fármacos de

administração sistémica
cumprem, em regra, quatro
etapas sobreponíveis (ou seja,
que não ocorrem
sequencialmente, mas sim
com alguma simultaneidade)
que constituem o ciclo dos
medicamentos: absorção,
distribuição,
biotransformação e
excreção. Estes processos
podem interferir com as
características e/ou
concentração dos fármacos,
de tal modo que o seu estudo
(que é assegurado pela
farmacocinética) é
fundamental para assegurar
uma correcta administração
farmacológica.

Os processos farmacocinéticos estão sujeitos a uma grande


variabilidade inter-individual, visto serem influenciados por factores
como a idade, o peso, as patologias, e outros fármacos que estejam a
ser tomados pelos pacientes. O processo de biotransformação é aquele
que mais variabilidade apresenta, seguido ordenadamente pelos
processos de excreção (que está dependente, sobretudo, da função
renal do indivíduo), distribuição e absorção. Assim, tendo em conta que
um mesmo regime posológico não origina os mesmos efeitos em
indivíduos distintos, torna-se essencial optar por uma via de
personalização posológica. De referir que essa personalização deverá
ter sempre em conta o factor “idade”, uma vez que o envelhecimento
está associado à diminuição das funções fisiológicas.

Conhecer o modo como os


fármacos são
“processados” no
organismo, bem como os
factores fisiopatológicos
individuais que afectam as
etapas do ciclo dos
medicamentos revela-se
particularmente importante
para a determinação da
janela terapêutica de cada
fármaco. A janela
terapêutica de um
fármaco compreende o
intervalo de concentrações
em que esse fármaco
apresenta acção
terapêutica efectiva, sem
que esta gere uma
toxicidade inaceitável.
Processos de travessia das membranas biológicas
Em qualquer processo integrante do ciclo dos medicamentos, verifica-se
a necessidade de travessia das membranas biológicas por parte do
fármaco em questão. Essa travessia poderá ser feita por difusão
passiva, transporte mediado, ou pinocitose, dependendo das
características do fármaco em questão.

Difusão passiva
A difusão passiva é um processo de transporte não-mediado e que
ocorre a favor do gradiente de concentração, sem concomitantes gastos
energéticos. Excluindo os casos de passagem por poros aquosos, a
difusão passiva requer a dissolução de moléculas pela bicamada
fosfolipídica membranar. Ora, a velocidade de difusão depende, não
tanto das dimensões da molécula em questão, mas sobretudo de outras
propriedades, tais como a sua lipofilia e o seu grau de ionização. Essas
relações encontram-se expressas na Lei de Fick, que permite
determinar a velocidade de difusão para uma dada partícula:

O grau de ionização de uma


determinada molécula é
igualmente importante para
determinar como se processará
a difusão passiva. De facto, a
difusão ocorre mais facilmente
caso as moléculas se
encontrem na forma não-
ionizada (mais lipossolúvel).
Assim, de acordo com a
equação de Henderson-
Hasselbach, na presença de
diferenças de pH entre os dois
lados da membrana, passa a
ocorrer difusão num sentido, até
que as concentrações da forma
não ionizada existentes nos dos
lados da membrana atinjam o
equilíbrio. De referir que a
equação de Henderson-
Hasselbach assume formas
diferentes na presença de um
ácido fraco ou de uma base
fraca.

Assim, de acordo com estas equações, é possível deduzir que um ácido


fraco se tende a acumular no lado alcalino da membrana, enquanto
uma base fraca se tende a acumular no lado ácido da membrana.

Transporte mediado
O transporte mediado é utilizado para fazer deslocar moléculas que,
por serem excessivamente polares ou demasiado grandes, são
incapazes de atravessar as membranas lipídicas por difusão simples.
Este transporte é operado por proteínas transportadoras, podendo
ocorrer a favor do gradiente de concentração e sem concomitantes
gastos energéticos (difusão facilitada), ou contra o gradiente de
concentração e com simultâneos gastos energéticos (transporte
activo). Em qualquer um dos casos, o transporte mediado caracteriza-
se por duas propriedades – selectividade (um dado transportador
apenas transporta determinados fármacos específicos) e
saturabilidade (visto que o número de transportadores é finito).

Em termos matemáticos, a velocidade de transporte mediado é passível


de ser calculada através da equação de Michaelis-Menten:

Pinocitose
A pinocitose é um processo de transporte de fluidos e macromoléculas,
que ocorre, sobretudo, ao nível dos capilares e na parede intestinal.
Este processo de transporte activo, apesar de quantitativamente menos
importante, revela-se particularmente importante para o transporte de
várias moléculas de grande importância farmacológica.
Vias de administração sistémica de fármacos

Via oral
A via oral (administração per os) é a via de administração sistémica
clinicamente mais utilizada para a administração de fármacos. Esta via
apresenta uma considerável vantagem, que diz respeito ao facto de a
maior parte dos fármacos administrados oralmente ser absorvida no
intestino delgado que, como mencionado anteriormente, apresenta
várias características favoráveis à absorção de substâncias.

A absorção por via oral per se não apresenta grande variabilidade inter-
individual. Todavia, o processo de absorção é influenciado por algumas
propriedades gastrointestinais, as quais já poderão apresentar forte
variabilidade. Uma dessas propriedades é o tempo de trânsito
intestinal que, como já foi referido, interfere com o tempo de contacto
de um fármaco.

Por outro lado, o tempo de esvaziamento gástrico também poderá


influenciar a absorção por via oral, na medida em que esse factor
determina o tempo durante o qual o fármaco será exposto ao pH ácido
do estômago (sendo que existem moléculas que poderão ser alteradas
ou destruídas por um baixo pH). Ora, o tempo de esvaziamento gástrico
caracteriza-se por ampla variabilidade inter-individual, dependendo das
características fisiológicas dos pacientes, das suas patologias e de
outros fármacos que estes possam estar a tomar.

O pH do tubo digestivo, não apresentando grande variabilidade inter-


individual, também actua como um condicionante da absorção por via
oral. Ao nível do lúmen gástrico, regista-se um pH ácido, motivo pelo
qual os ácidos fracos se encontram maioritariamente na forma não-
ionizada, enquanto as bases fracas se encontram maioritariamente na
forma ionizada. Assim, ao nível do estômago, a absorção dos ácidos
encontra-se favorecida, enquanto a absorção das bases se encontra
pouco favorecida. Por oposição, o pH do intestino delgado é alcalino, de
tal modo que as bases fracas se encontram maioritariamente na forma
não-ionizada, enquanto os ácidos fracos se encontram maioritariamente
na forma ionizada. Assim, ao nível do intestino delgado, tendo em
consideração apenas o pH, a absorção das bases encontra-se
favorecida, enquanto a absorção dos ácidos se encontra pouco
favorecida. Apesar disso, a maior parte dos fármacos ácidos continua a
ser absorvida ao nível do intestino delgado, uma vez que este
apresenta maior área de absorção, irrigação mais rica, e menor
espessura, comparativamente ao estômago.

A administração de um fármaco por via oral deverá ainda ter em conta a


presença ou ausência de alimentos – a presença de alimentos pode
modificar a velocidade e extensão da absorção de um fármaco (ou seja,
a sua biodisponibilidade). De facto, a presença de alimentos está
associada à diminuição da velocidade de esvaziamento gástrico, e ao
aumento da motilidade intestinal (o que leva a uma diminuição do tempo
de contacto entre o fármaco e a superfície intestinal). Por outro lado, as
substâncias secretadas aquando da digestão podem se ligar aos
fármacos, formando complexos que impeçam a absorção destes
últimos. Por fim, caso os fármacos sejam absorvidos por processos de
transporte mediado, é possível existir competição entre o fármaco e os
nutrientes pelos mesmos transportadores. Todavia, apesar destas
desvantagens, a administração de fármacos na presença de alimentos
pode ser benéfica em algumas situações – a título de exemplo, os
fármacos irritantes ou lesivos para a mucosa gástrica devem ser
administrados na presença de alimentos, uma vez que estes últimos
actuam como protectores da mucosa.

Após
serem
absorvidos
no
intestino,
os
fármacos
administra
dos por via
oral
chegam
ao sistema
porta,
sendo
encaminha
dos para
o fígado.

Assim, os
fármacos
contactam
com o
fígado
antes de
serem
distribuído
s para os
restantes
tecidos
(incluindo
para os
seus
tecidos-
alvo). Ora,
ao nível do
fígado,
estes
fármacos
poderão
sofrer
alterações
que
poderão
condiciona
r a sua
biodisponi
bilidade –
efeito de
primeira
passagem
. Este
fenómeno
não ocorre
de forma
homogéne
a para
todos os
fármacos:
existem
fármacos
que não
sofrem
qualquer
tipo de
biotransfor
mação
hepática e,
por isso, a
sua
passagem
pelo fígado
não afecta
a sua
biodisponi
bilidade.
Por
oposição,
existem
fármacos
que são
amplament
e
metaboliza
dos e
inactivados
pelos
hepatócito
s, de tal
modo que
a sua
primeira
passagem
induz uma
diminuição
da sua
biodisponi
bilidade.
De referir
que, os
fármacos
que
apresente
m um
efeito de
primeira
passagem
muito
intenso
não
deverão
ser
administra
dos por via
oral, pois
caso
contrário a
sua
eficácia
será a
priori muito
mais
reduzida.

Apesar disso, existem, actualmente, medicamentos que tiram partido do


efeito de primeira passagem. Os pró-fármacos são substâncias
químicas desprovidas de actividade terapêutica per se. Todavia, aquando
da sua passagem pelo fígado, estas substâncias são metabolizadas pelos
hepatócitos e convertidas em fármacos com actividade terapêutica. A
título de exemplo, o ácido acetilsalicílico (que não tem actividade
terapêutica) é desacetilado no fígado, sendo convertido em ácido salicílico
(que apresenta actividade terapêutica). Assim, o ácido acetilsalicílico é o
pró-fármaco do ácido salicílico.

Via sublingual
A aplicação de fármacos por via sublingual possibilita que estes sejam
rapidamente absorvidos, uma vez que o epitélio da mucosa bucal
apresenta reduzida espessura e elevada vascularização. Para além
disso, os fármacos absorvidos por via sublingual são transportados
directamente para o sistema cava, escapando ao efeito de primeira
passagem e, como tal, à metabolização hepática.

Todavia, a aplicação de fármacos por via sublingual é desvantajosa,


caso os fármacos em questão sejam demasiado irritantes ou
apresentem um sabor desagradável.

Via rectal
Em comparação com o intestino delgado, o recto apresenta menor
vascularização e menor superfície de absorção. Para além disso, o
contacto do fármaco com a superfície absorvente é quase sempre
prejudicado pela presença de fezes, o que leva a que a absorção por
via rectal apresente eficácia inconstante. Acresce ainda o facto da
acção irritante de muitos fármacos (que é tolerável por via oral) ser
intolerável por via rectal.

Todavia, apesar destas desvantagens, a aplicação de fármacos por via


rectal pode ser utilizada em situações em que a administração oral
esteja impossibilitada (por exemplo, num indivíduo com vómitos). Para
além disso, cerca de metade da dose administrada por via rectal escapa
ao efeito de primeira passagem, não sofrendo alterações da
biodisponibilidade.

Via intra-venosa
A via intra-venosa comporta vários riscos e limitações, motivo pelo
qual a aplicação de fármacos por esta via apenas deverá ocorrer
quando não é possível optar por outras vias de administração. Entre os
riscos que podem decorrer da administração intra-venosa de
medicamentos destaque para:

1. Desenvolvimento de infecções (sobretudo em doentes


imunodeprimidos)

2. Desenvolvimento de reacções do tipo anafilático grave


3. Desenvolvimento de embolismo

4. Aparecimento de efeitos cardiovasculares e respiratórios graves

5. Contaminação por uso de material não-esterilizado

Para além disso, apenas se podem aplicar soluções aquosas por via
endovenosa, as quais deverão ser aplicadas lentamente, uma vez que
uma aplicação vagarosa permite observar se estão a ser desenvolvidos
efeitos inesperados no decurso da injecção (caso esses efeitos sejam
observados, a administração do fármaco deve parar).

Todavia, apesar das desvantagens referidas, a aplicação de fármacos


por via intra-venosa também apresenta várias vantagens,
nomeadamente:

1. Inexistência da etapa de absorção – A concentração do fármaco


atinge valores máximos na corrente sanguínea, logo após a sua
aplicação. Isto revela-se particularmente importante em situações
de emergência.

2. Possibilita a administração de medicamentos que, quando


aplicados por outras vias, apresentam fraca absorção, ou sofrem
inactivação.

3. Permite a administração de grandes quantidades de líquidos por


perfusão contínua. O processo de perfusão contínua permite
ainda que as quantidades administradas sejam rigorosamente
controladas, o que se revela particularmente importante quando
os fármacos apresentam uma estreita janela terapêutica (isto é,
quando as concentrações terapêuticas são muito próximas das
concentrações tóxicas).

4. Possibilita a administração de fármacos que, por terem acção


irritante local, não podem ser administrados por via intra-muscular
ou subcutânea.

Via intra-muscular
A via intra-muscular é uma alternativa consistente à via oral, uma vez
que todos os fármacos capazes de atravessar a parede capilar, e sem
efeito irritante considerável, poderão, a priori, ser administrados por via
intra-muscular. Todavia, os medicamentos que se encontram sob a
forma de solução aquosa são mais facilmente absorvidos que aqueles
que se encontram sob a forma de solução oleosa ou suspensão.

A aplicação de fármacos por via intra-muscular está ainda associada a


outras vantagens, nomeadamente, à rápida velocidade de absorção e à
existência de regiões de elevada área de contacto (a aplicação de um
medicamento deve ocorrer em músculos de grandes dimensões, como
o glúteo máximo ou o deltóide) e rica irrigação (para aumentar a
irrigação local, deverá ser feita uma massagem na região de aplicação
da injecção).

Contudo, a injecção de medicamentos por via intra-muscular também


apresenta algumas desvantagens, nomeadamente, o risco de lesão de
feixes nervosos, a dificuldade de auto-administração, a impossibilidade
de administração de grandes volumes de líquidos, e o desenvolvimento
de irritação e dor local.

Via subcutânea
Embora seja muito semelhante à via intra-muscular, a via subcutânea é
mais dolorosa, mais susceptível de despoletar fenómenos de irritação
local, e está associada a maior lentidão de absorção. Todavia,
contrariamente ao que ocorre com a via intra-muscular, é possível auto-
administrar medicamentos por via subcutânea.

Em alguns casos é possível implantar cirurgicamente um comprimido no


tecido celular subcutâneo. A presença desse comprimido permite que o
fármaco presente seja absorvido de forma lenta e controlada, o que leva
a que o seu efeito terapêutico se prolongue no tempo. De referir que
este processo é utilizado, por exemplo, em programas de terapêutica
hormonal de substituição.

Via dérmica
A via dérmica (percutânea) não é amplamente utilizada para
administração sistémica. De facto, apesar de os fármacos administrados
por via dérmica poderem atingir a corrente sanguínea (caso sejam
suficientemente lipofílicos e pequenos), a passagem destes para o
sangue ocorre a uma taxa irregular e difícil de quantificar. Assim, os
fármacos aplicados por via dérmica apenas podem ser absorvidos de
forma algo regular caso sejam “especificamente desenhados” para
aplicação sistémica, e caso as áreas de absorção sejam
cuidadosamente escolhidas – de facto, estes medicamentos deverão
ser aplicados em zonas de pele fina e glabra, tais como as áreas
esternal, subclavicular ou abdominal.

Via inalatória
A absorção de fármacos por via inalatória é deveras rápida, devido à
pequena espessura dos alvéolos pulmonares e à elevada irrigação e
extensa área do tecido pulmonar. Todavia, na maior parte dos casos, a
via inalatória não é utilizada com fins sistémicos. Ora, dadas as
características (já referidas) do tecido pulmonar, vários fármacos
inalatórios para administração tópica podem ser involuntariamente
absorvidos, gerando efeitos sistémicos potencialmente indesejáveis.
Deste modo, os aerossóis indicados para administração tópica deverão
conter apenas partículas cujas dimensões apenas lhes permitam chegar
até aos bronquíolos (deste modo a passagem para os alvéolos
pulmonares fica impedida). Caso isto se verifique, a administração
tópica de um fármaco torna-se possível e o risco de absorção diminui.

Via intra-óssea
Esta via é, normalmente, praticada por punção do esterno e utilizada em
situações de administração de grandes quantidades de líquido (sendo
utilizada como alternativa à via intra-venosa).

Via intra-tecal
Esta via consiste na deposição directa de substâncias no sistema
nervoso central, sendo utilizada aquando da presença de moléculas
que, devido à sua dificuldade em atravessar a barreira hemato-
encefálica, nunca poderiam atingir concentrações terapêuticas caso
fossem aplicadas de outra forma.
Ciclo dos medicamentos

Absorção
O processo de absorção de um fármaco define-se como a passagem
de um fármaco desde o seu local de deposição até à circulação
sanguínea. Qualquer fármaco que seja aplicado por via sistémica terá
que sofrer absorção, com excepção dos fármacos que são
administrados por via intra-venosa (que são directamente introduzidos
na corrente sanguínea). Por seu turno, os fármacos que são
administrados por via tópica poderão sofrer absorção, embora esta seja,
na maior parte dos casos, considerada indesejável, uma vez que,
quando se aplica um fármaco por via tópica, deseja-se normalmente
que este apenas apresente efeitos locais na zona de aplicação.

A absorção ocorre maioritariamente por difusão passiva, de tal modo


que é passível de ser influenciada por diversos factores:

1. Área de absorção – Quanto mais extensa for a área de


absorção, maior a velocidade com que decorre o processo de
absorção. Assim, o intestino delgado revela-se um órgão
particularmente dotado para a absorção de substâncias, uma vez
que as suas pregas e vilosidades lhe conferem uma grande área
de superfície. A área das membranas dos alvéolos pulmonares
também é bastante extensa, o que facilita a absorção de certos
fármacos inalados.

2. Tempo de contacto – O tempo de contacto entre um fármaco e a


região absorvente revela-se particularmente importante no tubo
digestivo: Existem porções do tubo digestivo (tais como o
esófago) em que o fármaco se desloca tão rapidamente que não
poderá ser absorvido. Por outro lado, as alterações do trânsito
intestinal poderão condicionar o processo de absorção
farmacológica – a diarreia (maior velocidade do trânsito intestinal)
está associada a menor absorção por diminuição do tempo de
contacto, enquanto a obstipação (menor velocidade do trânsito
intestinal) está associada maior absorção. Neste sentido, o tempo
de contacto entre o fármaco e a área absorvente está sujeito a
alguma variabilidade inter-individual, uma vez que o trânsito
intestinal é diferente consoante os indivíduos.

3. Intimidade do contacto – Quanto mais íntimo o contacto entre o


fármaco e as membranas biológicas, mais eficaz será o processo
de absorção. Assim, no caso do tubo digestivo, os medicamentos
em solução ou suspensão são mais facilmente absorvidos que os
medicamentos sólidos, devido ao facto de os primeiros
estabelecerem um contacto mais íntimo com as mucosas.

4. Intensidade da irrigação – Quanto mais intensa for a irrigação


de uma dada região, maior será a diferença de concentrações
entre o local de deposição do fármaco e o sangue para o qual o
fármaco se dirige. Por esse motivo, o intestino delgado, cuja
irrigação é muito rica, é um órgão privilegiado para a absorção de
substâncias. Por oposição, quando se procede à aplicação tópica
de um fármaco, poderá ser administrado um vasoconstritor, de
modo a reduzir a irrigação local e, consequentemente, a
quantidade do medicamento que é absorvida.

5. Espessura da estrutura absorvente – Quanto menor for a


espessura do tecido absorvente, maior será a velocidade de
absorção. Isto ajuda a explicar porque é que a absorção dos
fármacos ocorre predominantemente no intestino delgado, e não
no estômago. Seguindo o mesmo raciocínio, dado serem muito
finas, as mucosas nasal e bucal apresentam uma elevada
velocidade de absorção, motivo pelo qual a aplicação tópica de
fármacos nessas regiões poderá ser potencialmente perigosa.

Distribuição
A distribuição de um fármaco consiste na transferência reversível das
moléculas farmacológicas desde o espaço intra-vascular até ao espaço
extra-vascular (nomeadamente para os diferentes órgãos, tecidos, e
fluidos corporais).

O perfil de distribuição de um fármaco é particularmente influenciado


pelos factores fisiológicos (idade, sexo, e peso corporal) e patológicos
do indivíduo, bem como pela capacidade apresentada pelo fármaco em
atravessar as membranas biológicas. A título de exemplo, a idade e o
sexo do paciente condicionam a percentagem de água corporal, que,
por sua vez, determina o volume de distribuição de um fármaco. O
volume de distribuição (Vd) reflecte a quantidade de água presente
nos compartimentos que o fármaco é capaz de atravessar – a título de
exemplo, o plasma sanguíneo é constituído por três litros de água,
motivo pelo qual, um fármaco que seja incapaz de atravessar a parede
capilar (e que, portanto, apenas se possa deslocar no meio intra-
vascular) apresenta um volume de distribuição de três litros. Por seu
turno, um fármaco capaz de se deslocar por mais compartimentos terá
um maior volume de distribuição.

O estudo da distribuição de um fármaco deverá igualmente ter em conta


as diferentes intensidades de irrigação registadas pelos vários órgãos.
Assim, no início do processo de distribuição, a maior parte do fármaco é
encaminhada pelos tecidos mais ricamente irrigados, nomeadamente o
cérebro e algumas vísceras como os rins. Passado algum tempo, o
fármaco passa a ser encaminhado para tecidos de irrigação intermédia,
tais como o músculo esquelético e algumas vísceras menos irrigadas.
Por fim, o fármaco é distribuído para os tecidos menos irrigados, nos
quais se destaca o tecido adiposo (que, apesar da sua grande massa, é
muito pobremente irrigado).

Interacções entre os fármacos e as proteínas


plasmáticas e tecidulares
Ao estudar a distribuição dos fármacos, devemos ainda ter em
consideração que estes interagem com as estruturas plasmáticas e
tecidulares. De facto, verifica-se que tanto no meio intra-vascular como
extra-vascular, existe sempre uma fracção de fármacos que circula
ligada a proteínas. Todavia, apenas a fracção de fármacos que circula
livremente (sem estar ligada a proteínas) é capaz de atravessar as
membranas biológicas. Assim, deverá existir um equilíbrio dinâmico e
reversível entre as formas livre e ligada dos fármacos, o que não implica
que a percentagem de fármaco livre tenha que ser igual à percentagem
de fármaco ligado.

Como já foi referido, apenas a fracção livre é capaz de atravessar a


membrana capilar (e as restantes membranas biológicas), sendo por
isso a única fracção capaz de ter acção terapêutica e de sofrer
eliminação. Por oposição, a fracção ligada é considerada
farmacologicamente inactiva, actuando como um “depósito de fármaco”.

Ou seja, como
existe sempre um
equilíbrio entre a
fracção livre e a
fracção ligada, à
medida que a
fracção livre vai
sendo consumida,
a fracção ligada
vai se

“desligando” das
proteínas,
assegurando a
permanência de
fármaco livre em
circulação.

Alguns fármacos apresentam mais afinidade para as proteínas


plasmáticas, motivo pelo qual tendem a permanecer no compartimento
intra-vascular. Por oposição, os fármacos que apresentam mais
afinidade para as proteínas tecidulares tendem a deslocar-se para o
espaço extra-vascular e, por conseguinte, a apresentar baixas
concentrações plasmáticas.

Quando os fármacos se ligam fortemente às estruturas extra-vasculares


(tecidulares), o seu volume de distribuição atinge valores de milhares de
litros. Ora, isto revela-se fisiologicamente impossível, uma vez que o
volume de água corporal total ronda os 41 litros. Assim, devido aos
valores anormalmente elevados que pode apresentar, passa a ser mais
correcto designar o volume de distribuição por volume aparente de
distribuição. Este parâmetro não tem qualquer significado fisiológico,
servindo apenas para relacionar as doses administradas de um fármaco
com as concentrações plasmáticas obtidas. Em suma, Vd apresenta
valores muito elevados para os fármacos que se distribuem
preferencialmente para o meio extra-vascular, e valores muito reduzidos
para os fármacos que se mantêm tendencialmente no meio intra-
vascular (no caso extremo de um fármaco que seja incapaz de passar
para o espaço extra-vascular, Vd=3 litros, dado o plasma sanguíneo ser
constituído por três litros de água).

Interacção entre fármacos no processo de distribuição

O perfil de interacção entre os fármacos e as proteínas plasmáticas


adquire particular relevância aquando da administração concomitante
de vários fármacos. De facto, caso sejam simultaneamente
administrados dois fármacos com elevada afinidade para as proteínas
plasmáticas, pode acontecer que um dos fármacos “desligue” o outro,
que se encontrava previamente ligado (isto é perfeitamente plausível,
uma vez que a ligação entre os fármacos e as proteínas plasmáticas é
inespecífica). Ora, este fenómeno leva a um aumento da concentração
plasmática da fracção livre (e, como tal, activa) desse último fármaco, o
que acarreta consequências indesejáveis.

Assim, este fenómeno de interacção farmacológica revela-se


extremamente importante na prática clínica, sobretudo para fármacos
que apresentam estreita janela terapêutica (ou seja, em que pequenas
alterações da fracção livre podem comprometer a segurança do
tratamento). A título de exemplo, caso seja administrado um anti-
inflamatório não-esteróide a um doente medicado com varfarina (um
anti-coagulante), o anti-inflamatório vai “desligar” a varfarina das
proteínas plasmáticas, algo que faz aumentar a sua fracção-livre e,
como tal, o risco de desenvolvimento de acidentes hemorrágicos.

Convém ainda não esquecer que existem situações patológicas que


cursam com uma diminuição da quantidade de proteínas plasmáticas.
Nestas condições, um fármaco com uma elevada taxa de ligação às
proteínas plasmáticas apresentará uma fracção livre muito superior,
comparativamente ao que seria expectável numa situação normal.

De referir apenas, que todos os tipos de proteínas plasmáticas podem


se ligar aos fármacos, embora existam duas que assumam particular
relevância, nomeadamente, a albumina (que apresenta grande
afinidade para os fármacos ácidos) e a glicoproteína-α1 (que, devido à
sua natureza ácida, liga-se facilmente a fármacos alcalinos).
Redistribuição
Como foi referido, a distribuição de uma substância depende do
estabelecimento de um equilíbrio entre as fracções livres existentes nos
diferentes compartimentos corporais, de tal modo que, passado algum
tempo após administração de um fármaco, os processos de eliminação
passam a favorecer a passagem do espaço extra-vascular para o
espaço intra-vascular. Ou seja, no início da fase de distribuição, o
fármaco tende a abandonar o espaço intra-vascular e a passar para o
espaço extra-vascular. Todavia, com o passar do tempo, a quantidade
de fármaco livre no meio intra-vascular vai caindo consideravelmente,
motivo pelo qual passa a ser favorecido o transporte de fármaco no
sentido inverso (desde o espaço extra-vascular para o espaço intra-
vascular).

Isto explica porque é que os fármacos não chegam simultaneamente a


todos os órgãos. Assim, inicialmente, os fármacos deslocam-se
preferencialmente para o cérebro e vísceras altamente irrigadas.
Todavia, passado algum tempo, o gradiente de concentrações inverte-
se, passando a ser favorecida a passagem dos fármacos (desde o
cérebro e vísceras) novamente para o sangue. Posto isto, os fármacos
passam a ser redistribuídos para tecidos de irrigação menos intensa,
tais como o músculo esquelético. Posteriormente, os fármacos acabam
também por abandonar esses tecidos (pelos mesmos motivos),
acumulando-se progressivamente, no tecido adiposo.

Este fenómeno de redistribuição tem importantes implicações clínicas,


nomeadamente:

1. Os órgãos mais irrigados são aqueles que apresentam


concentrações mais elevadas do fármaco em questão, numa fase
mais precoce. Todavia, nessas regiões, os fármacos deixam de
exercer a sua acção farmacológica, sobretudo, devido ao
fenómeno de redistribuição (e não tanto por excreção ou
eliminação).

2. A acumulação do fármaco em locais onde a sua actividade não se


faz sentir leva a que os tecidos em questão passem a actuar
como “reservatórios”, que vão libertando o fármaco a velocidade
variável. Isto permite prolongar o tempo de permanência do
fármaco no organismo. De entre os tecidos que actuam como
reservatório, destaque para o tecido adiposo, que é
particularmente importante para o armazenamento de fármacos
lipossolúveis.

3. Na sequência de uma técnica de eliminação forçada (como sendo


a hemodiálise), é removida uma grande quantidade de fármaco
do sangue. Todavia, após a realização destas técnicas, a
concentração plasmática dos fármacos tende a aumentar, devido
à ocorrência de fenómenos de redistribuição, os quais respondem
à necessidade de se passar a estabelecer um novo equilíbrio
entre os diferentes compartimentos.

Distribuição para o sistema nervoso central


Apesar de o sistema nervoso central ser ricamente irrigado, a maior
parte dos fármacos atinge os órgãos centrais de forma lenta e
quantitativamente pouco extensa, devido à presença da barreira
hemato-encefálica. De facto, existem inclusive fármacos incapazes de
atingir o sistema nervoso central.

Todavia, apesar da presença da barreira hemato-encefálica, a


distribuição dos fármacos para o sistema nervoso central continua a
ocorrer preferencialmente por difusão passiva.

De referir que, existem situações patológicas (tais como a meningite)


que se caracterizam pela disrupção da barreira hemato-encefálica, o
que facilita a distribuição de fármacos para o sistema nervoso central.

Distribuição através da placenta


Actualmente, considera-se que a barreira placentária é muito pouco
selectiva, de tal modo que os fármacos presentes na circulação materna
passam facilmente para a circulação fetal. A maior parte dos fármacos
sitos no sangue materno passam para o feto por difusão passiva,
embora uma fracção menor passe por transporte activo e,
provavelmente, por pinocitose. Assim, a administração de um fármaco a
uma grávida deverá ser bastante ponderada, de modo a evitar que o
feto seja desnecessariamente exposto a substâncias potencialmente
nocivas.

Biotransformação (metabolismo)
O processo de biotransformação diz respeito a qualquer alteração que
a estrutura química dos fármacos poderá sofrer no organismo. De facto,
o organismo considera os fármacos como substâncias estranhas,
procurando eliminá-los o mais rapidamente possível. Para tal, o
organismo opera uma série de reacções com o objectivo de converter
os fármacos em moléculas mais facilmente excretáveis (daí considerar-
se que a biotransformação é um processo de eliminação), as quais se
designam por metabolitos.

Na maior parte das vezes,


quando comparados com os
fármacos que lhes deram
origem, os metabolitos são mais
hidrossolúveis, mais polares
(logo, com mais grupos
hidrofílicos), e de maiores
dimensões. Desta forma, os
metabolitos têm maior
dificuldade em atravessar as
membranas biológicas (ou seja,
a sua distribuição encontra-se
dificultada), mas são mais
facilmente excretados.

A biotransformação dos fármacos pode ocorrer em vários órgãos,


embora o fígado assuma particular importância, devido às suas
dimensões e à diversidade enzimática presente nos hepatócitos. De
qualquer forma, as reacções de biotransformação podem ser divididas
em duas fases:

1. Reacções de fase I (reacções pré-sintéticas): Estas reações


têm como objectivo tornar o fármaco mais polar, envolvendo, por
isso, processos de oxidação, redução, ou hidrólise (estes dois
últimos apresentam pouca importância quantitativa). As reacções
de oxidação são as mais importantes e, tal como as reacções de
redução, são maioritariamente mediadas pelo sistema
microssómico hepático – este sistema conta com a presença de
enzimas da família do citocromo P450 (CYP) e da família do
NADPH-citocromo P450 redútase.

2. Reacções de fase II: Estas reacções induzem um aumento das


dimensões moleculares, uma vez que consistem maioritariamente
em reacções de conjugação do fármaco com outros substratos
(de entre os quais se destaca o ácido glicurónico). As reacções
desta fase são mediadas por uma enorme variedade de
transferases, de tal modo que a fase II é a menos afectada em
situações de patologia hepática.

Devido ao facto de dependerem da acção enzimática, os processos de


biotransformação são saturáveis. Em condições normais, a saturação
não chega a ser atingida. Todavia, é perfeitamente possível que se
passe a verificar saturação enzimática, aquando da administração
simultânea de diferentes fármacos cuja eliminação seja assegurada
pelo mesmo sistema enzimático. Ora, nestas situações, em que ocorre
saturação das enzimas envolvidas nos processos de biotransformação,
os fármacos podem atingir concentrações plasmáticas muito superiores
às expectáveis.

Como referido anteriormente, a biotransformação é o processo do ciclo


dos medicamentos que mais variabilidade inter-individual comporta. Isto
deve-se, sobretudo, à existência de um polimorfismo genético que
interfere com a biotransformação e que, por esse motivo, é um dos
principais responsáveis pelas respostas atípicas à administração de
fármacos. Também a idade influencia o processo de biotransformação,
de modo determinante – os recém-nascidos apresentam sistemas
enzimáticos biotransformadores imaturos e que, muitas vezes, originam
metabolitos distintos daqueles originados pelos adultos. Por outro lado,
a biotransformação encontra-se comprometida nos idosos, sobretudo
devido à diminuição da massa e fluxo hepáticos, associada à
degeneração dos sistemas hepáticos. Por fim, a patologia hepática pode
condicionar o processo de biotransformação dos fármacos, sendo as
patologias crónicas mais deletérias que as transitórias. Como seria
expectável, a presença de patologia hepática afecta de forma mais
marcada a metabolização dos fármacos que estão sujeitos a extensa
biotransformação ou a um importante efeito de primeira passagem.

Interacção entre fármacos no processo de


biotransformação
Tal como se verifica com
o processo de
distribuição, a
biotransformação

é passível de ser
afectada pela ocorrência
de interacções entre
fármacos. De facto,
alguns fármacos
apresentam capacidade
de indução enzimática
(capacidade de aumentar
a actividade metabólica
enzimática), enquanto
outros apresentam
capacidade de inibição
enzimática (capacidade
de diminuir a actividade
metabólica enzimática).
Para compreender quais
as possíveis
consequências deste
facto, imaginemos uma
situação hipotética:

Os fármacos com capacidade


de inibição enzimática podem
actuar por mecanismos
competitivos ou não-
competitivos. A inibição diz-se
competitiva, quando o agente
inibidor ocupa o centro activo da
enzima (podendo, ou não, servir
de substrato enzimático) – este
tipo de inibição pode ser
superado através do aumento
da concentração de substrato.
Por oposição, a inibição diz-se
não-competitiva quando o
agente inibidor forma um
complexo (reversível ou
irreversível) com a enzima,
impossibilitando a interacção
entre esta e o

seu substrato – este tipo de inibição não pode ser superado através do
aumento da concentração de substrato. Existem ainda processos de
inibição indirecta, os quais resultam de alterações fisiopatológicas ou
da diminuição da síntese de proteínas enzimáticas.

Na maior parte das vezes, os fenómenos de inibição são do tipo


competitivo, interferindo maioritariamente com as enzimas da família do
citocromo P450. Como é óbvio, quanto menor a especificidade de
substrato de um sistema enzimático, mais vastas serão a priori as
implicações resultantes da sua inibição. De qualquer forma, em termos
clínicos, os fenómenos de inibição estão frequentemente associados
com o desenvolvimento de efeitos tóxicos, resultantes do aumento da
concentração plasmática dos fármacos cuja metabolização está
diminuída.

Existem situações em que as reacções de biotransformação originam


metabolitos com igual ou maior actividade que os fármacos que lhes
deram origem (ou seja em pró-fármacos, tais como as
benzodiazepinas). Nesse caso, a existência de inibição enzimática está
associada a uma perda de eficácia dos fármacos cuja metabolização
está diminuída.
Já no que concerne ao fenómeno de indução, convém referir que
existem fármacos capazes de induzir o seu próprio metabolismo (auto-
indução). De entres fármacos, destaque para a carbamazepina (anti-
epiléptico).

Excreção
A excreção de um fármaco define-se como o conjunto de processos
através dos quais se dá a saída do fármaco (ou dos metabolitos
resultantes da sua biotransformação) para o exterior do organismo.
Conhecer a via de excreção preferencial de um determinado fármaco é
importante, na medida em que esta poderá estar associada ao
desenvolvimento de efeitos terapêuticos ou indesejados.

Excreção por via urinária


Em termos quantitativos e fisiológicos, a via urinária constitui a mais
importante via de excreção. Isto deve-se ao elevado fluxo sanguíneo
renal, bem como ao facto de as reacções de biotransformação
convertem os fármacos em metabolitos polares, os quais são mais
facilmente excretados por via renal. De qualquer forma, apenas a
fracção livre dos fármacos (ou dos seus metabolitos) é passível de
sofrer filtração glomerular, o que mais uma vez reforça o papel de
“reservatório de fármaco” assumido pelos complexos fármaco-proteínas.

Parte dos fármacos filtrados sofre reabsorção tubular, que ocorre


preferencialmente, por difusão passiva. Ora, a difusão passiva de uma
substância é influenciada pelo seu grau de ionização, de tal modo que
alterações do pH do filtrado glomerular interferem com a reabsorção
tubular dos fármacos e seus metabolitos. Assim, a alcalinização do
filtrado promove a ionização dos ácidos fracos, inibindo a sua
reabsorção e favorecendo a sua excreção. Por oposição, acidificação
do filtrado favorece a reabsorção dos ácidos fracos e inibe a sua
excreção (verifica-se o contrário para as bases fracas). Assim, aquando
de uma intoxicação, é possível recorrer ao controlo do pH do filtrado
(tornando-o mais ácido ou mais alcalino), de modo a promover a
excreção renal de substâncias indesejadas. A título de exemplo,
aquando de uma intoxicação por um barbitúrico (ácido fraco), é costume
induzir alcalinização do filtrado para favorecer a excreção daquela
substância.

Existem ainda fármacos que são secretados para o lúmen tubular,


nomeadamente, através de processos de transporte activo. Ora, por
vezes, vários fármacos competem pelo mesmo transportador, o que
poderá levar a uma diminuição da velocidade de excreção destes
fármacos activamente secretados. A título de exemplo, o probenecid e a
penicilina G competem pelo mesmo transportador para serem
secretados – isto permite aumentar o tempo de semi-vida plasmática da
penicilina G, uma vez que a sua taxa de secreção (e,
consequentemente, de excreção) diminui, devido ao facto de os seus
transportadores estarem em parte ocupados com probenecid.

A excreção é ainda afectada por vários factores fisiológicos, de entre os


quais se destaca a idade – a capacidade excretora é menor nos recém-
nascidos (que não dispõem ainda de uma função renal completamente
desenvolvida) e nos mais idosos. Por outro lado, qualquer patologia
renal, ou que interfira com o fluxo plasmático renal, interfere
negativamente com o processo de excreção.

Outras vias de excreção


Para além da via urinária, existem muitas outras vias de excreção,
nomeadamente a via biliar, pulmonar, e intestinal. Os fármacos
excretados pela via biliar, onde predominam os processos de
transporte activo, podem ser parcialmente ou totalmente reabsorvidos,
através do ciclo entero-hepático. Como é óbvio, isto permite prolongar
significativamente o tempo de presença do fármaco e/ou metabolitos no
organismo.

Já a via de excreção pulmonar inclui a excreção de gases e


substâncias voláteis por via alveolar. Por fim, a excreção a partir de
glândulas exócrinas pode adquirir relevância em situações muito
particulares – a título de exemplo, a excreção de fármacos/metabolitos
por via das secreções mamárias poderá acarretar consequências
indesejáveis para o lactente.

Volume de distribuição
A fórmula supracitada (que deriva da fórmula clássica de cálculo de
uma concentração) permite calcular o volume aparente de
distribuição, o qual pode exceder amplamente qualquer volume do
organismo, dado corresponder ao volume aparentemente necessário
para acomodar todo o fármaco presente num dado compartimento (tal
como o plasma) caso o organismo fosse homogéneo. Um fármaco com
elevado volume de distribuição tende preferencialmente a apresentar
concentrações extra-vasculares superiores às intra-vasculares.

Clearance
Em termos matemáticos, a taxa de eliminação (clearance) pode ser
determinada através das seguintes fórmulas:

; sendo que:

Para a maior parte dos fármacos, a clearance não atinge a saturação


nos valores clínicos. Ora, quando assim é, diz-se que a taxa de
eliminação é de primeira ordem, podendo ser calculada através da
seguinte fórmula:

Contudo, quando as concentrações de fármaco presentes no organismo


são muito elevadas, a clearance pode passar a ser limitada por
saturação. Ora nestas situações, em que a eliminação é limitada pela
capacidade de excreção, o conceito de clearance não faz sentido, tal
como o uso da área sob a curva. Nesses casos, aplica-se a seguinte
fórmula para se proceder ao cálculo da taxa de eliminação de um
fármaco:

Tempo de semi-vida
A semi-vida de um fármaco (t1/2) corresponde ao tempo necessário
para que uma determinada quantidade de fármaco reduza o seu valor
para metade, quer no decurso de um processo de eliminação, quer
após infusão contínua.

O tempo de semi-vida pode ser matematicamente determinado pela


seguinte fórmula:

; sendo que:

; daqui se deduz que:

Assim, esta fórmula permite-nos obter o tempo necessário para atingir


50% das concentrações do fármaco em estado estacionário. Todavia,
algumas considerações devem ser tidas em conta, nomeadamente:

• Uma alteração no tempo de semi-vida não implica,


necessariamente, a ocorrência de mudanças na eliminação do
fármaco.

• No caso de fármaco que se distribuam por vários compartimentos,


o verdadeiro tempo de semi-vida é superior ao estimado pelas
fórmulas supracitadas.

Acumulação
Ocorre acumulação de um fármaco sempre que o intervalo das doses
administradas é inferior a quatro semi-vidas. Como expectável, a
acumulação é inversamente proporcional à fracção de dose de fármaco
perdida em cada intervalo.

As concentrações máximas de um fármaco atingidas no estado


estacionário (após administração de doses intermitentes deste fármaco)
calculam-se através do produto entre a concentração máxima atingida
após a administração da primeira dose e o factor de acumulação. Ou
seja:

sendo que:

Biodisponibilidade e fenómeno de primeira passagem


Apenas a administração de um fármaco por via intra-venosa assegura
uma biodisponibilidade de 100% - em todas as restantes vias a
biodisponibilidade é inferior. No caso de algumas vias (nomeadamente a
via oral e, em parte, a via rectal), o fenómeno de primeira passagem
contribui para a diminuição da biodisponibilidade farmacológica. Ora,
em termos matemáticos, este fenómeno pode ser estimado pela
seguinte fórmula:

Deste modo, a biodisponibilidade é passível de ser calculada pela


seguinte fórmula:

Como expectável, os fármacos com taxas de extracção hepática mais


elevadas comportam maior variabilidade inter-individual, as quais
resultam de diferenças inter-individuais na função hepática e fluxo
sanguíneo. Nesses fármacos, existem grandes diferenças entre as
concentrações obtidas por via oral e por uma via que não sofra efeito de
primeira passagem (tal como a via sublingual).

Note-se que não o efeito de primeira passagem não é o único


responsável pelo facto de a biodisponibilidade dos fármacos
administrados por via oral não ser total. A título de exemplo, a p-
glicoproteína (p-gp) é um transportador que impede a absorção de
alguns fármacos, expulsando-os activamente do interior das células
intestinais, de novo para o lúmen intestinal. Note-se que esta proteína é
inibida pelo sumo de toranja.

Administração de um fármaco
Com base nos parâmetros estudados, é possível proceder ao cálculo da
dose que deverá ser administrada de um determinado fármaco:

No estado estacionário sabe-se que a taxa de administração equivale à


taxa de eliminação, de tal modo que:

Ora, isto possibilita o cálculo da dose de manutenção (quantidade de


fármaco necessária para que ocorra manutenção da sua concentração
no estado estacionário):

A concentração no estado estacionário atingida por infusão contínua


apenas depende da clearance, tal como se verifica com a concentração
média atingida após administração intermitente. Assim, não é
necessário conhecer a semi-vida ou o volume de distribuição de um
fármaco para determinar a concentração plasmática média expectável
para uma determinada taxa de absorção.

Aquando da administração de uma nova quantidade de fármaco por via


intra-venosa, deve-se ter em conta a relação taxa de absorção/taxa de
distribuição – se a absorção for muito rápida em comparação com a
distribuição, as concentrações plasmáticas do fármaco serão
inicialmente mais elevadas, o que poderá despoletar toxicidade
transitória.

Efeitos de um fármaco
Os efeitos de um fármaco podem ser classificados como imediatos,
tardios ou cumulativos:

• Efeitos imediatos: Estes efeitos relacionam-se directamente com


as concentrações plasmáticas do fármaco em questão, embora
nem sempre reflictam a variação de concentrações que se faz
sentir ao longo do dia. De facto, alguns fármacos com um curto
período de semi-vida podem

ser administrados apenas uma vez por dia (mantendo os seus


efeitos ao longo do dia), pois atingem uma concentração inicial
muito superior às EC50. Note-se que, quando as concentrações
de um fármaco encontram-se no intervalo entre [0,25xEC50;
4xEC50], a sua relação tempo-efeito expressa-se por uma função
linear.

• Efeitos tardios: Estes efeitos ocorrem apenas ao fim de algumas


horas ou dias, devido ao lento turn-over dos produtos resultantes
do metabolismo dos fármacos.

• Cumulativos: Estes efeitos resultam da progressiva acumulação


de um fármaco no organismo (ou seja, na maioria das vezes,
apenas se verificam após administração deste fármaco em doses
sucessivas). A título de exemplo, ao acumularem-se no córtex
renal, os aminoglicosídeos induzem necrose tubular aguda. Por
outro lado, os efeitos terapêuticos de vários anti-neoplásicos
também são de cariz cumulativo.
Introdução ao estudo dos fármacos
colinérgicos
A acetilcolina é um neurotransmissor extremamente importante, tanto
ao nível do sistema nervoso central como ao nível do sistema nervoso
periférico. Em termos centrais, existem vários neurónios colinérgicos
(por exemplo, ao nível da formação reticular), havendo relação entre a
diminuição da quantidade central de acetilcolina e a doença de
Alzheimer. Já em termos periféricos, a acetilcolina é o neurotransmissor
utilizado nos nervos motores, encarregues da inervação muscular –
assim, ao nível da placa motora, é libertada acetilcolina, que actua em
receptores nicotínicos, induzindo contracção muscular.

O papel da
acetilcolina no
sistema nervoso
autónomo é mais
complexo. De facto,
tanto os neurónios
pré-ganglionares
simpáticos, como
os neurónios pré-
ganglionares
parassimpáticos,
libertam acetilcolina
para os respectivos
neurónios pós-
ganglionares.
Todavia, enquanto
os neurónios pós-
ganglionares
simpáticos libertam
noradrenalina, os
neurónios pós-
ganglionares
parassimpáticos
libertam também
acetilcolina. Assim,
a acetilcolina
promove a
contracção do
músculo liso
visceral,
desempenhando
efeitos
característicos de
uma resposta
parassimpática
(tais como a
estimulação da
broncoconstrição e
do peristaltismo).
Para além disso, os
neurónios
simpáticos
responsáveis pela
inervação das
glândulas exócrinas
libertam
acetilcolina, que
estimula a
secreção glandular.

No que concerne aos efeitos da acetilcolina, destaque ainda para o


facto de esta substância ser vasodilatadora. A acção vasodilatadora da
acetilcolina parece um contra-senso, tendo em conta que este mediador
promove contracção do músculo liso visceral. Todavia, os efeitos
vasodilatadores da acetilcolina são indirectos – a acetilcolina actua em
receptores endoteliais, estimulando a síntese endotelial de NO. Por seu
turno, o NO actua nas células musculares lisas vasculares, onde
apresenta um efeito vasodilatador.

A acetilcolina exerce os seus efeitos, através da ligação a duas classes


distintas de receptores – os receptores muscarínicos (receptores M)
devem o seu nome ao facto de também poderem ser activados pela
muscarina, enquanto os receptores nicotínicos (receptores N) são
assim designados por também poderem ser activados pela nicotina. O
nome destes receptores baseia-se meramente em estudos históricos
(até porque não existe muscarina ou nicotina endógena), pois a
acetilcolina constitui o principal ligando endógeno de ambos os tipos de
receptores.

Os receptores muscarínicos são exclusivamente expressos ao nível das


estruturas viscerais, nomeadamente, ao nível das glândulas exócrinas,
músculo liso, e endotélio (as respostas ditas “parassimpáticas” são
despoletadas na sequência da activação de receptores muscarínicos).
Em termos moleculares, estes receptores apresentam sete domínios
transmembranares e são do tipo metabotrópico, estando acoplados a
proteína G (a activação destes receptores activa cascatas de
sinalização intracelulares, ou interfere com canais iónicos
membranares). Existem cinco classes de receptores muscarínicos – M1,
M2, M3, M4 e M5. Os receptores M1, M3, e M5 estão acoplados à
proteína Gq, induzindo um aumento dos níveis intracelulares de cálcio.
Por seu turno, os receptores M2 e M4 estão acoplados à proteína Gi,
inibindo a actividade da adenil cíclase. Para além disso, o receptor M2
está acoplado a uma proteína Gi que, quando activada, se liga
directamente a um canal iónico de K+.

Já os receptores nicotínicos são exclusivamente expressos ao nível do


músculo esquelético (na placa motora) e nas células cromafins da
medula supra-renal. Estes receptores são do tipo ionotrópico (ou seja,
são constituídos por canais iónicos), apresentando uma estrutura
pentamérica (ou seja, são constituídos por cinco subunidades). Existem
várias subunidades, de cuja interacção resultam múltiplas combinações
– estas combinações de subunidades determinam a estrutura e as
propriedades funcionais dos receptores nicotínicos (como, por exemplo,
a permeabilidade ao cálcio). De referir que, em termos moleculares, a
abertura dos canais iónicos associados aos receptores nicotínicos está
dependente da ligação de duas moléculas de acetilcolina às
subunidades α de cada receptor.

A exposição prolongada dos receptores nicotínicos aos seus agonistas


abole a resposta efectora. Isto é, caso um receptor nicotínico neuronal
seja excessivamente activado, o neurónio pós sináptico deixa de
responder; enquanto, a estimulação excessiva de um receptor muscular
leva ao relaxamento do músculo esquelético. Isto acontece porque a
presença continuada de um agonista nicotínico evita a recuperação
eléctrica da membrana pós-juncional. Assim, este efeito de “bloqueio
despolarizante” pode ser utilizado para produzir paralisia muscular.

Ao nível do sistema nervoso central e dos gânglios autonómicos, ocorre


expressão conjunta de receptores muscarínicos e nicotínicos. Assim,
tendo em conta a enorme diversidade de locais onde são expressos
receptores colinérgicos, a administração de fármacos colinérgicos não-
selectivos poderá causar alterações difusas e muito marcadas na
função de vários sistemas orgânicos. Deste modo, devem ser
escolhidos fármacos com alguma selectividade funcional, a qual pode
ser de vários tipos:

1. Existem fármacos que activam selectivamente receptores


nicotínicos ou muscarínicos.

2. Existem fármacos que activam preferencialmente um subtipo de


receptores nicotínicos (a título de exemplo, existem fármacos que
activam preferencialmente os receptores nicotínicos musculares,
em detrimento dos ganglionares).

3. Devido às suas diferentes propriedades farmacocinéticas, através


da correcta escolha da via de absorção dos fármacos, e possível
obter selectividade farmacocinética. A título de exemplo,
quando se procura obter efeitos centrais, procede-se à
administração de um fármaco com capacidade de atravessar a
barreira hemato-encefálica.

Síntese e degradação da acetilcolina


A acetilcolina é sintetizada a partir de acetil-CoA e colina, sendo esta
reacção catalisada pela acetiltransférase da colina (ChAT). Esta
enzima encontra-se presente, sobretudo, no citoplasma dos neurónios
colinérgicos, embora a placenta também expresse uma grande
quantidade de ChAT. De referir que, a síntese de acetilcolina é um
processo rápido, mas que pode ser acelerado durante a actividade
nervosa.
Existem alguns
inibidores da
ChAT (tais como
o bromoacetil-
CoA), embora
estes sejam
deveras pouco
eficazes, uma vez
que o passo
limitante da
síntese de
acetilcolina se
prende com o
transporte de
colina a partir do
meio extracelular.
De facto, devido
ao facto de ser
uma base
quaternária, a
colina difunde-se
muito lentamente
através das
membranas
celulares. Assim,
a maior parte da
colina é captada
para o meio
intracelular,
através de um
transportador
membranar com
elevada afinidade
para esta
substância. Ora,
esse
transportador
pode ser inibido
por compostos
estruturalmente
similares à colina,
tais como o
hemicolíneo-3.
De referir que a
capacidade de
concentrar colina
no interior do
terminal nervoso
revela-se
particularmente
importante em
situações de
maior actividade
nervosa, nas
quais se torna
necessária uma
aceleração da
síntese de
acetilcolina.

Para além de poder ser captada a partir do meio extracelular, a colina


pode ser obtida por hidrólise dos fosfolipídeos das membranas
celulares. Já o acetil-CoA, é sintetizado nas mitocôndrias, podendo ser
sintetizado a partir do piruvato ou do acetato.

Após ter sido sintetizada, a acetilcolina é armazenada em vesículas


sinápticas. A entrada de acetilcolina para essas vesículas é mediada
por um trocador, o qual é inibido pelo vesamicol. Existem vários tipos
de vesículas de acetilcolina, sendo que algumas constituem vesículas
de reserva – a existência deste tipo de vesículas previne a ocorrência
de depleção de acetilcolina.

A libertação de acetilcolina requer a fusão entre a membrana das


vesículas sinápticas e a membrana celular do terminal pré-sináptico. A
ocorrência deste processo está dependente da interacção entre
proteínas vesiculares (tais como a sinaptobrevina) e proteínas da
membrana do terminal (tais como a SNAP-25) – ora, esta interacção é
inibida pela toxina botulínica, que actua através da remoção
enzimática de um ou dois aminoácidos das proteínas do aparelho
exocítico.

Após ter sido libertada (e após se ter ligado aos seus receptores pós-
sinápticos), a acetilcolina deverá ser rapidamente removida da fenda
sináptica. Assim, existem três mecanismos envolvidos na remoção
deste neurotransmissor:

1. Inactivação enzimática: Ao nível das fendas sinápticas, existe


uma grande quantidade de acetilcolinesterase (ACh-E), que é a
enzima responsável pela hidrólise de acetilcolina em acetato e
colina (a qual pode ser depois captada pelo neurónio pré-
sináptico). A Ach-E é maioritariamente sintetizada ao nível dos
neurónios e dos miócitos, embora também seja expressa por
outras células, tais como os eritrócitos. Para além disso, ao nível
do plasma, fígado, glia, e músculo liso gastro-intestinal, existe
uma colinesterase com menor especificidade para a acetilcolina –
a butirilcolinesterase (BCh-E). O nome da BCh-E advém do
facto de esta enzima conseguir hidrolisar mais rapidamente a
butirilcolina que a acetilcolina. De qualquer modo, o papel
fisiológico da BCh-E permanece ainda amplamente
desconhecido, pensando-se que esta enzima seja importante na
biotransformação plasmática de fármacos.

A Ach-E apresenta uma grande eficácia, motivo pelo qual o


processo de inactivação enzimática é o mais importante para
remoção da acetilcolina da fenda sináptica. Assim, os restantes
mecanismos de remoção apenas adquirem maior relevância
aquando da administração de inibidores da ACh-E.

2. Recaptação de acetilcolina pelos terminais nervosos: Nas


terminações colinérgicas em repouso, a reciclagem da acetilcolina
libertada ocorre a baixa velocidade. Todavia, na presença de
actividade sináptica, passa se a verificar um aumento da
velocidade de recaptação deste neurotransmissor.

3. Difusão de acetilcolina da fenda sináptica.


Fármacos de acção colinérgica:
parassimpaticomiméticos
Designam-se por parassimpaticomiméticos (ou
acetilcolinomiméticos), todos os agentes capazes de activar os
receptores da acetilcolina ou de inibir as colinesterases. Os fármacos
que se ligam directamente (e activam) aos receptores da acetilcolina
designam-se por parassimpaticomiméticos de acção directa, enquanto
os fármacos que inibem as colinesterases designam-se por

parassimpaticomiméticos de acção indirecta.

Parassimpaticomiméticos de acção directa


Como foi referido anteriormente, os fármacos parassimpaticomiméticos
de acção directa ligam-se e activam receptores nicotínicos e
muscarínicos. Existem duas classes de parassimpaticomiméticos de
acção directa, de acordo com a sua estrutura química:

1. Ésteres de colina: Acetilcolina, metacolina, betanecol, carbacol

2. Alcalóides: Muscarina, pilocarpina, nicotina, lobelina (os dois


primeiros fármacos apresentam acção predominantemente
muscarínica, enquanto os dois últimos apresentam acção
predominantemente nicotínica).

A maior parte dos parassimpaticomiméticos de acção directa é capaz de


se ligar a ambos os tipos de receptores colinérgicos (muscarínicos e
nicotínicos), tal como acontece com a acetilcolina. Todavia, designam-
se por agonistas muscarínicos todos os parassimpaticomiméticos de
acção directa que actuam em receptores muscarínicos, enquanto a
classe dos agonistas nicotínicos inclui todos os
parassimpaticomiméticos de acção directa que actuam em receptores
nicotínicos.

De entre os
agonistas
muscarínicos, a
maior

parte possui fraca


selectividade para
os

vários subtipos de
receptores
muscarínicos.
Todavia, os
compostos de
amónio
quaternário têm
alguma afinidade
para o receptor
M1, a arecaidina
possui afinidade
para o receptor
M2, e o betanecol

parece estimular preferencialmente o receptor M3. Já entre os agonistas


nicotínicos, existem fármacos que actuam preferencialmente ao nível
dos receptores da placa motora (tais como o decametónio), enquanto
outros actuam preferencialmente ao nível neuronal (tais como a
epibatidina).

De referir que, os receptores muscarínicos apresentam forte


selectividade estereoquímica – o enantiómero (S)-betanecol é cerca de
1000 vezes mais potente que o (R)-betanecol.

Farmacocinética
Ésteres de colina

Os ésteres de colina apresentam propriedades hidrofílicas, de tal modo


que são pouco absorvidos e atravessam a barreira hemato-encefálica
com dificuldade. Apesar de serem todos hidrolisados no tracto gastro-
intestinal (o que os torna menos activos quando administrados por via
oral), estes ésteres diferem amplamente na sua susceptibilidade à
hidrólise pelas colinesterases. Assim, a acetilcolina é hidrolisada muito
rapidamente, de tal modo que devem ser administradas grandes
quantidades deste mediador por via intra-venosa, de modo a que sejam
atingidas concentrações susceptíveis de produzir efeitos detectáveis.
Quando comparada com a acetilcolina, a metacolina apresenta maior
resistência à hidrólise, embora continue a ser menos resistente que o
carbacol e o betanecol (dois ésteres de ácido carbâmico). Assim, dada
a sua resistência à hidrólise, as duas últimas substâncias apresentam
uma maior duração de acção.

De referir que, a metacolina e o betanecol apresentam um grupo β-


metilo, o qual reduz a acção destes fármacos sobre os receptores
nicotínicos.

Alcalóides parassimpaticomiméticos

Por seu turno, os alcalóides naturais terciários (pilocarpina, nicotina, e


lobelina) são bem absorvidos, independentemente da via de absorção.
De facto, a nicotina é tão lipossolúvel, que pode ser absorvida através
da pele! Por oposição, a muscarina é uma amina quaternária, o que
leva a que seja mais dificilmente absorvida pelo trato gastrointestinal.
Todavia, a muscarina consegue atravessar a barreira hemato-encefálica
em quantidades significativas e, quando ingerida, pode ser tóxica.

Por fim, no que concerne à sua excreção, estas aminas são


preferencialmente excretadas por via renal.

De referir que a acidificação da urina acelera a depuração das aminas


terciárias.

Acções farmacológicas
Olho

Os agonistas muscarínicos induzem contracção do esfíncter da pupila e


do músculo ciliar, o que se manifesta através da ocorrência de miose e
acomodação. A contracção destes músculos permite que a íris seja
afastada do ângulo irido-corneal, o que abre a rede trabecular. Ora, isto
facilita a drenagem do humor aquoso para o canal de Schlemm, o que
se revela particularmente benéfico em pacientes com glaucoma. De
referir que a pilocarpina constitui o parassimpaticomiméticos mais
frequentemente utilizado em pacientes com glaucoma.

Sistema cardiovascular

Os efeitos cardiovasculares dos agonistas muscarínicos são mediados


por receptores M2. Em termos cardiovasculares, estas substâncias
reduzem a resistência vascular periférica e a frequência cardíaca. Para
além disso, a administração intra-venosa de acetilcolina leva ao
desenvolvimento de vasodilatação e, subsequentemente, hipotensão.
Estes efeitos manifestam-se, inclusive, aquando da administração de
reduzidas quantidades de acetilcolina, de tal modo que, caso sejam
administradas doses maiores de acetilcolina, passa a ocorrer
bradicardia e diminuição da velocidade de condução no nó aurículo-
ventricular.

Em termos genéricos, os agonistas muscarínicos exacerbam as


correntes hiperpolarizadoras, e atenuam as correntes despolarizadoras
das células cardíacas especializadas na condução. Assim, estes
fármacos induzem abrandamento do ritmo de marca-passo, e redução
da contractilidade das células auriculares. Todavia, estes efeitos podem
ser contrariados pelo aumento reflexo da actividade simpática (a
diminuição da pressão arterial activa sistemas de reflexo, que induzem
um aumento da actividade simpática) – gera-se, assim, uma interacção
complexa, que ainda se torna mais intrincada pelo facto de os agonistas
muscarínicos serem capazes de modular a actividade simpática, através
da inibição da libertação de noradrenalina.

A inervação parassimpática desempenha um papel muito menos


relevante na função ventricular, do que na função auricular. Assim, o
contributo directo dos agonistas muscarínicos para a modulação da
função ventricular é muito reduzido. Todavia, os agonistas muscarínicos
interferem com a função ventricular de forma indirecta, ao induzirem
uma redução da actividade simpática.

Os agonistas muscarínicos promovem ainda fenómenos de


vasodilatação, embora de forma indirecta. Assim, ao actuarem sobre o
endotélio, os estes fármacos promovem a síntese endotelial de NO.
Subsequentemente, o NO actua nas células musculares lisas
vasculares, promovendo o seu relaxamento e, consequentemente, a
ocorrência de vasodilatação.

Os ésteres de colina apresentam acções cardiovasculares similares,


mas diferente potência e duração da acção. A título de exemplo,
quando comparados com a acetilcolina, a metacolina, o betanecol, e o
carbacol são mais resistentes à acção das hidrólases. Assim, passa a
ser necessário administrar doses menores destes fármacos, de modo a
obter efeitos semelhantes aos da acetilcolina.

Os alcaloides parassimpaticomiméticos também apresentam efeitos


cardiovasculares similares aos da acetilcolina. Todavia, a pilocarpina
constitui uma excepção, na medida em que, quando administrada por
via intra-venosa, induz um efeito hipertensor – este efeito deve-se à
activação dos receptores M1 dos neurónios pós-ganglionares
simpáticos.

Sistema nervoso central

O sistema nervoso central expressa receptores muscarínicos e


nicotínicos, embora o encéfalo expresse predominantemente receptores
muscarínicos e a espinal medula possua mais receptores nicotínicos.
Apesar de os receptores muscarínicos predominarem no encéfalo, a
nicotina desempenha importantes efeitos centrais – em doses
moderadas, a nicotina desempenha efeitos sobre a atenção, todavia,
em doses mais elevadas, a nicotina pode causar tremor, vómito,
estimulação do centro respiratório e, em situações mais extremas,
convulsões e coma.

Sistema nervoso periférico

Apesar de tanto existirem receptores nicotínicos nos gânglios


autonómicos como nas junções neuro-musculares, a nicotina tem maior
afinidade para os receptores neuronais que para os musculares. De
qualquer forma, a sua acção é semelhante tanto nos gânglios
parassimpáticos como nos gânglios simpáticos, de tal modo que a
resposta inicial induzida pela nicotina assemelha-se à activação
simultânea ambas as divisões. No sistema cardiovascular, as acções da
nicotina são predominantemente simpaticomiméticas (a nicotina induz
hipertensão e taquicardia); enquanto nos sistemas gastro-intestinal e
genito-urinário, as acções da nicotina são predominantemente
parassimpaticomiméticas.

De referir que, como já foi referido, ao nível dos gânglios autónomos, a


exposição prolongada aos agonistas nicotínicos pode causar o bloqueio
despolarizante dos gânglios, tal como se verifica na junção neuro-
muscular.

Junção neuro-muscular

Ao nível da placa motora, são expressos receptores nicotínicos


semelhantes aos dos gânglios autonómicos. Ora, ao actuar nesses
receptores, a acetilcolina (tal como os restantes agonistas nicotínicos)
induz despolarização da placa motora. A acetilcolina libertada na placa
motora esquelética actua ainda em receptores nicotínicos dos neurónios
pré-sinápticos, onde promove a sua própria libertação (actuando assim,
através de um efeito de feedback positivo). Este mecanismo permite
amplificar a resposta pré-sináptica, e pode se revelar útil para a
terapêutica da miastenia gravis.

Todavia, os agonistas nicotínicos que não são rapidamente hidrolisados


(tais como a nicotina) promovem o desenvolvimento de bloqueio neuro-
muscular despolarizante – ou seja, o bloqueio da transmissão persiste,
mesmo quando a membrana é repolarizada. Em termos práticos, no
músculo esquelético, este bloqueio manifesta-se através do
desenvolvimento de paralisia flácida.

Outros órgãos e sistemas

Sistema Efeitos dos agonistas muscarínicos


Sistema Contracção do músculo liso da árvore
respiratório brônquica e aumento da secreção
glandular traqueo-brônquica.
Sistema Relaxamento esfinctérico, aumento da
digestivo motilidade e aumento da actividade
secretora, sobretudo, das glândulas salivares e
gástricas (acções mediadas
pelos receptores M3).
Sistema Contracção do músculo detrusor e
urinário relaxamento do trígono vesical
(favorecimento do esvaziamento da bexiga)
Glândulas Estimulação da secreção das glândulas
exócrinas sudoríparas, lacrimais e nasofaríngeas

Parassimpaticomiméticos de acção indirecta


Os parassimpaticomiméticos de acção indirecta inibem a actividade da
enzima ACh-E, levando a que menos acetilcolina seja hidrolisada na
fenda sináptica. Consequentemente, passa a ocorrer um aumento dos
níveis endógenos de acetilcolina na fenda sináptica e nas junções
neuro-efectoras – este excesso de acetilcolina activa os respectivos
receptores colinérgicos, desencadeando as respostas correspondentes.

Estes agentes actuam, sobretudo, ao nível do centro activo da ACh-E,


embora também possam actuar sobre outras enzimas (tais como a
BCh-E) ou ter uma acção marginal directa sobre os receptores
nicotínicos. De qualquer forma, uma vez que a sua acção principal se
prende com a inibição da ACh-E, os parassimpaticomiméticos de acção
indirecta são, por vezes, também designados por “inibidores das
colinesterases”.

Estrutura química
Os fármacos desta classe apresentam propriedades farmacodinâmicas
similares, mas propriedades farmacocinéticas e estrutura química
distintas. Assim, no que concerne à estrutura química, os
parassimpaticomiméticos de acção indirecta podem ser divididos em
três grandes grupos:

1. Álcoois simples possuidores de um grupo amónio: Edrofónio

2. Carbamatos (ésteres do ácido carbâmico de álcoois possuindo


grupos de amónio quaternário ou terciário): Os carbamatos
quaternários incluem a neostigmina e a piridostigmina, enquanto
os carbamatos terciários incluem a fisostigmina.

3. Derivados orgânicos do ácido fosfórico

a. Com um grupo orgânico: Organofosfarados (grupo de


fármacos que inclui o ecotiofato, o paratião, e o malatião)

b. Com um grupo lábil (átomo ou grupo de átomos que, tal


como o flúor, “abandona” uma substância química): Diflos

Em termos moleculares, o edrofónio, a neostigmina, e o ambenónio


são agentes sintéticos de amónio quaternário. Por oposição, a
fisostigmina é a única amina terciária natural usada na clínica e, dado
ser uma amina terciária, possui elevada solubilidade.

No que concerne aos organofosfarados, estes compostos são líquidos


voláteis muito lipossolúveis. O ecotiofato constitui uma excepção, na
medida em que é mais estável em solução aquosa. Por esse motivo, e
pelo facto de possuir um tempo de actuação prolongado (tal como os
restantes organofosfatos), este derivado da tiocolina apresenta
importantes aplicações clínicas.

Alguns organofosfarados são utilizados como insecticidas – é o caso do


paratião e do malatião, dois compostos tiofosfatados inactivos na sua
forma original, que necessitam de ser activados nos animais e plantas
para que possam exercer a sua acção. De referir que, alguns
carbamatos também podem ser usados como insecticidas – é o caso do
carbaril que, dado possuir elevada solubilidade, é rapidamente
absorvido pela quitina dos insectos, e distribuído para o sistema
nervoso central.

Farmacocinética
Carbamatos

Os carbamatos quaternários são mal absorvidos pela pele, conjuntiva,


e pulmões; e apresentam penetração desprezível no sistema nervoso
central. Isto deve-se ao facto de estes compostos terem uma
solubilidade nos lipídeos extremamente baixa, secundária ao seu
estado de permanente ionização. Deste modo, quando se procede à
administração oral destes fármacos, dever-se-ão aplicar doses muito
elevadas destes fármacos, de modo a que sejam obtidos os efeitos
necessários.

Por oposição, a fisostigmina (um carbamato terciário) apresenta maior


solubilidade, sendo bem absorvida por todos os locais de administração,
e podendo ser aplicada no olho. Para além disso, este fármaco
atravessa facilmente a barreira hemato-encefálica, motivo pelo qual é
mais tóxica que os carbamatos quaternários.

Os carbamatos são relativamente estáveis em solução aquosa, embora


possam ser metabolizados no organismo por esterases inespecíficas.
Apesar disso, a duração da acção dos carbamatos é, sobretudo,
determinada pela estabilidade dos complexos inibidor-enzima, e não
tanto pela sua biotransformação ou excreção.

Organofosfarados

Os organofosfarados são compostos não-polares voláteis e altamente


lipossolúveis, sendo, por isso, bem absorvidos pela pele, tubo digestivo,
pulmão e conjuntiva. Para além disso, esses compostos atravessam
facilmente a barreira hemato-encefálica, o que explica porque é que
estas substâncias são utilizadas como insecticidas e são tão perigosas
para o Homem. Todavia, os organofosfarados são menos estáveis que
os carbamatos em solução aquosa, apresentando, por isso, um menor
período de semi-vida.

Como já foi referido, o ecotiofato constitui uma excepção no grupo dos


organofosfarados, na medida em que é um composto muito polar.
Assim, este fármaco é mais estável que os restantes organofosfarados,
podendo, por isso, ser usado em oftalmologia sob a forma de solução
aquosa (sendo que as propriedades desta solução se mantêm durante
semanas).

Os insecticidas tiofosfatados (paratião, malatião…) são altamente


lipossolúveis, o que facilita a sua absorção por todas as vias. Como
referido anteriormente, estes compostos necessitam de ser activados no
organismo, de modo a exercerem os seus efeitos. Para os seres
humanos, o paratião revela-se mais perigoso que o malatião, uma vez
que este último composto é rapidamente inactivado por vias
metabólicas alternativas.

Mecanismo de acção
Os parassimpaticomiméticos de acção indirecta têm como alvo inibitório
a ACh-E. Todavia, dependendo da sua estrutura química, estes
parassimpaticomiméticos apresentam diferentes vias moleculares de
actuação.

Em termos genéricos, os carbamatos e o edrofónio são, por vezes,


referidos como inibidores “reversíveis” das colinesterases, enquanto os
organofosfarados são referidos como inibidores “irreversíveis”. Todavia,
um estudo mais detalhado do mecanismo de acção destes fármacos
demonstra que essa descrição não é totalmente correcta.

Álcoois quaternários

Os álcoois quaternários ligam-se reversivelmente ao centro activo da


ACh-E, através de pontes de hidrogénio e ligações electrostáticas.
Apesar de impedirem a ligação da acetilcolina ao centro activo da ACh-
E, estas ligações são fracas, de tal modo que o complexo enzima-
inibidor tem um período curto de semi-vida (que ronda os minutos).

Carbamatos

Os carbamatos ligam-se a dois locais do centro activo da ACh-E,


estabelecendo simultaneamente uma ligação electrostática e uma
ligação covalente. Subsequentemente, estes compostos são
hidrolisados pela ACh-E (tal como acontece com a acetilcolina) –
todavia, a ligação covalente da enzima carbamilada

é mais resistente ao processo de hidrólise, de tal modo que a fase de


regeneração da enzima se torna mais prolongada (por um período que
pode ir até seis horas). Assim, os efeitos dos carbamatos têm maior
duração que os dos álcoois quaternários.

Organofosfarados
As moléculas dos organofosfarados ligam-
se ao centro activo da ACh-E, por via do
seu átomo de fósforo. Assim, o centro
activo da enzima é fosforilado por estes
compostos. A ligação estabelecida entre a
enzima e o grupo fosfato é muito estável,
sendo hidrolisada apenas ao fim de
centenas de horas! Para além disso, alguns
compostos (como o diflos) são tão
dificilmente hidrolisados, que a recuperação
da actividade enzimática após a sua
inibição, depende da síntese de novas
moléculas de enzima (sendo que este
processo ocorre ao longo de várias
semanas). Por outro lado, no caso concreto
do ecotiofato, a hidrólise processa-se de
forma lenta e ao longo de vários dias, de tal
modo que a inibição enzimática não poderá
ser considerada estritamente irreversível.

Após ter ocorrido ligação e hidrólise, a


enzima fosforilada pode sofrer um processo
de “envelhecimento”. Este processo
consiste na quebra de uma das ligações
fósforo-oxigénio do organofosfarado, o que
reforça ainda mais a ligação entre o fósforo
e a enzima. Após ter ocorrido
envelhecimento enzimático, o complexo
“enzima-inibidor” torna-se ainda mais
estável e, por conseguinte, ainda mais
difícil de se dissociar, mesmo na presença
de oximas regeneradoras.

Os compostos nucleofílicos fortes são substâncias que, caso sejam


administradas antes da ocorrência de envelhecimento enzimático,
actuam num sentido de quebrar a ligação fósforo-enzima. Assim, estes
fármacos (dos quais são exemplo a pralidoxima e a obidoxima)
podem ser utilizados como “regeneradores da colinesterase”, em
situações de intoxicação por organofosfarados.
A maior parte dos organofosfarados não apresenta um grupo amónio
quaternário, o que faz com que estes possam inibir várias outras
hidrólases contendo serina (tais como a trombina e a tripsina) – ora,
como é compreensível, isto acarreta vários efeitos secundários
relevantes. Mais uma vez, o ecotiofato constitui uma excepção, na
medida em que possui um grupo amónio quaternário.

Acções farmacológicas
Os parassimpaticomiméticos de acção indirecta apresentam efeitos
semelhantes aos seus homólogos de acção directa. Todavia, estes
efeitos apenas se verificam quando pelo menos 50% das enzimas se
encontram bloqueadas, na medida em que o organismo expressa uma
quantidade de colinesterases muito superior às necessidades
fisiológicas.

Sistema nervoso central

Em baixas concentrações, os parassimpaticomiméticos indirectos


lipossolúveis (tais como a fisostigmina e os organofosfarados não
polares) induzem uma resposta subjectiva de alerta. Todavia, em
concentrações mais elevadas, estes fármacos podem causar
convulsões generalizadas, coma, e paragem respiratória. Estes efeitos
resultam, sobretudo, da activação de receptores muscarínicos, podendo
ser antagonizados por acção da atropina.

Sistema cardiovascular

Ao nível do coração, apesar de aumentarem a activação dos gânglios


simpáticos e parassimpáticos, os inibidores das colinesterases
apresentam efeitos predominantemente parassimpaticomiméticos.
Assim, estes compostos promovem uma redução do cronotropismo, do
inotropismo, e do dromotropismo, o que induz diminuição do débito
cardíaco. Caso sejam administrados em doses mais elevadas (tóxicas),
estes fármacos causam bradicardia mais acentuada e hipotensão. De
referir que, tal como acontece com os seus homólogos de acção directa,
os parassimpaticomiméticos de acção indirecta atenuam a
contractilidade ventricular de forma indirecta, pois a acetilcolina é capaz
de inibir a libertação de noradrenalina por parte dos terminais
simpáticos.

Os inibidores das colinesterases induzem efeitos menos exuberantes


que os agonistas muscarínicos, ao nível do músculo liso vascular e da
pressão arterial. De facto, os inibidores das colinesterases apenas
modificam o tónus dos poucos vasos que apresentam inervação
colinérgica. Para além disso, a tonicidade vascular depende do balanço
entre a activação simpática e parassimpática e, como é sabido, a
acetilcolina é activadora dos neurónios pós-ganglionares simpáticos.

Junção neuro-muscular

Quando administrados em concentrações terapêuticas (reduzidas), os


inibidores das colinesterases prolongam e intensificam as acções da
acetilcolina libertada fisiologicamente. Esta acção amplifica a
contracção muscular, algo que se revela particularmente útil em
indivíduos com miastenia gravis.

Por oposição, em concentrações tóxicas (elevadas), estes fármacos


induzem uma acumulação de acetilcolina tal, que passa a ocorrer
fibrilação das fibras musculares e fasciculações de toda a unidade
motora. Caso as concentrações administradas sejam extremamente
elevadas, pode ocorrer um bloqueio neuromuscular despolarizante,
seguido de uma fase de bloqueio não-despolarizante, tal como
acontece aquando da administração de succinilcolina.

Alguns carbamatos quaternários (tais como a neostigmina) são ainda


capazes de activar directamente receptores nicotínicos da junção neuro-
muscular. Esta propriedade revela-se benéfica para o tratamento das
miastenias.

Outros órgãos e sistemas

Ao nível do olho, tracto gastro-intestinal, sistema respiratório, e sistema


urinário, os inibidores das colinesterases apresentam efeitos similares
aos despoletados pelos parassimpaticomiméticos de acção directa.
Todavia, em doses mais elevadas, os inibidores das colinesterases
podem bloquear a transmissão ganglionar, induzindo efeitos complexos.
De referir que, a neostigmina e a piridostigmina interferem mais com a
transmissão neuro-muscular do que com as funções autonómicas, ao
contrário do que se passa com a fisostigmina e compostos
organofosfarados. Os motivos desta diferença permanecem ainda
desconhecidos, mas esta selectividade pode ser terapeuticamente
vantajosa.

Uso terapêutico dos parassimpaticomiméticos

Olho
Ao promoverem a drenagem do humor aquoso, os agonistas
muscarínicos e os inibidores das colinesterases actuam num sentido de
reduzir a pressão intra-ocular, o que se revela benéfico na terapêutica
do glaucoma (patologia caracterizada pelo aumento da pressão intra-
ocular).

Actualmente, os parassimpaticomiméticos não são muito utilizados na


terapêutica do glaucoma crónico, tendo sido substituídos pelos β-
bloqueadores e pelos derivados das prostaglandinas. Todavia, os
parassimpaticomiméticos continuam a ser amplamente utilizados na
terapêutica do glaucoma agudo de ângulo aberto, recorrendo-se à
administração simultânea de um agonista muscarínico e de um inibidor
das colinesterases (nomeadamente, pilocarpina e fisostigmina).

Os agonistas muscarínicos podem ainda ser utilizados na terapêutica da


estropia de acomodação infantil (estrabismo causado por um erro de
acomodação). Nesta situação, a dose administrada deverá ser igual ou
maior à utilizada para o tratamento do glaucoma.

Tractos gastro-intestinal e urinário


São utilizados estimulantes muscarínicos (com acção directa ou
indirecta) na terapêutica de doenças que envolvem uma diminuição da
actividade muscular lisa dos tractos gastro-intestinal e urinários (a
menos que essa diminuição se deva a fenómenos obstrutivos). Desse
conjunto de patologias, são exemplo o íleo paralítico pós-operatório
(atonia ou paralisia do estômago ou intestino após cirurgia), o
megacólon congénito, e a retenção urinária. Para além disso, os
parassimpaticomiméticos podem ser utilizados para aumentar a
tonicidade do esfíncter esofágico inferior, em pacientes com esofagite
de refluxo.

De entre os ésteres de colina, o betanecol é o fármaco clinicamente


mais utilizado no tratamento deste tipo de patologias gastro-intestinais e
genito-urinárias. Já de entre os inibidores das colinesterases, a
preferência clínica recai na neostigmina. De qualquer forma, antes de
prescrever um parassimpaticomimético, o clínico dever-se-á certificar
que não existe nenhuma obstrução mecânica à progressão do conteúdo
luminal. Caso contrário, o fármaco pode agravar a sintomatologia e
causar a perfuração da víscera, por aumento da pressão interna.

A pilocarpina é utilizada para induzir secreção salivar. De modo similar,


a cevimelina é um agonista muscarínico utilizado no tratamento de
xerostomia (condição caracterizada por uma reduzida secreção
salivar).

Junção neuro-muscular
A miastenia gravis caracteriza-se pela destruição auto-imune dos
receptores nicotínicos. Esta doença, que afecta a junção neuro-
muscular, manifesta-se através de falta de força muscular, ptose,
diplopia, e dificuldades na fala e na deglutição. Contrariamente aos
parassimpaticomiméticos de acção directa (cuja acção pode agravar a
sintomatologia desta doença), os parassimpaticomiméticos de acção
indirecta revelam-se particularmente eficazes na terapêutica da
miastenia gravis. Apesar disso, a maior parte dos indivíduos portadores
desta patologia requer tratamento adicional com imunossupressores.

Todavia, caso seja administrada uma dose excessiva de inibidores das


colinesterases, passa a ocorrer agravamento da fraqueza muscular dos
doentes miasténicos, devido ao bloqueio despolarizante dos receptores
nicotínicos da placa motora. Assim, apesar de requererem abordagens
terapêuticas distintas, uma crise miasténica apresenta manifestações
clínicas similares a uma situação de sobredosagem de agentes
inibidores das colinesterases (crise colinérgica). Deste modo, torna-se
essencial fazer o diagnóstico diferencial entre essas duas crises, algo
que pode ser levado a cabo com recurso ao edrofónio. De facto, se
após administração de uma pequena dose de edrofónio, ocorrer
manutenção ou agravamento da fraqueza muscular, o paciente está sob
o efeito de uma crise colinérgica (a qual pode ser contrariada por acção
da atropina). Por oposição, se a administração de uma pequena dose
de edrofónio levar a uma atenuação da fraqueza muscular, torna-se
necessário aumentar a dose do inibidor das colinesterases.

No tratamento crónico da miastenia gravis utiliza-se, geralmente,


neostigmina, piridostigmina, ou ambenónio por via oral. Estes fármacos
têm curtas semi-vidas e baixo tempo de actuação, de tal modo que
devem ser administrados em doses múltiplas ao longo do dia. O facto
de a miastenia apresentar flutuações ao longo do tempo impede que
sejam utilizados fármacos de acção mais duradoura, na terapêutica
desta patologia.

Coração
Os inibidores das colinesterases de curta duração (tais como o
edrofónio) foram utilizados no passado para o tratamento de
taquicardias supra-ventriculares. Todavia, actualmente utilizam-se
fármacos de eficácia e tolerabilidade superior.

Sistema nervoso central


Actualmente, são utilizados vários agentes anti-colinesterásicos selectivos
na terapêutica da doença de

Alzheimer. Passemos agora ao estudo mais detalhado de alguns destes


fármacos:

1. Donepezil – Este fármaco inibe selectiva e reversivelmente a


acetilcolinesterase e, devido à sua elevada semi-vida, pode ser
administrado apenas uma vez por dia.

2. Rivastigmina – Este carbamato consegue inibir “pseudo-


irreversivelmente” a acetilcolinesterase, durante um período de
cerca de dez horas.

3. Galantamina – Este alcalóide inibe reversivelmente a


acetilcolinesterase. A galantamina apresenta menor selectividade
para esta enzima, em comparação com o donepezil, mas maior
selectividade em comparação com a rivastigmina. Para além
disso, a galantamina tem elevada biodisponibilidade,
necessitando de duas administrações diárias.

Apesar de não existirem diferenças aparentes no que concerne aos


benefícios associados a estes três fármacos, estes apresentam
diferentes efeitos adversos. Assim, de entre estes três fármacos, o
melhor tolerado é o donepezil.

Apesar dos seus benefícios, os inibidores das colinesterases apenas


são utilizados no tratamento paliativo da doença de Alzheimer, não
tendo capacidade de modificar as fases tardias da doença, resultantes
do stress oxidativo, da inflamação, e da electrotoxicidade neuronais.

Intoxicação por antagonistas dos receptores


muscarínicos
A intoxicação por atropina ou por fármacos anti-depressivos tricíclicos
causa um bloqueio muscarínico intenso, que pode ser potencialmente
fatal. Todavia, estes fármacos são antagonistas competitivos dos
receptores muscarínicos, de tal modo que o aumento da quantidade de
acetilcolina endógena permite reverter estas acções tóxicas. Em
algumas situações, pode ser utilizada fisostigmina na terapêutica destas
intoxicações, uma vez que este composto se distribui bem pelo sistema
nervoso central, revertendo a sintomatologia geral e periférica
associada ao bloqueio dos receptores muscarínicos. Todavia, o uso da
fisostigmina deverá ser criterioso, visto que esta substância também
pode gerar efeitos centrais perigosos.

Toxicidade

Estimulantes muscarínicos de acção directa


A sobredosagem de estimulantes muscarínicos de acção directa
manifesta-se através da ocorrência de náuseas, vómitos, diarreia,
vasodilatação cutânea, broncoconstrição, sialorreia (excessiva
salivação) e hipersudação. Esta sintomatologia é bloqueada
competitivamente pela atropina e seus análogos.
Inibidores das colinesterases
Uma vez que muitos inibidores das colinesterases são utilizados como
pesticidas, a maior parte das intoxicações com este tipo de fármacos
está relacionada com o uso agrícola de pesticidas ou com a desinfecção
de habitações. Estas intoxicações manifestam-se através da ocorrência
de miose, sialorreia, sudação, broncoconstrição, vómito, diarreia e
bloqueio neuromuscular despolarizante. Geralmente, estes pacientes
morrem por falência respiratória de origem central ou periférica,
associada a falência cardiovascular secundária a hipotensão arterial,
choque, arritmias, e paragem cardíaca.

O tratamento destas intoxicações inclui a administração de grandes


quantidades de atropina por via parentérica, o que permite controlar os
sinais de hiperactividade muscarínica. No caso da intoxicação por
organofosfarados, a administração precoce de oximas revela-se
benéfica, na medida em que permite prevenir a ocorrência de
“envelhecimento” enzimático.

A exposição crónica a certos organofosfarados (sobretudo àqueles que


não são utilizados na prática clínica) causa uma neuropatia grave
associada à desmielinização axonal com perda progressiva da força
muscular e da sensibilidade. Para além das manifestações desta
neuropatia ocorrerem apenas ao fim de algum tempo, esta patologia é
de lenta recuperação, podendo deixar sequelas irreversíveis. De referir
que se pensa que estes efeitos não se devem à inibição das
colinesterases, mas à inibição de outras esterases específicas para a
mielina.
Fármacos de acção colinérgica:
antagonistas dos receptores
muscarínicos
Os antagonistas dos receptores muscarínicos são também designados
por parassimpaticolíticos, na medida em que bloqueiam as acções do
sistema nervoso parassimpático. Existem várias substâncias naturais
com actividade anti-muscarínica, de entre as quais se destaca a
atropina. Todavia, também existem várias substâncias sintéticas com
propriedades parassimpaticolíticas.

Estrutura química

Os anti-muscarínicos podem ser


classificados como alcalóides naturais e
moléculas sintéticas. Em termos
químicos, os alcalóides naturais são
aminas terciárias ésteres de um ácido
aromático (o ácido trópico). Esses
alcalóides incluem a atropina e a
escopolamina, duas substâncias
passíveis de ser extraídas de plantas da
família das Solanáceas.

As formas levógiras de ambos os alcalóides são, pelo menos, 100


vezes mais potentes que as formas dextrógiras, de tal modo que, na
natureza, a atropina apresenta-se sob a forma levógira. De qualquer
modo, quando administrada, a atropina forma rapidamente uma mistura
racémica (isto é, uma mistura em que co-existem iguais quantidades
dos enantiómeros levógiro e dextrógiro de uma dada substância).

Já no que concerne aos anti-muscarínicos semi-sintéticos e


sintéticos, a maioria são aminas terciárias que, dada a sua capacidade
de atravessar a barreira hemato-encefálica, podem penetrar no sistema
nervoso central. Assim, algumas aminas terciárias podem ser utilizadas
na terapêutica de perturbações do foro neurológico - a benzatropina
constitui um exemplo dessas aminas, sendo utilizada na terapêutica da
doença de Parkinson. Para além disso, as aminas terciárias anti-
muscarínicas podem ainda exercer efeitos no olho (tal como se verifica
com a tropicamida e com o ciclopentolato), e, caso apresentem
selectividade para os receptores M1, podem ser utilizadas na
terapêutica das perturbações pépticas (tal como acontece com a
pirenzepina).

Existem também aminas quaternárias sintéticas anti-muscarínicas.


Estas aminas actuam, sobretudo, ao nível dos tecidos periféricos e
incluem a propantelina, o glicopirrolato, a butilescopolamina, e o
ipratrópio. Os três primeiros fármacos são utilizados na terapêutica da
doença ulcerosa péptica e da hipermotilidade gastro-intestinal,
enquanto o último é usado na terapêutica da asma brônquica.

De referir que os anti-muscarínicos sintéticos terciários apresentam uma


forma semelhante a muitos fármacos anti-histamínicos, anti-psicóticos,
e antidepressivos; de tal modo que estes últimos fármacos possuem
significativos efeitos laterais anti-muscarínicos.

Em suma, os anti-muscarínicos podem ser alcalóides naturais ou


moléculas sintéticas. Os alcalóides naturais são aminas terciárias,
enquanto os anti-muscarínicos sintéticos podem ser moléculas terciárias
ou quaternárias. De entre as aminas terciárias sintéticas, destaque para
a benzatropina, tropicamida, ciclopentolato, e pirenzepina. Já de entre
as aminas quaternárias sintéticas, destaque para a propantelina,
glicopirrolato, butilescopolamina, e ipratrópio.

Selectividade
A maior parte dos anti-muscarínicos não apresenta selectividade para
nenhum tipo de receptor, todavia, existem excepções:

1. O receptor M1 é bloqueado selectivamente pela pirenzepina,


pela telenzepina, pela diciclonina, pelo trihexifenidilo e pela
toxina MT-7. Este receptor encontra-se predominantemente
expresso ao nível dos neurónios do sistema nervoso central, dos
corpos celulares dos neurónios pós-ganglionares simpáticos, e
das terminações nervosas pré-sinápticas.
2. O receptor M2 (que é expresso no miocárdio, no músculo liso, e
em algumas terminações neuronais) é preferencialmente
bloqueado pela tripitramina e pela galhamina. Este último

fármaco é um bloqueador nicotínico muscular utilizado como


relaxante neuromuscular, e actua simultaneamente como
antagonista selectivo alostérico do receptor M2.
3. O receptor M3 é selectivamente bloqueado pela darifenacina.
Este receptor encontra-se expresso, sobretudo, ao nível das
membranas das células efectoras (tanto glandulares como
musculares lisas).

Farmacocinética

Absorção
Os alcalóides naturais e a maioria das aminas terciárias anti-
muscarínicas são bem absorvidos pelo tubo digestivo e pela conjuntiva.
Alguns destes compostos, como é o caso da escopolamina, podem
inclusive ser absorvidos por via transdérmica.

Por seu turno, as aminas quaternárias têm má absorção por via oral
(apenas 10-30% da dose administrada é absorvida por via oral), o que
reflecte a sua fraca lipossolubilidade.

Distribuição
Os alcalóides naturais e as aminas terciárias sintéticas apresentam uma
boa distribuição pelo organismo, sendo inclusive capazes de penetrar
rapidamente no sistema nervoso central (o que limita a dose máxima
tolerada destes fármacos). De entre os anti-muscarínicos de actuação
central, destaque para a escopolamina, que apresenta uma rápida e
eficaz distribuição central e, por isso, é o anti-muscarínico que mais
efeitos centrais induz.

Por oposição, os compostos quaternários têm dificuldade em atravessar


a barreira hemato-encefálica, motivo pelo qual são desprovidos de
efeitos centrais, sobretudo, se administrados em baixas doses.
Biotransformação e excreção
A atropina possui uma semi-vida de cerca de duas horas, motivo pelo
qual desaparece rapidamente no plasma após administração. Cerca de
60% da atropina administrada é excretada na urina de modo inalterado,
enquanto a restante fracção é excretada na urina sob a forma de
produtos de metabolização hepática. De referir que os efeitos
parassimpaticolíticos da atropina diminuem rapidamente em todos os
órgãos, excepto ao nível do olho, onde perduram por mais de 72 horas
após aplicação tópica.

Mecanismo de acção
A atropina liga-se a um resíduo de aspartato dos receptores
muscarínicos, induzindo um bloqueio reversível (competitivo) destes
receptores. Apesar de se ligar a antagonistas muscarínicos com
diferentes polaridades, este resíduo de aspartato tem maior afinidade
para os antagonistas muscarínicos mais polares.

A actividade dos fármacos anti-muscarínicos varia com o tecido em


questão e com a origem do agonista. De facto, as glândulas salivares,
brônquicas, e sudoríparas constituem os tecidos mais sensíveis à acção
da atropina. Por oposição, a células parietais gástricas (responsáveis
pela secreção de ácido gástrico) são as menos sensíveis à acção da
atropina. Para além disso, na maior parte dos tecidos, os agentes anti-
muscarínicos bloqueiam mais eficazmente a acção dos agonistas
exógenos, que a acção dos agonistas endógenos (acetilcolina).

A atropina tem uma afinidade muito elevada para os receptores


muscarínicos, embora não apresente selectividade para nenhum
subtipo específico destes receptores. De referir que a atropina
apresenta afinidade muito reduzida para os receptores nicotínicos, e
afinidade desprezível para os receptores não-colinérgicos.

Acções farmacológicas

Sistema nervoso central


Quando administrada em doses “normais”, a atropina apresenta uma
acção estimulante mínima sobre o sistema nervoso central. Assim, este
fármaco apresenta, sobretudo, uma acção sedativa sobre o cérebro
que, apesar da sua lenta instalação, apresenta uma longa duração.

Quando comparada com a atropina, a escopolamina apresenta acções


centrais muito mais notórias. De facto, mesmo quando administrada nas
doses recomendadas, este fármaco induz sonolência e, por vezes,
amnésia. Já quando administradas em doses tóxicas, tanto a atropina
como a escopolamina podem causar excitação, agitação, alucinações, e
coma.

Olho
A atropina e as restantes aminas terciárias anti-muscarínicas
apresentam vários efeitos no olho, nomeadamente:

1. Bloqueio da actividade do músculo constrictor da pupila –


Isto promove a ocorrência de midríase (dilatação pupilar).

2. Inibição da contracção do músculo ciliar (ciclopegia) - Isto


leva à perda da capacidade de acomodação, de tal modo que o
olho atropinizado deixa de ser capaz de focar para a visão ao
perto.

3. Redução da secreção lacrimal - Os indivíduos que recebem


elevadas quantidades de fármacos anti-muscarínicos queixam-se
frequentemente de sensação de “olho seco”

A indução de midríase e ciclopegia revela-se útil em oftalmologia.


Todavia, o excesso de midríase e ciclopegia pode se revelar perigoso,
na medida em que pode induzir glaucoma agudo em doentes com
estreitamento do ângulo irido-corneal.

Sistema cardiovascular
O nó sinusal é muito sensível ao bloqueio muscarínico, de tal modo que
a administração de doses terapêuticas de atropina induz a ocorrência
de bloqueio dos receptores M2, o que se manifesta através da
ocorrência de taquicardia (apesar da ocorrência de taquicardia, a
pressão arterial é pouco afectada). Contudo, quando administrada em
doses reduzidas, a atropina induz um efeito bradicárdico inicial, que
precede a manifestação de bloqueio vagal periférico. Este efeito
bradicardizante deve-se ao bloqueio dos receptores muscarínicos pré-
sinápticos existentes nas fibras vagais pós-ganglionares (cuja actividade
permite controlar a libertação de acetilcolina no nó sinusal).

Para além disso, em situações de hipertonia vagal, a atropina bloqueia


os receptores muscarínicos presentes no nó aurículo-ventricular,
induzindo assim um encurtamento do intervalo PR do
electrocardiograma.

Os receptores muscarínicos auriculares são também bloqueados pela


atropina, embora isso tenha pouco significado clínico. Por outro lado, os
ventrículos expressam uma baixa quantidade de receptores
muscarínicos, motivo pelo qual a função ventricular (e, como tal, o
débito cardíaco) é pouco afectada pela administração de doses
terapêuticas de fármacos anti-muscarínicos. Todavia, quando
administrados em doses excessivas, os anti-muscarínicos podem
causar bloqueio da contracção ventricular, através de um mecanismo
ainda desconhecido.

Em termos vasculares, a atropina pode bloquear a acção vasodilatadora


da acetilcolina. Todavia, quando administrados em doses tóxicas, os
antagonistas muscarínicos causam vasodilatação cutânea, por motivos
ainda desconhecidos.

Sistema respiratório
Ao nível do sistema respiratório, a atropina induz broncodilatação e
redução da secreção glandular. Apesar disso, os anti-muscarínicos não
são tão eficazes como os agonistas β-adrenérgicos para a terapêutica
da asma e da doença pulmonar obstructiva crónica. Em termos
moleculares, isto deve-se ao facto de os anti-muscarínicos actuarem
simultaneamente em duas classes de receptores muscarínicos – De
facto, para além de actuarem nos receptores M3 do músculo liso
brônquico (induzindo broncodilatação), os anti-muscarínicos bloqueiam
os auto-receptores inibitórios M2. Ora, estes receptores localizam-se
nas terminações nervosas pós-ganglionares parassimpáticas e, quando
activados, inibem a libertação de mais acetilcolina. Como os anti-
muscarínicos bloqueiam estes receptores, esse mecanismo inibitório
deixa de ocorrer, passando a ser libertada uma maior quantidade de
acetilcolina (que compete com a atropina).

Tracto gastro-intestinal
Os anti-muscarínicos actuam num sentido de inibir a motilidade e as
secreções do tubo digestivo. Todavia, mesmo na presença de bloqueio
muscarínico total, não é possível abolir completamente a actividade
gastro-intestinal, uma vez que esta também se encontra dependente da
actividade do sistema nervoso entérico e de várias hormonas locais.

Os fármacos anti-muscarínicos reduzem a secreção salivar, motivo pelo


qual os doentes que recebem estes fármacos se queixam
frequentemente de sensação de “boca seca”. A secreção gástrica é
menos eficazmente bloqueada que a secreção salivar, embora a
secreção basal seja mais eficazmente inibida que a secreção induzida
pelos alimentos (porque, neste último caso, predominam os estímulos
não-colinérgicos). Por outro lado, as secreções pancreáticas e
intestinais são pouco afectadas pela acção da atropina, uma vez que a
secreção destas hormonas é principalmente controlada por hormonas
locais, e não por reflexos vagais.

A pirenzepina e o seu análogo mais potente, a telenzepina, reduzem a


secreção gástrica, sem acarretarem tantos efeitos adversos como
outros análogos menos selectivos. Isto deve-se ao facto de estes dois
fármacos bloquearem selectivamente os receptores muscarínicos
excitatórios M1 (localizados nas terminações nervosas vagais),
poupando os receptores M3 existentes nas várias células efectoras (tais
como as glândulas e o músculo liso).

Dado promoverem a redução da motilidade gastro-intestinal, os anti-


muscarínicos induzem um prolongamento do tempo de esvaziamento
gástrico, e uma desaceleração do trânsito intestinal. Assim, estes
fármacos revertem rapidamente a diarreia causada por sobredosagem
de agentes parassimpaticomiméticos ou não-autónomos. Apesar disso,
a paralisia intestinal causada pelos agentes anti-muscarínicos é
temporária, terminando ao fim de 1-3 dias após administração destes
fármacos.
Tracto genito-urinário
Os agentes anti-muscarínicos induzem relaxamento do músculo liso dos
ureteres e bexiga, atrasando assim o esvaziamento vesical.

Glândulas sudoríparas
A atropina suprime a sudação, o que pode levar à elevação da
temperatura corporal. Nos adultos, são necessárias doses elevadas de
atropina para que se observe elevação da temperatura corporal.
Todavia, nas crianças, esse efeito é atingido mesmo aquando da
administração de doses moderadas de atropina.

Uso terapêutico

Doença de Parkinson
Alguns antagonistas muscarínicos de acção central podem ser
utilizados na terapêutica da doença de Parkinson, uma vez que o tremor
e a rigidez parkinsónica parecem resultar de uma sobre-estimulação
colinérgica subjacente ao défice de actividade dopaminérgica no circuito
nigro-estriado.

De entre os anti-muscarínicos utilizados na terapêutica desta doença,


destaque para a benzatropina, biperideno, orfenadina, prociclidina,
e trihexifenidilo. Assim, é comum administrar um antagonista
muscarínico em conjunto com a L-dopa (um percursor da dopamina), de
modo a controlar a sintomatologia da doença de Parkinson.

Enjoo de viagem
As perturbações do aparelho vestibular (tais como o enjoo de viagem)
parecem envolver circuitos nervosos muscarínicos, de tal modo que
podem ser tratadas com recurso a fármacos anti-muscarínicos, ou a
anti-histamínicos com propriedades anti-muscarínicas. De entre esses
fármacos, a escopolamina revela-se particularmente eficaz na
prevenção ou reversão das perturbações vestibulares, sendo tão eficaz
como qualquer composto mais recente. De referir que a escopolamina
pode ser administrada por via oral ou parentericamente (sobretudo, por
via transdérmica, sob a forma de adesivo), embora induza sedação e
sensação de “boca seca”.

Farmacodependência
Foram descritos receptores muscarínicos nas vias neuronais de
gratificação associadas ao consumo de drogas. De facto, a
escopolamina foi clinicamente testada para o tratamento de
dependência de heroína, tendo sido obtidos bons resultados.

Uso oftalmológico
O exame oftalmoscópico da retina é facilitado pela indução de midríase
e, em certos procedimentos oftalmológicos, torna-se vantajoso induzir
paralisia do músculo ciliar. Contudo, os antagonistas muscarínicos não
devem ser usados como midriáticos, a menos que se deseje midríase e
ciclopegia prolongadas (para realização do exame do fundo ocular, os
agonistas dos receptores adrenérgicos são preferíveis, na medida em
que produzem midríase de curta duração).

De qualquer modo, caso seja necessário aplicar anti-muscarínicos para


fins oftalmológicos, devem ser utilizados fármacos com semi-vidas mais
curtas (tais como a tropicamida e o ciclopentolato) em adultos e
crianças mais velhas. Já em crianças mais novas, pode ser necessário
recorrer à eficácia da atropina, embora o risco de intoxicação anti-
muscarínica seja superior ao dos adultos.

Os agentes anti-muscarínicos podem ainda ser utilizados num contexto


oftalmológico com o objectivo de prevenir aderências secundárias a
uveíte e irite. Nestes casos, é preferível utilizar anti-muscarínicos com
elevada semi-vida, que deverão ser alternados com compostos
mióticos.

Uso anestésico
Os fármacos anti-muscarínicos podem ser utilizados em pré-anestesia,
com o objectivo de reduzir a acumulação de secreções na traqueia e,
eventualmente, o espasmo laríngeo associado aos agentes anestésicos
inalatórios. Para além disso, os anti-muscarínicos induzem retenção
urinária, hipomotilidade intestinal, broncodilatação (que facilita a
administração do anestésico inalatório), e taquicardia (que contraria o
efeito depressor cardíaco de alguns compostos anestésicos). No caso
concreto da escopolamina, este fármaco ainda é capaz de induzir
amnésia significativa para os procedimentos pré-cirúrgicos.

Patologia respiratória
O brometo de ipratrópio é um análogo sintético da atropina, que pode
ser aplicado por via inalatória, em situações de asma brônquica. Ao ser
inalado, passam a ser disponibilizadas grandes concentrações de
fármaco junto da sua biofase (músculo liso brônquico), o que minimiza a
ocorrência de efeitos sistémicos indesejáveis. Para além disso, o
ipratrópio pode ser utilizado no tratamento da DPOC, sobretudo, em
doentes mais idosos. Para além do ipratrópio, estão a ser estudados
outros fármacos da mesma categoria, tais como o tiotrópio, que é um
composto quaternário com duração de acção longa, e que também
poderá ser administrado por via inalatória.

Apesar dos benefícios dos anti-muscarínicos a nível respiratório, estes


fármacos reduzem o volume de secreções brônquicas, tornando-as
mais espessas e, como tal, mais difíceis de eliminar.

Patologia cardiovascular
A atropina e seus análogos podem ser utilizados em situações de
bradicardia sinusal (subjacente a actividade vagal excessiva),
revertendo essa situação. Para além disso, os agentes anti-
muscarínicos podem ser terapeuticamente usados em situações de
hiper-reflexia do seio carotídeo, ou de desmaio na sequência de uma
hiper-estimulação do seio carotídeo (tal como pode acontecer a
mulheres que utilizem colares muito apertados).

Algumas doenças, tais como a cardiomiopatia hipertrófica idiopática,


caracterizam-se pela presença de auto-anticorpos contra os receptores
muscarínicos existentes no coração. Ora, esses anticorpos exercem
uma acção parassimpaticomimética no coração, que pode ser evitada
pela atropina.
Patologia digestiva
Vários anti-muscarínicos podem ser utilizados em situações de
hipermotilidade intestinal leve e auto-limitada (tal como se verifica na
doença diverticular do cólon). Para além disso, estes fármacos são
utilizados no tratamento da sintomatologia associada à diarreia do
viajante, sendo frequentemente administrada atropina (em conjunto com
um opióide) para o tratamento da diarreia.

Assim, de entre os principais anti-muscarínicos usados num contexto de


patologia gastro-intestinal, destaque para os seguintes:

• Escopolamina: Usada por via intra-venosa, de modo a facilitar a


endoscopia alta, ou determinados procedimentos radiológicos
gastro-intestinais.

• Diciclomina (dicicloverina): Usada no tratamento da


hipermotilidade intestinal e da síndrome do intestino irritável.
Apresenta selectividade M1 e é muito popular em crianças.

• Mebeverina: Usada na terapia de estados espasmódicos do


tracto gastro-intestinal (incluindo síndrome do intestino irritável).
Apresenta boa tolerância e poucos efeitos adversos.

• Zamifenacina: Antagonista selectivo dos receptores M3 usado na


terapia da síndrome do intestino irritável.

• Butilescopolamina: Usada na terapia da doença ulcerosa péptica


e hipermotilidade gastro-intestinal.

• Clinídio: Utilizado na terapia da doença ulcerosa péptica, da


hipermotilidade gastro-intestinal, e de patologias genito-urinárias.

• Otilónio: Usado na terapia da síndrome do intestino irritável.


Apresenta fraca biodisponibilidade oral, exercendo uma acção
intestinal tópica quando administrado por via

oral. Para além de antagonizar os receptores muscarínicos, o


otilónio revela-se capaz de antagonizar os receptores NK2 das
taquicininas, contrariando o efeito estimulante mediado pela
neurocinina A.

Patologia urinária
Os anti-muscarínicos podem ser utilizados para aliviar a sensação de
urgência urinária secundária a inflamação vesical. Para além disso, a
oxibutinina e o tróspio são frequentemente utilizados no tratamento
dos espasmos vesicais que se desenvolvem após cirurgia urológica. A
oxibutinina, o tróspio, a tolterodina (um antagonista preferencial dos
receptores M3) e propiverina são também utilizadas para reduzir a
incontinência urinária (sobretudo, em pacientes com patologias
neurológicas). Alternativamente, pode se proceder ao uso de
darifenacina e solifenacina, que apresentam maior selectividade M3 e
maior semi-vida que o tróspio e a oxibutinina.

A imipramina, um anti-depressor tricíclico com acção anti-muscarínica,


é utilizada em doentes idosos para diminuir a incontinência urinária.
Todavia, este fármaco induz vários efeitos centrais indesejados, motivo
pelo qual deverá ser evitado. De qualquer modo, os fármacos anti-
muscarínicos não deverão ser utilizados em doentes idosos com
hiperplasia da próstata, na medida em que podem precipitar a retenção
vesical.

Por fim, os antagonistas muscarínicos também podem ser utilizados no


tratamento da litíase renal, para aliviar o espasmo da musculatura lisa
uretral induzido pela migração do cálculo. Todavia, esse procedimento é
discutível.

Intoxicação por cogumelos


A intoxicação por cogumelos pode ser de início rápido (ocorrendo 15-
30 minutos após ingestão dos cogumelos), ou de início retardado
(quando a sintomatologia apenas se manifesta 6-12 horas após
ingestão). As intoxicações de início rápido caracterizam-se pela
presença de sinais resultantes da actividade muscarínica excessiva
(náuseas, vómitos, diarreia, vasodilatação, sudação…), podendo ser
tratadas com recurso à administração de atropina por via parentérica.
Por seu turno, as intoxicações de início retardado caracterizam-se pela
ocorrência de náuseas, vómitos e lesões das células hepáticas e renais.
A atropina não tem qualquer utilidade para o tratamento destas últimas
intoxicações.

Acções adversas
O uso terapêutico da atropina e seus análogos acarreta, quase sempre,
acções adversas em outros tecidos ou órgãos. Quando administrada em
condições elevadas, a atropina bloqueia todas as funções
parassimpáticas. Apesar disso, a atropina é um fármaco relativamente
seguro para os adultos, havendo maior perigo de intoxicação entre as
crianças. De facto, as crianças são mais susceptíveis à hipertermia
induzida pela atropina, de tal modo que algumas podem morrer quando
intoxicadas com baixas doses de atropina. Para além de hipertermia, a
intoxicação por atropina está associada ao desenvolvimento de boca
seca, midríase, taquicardia, pele quente e ruborizada, agitação e delírio
– estes sintomas manifestam-se durante um período variável de tempo,
que poderá ascender a uma semana.

A intoxicação por atropina e seus análogos é, geralmente, tratada


sintomaticamente. Antigamente, nessas situações, eram utilizados
inibidores das colinesterases (tais como a fisostigmina), todavia, estes
podem se revelar perigosos e menos eficazes que o tratamento
sintomático dos doentes. O tratamento sintomático requer o controlo da
temperatura corporal e a prevenção de convulsões (com recurso ao
diazepam). De referir que, caso seja estritamente necessária, a
fisostigmina deverá ser administrada em doses reduzidas, e por via
intra-venosa.

A intoxicação por aminas quaternárias anti-muscarínicas manifesta-se


apenas em termos periféricos, não afectando o funcionamento do
sistema nervoso central. Estes compostos mais polares causam
bloqueio ganglionar, mas provocam hipotensão ortostática. O
tratamento da intoxicação por anti-muscarínicos quaternários pode
envolver a administração de inibidores quaternários das colinesterases
(tais como a neostigmina), enquanto o controlo da hipotensão pode
requerer a administração de fármacos simpaticomiméticos, tais como a
fenilefrina.
Contra-indicações
O uso de fármacos anti-muscarínicos está contra-indicado em
indivíduos que apresentem glaucoma agudo de ângulo fechado. Para
além disso, não é aconselhado o uso de anti-muscarínicos em
indivíduos com redução do diâmetro da câmara anterior, na medida em
que estes fármacos podem induzir o fecho do ângulo irido-corneano e,
consequentemente, o desenvolvimento de glaucoma agudo.

Para além disso, a administração de anti-muscarínicos está contra-


indicada em indivíduos idosos com hiperplasia da próstata. Por fim, os
anti-muscarínicos não-selectivos não devem ser utilizados no
tratamento da úlcera péptica, uma vez que atrasam o esvaziamento
gástrico, podendo exacerbar os efeitos da úlcera.
Fármacos de acção colinérgica:
antagonistas dos receptores
nicotínicos
Os antagonistas dos receptores nicotínicos são classificados em duas
categorias:

1. Os bloqueadores neuromusculares actuam ao nível dos


receptores nicotínicos da placa motora, inibindo a contracção
muscular.

2. Os ganglioplégicos actuam ao nível dos receptores nicotínicos


ganglionares, deprimindo a transmissão ganglionar.

Em ambas as
categorias, existem
antagonistas
despolarizantes e
antagonistas
competitivos. Os

antagonistas despolarizantes

induzem
despolarização
sustentada na
membrana pós-
sináptica, após
activação dos
receptores nicotínicos
(o que impede as
células-alvo de
entrarem em repouso).
Já os
antagonistas
competitivos, actuam
através da ocupação
dos

receptores nicotínicos,
e subsequente
impedimento da sua
ocupação por parte
dos respectivos
agonistas.

Bloqueadores neuromusculares

Introdução ao estudo dos bloqueadores


neuromusculares
No processo de transmissão neuromuscular, a placa motora constitui o
ponto mais sensível a intervenções farmacológicas. Assim, convém
relembrar de que modo a acção colinérgica induz contracção muscular.

Ao nível da placa motora, os receptores nicotínicos são constituídos por


duas subunidades α e por três subunidades que podem ser do tipo β, γ,
δ ou ε. Estas cinco subunidades dispõem-se em círculo, rodeando um
canal iónico central que atravessa a membrana celular. Ora, quando se
fixam duas moléculas de acetilcolina às subunidades α de cada receptor
nicotínico, passa a ocorrer abertura do canal iónico associado ao
receptor. Subsequentemente, ocorre entrada de sódio para o interior da
célula muscular, o que gera uma pequena despolarização. A soma dos
pequenos potenciais produzidos pela estimulação de cada receptor,
permite a abertura de canais de sódio dependentes de voltagem sitos
na membrana dos miócitos. Por sua vez, a abertura maciça desses
canais permite a ocorrência de despolarização de toda a membrana
celular, o que possibilita a ocorrência de contracção muscular.

Pouco tempo após abrirem, os canais de sódio fecham, mesmo que o


estímulo eléctrico que os abriu se mantenha presente. Por outro lado, o
encerramento dos canais nicotínicos ocorre quando as colinesterases
hidrolisam a acetilcolina presente na biofase (algo que ocorre em menos
de 0,5 ms).

Na face neuronal da placa motora, existem ainda receptores


estimulados pela acetilcolina. Ao actuar nesses receptores, a
acetilcolina induz um efeito de feedback positivo, pois promove a sua
própria libertação. Assim, quanto maior a quantidade de acetilcolina
presente na fenda sináptica, maior a sua ulterior libertação neuronal.

Deste modo, existem vários mecanismos com os quais é possível


interferir, de modo a inibir a transmissão neuro-muscular:

1. A nível neuronal, é possível impedir a entrada de cálcio para o


terminal nervoso. Ora, isto impossibilita a libertação de
acetilcolina para a fenda sináptica. Esta acção pode resultar da
diminuição dos níveis extracelulares de cálcio, do aumento dos
níveis extracelulares de magnésio, da administração de
bloqueadores dos canais de cálcio, ou do bloqueio de receptores
pré-sinápticos pelos curarizantes.

2. A nível neuronal, é ainda possível impedir a ocorrência de


exocitose de acetilcolina. De facto, a toxina botulínica impede a
fusão entre as vesículas colinérgicas e a membrana do terminal
neuronal pré-sináptico. Esta toxina é constituída por uma parte de
reconhecimento, responsável pela sua ligação aos neurónios
colinérgicos (para os quais é específica), e por um domínio de
protease. O domínio de protease hidrolisa as proteínas SNARE
do aparelho exocítico das vesículas colinérgicas, o que impede a
libertação de acetilcolina. De referir que a toxina botulínica é bem
absorvida por via oral.

3. Ocupação dos receptores pós-sinápticos por bloqueadores


despolarizantes – Nesta situação, os receptores nicotínicos pós-
sinápticos são ocupados (e estimulados), mas os seus ligandos
não os desocupam no período imediatamente a seguir. Ora, isto
leva a que a despolarização e contracção das células musculares
não sejam seguidas de repolarização da placa motora. Assim, a
placa sustentadamente despolarizada impede a estimulação
muscular, levando a que o músculo acabe por relaxar após a
contracção inicial (como se as células musculares deixassem de
responder à estimulação eléctrica da placa).

4. Ocupação dos receptores pós-sinápticos por bloqueadores


competitivos (tais como a tubocurarina) - Estes agentes actuam
como antagonistas dos receptores nicotínicos, impedindo assim a
contracção muscular. Estes bloqueadores competitivos também
actuam sobre os receptores pré-sinápticos, onde inibem a
libertação do agonista para esses receptores (efeito de feedback
positivo).

Os bloqueadores neuromusculares utilizados na prática clínica são


apenas do tipo bloqueador competitivo ou bloqueador despolarizante.
Em termos clínicos, estes fármacos são utilizados com o objectivo de
promover o relaxamento muscular e, como tal, são apenas utilizados em
situações que requerem paralisia completa da musculatura esquelética.
Assim, estes fármacos são apenas utilizados quando é necessário
proceder a intubação endotraqueal ou a ventilação mecânica (ou seja,
em anestesia e em cuidados intensivos).

No que concerne ao seu mecanismo de acção, os bloqueadores


neuromusculares podem actuar por despolarização ou por bloqueio
competitivo. Já em termos químicos, estes fármacos podem ser
classificados como esteróides ou benzilisoquinoleínas. Nos fármacos
que actuam por bloqueio competitivo, torna-se necessário ter em conta
várias propriedades, nas quais se incluem o tempo de latência
(intervalo de tempo entre a administração e a possibilidade de
intubação, que se manifesta através do relaxamento das cordas vocais),
a duração do efeito, o tempo de recuperação do bloqueio
neuromuscular, a manutenção de bloqueio residual clinicamente
significativo, o mecanismo de eliminação, a variabilidade inter-individual
de resposta, e as acções adversas. Esses efeitos laterais desenvolvem-
se por interacção dos bloqueadores neuromusculares com outros
receptores da acetilcolina, estando maioritariamente relacionados com
acções cardiovasculares, e com a libertação de histamina.
Bloqueadores despolarizantes
Succinilcolina (suxametónio)

A succinilcolina é o único bloqueador despolarizante utilizado na


prática clínica. Em termos químicos, este fármaco é um composto
biquaternário de amónio e, como tal, atravessa mal as membranas
biológicas.

A succinilcolina induz despolarização das fibras musculares


esqueléticas, o que se manifesta pela ocorrência generalizada de
fasciculações musculares assíncronas e intensas. Ora, uma vez que
a hidrólise da succinilcolina (por parte das colinesterases) é mais lenta
que a da acetilcolina, a despolarização registada não é seguida de
repolarização, de tal modo que os canais de sódio se mantêm
encerrados e inactiváveis.

As fasciculações registadas no período de despolarização acarretam


uma série de consequências indesejáveis. Em primeiro lugar, estas
fasciculações estão associadas à libertação de uma grande quantidade
de potássio para o meio extracelular, o que aumenta o risco de paragem
cardíaca. Este risco

é acrescido na presença de situações patológicas que favorecem o


desenvolvimento de hipercalémia. Essas situações incluem a presença
de queimaduras extensas, traumatismos musculares graves, doenças
ou traumatismos nervosos, uremia e tétano. De referir que, em alguns
casos, a hipercalémia apenas se manifesta alguns dias ou meses após
administração de succinilcolina.

Para além disso, a administração de succinilcolina leva frequentemente


ao desenvolvimento de dores musculares, devido à ocorrência das
fasciculações. Estas fasciculações provocam ainda aumento da pressão
intra-abdominal, o que pode originar regurgitação do conteúdo gástrico
com risco de aspiração brônquica. Estão ainda descritos casos de
insuficiência renal aguda por mioglobinúria – a mioglobina é libertada a
partir das células musculares esqueléticas durante as fasciculações.
Apesar de promover o relaxamento das fibras musculares rápidas (que
constituem a maioria das fibras musculares do organismo), a
succinilcolina promove a contracção das fibras musculares lentas (que
são inervadas pelos pares cranianos) – assim, a este fármaco promove
a contracção dos músculos do olho (onde coexistem fibras musculares
rápidas e lentas), contribuindo para o aumento da pressão intra-ocular,
algo que se revela particularmente danoso em doentes com glaucoma.
A succinilcolina promove ainda o desenvolvimento de bradicardia por
estimulação vagal (sobretudo em crianças), e de hipertermia maligna.

Apesar de estar associada a tantos efeitos laterais adversos, a


succinilcolina continua a ser amplamente utilizada na prática clínica. Isto
deve-se ao facto de este ser o bloqueador neuromuscular com menor
tempo de latência (deseja-se que o tempo de latência seja o menor
possível, uma vez que na manobra de intubação endotraqueal, o
período em que a via aérea não está protegida deverá ser reduzido ao
máximo). Para além disso, a succinilcolina tem um curto tempo de
actuação, sendo rapidamente hidrolisada pelas colinesterases e, como
tal, removida do plasma. Apesar de esta reacção de hidrólise ocorrer
mais lentamente quando comparada com a hidrólise da acetilcolina,
esta reacção constitui uma das mais rápidas biotransformações
conhecidas de fármacos (a acção da succinilcolina dura apenas cerca
de 2-3 minutos, sendo que, ao fim de 5 minutos após administração,
toda a succinilcolina foi removida do plasma).

Existem várias situações que interferem com a biotransformação da


succinilcolina, levando a que a acção deste fármaco prolongue por um
maior período de tempo. Essas situações incluem:

1. Deficiência congénita de colinesterases plasmáticas

2. Inibição farmacológica das colinesterases - Por acção de


anticolinesterásicos, contraceptivos orais, e anti-neoplásicos)

3. Competição de outros fármacos (tais como a procaína) para o


mesmo substrato

4. Diminuição da síntese das colinesterases - Devido a


hepatopatias, desnutrição, doenças do colagénio, uremia,
neoplasia, e radioterapia.
Bloqueadores competitivos
Os fármacos deste grupo são altamente hidrossolúveis, de tal modo que
não são absorvidos por via oral e não penetram no sistema nervoso
central. Apesar de terem um mecanismo de acção comum
(antagonismo competitivo dos receptores nicotínicos), os bloqueadores
neuro-musculares competitivos diferem nas acções adversas que
lhes estão associados, bem como na afinidade para outros receptores
da acetilcolina.

d-tubocurarina

Para além de actuar ao nível dos receptores nicotínicos da placa


motora, a d-tubocurarina também bloqueia (embora com menor
afinidade) os receptores nicotínicos dos gânglios autonómicos,
sobretudo os do sistema nervoso parassimpático. Assim, a d-
tubocurarina causa simultaneamente taquicardia e hipotensão, devido
ao facto de induzir bloqueio ganglionar, depressão cardíaca directa,
bloqueio da medula supra-renal, e libertação de histamina.

De facto, a d-tubocurarina é o relaxante muscular com maior


capacidade de promover a libertação de histamina por parte dos
mastócitos. Em termos moleculares, essa libertação deve-se ao
estabelecimento de um mecanismo competitivo entre a d-tubocurarina e
a histamina para os locais dos grânulos intracelulares histamínicos. De
qualquer modo, esse excesso de histamina leva ao desenvolvimento de
hipotensão, urticária, prurido e espasmo brônquico. Ora, perante tais
condições adversas, já não é utilizada d-tubocurarina na prática clínica.

Pancurónio

O pancurónio é um esteróide que, para além de bloquear os


receptores neuro-musculares, bloqueia os receptores muscarínicos do
nó sinusal, os receptores dos terminais pós-ganglionares simpáticos, e
os receptores muscarínicos inibitórios expressos nos interneurónios dos
gânglios simpáticos. Para além disso, o pancurónio inibe a recaptação
neuronal de noradrenalina. Assim o pancurónio apresenta vários efeitos
laterais, induzindo taquicardia, hipertensão, e complicações
respiratórias pós-operatórias. Apesar disso, este fármaco não induz
libertação de histamina.

Cerca de 10-40% da dose administrada de pancurónio sofre


desacetilações hepáticas, originando três metabolitos distintos - dois
desses metabolitos são metabolicamente inactivos, enquanto o derivado
3-hidroxi apresenta metade da potência relaxante muscular do
pancurónio. Já no que concerne à sua excreção, o pancurónio é
maioritariamente eliminado por via renal, embora uma fracção
significativa deste fármaco seja eliminada por via biliar.

Vecurónio

O vecurónio é muito semelhante ao pancurónio, quer em termos


químicos (estes dois fármacos diferem apenas num radical metílico),
quer no seu tempo de latência. Assim, o vecurónio tem um tempo de
latência superior ao da succinilcolina, e duração média de acção
paralisante muscular sita entre os 10 e os 30 minutos (sendo, portanto,
inferior ao tempo de actuação do pancurónio).

Quanto mais potente for um agonista, menor será a dose administrada


desse agonista. Ora, quanto menor for a dose administrada de um dado
fármaco (independentemente da sua potência), maior será o seu tempo
de latência (pois atinge-se mais rapidamente a igualdade de
concentrações entre os compartimentos sanguíneo e tecidular, o que
leva a que a difusão ocorra mais lentamente e, subsequentemente, a
que o fármaco demore mais tempo a ocupar a quantidade de receptores
necessária para que faça efeito. Ora, isso traduz-se num maior tempo
de latência). Assim, como são administrados em baixas doses, os
fármacos muito potentes (como o vecurónio) apresentam elevados
tempos de latência.

Deste modo, é possível encurtar o tempo de latência do vecurónio,


através da administração de uma dose superior deste fármaco. Todavia,
o aumento da dose de um fármaco leva ao prolongamento do seu
efeito, e ao aumento da probabilidade de aparecimento de acções
adversas. Apesar disso, nas doses em que é administrado, o vecurónio
não apresenta efeitos laterais significativos, quer ao nível
cardiovascular, quer ao nível da libertação de histamina.
Rocurónio

O rocurónio é um esteróide quimicamente semelhante ao vecurónio,


mas que apresenta um tempo de latência inferior (dado ser menos
potente). Apesar disso, a sua duração de acção é similar à do
vecurónio. Todavia, nos indivíduos idosos, nos insuficientes hepáticos, e
nos insuficientes renais há um prolongamento do efeito do rocurónio
(por aumento do volume de distribuição e diminuição da depuração).

Em termos farmacocinéticos, o rocurónio é relativamente lipossolúvel,


sofrendo rápida captação hepática (com consequente eliminação biliar)
e um certo grau de redistribuição a partir do músculo esquelético.

O rocurónio comporta menor margem de segurança para efeitos vagais,


comparativamente ao vecurónio. Assim, existe maior probabilidade de
aparecimento de taquicardia na sequência da administração de
rocurónio, sobretudo, quando se utilizam doses mais elevadas deste
fármaco.

Alguns anestesistas administram uma dose muito elevada de rocurónio,


o que permite diminuir o tempo de latência deste fármaco.
Subsequentemente, para evitar a génese de efeitos adversos
secundários à administração destas doses elevadas, os anestesistas
administram sugamadex, uma dextrina capaz de contrapor os efeitos
do rocurónio. Em termos moleculares, o sugamadex liga-se ao
rocurónio (e, eventualmente, ao vecurónio), impedindo-o de se ligar aos
receptores nicotínicos.

Rapacurónio

O rapacurónio é um análogo esteróide do rocurónio, que apresenta um


tempo de latência quase tão curto como o da succinilcolina. Todavia, o
seu uso clínico encontra-se suspenso, devido ao facto de induzir
broncospasmos em cerca de 10% dos casos. Actualmente, pensa-se
que estes broncospasmos não se devem a um aumento da libertação
de histamina, mas sim a um aumento da libertação de acetilcolina
secundário ao bloqueio dos receptores M2 pré-juncionais.
Atracúrio

O atracúrio tem uma duração de acção e um tempo de latência


similares aos do vecurónio. Para além disso, o atracúrio apenas
interfere (nocivamente) com o sistema nervoso autónomo, quando
administrado em doses não-clínicas (extremamente elevadas). Todavia,
mesmo quando administrado em doses clínicas, este fármaco induz
libertação de histamina.

Em termos farmacocinéticos, a depuração do atracúrio ocorre,


sobretudo, de forma não-enzimática (eliminação de Hofmann). De
facto, a molécula de atracúrio decompõe-se espontaneamente em
produtos inactivos, a pH=7,4 e a temperatura de 37ºC. Deste modo, as
insuficiências renal e hepática não interferem com a depuração deste
fármaco.

Parte do atracúrio injectado é biotransformado (pelas colinesterases)


em laudonosina, um metabolito que apresenta efeitos deletérios no
coração e no sistema nervoso central. Todavia, na prática clínica, são
administradas elevadas doses de atracúrio, não tendo ainda sido
registado qualquer acidente relacionado com a acumulação de
laudonosina.

Cis-atracúrio

O cis-atracúrio é um dos dez estereoisómeros pertencentes à família


do atracúrio, sendo quatro vezes mais potente que este último. Para
além disso, o cis-atracúrio é praticamente desprovido de efeitos
cardiovasculares e, contrariamente ao atracúrio, não induz libertação de
histamina. Assim, o cis-atracúrio pode ser administrado em doses mais
elevadas, de modo a que o seu tempo de latência possa ser reduzido.

O cis-atracúrio não sofre hidrólise pelas colinesterases plasmáticas, de


tal modo que os seus parâmetros farmacocinéticos (e,
consequentemente, o seu efeito) não são alterados pela insuficiência
hepática, pela insuficiência renal, ou pela idade. Assim, este fármaco
apenas sofre eliminação de Hofmann, originando laudonosina e um
metabolito alcoólico monoquaternário.
Mivacúrio

O mivacúrio é um bloqueador neuromuscular pertencente ao grupo


benzilisoquinoleico. Este fármaco apresenta uma rápida duração de
acção e um rápido período de recuperação (que não é influenciado pela
duração da infusão), sendo que estas propriedades se devem ao facto
do mivacúrio ser rapidamente hidrolisado pelas colinesterases do
plasma. Todavia, em situações de insuficiência destas enzimas, ocorre
alteração das propriedades farmacocinéticas deste fármaco, registando-
se um prolongamento dos tempos de actuação e recuperação.

De referir que, tal como o atracúrio, o mivacúrio apresenta capacidade


de promover a libertação de histamina.

Duração Efeitos nos Efeitos nos Libertação


Fármaco Tempo de do gânglios receptores de
latência efeito cardíacos
(min) (min) autónomos muscarínicos histamina
Succinilcolin
a 0,5 2-3 Estimulação Estimulação Ligeira
Bloqueio
Pancurónio 2-3 60-90 Não moderado Não
Vecurónio 1,5-3 25-40 Não Não Não
Rocurónio 1-1,5 30-40 Não Ligeiros Não
Atracúrio 2-3 25-40 Não Não Ligeira
Cis-atracúrio 2,5-3 45-70 Não Não Não
Mivacúrio 2-3 8-12 Não Não Moderada

Ganglioplégicos
Tal como os bloqueadores musculares, também os ganglioplégicos
podem actuar por despolarização sustentada da membrana pós-
sináptica, ou por antagonismo competitivo dos receptores nicotínicos.

Ganglioplégicos despolarizantes
Os ganglioplégicos despolarizantes ocupam e estimulam os
receptores nicotínicos, induzindo despolarização das células neuronais
pós-ganglionares. Ora, enquanto essa despolarização se mantiver, a
condução nervosa fica por algum tempo bloqueada. Assim, quando são
administrados ganglioplégicos despolarizantes, estes induzem uma
despolarização que se prolonga no tempo, o que impede a condução
nervosa.

Para além disso, quando a despolarização regride, os receptores


nicotínicos tornam-se transitoriamente menos sensíveis à acção da
acetilcolina. Assim, mesmo após regressão da despolarização, a
resposta à acetilcolina mantém-se ainda temporariamente deprimida.

Em termos farmacodinâmicos, os ganglioplégicos despolarizantes não


são mais que agonistas dos receptores nicotínicos que actuam por um
maior período de tempo. Assim, quando administrada em grandes
quantidades, a nicotina actua como um ganglioplégico despolarizante.

Ganglioplégicos competitivos
Os ganglioplégicos competitivos ocupam os receptores nicotínicos
ganglionares, impedindo assim a ligação da acetilcolina aos seus
receptores. Neste grupo incluem-se todos os derivados do metónio,
visto que estes apresentam propriedades ganglioplégicas e
bloqueadoras da placa motora.

Em termos químicos, os derivados do metónio possuem dois grupos


(CH3)3N+ ligados entre si por uma ponte metilénica com um número
variável de átomos de carbono. Os derivados farmacologicamente mais
importantes são o hexametónio e o decametónio, cuja ponte metilénica
apresenta, respectivamente, seis e dez átomos de carbono.

O hexametónio é o
derivado do metónio
com maior actividade
ganglioplégica,
embora apresente
efeitos discretos na
placa motora. Assim,
quando se estuda a
actividade
ganglioplégica em
função do número de
átomos de carbono
da ponte metilénica,
obtém-se um gráfico
parabólico cujo
máximo é atingido
aos seis átomos de
carbono. Assim,
quando o
comprimento da
ponte metilénica
aumenta para além
dos seis átomos de
carbono, a actividade
ganglioplégica
começa a diminuir,
enquanto a actividade
sobre a placa motora
continua a aumentar.
Deste modo, o
decametónio é o
derivado do metónio
com maior actividade
sobre a placa motora.

O hexametónio é administrado por via parentérica, embora existam


vários outros fármacos ganglioplégicos absorvidos por via oral (tais
como a mecamilamina). No passado, estas substâncias foram
utilizadas no tratamento da hipertensão muito grave. Todavia, para além
da sua acção hipotensora muito intensa, todos os ganglioplégicos
supracitados apresentam várias acções adversas, motivo pelo qual já
não são utilizados na prática clínica.

Os efeitos adversos dos ganglioplégicos resultam do bloqueio


generalizado dos gânglios do sistema nervoso autónomo. Como ocorre
um bloqueio simultâneo dos gânglios simpáticos e parassimpáticos, os
efeitos em cada órgão dependem do tipo de inervação autonómica
(simpática ou parassimpática) dominante nesse órgão. Assim, os efeitos
adversos dos ganglioplégicos incluem estase intestinal, xerostomia,
perturbações da acomodação, agravamento de hipertensões oculares,
retenção urinária, e inibição da sudação (o que induz um aumento da
temperatura).

Para além dos ganglioplégicos supracitados, existem ganglioplégicos de


acção muito curta, os quais ainda podem ser utilizados na prática clínica
com o objectivo de induzir hipotensão controlada num contexto
cirúrgico. Entre esses fármacos, destaque para o trimetafano que, para
além de induzir bloqueio ganglionar, também apresenta uma acção
vasodilatadora directa (que poderá ser a principal responsável pela
hipotensão). De referir que, o trimetafano deve ser utilizado
cautelosamente em doentes que manifestem reacções alérgicas com
facilidade, uma vez que ainda se desconhece se este fármaco induz
libertação de histamina.

Tabela-síntese: Fármacos colinérgicos por patologia

PATOLOGIA/USO
MÉDICO FÁRMACO
Rivastigmina
Alzheimer Donepezil
Galantamina
Biperideno
Parkinson
Tri-hexafenidilo
Tropicamida
Ciclopentolato
Midriáticos
Escopolamina
Atropina
Glaucoma agudo de Fisostigmina
ângulo aberto
Pilocarpina
Ipratrópio
Tiotrópio
Asma e DPOC
Metacolina
(induz crise para facilitar
diagnóstico)
Bradicardia sinusal Atropina
Tratamento da
cardiopatia
hipertrófica
idiopática Atropina
(anticorpos)
Butilescopolamina
Doença ulcerosa
péptica/
Hipersecreção Clidínio
gástrica Pirenzepina
Telenzepina
Butilescopolamina
Hipermotilidade
gastro-intestinal Clidínio
Dicilomina
Estados
espasmódicos do Otilónio
tracto gastro-
intestinal/ síndrome Mebeverina
do intestino irritável
Zamifenacina
Diarreia do viajante Atropina
Hipomotilidade Betanecol
intestinal
Neostigmina
Xerostomia Pilocarpina
Darifenacina/Solifenacina
Oxibutinina
Incontinência urinária
e estados Tolterodina
espasmódicos Tróspio
Atropina
(sensação de urgência)
Betanecol
Retenção urinária Neostigmina
Carbacol
Neostigmina
Miastenia Gravis
Piridostigmina
Perturbações
vestibulares Escopolamina
Cessação tabágica Vareniclina
Intoxicação por
muscarínicos Atropina
Intoxicação por anti-
muscarínicos Fisostigmina
Piridostigmina
(profilaxia)
Intoxicação por
organofosfarados Fisostigmina (profilaxia)
Pralidoxima e obidoxima
(tratamento)
Rotina pré-operatória Atropina
Escopolamina
Succinilcolina
(entubação)
Atracúrio
Paralisante Cis-atracúrio
Mivacúrio
Rocurónio
Vecurónio
Reversão da paralisia
muscular Neostigmina
farmacologica pós-
cirúrgia Edrofónio
Hipotensão em
contexto cirúrgico Trimetafano
Diferenciação de crise
miasténica de crise
Edrofónio
colinérgica
Introdução ao estudo do sistema
adrenérgico
A noradrenalina é o principal neurotransmissor libertado pelos
neurónios simpáticos pós-ganglionares, de tal modo que as
intervenções terapêuticas que têm por alvo o sistema nervoso simpático
interferem com a acção da noradrenalina nos órgãos efectores.

Ao nível neuronal, a noradrenalina é maioritariamente sintetizada ao


nível dos terminais pré-sinápticos, onde coexistem as várias enzimas
necessárias à síntese desta catecolamina. Nos terminais pré-sinápticos,
a noradrenalina é armazenada em vesículas, que também contêm ATP,
cromograninas, dopamina β-hidroxílase, ácido ascórbico, e certos
peptídeos percursores das encefalinas. No interior das vesículas, a
maior parte da noradrenalina encontra-se ligada ao ATP, constituindo,
assim, um depósito bastante estável. Assim, a porção livre está em
equilíbrio com a parte ligada e com a fracção citoplasmática
(axoplasmática) da noradrenalina.

A noradrenalina, a adrenalina e a dopamina constituem as três


catecolaminas endógenas. Todas estas substâncias são capazes de
actuar ao nível dos receptores adrenérgicos, embora também existam
receptores próprios para a dopamina (os receptores dopaminérgicos).
A adrenalina é maioritariamente produzida na glândula supra-renal
(embora também seja expressa por alguns neurónios do sistema
nervoso central), enquanto a dopamina é expressa por neurónios
centrais e autónomos.

Síntese de noradrenalina e adrenalina


A noradrenalina e a adrenalina têm como
percursor comum a tirosina. De facto, este
aminoácido é convertido em dopa, pela
hidroxílase da tirosina.
Subsequentemente, a dopa é convertida
em dopamina por acção da dopa-
descarboxílase. Por sua vez, a dopamina
é convertida em noradrenalina, sendo esta
reacção mediada pela dopamina β-
hidroxílase – contrariamente às restantes
enzimas, que têm localização
citoplasmática, a dopamina β-hidroxílase
encontra-se expressa no interior das
vesículas. Assim, a dopamina é formada no
citoplasma, sendo depois captada pelas
vesículas, dentro das quais é convertida em
noradrenalina. A captação vesicular de
noradrenalina e dopamina ocorre por
transporte activo (para o qual é necessário
ATP e magnésio), sendo este processo
inibido pela reserpina.

No que concerne à adrenalina, esta


catecolamina é sintetizada a partir da
noradrenalina, sendo essa reacção
catalisada pela feniletanolamina-N-metil-
transferase (FNMT).

As enzimas supracitadas são relativamente


inespecíficas, podendo actuar sobre outros
substratos. A título de exemplo, a DOPA-
descarboxílase é capaz de actuar sobre a
histidina e o 5-

hidroxitriptofano, convertendo-os em histamina e 5-hidroxitriptamina,


respectivamente.

Actualmente, sabe-se que não é possível esgotar a noradrenalina dos


terminais adrenérgicos nem a adrenalina da glândula supra-renal, por
mais prolongada que seja a estimulação a que estiverem sujeitas essas
estruturas. Isto ocorre porque a síntese destas catecolaminas aumenta
em função do seu consumo. Assim, a concentração axoplasmática de
noradrenalina constitui o factor limitante da sua síntese – uma
diminuição desta concentração induz estimulação da hidroxílase da
tirosina, enquanto o aumento desta concentração induz o efeito inverso.

Libertação de noradrenalina
A libertação de noradrenalina ocorre por exocitose. Ainda se sabe muito
pouco acerca dos mecanismos moleculares envolvidos na libertação de
noradrenalina – todavia, sabe-se que o cálcio desempenha um
importante papel no acoplamento entre o impulso nervoso e essa
libertação. Para além disso, as anexinas são proteínas axoplasmáticas
que interagem com os fosfolipídeos membranares, promovendo a
exocitose na presença de baixas concentrações de cálcio.

Algumas aminas
simpaticomiméticas (como a
anfetamina e a tiramina)
promovem a libertação de
noradrenalina, embora por uma
via não-exocítica. De facto, estas
aminas são captadas para o
interior dos neurónios
noradrenérgicos por via dos
transportadores monoaminérgicos
(DAT, NET e SERT – vide infra).
Essa captação induz uma
alteração conformacional no
transportador, que leva a que este
passe a transportar noradrenalina
(desde o interior dos neurónios)
para o meio extracelular. Para
além disso, estas aminas
competem com a noradrenalina
pela captação vesicular, sendo
assim capazes de mobilizar a
noradrenalina armazenada.

Ao nível dos neurónios simpáticos


pós-ganglionares, existem vários
receptores, cuja activação
permite modular a quantidade de

noradrenalina libertada. De facto, a activação dos receptores


adrenérgicos α2 neuronais induz redução da quantidade de
noradrenalina libertada (mecanismo de feedback negativo), enquanto a
activação dos receptores adrenérgicos β (sobretudo β2) neuronais induz
um aumento da libertação desta catecolamina (mecanismo de feedback
positivo). Como é óbvio, o bloqueio destes receptores induz o efeito
oposto do verificado na sequência da sua activação.

Metabolização da noradrenalina libertada


Após ter sido libertada, uma fracção da noradrenalina liga-se aos
respectivos receptores sitos nos órgãos-alvo. De qualquer modo, a
noradrenalina libertada segue um dos seguintes destinos:

1. Recaptação neuronal

2. Captação por estruturas não-neuronais

3. Abandono da biofase por difusão e passagem para a corrente


sanguínea

A recaptação neuronal (que ocorre pelo transportador activo NET, que


é inibido pela cocaína) constitui o principal mecanismo de inactivação
da noradrenalina libertada. Após sofrer recaptação, a noradrenalina
pode ser armazenada em vesículas, ou inactivada pela MAO (enzima
monoamina oxidase). Existem duas isoformas de MAO (embora ambas
sejam inibidas pela iproniazida):

1. MAO-A: Esta isoenzima encontra-se, sobretudo, expressa nas


regiões onde existem neurónios adrenérgicos e noradrenérgicos.
A MAO-A tem como substratos preferenciais a noradrenalina, a
adrenalina e a 5-hidroxitripatimina; sendo irreversivelmente inibida
pela clorgilina.

2. MAO-B: Esta isoenzima encontra-se presente nas áreas onde


existem neurónios 5-hidroxitriptaminérgicos. A MAO-B tem como
substratos preferenciais a β-feniletilamina e a benzilamina, sendo
irreversivelmente inactivada pela selegilina.

Quando captada por estruturas não-neuronais, a noradrenalina é


metabolizada por acção exclusiva da COMT (catecol-O-metil-
transferase), ou por acção sequencial da COMT e da MAO. De qualquer
modo, a captação extra-neuronal da noradrenalina ocorre em parte
por um mecanismo passivo (que ocorre em função da lipofilia), e em
parte por um mecanismo activo. O mecanismo activo é bloqueado pela
normetanefrina (uma substância resultante do metabolismo da
noradrenalina) e por alguns corticosteróides (tais como a
hidrocortisona). Porém, estes bloqueadores apenas inibem parcialmente
o processo de captação extra-neuronal, uma vez que, como já foi
referido, este ocorre por processos passivos e activos (por oposição, o
processo de recaptação neuronal é completamente bloqueado pelos
seus antagonistas).

Por fim, após ser libertada, a noradrenalina pode se difundir para a


corrente sanguínea. Neste caso, os vasos para os quais a noradrenalina
se difunde desempenham um papel essencial na inactivação desta
catecolamina.

Ao serem metabolizadas, a adrenalina e a noradrenalina originam os


mesmos produtos de inactivação. A metanefrina constitui uma
excepção, na medida em que é um produto de inactivação unicamente
derivado da adrenalina (sendo, por isso, homóloga à normetanefrina,
que é originada na via de metabolização da noradrenalina). Como a
adrenalina tem maior afinidade para as células não-neuronais do que
para as células neuronais, a sua biotransformação leva a que fracção
de derivados da COMT seja superior à fracção de derivados da MAO.
De referir que, o ácido vanililmandélico (VMA) e o MOPEG constituem
os principais produtos de inactivação da noradrenalina e adrenalina,
sendo que o VMA é praticamente apenas formado a nível extra-
neuronal.

Formas de intervenção farmacológica ao nível do


neurónio pós-ganglionar simpático

Interferência na síntese do mediador


Todas as etapas da via de síntese de noradrenalina podem ser inibidas,
através do bloqueio das enzimas intervenientes. Assim, a α-metil-p-
tirosina bloqueia a hidroxílase da tirosina, sendo que o uso continuado
deste fármaco induz depleção de noradrenalina, na medida em que
continua a ocorrer libertação de noradrenalina, sem que se verifique
síntese compensatória deste mediador. Por seu turno,

a α-metil-DOPA inibe a DOPA-descarboxílase, enquanto o dissulfiram


bloqueia a dopamina β-hidroxílase, impedindo a conversão de
dopamina em noradrenalina.

Curiosamente, estes fármacos apresentam muitas semelhanças com os


substratos das enzimas que bloqueiam. Deste modo, estes
bloqueadores são metabolizados pelas enzimas que eles próprios
bloqueiam – a título de exemplo, a α-metil-p-tirosina é convertida pela
hidroxílase da tirosina em α-metil-DOPA, sendo que este último
composto é convertido pela DOPA-descarboxílase em α-metil-
dopamina. Como é óbvio, a α-metil-dopamina acaba por ser convertida
em α-metil-noradrenalina que, quando libertada pelos neurónios
adrenérgicos, actua como um falso mediador.

Sob o ponto de vista terapêutico, os inibidores da síntese de


noradrenalina não são muito utilizados. Todavia, a α-metil-DOPA revela-
se particularmente importante na terapêutica da hipertensão, embora os
seus efeitos hipotensores se devam, sobretudo, à acção que exerce
sobre o sistema nervoso central.

Bloqueio da recaptação neuronal de noradrenalina


Como anteriormente mencionado, a noradrenalina libertada para o meio
extracelular pode ser recaptada para o interior dos neurónios
adrenérgicos. Esta recaptação ocorre por via do transportador NET, o
qual é bloqueado por acção da cocaína, da imipramina e da
desipramina. Ora, ao impedirem este processo (que é o principal
responsável pela inactivação da noradrenalina libertada), estes
fármacos induzem um aumento da concentração de noradrenalina na
biofase e, consequentemente, uma potenciação na sua acção. Note-se
que, para além de inibirem o NET, a cocaína e a imipramina também
inibem o DAT e o SERT, que constituem, respectivamente, os
transportadores envolvidos na recaptação de dopamina e serotonina.
Note-se que muitos inibidores do NET e do SERT são usados como
anti-depressores, por potenciarem uma maior concentração de
neurotransmissores na fenda sináptica.

Promoção da libertação de noradrenalina


Vários fármacos são capazes de promover a libertação de
noradrenalina a partir dos seus depósitos neuronais. De acordo com o
seu modo de actuação, esses fármacos podem apresentar ou não
efeitos simpatomiméticos.

A anfetamina, a tiramina, a fenilpropanolamina e a efedrina


promovem a libertação rápida de noradrenalina, a partir dos seus
depósitos neuronais. Estas substâncias são aminas simpaticomiméticas
de acção indirecta e, por isso, a administração repetida destes fármacos
resulta numa rápida perda de eficácia (taquifilaxia).

Por seu turno, a reserpina inibe a captação vesicular de dopamina e


noradrenalina. Assim, a noradrenalina permanece no axoplasma, onde
é oxidada pela MAO. Isto faz com que ocorra libertação lenta e
prolongada de um metabolito inactivo da noradrenalina. Deste modo, a
reserpina não possui acção simpaticomimética, e conduz a uma
depleção de noradrenalina (esvaziamento dos depósitos), que se
reflecte através de um bloqueio da função simpática que atinge todo o
organismo.

Por fim, a 6-hidroxidopamina é um análogo da dopamina que também


se revela capaz de depletar os depósitos de noradrenalina. A 6-
hidroxidopamina é captada pelos neurónios noradrenérgicos, induzindo
um aumento muito acentuado da densidade vesicular. Quando
administrado em doses elevadas, este fármaco acumula-se
selectivamente nos terminais simpáticos, originando produtos de
oxidação altamente reactivos que estabelecem ligações covalentes com
grupos nucleofílicos de macromoléculas neuronais. Ora, isto induz uma
simpatectomia funcional, na medida em que promove a destruição
selectiva desses terminais simpáticos e origina uma depleção duradoura
dos depósitos noradrenérgicos.

De referir que, a 6-hidroxidopamina não atravessa a barreira hemato-


encefálica, de tal modo que quando administrada por via sistémica, esta
substância não exerce efeitos no sistema nervoso central. Por oposição,
quando injectada nos ventrículos cerebrais, a 6-hidroxidopamina causa
depleção das catecolaminas cerebrais (sobretudo, da noradrenalina).

Em suma, a tiramina promove uma libertação rápida de catecolaminas


activas e, por isso, apresenta uma acção simpaticomimética de curta
duração. Já a reserpina actua lentamente, induzindo a libertação de
catecolaminas inactivas – assim, esta substância não possui acção
simpaticomimética e condiciona um esvaziamento vesicular. Por fim, a
6-hidroxidopamina induz libertação de aminas inactivas e,
paralelamente, destruição dos neurónios simpáticos.

Bloqueio da libertação de noradrenalina


A guanetidina, a betanidina e o bretílio são consideradas
substâncias simpatoplégicas, na medida em que bloqueiam a
membrana axoplasmática, impedindo a libertação de noradrenalina por
parte dos neurónios noradrenérgicos. De referir que o uso destes
fármacos pode se revelar útil na terapêutica da hipertensão arterial.

Bloqueio da metabolização das catecolaminas


A MAO, a COMT e a desidrogénase dos aldeídos são as enzimas
responsáveis pela metabolização das três catecolaminas endógenas (as
vias de metabolização destas aminas estão descritas na imagem de
baixo). Ora, a inibição destas enzimas resulta na acumulação de
catecolaminas nas estruturas neuronais e extra-neuronais onde as
enzimas em questão são expressas.

Assim, a
administração de
inibidores da MAO e
da COMT potencia
os efeitos da
noradrenalina,
adrenalina,
dopamina e, no caso
dos Inibidores da
MAO, serotonina.
Assim, os inibidores
da MAO (tais como
a iproniazida) são
clinicamente
utilizados como anti-
depressores e anti-
Parkinsonianos (na
terapia da doença de
Parkinson, procede-
se ao uso de
inibidores da MAO-
B, como a selegilina
e a rasagilina). Por
seu turno, os
inibidores da COMT
(tais como o
entacapone e o
tolcapone) são
unicamente
utilizados na terapia
da doença de
Parkinson. Note-se
que na doença de
Parkinson existe um
défice de dopamina,
sendo que os
inibidores da MAO e
da COMT potenciam
a acção deste
mediador.

Estimulantes e bloqueadores dos receptores


adrenérgicos

Existem vários fármacos que activam directamente os receptores


adrenérgicos, mimetizando a acção das catecolaminas endógenas. Ora,
as substâncias que apresentam tais propriedades constituem o grupo
dos simpatomiméticos de acção directa.
Por oposição, também existem fármacos que bloqueiam directamente
os receptores adrenérgicos, sendo que esses fármacos apresentam
grande relevância clínica.

Receptores adrenérgicos

Os receptores nos quais a adrenalina e a noradrenalina actuam


constituem o grupo dos receptores adrenérgicos. Existem vários tipos
e subtipos de receptores adrenérgicos, os quais estão expressos em
locais distintos e induzem respostas diferentes. Passemos então ao
estudo de cada classe de receptores adrenérgicos:

1. Receptores α1: Os receptores α1 encontram-se acoplados à


proteína Gq, de tal modo que a sua activação induz a via da
fosfolipase C. Existem três subtipos de adrenorreceptores α1 –
α1A, α1B
e α1D – os quais são codificados por genes distintos. Em termos
genéricos, a vasoconstrição

constitui o principal evento


resultante da activação dos
receptores α1. Todavia, a
activação destes receptores induz
uma série de outras respostas
fisiologicamente importantes, de
tal modo que os fármacos
selectivos α1 podem ser eficazes
no tratamento sintomático do
adenoma benigno da próstata.

2. Receptores α2: Os receptores α2


encontram-se acoplados à
proteína Gi, de tal modo que a sua
activação induz inibição da adenil
cíclase e, por conseguinte,
redução dos níveis de cAMP. Para
além disso, a activação dos
receptores α2 pode também levar
à abertura de canais de potássio,
ou ao encerramento de canais de
cálcio.

Existem quatro subtipos de


receptores α2 – α2A, α2B, α2C e
α2D. As diferenças entre os
receptores α2B e α2C são muito
ténues, não existindo ainda

antagonistas com clara selectividade para qualquer um destes


receptores (o receptor α2C apenas difere do α2B, na medida em
que o primeiro apresenta maior afinidade para a rauvolscina e
maior razão de afinidades oximetazolina/prazosina). Já o receptor
α2D é homólogo do receptor α2A, sendo que estes receptores não
coexistem na mesma espécie (uma espécie só pode ter receptor
α2A ou α2D).

3. Receptores β: Os adrenorreceptores β encontram-se acoplados


à proteína Gs, de tal modo que a sua activação estimula a adenil
cíclase. Ao nível do coração, estes receptores podem activar
canais de cálcio dependentes da voltagem, independentemente
das alterações dos níveis de cAMP que determinem.

Os adrenorreceptores β medeiam
as respostas inibitórias causadas
pela noradrenalina e pela
adrenalina (excepto ao nível do
coração, onde estes receptores
induzem respostas excitatórias).
Assim, a intervenção ao nível
destes receptores é
utilizada na terapêutica da
hipertensão arterial, arritmias
cardíacas, insuficiência cardíaca e
asma. Existem quatro subtipos de
receptores β (β1, β2, β3 e β4),
pensando-se que todos estes
coexistem no coração humano.
Os receptores β1 predominam ao
nível do miocárdio, enquanto os
receptores β2 prevalecem ao
nível do músculo
liso brônquico. Por outro lado, os receptores β3 existem ao nível
do tecido adiposo (onde induzem lipólise) e, em menor escala, do
tubo digestivo. Por fim, os receptores β4 estão ainda a ser alvo
de estudo.
Fármacos de acção adrenérgica:
simpaticomiméticos
O grupo dos agentes simpaticomiméticos inclui não só as substâncias
que mimetizam os efeitos da estimulação simpática, mas também os
fármacos que, por serem quimicamente relacionados com a
noradrenalina (principal mediador simpático), actuam nos mesmos
receptores que esta e são antagonizados pelos mesmos bloqueadores.

As aminas simpaticomiméticas partilham muitas propriedades em


comum, embora difiram nas suas características farmacocinéticas e na
sua afinidade relativa para cada tipo de receptor. Ora, isto condiciona a
escolha do agente simpaticomimético a ser administrado na prática
clínica.

As aminas simpaticomiméticas podem ser classificadas de várias


formas. Assim, iremos proceder à divisão destes agentes, de acordo
com as várias classificações:

1. Classificação quanto à origem:

a) Origem animal: Adrenalina, noradrenalina, dopamina

b) Origem vegetal: Efedrina

c) Origem sintética: Isoprenalina, fenilefrina, anfetamina, metoxamina

2. Classificação quanto à estrutura química:

a) Catecolaminas: Adrenalina, noradrenalina, dopamina, isoprenalina,


protoquitol

b) Fenilisopropilaminas: Anfetamina, metanfetamina, metoxamina

c) Imidazolinas: Nafazolina, oximetazolina, tetra-hidrazolina,


tramazolina e xilometazolina (agentes utilizados como
descongestionantes nasais)

d) Aminas alifáticas: Hexilamina, heptaminol ou metil-heptaminol


Em termos químicos, as catecolaminas possuem dois oxidrilos em
posição orto no núcleo benzénico. Já as fenilisopropaliminas não
possuem oxidrilos no núcleo benzénico, são pouco polares (sendo,
por isso, bem absorvidas por via oral) e atravessam facilmente a
barreira hemato-encefálica, podendo exercer efeitos de acção central.
Por fim, as aminas alifáticas apresentam uma estrutura química linear
(não-cíclica).

3. Classificação quanto ao mecanismo de acção:

a) Simpaticomiméticos de acção directa: Actuam directamente


sobre os receptores adrenérgicos.

Exemplos: noradrenalina e adrenalina

b) Simpaticomiméticos de acção indirecta: Promovem a


libertação das catecolaminas endógenas existentes nas vesículas
dos neurónios adrenérgicos e da medula supra-renal. Exemplos:
tiramina e anfetamina).

Contrariamente às aminas simpaticomiméticas de acção indirecta, as


aminas de acção directa actuam mesmo após tratamento prévio com
a reserpina. Por outro lado, a cocaína potencia a acção das aminas
de acção directa, mas inibe a acção das aminas de acção indirecta,
pois impede o acesso destas aminas aos depósitos
catecolaminérgicos. De referir que, contrariamente ao que se verifica
com as aminas de acção indirecta, o uso repetido da mesma dose de
qualquer amina de acção directa não induz taquifilaxia (ou seja,
induz sempre a mesma resposta).

4. Classificação quanto ao tipo de receptor para o qual os fármacos


têm afinidade preferencial:

a) Estimuladores α-adrenérgicos: Fenilefrina, metoxamina e


clonidina

b) Estimuladores β-adrenérgicos: Isoprenalina, terbutalina,


salbutamol e dobutamina
c) Estimuladores de ambos os tipos de receptores:
Noradrenalina (embora active preferencialmente os receptores α),
adrenalina, α-metil-noradrenalina.

Em termos gerais, quando activados, os receptores adrenérgicos α


dão origem a respostas excitatórias (excepto no intestino), sendo
bloqueados por antagonistas como a fentolamina. Por oposição, os
receptores adrenérgicos β dão origem a respostas inibitórias (excepto
no coração), sendo bloqueados por antagonistas como o
propranolol. De referir que esta classificação é a mais útil, sob o
ponto de vista farmacodinâmico.

Afinidade de diferentes agonistas simpaticomiméticos para cada


tipo de receptor adrenérgico

α1 α2 β1 β2
Fenilefrina ++ +

Metoxamina ++ +

Clonidina + ++

Noradrenalina ++ ++ + +

Adrenalina ++ ++ ++ ++

Isoprenalina ++ ++
Terbutalina e
ritodrina + ++
Albuterol + ++
Meta-proternol + ++

Dobutamina ++ +

Farmacocinética
A noradrenalina e a adrenalina são substâncias polares, não sendo
praticamente absorvidas por via oral (a pequena quantidade destas
catecolaminas que sofre absorção acaba por ser inactivada no fígado).
Para além disso, parte destas catecolaminas é destruída no interior do
tubo digestivo. Assim, a administração destas substâncias deverá
ocorrer por via parentérica, nomeadamente por via subcutânea ou
intravenosa. A noradrenalina não pode ser administrada por via
subcutânea, na medida em que provoca intensa vasoconstrição. Ora,
isto leva a que a remoção desta catecolamina ocorra muito lentamente,
o que causa uma isquemia local prolongada, que origina necrose
tecidular.

No interior do organismo, a adrenalina e a noradrenalina são


rapidamente inactivadas, por acção da MAO e da COMT. O VMA
constitui o produto de inactivação mais comum destas catecolaminas,
resultando da acção combinada da MAO e da COMT. Ora, este
metabolito é excretado por via renal, de tal modo que o seu doseamento
na urina permite rastrear a existência de feocromocitomas (tumores da
glândula supra-renal, onde há excesso de síntese de catecolaminas e,
como tal, de VMA).

Contrariamente às catecolaminas, quase todas as aminas não-


catecólicas usadas em clínica (tais como a anfetamina, a efedrina, a
orciprenalina, a terbutalina, o trimetoquinol e a nilidrina) são bem
absorvidas por via oral. Para além disso, essas aminas também
atravessam facilmente a barreira hemato-encefálica, podendo exercer
efeitos centrais.

Em termos gerais, as aminas não-catecólicas apresentam efeitos mais


prolongados que as catecolaminas fisiológicas (endógenas). De facto,
as aminas não-catecólicas são menos sensíveis à acção da MAO e da
COMT. Para além disso, essas substâncias são normalmente
administradas em quantidades superiores.

Uma parte muito significativa das fenilisopropilaminas (grupo no qual se


inclui a anfetamina) é excretada intacta na urina (de facto, cerca de 70%
da efedrina administrada por via oral é excretada de forma intacta na
urina!). A excreção desta classe de fármacos encontra-se muito
dependente do pH urinário – A título de exemplo, o pKa da anfetamina é
de 9,93, de tal modo que a alcalinização da urina está associada ao
aumento da fracção não-ionizada de anfetamina e, por conseguinte, a
um aumento da fracção reabsorvida deste fármaco.

Acções farmacológicas
Os receptores adrenérgicos são expressos de forma ubíqua no
organismo, de tal modo que as aminas simpaticomiméticas possuem
um espectro farmacodinâmico muito amplo. Assim, o(s) efeito(s) de
cada amina depende(m) do tipo de receptor para o qual essa amina tem
mais afinidade, bem como da expressão desse tipo de receptor pelos
diferentes órgãos.

Acções cardíacas
As aminas simpaticomiméticas excitam o tecido de condução cardíaco,
o que induz efeitos cronotrópico, batmotrópico, dromotrópico e
inotrópico positivos (ou seja, passa a ocorrer um aumento do
automatismo, da velocidade de condução e da contractilidade).

Para além disso, quando administradas em doses moderadas, as


aminas simpaticomiméticas induzem taquicardia sinusal e aumento do
débito cardíaco. Todavia, quando são administradas doses elevadas
destes fármacos, a frequência cardíaca aumenta de tal modo, que o
tempo de enchimento ventricular diminui, passando a ocorrer diminuição
do débito cardíaco. As doses elevadas destas aminas podem ainda
causar extrassístoles e arritmias graves, sobretudo caso o miocárdio
esteja sob o efeito de determinados fármacos (tais como alguns
anestésicos gerais).

Sob acção destas aminas, o coração realiza maior trabalho, de tal modo
que o seu consumo de oxigénio aumenta. Deste modo, os indivíduos
com insuficiência coronária que recebam estes fármacos apresentam
maior susceptibilidade de desenvolverem angina de peito.

De referir que, dado o predomínio dos receptores β (sobretudo β1) ao


nível do coração, a isoprenalina exerce efeitos cardíacos mais intensos
que a adrenalina. Ora, por sua vez, a noradrenalina apresenta efeitos
cardíacos mais intensos que a noradrenalina.

Efeitos vasculares
A nível vascular, as aminas simpaticomiméticas apresentam efeitos
variáveis. Assim, a isoprenalina apresenta uma acção vasodilatadora,
uma vez que apenas actua em receptores β. Já a adrenalina, que actua
simultaneamente em receptores α e β, induz contracção dos vasos da
pele, mucosas, cérebro, coração e rins (onde predominam os
receptores α); e dilatação dos vasos do músculo esquelético e das
vísceras (onde predominam os receptores β). Por fim, a noradrenalina
apresenta uma acção globalmente vasoconstritora, visto actuar
maioritariamente em receptores α.

Assim, a isoprenalina diminui intensamente as resistências vasculares


periféricas, causando uma grande diminuição da pressão arterial
mínima. Contudo, como também induz uma acentuada estimulação
cardíaca, este fármaco condiciona um aumento muito discreto da
pressão máxima. Por vezes, a vasodilatação pode ser tão intensa que
leve a uma grande diminuição do retorno venoso, o que pode
condicionar uma diminuição da pressão arterial máxima.

Já a adrenalina induz um claro aumento da pressão arterial máxima, na


medida em que estimula a actividade cardíaca e promove apenas uma
ligeira redução das resistências periféricas. De qualquer modo, o efeito
de ligeira redução da resistência vascular periférica é suficiente para
induzir diminuição da pressão arterial mínima.

Por fim, a noradrenalina induz um aumento descarado da pressão


arterial máxima, e um aumento menos exuberante da pressão arterial
mínima. Isto ocorre porque a noradrenalina induz um aumento
simultâneo da actividade cardíaca e das resistências vasculares
periféricas.

De referir que, na sequência da hipertensão promovida pela adrenalina


e (sobretudo) pela noradrenalina, ocorre frequentemente uma reacção
vagal reflexa, que contraria o aumento da pressão arterial e da
frequência cardíaca.

Acções sobre os brônquios


Ao nível do músculo liso dos brônquios só existem, praticamente,
receptores β, sobretudo do subtipo β2. Deste modo, apenas os
simpaticomiméticos com afinidade para os receptores β são capazes de
actuar nos brônquios, induzindo broncodilatação.
Embora causem broncodilatação, os agonistas β não-selectivos
induzem vários efeitos laterais ao nível do sistema cardiovascular (tais
como taquicardia). Assim, na prática clínica, é preferível utilizar
agonistas selectivos dos receptores β2, os quais são capazes de induzir
broncodilatação, sem que isso se acompanhe de um notório efeito
taquicardizante. De entre os agonistas selectivos para os receptores β2,
destaque para o fenoterol, terbutalina, trimetoquinol, isoetarina e
salbutamol. Este último fármaco

é aquele que mais dificilmente induz taquicardia (ou seja, para que se
desenvolva taquicardia, são necessárias doses mais elevadas de
salbutamol que de outro agonista β2 qualquer).

Acções sobre o sistema nervoso central


Devido à sua elevada polaridade, as catecolaminas têm dificuldade em
atravessar a barreira hemato-encefálica, quando administradas nas
doses convencionais. Apesar disso, as catecolaminas podem induzir
inquietude, apreensão, trémulo e cefaleias.

Já as aminas menos polares (tais como a anfetamina e a


metanfetamina) atravessam facilmente a barreira hemato-encefálica,
causando uma importante estimulação central. De facto, a anfetamina
induz acentuação do estado de alerta, insónia, diminuição da sensação
de fadiga, elevação do humor, aumento da iniciativa e da auto-
confiança, melhoria da capacidade de concentração, euforia e aumento
da actividade motora. Assim, a anfetamina melhora a capacidade
mental para tarefas simples, mas não a habilidade para as executar.
Para além disso, a anfetamina facilita a transmissão mono e
polissináptica na medula, estimula o centro respiratório e diminui o
apetite (de facto, a anfetamina estimula o centro hipotalâmico da
saciedade). As acções supressoras do apetite da anfetamina levam a
que esta droga seja muito popular nas clínicas de emagrecimento, tal
como se verifica com a fenilpropanolamina (cuja comercialização foi
descontinuada devido ao risco subjacente de AVC hemorrágico).

Ao promover a libertação de dopamina e 5-hidroxitriptamina, a


anfetamina também interfere com o comportamento. De facto, quando
administrada em doses elevadas, a anfetamina pode levar ao
surgimento de manifestações do tipo psicótico.
A metileno-dioximetanfetamina (MDMA ou ecstasy) actua de modo
similar à anfetamina, promovendo a libertação de aminas biológicas,
através de uma alteração conformacional dos seus respectivos
transportadores. Apresenta afinidade preferencial para o SERT
(transportador de serotonina), contribuindo para o aumento da
concentração extracelular de serotonina (e para a depleção deste
neurotransmissor). Antigamente, a MDMA foi utilizada em psicoterapia,
mas esse uso foi descontinuado, sabendo-se actualmente que esta
substância não tem efeitos medicamente úteis. A MDMA é considerada
uma droga, visto causar uma série de efeitos tóxicos, nos quais se
incluem a hipertermia, desidratação, síndrome da serotonina (alteração
do estado mental, hiperactividade autonómica e anomalias
neuromusculares), tonturas e perturbações cognitivas a longo prazo.
Apesar disso, a curto prazo, a MDMA aumenta os sentimentos de
intimidade e empatia, sem impedir as capacidades intelectuais.

Acções metabólicas
A adrenalina, a noradrenalina e a isoprenalina (entre outras aminas
simpaticomiméticas) apresentam efeitos metabólicos. Todavia, em
condições fisiológicas, apenas a adrenalina exerce esses efeitos de
forma significativa. Assim, a adrenalina induz lipólise (por actuação nos
receptores β3), glicogenólise (por actuação nos receptores β2),
hipercalémia (por actuação nos receptores α) e aumento dos níveis de
ácido láctico.

Acções sobre o baço


Ao nível da cápsula esplénica só existem, praticamente, receptores α.
Assim, os agonistas dos receptores α (tais como a adrenalina e a
noradrenalina) induzem contracção da cápsula esplénica. Ora, isto
revela-se extremamente importante em situações de hemorragia, pois
possibilita que o sangue armazenado no baço seja disponibilizado para
o sistema vascular. Assim, na presença de uma hemorragia, ocorre
libertação maciça de adrenalina e noradrenalina, que induzem
esplenocontracção e, consequentemente, saída de sangue do baço
para os vasos sanguíneos.
Acções sobre o olho
Os agonistas dos receptores α causam midríase, uma vez que induzem
a contracção do músculo dilatador da pupila (que é deveras rico em
receptores α). A indução de midríase revela-se particularmente útil para
o exame oftalmológico do fundo do olho, e em situações de infecções
oculares (para a prevenção de aderências).

Acções sobre o tracto genito-urinário


A adrenalina promove contracção uterina. Todavia, durante os últimos
meses de gravidez e aquando do parto, esta catecolamina inibe o tónus
e as contracções uterinas. Assim, alguns agonistas selectivos β2 (tais
como a ritodrina e a terbutalina) têm sido utilizados para atrasar o
desencadeamento do parto.

Por outro lado, ao nível da bexiga, a adrenalina relaxa o músculo


detrusor (que expressa receptores β) e contrai o trígono (que expressa
receptores α), induzindo assim, retenção urinária.

Acções sobre o tracto gastro-intestinal


Ao nível do sistema gastro-intestinal, co-existem receptores α e
receptores β, embora ambos estejam envolvidos em respostas
inibitórias (diminuição da motilidade). Assim, a título de excepção, ao
nível do tubo digestivo, os receptores α medeiam uma resposta
inibitória. Deste modo, qualquer que seja a amina administrada, ocorre
relaxamento do músculo liso gastro-intestinal, o que pode levar ao
desenvolvimento de obstipação.

Outras acções
As aminas simpaticomiméticas provocam outros efeitos, nos quais se
incluem o aumento da secreção salivar, a erecção dos pelos, e a
contracção das vesículas seminais.

Uso terapêutico
Situações de choque e de estados de hipotensão
O uso de aminas simpaticomiméticas está indicado para situações de
choque, excepto quando o choque é de natureza hipovolémica (os choques
hipovolémicos podem surgir num contexto de hemorragia, queimaduras,
diarreia ou vómitos intensos). De facto, numa situação de choque
hipovolémico, o organismo procura restaurar a volémia, activando, para isso,
mecanismos de vasoconstrição generalizada. Ora, os agonistas α potenciam
a ocorrência de mais vasoconstrição, o que coloca os órgãos nobres
(coração, cérebro e rins) em risco de deficiente perfusão sanguínea.

Por oposição, em situações de choque cardiogénico, administram-se


agonistas β1, com o objectivo de aumentar a força contráctil do
miocárdio. Entre esses agonistas, destaque para o prenalterol e para a
dobutamina. O prenalterol aumenta o débito cardíaco, sem induzir
grandes alterações da frequência cardíaca e da resistência vascular
periférica. Já a dobutamina, para além de estimular os receptores β1,
activa os receptores α1, induzindo um efeito inotrópico positivo e
cronotrópico positivo, que se revela benéfico no contexto de choque
cardiogénico.

Por fim, o choque séptico caracteriza-se pela presença de vasodilatação


generalizada, o que leva a que nessas situações sejam administrados
agonistas α1 (que apresentam propriedades vasoconstritoras).

Actualmente, a dopamina é a amina que parece corresponder a um


maior número de exigências postas por situações de choque tributárias
de um tratamento por aminas simpaticomiméticas. De facto, a dopamina
apresenta acção directa sobre os receptores α e β, acção indirecta por
libertação de noradrenalina dos depósitos neuronais, e acção directa
sobre os receptores dopaminérgicos (da qual resulta vasodilatação ao
nível renal e mesentérico). Assim, a intensidade e o tipo de resposta
depende da dose e da velocidade de administração de dopamina – a
baixas concentrações, prevalecem os efeitos vasodilatadores renais;
enquanto a concentrações mais elevadas prevalecem os efeitos de
aumento da pressão arterial e das resistências vasculares periféricas.

Assim, a dopamina exerce efeitos intermediários entre a noradrenalina e


a isoprenalina. De facto, a dopamina aumenta o débito cardíaco e a
frequência cardíaca de forma mais vincada que a noradrenalina, mas de
forma mais discreta que a isoprenalina. Por outro lado, a dopamina
aumenta as resistências vasculares periféricas em menor escala que a
noradrenalina, e não provoca quebra dessas resistências com baixa de
pressão arterial, como faz a isoprenalina.

Em suma, as aminas simpaticomiméticas são capazes de modificar a


resistência vascular periférica, de aumentar a força e frequência das
contracções cardíacas, e de alterar a actividade do sistema nervoso
autónomo. Dependendo dos objectivos pretendidos, é possível
seleccionar a amina mais adequada.

Deste modo, quando se pretende aumentar a resistência vascular


periférica, devem ser administrados α-agonistas (como a fenilefrina e a
metoxamina), na medida em que exercem um efeito vasoconstrictor,
não interferindo de forma relevante com a função cardíaca. Por outro
lado, quando se pretende aumentar a força contráctil do miocárdio,
utilizam-se agonistas dos receptores β1 (isto porque os agonistas não-
selectivos dos receptores β induzem aumento da força contráctil e
vasodilatação periférica ou taquicardia). Por fim, quando se pretende
induzir estimulação cardíaca e aumento das resistências vasculares
periféricas, deve ser utilizada noradrenalina ou uma amina de acção
indirecta (como a mefentermina).

Situações de hipertensão
Alguns agonistas selectivos α2 (tais como a clonidina) são utilizados no
tratamento da hipertensão, embora isto pareça algo paradoxal, na
medida em que os vasos sanguíneos possuem adrenorreceptores α2,
cuja estimulação induz vasoconstrição. Assim, a hipotensão induzida
pela clonidina resulta da activação dos adrenorreceptores α2A presentes
ao nível do tronco cerebral (provavelmente, no núcleo do tracto
solitário).

Para além disso, a clonidina pode ainda ser usada no tratamento de


doentes com toxicomania opióide, ou no tratamento dos fogachos da
menopausa. Todavia, a clonidina apresenta vários efeitos laterais, nos
quais se incluem a secura da boca, a sedação, a bradicardia e,
ocasionalmente, a disfunção sexual. De referir que a clonidina é muito
bem absorvida por via oral.
Aplicações cardíacas
As aminas simpaticomiméticas apresentam efeitos inotrópicos,
cronotrópicos e dromotrópicos positivos. Assim, a adrenalina, a
isoprenalina e outras aminas (tais como a orciprenalina) podem ser
utilizadas na profilaxia e no tratamento de certas síncopes e de
determinados bloqueios aurículo-ventriculares. Estas aminas podem ser
administradas por via subcutânea, sublingual, intra-muscular, intra-
venosa, ou intra-cardíaca. De qualquer modo, a terapêutica
medicamentosa destas síncopes é uma medida de emergência, que
representa uma situação provisória. Assim, a forma mais satisfatória de
resolver estes problemas prende-se com a aplicação de um pacemaker.

Indução da hemóstase
A adrenalina pode ser utilizada com o objectivo de evitar ou suster uma
hemorragia. Todavia, a aplicação local de adrenalina apenas permite
controlar as hemorragias provenientes de vasos de pequeno calibre.

Tratamento de doenças vasculares periféricas


As aminas que actuam predominantemente ou exclusivamente ao nível
dos receptores β são utilizadas na terapêutica de doenças vasculares
periféricas. De entre essas aminas, destaque para a nilidrina, buferina
e isoxsuprina - para além de apresentarem uma acção relativamente
longa, estes fármacos são absorvidos por via oral (embora também
possam ser administrados por via intra-muscular). Em termos clínicos,
estes fármacos revelam-se particularmente eficazes quando as
perturbações vasculares se devem a espasmos, e não tanto a lesões
orgânicas.

Prolongamento da anestesia local por infiltração


Com excepção da cocaína, todos os anestésicos locais são
vasodilatadores. Ora, isso leva a que a absorção dos anestésicos
ocorra tão rapidamente, que o seu efeito acaba por se revelar bastante
breve. Assim, para prolongar o efeito dos anestésicos locais, estes
podem ser co-administrados com adrenalina – como a adrenalina
produz vasoconstrição, esta catecolamina atrasa a absorção dos
anestésicos, prolongando o seu efeito, e diminuindo a quantidade de
anestésico necessária.

Descongestionamento nasal
As situações de congestionamento nasal caracterizam-se pela presença
de vasodilatação abundante. Assim, para proceder ao
descongestionamento nasal, devem ser administrados agentes
vasoconstrictores, tais como os agonistas dos receptores α. Os
agonistas mais utilizados nestas situações incluem a fenilefrina, a
metoxamina e a efedrina, uma vez que apresentam uma acção
prolongada e não exercem efeitos irritantes locais. Todavia, a acção
destes fármacos é relativamente efémera – após passar a fase
desobstrução, volta a ocorrer congestão nasal (por vezes, até mais
intensa). Para além disso, quando usados repetidamente, estes
fármacos podem originar rinite crónica.

As imidazolinas podem ser utilizadas no descongestionamento nasal,


embora a absorção de grandes quantidades dessas substâncias possa
causar depressão do sistema nervoso central. Para além disso, a
nafazolina (uma imidazolina) irrita a mucosa nasal.

Terapêutica da asma
Os agonistas dos receptores β apresentam um efeito broncodilatador,
sendo amplamente utilizados na terapêutica da asma. De entre estes
agonistas, é preferível utilizar substâncias selectivas para os receptores
β2, visto induzirem menor estimulação cardíaca. Ora, os agonistas
selectivos β2 incluem o salbutamol, a terbutalina, o trimetoquinol e o
fenoterol.

Os agonistas β2 podem ser divididos em agonistas de acção menos


prolongada, e agonistas de acção lenta. Os agonistas de acção curta
(fenoterol, terbutalina, trimetoquinol, isoetarina e salbutamol) são
capazes de aliviar, agudamente, um broncospasmo; enquanto os
agonistas de acção lenta são mais vocacionados para a profilaxia das
crises asmáticas, devendo ser utilizados nos intervalos das crises. De
entre estes últimos agentes, destaque para o formoterol e salmeterol,
cuja duração de acção é superior a 12 horas. Todavia, estes fármacos
não apresentam acção anti-inflamatória, de tal modo que não devem ser
usados em monoterapia – na verdade, é frequente co-administrar estes
fármacos com a fluticasona ou outro corticosteróide.

De qualquer forma, os agonistas β2 deverão ser administrados por via


inalatória, de modo a que o seu início de acção seja muito mais rápido.
Caso se registem situações refractárias à acção destas aminas
simpaticomiméticas, é possível administrar adrenalina por via
subcutânea. De facto, a adrenalina actua sobre os receptores α,
fazendo contrair os vasos da mucosa brônquica, o que reduz a
congestão e o edema.

Acção estimulante central


A anfetamina, a dextroanfetamina e a metanfetamina desempenham
um papel estimulante central. Assim, estas substâncias poderiam ser
utilizadas em certas situações de fadiga ou depressão psicológica,
embora apenas adiem a sensação de cansaço (de facto, quando passa
o efeito estimulante destes fármacos, a fadiga redobra, por vir acrescida
da que resultou do esforço produzido sob acção dos fármacos).

Em doses moderadas, a anfetamina intensifica os sintomas de


esquizofrenia e, em doses elevadas, este fármaco provoca psicose
paranóide. Assim, a anfetamina, a metanfetamina e a dextroanfetamina
são consideradas drogas (por provocarem dependência psíquica) e
foram já retiradas do mercado. Também a dietilpropiona e a
fenfularmina foram retiradas do mercado – esses fármacos, a par da
anfetamina, metanfetamina e fenilpropanolamina, foram utilizados no
passado para a redução do apetite, embora alguns pacientes tivessem
registado hipertensão pulmonar grave e anomalias valvulares cardíacas.

A sibutramina e o modafinil são fármacos recentes, que são utilizados


como substitutos das anfetaminas. Apesar de se anunciar que estes
fármacos possuem menos desvantagens (menores alterações do humor
e menor potencial de gerar dependência), ainda não existem dados
relativos às acções a longo prazo ou aos efeitos laterais destas
substâncias.

Aplicações oftálmicas
Os agonistas α são utilizados, em aplicação local, para produzirem uma
dilatação pupilar tal, que permita o exame adequado do fundo do olho.
Para além de serem utilizadas com fim midriático, a fenilefrina, a
efedrina e a hidroxianfetamina, também podem ser utilizadas para
reduzir a incidência de aderências.

Por seu turno, ao actuar nos receptores α2, a brimonidina diminui a


produção de humor aquoso e, por conseguinte, a pressão intra-ocular.
Assim, este fármaco é usado na terapia do glaucoma.

Aplicações obstétricas
Os agonistas selectivos dos receptores β2 são utilizados para atrasar ou
impedir os partos prematuros. Nos Estados Unidos, utiliza-se
preferencialmente a ritodrina, enquanto na Europa a preferência recai
sobre a terbutalina.

Principais aplicações clínicas dos agonistas dos


receptores adrenérgicos
Receptores
de
Situações Efeitos
clínicas Fármaco actuação desejados
Choque séptico Efedrina α1
Congestão
nasal Fenilefrina α1 Vasoconstrição
Metoxamina α1
Prolongamento
do efeito Vasoconstrição (e
activação
dos
anestésicos
locais Adrenalina α de um estado pró-
Pequenas
hemorragias hemostático)
Exame do Contracção do
fundo ocular e Fenilefrina α1 dilatador da
prevenção de Efedrina pupila (midríase)
aderências α1
Hipertensão Hipotensão
Toxicomania Clonidina α2 Terapia da
opióide toxicomania
Perturbações Nilidrina β
vasculares
periféricas
devidas a Buferina β Vasodilatação

espasmo Isoxsuprina β
Síncopes e Aumento da força
bloqueios AV Isoprenalina β contráctil
Choque do miocárdio
Prenalterol β1 (aumento do
cardiogénico
Dobutamina β1 débito cardíaco)
Salbutamol β2
Terbutalina β2
Asma Broncodilatação
Trimetoquinol β2
Fenoterol β2
Desejo de Relaxamento do
retardamento Ritodrina β2 músculo liso
do parto Terbutalina β2 uterino
Fármacos de acção adrenérgica:
bloqueadores adrenérgicos
Os bloqueadores adrenérgicos (também chamados de bloqueadores
dos adrenorreceptores, antagonistas adrenérgicos ou antagonistas dos
adrenorreceptores) são substâncias que actuam nos receptores
adrenérgicos, inibindo a actividade do sistema nervoso simpático ou das
aminas simpaticomiméticas. A inervação simpática é ubíqua,
abrangendo diversos órgãos de múltiplos sistemas. Assim, embora
possam corrigir determinadas situações patológicas, os bloqueadores
adrenérgicos devem ser utilizados com cautela, devido ao risco de
desenvolvimento de efeitos laterais.

Os bloqueadores adrenérgicos não devem ser confundidos com os


fármacos simpatoplégicos (bloqueadores dos neurónios
adrenérgicos), nos quais se incluem a guanetidina. De facto, os
simpatoplégicos inibem a libertação de adrenalina por parte dos
terminais nervosos simpáticos, mas não interferem com a acção
exercida pelas aminas simpaticomiméticas nos respectivos receptores.

Bloqueadores adrenérgicos α
Os bloqueadores adrenérgicos α são fármacos que ocupam
selectivamente os receptores α, impedindo que as aminas
simpaticomiméticas se liguem a estes receptores e exerçam os seus
efeitos. Assim, os bloqueadores adrenérgicos α antagonizam a acção
de vários agonistas α, tais como a fenilefrina, a adrenalina e a
noradrenalina.

Os bloqueadores adrenérgicos α podem ter mais selectividade para os


receptores α1 ou α2. De entre os fármacos com mais selectividade para
os receptores α1, destaque para a prazosina e para as recém-
sintetizadas trimazosina e doxazoina. Já de entre os bloqueadores com
mais selectividade para os receptores α2, destaque para a rauvolscina e
para a ioimbina. Em termos clínicos, os bloqueadores adrenérgicos α2
induzem taquicardia e aumento da força contráctil do miocárdio (pois
inibem os receptores α2 existentes nos neurónios simpáticos pós-
ganglionares, receptores esses que, quando activados, inibem a
libertação de uma quantidade adicional de noradrenalina). Ora esses
efeitos podem não só contrariar o efeito hipotensor resultante do
bloqueio dos receptores α presentes no músculo liso vascular, mas
também gerar palpitações incómodas para os doentes. Deste modo, de
entre os bloqueadores α, os fármacos com maior selectividade para os
receptores α1 apresentam mais vantagens no tratamento da
hipertensão, comparativamente aos fármacos não-selectivos ou aos
fármacos mais selectivos para os receptores α2.

Tipo e mecanismo de acção


Na sua maioria, os bloqueadores adrenérgicos α exercem um
antagonismo competitivo em equilíbrio (ou seja, ocupam os respectivos
receptores de modo reversível e dependente da dose) – ora, isto
desloca a curva de concentração-efeito dos respectivos agonistas
paralelamente para a direita. Assim, como anteriormente referido, estes
fármacos ligam-se aos seus receptores de forma tão débil e reversível,
que a sensibilidade aos agentes agonistas recupera-se relativamente
depressa, de acordo com a rapidez da inactivação e da excreção.

As β-haloalquilaminas constituem uma excepção, na medida em que


exercem um antagonismo competitivo em não-equilíbrio. De facto, esta
classe de fármacos exerce um bloqueio competitivo que se instala
lentamente, mas que, uma vez estabelecido, passa a ser irreversível.
Ou seja, no início, as β-haloalquilaminas ligam-se de forma fraca aos
seus receptores. Todavia, estas substâncias sofrem uma alteração
conformacional, passando a estabelecer fortes ligações com os seus
receptores, que as mantêm presos, mesmo quando as concentrações
plasmáticas reduzem para zero. Assim, a presença atempada de uma
catecolamina ou de um bloqueador adrenérgico α do tipo competitivo
em equilíbrio em concentrações suficientemente elevadas para competir
com a β-haloalquilamina pode evitar que se estabeleça irreversibilidade.

Farmacologia dos bloqueadores adrenérgicos α


Os bloqueadores adrenérgicos α podem ser divididos em vários grupos,
com base na sua estrutura química.
β-haloalquilaminas

Em termos químicos, a β-haloalquilaminas apresentam um átomo de


azoto terciário, ao qual se liga uma cadeia alquílica halogenada em β.
Como mencionado anteriormente, as β-haloalquilaminas exercem uma
acção bloqueadora lenta, mas que não pode ser contrariada por
nenhum agonista, qualquer que seja a dose administrada.

De entre as β-haloalquilaminas, a fenoxibenzamina é a mais potente e


a mais bem absorvida por via oral, motivo pelo qual é a única
haloalquilamina utilizada na prática clínica. Já no que concerne à sua
afinidade, a fenoxibenzamina apresenta maior selectividade para os
receptores α1.

A fenoxibenzamina é incompletamente absorvida por via oral e sofre


ampla biotransformação. Todavia, o bloqueio adrenérgico produzido por
uma dose única deste fármaco instala-se muito lentamente, durando
entre dois a quatro dias.

Tal como todos os bloqueadores adrenérgicos α, a fenoxibenzamina


apresenta dois tipos de acções farmacológicas:

1. Acções farmacológicas resultantes do bloqueio adrenérgico:


Estas acções são semelhantes às dos restantes bloqueadores α-
adrenérgicos, e incluem hipotensão arterial (a fenoxibenzamina
abole o tónus simpático vasoconstrictor e impede os
reajustamentos circulatórios que, por via reflexa, adaptam os
diferentes circuitos vasculares às necessidades de irrigação
local), diminuição da secreção salivar, miose e anulação dos
efeitos α das aminas simpaticomiméticas.

2. Acções farmacológicas não-resultantes do bloqueio dos


receptores α1: A fenoxibenzamina bloqueia os receptores α2
expressos nos neurónios simpáticos pós-ganglionares, e impede
a recaptação neuronal e extra-neuronal de noradrenalina e
adrenalina. Assim, indirectamente, este fármaco induz uma maior
disponibilidade de noradrenalina para a biofase, o que potencia a
sua acção nos receptores β-adrenérgicos. Para além disso, a
fenoxibenzamina bloqueia os receptores muscarínicos, os
receptores histaminérgicos H1, os receptores para a 5-
hidroxitriptamina, e a colinesterase. Assim, os efeitos adversos
mais frequentes deste fármaco incluem hipotensão postural,
taquicardia, congestão nasal, miose e perturbações da
ejaculação.

Derivados da cravagem do centeio

A cravagem do centeio é um fungo, cujos extractos contêm alcalóides


naturais (derivados do ácido lisérgico) com acção anti-adrenérgica.
Assim, os derivados da cravagem do centeio podem ser de três tipos:

1. Alcalóides naturais que, por hidrólise, originam ácido


lisérgico e um ácido aminado: Ergotamina, ergosina,
ergocristina, ergocornina e ergocriprina.

2. Alcalóides naturais que, por hidrólise, originam ácido


lisérgico e uma amina: Ergonovina (também designada por
ergometrina)

3. Derivados di-hidrogenados dos alcalóides naturais (têm a


mesma designação que os alcalóides, mas precedida do prefixo
“di-hdro”): di-hidroergotamina, di-hidroergocornina, di-
hidroergosina etc…

A ergotamina e os outros derivados afins actuam como agonistas


parciais sobre os receptores adrenérgicos α. De facto, a afinidade da
ergotamina para os receptores adrenérgicos α é cerca de 300 vezes
superior que a afinidade da noradrenalina. Todavia, a resposta máxima
induzida pela ergotamina é cerca de um terço da produzida pela
noradrenalina.

Como referido anteriormente, a ergotamina e os seus derivados são, em


boa verdade, agonistas parciais. Ora, isto leva a que estes fármacos
exerçam um efeito inicial vasoconstritor periférico. Todavia, essa
vasoconstrição leva depois à génese de hipertensão, bradicardia e
redução do débito cardíaco. Assim, estes fármacos induzem uma acção
agonística, à qual se sucede uma acção antagonística.
No que concerne aos efeitos laterais, os alcalóides da cravagem
(sobretudo a ergotamina) podem causar gangrenas locais, contracção
do músculo liso visceral, bloqueio dos receptores serotoninérgicos da 5-
hidroxitriptamina, inversão dos efeitos vasculares da adrenalina, e
diminuição dos efeitos vasculares causados pela noradrenalina ou pelos
neurónios simpáticos. Para além disso, em doses fortes, estes
alcalóides estimulam os receptores centrais da dopamina.

Por oposição, a ergonovina não bloqueia os receptores adrenérgicos e,


por isso, quase não possui acção vasoconstritora. Todavia, esta
substância é utilizada na prática clínica, por apresentar acções
uterotónicas, as quais são mais exuberantes caso a ergonovina se
encontre metilada.

Por fim, os derivados di-hidrogenados induzem contracção do músculo


liso, embora de forma menos intensa que a ergotamina. Para além
disso, os derivados di-hidrogenados também bloqueiam os receptores
da 5-hidroxitriptamina.

Os derivados da cravagem podem causar intoxicação, caso ocorra o


consumo de centeio contaminado, ou caso sejam administradas doses
excessivas de alcalóides. Ora, as manifestações dessa intoxicação
dependem da sua natureza – a intoxicação crónica por derivados da
cravagem manifesta-se pela presença de gangrena, enquanto a
intoxicação aguda caracteriza-se pela ocorrência de vómitos, diarreia,
cefaleias, vertigens, parestesias, convulsões, confusão mental e
gangrena das extremidades.

Imidazolinas

As imidazolinas são bloqueadores competitivos em equilíbrio dos


receptores α, embora também bloqueiem os receptores da 5-
hidroxitriptamina. De entre estes fármacos, apenas a fentolamina é
utilizada, e somente com fins investigacionais.

A actividade simpatolítica das imidazolinas é mais fraca que a sua


actividade adrenalítica. Isto significa que, na mesma dose, estes
fármacos bloqueiam mais intensamente os efeitos da noradrenalina que
os efeitos da estimulação simpática. Isto pode se dever ao seu bloqueio
dos receptores α2 expressos nos neurónios simpáticos pós-
ganglionares – esse bloqueio facilita a libertação de maior quantidade
de noradrenalina, o que diminui a eficácia dos fármacos em questão.

Para além de induzirem bloqueio adrenérgico, as imidazolinas possuem


outras acções, nomeadamente:

1. Acções simpaticomiméticas: Incluindo estimulação cardíaca

2. Acções parassimpaticomiméticas: Incluindo forte estimulação


gastro-intestinal

3. Acções histaminomiméticas: Permitem que, em alguns casos,


estes fármacos possam ser utilizados para induzir a secreção de
suco gástrico

Na verdade, foi o facto de as imidazolinas induzirem estimulação


cardíaca e gastro-intestinal, que levou à cessação do seu uso clínico.

Prazosina e outros bloqueadores selectivos α1

A prazosina é o antagonista adrenérgico com maior selectividade para


os receptores adrenérgicos α1. Assim, a prazosina não bloqueia os
receptores α2 dos neurónios pós-simpáticos e, como tal, não provoca
um aumento indirecto da libertação de noradrenalina (desencadeando,
por isso, apenas uma taquicardia modesta).

Em termos farmacocinéticos, a prazosina é relativamente bem


absorvida por via oral, liga-se intensamente às proteínas plasmáticas, e
é extensamente biotransformada. De referir que, este fármaco
apresenta um período de semi-vida que ronda as três horas, o qual não
é modificado pelo grau de funcionamento renal, embora se prolongue
em situações de insuficiência cardíaca.

A prazosina induz vasodilatação, quer ao nível dos vasos de resistência,


quer ao nível dos vasos de capacitância. Consequentemente, este
fármaco causa redução do retorno venoso e do débito cardíaco. Ora,
estes efeitos hemodinâmicos são similares aos induzidos por
vasodilatadores de acção directa, tais como o nitroprussiato de sódio.
Já no que concerne aos seus efeitos adversos, a prazosina promove
hipotensão postural, sonolência, cansaço, palpitações e cefaleias.

Para além da prazosina, existem vários outros bloqueadores selectivos


dos receptores α1, nomeadamente a terazosina e a doxazosina –
estes dois fármacos são utilizados no tratamento da hipertensão arterial
e da hipertrofia benigna da próstata. Também a alfazosina e a
tansulozina têm sido usadas no tratamento sintomático da hipertrofia
benigna da próstata, embora pareçam não apresentar selectividade
suficiente para serem desprovidas de efeitos vasculares.

Fenoxiquilaminas

Deste grupo, apenas a timoxamina tem utilização terapêutica, sendo


usada, em alguns países, como vasodilatadora no tratamento de
doenças vasculares periféricas.

Benzodioxanas

As benzodioxanas (que incluem o piperoxano e o dibozano) exercem


um bloqueio adrenérgico α de tipo competitivo em equilíbrio e de curta
duração. Estes fármacos tanto actuam ao nível dos receptores α1, como
ao nível dos receptores α2.

Outros bloqueadores adrenérgicos α

Existem outros bloqueadores adrenérgicos α para além dos


supracitados, embora estes não possuam nenhuma característica que
os torne particularmente importantes sob o ponto de vista terapêutico ou
investigacional. De entre esses outros fármacos, destaque então para
as dibenzazepinas (azapetina), fenotiazinas (clorpromazina) e para
as indolealquilaminas (indoramina).

Por seu turno, a ioimbina, a rauvloscina e o idazoxano destacam-se


por serem antagonistas selectivos dos receptores α2.
Utilização terapêutica dos bloqueadores
adrenérgicos α
Os bloqueadores α-adrenérgicos não-selectivos apresentam várias
acções adversas, motivo pelo qual a sua utilização clínica é deveras
limitada. De facto, a administração de doses muito elevadas de
bloqueadores do sistema nervoso simpático pode, inclusive, ser
incompatível com o ortostatismo (isto porque o sistema nervoso
simpático é fundamental para a manutenção dos reflexos que permitem
a bipedia).

Por seu turno, os bloqueadores adrenérgicos selectivos para os


receptores α1 produzem efeitos terapêuticos, sem originarem tantos
efeitos adversos. Assim, os bloqueadores adrenérgicos selectivos
apresentam maior uso terapêutico.

Seguidamente, iremos abordar as aplicações terapêuticas dos


bloqueadores adrenérgicos α.

Hipertensão arterial

Na maior parte das situações, os bloqueadores adrenérgicos α não-


selectivos não são utilizados no tratamento da hipertensão arterial. De
facto, apesar de causarem vasodilatação, estes fármacos também
induzem estimulação cardíaca (e consequente aumento do débito
sistólico), o que atenua o seu efeito hipotensor.

Por oposição, o uso de bloqueadores selectivos α1 está indicado na


terapêutica da hipertensão. De facto, estes fármacos não induzem
taquicardia (pois não bloqueiam os receptores α2) e, como tal, a
vasodilatação induzida por estes fármacos não é contrariada por um
aumento deletério do débito sistólico.

De entre os bloqueadores selectivos α1 utilizados no tratamento da


hipertensão, destaque para a prazosina, que é um fármaco bastante
bem tolerado. De facto, a prazosina não compromete a função renal
(podendo ser administrada a hipertensos com insuficiência renal), nem
interfere com os níveis plasmáticos de HDL e LDL (contrariamente ao
que ocorre com os tiazídicos e com os β-bloqueadores, que actuam
num sentido de aumentar as LDL plasmáticas e de diminuir as HDL).

Em casos de hipertensão devida a níveis elevados de catecolaminas


(tal como se verifica, aquando da presença de um feocromocitoma),
deve ser administrada fenoxibenzamina ou fentolamina. A fentolamina
deverá ser utilizada em situações que se procure um efeito rápido e
pouco duradouro. Já a fenoxibenzamina está mais indicada para
situações em que se deseje um efeito sustentado. De qualquer forma,
para evitar a taquicardia resultante do uso destes bloqueadores
adrenérgicos, estes devem ser tomados em conjunto com um
bloqueador β.

Doenças vasculares periféricas

Os efeitos vasodilatadores dos bloqueadores α revelam-se benéficos


em situações de acrocianose, ou nas crises de vasoconstrição
associadas ao fenómeno de Raynaud (este fenómeno caracteriza-se
pela ocorrência de vasospasmos, sobretudo nas extremidades). De
facto, a fenoxibenzamina, a prazosina e a tolazolina atenuam a
intensidade dos espasmos vasculares e a intolerância ao frio.

Doenças Fármacos utilizados


Prazosina
Fenoxibenzamina (usada em casos de
Hipertensão hipertensão devida a níveis elevados
arterial de catecolaminas, quando se procura um
efeito sustentado)
Fentolamina (usada em casos de hipertensão
devida a níveis elevados de
catecolaminas, quando se procura um efeito
rápido e efémero)

Insuficiência
cardíaca Prazosina

Fenoxibenzamina
Prazosina
Obstrução
urinária Doxazosina

Terazosina

Tansulozina
Doenças
vasculares Fenoxibenzamina

periféricas Prazosina

Tolazolina
Insuficiência
cardíaca

Em situações de insuficiência cardíaca, passa a ocorrer um reforço do


tónus simpático. Ora, o sistema nervoso simpático induz vasoconstrição
preferencial dos vasos sistémicos, provocando um desvio de sangue
para a circulação pulmonar, o que causa vasocongestão e edema. Ora,
o bloqueio dessa vasoconstrição de origem simpática, por parte dos
bloqueadores α, pode reverter estes processos e diminuir o trabalho
cardíaco e a congestão pulmonar.

Assim, a prazosina pode ser utilizada nestas situações de insuficiência


cardíaca com edema pulmonar, bem como em situações de enfarte do
miocárdio, em que a dor pode intensificar a vasoconstrição.

Obstrução urinária

Vários bloqueadores selectivos α1 podem ser utilizados no tratamento


medicamentoso sintomático da hipertrofia benigna da próstata. De entre
esses fármacos, destaque para a fenoxibenzamina, prazosina,
doxazosina, terazosina e tansulozina.

Uso de antagonistas selectivos α2

Até agora, os antagonistas selectivos α2 ainda foram alvo de muito


pouco interesse terapêutico. Todavia, é possível que venham a ser
desenvolvidos antagonistas de tal maneira selectivos para os receptores
α2, que possam vir a ser utilizados no tratamento das crises de
Raynaud e na terapêutica da diabetes tipo II (a estimulação dos
adrenorreceptores α2 inibe a secreção de insulina, enquanto o seu
bloqueio estimula a secreção desta hormona).

Bloqueadores adrenérgicos β
Os bloqueadores adrenérgicos β são amplamente utilizados em
contexto clínico (sendo mais utilizados que os bloqueadores α). Assim,
de entre as patologias para as quais estes fármacos são utilizados,
destaque para a hipertensão arterial, insuficiência coronária, arritmias
cardíacas, cardiomiopatias e tireotoxicose.

Existem três grandes propriedades que caracterizam os bloqueadores


adrenérgicos β, nomeadamente, o seu modo de actuação (ou seja, se
estes fármacos são realmente antagonistas stricto sensu, ou se são
agonistas parciais), a sua selectividade, e a existência de acção
anestésica local. Assim, com base nestas propriedades, é possível
dividir os bloqueadores adrenérgicos β em seis grupos:

1. Agonistas parciais com acção anestésica local: Diclorisoprenalina,


pronetalol, pindolol

2. Agonistas parciais sem acção anestésica local: Nifenalol,


penbutolol

3. Antagonistas e com acção anestésica local: Propranolol

4. Antagonistas e sem acção anestésica local: Sotalol, timolol, nadolol

5. Bloqueadores β selectivos
5.1. Bloqueadores selectivos β1: Practolol, atenolol, acebutolol,
betaxolol, bisoprolol, celiprolol,

esmolol, metoprolol
5.2. Bloqueadores selectivos β2: Butoxamina
6. Bloqueadores β com alguma acção bloqueadora α: Labetalol,
carvedilol

O efeito dos bloqueadores β é consideravelmente inferior num indivíduo


normal em repouso, do que numa situação de hipertonia simpática (seja
por doença, ou devida a exercício). Para além disso, o bloqueio dos
receptores β ocorre de forma menos intensa, quando exercido por um
agonista parcial. Por fim, caso o agente bloqueador apresente acção
anestésica local, o seu efeito terapêutico é acompanhado de outras
acções.

Os bloqueadores β não-selectivos actuam simultaneamente ao nível


dos receptores β1 e β2. Dessa acção simultânea, podem resultar efeitos
distintos ou um mesmo efeito. De facto, estes dois tipos de receptor

β coexistem ao nível do músculo cardíaco, o que pode explicar a maior


potência bloqueadora cardíaca dos antagonistas não-selectivos, como o
propranolol, o

pindolol e o timolol.

De referirque nenhumantagonista β actua

exclusivamente em receptores β1 ou
β2 (mesmo que seja classificado
como “selectivo”). De facto, a
selectividade destes fármacos varia
inversamente com a dose
administrada.

No que concerne à actividade dos


bloqueadores β, estes podem ser
antagonistas stricto sensu, agonistas
parciais ou agonistas diferenciais. Os
agonistas parciais são pouco
utilizados na prática clínica. Por seu
turno, o carvedilol é considerado um
agonista diferencial, pois ao ligar-se
ao receptor β, bloqueia resposta
activadora mediada pela PKA, mas
activa a via das β-arrestinas (que
resulta no bloqueio do próprio
receptor β).

Selectividad Acção Absorçã


e Acção anestésica o Semi-vida
plasmática
cardíaca agonista local digestiva (h)

Acebutolol β1 ++ + ++++ 3

Atenolol β1 0 0 +++ 7,5

Betaxolol β1 0 + ++++ 14-20

Bisoprolol β1 0 0 ++++ 10

Carvedilol* 0 0 0 ++ 7

Celiprolol β1 + 0 +++ 5

Esmolol β1 0 0 0 0,17
Labetalol* 0 + + ++ 5

Metoprolol β1 0 + ++++ 4

Nadolol 0 0 0 ++ 14-20

Penbutolol 0 + 0 ++++ 5

Pindolol 0 ++ + ++++ 3,5

Propranolol 0 0 ++ ++++ 5

Sotalol 0 0 0 ++++ 12

Timolol 0 0 0 ++ 4

Farmacocinética
Na sua maioria, os bloqueadores β são fármacos relativamente
lipofílicos - o propranolol, o alprenolol, o oxprenolol e o metroprolol
destacam-se pelo seu elevado grau de lipofilia; enquanto o sotalol e o
atenolol são os bloqueadores β menos lipofílicos. De referir que, quanto
maior for a lipofilia, mais rápida

é a absorção, mais intenso é o fenómeno de primeira passagem, mais


acentuada é a biotransformação, mais rápida é a excreção, e maior é a
probabilidade de ocorrência de interacções farmacológicas.

Devido à sua lipofilia, e devido ao seu elevado valor de pKa, os


bloqueadores β são normalmente bem absorvidos por via oral. Estes
fármacos apresentam semi-vidas de absorção que rondam os 20
minutos, embora esse valor seja superior no caso dos fármacos menos
lipofílicos (tais como o sotalol, o atenolol e o practolol).

Apesar de serem muito bem absorvidos por via oral, estes fármacos
costumam sofrer um elevado grau de biotransformação, de tal modo
que, por norma, estes fármacos apresentam baixa biodisponibilidade
oral (ou seja, devido à ocorrência de biotransformação, quando estes
fármacos são administrados por via oral, obtêm-se concentrações
plasmáticas muito inferiores às que seriam obtidas, caso a mesma dose
fosse administrada por via intra-venosa).
O fenómeno de biotransformação hepática ocorre de modo mais amplo
para o propranolol, oxprenolol, alprenolol e metoprolol. Por seu turno, o
pindolol e o atenolol sofrem menor grau de biotransformação. Assim,
enquanto a quantidade removida pelo fígado de propranolol pode atingir
os 90%, para o pindolol, a quantidade removida na primeira passagem
pelo fígado não ultrapassa os 15%.

Todavia, a biotransformação não implica, necessariamente, inactivação


da substância em questão. De facto, ao nível hepático, o propranolol e o
alprenolol são convertidos nos seus derivados 4-hidroxi. Estes
derivados possuem actividade β-bloqueadora similar à do fármaco que
lhes deu origem. Contudo, são muito rapidamente excretados e, por
isso, contribuem muito pouco para o efeito β-bloqueador global.

Para além disso, alguns metabolitos do propranolol apresentam acções


farmacológicas próprias. De facto, um destes metabolitos apresenta
semelhanças com a mefenesina, no que concerne à sua estrutura
química e às suas ações farmacológicas (actuando como um anti-
convulsivante, um hipotensor e um sedativo).

De referir que alguns bloqueadores adrenérgicos β são excretados,


praticamente, sem metabolização.

De entre estes fármacos, destaque para o practolol e para o sotalol


(bloqueadores com menor lipofilia).

Acções farmacológicas
Sistema cardiovascular

Os efeitos cardiovasculares dos bloqueadores adrenérgicos β resultam,


sobretudo, da acção destes fármacos sobre o coração. Os fármacos
que, tal como o propranolol, são antagonistas stricto sensu (e não,
agonistas parciais) diminuem a frequência cardíaca e a velocidade e
força de contracção do miocárdio, reduzindo, assim, o débito cardíaco e
a pressão sanguínea. Consequentemente, regista-se um aumento
reflexo da resistência periférica, que leva a diminuição do fluxo
sanguíneo para todos os órgãos (excepto para o cérebro).
Por seu turno, os fármacos com actividade agonista parcial (dos quais é
exemplo o pindolol) não produzem efeitos tão vincados. Assim, o
pindolol pode causar bradicardia num indivíduo em pé (em que o tónus
simpático é mais elevado), mas taquicardia num indivíduo deitado. Por
seu turno, o propranolol produz bradicardia em qualquer das duas
situações.

Para além de induzirem um efeito inotrópico e cronotrópico negativo, os


bloqueadores β também promovem uma redução ou anulação dos
efeitos das aminas simpaticomiméticas sobre o coração, sem induzir
modificação das acções cardio-estimulantes de outros agentes (tais
como o cálcio, a teofilina e os digitálicos). Assim, os bloqueadores β
não-selectivos anulam a acção hipotensora e vasodilatadora da
isoprenalina, e potenciam a acção hipertensora da adrenalina (não
interferindo com a vasodilatação renal mediada pela dopamina). Por seu
turno, os bloqueadores selectivos para os receptores β1 antagonizam
preferencialmente as acções cardíacas da isoprenalina, e não tanto as
suas acções vasculares (ou seja, não contrariam a acção hipotensora e
vasodilatadora da isoprenalina). Por oposição, os bloqueadores
selectivos β2 antagonizam sobretudo as acções vasculares da
isoprenalina, e não tanto as suas acções cardíacas.

Alguns bloqueadores adrenérgicos β apresentam acção anestésica


local, que pouco parece contribuir para a acção anti-arrítmica destes
fármacos. De facto, os bloqueadores sem acção anestésica local
continuam a apresentar acção anti-arrítmica. Para além disso, as doses
necessárias para que estes compostos provoquem acção anestésica
local são muito superiores às doses necessárias para que ocorra
inibição máxima da taquicardia produzida pelo exercício físico. Assim, a
acção anti-arrítmica destes fármacos depende, sobretudo, do seu efeito
bloqueador β.

O uso crónico de bloqueadores β está indicado em situações de


hipertensão, pois estes fármacos induzem uma redução da pressão
arterial. Para além disso, os bloqueadores β podem aumentar a
tolerância para o exercício nos doentes com insuficiência coronária.

O sistema nervoso simpático promove a libertação de renina que, ao


activar o eixo renina-angiotensina-aldosterona, induz hipertensão. Ora,
os bloqueadores β inibem o tónus simpático, inibindo assim a libertação
de renina. Todavia, existem outros estímulos para a libertação de renina
(os quais não são inibidos pelos β-bloqueadores), de tal modo que o
efeito hipotensor dos β-bloqueadores não parece ser totalmente devido
à inibição da secreção de renina (até porque o pindolol estimula a
libertação de renina, mesmo sendo um hipotensor).

Na insuficiência cardíaca, o coração não trabalha suficiente e,


consequentemente, ocorre uma activação compensatória do sistema
nervoso simpático. Ora, antigamente, pensava-se que não podiam ser
administrados bloqueadores β a doentes com insuficiência cardíaca,
porque isso resultaria num bloqueio do mecanismo compensatório
cardíaco. Porém hoje sabe-se que o sistema nervoso simpático e a
angiotensina II induzem defeitos cardíacos (por exemplo,
remodelagem), de tal modo que os doentes com insuficiência cardíaca
não-descompensada podem tomar bloqueadores β. De referir que o
carvedilol, o metoprolol, o bisoprolol, e o nebivolol são os únicos
bloqueadores β que podem ser usados na terapêutica da insuficiência
cardíaca.

Todavia, o uso de bloqueadores β está contra-indicado para alguns


doentes com cardiopatia grave, uma vez que estes fármacos podem
induzir acumulação progressiva de sódio e água e, consequentemente,
insuficiência cardíaca congestiva. Ocasionalmente, estes bloqueadores
podem precipitar uma insuficiência cardíaca aguda, ao suprimirem o
tónus simpático nas situações em que este é o único factor que mantém
o estado de compensação cardíaca.

Efeitos metabólicos

Os bloqueadores adrenérgicos β interferem com o metabolismo dos


glicídeos e dos lipídeos. De facto, o propranolol impede a subida dos
níveis plasmáticos de ácidos gordos livres. Já as acções sobre o
metabolismo glicídico ainda não se encontram totalmente esclarecidas,
uma vez que os receptores β hepáticos parecem ser diferentes dos
receptores presentes ao nível do músculo esquelético e cardíaco.

Os efeitos metabólicos dos bloqueadores β não são tão proeminentes


como os seus efeitos cardiovasculares. Todavia, estes devem ser
considerados na prática clínica – de facto, os bloqueadores β devem ser
administrados com cautela a indivíduos diabéticos, uma vez que estes
fármacos apresentam um efeito hipoglicémico coadjuvante do da
insulina. Ora, a administração simultânea de bloqueadores β e insulina
pode levar ao desenvolvimento de uma crise hipoglicémica.

O uso crónico de bloqueadores β está associado a uma diminuição dos


níveis de HDL e a um aumento dos níveis de LDL, o que aumenta o
risco de desenvolvimento de doença coronária. Esta alteração do perfil
lipoproteico é independente da selectividade do bloqueador β
administrado, mas parece estar atenuada aquando da administração de
agonistas parciais.

Uso terapêutico
Os bloqueadores β exercem efeitos, sobretudo, ao nível do sistema
cardiovascular. Assim, na prática clínica, estes fármacos são,
sobretudo, utilizados em situações de patologia cardíaca. De entre as
doenças que mais podem beneficiar com o uso destes fármacos,
destaque para a insuficiência coronária, arritmias cardíacas e
hipertensão arterial.

Os β-bloqueadores podem exercer alguns efeitos metabólicos adversos


e, por isso, a introdução terapêutica destes fármacos deverá ser feita
em escalada. Paralelamente, a retirada desta terapêutica deverá ser
feita de modo gradual, devido à ocorrência do fenómeno de up-
regulation (aumento do número de receptores β consequente à
utilização crónica de antagonistas β).

Angina de peito

Ocorre angina de peito, quando o oxigénio fornecido ao miocárdio não é


suficiente para satisfazer as suas necessidades. Caso não seja possível
aumentar o fornecimento de oxigénio (por exemplo, devido à presença
de uma oclusão coronária), a única forma de restaurar o equilíbrio entre
as necessidades e a quantidade fornecida prende-se com a diminuição
das exigências miocárdicas de oxigénio. Ora, isto pode ser conseguido
através da redução do trabalho cardíaco, algo que é promovido pelos
bloqueadores adrenérgicos β.

Nestas situações, o propranolol apresenta-se como o bloqueador mais


eficaz, enquanto os agonistas parciais deverão ser terapeuticamente
desprezados. Todavia, para indivíduos que apresentem asma (a par de
insuficiência cardíaca), deverão ser administrados antagonistas
selectivos para os receptores β1, de entre os quais se destaca o
atenolol.

Enfarte do miocárdio

Os bloqueadores adrenérgicos β devem ser utilizados após um enfarte


do miocárdio, pois previnem a ocorrência de re-infarte e reduzem a
mortalidade subjacente. Todavia, estes fármacos não devem ser
administrados a doentes com enfarte, que também apresentem
insuficiência cardíaca congestiva, asma brônquica, hipotensão,
alteração das funções dos nós sinusal e aurículo-ventricular, angina
vasospástica, ou fenómenos de Raynaud.

Hipertensão arterial

Os bloqueadores β são amplamente utilizados na terapêutica da


hipertensão arterial, devido à sua elevada eficácia, à sua reduzida
toxicidade, e ao seu baixo custo. Todavia, ainda se desconhecem os
mecanismos exactos através dos quais estes fármacos apresentam
acção hipotensora.

A escolha do bloqueador β mais adequado para a terapêutica da


hipertensão, deve ter em conta algumas propriedades, nomeadamente:

1. Toxicidade: Apesar de eficaz, o practolol deixou de ser utilizado


na prática clínica, devido à sua elevada toxicidade.

2. Tempo de semi-vida: No caso de alguns β-bloqueadores (tais


como o propranolol, o alprenolol, o sotalol e o pindolol), os seus
níveis plasmáticos correlacionam-se com o seu efeito anti-
hipertensor. Todavia, esta correlação já não se verifica para o
metoprolol, oxprenolol, practolol e atenolol. Para estes fármacos,
a duração da sua acção anti-hipertensora é superior ao tempo em
que a dose de fármaco suficiente para induzir efeito anti-
hipertensor permanece no plasma.

3. Presença de acção agonista β: A presença desta acção é,


teoricamente, indesejável, porque irá contribuir para um efeito
anti-hipotensor, através da estimulação cardíaca que produz.

4. Selectividade: Em termos teóricos, os fármacos selectivos para


os receptores β1 poderão apresentar mais vantagens (pois como
não bloqueiam os receptores β vasculares, impedem um aumento
das resistências vasculares periféricas). Todavia, esta vantagem
ainda não foi totalmente confirmada pela experiência clínica.

5. Frequência de administração: Numa dose única, o atenolol e o


propranolol garantem um controlo efectivo da pressão sanguínea,
durante 24 horas. Já o metoprolol e o pindolol deverão ser
administrados mais vezes, de modo a garantir a mesma
cobertura.

Arritmias cardíacas

Os bloqueadores β podem ainda ser utilizados na terapêutica das


arritmias cardíacas. Todavia, apesar da sua eficácia, desconhece-se
ainda o mecanismo através do qual os bloqueadores β exercem a sua
acção anti-arrítmica (pensa-se que os bloqueadores β exerçam efeitos
anti-arrítmicos, através da remoção do tónus simpático e da influência
que este tem na automacidade e na condutividade). Em termos clínicos,
o uso de bloqueadores β está indicado para situações de arritmias
atribuíveis a catecolaminas, de taquicardias supra-ventriculares e de
arritmias ventriculares que não respondam aos fármacos de primeira
escolha.

Cardiomiopatias e insuficiência cardíaca

O uso de bloqueadores β está indicado para situações de


cardiomiopatia. De facto, ao inibir a actividade simpática, estes
fármacos atenuam o obstáculo que a massa muscular cardíaca
hipertrofiada oferece à passagem de sangue desde o ventrículo
esquerdo para a aorta.

Todavia, o uso de bloqueadores β está contra-indicado para situações


de insuficiência cardíaca congestiva, por inibirem o tónus simpático que
assegura o estado de compensação. Apesar disso, o carvedilol, um
antagonista β com acção anti-oxidante, parece prolongar o tempo de
vida de alguns doentes com insuficiência cardíaca congestiva.

Hipertiroidismo

O hipertiroidismo acompanha-se por activação catecolaminérgica


excessiva. Deste modo, os bloqueadores β podem inibir essa activação
excessiva, reduzindo a taquicardia, a temperatura, e certos sintomas de
estimulação central.

Enxaquecas e ansiedade

Os bloqueadores β (sobretudo a ergotamina) podem ainda ser utilizados


na redução do número e da intensidade das enxaquecas (embora o
mecanismo pelo qual isto ocorre, permaneça desconhecido). Para além
disso, os bloqueadores β reduzem certos tipos de trémulo, bem como
as manifestações somáticas da ansiedade (o propranolol pode,
inclusive, ser utilizado profilaticamente, num sentido de evitar as
manifestações de ansiedade).

Glaucoma de ângulo aberto

O timolol, o betaxolol e o levobunolol são eficazes no tratamento do


glaucoma de ângulo aberto, pois impedem a formação de humor
aquoso. Estes fármacos são administrados no olho por via tópica,
embora possam sofrer absorção e, em indivíduos mais susceptíveis,
causar efeitos sistémicos nos brônquios e coração.

Acções adversas
As acções adversas dos bloqueadores β podem ser consequentes ao
bloqueio dos receptores β, ou resultantes de outras acções. De entre os
efeitos adversos resultantes do bloqueio dos receptores β, destaque
para a insuficiência cardíaca, asma, hipoglicemia, bradicardia e
perturbações vasculares periféricas.

Os bloqueadores β podem suprimir o tónus simpático brônquico e,


consequentemente, causar broncoconstrição (o sistema nervoso
simpático induz um efeito broncodilatador). Ora, apesar de os
bloqueadores dos receptores β1 apresentarem alguma selectividade,
esta não é suficiente para evitar um certo bloqueio dos receptores β
brônquicos. Assim, na prática clínica, não devem ser administrados
bloqueadores β a indivíduos com passado asmático.

Como já foi referido, os bloqueadores β também interferem com o


metabolismo. De facto, em indivíduos diabéticos, estes fármacos podem
atrasar a recuperação de uma hipoglicemia causada pela insulina.

A bradicardia, que é uma resposta normal induzida pelos bloqueadores


β, pode levar ao desenvolvimento de bradiarritmias graves em doentes
com perturbações da condução aurículo-ventricular. Todavia, quando
são administrados agonistas parciais, o risco de desenvolvimento de
bradiarritmias diminui.

Os bloqueadores β podem ainda induzir agravamento de claudicação


intermitente, ou precipitação de uma crise de Raynaud. De facto, os
bloqueadores β parecem inibir uma certa acção vasodilatadora
simpática ao nível vascular, o que poderá explicar o desenvolvimento
destas acções adversas. De entre os vários bloqueadores β, os
bloqueadores selectivos β1 e os agonistas parciais parecem ser aqueles
que apresentam menos efeitos adversos ao nível vascular.

Várias acções adversas dos bloqueadores β não resultam do bloqueio


dos receptores β-adrenérgicos. De estre esses efeitos laterais, destaque
para as alterações do sistema nervoso central (vertigens, ataxia,
depressão e alucinações), para as erupções cutâneas, para a síndrome
óculo-cutâneo-mucosa e para a peritonite esclerosante.

Como já foi referido, não obstante a sua eficácia, o practolol foi retirado
do mercado, devido à sua elevada toxicidade. De facto, o uso deste
fármaco esteve associado ao desenvolvimento de casos de erupções
cutâneas, cegueira, surdez, secura nasal e bocal, e peritonite
esclerosante. Caso sejam administrados outros agentes bloqueadores
β, é possível que estes eventos também se possam vir a desenvolver.
Todavia, essa probabilidade é muito mais reduzida.

Os bloqueadores β podem ainda apresentar uma acção tóxica


carcinogénica. De facto, o pronetalol e o tolamolol foram retirados,
respectivamente, do mercado e dos ensaios clínicos, por potenciarem o
desenvolvimento de tumores em ratos e ratinhos.
Tabela-síntese: Fármacos com acção no sistema
adrenérgico
Tabela-síntese: Fármacos adrenérgicos por patologia

PATOLOGIA/USO
MÉDICO FÁRMACO
Parkinson Entacapone
Tolcapone
Rasagilina
Selegilina
Toxicomania opióide Clonidina
Glaucoma Bromonidina
Timolol
Midriáticos Efedrina
Fenilefrina
Asma Fenoterol
Trimetoquinol
Terbutalina
Salbutamol
Formoterol (profilaxia)
Salmeterol (profilaxia)
Adrenalina
(casos refractários a
outras aminas)
DPOC Indacaterol
Congestão nasal Fenilefrina
Fenilpropilamina
Efedrina
Pseudoefedrina
Nafazolina
Oximetazolina
Tramazolina
Xilometazolina (longa
acção)
HTA Clonidina
Prazosina
Doxazosina
Fentolamina
(secundária a níveis
elevados de
catecolaminas)
Fenoxibenzamina
(secundária a níveis
elevados de
catecolaminas)
Guanetidina (já em
desuso)
Metoprolol
Nebivolol
Propranolol
Labetalol
Insuficiência cardíaca Prazosina
Dobutamina
(congestiva)
Carvedilol
Metoprolol
Bisoprolol
Nebivolol
Esmolol (supra-ventriculares ou
Arritmias* associadas a tirotoxicose)
Dobutamina
Choque (cardiogénico)
Isoprenalina
(cardiogénico)
Noradrenalina
Metoxamina
Angina de peito Propranolol
Atenolol (em indivíduos
asmáticos)
Doenças vasculares
periféricas Prazosina
Fenoxibenzamina
Diarreia Clonidina
Anfetamina e
fenilpropanolamina (já
Supressores do apetite foram
retiradas do mercado)
Retardar parto Ritodrina
Terbutalina
Metilergonovina
(também usada para
Uterotónicos tratar
hemorragias)
Hipertrofia benigna da
próstata Alfazosina
Doxazosina
Prazosina
Tansulosina
Terazosina
Fogachos da
menopausa Clonidina
Disfunção sexual Ioimbina
Prolongamento do
efeito anestésico local Adrenalina
Diagnóstico e
localização de VMA (urina)
131I-meta-iodo-
benzilguanidina
feocromocitomas (radiologia)
Analgesia Medetomidina
* Vários outros β-bloqueadores são usados como anti-arrítmicos (vide
resumo de anti-arrítmicos)
Fármacos que interferem com a
transmissão 5-
hidroxitriptaminérgica
A 5-hidroxitriptamina (serotonina) desempenha diversas funções ao
nível do sistema nervoso central (onde é um importante
neurotransmissor), e ao nível periférico, onde participa na regulação da
função plaquetária e da actividade do músculo liso dos aparelhos
digestivo e cardiovascular.

Síntese e metabolização de 5-hidroxitriptamina


Esta amina é produzida e metabolizada ao nível
das células enterocromafins e dos neurónios 5-
hidroxitriptaminérgicos (neurónios que utilizam a
5-hidroxitriptamina como neurotransmissor). As
plaquetas são incapazes de sintetizar e
metabolizar a 5-hidroxitriptamina e, por isso,
procedem à captação desta amina, aquando da
sua passagem pelos tecidos (sobretudo pela
circulação intestinal).

O aminoácido triptofano é o percursor da 5-


hidroxitriptamina. De facto, a triptofano-
hidroxílase (enzima que apenas existe nas
células produtoras de 5-hidroxitriptamina)
converte o triptofano em 5-hidroxitriptofano.
Seguidamente, o 5-hidroxitriptofano é convertido
em 5-hidroxitriptamina, sendo esta reacção
mediada pela descarboxílase dos ácidos
aromáticos. Esta última enzima não é selectiva,
participando também na síntese de catecolaminas
e histamina. De referir que a 5-hidroxitriptamina
sintetizada é armazenada em vesículas, sendo
conjuntamente armazenada com a somatostatina,
substância P ou VIP.
A 5-hidroxitriptamina é metabolizada pela
monoamina oxídase do tipo A (MAO-A), sendo
um fraco substrato da MAO-B (que é expressa ao
nível das plaquetas). A acção da MAO-A leva à
formação de um aldeído muito instável, que pode
originar dois produtos – o 5-hidroxitriptofol
(álcool formado por redução) e o ácido 5-
hidroxidole-3-acético (ácido formado por
oxidação). Este último composto constitui o
metabolito mais abundante da 5-hidroxitriptamina,
sendo predominantemente excretado na urina.
Deste modo, o doseamento de ácido 5-
hidroxidole-3-acético permite avaliar a quantidade
de 5-hidroxitriptamina produzida diariamente no
organismo, sendo útil para o diagnóstico da
síndrome carcinóide. De referir que, nos
indivíduos com elevado consumo de álcool, pode
haver produção aumentada de 5-hidroxitriptofol.

Fármacos que interferem com a síntese e


metabolização da 5-hidroxitriptamina
O aumento da ingestão de triptofano condiciona um aumento da síntese
de 5-hidroxitriptamina. Por oposição, a p-clorofenilalanina inibe a
hidroxílase do triptofano, inibindo a síntese de 5-hidroxitriptamina de
modo selectivo e irreversível.

A reserpina e a tetrabenzina inibem a captação de 5-hidroxitriptamina


para o interior das suas vesículas, condicionando um empobrecimento
do conteúdo tecidular em 5-hidroxitriptamina. Todavia, a reserpina
também inibe a captação vesicular de noradrenalina (sendo essa a sua
acção preferencial), enquanto a tetrabenzina inibe preferencialmente a
captação vesicular de 5-hidroxitriptamina.

Alguns fármacos anti-depressivos (tais como a fluoxetina, a paroxetina,


a fluvoxamina, o citalopram e a sertralina) actuam por inibição do
transportador SERT, bloqueando a recaptação neuronal de 5-
hidroxitriptamina por parte dos neurónios serotoninérgicos,
condicionando uma maior disponibilidade de 5-hidroxitriptamina para a
biofase. Os inibidores da MAO (como a clorgilina) também potenciam a
acção da 5-hidroxitriptamina, por inibição da sua desaminação
oxidativa.

Receptores da 5-hidroxitriptamina
Estão descritos sete classes distintas de receptores da 5-hidroxitriptamina:

1. Receptores 5-HT1: Estes receptores predominam no sistema


nervoso central, estando acoplados à proteína Gi (ou seja, quando
estimulados, estes receptores inibem a adenil-cíclase). A activação
desta classe de receptores induz a contracção dos vasos cerebrais e
coronários – deste modo os

vasos cerebrais constituem uma excepção, na medida em que os


restantes leitos vasculares contraem por activação preferencial dos
receptores 5-HT2. Existem, pelo menos, cinco subclasses de
receptores 5-HT1:

1.1. Os receptores 5-HT1A e 5-HT1B estão maioritariamente


associados com o humor e com o

comportamento.
1.2. Os receptores 5-HT1D são expressos ao nível dos vasos
cerebrais, constituindo o alvo do

sumatriptano (um fármaco utilizado no tratamento na


enxaqueca).

1.3. Os receptores 5-HT1E e 5-HT1F apresentam efeitos ainda


desconhecidos. Sabe-se, contudo, que o 5-HT1F também se
encontra expresso no útero e no mesentério.

2. Receptores 5-HT2: Estes receptores encontram-se maioritariamente


distribuídos pelos tecidos periféricos, estando acoplados à proteína
Gq (ou seja, quando estimulados, estes receptores activam a via do
IP3/fosfolipase C). Existem três subtipos de receptor 5-HT2:

2.1. Em condições normais, o 5-HT2A parece ser o mais importante


subtipo de receptor 5-HT2. A activação deste receptor induz
agregação plaquetária, contracção do músculo liso, excitação

neuronal e efeitos vasculares. De referir que, o LSD é agonista


deste receptor.

2.2. Os receptores 5-HT2B e 5-HT2C parecem desempenhar um papel


mais importante em situações patológicas, tais como a asma e a
trombose vascular.

3. Receptores 5-HT3: Contrariamente aos restantes receptores 5-


hidroxitriptaminérgicos (que são metabotrópicos), os receptores 5-
HT3 estão acoplados a um canal catiónico. Estes receptores
distribuem-se, predominantemente, pelo sistema nervoso periférico,
sendo amplamente expressos

pelos neurónios sensitivos nociceptivos autonómicos e pelos


neurónios do plexo mientérico. Assim, a activação destes receptores
5-HT3 periféricos induz efeitos excitatórios, que se manifestam
através da presença de dor e de uma série de reflexos autónomos
resultantes da excitação de fibras sensitivas vasculares, pulmonares
e cardíacas. Os receptores 5-HT3 também existem ao nível do
sistema nervoso central, sendo particularmente abundantes na área
póstrema (região do bolbo raquidiano que se encontra envolvida no
reflexo do vómito).
4. Receptores 5-HT4: Estes receptores encontram-se expressos ao nível
do sistema nervoso central e

dos terminais nervosos do aparelho gastro-intestinal, bexiga e


coração. Estes receptores encontram-se acoplados à proteína Gs,
sendo que a sua activação induz estimulação dos neurónios gastro-
intestinais, bem como um aumento do peristaltismo.

5. Receptores 5-HT5, 5-HT6 e 5-HT7: Os seus efeitos e mecanismos


de actuação ainda se encontram mal conhecidos.
Proteína
G
Agonistas Antagonistas Localização Efeitos principais
activada

Modulação pré-
sináptica.
Facilitação da
SNC, neurónios libertação de
5- Carboxamidatriptamina Espiperona colinérgicos e noradrenalina e
HT1A Gi do acetilcolina.
Bus pri ona Pindolol plexo
mientérico Sono, alimentação,
termorregulação e
ansiedade

Modulação pré-
sináptica.
SNC, músculo
liso Contracção do
Carboxamidatriptamina Metergolina músculo liso
5- vascular e vascular. Ansiedade,
HT1B Suma tri pta no Metiotepina Gi terminais agressão
autónomos
e locomoção
Modulação pré-
SNC, músculo sináptica.
liso
Contracção do
vascular, músculo liso
5- Metergolina terminais
HT1D Sumatriptano Gi vascular. Inibição dos
Metiotepina autónomos e
terminais do neurónios autónomos
trigémio
simpáticos
5-
HT1E Metiotepina Gi SNC
SNC, útero,
5- Sumatriptano mesentério e
HT1F Gi músculo
Naratriptano
liso vascular

Cetanserina Excitação neuronal,


efeitos
efeitos
SNC, sistema comportamentais,
Ritanserina nervoso agregação
5- Cipro- periférico, das plaquetas,
HT2A Hidroxitriptamina heptadina Gq músculo contracção do
LSD músculo liso,
Pizotifeno liso e plaquetas vasoconstrição
Metisergide e vasodilatação

5-
HT2B Hidroxitriptamina Gq Corpo gástrico Contracção
5- SNC e plexo Secreção de líquido
HT2C Hidroxitriptamina Mesulergide Gq coroideu cefalo-
LSD Metisergide raquidano
Granisetron
Excitação neuronal,
5-HT3 Hidroxitriptamina Ondansetron - SNC e sistema emese,
nervoso
Clorofenilbiguanida Tropisetron periférico ansiedade
Zacopride
Metoxitriptamida
Renzapride SNC e sistema Excitação neuronal e
5-HT4 Gs nervoso motilidade gastro-
Metoclopramida periférico intestinal
Cisapride
5-HT5 SNC
5-HT6 Gs SNC
SNC, vasos
sanguíneos, Relaxamento do
Carboxamidatriptamina Gs gânglios músculo liso
5-HT7 Clozapina
simpáticos e e modificações
LSD tracto circadianas
gastrointestinal

Acções farmacológicas da 5-hidroxitriptamina

Acções periféricas
Sistema cardiovascular

As acções vasculares da 5-hidroxitriptamina dependem do tipo e diâmetro


do vaso onde actua, bem como do tónus simpático. De facto, esta amina
induz contracção dos grandes vasos (artérias e veias), por actuação ao
nível de receptores 5-HT2A expressos no músculo liso

vascular. Todavia, a 5-hidroxitriptamina também induz vasodilatação em


alguns leitos vasculares, nomeadamente ao nível da circulação coronária.
Assim, quando a 5-hidroxitriptamina é administrada por via intra-venosa,
ocorre um aumento inicial da pressão arterial (por contracção dos grandes
vasos), que é subsequentemente revertido (devido à vasodilatação
arteriolar).

O efeito vasoconstrictor da 5-hidroxitriptamina é mais notório nos leitos


esplâncnico, renal, pulmonar e

cerebral (note-se que, contrariamente aos restantes leitos vasculares, a


vasoconstrição no leito

cerebral ocorre por activação de receptores 5-HT1). Para além disso, em


concentrações muito baixas, a 5-hidroxitriptamina potencia o efeito de
outros agentes vasoconstrictores, nos quais se incluem a noradrenalina, a
adrenalina e a angiotensina II.

Fármacos que interferem com a 5-hidroxitriptamin


Processo Fármacos
Aumento da síntese
de 5-
Triptofano
hidroxitriptamina
Inibição da hidroxílase
do p-clorofenilalanina
triptofano 6-fluorotriptofano
alfa-
propildopacetamida
Inibição da Carbidopa
descarboxílase
dos ácidos aromáticos Benzerazida
alfa-metil-5-
hidroxitriptamina
Depleção das
vesículas Reserpina
hidroxitriptaminérgicas Tetrabenzina
Aumento da libertação
de 5- p-cloroanfetamina
hidroxitriptamina Fenfluramina
Inibição da captação Fluvoxamina
neuronal/plaquetária Fluoxetina
Paroxetina
Zimelidina
Citalopram
Sertralina
Tianeptina
Imimpramina
Clomipramina
Desipramina
Amitriptilina
Nortriptilina
Inibidores da MAO-A Clorgilina
Amiflamina
Moclobemida
Brofaromina
Harmalina
Por outro lado, a 5-hidroxitriptamina exerce o seu efeito vasodilatador
através da activação de duas vias distintas: 1) A 5-hidroxitriptamina
activa receptores endoteliais do tipo 5-HT1, promovendo a libertação
endotelial de NO. 2) A 5-hidroxitriptamina actua em receptores 5-HT1B e
5-HT1D expressos ao nível de terminais noradrenérgicos ou
adrenérgicos, induzindo uma diminuição da libertação de noradrenalina.

Ao nível cardíaco, a 5-hidroxitriptamina desempenha uma discreta


acção inotrópica e cronotrópica positiva. De facto, esta amina estimula
os receptores 5-HT3 sitos ao nível das terminações nervosas aferentes
cardíacas – essa estimulação resulta na activação de canais catiónicos
de sódio e potássio, promovendo a condução dos impulsos nervosos
que estimulam a função cardíaca. Todavia, a activação
hidroxitriptaminérgica das fibras aferentes expressas nas artérias
coronárias condiciona uma inibição reflexa do sistema nervoso
simpático, que se manifesta através do desenvolvimento de bradicardia
e hipotensão arterial (reflexo de Bezold-Jasich).

Tracto gastro-intestinal

Ao nível gastro-intestinal, a 5-hidroxitriptamina induz um aumento do


peristaltismo. O aumento do peristaltismo do intestino delgado requer a
activação de receptores 5-HT2A. Já o aumento do peristaltismo gástrico
deve-se à activação de receptores 5-HT2B, enquanto o aumento do
peristaltismo esofágico ocorre por activação de receptores 5-HT4.

Para além de actuar directamente sobre a musculatura lisa gastro-


intestinal (promovendo a sua contracção), a 5-hidroxitriptamina também
activa os receptores 5-HT3 ou 5-HT4 dos neurónios do plexo mientérico,
promovendo a libertação de acetilcolina (que também promove a
contracção do músculo liso gastro-intestinal). Assim, a 5-
hidroxitriptamina aumenta o peristaltismo de modo directo e indirecto.

Os fármacos denominados pró-cinéticos (que aumentam a motilidade)


tiram partido do mecanismo indirecto de aumento do peristaltismo. De
facto, estes fármacos activam os receptores 5-HT3 ou 5-HT4 dos
neurónios mientéricos – a título de exemplo, o cisapride e o
tegaserode são agonistas selectivos dos receptores 5-HT4, que
aumentam a motilidade do aparelho digestivo por activação de
receptores localizados na musculatura lisa e nas células ganglionares
do plexo nervoso entérico.

Sistema respiratório

Ao nível do aparelho respiratório, a 5-hidroxitriptamina actua em


receptores do tipo 5-HT2A, exercendo uma acção estimulante directa
sobre a musculatura lisa brônquica. Para além disso, a 5-
hidroxitriptamina promove a libertação de acetilcolina (uma substância
broncoconstrictora) a partir dos terminais brônquicos do nervo vago. Por
fim, a 5-hidroxitriptamina pode ainda provocar hiperventilação por
activação do reflexo quimiorreceptor, ou por estimulação de terminais
sensitivos.

Outros efeitos periféricos

Ao nível do músculo esquelético, a 5-hidroxitriptamina actua em


receptores do tipo 5-HT2, embora se desconheça o papel fisiológico
resultante dessa activação. Para além disso, a 5-hidroxitriptamina
parece induzir hipertermia maligna típica aguda (sendo essa hipertermia
inibida por antagonistas 5-HT2, como a cetanserina). De referir que, a
administração conjunta de inibidores da MAO e de inibidores selectivos
da recaptação neuronal de 5-hidroxitriptamina pode condicionar
hipertermia maligna, num contexto de síndrome da serotonina.

Acções centrais
Os núcleos dos neurónios 5-hidroxitriptaminérgicos encontram-se
contidos no tronco cerebral. Estes neurónios projectam para várias
regiões do sistema nervoso central, através de nove vias 5-
hidroxitriptaminérgicas. Essas várias regiões incluem:

1. Córtex cerebral

2. Sistema límbico – As vias serotoninérgicas que projectam para o


sistema límbico desempenham um importante papel em situações
de psicopatologia, tais como a ansiedade, a depressão e a
esquizofrenia.
3. Hipotálamo – As vias 5-hidroxitriptaminérgicas são importantes para
a regulação endócrina.

4. Espinal medula – A 5-hidroxitriptamina participa numa via


descendente anti-nociceptiva, que é potenciada pelo tramadol.

5. Glândula pineal – Ao nível pineal, a 5-hidroxitriptamina constitui a


substância percursora da melatonina, uma hormona envolvida na
regulação dos ciclos circadianos e sexuais.

Ao nível do sistema nervoso central, a 5-hidroxitriptamina desempenha


efeitos predominantemente inibitórios, por activação dos receptores 5-
HT1A (de facto, os receptores 5-HT1A e GABAB influenciam os mesmos
canais de potássio). Contudo, em algumas regiões limitadas do sistema
nervoso central, a 5-hidroxitriptamina desempenha efeitos excitatórios,
por activação de receptores 5-HT3 – a título de exemplo, destaque para
o centro do vómito, que é indirectamente activado pela 5-
hidroxitriptamina.

Condições clínicas associadas a alterações das


funções da 5-hidroxitriptamina
Depressão

Vários fármacos anti-depressores actuam promovendo um aumento da


neurotransmissão por 5-hidroxitritptamina. De facto, todos os inibidores
selectivos da recaptação neuronal da 5-hidroxitriptamina têm-se
mostrado eficazes no tratamento da depressão major (apesar de
pertencerem a grupos químicos muito distintos). Por outro lado, em
doentes que se encontrem em remissão após tratamento da depressão,
a inibição da síntese de 5-hidroxitriptamina induz uma rápida recidiva
desta patologia.

Tumor carcinóide

O tumor carcinóide resulta da proliferação das células enterocromafins


da mucosa do tubo digestivo ou da mucosa brônquica. Como foi
referido, as células enterocromafins são capazes de produzir 5-
hidroxitriptamina, de tal modo que a presença de tumor carcinóide está
associada à libertação de grandes quantidades de 5-hidroxitriptamina.
Ora, esses níveis elevados desta amina originam uma série de sinais e
sintomas que constituem a síndrome carcinóide.

De entre os fármacos utilizados no tratamento do tumor carcinóide,


destaque para a p-clorofenilalanina (inibidor da síntese de 5-
hidroxitriptamina) e para o pizotifeno e ciproheptadina (ambos
antagonistas competitivos da 5-hidroxitritpamina). Em situações de
tumor carcinóide, pode ainda ser administrado octreotídeo, um análogo
da somatostatina capaz de inibir a secreção das células carcinóides.

Outras condições

A 5-hidroxitriptamina está implicada em algumas manifestações de


enxaqueca e na génese do vómito (sobretudo do vómito despertado
pela quimioterapia citotóxica e pela radioterapia). Alguns autores
defendem que, devido à sua acção vasoconstrictora, a 5-
hidroxitriptamina pode ainda estar implicada em alguns casos de
hipertensão arterial.

Acções da 5-Hidroxitriptamina
* Contracção dos vasos por acção directa sobre o
Sistema músculo liso e indirecta por
cardiovascular inibição do sistema nervoso simpático
* Relaxamento dos vasos por mecanismos
dependentes do endotélio
* Acções cronotrópica e inotrópica positiva
Sistema * Aumento da motilidade por acção directa sobre a
gastro- musculatura lisa e indirecta por
intestinal neurónios entéricos
* Estimulação dos nervos simpáticos, dos nervos
Neurónios do plexo mientérico e dos nervos
periféricos e
do sensitivos
* Estimulação/inibição dos neurónios centrais
SNC termorregulação, regulação
cardiovascular, controlo do apetite, regulação do
sono, humor, alucinações,
percepção da dor e vómito.

Plaquetas * Agregação

Fármacos que interferem com a transmissão 5-


hidroxitriptaminérgica

Sumatriptano

O sumatriptano é um
agonista selectivo dos
receptores 5-HT1D e 5-
HT1B, os quais são
expressos nos vasos
cerebrais meníngeos,
mediando um efeito

vasoconstrictor. O
sumatriptano apresenta
ainda capacidade de ligação
desprezável aos receptores
5-HT1A (de facto, a
afinidade para estes
receptores é cerca de 5
vezes inferior à afinidade
para os receptores 5-HT1D e
5-HT1B).

O sumatriptano é utilizado
exclusivamente no
tratamento da fase aguda
(crise) da enxaqueca. Para
compreender o seu modo de
actuação, estudemos as
vias fisiológicas da
enxaqueca: as situações de
enxaqueca cursam com
activação de neurónios

triptaminérgicos que, por sua vez, induzem um quadro de inflamação


peri-vascular. Ora, esse quadro inflamatório está associado ao
desenvolvimento de vasodilatação e à libertação de vários mediadores
(tais como as prostaglandinas e as cininas) – estes fenómenos
contribuem para a estimulação de terminais nociceptivos nervosos peri-
vasculares, que projectam para o córtex cerebral (via núcleo trigémio)
induzindo uma sensação de dor. Para além disso, quando estimulados,
os terminais nociceptivos nervosos peri-vasculares libertam vários
neuropeptídeos (nos quais se incluem a substância P, o VIP e as
neurocininas A e B), que potenciam a inflamação peri-vascular.

Ora, o sumatriptano impede a libertação dos neuropeptídeos por parte


dos terminais nociceptivos nervosos peri-vasculares, inibindo assim a
exacerbação da inflamação peri-vascular. Para além disso, este
fármaco inibe a estimulação dos terminais nociceptivos peri-vasculares,
bloqueando a condução do impulso nóxico até ao núcleo trigémio. Por
fim, o sumatriptano promove vasoconstrição dos vasos cerebrais e
meníngeos. Assim, através destes mecanismos distintos (mas que
requerem sempre a activação dos receptores 5-HT1D e 5-HT1B), o
sumatriptano revela-se eficaz no tratamento das crises agudas de
enxaqueca.

O sumatriptano apresenta reduzida biodisponibilidade, de tal modo que


não deve ser administrado por via oral (de facto, este fármaco é
preferencialmente administrado por via subcutânea, embora também
possa ser administrado por via inalatória).

Ao nível hepático, este fármaco sofre intensa biotransformação,


gerando um análogo inactivo do ácido 5-hidroxindoleacético (5-HIAA), o
qual é eliminado por via renal. O sumatriptano apresenta um curto
período de semi-vida, o que pode explicar a elevada taxa de recidiva de
enxaqueca nas primeiras horas após administração deste fármaco. De
facto, apesar de ser mais eficaz no alívio da cefaleia, comparativamente
às associações “ergotamina + cafeína” ou “aspirina + metoclopramida”,
o sumatriptano está associado a maiores taxas de recidiva. De referir
que, para o alívio da náusea e do vómito, o sumatriptano revela-se mais
eficaz que a ergotamina, e tão eficaz como a “aspirina +
metoclopramida”.

Habitualmente, o
sumatriptano é bem
tolerado. De facto, na
maior parte das
vezes, as suas
acções adversas
apresentam reduzida
intensidade, curta
duração, resolvem-
se espontaneamente
e não mudam de
características com o
uso repetido. Assim,
na maioria das
situações, os efeitos
laterais do
sumatriptano
envolvem irritação ou
parestesias restritas
ao local de
administração.

Contudo, numa pequena fracção de casos, este fármaco pode causar dor
torácica ou dor cervical – a dor torácica é deveras similar à dor de origem
cardíaca, dificultando o diagnóstico de eventos que cursem com dor
cardíaca. Porém, sabe-se que a dor torácica induzida pelo sumatriptano
não é acompanhada por alterações ecocardiográficas (embora este
fármaco possa, excepcionalmente, induzir vasoconstrição do leito
coronário). De qualquer modo, a administração de sumatriptano está
contra-indicada em indivíduos com história de enfarte do miocárdio,
angina de peito e hipertensão arterial.
Para além disso, o sumatriptano não deve ser utilizado juntamente com
inibidores da MAO, com carbonato de lítio, ou com inibidores selectivos
da recaptação de 5-hidroxitriptamina. De facto, a administração
simultânea destes fármacos pode despoletar a síndrome da
serotonina (que inclui inquietação, rigidez muscular, hipertermia,
mioclonias, híper-reflexia, diaforese e tremores). Para além disso, o
sumatriptano não deve ser usado em simultâneo com preparações que
contenham compostos vasoconstrictores (tais como a ergotamina ou o
metisergide), nem na profilaxia da enxaqueca.

Triptanos de segunda geração


Os triptanos de segunda geração incluem o zolmitriptano, o
rizatriptano, o naratriptano, o eletriptano, o almotriptano e o
frovatriptano. Estes fármacos apresentam maior biodisponibilidade oral
(devido à sua lipofilia) e maior tempo de semi-vida plasmática que o
sumatriptano. Já em termos farmacocinéticos, os triptanos de segunda
geração não diferem significativamente do sumatriptano. De referir que,
comparativamente ao sumatriptano, os triptanos de segunda geração
são ligeiramente mais potentes a promoverem vasoconstrição
coronária.

Buspirona
A buspirona é um agonista parcial dos receptores 5-HT1A, sendo
utilizada no tratamento da ansiedade. O seu efeito depressor é muito
selectivo, de tal modo que, contrariamente às benzodiazepinas e aos
barbitúricos, a buspirona não induz relaxamento do músculo
esquelético, sonolência, hipnose, acção anti-convulsionante, ressaca,
ou toxicomania (dependência física ou psíquica).

O efeito ansiolítico da buspirona demora mais de uma semana a surgir


(por contraste com o rápido efeito das benzodiazepinas), o que torna
este fármaco ineficaz para o tratamento de ataques de pânico e de
outras situações agudas de ansiedade. Assim, a buspirona é apenas
utilizada no tratamento prolongado das doenças de ansiedade
generalizada.
Cetanserina
A cetanserina bloqueia selectivamente os receptores 5-HT2A, sendo
utilizada como anti-hipertensor, mais concretamente no tratamento da
hipertensão arterial ligeira e moderada. Normalmente, este fármaco é
administrado por via oral, sofrendo um importante fenómeno de
biotransformação hepática, do qual resulta a formação de cetanserol. A
cetanserina liga-se intensamente às proteínas plasmáticas e apresenta
um longo período de semi-vida plasmática.

Ao actuar nos receptores 5-HT2, a cetanserina induz vasodilatação (o


que contribui para o seu efeito anti-hipertensor), broncodilatação e
inibição da agregação plaquetária. Ao induzir, simultaneamente,
vasodilatação e diminuição da agregação plaquetária, este fármaco
pode inibir a formação de trombos.

Normalmente, a cetanserina é um fármaco bem tolerado, embora possa


induzir sedação, tonturas, cefaleias, xerostomia, náuseas, hipotensão
arterial e aumento do intervalo QT do electrocardiograma. O aumento
do intervalo QT é um fenómeno perigoso, que está associado a um
aumento da incidência de arritmias ventriculares.

Anti-eméticos
O ondansetron, o granisetron e o tropisetron são antagonistas selectivos
dos receptores 5-HT3, sendo usados no controlo das náuseas e dos
vómitos associados à quimioterapia e à radioterapia. Para além disso,
estão a ser testados vários outros anti-eméticos similares ao
ondansetron, nomeadamente, o alosetron, o azasetron, o bemesetron, o
cilansetron, o dolasetron, o itasetron e o zatrosetron.

Ao nível do bolbo raquidiano, existe um centro do vómito, contendo


receptores muscarínicos. Nas proximidades desse centro (mais
concretamente, ao nível do pavimento do quarto ventrículo), existe uma
“zona de gatilho” que, quando activada, estimula o centro do vómito,
desencadeando o acto de vomitar. Ao nível da “zona de gatilho”,
existem receptores dopaminérgicos D2, receptores histaminérgicos H1,
e receptores 5-hidroxitriptaminérgicos do tipo 5-HT3. Assim, ao actuar
nos receptores 5-HT3 da “zona de gatilho”, a 5-hidroxitriptamina
desempenha uma acção emética, que é contrariada por antagonistas
como o ondansetron, o granisetron e o tropisetron.

A acção anti-emética dos bloqueadores dos receptores 5-HT3 revela-se


particularmente eficaz em situações de radioterapia e quimioterapia
neoplásica. Na verdade, para além de inibirem os receptores 5-HT3 da
“zona de gatilho”, estes fármacos também inibem os receptores 5-HT3
vagais envolvidos num mecanismo periférico que promove o vómito (a
radioterapia e a quimioterapia induzem a libertação de grandes
quantidades de 5-hidroxitriptamina do tubo digestivo. Após ser libertada,
a 5-hidroxitriptamina estimula os receptores 5-HT3 localizados nas fibras
aferentes do vago, que projecta para a “zona do gatilho” ou para o
centro do vómito).

Ondansetron

O ondansetron é um antagonista competitivo em equilíbrio e selectivo


para os receptores 5-HT3, que é utilizado na profilaxia das náuseas e
vómitos desencadeados pela radioterapia ou pela quimioterapia anti-
neoplásica. De referir que, a administração intra-venosa de
dexametasona (um corticosteróide) antes de iniciar quimioterapia
potencia a acção anti-emética do ondansetron.

Este fármaco pode ser administrado por via intra-venosa e por via oral -
quando administrado por via oral, o ondansetron é rapidamente
absorvido e apresenta uma biodisponibilidade de 60%. Ao nível
hepático, este fármaco sofre extensa biotransformação, sendo
metabolizado pelo sistema enzimático do citocromo P450 (o que pode
condicionar a génese de interacções medicamentosas). O ondansetron
apresenta uma semi-vida de cerca de três horas, sendo eliminado,
predominantemente, por via hepato-biliar. De referir que, nos doentes
com disfunção hepática, este fármaco apresenta uma biodisponibilidade
de quase 100% e uma semi-vida que pode chegar às 32 horas, pelo
que a dose administrada a estes doentes deve ser inferior.

O ondansetron é, normalmente, bem tolerado. Todavia, pode provocar


cefaleias, hipertermia, e sensação de calor na cabeça e epigastro. Mais
raramente, podem ocorrer reacções de hipersensibilidade (incluindo
anafilaxia), broncospasmo, dor torácica, diminuição da motilidade do
cólon (o que condiciona obstipação ou diarreia), elevação das
transaminases, dor abdominal, sensação de frio, tonturas, sonolência,
xerostomia, parestesias, prurido, fadiga, astenia e reacções
inflamatórias locais.

Granisetron

O granisetron é um antagonista competitivo e selectivo para os


receptores 5-HT3, que é utilizado na profilaxia das náuseas e vómitos
desencadeados pela radioterapia ou pela quimioterapia anti-neoplásica.

Em termos clínicos, este fármaco é apenas administrado por via intra-


venosa, sendo intensamente biotransformado a nível hepático (o que
condiciona uma biodisponibilidade de 41-66%). O granisetron liga-se
intensamente às proteínas plasmáticas, apresentando uma semi-vida de
3-7 horas. Este fármaco é maioritariamente eliminado por via urinária,
embora parte seja eliminada por via fecal.

Este fármaco é, geralmente, bem tolerado, embora possa induzir


diminuição da motilidade gastro-intestinal, sobretudo ao nível do cólon.

Tropisetron

O tropisetron é um antagonista competitivo e selectivo para os


receptores 5-HT3, que é utilizado na profilaxia das náuseas e vómitos
desencadeados pela radioterapia ou pela quimioterapia anti-neoplásica.

Este fármaco pode ser administrado por via intra-venosa ou por via oral.
A sua biodisponibilidade oral é de 52-66%, devido ao seu intenso efeito
de primeira passagem (ao nível hepático, o tropisetron é
biotransformado por enzimas da família do citocromo P450). A sua
semi-vida varia entre 7 e 42 horas e a sua eliminação é
predominantemente renal, embora não sejam necessários ajustes
posológicos em situações de disfunção hepática ou renal.

O tropisetron é, geralmente, bem tolerado, embora possa induzir


cefaleia ligeira, obstipação, diarreia, fadiga e alterações transitórias da
pressão arterial.

Cisapride
O cisapride é um agonista dos receptores 5-HT4, que na prática clínica
é utilizado como um pró-cinético (fármaco que condiciona um aumento
da motilidade gastro-intestinal). Este fármaco actua nos receptores 5-
HT4 dos neurónios do plexo mientérico, induzindo a libertação de
acetilcolina. Por seu turno, a acetilcolina aumenta a motilidade
esofágica, a tonicidade do esfíncter esofágico inferior, o esvaziamento
gástrico e duodenal, e a motilidade do intestino delgado e do cólon.

O cisapride é absorvido por via oral, de forma rápida e completa. Este


fármaco sofre um importante efeito de primeira passagem hepática,
sendo que a sua biotransformação origina o metabolito norcisapride. A
semi-vida do cisapride ronda as 7-10 horas, enquanto a eliminação
deste fármaco se faz por via renal e fecal (em proporções similares).

Em termos clínicos, o cisapride é utilizado no tratamento do refluxo


gastro-esofágico e de perturbações da motilidade gástrica ou intestinal
(tais como o íleo paralítico e a gastroparésia diabética). Este fármaco

é normalmente administrado por via oral, sendo administrada uma dose


mais reduzida a doentes com disfunção hepática ou renal.

As principais acções adversas deste fármaco incluem cólicas


abdominais, borborigmos e diarreia. Para além disso, este fármaco
pode estar associado ao desenvolvimento de cefaleias, tonturas,
convulsões, taquicardia e prolongamento do intervalo QT do
electrocardiograma. O aumento do intervalo QT é um fenómeno
perigoso, que está associado a um aumento da incidência de arritmias
ventriculares (“torsades de pointes”). Assim, o cisapride deve ser
apenas administrado com muita cautela e por gastroenterologistas.

A biotransformação do cisapride é mediada pela enzima CYP3A4. Ora,


existem vários fármacos que inibem esta enzima e que, por isso, não
devem ser administrados em conjunto com o cisapride, sob pena de
ocorrerem interacções farmacológicas. Para além disso, o cisapride não
deve ser administrado a crianças com idade inferior a três meses,
doentes com risco de arritmias, indivíduos com prolongamento
congénito do intervalo QT, indivíduos com história de morte súbita na
família, ou doentes que também estejam a ser medicados com
fármacos que provoquem hipocalémia, hipomagnesemia ou bradicardia.
Tegaserode
O tegaserode é um agonista parcial dos receptores 5-HT4, não
exercendo qualquer efeito ao nível dos receptores 5-HT3
(contrariamente ao que se verifica com o cisapride). Este fármaco
promove o esvaziamento gástrico e aumenta o trânsito intestinal. De
facto, o tegaserode actua nos receptores 5-HT4 das fibras aferentes da
mucosa intestinal, promovendo a libertação de vários
neurotransmissores por parte dos neurónios dos plexos submucoso e
mientérico – alguns desses neurotransmissores (nomeadamente a
acetilcolina e a substância P) estimulam a contracção do intestino
proximal, enquanto outros (nomeadamente o NO e o VIP) induzem
relaxamento do intestino distal. De referir que, ao estimular os
receptores 5-HT4 do cólon, o tegaserode activa a secreção de cloro
dependente de cAMP, aumentando o conteúdo em água das fezes (ou
seja, tornando as fezes mais moles).

O tegaserode apresenta uma biodisponibilidade de apenas 10%, sendo


biotransformado por glicurono-conjugação hepática e por hidrólise ácida
no estômago. Este composto é maioritariamente excretado por via fecal,
embora também seja eliminado por via urinária.

Na prática clínica, o tegaserode é utlizado no tratamento da síndrome


do intestino irritável com predomínio de obstipação. De facto, este
fármaco aumenta o número de movimentos intestinais por semana,
diminui a dureza das fezes e reduz a intensidade da dor e do mal-estar
abdominal associados a esta patologia.

O tegaserode é, frequentemente, bem tolerado. Todavia, podem surgir


casos de diarreia ou cefaleias (embora se pense que este fármaco não
atravessa a barreira hemato-encefálica). Para além disso, este fármaco
não interfere com o citocromo P450, nem prolonga o intervalo QT.
Apesar disso, o tegaserode não deve ser administrado a doentes com
insuficiência grave das funções hepática ou renal.
Sistema opiáceo endógeno
Ao nível do sistema nervoso central, existem vários receptores
opiáceos, cuja estimulação gera um importante efeito analgésico. Estes
receptores podem ser estimulados por peptídeos endógenos
(pertencentes ao sistema opiáceo endógeno), ou por peptídeos
exógenos. Assim, os fármacos que estimulam os receptores opiáceos
podem ser classificados como opiáceos (quando têm origem natural)
ou opióides (caso apresentem origem sintética ou semi-sintética).

Sistema opiáceo endógeno

Receptores opiáceos
Em termos endógenos, os opiáceos são os mediadores mais
importantes da analgesia. Os opiáceos endógenos actuam sobre três
tipos de receptores – o receptor μ (MOP), o receptor κ (KOP) e o
receptor

δ (DOP).

O receptor μ abunda ao nível do córtex cerebral, tálamo, substância


cinzenta peri-aquedutal e espinal medula. Da sua estimulação, resulta
um efeito de analgesia supra-espinal, euforia, dependência física,
tolerância, depressão respiratória (devido a diminuição da frequência
respiratória), hipotermia, bradicardia e miose.

Por seu turno, o receptor κ encontra-se, sobretudo, ao nível da espinal


medula, tálamo, hipotálamo e córtex cerebral. Quando este receptor é
estimulado, geram-se efeitos de analgesia espinal, sedação,
dependência física, tolerância, depressão respiratória (devido a
diminuição do volume corrente), hipotermia, bradicardia e miose.

Já o receptor δ possui uma distribuição difusa, encontrando-se ao nível


do córtex, hipocampo, amígdala e tubérculo olfactivo. A sua estimulação
induz analgesia, euforia, efeitos autonómicos e efeitos relacionados com
a vertente afectivo-motivacional do sistema nociceptivo.
Existem ainda dois tipos de receptor adicionais – o receptor da
nociceptina (NOP, também designado por receptor órfão) e o receptor
σ. Ao actuar sobre o receptor NOP, a nociceptina reduz as respostas
aos opióides e aos peptídeos endógenos, de tal modo que os ligandos
deste receptor estão a ser estudados como ansiolíticos, estimulantes do
apetite e supressores da dependência de drogas. Já os antagonistas
dos receptores NOP estão a ser estudados como potenciais
analgésicos e anorécticos.

Por seu turno, o receptor σ, apesar de ser estimulado por alguns


opióides, deixou de ser considerado um receptor opiáceo, porque a sua
estimulação não induz analgesia nem depressão respiratória. De facto,
a estimulação do receptor σ resulta num quadro de delírio com disforia,
alucinações, fenómenos psicomiméticos, mania e estimulação
simpática. De qualquer modo, o receptor σ não tem afinidade para a
naloxona, mas tem afinidade para o haloperidol (um antagonista do
receptor da dopamina) e para a cetamina (um derivado da fenciclidina).

Opiáceos endógenos
Os agonistas endógenos dos receptores opiáceos pertencem a três
famílias distintas – encefalinas, endorfinas e dinorfinas. As encefalinas
(met-encefalina e leu-encefalina) são polipeptídeos derivados da pró-
encefalina A, que constituem os ligandos endógenos mais importantes
do receptor δ. Estes peptídeos são expressos ao longo de todo o
sistema nervoso central, existindo em pequenos interneurónios de
circuitos locais.

Por seu turno, a endorfina β é um polipeptídeo derivado da pró-


opiomelanocortina. Este mediador constitui o ligando endógeno com
maior afinidade para o receptor μ. A sua biodegradação enzimática
ocorre muito rapidamente, levando à génese de metabolitos com
afinidade desconhecida para os receptores opiáceos. No que diz
respeito à sua farmacodinamia, a endorfina β é similar às
endomorfinas (endomorfina 1 e endomorfina 2), peptídeos
endógneos com propriedades analgésicas e elevada afinidade para os
receptores opiáceos. De facto, tal como a endorfina β, as endomorfina
activam selectivamente os receptores μ centrais e periféricos.
As células que expressam endorfina β abundam no hipotálamo, a partir
de onde se projectam para quase todo o sistema nervoso central (com
excepção da porção distal do tronco cerebral, da espinal medula, e do
córtex cerebral). A endorfina β está ainda presente ao nível dos
neurónios periféricos (sobretudo nos tecidos lesados e inflamados), bem
como nas células do sistema imunitário. De referir que, em situações de
stress e choque, ocorre libertação simultânea de endorfina β e ACTH
para a circulação e para o líquido cefalo-raquidiano (sendo que ambos
os mediadores são derivados da pró-opiomelanocortina e que ambos
são expressos ao nível dos lobos posterior e intermédio da hipófise).

Por fim, as dinorfinas (dinorfina A e dinorfina B) são polipeptídeos


derivados da pró-dinorfina, que apresentam elevada afinidade para o
receptor κ. Apresentam uma distribuição similar à das encefalinas,
embora predominem no hipotálamo e na substância negra.

Os peptídeos opiáceos endógenos existem também ao nível de tecidos


periféricos, tais como o intestino e o canal deferente, embora se
desconheça a importância fisiológica dessa distribuição.

Os peptídeos opiáceos endógenos não são utilizados na prática clínica,


uma vez que, apresentam um período de semi-vida muito curto,
atravessam a barreira hemato-encefálica com dificuldade, originam
efeitos colaterais semelhantes aos da morfina (incluindo dependência e
depressão respiratória), e são de extracção biológica e síntese química
difícil e muito dispendiosa.
Fármacos com acção nos
receptores opiáceos
Ópio
O ópio é o suco da papoila Papaver somniferum e contém vários
alcalóides, cujas propriedades analgésicas já são conhecidas desde a
antiguidade. Os alcalóides presentes no ópio dividem-se em duas
classes, consoante a presença de acção analgésica:

1. Alcalóides fenantrénicos (apresentam acção analgésica): Morfina,


codeína e tebaína.

2. Alcalóides benzilisoquinoleicos (não apresentam acção


analgésica): Papaverina (relaxante das fibras musculares lisas) e
noscapina.

O ópio foi, até há pouco tempo, clinicamente utilizado como analgésico


e anti-diarreico. Todavia, o seu uso foi abandonado, por não apresentar
vantagens em relação aos seus alcalóides purificados e aos derivados
de síntese. Todavia, a morfina utilizada clinicamente continua a ser
isolada a partir do ópio, uma vez que a síntese laboratorial deste
fármaco é deveras difícil.

Agonistas totais dos receptores opiáceos


A morfina é um agonista dos receptores opiáceos, apresentando
propriedades analgésicas que servem de padrão à de todos os
analgésicos de acção central. Apesar da sua ampla utilização e da sua
eficácia, a morfina comporta muitas acções adversas, nas quais se
incluem a depressão respiratória (em situações agudas) e a
dependência e tolerância (em situações crónicas). Ora, estes efeitos
adversos limitam o uso terapêutico da morfina e obrigaram à procura de
outros analgésicos centrais com eficácia terapêutica similar à da
morfina, mas com menos efeitos adversos.

Todos os analgésicos opiáceos apresentam uma estrutura parcialmente


comum, embora se possam agrupar em famílias químicas distintas:
1. Derivados das 4-fenilpiperidinas

1.1. Pentacíclicos: Morfina, codeína, heroína, oximorfona

1.2. Hexacíclicos: Oripavinas (buprenorfina, nalbufina)

1.3. Tetracíclicos: Morfinanos (levorfanol, dextrometorfano e


butorfanol)

1.4. Tricíclicos: Benzomorfanos (pentazocina)

1.5. Bicíclicos: Meperidina, fenoperidina, difenoxilato e loperamida

2. Derivados da 3,3-difenilpropilamina: Metadona e dextropropoxifeno

3. Derivados da 1,2- e da 1,3-diaminas: Fentanil, anfetanil, carfentanil,


sufentanil, lofentanil e remifentanil

Esta classificação apenas informa acerca da família química ou da


origem de um dado analgésico. Assim, esta classificação não permite
distinguir o perfil de acção de cada fármaco sobre os diferentes
receptores e, como tal, não informa acerca do seu interesse clínico. De
facto, os efeitos de cada fármaco são determinados pelo tipo de acção
(agonista total, agonista parcial ou antagonista) e pelos receptores
sobre os quais estes fármacos actuam. Ora, os agonistas parciais com
eficácia elevada são terapeuticamente utilizados como agonistas,
enquanto os agonistas parciais com escassa eficácia são utilizados
como antagonistas.

Em termos farmacocinéticos, os agonistas dos receptores opiáceos são


bem absorvidos por via oral, apresentando um bom volume de
distribuição. Para além disso, em termos gerais, estes fármacos
atravessam facilmente a barreira hemato-encefálica.

Quase todos estes fármacos sofrem ampla biotransformação, o que


condiciona uma baixa biodisponibilidade. Para além disso, quase todos
estes fármacos são metabolizados por glicurono-conjugação (ou seja,
de modo independente do sistema microssomal hepático) – a codeína,
o tramadol, a heroína e o remifentanil constituem excepções notáveis –
as duas primeiras substâncias referidas são metabolizadas pelo
CYP2D6, enquanto as duas últimas são metabolizadas por acção de
esterases tecidulares não-específicas.

Como estes fármacos são muito lipofílicos, a sua administração crónica


ou em doses elevadas condiciona acumulação no tecido adiposo (o que
poderá levar a um subsequente efeito de redistribuição). De referir que
este fenómeno é particularmente relevante no caso do fentanil.

Passemos então a estudar detalhadamente a acção dos vários


agonistas totais dos receptores dos opiáceos.

Morfina
Acções farmacológicas

A morfina actua por estimulação dos receptores opiáceos,


apresentando elevada afinidade para os receptores μ (MOP), κ (KOP) e
δ (DOP). Estes receptores estão envolvidos em várias funções,
encontrando-se distribuídos por todo o sistema nervoso central, por
vários tecidos periféricos, e pelo sistema imunitário. Consequentemente,
a morfina apresenta uma farmacodinamia exuberante, que serve de
padrão à de todos os analgésicos de acção central.

A morfina estimula, simultaneamente, receptores inibitórios e


excitatórios. Todavia, predomina a estimulação dos receptores
inibitórios, de tal modo que a morfina apresenta um efeito globalmente
depressor.

Os efeitos da morfina dependem parcialmente do estado funcional


central, ou seja, a farmacologia da morfina (e dos opiáceos em geral) é
diferente caso os indivíduos apresentem dores, ou caso os indivíduos
não apresentem dores.

Acções centrais

As acções centrais mais importantes da morfina incluem a analgesia, a


sedação, a depressão respiratória e a dependência.
A analgesia resulta da estimulação de receptores κ espinais e
(sobretudo) receptores μ e δ supra-espinais. As dores crónicas,
contínuas, são mais facilmente controláveis do que as agudas,
intermitentes. Apesar de a morfina ser eficaz em dores viscerais e em
dores de origem somática, existem algumas dores crónicas que não são
sensíveis à morfina (nem a outros agonistas dos receptores opiáceos).

A acção analgésica atinge-se mais rapidamente caso a morfina seja


administrada por via epidural ou intra-venosa, seguindo-se, em termos
de rapidez, as vias intra-muscular e subcutânea. Por fim, a via oral
constitui a via em que a acção analgésica se atinge mais lentamente.
Paralelamente, a duração de acção também é menor quando a morfina
é administrada por via oral ou parentérica. Assim, quando administrada
por via epidural ou intra-articular, o efeito analgésico prolonga-se por um
período de tempo superior.

A morfina diminui a ansiedade, quer por mecanismos directos, quer por


mecanismos indirectos (por diminuição da dor). Em indivíduos com
dores, a diminuição do medo e da ansiedade levam ao desenvolvimento
de um quadro de bem-estar psíquico e autoconfiança, o qual se designa
por euforia. Todavia, apesar de muito frequente, este quadro de euforia
revela-se algo inconstante. Por oposição, em indivíduos normais, a
administração de morfina é seguida de um quadro de mal-estar psíquico
com ansiedade e tensão, o qual se designa por disforia. Por fim, em
alguns doentes (sobretudo, idosos do sexo feminino), a administração
de morfina pode induzir delírio e alucinações.

Mesmo quando administrada em doses subanalgésicas, a morfina induz


depressão da respiração (inclusive em indivíduos sãos). De facto, a
morfina actua directamente no centro respiratório bulbar, tornando-o
menos sensível à estimulação fisiológica pela PCO2. Assim, a morfina
diminui todos os parâmetros ventilatórios (frequência, capacidade vital e
volume-minuto), com especial destaque para a frequência respiratória.
De facto, um doente com depressão respiratória de causa opiácea
manifesta baixa frequência respiratória, embora cada movimento
respiratório seja amplo, profundo e muito eficaz (esta depressão
respiratória pode ser contrariada pela estimulação periférica,
nomeadamente pela presença de dor, ruído, tacto…). Deste modo, não
admira que a depressão respiratória constitua a causa de morte mais
frequente na overdose por opiáceos.
Através da estimulação dos receptores opiáceos μ, a morfina possui
capacidade de desencadear dependência física. Ou seja, a presença
contínua de morfina no organismo durante um período de dias cria um
estado biológico, em que a normalidade passa a depender dessa
presença. De facto, em termos moleculares, a estimulação crónica dos
receptores opiáceos induz alterações adaptativas no funcionamento de
mecanismos subcelulares deles dependentes. Ora, após supressão do
estímulo (ou seja, do fármaco opiáceo), estes mecanismos demoram
algum tempo a regressar ao normal. Este período de desfasamento está
associado ao aparecimento de uma série de reacções biológicas
anormais (quer do foro orgânico, quer do foro comportamental), que
caracterizam a síndrome de abstinência (síndrome de privação).

O uso crónico de agonistas dos receptores opiáceos não se acompanha


inevitavelmente de dependência física. De facto, os doentes
correctamente submetidos a terapêutica com morfina durante longos
períodos de tempo não desenvolvem síndrome de abstinência. Por
oposição, o uso não-terapêutico e o uso terapêutico incorrecto de
opiáceos (por exemplo, em doses desnecessariamente elevadas, ou em
dores não sensíveis aos opiáceos) acompanham-se de síndrome de
abstinência, cuja intensidade depende da actividade intrínseca do
opiáceo e da velocidade de dissociação do complexo fármaco-receptor.

O uso de morfina também pode levar ao desenvolvimento de


dependência psíquica (desejo compulsivo e necessidade contínua de
consumo deste fármaco para que o indivíduo se sinta bem). Contudo,
nem todos os indivíduos que desenvolvem dependência física
desenvolvem dependência psíquica.

Em suma, a toxicodependência opiácea caracteriza-se pela presença


de dependência física, dependência psíquica, tolerância (necessidade
de aumentar a dose para provocar um efeito com a mesma intensidade)
e comportamento nocivo para o indivíduo e para a sociedade.

Para além destas acções principais, a morfina apresenta outros efeitos


resultantes da sua acção central, nomeadamente:

1. Acção anti-tússica: Contrariamente aos outros agonistas μ, a


morfina apresenta acção anti-tússica (acção supressora da
tosse), sendo o mais eficaz anti-tússico conhecido. Todavia, esta
acção anti-tússica não é aproveitada na prática clínica, devido aos
efeitos laterais causados pela morfina.

2. Estimulação dos quimiorreceptores do centro do vómito:


Aquando da administração de uma única dose de morfina,
desenvolvem-se frequentemente náuseas e vómito. Todavia,
aquando da administração crónica de morfina, essas situações
tornam-se mais raras – de facto, quando administrada a doses
mais elevadas, a morfina actua directamente no centro do vómito,
apresentando uma acção anti-emética (supressora do vómito),
que aparece mais tardiamente.
3. Alterações dos movimentos: Ao actuar sobre o cerebelo, a
morfina induz marcha atáxica, por inibição da coordenação
motora. Por outro lado, a morfina actua sobre a medula espinal,
induzindo um exagero dos reflexos medulares.

4. Miose: A morfina suprime a inibição supra-nuclear do tónus do


constrictor da pupila (ou seja, a morfina “activa” o constrictor da
pupila), induzindo miose. Todavia, a morfina também induz
hipóxia, que pode originar anoxia cerebral e, consequente
midríase – ora este efeito midriático é capaz de contrariar o efeito
directo da morfina, mascarando o aparecimento de miose.

Acções periféricas

Para além das acções centrais, a morfina também apresenta acções


periféricas, nomeadamente, ao nível da musculatura lisa dos sistemas
gastro-intestinal e cardiovascular. Para além disso, a morfina promove a
libertação de histamina. Apesar de desenvolverem tolerância aos efeitos
centrais, os indivíduos que utilizam opiáceos de modo crónico não
desenvolvem tolerância aos efeitos periféricos destes fármacos. Isto
significa que nos doentes (dependentes ou não) que tomam doses
crescentes de opiáceos, os efeitos periféricos destes fármacos são
progressivamente intensificados com o aumento das doses.

Em termos vasculares, a morfina induz vasodilatação periférica e, por


conseguinte, hipotensão arterial. O efeito vasodilatador da morfina é,
principalmente, mediado pela histamina. Ou seja, a morfina promove a
libertação de histamina endógena que, por sua vez, apresenta um efeito
vasodilatador.

Para além disso, a morfina actua sobre o coração, induzindo diminuição


do consumo de oxigénio, do índice cardíaco, da pressão telediastólica
ventricular esquerda e do trabalho cardíaco. Ora, para além de induzir
estes efeitos, a morfina apresenta uma acção hipotensora, sedativa e
analgésica; o que faz com que o uso deste opiáceo esteja indicado para
a fase aguda do enfarte do miocárdio.

Pensa-se ainda, que a morfina (e, eventualmente, outros agonistas dos


receptores μ) possa diminuir a lesão miocárdica consequente a hipóxia,
quer na sua fase precoce, quer na sua fase tardia. Todavia, são
necessários estudos ulteriores para validar esta hipótese.

A morfina não actua directamente sobre a circulação cerebral. Todavia,


ao provocar depressão respiratória, este fármaco induz hipercápnia.
Ora, a hipercápnia promove vasodilatação cerebral e aumento da
pressão intra-craniana (a PCO2 constitui o mais importante factor de
regulação da circulação cerebral). Assim, a morfina não deve ser
utilizada em indivíduos com traumatismos cranianos, a não ser que
estes estejam sob ventilação controlada.

Ao nível gastro-intestinal, a morfina actua ao nível do músculo liso do


intestino, promovendo uma contractura sustentada. Deste modo, a
morfina induz obstipação, que poderá ser precedida por uma dejecção.
Já ao nível do estômago, a morfina diminui a motilidade gástrica e
aumenta o tempo de esvaziamento gástrico (assim, quando
administrada por via oral, a morfina atrasa a sua própria absorção).
Para além disso, em indivíduos com consumo crónico de morfina, este
opiáceo induz diminuição da fome e da sede.

A morfina actua directamente sobre as fibras musculares lisas das vias


biliares e urinária, promovendo a sua contracção espasmódica. Ora,
esta acção da morfina sobre o esfíncter vesical leva ao desenvolvimento
de retenção urinária. Para além disso, a morfina actua ao nível da
glândula supra-renal, estimulando (de forma pouco significativa) a
libertação de adrenalina e a ocorrência de hiperglicemia.
De referir que a administração de morfina por via epidural não anula o
aparecimento destes efeitos periféricos. De facto, entre outros efeitos,
continua a ocorrer libertação de histamina (o que causa prurido) e
retenção urinária.

Farmacocinética

A morfina é bem absorvida por via intra-muscular e subcutânea. Por


oposição, este fármaco apresenta uma absorção intestinal lenta e
irregular. Felizmente, já foram desenvolvidos comprimidos de sulfato
de morfina de libertação gradual – estes comprimidos permitem que a
administração oral de morfina ocorra de forma mais eficaz e menos
errática. Para além disso, o uso crónico de morfina nestas
circunstâncias não se acompanha de dependência.

A morfina sofre um acentuado fenómeno de primeira passagem no


fígado. De facto, cerca de 90% da morfina que entra em circulação é
biotransformada (e inactivada) no fígado por glicurono-conjugação na
posição três (formando-se uma substância que é excretada na urina).

Não admira, portanto, que os efeitos da morfina estejam potenciados


em indivíduos com insuficiência hepática avançada (sobretudo com
cirrose) – nestes indivíduos, existe menor biotransformação hepática e
menor quantidade de albumina circulante (o que condiciona uma
diminuição do volume de distribuição). Paralelamente, os efeitos da
morfina também se encontram potenciados nos doentes com
insuficiência renal, devido ao impedimento de excreção do metabolito
activo morfina-6-glicuronoconjugado.

Quando aplicada por via subdural ou epidural, a morfina continua a


exercer potentes efeitos analgésicos, por actuação ao nível dos
receptores κ, μ e δ expressos na espinal medula. De facto, após ser
administrada morfina por via subdural ou epidural, regista-se um efeito
prolongado, embora as concentrações plasmáticas deste opiáceo
permaneçam reduzidas. Estas baixas concentrações plasmáticas
reduzem ao mínimo a secreção de morfina e dos seus metabolitos pelo
leite materno. Assim, a morfina pode ser utilizada como adjuvante na
analgesia epidural, sem que isso comprometa o recém-nascido.
Quando administrados por via epidural, todos os opiáceos sofrem uma
cinética idêntica, sendo que a duração do seu efeito depende da sua
lipossolubilidade. Todavia, a morfina administrada por via epidural pode
atingir o bolbo raquidiano, podendo induzir colapso cardio-circulatório e
paragem respiratória.

Para além disso, em circunstâncias extremas (tais como em doentes


neoplásicos terminais com dores excruciantes), a morfina pode ser
administrada por via intra-ventricular. É ainda possível administrar
morfina por via-intra-articular, devido à existência de receptores
opiáceos nos terminais nervosos sensoriais dos tecidos periféricos
inflamados.

Codeína
A codeína é um alcalóide do ópio, que actua na mesma gama de
receptores opiáceos da morfina. Contudo, a codeína é cerca de 12
vezes menos potente que a morfina (isto significa que 120 mg de
codeína provocam um efeito analgésico idêntico ao de 10 mg de
morfina).

A codeína é absorvida por via oral, sofrendo ampla biotransformação


hepática. A sua biotransformação origina metabolitos inactivos (que,
subsequentemente, sofrem excreção urinária) e morfina. De facto, cerca
de 10% da codeína é metabolizada pela CYP2D6 e convertida em
morfina. Assim, a codeína é considerada um pró-fármaco da morfina.

Em termos clínicos, a codeína é, sobretudo, utilizada como um anti-


tússico. Todavia, este fármaco também pode ser utilizado como um
analgésico fraco, embora esse efeito não seja muito comum.

Heroína
A heroína é um pró-fármaco da morfina, que apresenta um curto
período de semi-vida. De facto, a heroína (di-acetilmorfina) é
rapidamente hidrolisada por esterases tecidulares não-específicas,
sendo convertida em monoacetilmorfina que, por sua vez, é convertida
em morfina. Assim, os efeitos da heroína são similares aos da morfina,
sendo que o uso da heroína como analgésico não apresenta qualquer
vantagem clínica.
De referir que, a heroína é considerada um estupefaciente, devido ao
seu elevado potencial de génese de dependência física e psíquica.

Meperidina (petidina)
A meperidina é um fármaco clinicamente semelhante à morfina. De
facto, para doses equianalgésicas, a meperidina, tal como a morfina,
exerce um efeito depressor respiratório – esse efeito inclui similar
diminuição do volume/minuto, mas menor depressão da frequência
ventilatória e maior depressão do volume corrente.

A meperidina apresenta todos os efeitos centrais da morfina, com


excepção do efeito anti-tússico. Para além disso, a meperidina partilha
de alguns efeitos periféricos com a morfina. De facto, a meperidina
provoca espasmo das fibras musculares lisas, aumento da pressão
intra-biliar e atraso do esvaziamento gástrico.

Para além disso, a meperidina apresenta um efeito anti-muscarínico, de


tal modo que, em doses analgésicas, este fármaco induz taquicardia
(contrariamente aos restantes opióides, que induzem bradicardia).
Todavia, em doses muito elevadas, a meperidina exibe uma acentuada
depressão cardíaca, dependente da dose.

Após ser administrada por via oral, a meperidina é intensamente


metabolizada a nível hepático, o que condiciona uma biodisponibilidade
de 45%-75%. Já a sua absorção por via intra-muscular é muito variável
de indivíduo para indivíduo, dependendo não só das características do
doente, mas também do local de injecção e do estado de
vascularização local.

A meperidina tem uma semi-vida de distribuição de 30-45 minutos, e um


tempo de eliminação de 3 a 8 horas, sendo a depuração plasmática
elevada. Apenas uma pequena fracção é eliminada intacta pela urina,
sendo o restante biotransformado no fígado em metabolitos que,
posteriormente, são excretados na urina. Assim, a cirrose hepática e a
hepatite vírica levam ao aumento dos níveis plasmáticos de meperidina,
pois passa a ocorrer menor biotransformação hepática, bem como
menor ligação às proteínas plasmáticas.
Como referido anteriormente, ao nível hepático, a meperidina origina
vários metabolitos. A normeperidina (ou norpetidina) é uma dessas
substâncias, apresentando cerca de metade da actividade analgésica
da meperidina, mas o dobro da sua actividade convulsionante e uma
maior semi-vida de eliminação. Em indivíduos com insuficiência renal,
este metabolito pode se acumular no organismo, podendo induzir o
aparecimento de tremores, contracções musculares, híper-reflexia e
convulsões.

Em termos clínicos, é comum administrar meperidina no trabalho de


parto, como analgésico intra-muscular. De facto, este fármaco é capaz
de atravessar facilmente a placenta, podendo provocar depressão
central no recém-nascido. Uma vez que, no recém-nascido, o período
de semi-vida da meperidina é muito superior ao do adulto, os recém-
nascidos levam entre 3 a 6 dias para eliminar completamente este
fármaco após administração materna.

Metadona
A metadona é um opióide sintético, ligeiramente mais potente que a
morfina. A metadona causa dependência física cruzada com a heroína
(e outros agonistas), mas os sintomas de abstinência são menos
intensos e de instalação mais lenta que os da heroína. Assim, o seu uso
está, actualmente, quase limitado ao tratamento da toxicodependência.

Loperamida
A loperamida é um derivado da fenilpiperidina, que é usado no controlo
da diarreia. De facto, a loperamida inibe o peristaltismo intestinal por
actuação nos receptores μ periféricos, mas apresenta poucos efeitos ao
nível dos receptores opiáceos do sistema nervoso central. Esse
reduzido acesso ao sistema nervoso central leva a que a loperamida
apresente um reduzido potencial de génese de dependência.

Fentanil
O fentanil é um opióide cerca de 100 vezes mais potente que a
morfina, mas com uma duração de acção muito inferior. De facto, o
fentanil é rápida e intensamente distribuído para locais de perda no
músculo esquelético e no tecido adiposo (ou seja, devido à sua elevada
biodisponibilidade, o fentanil sofre importantes efeitos de redistribuição).
Assim, ainda durante a fase de distribuição, as concentrações
plasmáticas deste fármaco tornam-se inferiores às suas concentrações
analgésicas mínimas.

Para contornar este problema, devem ser administradas doses


repetidas, ou doses muito elevadas, deste fármaco. Assim, o seu
volume de distribuição diminui e a concentração plasmática de fentanil
no estado estacionário passa a ser superior à concentração analgésica
mínima.

O fentanil apresenta acções farmacológicas similares às da morfina,


tendo efeitos centrais da mesma intensidade para doses
equianalgésicas. Já ao nível periférico, o fentanil revela escassa acção
cardiovascular, sendo, por isso, vastamente utilizado em cirurgia
cardíaca. Para além disso, contrariamente à morfina, o fentanil não
estimula a libertação de histamina.

Contudo, em doentes com elevado tónus simpático, o fentanil pode


provocar uma diminuição acentuada da pressão arterial (por bloqueio
central simpático), bem como uma acentuada bradicardia. Para além
disso, quando administrado em elevadas doses ou em injecções
rápidas, este fármaco pode provocar rigidez muscular, que, caso seja
muito forte, pode comprometer a ventilação mecânica.

De referir que o fentanil é administrado, sobretudo, por via intra-venosa,


embora também possa ser aplicado por via transdérmica. Já no que
concerne à sua biotransformação, este fármaco é metabolizado por
enzimas microssomias hepáticas.

Alfentanil e sufentanil
O alfentanil e o sufentanil são dois derivados do fentanil, que
comportam uma elevada margem de segurança, sobretudo, quando
comparados com a meperidina e com o fentanil. De facto, o sufentanil
apresenta uma elevada estabilidade cardiovascular, motivo pelo qual é
amplamente utilizado em cirurgia cardíaca (na verdade, o fentanil e os
seus derivados são quase exclusivamente utilizados em anestesiologia
e cuidados intensivos).
Quando administrado em injecção única, o alfentanil apresenta uma
duração de acção muito curta. Por outro lado, quando administrado em
infusão, este fármaco quase não sofre acumulação, pelo que o seu
efeito cessa poucos minutos após supressão da infusão. Todavia, todos
estes derivados do fentanil apresentam uma grande variabilidade
individual da resposta e do comportamento farmacocinético, o que não
permite a aplicação sistemática do seu uso com base em parâmetros
farmacocinéticos conhecidos.

DE 50 Dose letal 50 Margem de Potência


(mg/Kg)* (mg/Kg) segurança relativa
Meperidina 6,0 29,0 5 1

Fentanil 0,011 3,1 277 550

Alfentanil 0,044 47,5 1080 137

Sufentanil 0,00071 17,9 25211 8500

*Dose que produz anestesia cirúrgica em 50% dos ratos em respiração espontânea

Remifentanil
O remifentanil é um opióide da família do fentanil, sendo um agonista
dos receptores opiáceos μ. Assim, tal como o fentanil, o remifentanil
apresenta efeitos analgésicos, sedativos, depressores da respiração,
hipotensores, bradicárdicos, mióticos e indutores de rigidez muscular,
náuseas e vómitos.

Todavia, o remifentanil apresenta propriedades farmacocinéticas muito


distintas das dos restantes fármacos da família do fentanil. De facto, o
remifentanil é rapidamente biotransformado pelas colinesterases não-
específicas dos tecidos, apresentando uma redistribuição minor. Deste
modo, este fármaco é rapidamente depurado, não produz metabolitos
com actividade significativa, não sofre acumulação (mesmo após uma
perfusão longa) e os seus efeitos são independentes dos órgãos
excretores.

Estas propriedades permitem que, quando o remifentanil é administrado


por via intra-venosa, ocorra uma rápida variação da intensidade da
analgesia, bem como uma rápida cessação de efeitos. Estas alterações
ocorrem tão rapidamente que, se não forem tomadas as devidas
precauções, o doente passa subitamente do estado de analgesia e
inconsciência profunda para o de sensibilidade e consciência normal.

Agonistas parciais dos receptores opiáceos

Buprenorfina
A buprenorfina é um agonista parcial dos receptores μ, sendo
praticamente desprovida de acções sobre os receptores κ. Este fármaco
apresenta uma afinidade relativamente alta e uma boa capacidade
analgésica. Todavia, a buprenorfina também induz depressão
respiratória que, embora raramente atinja níveis críticos na prática
clínica, é de difícil reversão. De facto, não é conhecido nenhum
antagonista específico para este fármaco, e a naloxona, mesmo em
doses muito altas, apenas consegue uma reversão muito parcial.

Para além disso, a buprenorfina actua ao nível do aparelho


cardiovascular, induzindo uma ligeira redução da frequência cardíaca,
da pressão sistólica e da pressão diastólica.

A buprenorfina liga-se de forma muito estável aos seus receptores, de


tal modo que a sua dissociação dos receptores ocorre de modo lento.
Ora, isso contribui para que a síndrome de privação deste fármaco seja
relativamente pouco exuberante. De facto, a síndrome de abstinência
desenvolve-se quando, após a remoção abrupta do agonista opiáceo,
as células continuam a comportar-se como se ele lá estivesse. Por
outras palavras, os opiáceos induzem alterações celulares adaptativas
e, quando estes fármacos são removidos, existe um desfasamento
entre o momento de remoção do fármaco e o retorno das células
alteradas a um perfil “normal” – esse tempo em que “as células se
habituam a viver sem o fármaco” traduz-se pela síndrome de
abstinência. Ora, quando a dissociação do complexo fármaco-receptor
ocorre lentamente (tal como acontece com a buprenorfina), a velocidade
de recuperação não

é tão diferente da do desaparecimento do opiáceo, o que se manifesta


através de uma privação menos exuberante. Assim, a buprenorfina é
cada vez mais utilizada num contexto de desintoxicação por opióides.

De referir que a buprenorfina é frequentemente administrada por via


sublingual, com o objectivo de evitar a intensa biotransformação à qual
é submetida na primeira passagem.

Tramadol
O tramadol é um pró-fármaco do O-desmetiltramadol, um metabolito
com efeito agonista parcial dos receptores opiáceos. A conversão do
tramadol em O-desmetiltramadol ocorre ao nível do fígado, sendo
mediada pela CYP2D6. Em termos centrais, o O-desmetiltramadol
exerce os seus efeitos analgésicos através de três mecanismos.

1. Acção agonista parcial dos receptores μ

2. Inibição da recaptação neuronal de serotonina (estimulação da


via inibitória descendente espinal): O O-desmetiltramadol bloqueia
a recaptação neuronal de serotonina, estimulando a libertação pré-
sináptica de serotonina. Este mecanismo permite a estimulação da
via inibitória descendente espinal, que contribui para o efeito
analgésico do O-desmetiltramadol.

3. Inibição da recaptação neuronal de noradrenalina: O O-


desmetiltramadol bloqueia a recaptação

neuronal de noradrenalina, permitindo que uma maior quantidade de


noradrenalina esteja disponível no sistema nervoso central. A nível
central, a noradrenalina actua em receptores α2, induzindo um efeito
analgésico.

Este triplo mecanismo de acção leva a que o efeito analgésico do


tramadol seja apenas parcialmente antagonizado pela naloxona.

O tramadol é eficaz contra as dores agudas, embora o seu uso possa


causar cefaleias, zumbidos, sonolência, náusea e vómitos (sobretudo,
se este fármaco for administrado por via intra-venosa). Para além disso,
o tramadol é eficaz em situações de dor crónica, apresentando a
vantagem de não causar obstipação. Nos doentes neoplásicos com
dores, é necessário fazer uma “escalada terapêutica” de analgésicos
(ou seja, ir aumentando progressivamente a intensidade dos
analgésicos administrados), sendo que, nessas situações, o tramadol
deve ser administrado antes dos opióides tradicionais.

De referir que, o tramadol não deve ser administrado a doentes


epilépticos, nem a doentes que estejam a tomar anti-coagulantes
cumarínicos ou medicação que diminua o limiar para as convulsões.
Apesar disso, sabe-se que este fármaco apresenta um potencial
desprezível para gerar dependência.

Tapentadol
O tapentadol é um analgésico com modesta afinidade para os
receptores opióides μ. Este fármaco inibe significativamente a
recaptação neuronal de noradrenalina, de tal modo que os seus efeitos
analgésicos são apenas ligeiramente inibidos pela naloxona, mas
fortemente inibidos por um antagonista adrenérgico α2. De referir que,
comparativamente ao tramadol, o tapentadol estabelece ligações mais
fortes com o transportador de noradrenalina, mas ligações mais fracas
com o transportador de serotonina.

Agonistas-antagonistas mistos dos receptores


opiáceos

Pentazocina
A pentazocina é um agonista dos receptores κ e σ, e um antagonista
dos receptores μ. No passado, este fármaco foi amplamente usado
como analgésico, devido à sua eficácia e por poder ser administrável
por via oral. Para além disso, a pentazocina causa apenas depressão
respiratória limitada e apresenta pouca capacidade de provocar
dependência. Todavia, actualmente, o interesse clínico na pentazocina
é deveras reduzido, na medida em que este fármaco origina vários
fenómenos disforizantes, que incluem alucinações, sensação de morte
iminente e despersonalização.

Até aos 30 mg, a pentazocina induz depressão respiratória de igual


intensidade à da dose equipotente de morfina. Contudo, em doses
superiores, esta relação deixa de se verificar, de tal modo que a
pentazocina passa a induzir depressão respiratória com intensidade
inferior à da dose equipotente de morfina. A depressão respiratória
causada pela pentazocina atinge o seu valor máximo com 60 mg desse
fármaco – a administração de doses superiores de pentazocina não
causa aumentos ulteriores da depressão respiratória (efeito de tecto).
Todavia, quando administrada em associação com outros depressores
centrais, em certas doenças, ou indivíduos mais sensíveis, a
pentazocina pode levar ao desenvolvimento de hipoventilação grave, ou
até apneia, revertível pela naloxona.

A pentazocina induz ainda estimulação simpática, que se manifesta


através do desenvolvimento de taquicardia e hipertensão. Deste modo,
este fármaco não deve ser administrado a doentes com enfarte do
miocárdio, com aumento da pressão endodiastólica do ventrículo
esquerdo ou com aumento da pressão intra-craniana.

A pentazocina não reverte a depressão respiratória causada pelos


agonistas totais dos receptores dos opiáceos, mas pode desencadear
síndrome de abstinência em indivíduos com consumo regular destes
agonistas. Para além disso, a pentazocina é considerada um
estupefaciente, na medida em que apresenta capacidade de provocar
dependência (embora esta seja reduzida).

Antagonistas dos receptores opiáceos


Os agonistas parciais (sobretudo com baixa actividade intrínseca μ) e
os antagonistas puros dos receptores opiáceos são capazes de desligar
os receptores (ou neles impedir a fixação) dos agonistas totais. Assim,
em termos clínicos, estes fármacos são utilizados para reverter a
depressão respiratória resultante do uso dos agonistas totais.

Para além disso, estes antagonistas são capazes de reverter os efeitos


analgésicos e a dependência física induzida pelos agonistas dos
receptores opiáceos. Ao impedirem a ligação dos agonistas totais aos
seus receptores, os agonistas parciais e os antagonistas podem
desencadear, abruptamente, síndrome de abstinência (pois ocorre
remoção rápida do agonista, que não permite a adaptação celular).
No que concerne aos seus efeitos, os agonistas parciais são distintos
dos antagonistas puros. De facto, os antagonistas puros são capazes
de anular os efeitos dos agonistas totais, enquanto os agonistas
parciais limitam-se a substituir efeitos intensos quase-máximos, por
efeitos parecidos mas menos intensos.

Os antagonistas puros apresentam maior segurança que os agonistas


parciais, motivo pelo qual, praticamente, apenas os primeiros são
utilizados como antagonistas dos opiáceos. De entre os vários
antagonistas puros, destaque para a naloxona, naltrexona, e nalmefene.

Naloxona
A naloxona é um antagonista competitivo dos receptores μ, δ e κ. Este
fármaco é mais eficaz como antagonista dos receptores μ, e não exerce
acção antagonista em relação a todos os efeitos resultantes da
activação dos receptores σ.

Caso seja administrada na ausência da agonista, a naloxona


praticamente não exerce qualquer efeito, podendo apenas causar uma
ligeira sonolência se for administrada em doses muito elevadas.

Quando administrada por via intra-venosa, a naloxona apresenta um


curto tempo de latência. Para além disso, os seus efeitos apresentam
uma duração muito inferior à da maioria dos agonistas. Isto significa
que, apesar de ser capaz de reverter rapidamente uma situação de
depressão respiratória grave induzida pela morfina ou pela heroína, a
naloxona exerce efeitos de tal modo transitórios, que a depressão
respiratória pode voltar a ser despoletada (ou seja, a naloxona
apresenta um efeito tão curto que, após passar o seu efeito, ainda se
encontra agonista no organismo, o que leva à reinstalação de
depressão respiratória). Assim, para evitar este desfasamento, a
naloxona deve ser administrada em doses repetidas, em infusão
contínua ou por via intra-muscular.

Como referido, a naloxona reverte a depressão respiratória causada


pelos opiáceos, induzindo um despertar súbito e, por vezes,
acompanhado de ansiedade, hipertensão, taquicardia, hiperventilação e
(mais raramente) arritmias ventriculares e edema agudo do pulmão.
Ora, estes efeitos devem-se à libertação central de catecolaminas
associada ao despertar súbito.

Em indivíduos com consumo regular de opiáceos, a naloxona


desencadeia abruptamente síndrome de abstinência. Contudo, existe
um intervalo entre a concentração de naloxona que repõe níveis
satisfatórios de ventilação e a concentração que antagoniza a analgesia
e a síndrome de privação.

A naloxona pode ser administrada imediatamente antes do parto, ou na


veia-umbilical do recém-nascido, caso exista possibilidade de
depressão do recém-nascido por opiáceos tomados pela mãe. Para
além disso, este fármaco pode ainda ser utilizado no diagnóstico
diferencial da depressão respiratória de doentes que se apresentem em
coma - caso a administração repetida de naloxona por via intra-venosa
não induza qualquer efeito, significa que o coma não tem origem
opiácea.

Em termos farmacocinéticos, a naloxona apresenta baixa eficácia,


quando administrada por via oral, devendo ser administrada por via
intra-venosa ou intra-muscular. Este fármaco é metabolizado por
glicurono-conjugação, sendo que este processo de metabolização não
requer a presença das enzimas microssomias hepáticas – ora, isto
permite que a naloxona seja administrada a indivíduos com insuficiência
hepática. A depuração plasmática da naloxona é muito elevada, sendo
inclusive superior ao fluxo sanguíneo hepático. Ora, isto sugere que o
metabolismo hepático não é a única via de eliminação deste fármaco.

Naltrexona
A
naltrexona é um antagonista puro dos opiáceos. Este fármaco é
absorvido por via oral, mas sofre um intenso efeito de primeira
passagem. Em termos terapêuticos, a naltrexona é utilizada no
tratamento da toxicodependência. Este fármaco apresenta uma longa
duração de acção, de tal modo que não devem ser administradas doses
muito elevadas deste fármaco.

Nalmefene
O nalmefene é um derivado da naltrexona, que apenas pode ser
administrado por via intra-venosa. Este fármaco é utilizado na
terapêutica da overdose de opióides, apresentando um maior período
de semi-vida que a naloxona.

Metilnaltrexona e alvimopan
A metilnaltrexona e o alvimopan são antagonistas dos receptores μ
periféricos, que não atravessam a barreira hemato-encefálica. Assim,
estes dois fármacos são capazes de reverter os efeitos periféricos dos
opióides, mas não os seus efeitos analgésicos centrais. Deste modo, a
metilnaltrexona e o alvimopan são utilizados no alívio da obstipação
causada pelos opióides. De referir que, devido à sua potencial
toxicidade cardiovascular, o uso do alvimopan encontra-se restrito a
pacientes hospitalizados por curtos períodos de tempo.
Cannabis e canabinóides
Os canabinóides são substâncias com efeitos analgésicos,
apresentando, por isso, interesse terapêutico, nomeadamente no que
concerne à supressão de dores insensíveis aos opiáceos (tais como a
dor neuropática e certas dores das fases terminais do cancro).

De acordo com a sua origem, os canabinóides são divididos em três


classes:

1. Endocanabinóides: Existem no organismo humano, tanto no


sistema nervoso central como à periferia

2. Fitocanabinóides: Originários das plantas

3. Canabinóides sintéticos

Cannabis
A cannabis é consumida pelos seus efeitos psicotrópicos, analgésicos e
orexinérgicos (estimuladores do apetite), os quais se devem, sobretudo,
à acção do fitocanabinóide delta-9-tetra-hidrocanabinol ( 9-THC). Em
termos genéricos, existem três formas principais de consumo de
cannabis, nomeadamente:

1. Sob a forma de marijuana (fumo das folhas secas da planta) –


contém cerca de 10-15% de 9-THC.

2. Sob a forma de haxixe – O haxixe é uma resina contendo folhas


de cannabis e um solvente alcoólico.

3. Sob a forma de óleo de Cannabis – Este óleo é muito rico em 9-


THC e, por isso, constitui a forma de consumo mais propensa a
gerar dependência.

Em linguagem corrente, o termo cannabis diz respeito aos extractos da


planta Cannabis sativa. Para além de conter 9-THC, a Cannabis sativa
é muito rica num vasto conjunto de outros canabinóides e de outras
substâncias activas no organismo humano, algumas das quais
antagonizam, inclusive, os efeitos do 9-THC – a título de exemplo,
algumas das substâncias presentes na cannabis antagonizam o efeito
nefasto do 9-THC na cognição.

O facto da Cannabis sativa conter muitas outras substâncias para além


do 9-THC leva a que os defensores da sua utilização refiram que os
seus efeitos in vivo não correspondem à soma dos efeitos in vitro de
cada um dos canabinóides anteriormente referidos.

Para além da Cannabis sativa, existem outras espécies pertencentes à


família das Cannabaceae que também são utilizadas pelo Homem – a
título de exemplo, a Cannabis indica é uma planta muito fibrosa, a
partir do qual se obtém o cânhamo, que é utilizado na indústria dos
móveis e do vestuário. Todavia, contrariamente à Cannabis sativa, a
Cannabis indica contém uma quantidade muito reduzida de 9-THC e,
consequentemente, não possui efeitos psicotrópicos.

Efeitos centrais
Ao nível do sistema nervoso central, a cannabis induz uma sensação de
relaxamento e bem-estar, que os utilizadores descrevem como sendo
“semelhante à causada pelo etanol, mas sem a componente da
agressividade”. Para além disso, a cannabis tem efeitos analgésicos,
sendo que o 9-THC potencia a acção analgésica dos opiáceos.

A cannabis provoca ainda alterações da percepção – de facto, os


consumidores de cannabis descrevem que, após consumo desta
substância, o “mundo parece mais intenso” (por exemplo, as cores
parecem mais brilhantes e os odores mais fortes).

Em termos metabólicos, a cannabis induz um aumento pronunciado do


apetite. Para além disso, esta substância tem importantes efeitos anti-
eméticos.

Todavia, a cannabis também acarreta vários efeitos deletérios,


nomeadamente, ao nível da memória (sobretudo a curto prazo),
aprendizagem, cognição e motricidade (sabe-se que a cannabis induz
catalepsia, ou seja, rigidez muscular). O consumo de cannabis pode
ainda induzir síndrome amotivacional, um quadro depressivo
caracterizado pelo isolamento social e diminuição da motivação do
jovem.

Para além disso, sabe-se que o consumo de cannabis está associado a


um aumento do risco de surtos psicóticos e de desenvolvimento de
esquizofrenia. Esses surtos psicóticos envolvem, na maior parte das
vezes, delírio psicótico, risco de despersonalização e, mais raramente,
alucinações. Para além disso, no início do consumo de cannabis, é
frequente registarem-se estados de pânico, associados a um aumento
significativo da ansiedade.

De entre os grupos em maior risco para o desenvolvimento de surtos


psicóticos, destaque para os adolescentes e para os indivíduos com
familiares com doença mental. Para além disso, o consumo de cannabis
agrava o prognóstico dos doentes esquizofrénicos. De referir que,
actualmente, pensa-se que o risco de surtos psicóticos se correlaciona
com o modo como é cultivada a Cannabis sativa – na presença de
maior exposição luminosa, esta planta produz mais 9-THC, o que
aumenta o risco de surtos psicóticos.

Por fim, o uso de cannabis pode induzir dependência, embora ainda se


desconheça qual o potencial para o seu desenvolvimento entre os
consumidores de cannabis sob controlo médico. Pensa-se que, tal como
acontece como os opiáceos, o risco de desenvolver dependência é mais
reduzido em doentes com dores sensíveis à cannabis.

Efeitos periféricos
Ao nível periférico, a cannabis induz taquicardia e vasodilatação,
sobretudo ao nível da esclerótica e conjuntiva (o que confere o aspecto
característico de “olhos vermelhos”). Para além disso, a cannabis
promove uma diminuição da pressão intra-ocular, de tal modo que
alguns canabinóides sintéticos estão a ser desenvolvidos com fins
oftalmológicos.

A cannabis apresenta um efeito broncodilatador, que à primeira vista


parece ser benéfico em indivíduos asmáticos. Contudo, os “charros”
contêm não só canabinóides, mas também tabaco e outras substâncias
carcinogénicas e irritativas do tracto respiratório, de tal modo que o
consumo de cannabis por essa via acaba por agravar a asma e outras
patologias respiratórias.

Sistema canabinóide endógeno


Nas vias neuronais humanas, existe um sistema canabinóide, o qual
difere muito dos sistemas clássicos de neurotransmissores por três
motivos:

1. Os endocanabinóides actuam de forma retrógrada – De facto, os


endocanabinóides são sintetizados nos neurónios pós-sinápticos
e, após serem lançados na fenda sináptica, actuam nos neurónios
pré-sinápticos.

2. Os endocanabinóides são apenas sintetizados on demand


(quando estritamente necessário), de tal modo que estas
substâncias não são armazenadas.

3. As vias endocanabinóides apresentam uma função geralmente


inibidora, frenando a actividade dos neurónios pré-sinápticos.

Os endocanabinóides
endógenos incluem a
anandamida e o 2-
araquidonoglicerol
(2-AG). Como referido
anteriormente, estas

substâncias apenas
são produzidas quando
estritamente

necessário,
nomeadamente
quando há uma
activação
excessiva das vias
glutamatérgicas.

Assim, em termos
moleculares, aquando
de uma grande

activação de vias
glutamatérgicas,
ocorre um aumento
dos níveis de cálcio.
Por conseguinte, esse
aumento promove a
síntese de
endocanabinóides, na
qual participam muitas
enzimas intervenientes
na síntese de

fosfolipídeos membranares. Tendo em conta a sua via de síntese, torna-


se fácil compreender porque é que os canabinóides são compostos
altamente lipofílicos.

Após serem sintetizados, os endocanabinóides são libertados, actuando


ao nível do neurónio pré-sináptico com o objectivo de frenar a sua
actividade. Esse papel é possível, graças à actividade dos
endocanabinóides sobre duas grandes classes de receptores:

1. Receptores CB1: Estes são receptores os receptores acoplados


a proteína G existentes em maior densidade no cérebro humano.
Ao nível do sistema nervoso central, estes receptores têm uma
expressão particularmente notável ao nível do hipocampo,
gânglios da base, cerebelo, substância cinzenta peri-aquedutal,
bolbo rostral ventromedial, lâminas superficiais

dos cornos posteriores da espinal medula e neurónios aferentes


primários. Isto é, os receptores Cb1 são particularmente
expressos nas áreas cerebrais relacionadas com o movimento,
humor, regulação da temperatura, prazer e sistema de
recompensa.
Para além disso, estes receptores existem à periferia, embora em
menor quantidade.

2. Receptores CB2: Ao nível periférico, estes receptores abundam


nas células do sistema imunitário, desempenhando um papel
particularmente importante na redução da hiperalgesia do
processo inflamatório. Para além disso, ao nível central, estes
receptores parecem desempenhar importantes funções nas
células de glia, sendo particularmente relevantes para prevenir o
desenvolvimento de gliomas.

Ao actuarem nestes receptores, os canabinóides podem activar


diversos mecanismos de transdução de sinal. Todavia, o mecanismo
mais comum passa pela activação da proteína Gi com subsequente
inibição da adeníl cíclase. De referir que tanto a anandamida como o 2-
AG têm capacidade de ligação aos dois tipos de receptores
supracitados, embora a anandamida apresente maior afinidade para os
receptores Cb1. Para além disso, esta substância também actua nos
receptores dos vanilóides, nomeadamente no receptor TRPV1.

O metabolismo dos endocanabinóides é operado pela hidrólase FAA. A


inibição desta enzima poderia aumentar o efeito da anandamida, o que
poderia potenciar o efeito analgésico dos endocanabinóides.

Fitocanabinóides

Como anteriormente referido, o 9-THC é o fitocanabinóide mais


importante, encontrando-se presente no sativex (extracto de cannabis
usado na terapia da dor neuropática tamb+em designado por
nabiximol). Tal como os endocanabinóides e como outros
fitocanabinóides, o 9-THC liga-se aos receptores Cb1 e Cb2, tanto ao
nível do sistema nervoso central como ao nível da periferia.

Em termos farmacocinéticos, o 9-THC, tal como os restantes


canabinóides, é altamente lipofílico, sofrendo um importante fenómeno
de redistribuição. Isto explica porque é que, mesmo passadas 3-4
semanas após o consumo de cannabis, são obtidos valores positivos
com o teste de detecção do 9-THC.

De entre os fitocanabinóides, destaque ainda para o canabidiol, um


inibidor dos receptores canabinóides e 5-hidroxitriptaminérgicos. Este
fármaco apresenta um efeito anorexiante e imunomodulador, diminuindo
a progressão da aterosclerose e aumentando a diferenciação dos
adipócitos. Para além disso, o canabidiol apresenta um baixo rol de
efeitos laterais. Apesar disso, este fármaco apresenta fraca afinidade
aos receptores canabinóides, de tal modo que apenas poderá ser usado
como terapia adjuvante.

Por fim, em termos históricos, convém referir a importância do


canabinol. Apesar de ter sido a primeira substância isolada a partir da
Cannabis sativa, o canabinol não é agonista dos receptores Cb1 nem
Cb2.

Canabinóides sintéticos e uso terapêutico


Em termos clínicos, estabeleceu-se a necessidade de desenvolver
análogos sintéticos do 9-THC, que partilhem das acções analgésicas da
cannabis, mas que sejam desprovidos das suas acções adversas. De
facto, nos ensaios clínicos realizados com objectivo de averiguar a
utilidade clínica do 9-THC, foram obtidos resultados decepcionantes –
quando administrados isoladamente, os canabinóides parecem ser
ineficazes na analgesia das dores intensas, embora ajudem a reduzir
significativamente as doses analgésicas de opiáceos.

Estes fracos resultados podem resultar de questões farmacocinéticas


relacionadas com a via de aplicação destas substâncias. A via pulmonar
parece ser a mais eficaz, mas a absorção através do fumo de cannabis
é muito errática. Outro entrave à utilização terapêutica de canabinóides
prende-se com o facto de existir apenas uma reduzida margem de
segurança entre a analgesia e os efeitos deletérios destas substâncias
(pânico, psicoses, exacerbação de doenças mentais existentes, risco
aumentado de suicídio, taquicardia e hipertensão).
Assim, apesar de todo o seu potencial terapêutico, os canabinóides têm
um papel muito limitado na prática clínica. De facto, na prática clínica,
praticamente apenas são utilizados dois canabinóides sintéticos – o
nabilone e o rimonabant.

Nabilone

O nabilone é um análogo sintético do 9-THC, sendo utilizado em alguns


países para o tratamento da dor neuropática e como anti-emético.

Rimonabant
O rimonabant (SR141716) é um agonista inverso dos receptores Cb1,
que foi desenvolvido como supressor do apetite (note-se que a cannabis
aumenta o apetite). Os ensaios clínicos do rimonabant mostraram
resultados muito positivos, nomeadamente:

1. Diminuição do peso de forma progressiva e manutenção de baixo


peso.

2. Melhoria do perfil lipídico, com aumento das HDL, diminuição das


LDL e diminuição da resistência à insulina.

3. Aumento da motivação para deixar de fumar.

Todavia, apesar da sua eficácia, este fármaco comporta importantes


efeitos adversos. De facto, registou-se uma grande taxa de suicídios
entre os indivíduos que usaram rimonabant, algo passível de ser
explicado pela grande quantidade de funções atribuídas ao receptor
Cb1, nomeadamente na regulação do humor. De referir que, apesar dos
seus efeitos adversos, o rimonabant ainda é usado em alguns países,
no tratamento de situações muito graves de síndrome metabólico ou
doença cardiovascular.

Assim, em termos científicos, o grande desafio prende-se com o


desenvolvimento de agonistas e antagonistas dos receptores Cb1 que
não atravessem a barreira hemato-encefálica e que apenas actuem em
tecidos periféricos (como o tecido adiposo).
Outros canabinóides sintéticos em estudo
Actualmente, estão a ser desenvolvidos e estudados diversos
canabinóides sintéticos, nos quais se incluem:

1. CP 47,497 – Agonista dos receptores canabinóides com efeitos


analgésicos.

2. HU-210 – Agonista dos receptores canabinóides que previne a


inflamação associada à doença de Alzheimer e apresenta efeitos
analgésicos.

3. JWH-018

4. JWH-250
Etanol
O etanol é um álcool com baixo peso molecular e altamente
hidrossolúvel, que se difunde rapidamente através das membranas
biológicas (numa hora, cerca de 95% do etanol sofre absorção). De
facto, o tempo de esvaziamento gástrico constitui o principal factor
limitante da velocidade de absorção, de tal modo que esta diminui
aquando da presença de alimentos, mas aumenta em jejum ou em
situações de gastrectomias extensas.

O etanol distribui-se para todos os tecidos do organismo por difusão


simples, atingindo aí uma concentração proporcional à concentração de
água desses tecidos. Isto leva a que na mulher, onde a percentagem de
água corporal é menor que no homem, sejam atingidas maiores
concentrações tecidulares de etanol para uma mesma dose.

A velocidade de distribuição é dependente do volume sanguíneo, sendo


superior para os órgãos com maior irrigação (tais como o encéfalo, onde
se atingem concentrações em equilíbrio com o sangue passados 10
minutos após administração oral de etanol).

O etanol absorvido é maioritariamente metabolizado no fígado, de tal


modo que a excreção activa desta substância pelo rim e pulmão tem
muito pouca importância (de qualquer forma, os níveis sanguíneos de
etanol podem ser estimados a partir do doseamento no ar expirado,
onde se atingem 0,05% das concentrações existentes no sangue).

A principal via de metabolização hepática envolve a desidrogénase


alcoólica, uma enzima citoplasmática que catalisa a oxidação do etanol
em aldeído acético. De referir que, esta reacção requer a concomitante
redução do NAD em NADH:

A remoção do etanol processa-se a velocidade constante e


independentemente das concentrações do substrato. Pensa-se que isso
se deve, não a uma baixa capacidade da desidrogénase alcoólica, mas
a uma rápida saturação do processo de regeneração do NAD+ a partir
do NADH. De referir que, a desidrogénase alcoólica é selectivamente
inibida pelo fomepizole, que pode ser utilizado na intoxicação aguda
por metanol.

A oxidação do etanol pode ainda ocorrer ao nível do retículo


endoplasmático, sendo mediada pelas enzimas do sistema microssomal
hepático (envolvendo enzimas da família do citocromo P450). De facto,
sabe-se que o etanol induz proliferação do retículo endoplasmático, o
que contribui para o desenvolvimento de tolerância ao etanol e para a
génese de interacções farmacológicas. De facto, os alcoólicos crónicos
podem ficar mais vulneráveis às acções deletérias de muitos fármacos
que são metabolizados em compostos mais tóxicos, por parte das
enzimas microssomias hepáticas (tais como o CYP2E1).

O aldeído acético é, seguidamente, convertido em ácido acético (o


qual é subsequentemente oxidado em CO2 e água no ciclo de Krebs)
por parte da desidrogénase dos aldeídos:

Esta reacção processa-se ao nível das mitocôndrias e ocorre muito


rapidamente. Isto leva a que, na maior parte das vezes, as acções de
aldeído acético passem despercebidas. Todavia, caso ocorra inibição da
desidrogénase dos aldeídos, e acumulação do aldeído acético (algo que
é potenciado pelo dissulfiram), estabelece-se um quadro de rubor
facial, náuseas, hipotensão e vómitos.

De facto, o aldeído acético é uma substância muito reactiva, de tal


modo que, se não for rapidamente oxidado, pode originar compostos
com vincada acção tóxica ou farmacológica – de entre esses
compostos, destaque para as tetra-hidroisoquinoleínas (THIQ) e para
as β-carbolinas, que derivam, respectivamente, da conjugação do
aldeído acético com as catecolaminas e com as indoleaminas.

Acções sobre o sistema nervoso central

Acções agudas
No que concerne às suas acções agudas, em elevadas doses (cerca de
400 mg/100 mL), o etanol pode induzir sedação (que pode levar à
génese de coma). De facto, concentrações próximas de 600 mg/100 mL
provocam depressão respiratória – este fenómeno é o principal
responsável pela mortalidade associada à intoxicação aguda.

Em situações de coma alcoólico, pode se tentar usar analépticos,


embora estes fármacos tenham uma acção fugaz, podendo provocar
convulsões. Por outro lado, sabe-se que a frutose acelera a
biotransformação do etanol – todavia a administração de doses
elevadas de frutose por via intra-venosa revela utilidade clínica
duvidosa.

Sabe-se ainda que a naloxona reverte o coma provocado pelo etanol


em cerca de 20% dos doentes. Ora, a naloxona é um agonista
competitivo dos receptores opiáceos sem actividade estimulante própria
do centro respiratório, o que sugere que os efeitos do etanol no centro
respiratório possam se dever à activação de receptores do sistema
opiáceo endógeno. De facto, especula-se que o etanol provoque
libertação de peptídeos opiáceos endógenos, ou que alguns dos
metabolitos do etanol sejam agonistas dos receptores dos opiáceos.

Já em doses mais baixas (50-150 mg/100 mL), esta substância induz


hiperactividade motora e um aumento do fluxo verbal, embora isto seja
acompanhado por um aumento da frequência de erros, devido a uma
diminuição do grau correlação entre o que o indivíduo é capaz de fazer
e o que julga poder executar. Ora, estes efeitos parecem dever-se a
acções directas sobre o córtex ou à frenação de estruturas subcorticais.

Para além disso, o etanol pode causar maior labilidade emocional e


desatenção crescente para os estímulos do meio exterior. De facto,
doses crescentes de etanol correlacionam-se com uma progressão da
sedação para hipnose e, subsequente, coma – isto pode se dever
parcialmente a uma inactivação precoce da substância reticular
mesencefálica. Por fim, a embriaguez caracteriza-se por ataxia, que
poderá ser parcialmente devida a uma inibição das células de Purkinje,
bem como a uma acção do etanol no sistema vestibular.

Acções crónicas
Em termos crónicos, o etanol pode induzir dependência física. Apesar
da grande variabilidade individual existente, sabe-se que o tempo
mínimo de consumo elevado de bebidas alcoólicas para que se instale
dependência física ronda os dois anos, embora o mais normal seja a
instalação de dependência em cinco anos. Para além disso, o consumo
crónico de etanol pode induzir psíquica e tolerância. De facto, a
supressão ou diminuição abrupta do consumo de álcool pode levar à
génese de síndroma de abstinência ou, em casos mais graves, delirium
tremens e crises convulsivas.

A síndrome de abstinência tradicional pode evoluir para um quadro de


delirium tremens, o qual se desenvolve mais tardiamente (72-96 horas
após interrupção do consumo de etanol) e se caracteriza pela
ocorrência de trémulo, sudação, rubor facial, taquicardia, náusea e
vómitos.

Alternativamente, a suspensão de etanol em indivíduos dependentes


pode provocar crises convulsivas generalizadas, as quais também
podem evoluir (e, com maior probabilidade) para delirium tremens.
Sabe-se que os indivíduos epilépticos têm maior propensão para
desenvolver convulsões.

O uso de fármacos na síndrome de abstinência tradicional deve ser feito


de modo cauteloso, devendo apenas se recorrer a estes fármacos,
quando se pretende aliviar o desconforto desta síndrome ou evitar o
desenvolvimento de convulsões ou delirium tremens. De entre os
fármacos mais utilizados nessas situações, destaque paras
benzodiazepinas, que tranquilizam o doente, induzem sono e reduzem
o risco de delirium tremens, sem que isso implique uma depressão do
estado de consciência.

Por outro lado, os neurolépticos também podem ser utilizados na


síndrome de abstinência, com o objectivo de reduzir a inquietação em
doentes agitados. Todavia, a promazina não deve ser utilizada, pois já
ocorreram casos de delirium tremens e convulsões na sequência da
administração deste fármaco.

De referir que, em indivíduos sem história prévia de convulsões ou


epilepsia, a administração profilática de anti-epilépticos revela-se inútil
sob o ponto de vista clínico.
Em indivíduos com delirium tremens, pode-se administrar diazepam
para reverter esses efeitos – o diazepam elimina a agitação, mantendo
o doente calmo (mas acordado). Este fármaco pode ser administrado
por via intra-venosa ou rectal.

Sabe-se que os alcoólicos crónicos desenvolvem tolerância para


algumas alterações do comportamento e coordenação motora (ou seja,
mesmo com elevadas concentrações sanguíneas de etanol, continuam
a executar correctamente funções intelectuais e motoras), sendo que
isto é parcialmente explicado pelos fenómenos de indução enzimática e
depressão da resposta do sistema nervoso central. Apesar disso, a
dose letal de etanol é similar no alcoólico crónico e no não-bebedor.

Doenças carenciais associadas ao alcoolismo crónico

A ingestão crónica de etanol está associada ao desenvolvimento de


várias carências alimentares e vitaminosas. A hipovitaminose por
tiamina (vitamina B1) está associada ao desenvolvimento de várias
complicações, de entre as quais se destacam a doença de Wernicke –
situação devida a necrose mesencefálica, cerebelosa e diencefálica,
caracterizada pela ocorrência de alterações dos movimentos oculares,
ataxia, apatia, confusão mental, a desintegração da memória de
retenção (psicose de Korsakoff). De referir que, a instalação súbita de
síndroma de Wernicke pode acontecer na sequência da administração
intra-venosa de glicose em indivíduos alcoólicos crónicos
hipoglicémicos (pensa-se que a tiamina seja uma coenzima de várias
fases do metabolismo glicídico) – assim, sempre que, em indivíduos
alcoólicos, for necessário administrar glicose sob a forma parentérica,
deve-se administrar simultaneamente tiamina.

Assim, muitos problemas associados ao alcoolismo devem-se


totalmente ou parcialmente a carências nutritivas ou vitamínicas. Isto
torna mais difícil distinguir os efeitos mediados por acção directa do
etanol, daqueles que resultam de carências nutricionais secundárias a
uma ingestão excessiva dessa substância. De qualquer modo, pensa-se
que as carências alimentares contribuem para o desenvolvimento de
desmielinização do corpo caloso (doença de Marchiafava-Bignami),
mielinólise centro-pôntica, atrofia cerebral ligada ao álcool,
polineuropatia alcoólica e nevrite óptica retro-bulbar (embora o etanol
também desempenhe um importante efeito na patogenia destes
quadros).

Acções hepáticas e metabólicas

O consumo crónico de etanol está associado ao desenvolvimento de


esteatose, hepatite e cirrose. A esteatose ocorre, principalmente, por
substituição dos ácidos gordos pelo etanol como substrato normal das
enzimas mitocondriais hepáticas. Este efeito é, normalmente, benigno e
reversível após interrupção do fármaco. De facto, não se considera a
esteatose como um factor percursor preponderante das formas mais
graves de doença hepática (embora, em situações excepcionais, a
esteatose possa induzir lesões irreversíveis).

A hepatite alcoólica caracteriza-se por necrose hepática e infiltrado


inflamatório, sobretudo próximo das veias centro-lobulares. Em alguns
casos, a hepatite pode evoluir para cirrose, casso essas áreas
necróticas sejam substituídas por fibrose, deixando nódulos isolados de
células sobreviventes. De referir que, o etanol é directamente
responsável (pelo menos parcialmente, pela passagem de hepatite para
cirrose).

Em termos metabólicos, o etanol inibe a gliconeogénese. Assim,


aquando de um consumo elevado de etanol em situações de
hipoglicemia (tais como jejum prolongado), podem ocorrer reduções
graves das concentrações sanguíneas da glicose, algo que pode induzir
alterações do comportamento ou da consciência. Caso não se proceda
a uma administração precoce de glicose, este fenómeno de
hipoglicemia pode resultar na génese de lesões irreversíveis de
neutroglicopenia.

Acções cardiovasculares

O consumo agudo excessivo de etanol apresenta poucas acções ao


nível da função cardíaca, embora estejam descritas algumas arritmias
ventriculares e supra-ventriculares (nomeadamente fibrilação auricular)
secundárias a um consumo abusivo de álcool. Essas arritmias revertem
com a simples interrupção do consumo de etanol, constituindo aquilo
que se designa por “síndrome cardíaca dos dias feriados”. Para além
disso, em alguns indivíduos alcoólicos crónicos, a carência de tiamina
pode potenciar insuficiência cardíaca, a qual é revertida pela
administração desta vitamina. Apesar disso, abe-se que o etanol pode
induzir cardiomiopatia directa, por acção tóxica directa.

Todavia, o consumo crónico de baixas doses de etanol (cerca de 20 g


por dia) está associado a uma redução da incidência de doença
coronária (paradoxo francês).

De referir que, as acções vasculares agudas das bebidas alcoólicas não


são, na maioria dos casos, medicamente relevantes, variando
consoante o leito vascular. Isto é passível de ser explicado por acções
directas opostas do etanol e aldeído acético sobre o músculo liso
vascular e a libertação de catecolaminas.

Outros efeitos

Ao nível testicular, o etanol inibe a formação de testosterona,


acelerando a sua conversão em estrogénios. Isso pode explicar
desenvolvimento de impotência sexual e atrofia testicular que se
verificam nos indivíduos alcoólicos.

O etanol inibe ainda a libertação de hormona anti-diurética, exercendo


um efeito diurético. Por outro lado, ao nível gástrico, o etanol pode
induzir um aumento significativo da secreção gástrica, sendo causa
frequente de gastrite hemorrágica. Para além disso o etanol tem acção
emética e pode estar envolvido no desenvolvimento de pancreatites
agudas hemorrágicas, bem como de lesões pancreáticas crónicas.

Para além disso, o alcoolismo materno de longa duração e mantido


durante a gravidez pode levar à génese de síndrome alcoólico fetal –
esta situação compromete o desenvolvimento intelectual do produto da
concepção e está associada à génese de anomalias genéticas.

Adjuvantes farmacológicos do tratamento da


toxicodependência alcoólica

Dissulfiram
O dissulfiram é um adjuvante farmacológico do tratamento da
toxicodependência alcoólica, que actua por inibição da desidrogénase
aldeídica. Ao ser ingerido em simultâneo com bebidas alcoólicas, induz
uma reacção muito desagradável (caracterizada pela presença de rubor
facial, hipotensão, náusea e vómitos) associada a um hálito
desagradável a ácido acético. Deste modo, a ingestão de dissulfiram
leva a que os alcoólicos passem a sentir repulsa pela ingestão de
álcool. De referir que, o efeito do dissulfiram verifica-se, mesmo na
presença de quantidades muito reduzidas de álcool.

Naltrexona
A naltrexona é um antagonista selectivo dos receptores opiáceos,
passível de ser administrado por via oral e com uma longa duração de
acção. Sabe-se que este fármaco pode ser utilizado no tratamento da
toxicodependência alcoólica, pois reduz o desejo de beber por parte dos
alcoólicos crónicos e reduz os efeitos psicológicos euforizantes do
etanol. Isto sugere que algumas acções centrais do etanol são
mediadas por peptídeos do sistema opiáceo endógeno.

Acamprosato
O acamprosato é um adjuvante farmacológico do tratamento da
toxicodependência alcoólica, que reduz o desejo de beber e reduz a
frequência de recaídas. Em termos químicos, este fármaco é o sal de
cálcio da N-acetil-homotaurina, sendo estruturalmente similar ao GABA.
Todavia, este fármaco não partilha das acções farmacológicas do GABA
nem das benzodiazepinas. Por outro lado, o acamprosato actua sobre o
receptor NMDA do glutamato, podendo aumentar ou diminuir a
actividade do receptor NMDA. Contudo, isso não explica o mecanismo
de acção deste fármaco, na medida em que a activação do receptor
NMDA tem diferentes efeitos sobre as acções do etanol (enquanto
algumas são potenciadas, outras são inibidas). Assim, desconhece-se
ainda o mecanismo de acção do acamprosato.
Estrogénios, progestagénios e
androgénios
Estrogénios

Acções farmacológicas
Os estrogénios são responsáveis pelo desenvolvimento e maturação
do aparelho genital feminino e caracteres sexuais secundários,
mantendo-os num adequado estado de trofismo na vida adulta.

Na adolescência, os estrogénios são responsáveis por um “pico de


crescimento”. Todavia, estes também contribuem para o encerramento
das cartilagens de conjugação epifisárias e, subsequentemente, para a
paragem do crescimento no final da adolescência. Isso explica porque é
que a administração de hormonas esteróides (estrogénios, androgénios
e corticosteroides) durante o crescimento pode levar à paragem do
crescimento e ao desenvolvimento de nanismo.

Na menopausa, verifica-se uma queda abrupta dos níveis de


estrogénios, a qual é responsável pela atrofia do tracto urogenital
feminino, sendo que o epitélio vaginal fica atrofiado e menos lubrificado
e as estruturas de suporte elástico envolvendo os órgãos do sistema
urogenital enfraquecem. Ora, isto facilita o desenvolvimento de
incontinência urinária, prolapso uterino e inflamação/infecção. Assim, a
terapêutica com estrogénios não só se revela eficaz para controlar os
sintomas vasomotores, como também os sintomas genito-urinários da
menopausa.

Ao nível do útero, os estrogénios induzem proliferação das células


endometriais e das fibras musculares lisas. Caso haja défice de
estrogénios, a mucosa uterina sofre hemorragia, enquanto na presença
de sobredosagem de estrogénios, regista-se hiperplasia granulocística,
que provoca zonas de enfarte do endométrio, o que também leva à
génese de hemorragias.

Os estrogénios agravam o risco de cancro do endométrio, exercendo


um efeito pouco claro no cancro da mama. O risco de cancro do
endométrio é reduzido pela utilização de progesterona,

Os estrogénios diminuem a reabsorção óssea, sem estimularem a


concomitante formação óssea. Ora, aquando da menopausa, passa a
ocorrer uma diminuição abrupta dos níveis de estrogénios, de tal modo
que a reabsorção óssea passa a suplementar a formação óssea,
verificando-se uma perda de massa óssea (osteoporose).

Os estrogénios actuam directamente no tecido ósseo, orquestrando a


sua remodelação. Todavia, sabe-se que os estrogénios também
estimulam a hidroxilação (e consequente activação) da vitamina D.

Em doses elevadas, os estrogénios aumentam a coagulabilidade


sanguínea, promovendo um aumento dos níveis circulantes dos factores
II, VII, IX e X da coagulação, bem como do fibrinogénio. Isto explica
porque é que a terapia com estrogénios constitui um factor de risco para
o desenvolvimento de tromboembolismo.

O risco de eventos tromboembólicos é proporcional à dose de


estrogénios administrada, motivo pelo qual, tem-se procurado
administrar a dose mínima eficaz de estrogénios. De qualquer modo, o
risco de tromboembolia persiste aquando da administração dessas
doses tão reduzidas.

Quando administrados por via oral, os estrogénios sofrem um intenso


fenómeno de primeira passagem pelo fígado. Por outro lado, quando
administrados por via transdérmica, os estrogénios não sofrem um
efeito de primeira passagem, apresentando menos efeitos hepáticos e
não interferindo tão amplamente com a síntese hepática dos factores da
coagulação.

Os estrogénios induzem efeitos benéficos sobre o perfil lipídico,


promovendo um aumento dos níveis de HDL e uma ligeira redução dos
níveis de LDL e colesterol total. Alguns estudos sugerem que a
progesterona apresenta um efeito oposto.

Embora apresentem um efeito benéfico no perfil lipídico, os estrogénios


apresentam um efeito pró-trombótico e aumentam os níveis plasmáticos
de triacilglicerídeos e proteína C reactiva. Dessa forma, não se pode
afirmar claramente que os estrogénios desempenham um efeito
benéfico sobre o sistema cardiovascular (até porque os estudos sobre o
assunto têm apresentado resultados contraditórios).

Por fim, os estrogénios aumentam a síntese de algumas proteínas


transportadoras, tais como a transcortina, a sex hormone binding
globuline e a thyroxine binding globuline.

Uso terapêutico
Como referido anteriormente, os estrogénios devem ser administrados
em dose mínima eficaz, sendo que esse valor varia consoante as
mulheres – uma mulher menopáusica com ovários intactos necessita de
doses menores, por comparação com uma mulher menopáusica que
tenha sido submetida a ovariectomia. Por outro lado, uma mulher com
útero intacto deverá fazer ciclos de progestagénios para reduzir o risco
de cancro do endométrio, algo que não será necessário numa mulher
submetida a histerectomia.

Assim, as principais indicações terapêuticas para o uso de estrogénios


incluem:

• Hipogonadismo primário

• Vaginites atróficas e fogachos da menopausa

• Osteoporose pós-menopausa

• Acne grave (existem alternativas mais apropriadas)

• Dismenorreia (os anti-inflamatórios permitem obter melhores


resultados)

De referir que, no passado, os estrogénios foram utilizados para inibir a


lactação, bem como no tratamento paliativo do cancro da próstata. Para
esta última situação, são actualmente preferidos os análogos da GnRH
por não terem efeitos feminizantes. De qualquer modo, os estrogénios
podem ser associados aos análogos da GnRH em situações de
carcinoma da próstata com metástases para a coluna vertebral, visto
que os análogos da GnRH podem agravar as lesões e causar danos
neurológicos irreversíveis.
Acções adversas
O uso de estrogénios também está associado a várias acções adversas,
nomeadamente:

• Aumento do risco de cancro de endométrio – Existe uma forte


correlação entre a administração de elevadas doses de
estrogénios e o desenvolvimento de cancro de endométrio.
Todavia, não existe uma relação tão clara entre as doses
reduzidas de estrogénios administradas actualmente e o
desenvolvimento de cancro de endométrio. Por oposição, os
progestagénios diminuem o risco de desenvolvimento de
carcinoma do endométrio.

• Os estrogénios poderão induzir aumento do risco de


desenvolvimento de cancro da mama, embora existam muitos
estudos contraditórios relativos ao assunto.

• Aumento do risco de adenocarcinomas vaginais e cervicais em


descendentes de mulheres que, durante o início da gravidez,
tomam o estrogénio dietilestilbestrol.

• Aumento do risco de tromboembolismo e aumento dos


triacilglicerídeos e AVC (existem estudos que referem, inclusive,
um aumento da mortalidade cardiovascular secundário à
estrogenoterapia).
• Retenção de sódio, edema e hipertensão

• Dores mamárias

• Colestase e litíase biliar.

Contra-indicações
Os estrogénios não devem ser administrados a doentes com suspeita
de tumores hormono-dependentes e, por conseguinte, estão contra-
indicados em situações de menometrorragias não diagnosticadas. De
facto, isso ocorre porque as menometrorragias podem ser um sinal de
carcinoma do endométrio, o qual pode ser mascarado pela
administração de estrogénios.

Para além disso, estas substâncias estão desaconselhadas em casos


de doença hepática ou patologia cardiovascular, nomeadamente com
história de alterações tromboembólicas.

Progestagénios

Efeitos farmacológicos
Ao nível do útero, a progesterona diminui o tónus do miométrio e
promove a fase secretora do ciclo endometrial. Por outro lado, a
progesterona promove a formação de um muco viscoso cervical, que é
desfavorável à penetração dos espermatozóides. Já ao nível da mama,
a progesterona é responsável pelo desenvolvimento do aparelho
secretor.

Já ao nível do sistema nervoso central, a progesterona aumenta a


resposta ventilatória ao CO2, e apresenta um efeito hipnótico e
depressor. Ora, isso aumenta a sensibilidade da grávida aos fármacos
depressores do sistema nervoso central, tal como os anestésicos e os
opióides.

Para além disso, em termos metabólicos, a progesterona induz


diminuição da reabsorção de sódio e aumenta os níveis plasmáticos de
insulina.

Uso terapêutico
• Contracepção oral

• Indução de anovulação e amenorreia na sequência do tratamento


de endometriose e hemorragias uterinas funcionais – Nessas
situações, deve se proceder ao uso isolado e em doses elevadas
dos progestagénios.

Acções adversas e contra-indicações


• Colestase

• Virilização do feto feminino – Antigamente, os progestagénios


eram utilizados em situações de ameaça de aborto. Todavia, para
além de terem eficácia duvidosa, estes compostos podiam induzir
virilização do feto feminino. Assim, os progestagénios não devem
ser utilizados em mulheres grávidas, ou que planeiem uma
gravidez próxima.

• Redução das HDL (no caso dos progestagénios com maior


actividade androgénica).

• Alguns estudos sugerem que, em mulheres pós-menopáusicas, a


administração simultânea de progestagénios e estrogénios
aumenta significativamente o risco de cancro da mama, por
comparação com a administração isolada de estrogénios.

Progestagénios sintéticos

Existem vários progestagénios sintéticos, sendo alguns activos quando


administrados por via oral. Os compostos mais parecidos com a
progesterona podem induzir um endométrio mais secretor e manter a
gravidez, não apresentando significativa actividade androgénica ou
estrogénica.

Já os restantes compostos não mantêm a gravidez, sendo mais


eficazes como inibidores gonadotrópicos (note-se que a progesterona
inibe a síntese de gonadotropinas) e tendo significativa actividade
estrogénica. Estas substâncias podem, assim, ser utilizadas para a
contracepção.

Levonorgestrel

O levonorgestrel é um contraceptivo de emergência, que previne a


ovulação e pode inibir a fecundação ou a nidação. Este fármaco
apresenta grande afinidade para os receptores progestativos, reduzindo
a probabilidade de engravidar em 89%, quando tomado num período de
72 horas após o coito. Estudos recentes mostram que o levonorgestrel
induz azoospermia em indivíduos do sexo masculino, motivo pelo qual
este fármaco poderá vir a ser utilizado como contraceptivo masculino.

Contraceptivos orais

Tipos de contraceptivos orais


Método combinado

Este método é também designado por método monofásico e


apresenta uma eficácia de 99-100%. Neste método, ocorre combinação
de uma dose baixa de estrogénios (sob a forma de etinilestradiol) com
progestagénio, ao longo de todo o ciclo menstrual.

Método sequencial

Neste método, eram utilizados estrogénios durante 14-16 dias do ciclo,


seguindo-se uma combinação de estrogénios e progesterona na
segunda fase do ciclo. Ora, o uso isolado de estrogénios comporta
sérias acções adversas. Para além disso, este método apresenta menor
eficácia, motivo pelo qual já não é utilizado.

Método polifásico

Tal como no método combinado, no método polifásico ocorre


administração simultânea de uma baixa dose de estrogénios (sob a
forma de etinilestradiol) com progestagénio. Todavia, as doses de
progestagénios variam em duas ou três fases ao longo do ciclo.

Minipílula

A minipílula contém apenas progestagénio. Embora seja desprovida


das acções adversas dos estrogénios, a minipílula tem uma eficácia de
apenas 97-98%, podendo originar ciclos menstruais irregulares. A
minipílula pode ser administrada não só por via oral, mas também por
via intra-muscular ou subcutânea – nessas situações, existe uma acção
muito mais duradoura, que pode ascender a alguns meses.

“Pílula do dia seguinte”


Existem pelo menos três tipos de pílula abortiva (“pílula do dia seguinte”),
nomeadamente:

• Administração de estrogénios em dose elevada (sob a forma de


dietilestilbestrol): Este método abortivo está associado a um
elevado risco de desenvolvimento de náuseas, vómitos e
trombose, de tal modo que o seu uso deve ser restrito

• Levonorgestrel

• Mifepristona (vide infra)

Mecanismo de acção
Os contraceptivos orais podem ter várias formas de actuação,
nomeadamente:

• Acção anovulatória: Os contraceptivos podem activar vias de


feedback, de bloqueio do crescimento folicular e/ou inibição do
estímulo indutor da ovulação (LH)

• Acção espessante sobre o muco cervical

• Acção atrofiante sobre o endométrio (impede a nidação)

Os contraceptivos em que estão combinados estrogénios e


progesterona actuam pelas três vias supracitadas, tal como acontece
com os contraceptivos à base de doses elevadas de progestagénios.
Por oposição, em doses reduzidas, os contraceptivos à base de
progestagénios apenas actuam pelas duas últimas vias.

Acções adversas:
• Ligeiro aumento do risco de mortalidade/morbilidade por
tromboembolismo

• Ligeiro aumento do risco de AVC e enfarte agudo do miocárdio


(sobretudo em fumadoras)
• Aumento da litíase biliar e do risco de icterícia colestática (note-se
que os estrogénios diminuem o fluxo biliar e aumentam a
percentagem de colesterol na bílis, com redução simultânea dos
níveis de ácido quenodesoxicólico)

• Alterações do humor – Os estrogénios aumentam a excitabilidade


neuronal, enquanto os progestagénios diminuem-na

• Possibilidade de acção cancerígena (vide supra)

• Náuseas, vómitos e aumento de peso

• Vertigens e cefaleias

De referir que, algumas acções adversas podem ser atenuadas pela


mudança no tipo de contraceptivo. A título de exemplo, a redução dos
níveis de estrogénios está associada a uma diminuição do risco de
náuseas, mastalgias e edema. Por outro lado, a redução dos níveis de
progestagénio permite evitar a hemorragia e reverter o aumento do
peso, o hirsutismo, a depressão e a adinamia. Por outro lado, para
evitar as hemorragias excessivas, pode se aumentar o progestagénio
e/ou reduzir o estrogénio.

Uso terapêutico e contra-indicações


Para além de serem usados na contracepção, os contraceptivos orais
podem er usados na endometriose e em alguns casos de dismenorreia
grave.

Os contraceptivos orais estão contra-indicados em doentes com


patologia vascular (tromboembolismo ou AVC), ou aquando da suspeita
de neoplasia hormono-dependente. Para além disso, esses fármacos
devem ser evitados em situações de hipertensão, insuficiência cardíaca,
diabetes, doenças hepáticas, asma, eczema e enxaqueca. Por outro
lado, o uso de contraceptivos orais deve ser evitado em adolescentes,
para prevenir o bloqueio epifisário precoce das cartilagens epifisárias.

Estão descritas interacções medicamentosas com outros fármacos. De


facto, a rifampicina e alguns anti-epilépticos (tais como a fenitoína e o
fenobarbital) podem diminuir a eficácia dos contraceptivos orais, por
indução da actividade enzimática hepática.

Anti-estrogénios
O grupo dos anti-estrogénios inclui os antagonistas/agonistas parciais
dos receptores estrogénicos, os inibidores da síntese dos estrogénios
(inibidores da aromatase) e os androgénios (que apresentam acções
opostas às dos estrogénios).

Agonistas parciais dos receptores dos estrogénios


Os agonistas parciais dos receptores dos estrogénios são também
designados por moduladores selectivos dos receptores dos estrogénios.
Estes fármacos actuam como agonistas parciais em alguns tecidos, e
como antagonistas dos receptores estrogénicos noutros.

Pensa-se que isso se deve à presença de duas configurações distintas


de receptores estrogénicas (α e β), às quais estão associadas
actividades distintas. A título de exemplo, quando ligado à configuração
α, o raloxifeno não tem actividade intrínseca (apresentando, por isso,
uma acção antagonista ao nível da mama, útero e ovário). Por
oposição, quando ligado à configuração β, o raloxifeno estimula a
transcrição de genes noutros tecidos, tais como o osso.

Tamoxifeno

O tamoxifeno é um agonista parcial competitivo dos receptores dos


estrogénios, sendo utilizado no tratamento paliativo do cancro da mama
em mulheres pós-menopausa. Para além disso, a administração deste
fármaco está aprovada para a quimioprofilaxia de mulheres em elevado
risco de desenvolver cancro da mama.

Comparativamente aos androgénios, este fármaco revela a vantagem


de não causar virilização. Para além disso, este fármaco induz efeitos
benéficos sobre a remodelação óssea.

Em termos químicos, este fármaco é um agente não-esteróide, que é


administrado oralmente. A sua excreção ocorre preferencialmente por
via hepática. Os seus principais efeitos laterais incluem fogachos,
náuseas e vómitos. Para além disso, este fármaco parece estar
associado a um ligeiro aumento do risco de desenvolvimento de eventos
tromboembólicos e cancro do endométrio – este efeito é proporcional à
duração do tratamento.

Raloxifeno

O raloxifeno é um agonista parcial dos receptores dos estrogénios,


sendo utilizado para o tratamento do cancro da mama. Tal como o
tamoxifeno, induz efeitos benéficos na prevenção da osteoporose, com
a vantagem de não estar associado a um aumento da incidência de
cancro da mama ou endométrio.

Em termos farmacocinéticos, este fármaco apresenta um grande


volume de distribuição, podendo ser tomado apenas uma vez por dia.
Apesar disso, o raloxifeno está sujeito a um importante efeito de
primeira passagem.

Tibolona

A tibolona é um agonista parcial dos receptores dos estrogénios,


quimicamente relacionado com os derivados 19-noresteróides. Este
fármaco apresenta fraca actividade estrogénica, progestativa e
androgénica. A actividade da tibolona resulta da sua conversão em
vários metabolitos, nomeadamente metabolitos 3-hidroxi (os quais se
ligam aos receptores dos estrogénios) e 4-hidroxi (os quais se ligam aos
receptores dos androgénios).

As concentrações dos metabolitos da tibolona e a regulação das


actividades hormonais variam consoante o tipo de tecido – assim, a
tibolona desempenha efeitos estrogénicos no osso e tecido vaginal,
efeitos progestativos no fígado e efeitos androgénicos no fígado e
cérebro. Ao nível da mama, a tibolona actua como um forte inibidor da
actividade enzimática que regula o metabolito do estradiol.

Assim, este fármaco é utilizado em terapia de substituição hormonal


para mulheres pós-menopausa, na medida em que previne a perda de
massa óssea e alivia os sintomas vasomotores da menopausa.
Contudo, não se conhece o seu papel no cancro da mama.
Em termos farmacocinéticos, a tibolona é rapidamente absorvida por via
oral, sendo metabolizada, preferencialmente pelo fígado. Este fármaco
é excretado na urina e nas fezes.

Antagonistas totais dos receptores dos estrogénios


Fulvestrant

O fulvestrant é um antagonista puro dos receptores dos estrogénios,


que “destrói” esses receptores, revelando-se mais eficaz que os
agonistas parciais em pacientes resistentes ao tamoxifeno.

Inibidores da aromatase
A aromatase é a enzima responsável pela conversão dos esteróides
androgénicos em estrogénios. Ora, a inibição da aromatase resulta na
inibição da génese de estrogénios, o que acarreta efeitos benéficos no
tratamento do cancro da mama. De facto, os inibidores da aromatase
actuam, por vezes, em casos resistentes aos antagonistas dos
receptores dos estrogénios. Assim, estas duas classes de fármaco
apresentam um efeito sinérgico na terapêutica do cancro da mama.

Contudo, os inibidores da aromatase inibem a síntese de estrogénios ao


nível do osso, privando o tecido ósseo da acção trófica dos estrogénios.
Isto constitui uma desvantagem dos inibidores da aromatase, em
detrimento dos agonistas parciais dos receptores estrogénicos.

Anastrozole

O anastrozole é um inibidor não-esteróide selectivo da aromatase,


sendo eficaz em mulheres cujos tumores se revelaram resistentes ao
tamoxifeno/raloxifeno. Tal como os restantes inibidores da aromatase, o
anastrozole revela-se eficaz como adjuvante dos antagonistas
androgénicos no tratamento da puberdade precoce.

Análogos da GnRH
Estes compostos são bastante estáveis e, quando administrados
continuamente, induzem uma estimulação prolongada dos receptores
hipofisários da GnRH, levando à génese de castração fisiológica.

Anti-progestagénios
Os anti-progestagénios são compostos utilizados como contraceptivos
e como fármacos abortivos. De entre esses fármacos, destaque para a
mifepristona.

Mifepristona
A mifepristona é um antagonista competitivo da progesterona, que
apresenta uma elevada afinidade para os receptores progestagénicos.
Este fármaco é um “19-noresteróide”, que apresenta uma longa semi-
vida de 20 horas (pois liga-se amplamente às proteínas plasmáticas,
nomeadamente à albumina e à glicoproteína ácida α1).

Apresenta acção luteolítica, sendo, por isso, utilizada como


contracepção de emergência (ou seja, é um fármaco abortivo utilizado
após copulação), nomeadamente, em associação com a PGE1 vaginal
ou com o misoprostol oral. Para além disso, este fármaco pode ser
utilizado como contraceptivo “tradicional”, embora tenha como
desvantagem o facto de poder prolongar excessivamente a fase folicular
seguinte (devido à sua elevada semi-vida).

Este fármaco revela-se ainda útil em situações de endometriose, cancro


da mama e outras neoplasias envolvendo os receptores da
progesterona. Para além disso, a mifepristona também actua como um
antagonista dos receptores dos glicocorticóides (induzindo resistência a
estas substâncias), motivo pelo qual pode ser utilizada no tratamento de
síndrome de Cushing.

Os seus principais efeitos adversos incluem vómitos, diarreia, dor


abdominal, dor pélvica e sangramento vaginal.

Indutores da ovulação
Existem vários fármacos utilizados para induzir a ovulação, sendo que
alguns destes pertencem ao grupo das gonadotrofinas. O clomifeno é
um importante indutor da ovulação, apresentando, simultaneamente,
acção agonista parcial dos receptores dos estrogénios.

Clomifeno
O clomifeno é um antagonista parcial dos receptores dos estrogénios,
que actua como indutor da ovulação. De facto, este fármaco bloqueia os
receptores dos estrogénios do sistema hipotálamo-hipófise,
promovendo a secreção de gonadotropinas e, consequentemente, a
indução da ovulação. Assim, o clomifeno revela-se útil como indutor da
ovulação em casos de infertilidade (que não sejam de causa ovárica ou
hipofisária).

Os seus efeitos adversos incluem a possibilidade de gravidez múltipla,


alargamento dos ovários (com a possível formação de cistos), fogachos,
cefaleias, náuseas, vómitos, irritabilidade, mastalgias, obstipação,
alterações visuais e reacções alérgicas cutâneas. De referir que, alguns
destes efeitos não se devem à acção do fármaco em si, mas sim às
alterações hormonais subjacentes.

Em termos farmacocinéticos, o clomifeno é activo por via oral, sendo


lentamente excretado nas fezes.

Este fármaco deve ser cautelosamente utilizado em doentes com aumento


dos ovários.

Hormonas gonadais masculinizantes

Acções farmacológicas
A testosterona é responsável pelo desenvolvimento embrionário do
aparelho genital masculino, bem como pela sua maturação pubertária e
pelo desenvolvimento dos caracteres sexuais masculinos. Para além
disso, a testosterona é importante para a normal espermatogénese,
sendo capaz de suprimir a secreção de gonadotropinas em elevadas
doses.

Os androgénios estimulam ainda a produção de eritrócitos e exercem


outros efeitos anabólicos, nomeadamente, promovendo o crescimento
muscular e esquelético observado na puberdade. Contudo, tal como os
estrogénios, os androgénios induzem bloqueio progressivo das zonas
de crescimento ósseo epifisário.

Nas mulheres, a administração de androgénios pode induzir o


crescimento do clitóris e grandes lábios, hipertricose e modificação da
voz.

Em suma, os androgénios dispõem de acções androgénicas e


anabólicas, sendo que, em termos farmacológicos, tem-se procurado
desenvolver compostos com maior actividade anabólica e menor
actividade androgénica.

Uso terapêutico
Na prática clínica, os androgénios são utilizados em várias situações,
nomeadamente:

• Hipogonadismo masculino – Nesta situação, os androgénios são


apenas adicionados após a puberdade e em doses crescentes,
de modo a evitar o bloqueio das placas epifisárias.

• Osteoporose, alguns casos de anemias e em traumatizados


graves/indivíduos sujeitos a cirurgia extensa – Nestas situações,
os androgénios são utilizados em ambos os sexos, sobretudo,
devido aos seus efeitos anabolizantes.

De referir que, antigamente, os androgénios foram usados no


tratamento de neoplasias hormono-dependentes em indivíduos do sexo
feminino (como o cancro da mama). Para além disso, muitos
androgénios sintéticos continuam a ser usados em práticas de doping.

Em termos farmacocinéticos, quando administrada por via oral, a


testosterona sofre intensa inactivação hepática. Assim, esta substância
é pouco activa por via oral, devendo ser administrada por via intra-
muscular.

Acções adversas
As acções adversas dos androgénios incluem:
• Virilização e hemorragia em indivíduos do sexo feminino (devido a
efeitos progestagénicos residuais)

• Agravamento da hipertrofia prostática

• Possibilidade de aumento da susceptibilidade para aterosclerose


(esta relação não é consensual)

• Alterações da função hepática – Os androgénios 17-alquilados


podem induzir alterações da função hepática, nomeadamente
elevação da fosfátase alcalina, bilirrubina e aumento da retenção
de bromosulfateína. Para além disso, estas substâncias podem
induzir icterícia colestática, a qual é habitualmente reversível com
a suspensão da terapêutica.

Para além disso, estão descritos casos de carcinoma hepatocelular em


doentes com anemias aplásticas tratadas com anabolizantes esteróides,
bem como casos fatais de coma hepático em atletas que recorrem ao
consumo ilício deste tipo de fármacos.

Contra-indicações e precauções
• Indivíduos com carcinoma da próstata ou da mama

• Mulheres que programem gravidez no decurso da terapêutica (risco


de virilização fetal)

• Crianças

• Doentes cardíacos ou renais com edemas (nestes indivíduos, os


androgénios podem induzir retenção de sal e água, causando
edema)

Androgénios sintéticos

Nandrolona (19-nortestosterona)
A nandrolona é um androgénio que inibe a reabsorção óssea,
promovendo temporariamente a formação a óssea. Assim, este fármaco
aumenta o conteúdo mineral ósseo, bem como o balanço de cálcio e
massa muscular. Todavia, este fármaco não está aconselhado para
mulheres pós-menopausa, na medida em que induz virilização
(nomeadamente hirsutismo). A nandrolona pode ser utilizada como
doping em desportistas.

Análogos da GnRH
Quando administrados continuamente, estes compostos induzem uma
estimulação prolongada dos receptores hipofisários da GnRH, levando à
génese de castração fisiológica. Assim, têm sido utilizados análogos da
GnRH no tratamento de tumores hormono-dependentes (como o cancro
da próstata), na endometriose, nos ovários policísticos e na puberdade
precoce.

Anti-androgénios
Existem diversos compostos com acção anti-androgénica, os quais
podem ser utilizados na contracepção, bem como na terapêutica de
tumores hormono-dependentes (tais como o cancro da próstata).

Flutamida
A flutamida é um antagonista competitivo dos androgénios, que tem
sido utilizado no tratamento do carcinoma da próstata. A sua
administração em conjunto com análogos do GnRH poder-se-á revelar
benéfica. Para além disso, a administração deste fármaco causa
algumas melhorias na maior parte dos pacientes com carcinoma
prostático que não foram alvo de terapia endócrina prévia. A flutamida
pode ainda revelar-se benéfica para a reversão do efeito do excesso de
androgénios em indivíduos do sexo feminino.

A flutamida é rapidamente metabolizada e, apesar de não ser um


esteróide, actua ao nível dos receptores dos androgénios. As suas
principais acções laterais incluem ginecomastia e hepatotoxicidade.

Bicalutamida
A bicalutamida é um anti-androgénio potente, que pode ser
administrado por via oral, como uma única dose diária. Este fármaco é
passível de ser administrado a pacientes com carcinoma metastático da
próstata, sendo bem tolerado. A biclutamida dever ser utilizada em
associação com um análogo do GnRH, apresentando menos efeitos
gastrointestinais laterais que a flutamida.

Ciproterona
A ciproterona e o acetato de ciproterona são anti-androgénios
eficazes, que inibem a acção dos androgénios nos seus órgãos-alvo. A
forma acetato apresenta um efeito progestativo significativo, que
suprime o aumento de LH e FSH, levando a um efeito anti-androgénico
mais eficaz.

Em indivíduos do sexo feminino, estes compostos têm sido utilizados no


tratamento do hirsutismo. Já em indivíduos do sexo masculino, estes
compostos têm sido utilizados para diminuir a líbido (em casos
patológicos).

Finasteride
O finasteride é um inibidor da 5α-redútase do tipo esteróide, sendo
activo por via oral e induzindo uma redução dos níveis de di-
hidrotestosterona. Apresenta um período de semi-vida de cerca de oito
horas, o qual se prolonga em indivíduos mais velhos. Cerca de metade
da sua dose é metabolizada, enquanto mais de metade é excretada nas
fezes.

O finasteride parece revelar-se eficaz na redução das dimensões da


próstata em indivíduos com hiperplasia benigna da próstata. Este
composto não deve ser utilizado em mulheres e crianças, embora tenha
sido eficazmente utilizado no tratamento do hirsutismo em mulheres.

Dutasteride
O dutasteride é um esteróide similar ao finasteride, que também é
activo por via oral. Todavia, o dutasteride apresenta um menor tempo de
latência e um período de semi-vida muito superior, quando comparado
com o finasteride. Tal como o finasteride, o dutasteride não deve ser
usado em mulheres ou crianças.
Hormonas tiroideias
Acções farmacológicas
As hormonas tiroideias são essenciais para assegurar um correcto
crescimento e desenvolvimento tecidular. Para além disso, estas
hormonas são necessárias para a manutenção e optimização da função
tecidular. Assim, estas hormonas desempenham inúmeras acções, as
quais estão sintetizadas na seguinte tabela:

Metabolismo Aumento do metabolismo basal

Estimulação da síntese e catabolismo proteico


Potenciação da conversão do colesterol em ácidos
biliares
Aumento da concentração de ácidos gordos no
plasma e aumento dos
receptores hepáticos para as LDL (o hipertiroidismo
caracteriza-se por
hipercolesterolemia)
Aumento da glicogénese e da metabolização e
utilização do glicogénio

Aumento da absorção da glicose intestinal

Insensibilidade à insulina
Regulação da temperatura corporal (aumento da
produção de calor)

Crescimento Crescimento e maturação do sistema nervoso central


e
desenvolvimento Estimulação da mielinização
Estimulação da ossificação endocondral e do
crescimento linear ósseo (o
hipotiroidismo congénito não tratado está associado a
graves alterações do
crescimento e à génese de atraso mental irreversível)

Desenvolvimento e erupção dos dentes


Crescimento e maturação da epiderme, folículos
pilosos, e unhas
Inibição da síntese subcutânea de
glicosaminoglicanos e fibronectina
Sistema
cardiovascular Aumento do débito cardíaco

Efeito inotrópico positivo

Efeito cronotrópico positivo


Aumento da pressão arterial sistólica e diminuição da
pressão arterial diastólica
(pressão arterial média mantém-se constante)
Potenciação dos efeitos das catecolaminas e
aumento do número de
adrenorreceptores β (embora não haja aumento dos
níveis de catecolaminas)

Alterações funcionais da tiróide

Hipotiroidismo
O hipotiroidismo pode ter origem congénita ou adquirida, sendo que a
tiroidite de Hashimoto constitui a causa mais frequente de
hipotiroidismo adquirido – esta patologia caracteriza-se pela destruição
auto-imune das células foliculares da tiróide. Para além disso, o
hipotiroidismo adquirido pode resultar da ablação cirúrgica da tiróide ou
da sua destruição pelas radiações utilizadas na terapia da doença de
Graves.

Por sua vez, o hipotiroidismo congénito não-tratado (cretinismo) resulta


em nanismo e num profundo atraso mental irreversível. Tendo em conta
estas graves consequências, dever-se-á proceder a um doseamento
pós-natal dos níveis de TSH e tiroxina – na presença de um quadro de
hipotiroidismo congénito, deverá ser instituída terapia hormonal de
substituição.

No adulto, o hipotiroidismo pode induzir lentidão do raciocínio, redução


do débito cardíaco, anemia refractária e diminuição dos reflexos
osteotendinosos, bem como muitos outros sintomas inespecíficos
graves – todavia, o diagnóstico pode ocorrer mais tardiamente. Por seu
turno, no idoso, podem se verificar alterações cognitivas graves, as
quais podem ser confundidas com depressão ou demência precoce.

O estadio final do hipotiroidismo não-tratado constitui o coma


mixedematoso, que cursa com hipotermia, hipoventilação,
hipoglicemia, hiponatrémia de diluição, choque e morte. Assim, o coma
mixedematoso constitui uma situação de emergência médica.

É ainda possível classificar o hipotiroidismo com base na estrutura


disfuncional/alterada. Assim, o hipotiroidismo primário resulta de
alterações estruturais ou funcionais da glândula tiróide, nas quais se
incluem a ectopia congénita da tiróide ou defeitos enzimáticos. Por seu
turno, o hipotiroidismo secundário resulta de patologia hipofisária,
enquanto o hipotiroidismo terciário está associado a disfunção
hipotalâmica.

Alguns fármacos podem induzir hipotiroidismo, nomeadamente o lítio, as


sulfonilureias e o nitroprussiato.

Hipertiroidismo
O hipertiroidismo manifesta-se por um aumento da função tiroideia,
podendo ter várias causas:

• Doença de Graves (bócio tóxico difuso): Doença auto-imune em


que a produção de hormonas tiroideias é estimulada por
anticorpos.

• Bócio tóxico multinodular (doença de Plummer): Ocorre


sobretudo em doentes mais idosos, resultando, geralmente, de
um bócio não-tóxico de longa duração.

• Nódulos solitários hiperfuncionantes: Nódulos tóxicos que


funcionam autonomamente, não respondendo aos mecanismos
de feedback operados pelas hormonas tiroideias.

• Tiroidites indolores pós-parto e esporádica e tiroidite


dolorosa sub-aguda: Nestas situações, ocorre apoptose maciça
das células foliculares tiroideias e consequente libertação das
hormonas tiroideias para a circulação. Desencadeia-se assim um
processo transitório de hipertiroidismo que pode evoluir para
hipotiroidismo, por depleção da glândula tiróide em hormonas
tiroideias.

• Tumores secretores de TSH

Alguns fármacos podem induzir hipertiroidismo associado a tiroidite,


nomeadamente a amiodarona, o lítio, o interferão α e a IL-2.

Fármacos tiroideus de síntese


As preparações de hormonas tiroideias usadas actualmente são de
natureza sintética, consistindo em sais de sódio dos isómeros levógiros
das hormonas em causa. Assim, a hormona T4 (tiroxina) é
comercializada sob a forma de levotireoxina sódica, enquanto a
hormona T3 (triiodotironina) é comercializada sob a forma de liotironina
sódica.

Farmacocinética
A levotireoxina é absorvida de modo incompleto e variável por via oral.
Sabe-se que a absorção de levotireoxina é perturbada pela presença de
alimentos, carbonato de cálcio, hidróxido de alumínio, sucralfato,
colestiramina, ferro e soja.

A liotironina é quase completamente absorvida por via oral. Quando


comparada com a levotireoxina, a liotironina apresenta uma actividade
quase quatro vezes superior, mas um período de semi-vida inferior.
Assim, a liotironina é utilizada em situações que requerem um início de
acção mais rápido, tais como o coma mixedematoso. Apesar de ser
bem absorvida por via oral, a liotironina deve ser administrada por via
intra-venosa, uma vez que o coma mixedematoso é, normalmente,
acompanhado por íleo paralítico. De referir que, o rápido início de acção
da liotironina pode provocar acções adversas ao nível do sistema
cardiovascular, de tal modo que esta substância deve ser
cautelosamente administrada a doentes com doença cardíaca.

Uso terapêutico
Hipotiroidismo

A levotireoxina e a liotironina são administradas na terapia do


hipotiroidismo. Contudo, a levotireoxina constitui a formulação de
escolha para a terapêutica de substituição e de supressão, algo que se
deve a vários factores, nomeadamente:

• A acção da levotireoxina apresenta um tempo superior à liotironina

• A levotireoxina apresenta um menor custo que a liotironina

• É mais fácil dosear os níveis de levotireoxina.


• No meio intracelular, a levotireoxina (T4) é convertida em T3

• A liotironina apresenta maior risco de cardiotoxicidade

Normalmente, o tratamento do hipotiroidismo em adultos jovens não


levanta complicações. Contudo, os idosos e os indivíduos com doença
cardíaca isquémica ou fibrilação auricular são mais sensíveis aos
efeitos cronotrópicos e inotrópicos da tiroxina, motivo pelo qual
apresentam maior risco de desenvolver agravamento da angina, enfarte
agudo do miocárdio e morte súbita. Assim, nestes indivíduos, a
administração dos fármacos tiroideus deverá ser administrada em
escalada e, possivelmente, em associação com bloqueadores β.

Nas crianças, o tratamento do hipotiroidismo deverá ser iniciado


imediatamente após o diagnóstico. Contudo, apesar dos níveis de
hormonas tiroideias deverem ser mantidos no limite superior da
variação normal, não devem se administradas doses excessivas destas
hormonas, devido ao risco subjacente de ocorrência de pequenas
lesões cerebrais.

O doseamento da TSH permite estimar os níveis séricos de hormonas


tiroideias. Em crianças com hipotiroidismo, procuram-se manter os
níveis de TSH no limite inferior da variação, uma vez que os níveis
séricos de TSH variam inversamente com os níveis de hormonas
tiroideias. Assim, na presença de elevados níveis séricos de TSH, deve-
se proceder a um aumento das doses administradas de levotireoxina.

Terapia de supressão da TSH


A levotireoxina e a liotironina são utilizadas para suprimir a produção de
TSH em situações de hiperplasia benigna ou maligna da tiróide, na
medida em que o TSH constitui um factor de crescimento do
parênquima tiroideu benigno e maligno. Contudo, este esquema
terapêutico apresenta baixa eficácia e está associado a importantes
efeitos adversos (nomeadamente osteoporose e doença cardíaca).

Assim, na maioria dos carcinomas da tiróide, a tiroidectomia constitui o


procedimento terapêutico de opção. De qualquer forma, existe indicação
para administração de elevadas doses de levotireoxina em pacientes
previamente submetidos a tiroidectomia – essa administração tem por
objectivo evitar a recorrência desta doença em doentes com carcinomas
foliculares ou papilares.

Interacções medicamentosas
As hormonas tiroideias aumentam o catabolismo dos factores de
coagulação dependentes da vitamina K e, por conseguinte, potenciam a
acção pró-hemorrágica da varfarina. Assim, o uso de fármacos tiroideus
de síntese obriga a uma redução das doses administradas de anti-
coagulantes orais.

Para além disso, a fenitoína desliga a tiroxina das proteínas plasmáticas


e acelera o metabolismo hepático, induzindo uma redução da semi-vida
da tiroxina. A carbamazepina e a lovastatina também induzem um
aumento da depuração da tiroxina, de tal modo que em doentes
simultaneamente medicados com estes fármacos deverão ser
administradas doses superiores de tiroxina.

Acções adversas
O aumento excessivo da função tiroideia constitui a principal acção
adversa resultante do uso da tiroxina. Assim, os fármacos tiroideus de
síntese podem induzir hipertiroidismo sintomático ou subclínico, com
risco de perda óssea (sobretudo em mulheres pós-menopausa) e de
taquiarritmias auriculares (sobretudo em idosos).

Anti-tiroideus e inibidores da função tiroideia


Actualmente, são utilizados três tipos de fármacos no tratamento do
hipertiroidismo, nomeadamente, os anti-tiroideus de síntese, os
inibidores iónicos e os iodetos.

Anti-tiroideus de síntese
As tionamidas (anti-tiroideus de síntese) englobam um conjunto de
fármacos com grupo tiocarbamida (S-C-N), constituindo os fármacos
mais utilizados no tratamento do hipertiroidismo. De entre os fármacos
deste grupo, destaque para o propiltiouracilo, metamizol e
carbamizol (que constitui um pró-fármaco do metamizol).

Mecanismo de acção

Os anti-tiroideus bloqueiam a síntese das hormonas tiroideias por


inibição da peroxidase da tiróide (enzima responsável pela iodinificação
da tiroglobulina e pela conjugação das iodotironinas). Contudo, os anti-
tiroideus não interferem com a acção das hormonas previamente
formadas na glândula tiróide, motivo pelo qual apresentam uma acção
clínica lenta (apenas se regista uma depleção dos depósitos hormonais
passadas 3-4 semanas após administração destes fármacos).

O propiltiouracilo também inibe a monodesiodínase (enzima


responsável pela conversão periférica de T4 em T3), motivo pelo qual é
o anti-tiroideu mais utilizado em situações de hipertiroidismo grave ou
crise tireotóxica.

Farmacocinética

Os anti-tiroideus são rapidamente absorvidos pelo tracto gastro-


intestinal. Por comparação com o metamizol, o propiltiouracilo
apresenta um período de semi-vida mais curto, motivo pelo qual deverá
ser administrado várias vezes por dia. De qualquer modo, os níveis
plasmáticos destes fármacos não se correlacionam com as suas acções
terapêuticas.

Os anti-tiroideus são capazes de atravessar a placenta, podendo induzir


hipotiroidismo e bócio no feto. Em termos comparativos, o
propiltiouracilo liga-se mais intensamente às proteínas plasmáticas, de
tal modo que constitui o anti-tiroideu que atravessa a placenta com mais
dificuldade, bem como aquele que é excretado em menor quantidade no
leite materno. Assim, o propiltiouracilo é o fármaco preferencialmente
administrado durante a amamentação.

Acções adversas e toxicidade

A agranulocitose constitui a principal acção adversa associada ao uso


de anti-tiroideus. Esta reacção pode ocorrer independentemente da
idade, dose administrada, duração do tratamento, ou existência de
tratamento prévio. Para além disso, a agranulocitose desencadeia-se
muito rapidamente, de tal modo que a contagem periódica de leucócitos
se revela pouco útil. Apesar disso, antes de ocorrer agranulocitose, o
doente pode padecer de úlceras orais, febre ou odinalgias.

De referir que o desenvolvimento de agranulocitose obriga à suspensão


da terapia com anti-tiroideus (ocorrendo subsequente remissão) e ao
recurso à tiroidectomia.

Uso terapêutico

Os anti-tiroideus são utilizados no tratamento da doença de Graves,


com o objectivo de obter uma remissão da doença, ou de alcançar um
estado eutiroideu antes da terapêutica com iodo radioactivo ou cirurgia.

Estes fármacos são frequentemente utilizados no tratamento de


crianças, jovens adultos e mulheres grávidas com hipertiroidismo por
doença de Graves. Apesar disso, a sua taxa de remissão varia entre 10-
75%, sendo que a administração simultânea de tiroxina ou a
administração de doses superiores de anti-tiroideus não tem
evidenciado qualquer benefício adicional.

Inibidores iónicos
Os inibidores iónicos são aniões monovalentes que inibem
competitivamente a captação de iodeto pela glândula tiróide. A maior
parte destas substâncias não tem utilização clínica, sendo
preferencialmente utilizada com fins investigacionais. O tiocianato
(SCN-) constitui uma excepção notável, na medida em que,
contrariamente aos restantes inibidores iónicos, também inibe a
organificação do iodo.

Iodetos
Iodeto inorgânico

A administração de elevadas concentrações de iodeto inorgânico


resulta na inibição da síntese e libertação das hormonas tiroideias.
Contudo, esse efeito inibitório é transitório, na medida em que, ao fim de
algum tempo, as células foliculares voltam a sintetizar quantidades
similares ou até superiores de hormonas tiroideias, o que pode levar a
uma exacerbação do hipertiroidismo.

Uso terapêutico

O iodeto pode ser utilizado em situações de crise tireotóxica, em


associação com os anti-tiroideus e com os bloqueadores β. De facto, o
iodeto é capaz de assegurar uma interrupção rápida da síntese e
libertação das hormonas tiroideias para a circulação, induzindo melhoria
dos sintomas tireotóxicos em 24 horas.

O iodeto inorgânico é ainda utilizado em indivíduos com hipertiroidismo


em preparação para tiroidectomia. De facto, o iodeto inorgânico diminui
a vascularização, as dimensões e a friabilidade da glândula tiróide,
contribuindo para uma melhoria das condições cirúrgicas. De referir
que, nessas condições, o iodeto deve ser administrado após
administração prévia de anti-tiroideus.

Por fim, o iodeto inorgânico pode ser administrado com o objectivo de


proteger a glândula tiróide contra o iodo radioactivo libertado após um
acidente nuclear, na medida em que a captação do iodeto radioactivo é
inversamente proporcional à captação sérica de iodo.

Acções adversas

As principais reacções adversas incluem hipersensibilidade ao iodeto,


febre, artralgias, linfoadenopatias e eosinofilia. Para além disso, estão
descritos casos de urticária, edema angioneurótico e púrpura trombótica
trombocitopénica.
Iodo radioactivo

O iodo radioactivo (131I) pode ser utilizado na terapia do


hipertiroidismo, sobretudo em doentes idosos e em indivíduos nos quais
outras alternativas terapêuticas estejam contra-indicadas ou tenham
sido ineficazes. Para além disso, o iodo radioactivo está indicado para o
tratamento definitivo do bócio nodular tóxico.

O iodo radioactivo actua por destruição de tecido tireoideu, levando a


que o doente se torne eutiroideu ou hipotiroideu. De facto, o 131I emite
radiações β, que manifestam uma acção citotóxica quase exclusiva
sobre as células da tiróide (de tal modo que os tecidos vizinhos, pouco
ou nada são lesados).

Em termos farmacocinéticos, a administração oral de uma única dose


de 131I revela-se suficiente para controlar a doença de Graves na maior
parte dos pacientes.

Acções adversas e toxicidade:

• Elevada incidência de hipotiroidismo tardio

• Tireoidite de radiação: Esta situação é transitória e manifesta-se


por um agravamento transitório do hipertiroidismo, dor e edema
da glândula. Apesar de efémero, este fenómeno pode se revelar
perigoso, por aumento do risco de complicações cardiovasculares
(sobretudo em idosos ou indivíduos com doença coronária),
motivo pelo qual se recomenda que estes doentes sejam
previamente tratados com anti-tiroideus.

• Oftalmopatia: Por comparação com os doentes tratados com


metamizol, existe maior frequência de desenvolvimento ou
agravamento de doença ocular nos doentes tratados com iodo
radioactivo.

O 131I está contra-indicado em grávidas e mulheres em amamentação,


devido ao risco de destruição da tiróide do feto/recém-nascido. Para
além disso, após administração de 131I, as mulheres devem evitar
engravidar durante 6-12 meses, de modo a obter uma função tiroideia
normal antes da concepção. Por fim, o 131I está contra-indicado em
crianças, uma vez que as radiações têm efeitos deletérios sobre as
células germinativas.

Bloqueadores dos adrenorreceptores β


Os bloqueadores β (tais como o propranolol, o atenolol ou o
metoprolol) controlam vários sintomas subjacentes à tireotoxicose, tais
como a taquicardia, tremor e ansiedade. Todavia, estes fármacos não
têm qualquer acção inibidora sobre a síntese ou libertação de hormonas
tiroideias, de tal modo que estes apenas devem ser utilizados como
adjuvantes dos anti-tiroideus. Para além disso, a administração de
bloqueadores β apenas se justifica em pacientes com sintomas
moderados ou graves (de tal modo que o seu uso deve ser suspenso
em pacientes eutiroideus).
Retinóides
Os retinóides são utilizados no tratamento da psoríase e de qualquer
tipo de acne, sendo capazes de actuar em todas as fases desta última
doença. Os retinóides ligam-se e activam dois tipos de receptores
nucleares – o receptor do ácido retinóico (RAR) e o receptor X dos
retinóides (RXR) – estas duas classes de receptores podem se dividir
em três subtipos (α, β e γ), os quais formam dímeros entre si ou com
outros receptores. Ora, a activação dos receptores dos retinóides induz
aumento da transcrição dos genes envolvidos na regulação da
diferenciação celular, oncogénese e morfogénese.

Retinóides de primeira geração

Tretinoína
A tretinoína (ácido all-trans-retinóico ou vitamina A ácida) é um
retinóide não-aromático de origem natural, que resulta da oxidação
sequencial do all-trans-retinol (vitamina A). Esta substância é agonista
dos três subtipos de receptor RAR, sendo utilizada no tratamento do
acne ligeiro a moderado.

Em termos farmacocinéticos, a tretinoína é biotransformada pela enzima


4-hidroxílase do ácido retinóico, que se encontra expressa na
epiderme. Esta substância é mal absorvida por via percutânea (sendo
que a sua absorção piora com a continuação do seu uso terapêutico,
por indução da 4-hidroxílase), de tal modo que pode ser aplicada na
pele por via tópica. De referir que a tretinoína degrada-se com a
exposição à luz e aumenta a sensibilidade da pele à radiação infra-
vermelha.

A sua acção adversa mais importante é a dermatite irritativa. O risco


desta complicação aumenta em indivíduos submetidos a aplicações
diárias ou a concentrações mais elevadas de tretinoína. Para além
disso, no início do tratamento, a tretinoína pode induzir o aparecimento
de pústulas.

Isotretinoína
A isotretinoína (ácido 13-cis-retinóico) é um retinóide sintético de
primeira geração, obtido por isomerização da tretinoína. Tal como a
tretinoína, a isotretinoína é utilizada no tratamento do acne, sendo
administrada por via tópica para o tratamento do acne ligeiro a
moderado, e por via oral para o tratamento de formas graves.

Quando administrada por via tópica, a isotretinoína apresenta eficácia


comparável à da tretinoína. Estas duas substâncias partilham também
das suas acções adversas, embora a isotretinoína seja ligeiramente
melhor tolerada.

Por outro lado, quando administrada por via oral, a isotretinoína possui
uma baixa biodisponibilidade (a qual aumenta com as refeições) e sofre
um intenso efeito de primeira passagem. Este fármaco apresenta uma
semi-vida plasmática de 20 horas e uma capacidade de ligação às
proteínas plasmáticas superior a 99%. Ao nível hepático, a isotretinoína
sofre biotransformação em 4-oxo-isotretinoína e em tretinoína (que
constitui o metabolito activo da isotretinoína) – ambos os metabolitos
são excretados por via renal e fecal. De referir que a isotretinoína
constitui um inibidor de algumas oxídases microssomias hepáticas e
cutâneas.

Quando administrada por via oral, as suas principais acções adversas


incluem quelíte, xerose, secura da mucosa nasal e blefaroconjuntivite. A
isotretinoína pode ainda provocar dislipidemia (sobretudo,
hipertriacilgliceridemia), elevação das VLDL e hipercolesterolemia. Para
além disso, este fármaco induz alterações laboratoriais reversíveis.
Foram ainda descritos casos isolados de artralgias, mialgias,
agranulocitose e agravamento da doença inflamatória intestinal e asma
brônquica. Ao nível do sistema nervoso central, a isotretinoína pode
provocar cefaleias e, mais raramente, hipertensão intra-craniana
(sobretudo, se associada às tetraciclinas ou ao carbonato de lítio).

A isotretinoína é teratogénica, motivo pelo qual está contra-indicada na


gravidez. Para além disso, os indivíduos a tomar este fármaco deverão
se proteger adequadamente da exposição solar, uma vez que os
retinóides reduzem a espessura da camada córnea da epiderme.

A isotretinoína pode ainda interagir com vários fármacos, nomeadamente:


• Metotrexato (hepatotoxicidade)

• Vitamina A e outros retinóides e anti-retrovíricos (toxicidade muco-


cutânea)

• Corticosteróides (pseudo-tumor cerebral, dislipidemia e


hiperglicemia)

• Ciclosporina A (dislipidemia)

• Antidiabéticos orais (hiperglicemia)

• Carbamazepina

• Anti-inflamatórios orais

• Cetoconazole e liarozole (aumento dos níveis de tretinoína)

Alitretinoína
A alitretinoína é um derivado do ácido 9-cis-retinóico, usado por via
tópica para o tratamento das lesões cutâneas de pacientes com
sarcoma de Kaposi. Contudo, podem se gerar reacções localizadas
caracterizadas por edema, eritema intenso e vesiculação, que podem
obrigar à descontinuação da terapia. De referir que os pacientes que
usam alitretinoína não devem simultaneamente usar DEET, um
componente comum de repelentes de insectos.

Retinóides de segunda geração

Acitretina
A acitretina é o principal metabolito do etretinato, sendo ambos os
fármacos utilizados na terapêutica da psoríase pustulosa e
eritrodérmica.

A acitretina possui uma semi-vida de 48 horas, sendo menos lipofílica


que o etretinato (o qual já não é comercializado). A sua
biodisponibilidade oral é de 60%, sendo que esse valor aumenta na
presença de alimentos. Este fármaco possui uma elevada capacidade
de ligação às proteínas plasmáticas (sobretudo

à albumina), sendo biotransformado no metabolito 13-cis-acitretina, que


é excretado por via biliar e renal.

As suas acções adversas são similares às da isotretinoína (vide supra),


versando, sobretudo, a pele e mucosas. Assim, tal como a isotretinoína,
a acitretina apresenta efeitos teratogénicos e, como tal, encontra-se
contra-indicada na gravidez. De facto, a acitretina deve ser evitada na
mulher em idade fértil, uma vez que, pode ser esterificada em etretinato
(sobretudo aquando da ingestão simultânea de bebidas alcoólicas), o
qual apresenta ainda mais efeitos teratogénicos.

Tal como os restantes retinóides administrados por via sistémica, a


acitretina pode produzir calcificação do tendão calcaneano,
encerramento prematuro das epífises, hiperostose e osteoporose.
Apesar de pouco frequentes, estas alterações obrigam à realização de
radiografias ósseas no final do primeiro ano de tratamento.

As interacções farmacológicas da acitretina são similares às da


isotretinoína, nomeadamente:

• Metotrexato (hepatotoxicidade)
• Vitamina A e outros retinóides e anti-retrovíricos (toxicidade muco-
cutânea)

• Corticosteróides (pseudo-tumor cerebral e dislipidemia)

• Tetraciclinas (fotossensibilidade, pseudo-tumor cerebral)

• Álcool (conversão da acitretina em etretinato, hepatotoxicidade e


reacção do tipo dissulfiram)

• Carbonato de lítio (pseudo-tumor cerebral)

Retinóides de terceira geração

Adapaleno
O adapaleno é um retinóide sintético de terceira geração, derivado do
ácido aromático naftóico e com afinidade selectiva para os receptores
RARβ e γ. Tal como a tretinoína e isotretinoína, o adapaleno é aplicado
sob a forma tópica para o tratamento do acne ligeiro a moderado.
Contudo, contrariamente à tretinoína, o adapaleno não se degrada com
à exposição à luz ou na presença de radicais de oxigénio.

A eficácia do adapaleno é sobreponível à da tretinoína, embora este


composto induza uma menor incidência de dermatite irritativa, o que
provavelmente se deve à menor afinidade do adapaleno para os
receptores RARα. De qualquer modo, este fármaco apresenta um efeito
hipopigmentante moderado.

Tazaroteno
O tazaroteno é um retinóide sintético de terceira geração, que é
utlizado no tratamento do acne e da psoríase em placas que não
excede os 20% da área corporal. Esta substância é um pró-fármaco – o
ácido tazaroténico constitui o seu metabolito activo, ligando-se a todas
as classes de receptores do ácido retinóico (embora tenha maior
afinidade para os receptores RARβ, menor afinidade para os receptores
RARα, e afinidade intermédia para os receptores RARγ).

O seu principal efeito adverso é a acentuada irritação local. Esse efeito


é minimizado com a administração conjunta de corticosteróides tópicos
– o tazaroteno antagoniza a atrofia cutânea dos corticosteróides,
enquanto os corticosteróides reduzem a dermatite irritativa do
tazaroteno.

Bexaroteno
O bexaroteno é um retinóide pertencente à classe dos activadores dos
receptores dos retinóides do tipo RXR. Este fármaco pode ser utilizado
topicamente ou por via oral para o tratamento de linfoma cutâneo das
células T. Contudo, este fármaco induz importantes efeitos
teratogénicos (quer quando aplicado sob a forma sistémica como
administrado por via oral), de tal modo que as mulheres que recebem
este fármaco deverão evitar a gravidez por um período mínimo de um
mês após descontinuação. De referir que o bexaroteno pode aumentar
os níveis de triacilglicerídeos e colesterol.
Vitamina D
A vitamina D é um composto esteróide produzido na pele a partir do 7-
desidrocolesterol, por influência da radiação ultra-violeta. A vitamina D
encontra-se ainda presente em certos alimentos, de tal modo que tanto
o ergocalciferol (vitamina D2) como o colecalciferol (vitamina D3)
estão presentes na dieta. O ergocalciferol difere do colecalciferol, pelo
facto de conter uma dupla ligação e um grupo metilo adicional na sua
cadeia lateral. Todavia, esta diferença não parece ter grande significado
fisiológico (apesar de o ergocalciferol ser menos potente).

A vitamina D constitui uma pró-hormona, que actua como um percursor


de vários metabolitos biologicamente activos. De facto, ao nível do
fígado, a vitamina D é hidroxilada e convertida em 25-hidroxivitamina
D. Ao nível do rim, este metabolito é ulteriormente convertido em 1,25-
dihidroxivitamina D e 24,25-dihidroxivitamina D.

De entre estes metabolitos naturais, apenas a vitamina D e a 1,25-


dihidroxivitamina D (sob a forma de calcitriol) estão disponíveis para
uso clínico. Para além disso, existem vários análogos sintéticos do
calcitriol, que são sintetizados para uso de várias condições patológicas
– a título de exemplo, o calcipotrieno (calcipotriol) e o tacalcitol têm
sido usados para tratar a psoríase, enquanto o doxercalciferol e o
paricalcitol podem ser usados no tratamento do hiperparatiroidismo
secundário em doentes com insuficiência renal crónica.

A vitamina D e os seus metabolitos circulam no plasma ligados a uma


proteína de ligação, enquanto os análogos do calcitriol ligam-se mais
fracamente à proteína de ligação à vitamina D. Assim, estes análogos
apresentam uma rápida clearance e uma semi-vida de alguns minutos.

O calcitriol constitui o mais potente indutor da reabsorção óssea e


absorção do cálcio e fosfato. Por seu turno, os análogos do calcitriol
apresentam reduzidos efeitos hipercalcémicos e hiperfosfatémicos, o
que lhes confere alguma segurança para o tratamento da psoríase e
hiperparatiroidismo.

Já a 25-hidroxivitamina D e a 24,25-dihidroxivitamina D constituem


estimuladores menos potentes da reabsorção óssea e absorção de
cálcio e fosfato. Contudo, a 25-hidroxivitamina D parece estimular a
reabsorção renal de cálcio, de modo mais potente que o calcitriol.

Para além do osso, intestino e rim, o receptor do calcitriol encontra-se


expresso ao nível de vários outros tecidos. De facto, o calcitriol participa
na regulação de secreção de insulina, na regulação da produção
macrofágica e linfocítica de citocinas e na inibição da proliferação das
células tumorais. Para além disso, o calcitriol actua nos receptores da
vitamina D cutâneos, induzindo um efeito imunomodulador e anti-
proliferativo.

Tabela de análogos da vitamina D usados no


tratamento da psoríase:

Vantagens Desvantagens
*Menor irritação local que o *Interferência com o
Calcitriol calcipotriol metabolismo do
(pode ser aplicado na
face) cálcio
*Causa dermatite
Calcipotriol *Menor interferência com o irritativa na face com
metabolismo do cálcio. grande frequência
* Sinergismo com outras *Incompatibilidade
terapêuticas química com o ácido
anti-psoriáticas salicílico
*Menor irritação local que o
Taclcitol calcipotriol
(pode ser aplicado na
face)
*Eficácia similar à do *Efeito irritativo local
Mexacalcitol calcipotriol similar ao do
calcipotriol
Anti-diabéticos
A diabetes mellitus caracteriza-se por um aumento da glicemia e por
uma inadequada/ausente secreção pancreática de insulina.
Actualmente, a diabetes mellitus é classificada em quatro tipos, os quais
serão descritos individualmente.

Tipos de diabetes mellitus

Diabetes mellitus tipo I (diabetes insulino-


dependente)
A diabetes tipo I caracteriza-se por uma destruição selectiva das
células β, o que resulta num défice grave ou absoluto de insulina. A
diabetes tipo I pode ter causas imunes ou idiopáticas, sendo que as
causas imunes são mais comuns. Apesar de poder ser diagnosticada a
qualquer idade, a diabetes tipo I é mais frequentemente diagnosticada
em indivíduos mais jovens.

Os indivíduos com diabetes tipo I deverão ser submetidos a terapia de


substituição com insulina. A administração farmacológica de insulina
ocorre por injecção subcutânea – a interrupção da terapia de
substituição de insulina pode resultar em cetoacidose diabética ou em
morte do paciente. De facto, a cetoacidose diabética resulta de uma
libertação excessiva de ácidos gordos (secundária aos reduzidos níveis
de insulina), os quais são subsequentemente convertidos em
cetoácidos.

Diabetes mellitus tipo II (diabetes insulino-


dependente)
A diabetes tipo II caracteriza-se pela resistência tecidular à acção da
insulina, a qual é acompanhada por um défice relativo da secreção de
insulina. Apesar de estes pacientes produzirem insulina nas suas
células β, esta é insuficiente para superar a resistência subjacente, o
que induz um aumento da glicemia. Para além disso, a deficiente acção
da insulina está associada a um aumento do fluxo de ácidos gordos
livres e dos níveis de triacilglicerídeos, bem como a uma redução dos
níveis de HDL.

Os pacientes com diabetes tipo II podem não necessitar de insulina


para sobreviver, mas uma fracção significativa beneficia com a
insulinoterapia. Os indivíduos com diabetes tipo II também não
costumam desenvolver cetose, embora possam desenvolver
cetoacidose em situações de stress ou aquando do uso de medicação
potenciadora de resistência à insulina (tal como os corticosteroides).

Os indivíduos com diabetes II mal-controlada que sofram desidratação


podem desenvolver coma híper-osmolar não-cetótico. Esta condição,
que é potencialmente fatal, está associada a um aumento de 6-20
vezes dos níveis de glicemia, bem como a alterações do estado mental
e perda de consciência.

Diabetes mellitus tipo III


A diabetes mellitus tipo III envolve todos os casos de diabetes
secundários a múltiplas outras causas específicas, tais como
pancreatectomia, pancreatite, doenças não-pancreáticas e terapia
farmacológica.

Diabetes mellitus tipo IV (diabetes gestacional)


A diabetes gestacional inclui qualquer anomalia nos níveis de glicose
surgida durante a gravidez. De facto, durante a gravidez, a placenta e
as hormonas placentárias induzem resistência à insulina, a qual é mais
pronunciada no último trimestre.

Insulina
A insulina é uma pequena proteína constituída por 51 aminoácidos
dispostos em duas cadeias (A e B) unidas por pontes dissulfito. A
insulina é formada a partir do processamento da pró-insulina no
complexo de Golgi. De facto, a pró-insulina é uma molécula peptídica de
cadeia única que, após ser processada, origina insulina e peptídeo C.
A insulina é armazenada em grânulos sitos nas células β. A insulina e o
peptídeo C são secretados em doses equimolares – a secreção dessas
substâncias acompanha-se pela secreção de uma pequena dose de
pró-insulina não-processada. Contrariamente à pró-insulina, que pode
apresentar modesta acção hipoglicémica, o peptídeo C carece de
qualquer função fisiológica.

Secreção de insulina
As células pancreáticas β não-estimuladas libertam quantidades
reduzidas de insulina. Por oposição, quando estimuladas (por exemplo,
pela glicose), estas células libertam doses muito superiores de insulina.
Para além da glicose, várias outras substâncias podem actuar como
estimulantes da secreção da insulina, nomeadamente:

• Outros açúcares (tais como a manose)

• Alguns aminoácidos, tais como a leucina e a arginina

• Hormonas como o GLP-1, o GIP, a glicagina e a colecistocinina

• Estímulos vagais

Por outro lado, a


somatostatina, a
leptina e

níveis
cronicamente
elevados de
glicose e baixos
de ácidos gordos
podem inibir a
secreção de
insulina.

Em termos
moleculares, a
hiperglicemia
resulta na

activação de vias
oxidativas da
glicose, que
induzem um
aumento dos
níveis
intracelulares de
ATP. Por sua vez,
esta molécula
fecha canais de
potássio
dependentes de
ATP – desta
acção resulta

um decréscimo do efluxo de potássio, o que induz despolarização das


células β e abertura dos canais de cálcio dependentes de voltagem.
Subsequentemente, ocorre uma entrada de cálcio, sendo que este
aumento dos níveis intracelulares de cálcio promove a secreção de
insulina. De referir que este mecanismo molecular é potenciado por
alguns anti-diabéticos orais como as sulfonilureias, os meglitinides e a
D-fenilalanina.

Receptor da insulina e acções da insulina


Após ter entrado em circulação, a insulina difunde-se para os tecidos,
onde se liga a receptores especializados expressos na maior parte das
células. O receptor da insulina consiste em dois heterodímeros
covalentes ligados – cada heterodímero apresenta uma subunidade
extracelular (de ligação à insulina), bem como uma subunidade
transmembranar (que contém um domínio cínase de tirosina).

Assim, a ligação da insulina às


subunidades extracelulares
activa o receptor da insulina,
induzindo uma alteração
conformacional neste. Assim,
ocorre uma aproximação dos
domínios catalíticos das duas
subunidades citoplasmáticas do
receptor da insulina – isto facilita
a fosforilação mútua dos
resíduos de tirosina dessas
subunidades, o que permite
activar uma cascata de
sinalização intracelular.

De facto, as proteínas IRS


(substratos do receptor de
insulina) ligam-se aos resíduos
fosforilados do receptor de
insulina, passando a activar
outras cínases, de entre as quais
se destaca a cínase do 3-
fosfatidilinositol.
Alternativamente, as IRS podem
se ligar a uma proteína
adaptadora, activando a via da
RAS e das MAPK.

A activação destas vias


intracelulares resulta na
translocação de transportadores
da glicose (nomeadamente
GLUT4) para a membrana
celular, o que resulta num
aumento da captação da glicose.
Paralelamente, ocorre aumento
da actividade da síntase do
glicogénio, o que induz aumento
da formação de glicogénio. Para
além disso, existe activação de
factores de transcrição
responsáveis por um aumento na
síntese de DNA e
crescimento/divisão celular.

De referir que vários agentes hormonais, tais como os glicocorticóides,


diminuem a afinidade dos receptores da insulina para a insulina,
enquanto a hormona de crescimento parece aumentar esta afinidade.
Por outro lado, uma fosforilação aberrante dos resíduos de serina e
treonina das subunidades do receptor de insulina ou das moléculas de
IRS pode resultar na génese de resistência à insulina, bem como em
down-regulation funcional do receptor.

Em suma, a insulina promove o armazenamento de lipídeos e glicose


no interior das células alvo. Para além disso, esta hormona influencia o
crescimento celular e as funções metabólicas de uma série de tecidos.

Degradação de insulina
A degradação da insulina é maioritariamente operada pelo fígado e rim,
sendo que de entre estes dois órgãos, o fígado desempenha um papel
quantitativamente mais importante. Contudo, nos diabéticos que
recebem injecções de insulina, esta tendência inverte-se e o rim passa
a desempenhar um papel mais preponderante. De referir que o período
de semi-vida da insulina em circulação ronda os 3-5 minutos.

Principais tipos e duração de acção das preparações


de insulina
As preparações comerciais de insulina diferem em vários aspectos, tais
como nas técnicas de produção de DNA recombinante, nas sequências
aminoacídicas, na concentração, na solubilidade e no tempo de latência
e duração da sua acção biológica.

Encontram-se disponíveis quatro tipos principais de insulinas injectáveis:

1. Insulinas de acção muito rápida: Apresentam um reduzido tempo


de latência e curta duração
2. Insulinas de acção rápida: Apresentam um curto tempo de latência

3. Insulinas de acção intermédia

4. Insulinas de acção longa/lenta: Apresentam um elevado tempo de


latência

As insulinas de acção muito rápida e de acção lenta são


disponibilizadas como soluções límpidas a pH neutro e contêm
pequenas quantidades de zinco, que aumentam a sua estabilidade (a
título de exemplo, a insulina glargina e a insulina determir são insulinas
límpidas de longa acção). Por outro lado, as insulinas de acção
intermédia são disponibilizadas como suspensões turvas a pH neutro,
apresentando protamina no seu tampão fosfato.

O uso de insulina injectável tem por objectivo simular a normal secreção


de insulina, substituindo os períodos de secreção basal e prandial de
insulina. Obviamente, não é possível reproduzir fielmente o normal perfil
glicémico, devido às limitações inerentes à administração subcutânea
de insulina. De qualquer modo, os esquemas terapêuticos actuais
optam pelo uso de análogos da insulina, uma vez que estes apresentam
uma acção mais previsível.

A terapia intensiva de insulina procura restabelecer padrões de glicose


próximos do normal ao longo do dia, minimizando o risco de
hipoglicemia. Os regimes intensivos envolvendo várias injecções diárias
utilizam análogos da insulina de acção lenta (de modo a assegurar uma
cobertura durante um período basal) e análogos de insulina de acção
muito rápida (de modo a assegurar as necessidades durante o período
das refeições). Estes últimos análogos são administrados como doses
suplementares para corrigir a hiperglicemia transitória estabelecida no
período pós-prandial.

Insulina de acção muito rápida


Estão actualmente disponíveis três análogos de insulina de acção
muito rápida, nomeadamente a insulina lispro, a insulina aspart e a
insulina glulisina. As insulinas de acção muito rápida permitem uma
simulação da acção prandial da insulina, dado o seu curto tempo de
latência e o seu pico de acção precoce.

Assim, quando comparadas com a insulina regular, as insulinas de


acção muito rápida mimetizam mais fielmente a secreção endógena de
insulina no período prandial. Para além disso, as insulinas de acção
muito rápida apresentam a vantagem de poderem ser administradas
imediatamente antes de uma refeição, sem que isso sacrifique o
controlo da glicose.

A acção das insulinas de acção muito rápida raramente ultrapassa as 4-


5 horas, o que diminui o risco de hipoglicemia pós-prandial tardia. Para
além disso, as insulinas de acção muito rápida apresentam a menor
variabilidade de absorção de todas as insulinas comercialmente
disponíveis. Por fim, resta referir que estas são as insulinas mais
utilizadas nos aparelhos subcutâneos de perfusão contínua de insulina.

Insulina lispro

Em termos estruturais, a insulina lispro é em tudo semelhante à


insulina, excepto na posição de dois aminoácidos próximos do terminal
carboxilo, que sofreram uma inversão – a prolina sita na posição B28
passou para a posição B29, trocando com a lisina que aí se encontrava
(daí o nome “lispro”).

A inversão da posição destes dois aminoácidos não interfere com a


ligação da insulina lispro ao receptor da insulina, nem com o seu
período de semi-vida ou imunogenicidade. De facto, este análogo difere
da insulina pelo facto de apresentar uma capacidade muito reduzida de
se auto-dimerizar de modo anti-paralelo – ora, isto revela-se uma
importante vantagem em relação à insulina humana.

A insulina lispro é estabilizada por um conservante de cresol, formando


hexómeros. Quando administrada por via subcutânea, a insulina lispro
dissocia-se nos seus monómeros, sendo rapidamente absorvida. O seu
tempo de latência ronda os 5-15 minutos, enquanto a sua actividade
máxima pode ocorrer no período de uma hora. Este período de
actividade máxima é relativamente constante, não dependendo da dose
administrada.
Insulina aspart

A insulina aspart resulta da substituição da prolina B28 por um resíduo


de ácido aspártico negativamente carregado. Mais uma vez, esta
modificação inibe a auto-agregação da insulina. A sua absorção e o seu
perfil de actividade são similares aos da insulina lispro. Contudo, a
insulina aspart apresenta propriedades de ligação, actividade e
mitogenicidade similares às da insulina regular.

Insulina glulisina

A insulina glulisina é formada por substituição de um resíduo de


aspargina por lisina (na posição B3) e de um resíduo de lisina por ácido
glutâmico (na posição B29). A sua absorção, acção e características
imunológicas são similares às de outras insulinas de acção muito
rápidas. De qualquer modo, podem se registar algumas diferenças na
via de activação a jusante do IRS – o significado clínico dessas
diferenças permanece desconhecido.

Insulina de acção rápida


A insulina regular é uma insulina cristalina solúvel (contendo zinco) de
acção rápida. Apesar de ser produzida com recurso a técnicas de DNA
recombinante, esta insulina é idêntica à humana. Os seus efeitos
surgem num período de 30 minutos, enquanto a sua actividade máxima
é atingida num período de 2-3 horas após injecção subcutânea. Os
seus efeitos duram entre cinco a oito horas.

Em elevadas concentrações, as moléculas de insulina regular auto-


agregam-se de modo anti-paralelo, formando dímeros, que
subsequentemente se organizam em hexâmeros de insulina em torno
dos iões de zinco. A natureza hexamérica da insulina regular induz um
maior tempo de latência e prolonga o intervalo de tempo de atingimento
das concentrações máximas.

Consequentemente, quando a insulina regular é administrada no


período prandial, a velocidade de aumento da glicemia é superior à de
aumento da insulina – isto gera uma situação de hiperglicemia pós-
prandial precoce, para além de aumentar o risco de hipoglicemia pós-
prandial tardia. Assim, a insulina regular deve ser administrada 30-45
minutos antes da refeição, de modo a minimizar este mismatching.

A duração de acção, o tempo de latência e a intensidade de acção


máxima aumentam com o tamanho da dose de insulina. Isso revela-se
importante, pois implica que existem diferenças entre a farmacocinética
e a farmacodinamia de pequenas e elevadas doses de insulina regular
e insulina NPH.

Actualmente, o uso da insulina regular está a diminuir, devido à elevada


propensão para mismatchings. Todavia, a insulina regular é a única que
deve ser administrada por via intra-venosa, sendo particularmente útil
para a terapia intra-venosa de doentes com cetoacidose diabética, bem
como em situações que cursam com rápidas alterações das
necessidades de insulina (tais como cirurgias ou infecções agudas).

Insulinas de acção intermédia e de acção lenta


Insulina NPH (protamina neutra de Hagedorn)

A insulina NPH é uma insulina de acção intermédia, cuja absorção e


tempo de latência encontram-se atrasados, devido à combinação de
quantidades apropriadas de insulina e protamina, de tal modo que
nenhuma destas substâncias se encontra presente na forma
descomplexada (ou seja, toda a insulina NPH administrada encontra-se
ligada à protamina). Ora, após injecção subcutânea, as enzimas
proteolíticas tecidulares degradam a protamina, permitindo a absorção
de insulina.

O tempo de latência da insulina NPH ronda as 2-5 horas, enquanto a


duração de acção ronda as 4-12 horas. A insulina NPH é
frequentemente misturada com insulinas de acção rápida ou muito
rápida, sendo administrada entre duas a quatro vezes por dia, para
substituição da insulina. A acção desta insulina é dependente da dose,
de tal modo que pequenas doses originam picos menores e mais
precoces, estando associados a uma menor duração de acção.

A acção da insulina NPH é imprevisível, na medida em que apresenta


grande diversidade de absorção. Isto explica porque é que o uso clínico
da NPH encontra-se em declínio – as insulinas de acção lenta
apresentam uma acção mais previsível, mimetizando melhor as acções
fisiológicas da insulina.

Insulina glargina

A insulina glargina é um análogo solúvel da insulina que apresenta


acção lenta e que não atinge um pico de concentrações (mas sim um
plateau). Este análogo é, então, utilizado para reproduzir a secreção
basal de insulina. Em termos moleculares, o terminal carboxilo da sua
cadeia B encontra-se ligado a duas moléculas de arginina, enquanto na
posição A21, ocorre substituição de um resíduo de glicina por
aspargina. Ora, estas alterações resultam na génese de uma molécula
solúvel em meio ácido, mas que precipita no pH do organismo após
injecção subcutânea. Assim, as moléculas de insulina separam-se
lentamente dos precipitados cristalinos, gerando níveis baixos e
prolongados de insulina em circulação.

A insulina glargina apresenta um elevado tempo de latência (1-1,5


horas) e atinge um efeito máximo após 4-6 horas – essa actividade
máxima é mantida por um período de, pelo menos, 11-24 horas. A
glargina é normalmente administrada uma vez por dia, embora alguns
indivíduos possam consumi-la duas vezes por dia. De modo a manter a
sua eficácia, a insulina glargina não deve ser misturada com outras
insulinas, devendo ser conservada a pH ácido. De referir que a
interacção da glargina com o receptor da insulina é similar à verificada
com a insulina humana. Contudo, a capacidade de ligação ao receptor
IGF-1 da insulina glargina é seis a sete vezes superior à da insulina
humana.

Insulina determir

A insulina determir encontra-se desprovida da treonina terminal da


posição B30, enquanto a lisina terminal B29 se encontra ligada ao ácido
mirístico. Estas modificações prolongam a disponibilidade da insulina
determir, pois aumentam a auto-agregação no tecido subcutâneo e a
ligação reversível à albumina.

A insulina determir é aquela que melhor mimetiza a secreção basal de


insulina, sendo que o seu uso está associado a um menor risco de
hipoglicemia, por comparação com o uso de insulina NPH. De referir
que o tempo de latência da insulina determir depende da dose
administrada, embora ronde a 1-2 horas. Já a duração de acção desta
insulina supera as 24 horas. De qualquer modo, esta insulina é
administrada duas vezes por dia.

Misturas de insulinas
Uma vez que as insulinas NPH de acção intermédia necessitam de
várias horas para atingir níveis terapêuticos adequados, o seu uso deve
ser acompanhado por suplementos de insulinas de acção rápida ou
muito rápida, os quais são administrados antes das refeições. Assim,
estes vários tipos de insulina são misturados nas mesmas injecções.

As insulinas lispro, aspart e glulisina podem ser agudamente misturadas


(imediatamente antes da injecção) com a insulina NPH, sem que isso
comprometa a sua rápida absorção. Contudo, estas preparações pré-
mistas revelam-se instáveis. Para contornar este problema,
desenvolveram-se insulinas intermédias compostas por complexos de
protamina com insulina lispro e insulina aspart. Essas insulinas
intermédias são designadas por NPL (protamina neutra lispro) e NPA
(protamina neutra aspart), apresentando a mesma duração de acção da
insulina NPH.

Por outro lado, a insulina glargina e determir devem ser administradas


através de injecções separadas. Estas insulinas não são agudamente
miscíveis, nem numa preparação pré-mista nem em qualquer outro
preparado de insulina.

Riscos da terapia com insulina


Hipoglicemia

As reacções hipoglicémicas constituem a complicação mais comum da


terapia com insulina. Estas reacções resultam, normalmente, de um
consumo glicídico inadequado, de actividade física suplementar ou da
administração de uma dose excessiva de insulina.

Os episódios de hipoglicemia manifestam-se através de sintomas de


activação simpática (taquicardia, palpitações, sudação e trémulo) e
parassimpática (náuseas e fome). Caso não ocorra um tratamento
atempado, pode ocorrer evolução para convulsões e coma.

Em indivíduos expostos frequentemente a episódios hipoglicémicos, os


sinais autónomos decorrentes da hipoglicemia revelam-se menos
comuns ou, até, ausentes. Esta condição perigosa é designada por
“inconsciência hipoglicémica” – estes pacientes não se apercebem
que estão a entrar em hipoglicemia e não adoptam medidas preventivas
a tempo. Assim, estes pacientes incorrem facilmente em alterações de
comportamento ou coma.

Todas as manifestações de hipoglicemia são aliviadas pela


administração de glicose. Para facilitar a absorção, deverá ser
administrada glicose na forma líquida ou sob a forma intra-venosa.

Alergia à insulina

A alergia à insulina constitui um tipo de reacção de hipersensibilidade


imediata. Esta alergia caracteriza-se pela libertação mastocitária de
histamina, o que resulta na presença de urticária sistémica. Em casos
mais graves, podem inclusive ocorrer reacções anafiláticas. De qualquer
modo, o mais comum é desenvolver-se alergia aos contaminantes da
insulina (e não à insulina per se) – ora, nos últimos anos a quantidade
de contaminantes tem vindo a diminuir, de tal modo que a incidência de
reacções alérgicas à insulina também tem vindo a diminuir.

Resistência imune à insulina

Na maior parte dos pacientes, forma-se uma reduzida quantidade de


anticorpos IgG anti-insulina, os quais neutralizam a acção da insulina
em quantidades negligenciáveis. Todavia, em alguns casos, estes
anticorpos anti-insulina desempenham um importante efeito
neutralizante, induzindo resistência à insulina.

Lipodistriofia nos locais de injecção

A injecção de preparações de insulina animal leva, por vezes, à atrofia


do tecido adiposo subcutâneo sito no local de injecção. Contudo, este
fenómeno é extremamente raro em quem procede à injecção de
preparações de insulina humana ou de análogos de insulina.
Fármacos anti-diabéticos orais
Existem seis categorias de fármacos anti-diabéticos orais para o
tratamento da diabetes tipo II:

• Secretagogos de insulina: Sulfonilureias, meglitinidas e derivados


da D-fenilalanina

• Biguanidas

• Tiazolidinedionas

• Inibidores da α-glicosídase

• Terapias baseadas em incretinas

• Análogo da amilina (pramilintida)

As sulfonilureias e as biguanidas constituem o tratamento tradicional


para a diabetes de tipo II. Tal como os restantes secretagogos de
insulina, as sulfonilureias aumentam a secreção de insulina a partir das
células β, enquanto as biguanidas diminuem a produção hepática de
glicose.

Por oposição, as tiazolidinedionas reduzem a resistência à insulina,


enquanto as terapias baseadas em incretinas promovem um aumento
de libertação de insulina e um decréscimo da secreção de glicagina. O
análogo da amilina também diminui os níveis pós-prandiais de glicose,
reduzindo simultaneamente o apetite. Por fim, os inibidores da α-
glicosídase retardam a degradação e absorção do amido e
dissacarídeos.

Secretagogos da insulina
Sulfonilureias

As sulfonilureias aumentam a libertação pancreática de insulina.


Adicionalmente, pensa-se que as sulfonilureias reduzam os níveis
séricos de glicagina e induzam o fecho dos canais de potássio de
tecidos extra-pancreáticos.

Em termos moleculares, as sulfonilureias ligam-se a um receptor de


elevada afinidade, que se encontra associado a um canal de potássio
inward rectifier sensível ao ATP expresso ao nível das células β. Ora, a
ligação de uma sulfonilureia ao seu receptor inibe o efluxo de iões
potássio pelo canal supracitado, induzindo despolarização.
Consequentemente, ocorre abertura de canais de cálcio dependentes
de voltagem, o que resulta num influxo de cálcio e na libertação da
insulina pré-formada.

Para além disso, como anteriormente referido, a administração crónica


de sulfonilureias pode reduzir os níveis séricos de glicagina, o que pode
contribuir para os seus efeitos hipoglicémicos. As bases moleculares
deste processo permanecem desconhecidas, embora pareçam estar
relacionados com o aumento da secreção de insulina e somatostatina.

As sulfonilureias são normalmente divididas em agentes de primeira


geração e segunda geração, os quais diferem, sobretudo, na sua
potência e efeitos adversos. O uso das sulfonilureias de primeira
geração é cada vez menor, de tal modo que apenas as sulfonilureias de
segunda geração serão abordadas.

Apesar de acarretarem menos acções adversas que as sulfonilureias de


primeira geração, as sulfonilureias de segunda geração devem ser
cautelosamente utilizadas em pacientes com doença cardiovascular ou
em pacientes mais idosos, nos quais a hipoglicemia se revela
especialmente perigosa.

Gliburida

A gliburida (glibenclamida) é metabolizada no fígado em produtos com


actividade hipoglicémica muito reduzida. Quando comparada com
outras sulfonilureias, a gliburida apresenta poucas acções adversas
(para além do risco de hipoglicemia). De facto, os casos de rubor após
ingestão de etanol são raros. Para além disso, esta substância aumenta
ligeiramente a depuração de água livre. De qualquer modo, a
administração de gliburida encontra-se contra-indicada para pacientes
com insuficiência hepática ou renal.

Glipizida

A glipizida é a sulfonilureia com menor período de semi-vida. De modo


a ser atingido o seu máximo efeito na redução da hiperglicemia pós-
prandial, este agente deve ser administrados 30 minutos antes do
pequeno-almoço, uma vez que a sua absorção encontra-se reduzida,
aquando da administração conjunta deste fármaco com alimentos.

Devido ao seu menor período de semi-vida, a glipizida é muito menos


susceptível de induzir hipoglicemia, por comparação com a gliburida.
Pelo menos 90% da glipizida é metabolizada no fígado e convertida em
produtos inactivos, sendo os restantes 10% excretados intactos na
urina. Assim, o uso de glipizida encontra-se contra-indicado em
pacientes com insuficiência renal ou hepática grave, uma vez que estes
pacientes apresentam um risco superior de entrarem em hipoglicemia.

Glimepirida

A glimepirida é utilizada uma vez por dia, em monoterapia ou em


combinação com a insulina. Esta sulfonilureia é aquela que, em
menores doses, consegue induzir diminuição da glicemia. Os efeitos da
glimepirida apresentam longa duração, sendo que este fármaco
apresenta um período de semi-vida de cerca de 5 horas. De referir que
este fármaco é completamente inactivado no fígado.

Gliclazida

A gliclazida difere das restantes sulfonilureias pelo facto de ser


específica para o canal de potássio dependente de ATP, não activando
outras vias moleculares. Para além disso, este fármaco apresenta um
efeito protector das células β, inibindo a sua apoptose.

Este fármaco apresenta uma biodisponibilidade próxima de 100%,


sendo que a sua absorção não é afectada pela ingestão de alimentos. A
gliclazida apresenta um período de semi-vida de cerca de 11h, sendo
altamente metabolizada no fígado em, pelo menos, oito metabolitos
inactivos, os quais são excretados na urina.
Meglitinidas

A repaglinida é um secretagogo de insulina da família das meglitinidas.


Os fármacos desta família regulam a libertação de insulina por parte das
células β por modulação do efluxo de potássio (vide supra). Assim, as
sulfonilureias e as meglitinidas actuam em vias moleculares comuns –
de facto, para além de apresentarem o seu próprio local de ligação, as
meglitinidas partilham dois locais de ligação com as sulfonilureias.

A repaglinida apresenta um tempo de latência muito reduzido, atingindo


o seu efeito/concentração máximo uma hora após ingestão, embora a
sua acção se prolongue por 5-8 horas. Este fármaco sofre
metabolização hepática, a qual é operada pela enzima CYP3A4. Devido
ao seu curto período de latência, a repaglinida encontra-se indicada
para o controlo dos picos hiperglicémicos pós-prandiais.

Assim, este fármaco deverá ser tomado imediatamente antes de cada


refeição. Caso a refeição seja atrasada ou contenha um baixo teor de
glicídeos, os indivíduos incorrem em risco de hipoglicemia. Para além
disso, a repaglinida deve ser cautelosamente utilizada em indivíduos
com insuficiência renal ou hepática.

Para além de poder ser utilizada em monoterapia, a repaglinida pode


ser utilizada em combinação com as biguanidas. Este fármaco não
contém enxofre, podendo, por isso, ser administrado a diabéticos com
alergia ao enxofre ou às sulfonilureias.

Derivados da D-fenilalanina

A nateglinida é um derivado da D-fenilalanina, que estimula a


libertação transitória e muito rápida de insulina. Em termos moleculares,
este fármaco actua nas células β, promovendo o fecho do canal de
potássio sensível ao ATP. Para além disso, a nateglinida restabelece a
libertação inicial de insulina em resposta à administração de glicose.

Ora, na diabetes tipo II existe perda desta resposta inicial da insulina,


motivo pelo qual a nateglinida pode se revelante bastante útil na terapia
desta doença. O restabelecimento de uma secreção de insulina mais
normal pode suprimir a libertação de glicagina numa fase precoce da
refeição e, consequentemente, resultar numa menor síntese endógena
de glicose.

Apesar de poder desempenhar um importante papel na terapêutica de


indivíduos com hiperglicemia pós-prandial, a nateglinida apresenta um
efeito mínimo nos níveis de glicose em jejum. De qualquer modo, a
nateglinida pode ser administrada em associação com outros agentes
orais (não pertencentes à classe dos secretagogos), pois mantém a sua
eficácia nessas situações.

A nateglinida é tomada imediatamente antes das refeições, sendo


absorvida num período de vinte minutos após administração oral. Este
fármaco atinge as suas concentrações máximas num período inferior a
uma hora, sendo metabolizado no fígado pelo CYP2C8 e pelo CYP3A4.
Assim, os seus efeitos têm uma duração inferior a 4 horas.

A nateglinida amplifica a resposta secretora a uma dose de glicose,


embora apresente um efeito significativamente menor em condições de
normoglicemia. Assim, a nateglinida parece ser o secretagogo que
comporta menor risco de hipoglicemia. Para além disso, a nateglinida
revela-se segura em indivíduos com insuficiência renal muito grave.

Biguanidas
Mecanismos de acção

O mecanismo de acção das biguanidas (grupo ao qual pertence a


metformina) ainda permanece amplamente desconhecido. Todavia,
sabe-se que o seu efeito principal prende-se com redução da síntese de
glicose, através da activação da cínase das proteínas activada pelo
AMP (AMPK). Para além disso, as biguanidas podem actuar por
mecanismos menos importantes. De entre os mecanismos sugeridos,
destaque para os seguintes:

• Impedimento da gliconeogénese renal

• Atraso da absorção gastrointestinal de glicose

• Aumento da conversão de glicose em lactato por parte dos


enterócitos
• Estimulação directa da glicólise tecidular

• Aumento da remoção da glicose do sangue

• Redução dos níveis plasmáticos de glicagina

A acção hipoglicemiante das biguanidas não depende do


funcionamento das células pancreáticas β. De qualquer modo, os
diabéticos medicados com biguanidas registam menor hiperglicemia
pós-prandial e em jejum. Por outro lado, também não são conhecidos
casos de hipoglicemia secundária à terapia com biguanidas. Assim, as
biguanidas podem ser designadas por agentes “euglicémicos”.

Metabolismo e excreção

A semi-vida da metformina ronda as 1,5-3 horas. Este fármaco não se


liga às proteínas plasmáticas nem é metabolizado, sendo excretado pelos
rins sob a forma activa. A metformina bloqueia a gliconeogénese, de tal
modo que este fármaco pode impedir o metabolismo hepático do ácido
láctico. Assim, em pacientes com insuficiência renal, ocorre acumulação de
biguanidas e aumento concomitante do risco de acidose láctica (sendo que
esta complicação parece depender da dose administrada de biguanidas).

Uso clínico

As biguanidas são fármacos de primeira linha para o tratamento da


diabetes tipo II. De facto, a metformina apresenta vantagens claras em
relação à insulina ou às sulfonilureias, na medida em que não induz um
aumento de peso, não provoca hipoglicemia e actua como um agente
poupador de insulina. Assim, de acordo com estudos recentes, a terapia
com metformina diminui o risco de doença macrovascular e
microvascular (note-se que as restantes terapias apenas interferem com
a morbilidade microvascular).

Para além disso, a metformina é útil na prevenção da diabetes tipo II,


nomeadamente em indivíduos obesos, de meia-idade, com menor
tolerância à glicose e hiperglicemia em jejum. Contudo, a metformina
não previne a diabetes em indivíduos idosos ou mais magros.
De referir que a metformina pode ser usada em conjunto com os
secretagogos de insulina e com as tiazolidinedionas, em diabéticos tipo
II para os quais a monoterapia oral seja inadequada.

Toxicidade

Os efeitos adversos mais comuns da metformina versam o sistema


gastro-intestinal e cursam com anorexia, náuseas, vómitos, desconforto
abdominal e diarreia. Estes sintomas relacionam-se com a dose de
metformina administrada e tendem a ocorrer no início da terapia,
podendo ser transitórios. Para além disso, a administração crónica de
metformina parece reduzir a absorção de vitamina B12.

As biguanidas encontram-se contra-indicadas em alcoólicos e


indivíduos com doença renal, doença hepática ou outras condições
predisponentes para a anóxia (tais como disfunção cardio-pulmonar
crónica), devido ao facto de induzirem um aumento do risco de acidose
láctica.

Tiazolidinedionas
As tiazolidinedionas (Tzds) actuam num sentido de diminuir a
resistência à insulina. As Tzds são ligandos do receptor PPAR-γ –
estes receptores pertencem à superfamília dos receptores nucleares,
encontrando-se expressos ao nível do músculo, fígado e tecido adiposo.
Os receptores PPAR-γ modulam a expressão de genes envolvidos no
metabolismo lipídico e glicídico, bem como nas vias de transdução de
sinal da insulina e da diferenciação adipocitária.

Para além de actuarem ao nível dos adipócitos, miócitos e hepatócitos,


as Tzds também desempenham importantes efeitos no endotélio
vascular, sistema imunitário, ovários e células tumorais. Contudo,
algumas dessas respostas podem ser independentes da via do PPAR-γ.

Nos diabéticos, o tecido adiposo constitui um dos principais locais de


actuação das Tzds. Nesse tecido, as Tzds promovem a captação e
utilização de glicose, para além de modular a síntese de hormonas
lipofílicas, citocinas e outras proteínas envolvidas na regulação
energética. Para além disso, as Tzds também regulam a apoptose e
diferenciação dos adipócitos.
As Tzds são consideradas euglicémicas, apresentando uma eficácia
similar à da monoterapia com sulfonilureias ou biguanidas. Contudo,
uma vez que as Tzds actuam por mecanismos dependentes da
regulação génica, estes fármacos apresentam um elevado tempo de
latência, o qual pode atingir alguns meses.

Actualmente, encontram-se disponíveis duas Tzds – a pioglitazona e a


rosiglitazona. As suas cadeias laterais distintas criam diferenças na
sua acção terapêutica, metabolismo e efeitos adversos. Os indivíduos
em quem outras terapias orais não se tenham revelado eficazes podem
beneficiar da adição de uma Tzd. Contudo, a associação das Tzds com
as sulfonilureias ou com a insulina pode induzir hipoglicemia, podendo
obrigar a um ajuste das dosagens administradas.

O principal efeito adverso das Tzds prende-se com a retenção de


fluidos, que se manifesta através do desenvolvimento de anemia
moderada e edema periférico – este risco é superior em pacientes que
são simultaneamente medicados com insulina ou secretagogos de
insulina. As Tzds comportam muitos outros efeitos adversos, nos quais
se incluem:

• Aumento do risco de insuficiência cardíaca

• Aumento de peso e alteração do perfil lipídico (diminuição dos


níveis de triacilglicerídeos, bem como um ligeiro aumento dos
níveis de HDL e LDL)

• Aumento da susceptibilidade para o desenvolvimento de fracturas


ósseas em indivíduos do sexo feminino

• Aumento do risco de gravidez (as mulheres anovulatórias podem


voltar a ovular)

• Aparecimento ou agravamento de edema muscular

As Tzds estão contra-indicadas em grávidas e em indivíduos com


doença hepática grave ou diagnóstico de insuficiência cardíaca. Apesar
disso, ainda não foram observados efeitos hepatotóxicos na sequência
da administração de rosiglitazona ou pioglitazona.
Apesar de estes fármacos serem altamente eficazes, as suas acções
adversas (aumento do peso, risco de insuficiência cardíaca congestiva e
aumento das fracturas ósseas em mulheres) limitam a sua
popularidade.

Pioglitazona

A pioglitazona apresenta actividade sobre os receptores PPAR-α e


PPAR-γ. Este fármaco é absorvido duas horas após ingestão, embora
esse período de tempo possa estar prolongado na presença de
alimentos (os quais não afectam a sua biodisponibilidade). A
pioglitazona é metabolizada pela CYP2C8 e CYP3A4 em metabolitos
activos, de tal modo que este fármaco pode afectar a biodisponibilidade
de vários outros fármacos também degradados por essas enzimas (de
entre esses fármacos, destaque para os contraceptivos orais com
estrogénios).

A pioglitazona pode ser administrada uma vez por dia, podendo ser
administrada isoladamente ou em combinação com a metformina,
sulfonilureias e insulina. Quando comparada com a rosiglitazona, a
pioglitazona reduz os níveis de triacilglicerídeos de modo mais eficaz,
provavelmente por actuar também nos receptores PPAR-α. Para além
disso, este fármaco reduz a mortalidade e o risco de desenvolvimento
de eventos macrovasculares (nomeadamente enfarte agudo do
miocárdio e AVC).

Inibidores da α-glicosídase
As α-glicosídases são enzimas intestinais responsáveis pela hidrólise
de oligossacarídeos. Ora, ao inibirem as α-glicosídases intestinais, a
acarbose e o miglitol atrasam a absorção de amido e dissacarídeos,
reduzindo os picos hiperglicémicos pós-prandiais.

O miglitol difere estruturalmente da acarbose, inibindo a sacarase com


uma potência seis vezes superior. Apesar de estes dois componentes
apresentarem diferentes afinidades de ligação, a acarbose e o miglitol
inibem ambos a sacarase, maltase, glicoamílase e dextranase. O
miglitol actua ainda na isomaltase e em β-glicosídases (que degradam
β-açúcares, como a lactose). Por seu turno, a acarbose têm acção
adicional sobre a α-amílase.

Ao inibir estas enzimas, a acarbose e o miglitol minimizam a digestão


(e, por conseguinte, a absorção) ocorrida ao nível do intestino proximal,
levando a que a digestão (e absorção) glicídica passe a ocorrer
maioritariamente ao nível no intestino distal – isto gera um efeito
poupador de insulina e induz uma diminuição dos picos glicémicos em
45-60 mg/dL.

A monoterapia com os inibidores das α-glicosídase induz ainda um


decréscimo pouco expressivo dos níveis de hemoglobina glicada. Para
além de poderem ser administrados em monoterapia, os inibidores da
α-glicosídase podem ser administrados em associação com as
sulfonilureias.

Os efeitos adversos mais proeminentes destes fármacos incluem


flatulência, diarreia e dor abdominal, sendo que estes efeitos podem
resultar da presença de glicídeos não-digeridos no cólon. Estes efeitos
adversos tendem a diminuir com o uso continuado destes fármacos, na
medida em que a exposição crónica aos glicídeos induz a expressão
distal de α-glicosídase no jejuno e íleo.

Quando administrados em monoterapia ou em associação com uma


biguanida, os inibidores da α-glicosídase não induzem um risco
acrescido de hipoglicemia. Todavia, este risco torna-se considerável em
indivíduos que estejam a tomar uma combinação de inibidores da α-
glicosídase e sulfonilureias. Nessa situação, a hipoglicemia não deve
ser tratada com recurso à sacarose, uma vez que a hidrólise deste
dissacarídeo pode ser bloqueada pelos inibidores da α-glicosídase.
Assim, nessa situação de hipoglicemia, deve ser administrada glicose.

Os inibidores da α-glicosídase encontram-se contra-indicados em


pacientes com doença inflamatória intestinal (ou qualquer outra
condição intestinal que possa ser agravada pela presença de gás e pela
distensão). Para além disso, estes fármacos são excretados por via
renal, motivo pelo qual não devem ser prescritos em indivíduos com
insuficiência renal. A acarbose tem sido associada com aumento
reversível dos níveis de enzimas hepáticas, devendo, por isso, ser
cuidadosamente administrada na presença de doença hepática.
A terapia com inibidores da α-glicosídase em indivíduos pré-diabéticos
parece prevenir o aparecimento de diabetes tipo II e parece ajudar a
restabelecer a função das células β. Para além disso, estes fármacos
também se revelam benéficos no tratamento da doença cardiovascular
e hipertensão em indivíduos pré-diabéticos. Por fim, a acarbose também
reduz a incidência de eventos cardiovasculares em indivíduos com
diabetes.

Agonistas do GLP-1
Exanitídeo

O exanitídeo é um análogo sintético do GLP-1, constituindo a primeira


incretina utilizada para o tratamento da diabetes.

O exanitídeo é utilizado como uma terapia injectável adjuntiva da


metformina ou da associação metformina/sulfonilureias. Este fármaco é
administrado a diabéticos que, mesmo seguindo as terapias
mencionadas, continuam a revelar um controlo sub-óptimo da glicemia.

De acordo com estudos recentes, a terapia com exanitídeo apresenta


vários efeitos benéficos, nos quais se incluem:

• Potenciação da secreção de insulina mediada pela glicose:


Pensa-se que este fenómeno ocorra por aumento da quantidade
de células β. Todavia, não se sabe se esse aumento da
quantidade de células β resulta de uma diminuição da apoptose,
do aumento da formação de células, ou de ambos os processos.

• Supressão da libertação pós-prandial de glicagina

• Atraso do esvaziamento gástrico

• Perda central do apetite

O exanitídeo é absorvido de forma equitativa pelo braço, abdómen e


coxa, sendo que a concentração máxima deste fármaco é atingida duas
horas após a sua administração. A duração da acção do exanitídeo
ronda as 10 horas. Este fármaco sofre filtração glomerular, sendo
necessários ajustes posológicos em indivíduos com insuficiência renal
grave.

O exanitídeo deve ser injectado (por via subcutânea) 60 minutos antes


de uma refeição. Na associação exanitídeo/sulfonilureias, deve ocorrer
diminuição das doses administradas de sulfonilureias, de modo a
diminuir o risco de hipoglicemia.

Os principais efeitos adversos do exanitídeo incluem náuseas, vómitos


e diarreia. Alguns indivíduos reportam perda de peso. Para além disso,
estão descritos casos de pancreatite hemorrágica e necrotizante.

Liraglutídeo

O liraglutídeo é um análogo sintético do GLP-1 de longa acção, tendo


uma homologia de cerca de 97% com o GLP-1 natural, mas uma semi-
vida superior (o que permite que seja administrado apenas uma vez por
dia). O liraglutídeo interage com o receptor do GLP-1, promovendo um
aumento da secreção de insulina e um decréscimo da secreção de
glicagina.

O liraglutídeo deve ser administrado (sob a forma injectável) a


diabéticos tipo II simultaneamente tratados com metformina,
sulfonilureias ou Tzds, e cuja glicemia não esteja a ser adequadamente
controlada. Contudo, este fármaco não deve ser administrado como
terapia de primeira-linha, nem para uso simultâneo com a insulina.

Os principais efeitos adversos do liraglutídeo incluem cefaleias,


náuseas, diarreia, formação de anticorpos e urticária. O uso
concomitante de liraglutídeo e sulfonilureias pode induzir hipoglicemia,
podendo obrigar a um ajuste da dose destes últimos fármacos. Para
além disso, o liraglutídeo pode induzir pancreatite, motivo pelo qual não
deve ser administrado a indivíduos com pancreatite.

Inibidores da dipeptidil peptídase 4 (DDP-4)


A dipeptidil peptídase 4 (DDP-4) é a enzima responsável pela
degradação de incretinas e outras moléculas similares ao GLP-1. Ora, a
sitagliptina, a saxagliptina e a vidagliptina são inibidores desta enzima,
de tal modo que a sua acção resulta no aumento dos níveis circulantes
de GLP-1 e GIP. O aumento dos níveis destas substâncias induz um
aumento da secreção de insulina medida pela glicose, bem como um
decréscimo dos níveis de glicagina – ora, isto leva à diminuição dos
picos pós-prandiais de glicose.

Sitagliptina

A sitagliptina apresenta uma biodisponibilidade oral superior a 85% e


um período de semi-vida que ronda as 12 horas. Os seus efeitos
adversos mais comuns incluem rinofaringite, infecções do tracto
respiratório superior e dores de cabeça. Estão ainda descritos casos de
reacções alérgicas graves. De referir que, as doses de sitagliptina
devem ser reduzidas em pacientes com insuficiência renal. Este
fármaco pode ser administrado em monoterapia, ou em terapia
combinada com a metformina ou as Tzds.

Saxagliptina

A saxagliptina atinge as suas máximas concentrações duas horas após


ser administrada. Este fármaco liga-se muito fracamente às proteínas
plasmáticas, sendo metabolizada por parte das enzimas CYP3A4/5.
Esta biotransformação permite gerar um metabolito activo, cuja
excreção se processa por via renal e hepática. Em indivíduos com
insuficiência renal, ou que estejam a tomar inibidores da CYP3A4/5,
devem ser feitos ajustes posológicos.

A saxagliptina pode ser utilizada como monoterapia ou em combinação


com as biguanidas, sulfonilureias e Tzds. Os seus principais efeitos
adversos incluem aumento da taxa de infecções (sobretudo dos tractos
respiratório e urinário), cefaleias, edema periférico (quando combinada
com as Tzds), hipoglicemia (quando combinadas com as sulfonilureias)
e reacções de hipersensibilidade.

Vidagliptina

A vidagliptina é rapidamente absorvida por via oral, apresentando uma


biodisponibilidade próxima de 85% (os alimentos não interferem com a
absorção deste fármaco). A vidagliptina apresenta fraca capacidade de
ligação às proteínas plasmáticas, sendo excretada maioritariamente por
hidrólise tecidular (apenas uma fracção menor sofre excreção urinária).

Este fármaco apresenta um reduzido tempo de latência, sendo a


duração das suas acções dependente da dose administrada. A
vidagliptina não apresenta grandes interacções farmacológicas, uma
vez que sofre metabolização desprezável pelas enzimas da família do
citocromo P450. Em indivíduos com insuficiência renal, verifica-se um
aumento dos níveis de vidagliptina, embora este não seja proporcional à
gravidade da insuficiência.

A vidagliptina pode ser utilizada em monoterapia ou em associação com


a metformina ou com a insulina. Este fármaco melhora a função das
células β, mas, contrariamente aos agonistas dos receptores do GLP-1,
não afecta o esvaziamento gástrico. Para além disso, a vidagliptina
aumenta a sensibilidade das células α à glicose, o que diminui o risco
de desenvolvimento de eventos hipoglicémicos em diabéticos. Assim,
este fármaco revela-se deveras seguro, sobretudo em idosos.

Glicagina
A glicagina é um peptídeo de 29 aminoácidos sintetizado pelas células
α dos ilhéus de Langerhans. A glicagina é formada por clivagem
proteolítica da pró-glicagina – um dos seus percursores constitui a
glicentina, um peptídeo de 69 aminoácidos que contém a sequência de
glicagina entreposta entre duas extensões peptídicas.

Por sua vez, as células intestinais secretam enteroglicaginas -


peptídeos da família da glicagina, nos quais se incluem a glicentina, o
GLP-1 e o GLP-2. Contrariamente às células α pancreáticas, estas
células intestinais não expressam as enzimas necessárias para
converter os percursores da glicagina em glicagina.

A glicagina é amplamente degradada no fígado, rim e plasma. A sua


semi-vida plasmática ronda os 3-6 minutos, sendo esse período de
semi-vida similar ao da insulina.

Efeitos farmacológicos da glicagina


• Efeitos metabólicos: Ao nível dos hepatócitos, a glicagina liga-se
a receptores acoplados à proteína Gs. Ora, isto activa uma via de
transdução de sinal que promove o catabolismo do glicogénio e
um aumento da gliconeogénese e cetogénese. Como resultado,
ocorre uma subida dos níveis de glicemia.

• Estimulação da secreção pancreática de insulina: Para além


de promover a secreção de insulina, a glicagina promove a
secreção de catecolaminas a partir dos feocromocitomas, bem
como de calcitonina a partir das células do carcinoma medular.

• Efeito inotrópico e cronotrópico positivo.

• Relaxamento do músculo liso intestinal: Este efeito observa-se


aquando da presença de doses muito elevadas de glicagina, não
parecendo depender da activação da adenil cíclase.

Usos clínicos
• Hipoglicemia grave: A glicagina é utilizada para o tratamento de
reacções hipoglicémicas graves em pacientes inconscientes com
diabetes I, nos quais a administração oral ou intra-venosa de
glicose não é possível.

• Diagnóstico endócrino: A glicagina pode ser utilizada para


diagnosticar doenças endócrinas. A título de exemplo, nos
pacientes com diabetes tipo I, a glicagina pode ser utilizada para
testar a função secretora das células pancreáticas β.

• Sobredosagem de bloqueadores β: A glicagina é capaz de


activar a produção de cAMP no coração (vide supra), motivo pelo
qual pode ser utilizada para inverter os efeitos cardíacos
resultantes da sobredosagem de bloqueadores β. Contudo, a
glicagina não é útil na terapêutica da insuficiência cardíaca.

• Radiologia intestinal: A glicagina tem sido amplamente utilizada


como adjuvante da visualização radiológica intestinal, devido à
sua capacidade em relaxar o intestino.
Apesar disso, a glicagina pode induzir náuseas transitórias, bem como
vómitos ocasionais. Essas reacções são normalmente ligeiras, de tal
modo que a glicagina é relativamente livre de reacções adversas
graves.

GLP-1 (Glucagon-Like Peptide 1)


A função das enteroglicaginas ainda não foi completamente clarificada.
Contudo, sabe-se que o GLP-1, uma dessas enteroglicaginas, actua
como um potente estimulante da síntese e secreção de insulina por
parte das células β. Para além disso, o GLP-1 inibe a secreção de
glicagina, atrasa o esvaziamento gástrico e apresenta um efeito
anorexiante.

Quase 70% da secreção de insulina registada após secreção oral é


induzida pela acção do GLP-1 e do GIP (outra hormona intestinal). O
GLP-1 constitui a forma predominante de GLP no intestino humano,
sendo também designado por insulinotropina.

O GLP-1 é considerado um potencial agente terapêutico da diabetes


tipo II e, de facto, o exanitídeo é um análogo do GLP-1 (vide supra).
Todavia, o GLP-1 propriamente dito apresenta utilidade clínica limitada,
na medida em que este peptídeo deverá ser administrado sob a forma
de infusão subcutânea, de modo a produzir uma diminuição sustentada
da hiperglicemia pós-prandial e em jejum.

Polipeptídeo amilóide dos ilhéus pancreáticos


(amilina)
A amilina é um peptídeo de 37 aminoácidos, originalmente derivado
dos depósitos amiloides dos ilhéus pancreáticos com insulinomas ou
diabetes tipo II de longa duração. A amilina é produzida pelas células β
pancreáticas, sendo co-secrteada com a insulina de modo pulsátil (por
cada 10 moléculas de insulina, é libertada uma molécula de amilina). A
amilina circula de modo glicado (activo) e de modo não-glicado
(inactivo), sendo maioritariamente excretada no rim.
Pensa-se que a amilina pertença à superfamília dos peptídeos
neurorreguladores. De facto, este peptídeo parece modular a libertação
da insulina, exercendo feedback negativo sobre a secreção de insulina.
Em doses farmacológicas, a amilina reduz a secreção de glicagina,
atrasa o esvaziamento gástrico (por um mecanismo mediado pelo nervo
vago) e diminui o apetite.

A pramlintida é um análogo da amilina, que difere desta última


substância em três aminoácidos (ocorreu uma substituição dos resíduos
de prolina da amilina nas posições 25, 28 e 29). Estas modificações
tornam a pramlintida solúvel e não-auto-agregante.
Introdução ao estudo dos
antibióticos β-lactâmicos
Os antibióticos β-lactâmicos englobam um conjunto de fármacos com
uma estrutura química e um mecanismo de acção comum. De facto,
esta classe de antibióticos apresenta um anel β-lactâmico, o qual pode
estar fundido com estruturas cíclicas ou ligado a radicais não-cíclicos.
Já no que concerne ao seu mecanismo de acção, os antibióticos β-
lactâmicos inibem a síntese de peptidoglicanos da parede bacteriana,
pois impedem o estabelecimento de ligações transpeptídicas.

Apesar de actuarem de forma idêntica, os diferentes antibióticos β-


lactâmicos apresentam diferentes espectros de acção. Assim, o
espectro de acção dos β-lactâmicos é condicionado por uma série de
parâmetros, que variam de acordo com o antibiótico:

1. Afinidade dos antibióticos para as PBPs (proteínas bacterianas


de ligação às penicilinas).

2. Grau de resistência à inactivação pelas β-lactamases: As β-


lactamases são enzimas bacterianas que inactivam os
antibióticos β-lactâmicos. Quanto mais resistente for um β-
lactâmico à acção destas enzimas, maior será o seu espectro
anti-bacteriano.

3. Capacidade de travessia do revestimento das células


bacterianas: Para que um antibiótico seja eficaz, é necessário
que este chegue junto das PBPs da membrana citoplasmática,
em concentrações adequadas. Para isso, o antibiótico deverá ser
capaz de atravessar todo o revestimento externo das células
bacterianas.

A integridade do anel β-
lactâmico é fundamental
para que os β-
lactâmicos possam
exercer a sua actividade
antibiótica. Assim, seja
qual for o antibiótico β-
lactâmico considerado, a
abertura do anel β-
lactâmico (que pode ser
mediada, por exemplo,
por acção das β-
lactamases) anula
completamente a sua
acção antibiótica.
Penicilinas
As penicilinas são antibióticos β-lactâmicos que contêm ácido 6-
aminopenicilânico na sua estrutura química - este ácido resulta da
fusão do anel β-lactâmico com um anel tiazolidínico.

As penicilinas podem ser naturais ou semi-sintéticas. As penicilinas


naturais são produzidas pelos fungos do género Penicillium, e foram
muito utilizadas no passado. Todavia, actualmente, apenas duas
penicilinas naturais continuam a ser utilizadas na prática clínica – essas
penicilinas designam-se por benzilpenicilina (penicilina G) e
fenoximetilpenicilina (penicilina V).

Apesar de actuarem pelos mesmos mecanismos, as penicilinas


apresentam diferentes espectros de acção. Ora, isto deve-se a dois
motivos distintos:

1. Penicilinas diferentes apresentam afinidades distintas para as PBPs

2. As bactérias diferem muito entre si quanto às PBPs expressas na


sua membrana.

Todas as penicilinas são sensíveis à acção inactivadora das β-


lactamases bacterianas. As isoxazolpenicilinas e a meticilina constituem
duas excepções parciais a esta regra – embora sejam susceptíveis à
acção das penicilinases da maioria das bactérias gram-negativas, estes
fármacos são resistentes à acção das beta-lactamases dos
Staphylococcus.

Actualmente, assistimos a uma crescente emergência de estirpes


bacterianas produtoras de β-lactamases (resistentes às penicilinas).
Assim, a administração de penicilinas em conjunto com fármacos
inactivadores das β-lactamases revela-se cada vez mais frequente.

Penicilinas naturais

Benzilpenicilina
A benzilpenicilina foi a primeira penicilina a ser introduzida na prática
clínica. Este antibiótico hidrolisa-se facilmente em meio ácido, motivo
pelo qual não deve ser administrado por via oral. Para além disso, a
benzilpenicilina é muito sensível à acção inactivadora das β-lactamases.

A benzilpenicilina tem uma grande propensão para formar sais solúveis.


Assim, é frequente administrar benzilpenicilina sob a forma de sais
hidrossolúveis (nomeadamente sais de sódio ou potássio) por via intra-
venosa ou intra-muscular.

Para além disso, quando adicionado a várias aminas, este antibiótico


forma complexos insolúveis, os quais são designados por preparações
“depósito”. Estes complexos são administrados com o objectivo de
prolongar o tempo de acção da benzilpenicilina.

Espectro anti-bacteriano

O espectro anti-bacteriano da benzilpenicilina é relativamente pouco


amplo, tendo tendência para ficar mais estreito, devido à crescente
emergência de estirpes resistentes (produtoras de β-lactamases).

Analisemos então a acção da benzilpenicilina para cada género de


bactérias:

1. Cocos gram-positivos aeróbios:

1.1. Staphylococcus: Os Staphylococcus não-produtores de β-


lactamases são muito sensíveis à acção da benzilpenicilina.
Todavia, a maior parte das infecções clínicas estafilocócicas são
causadas por estirpes produtoras de β-lactamases, de tal modo
que a benzilpenicilina deixou de ter qualquer interesse no
tratamento deste tipo de infecções.

1.2. Streptococcus: Todos os Streptococcus são sensíveis à


benzilpenicilina, com excepção de algumas estirpes de
Streptococcus viridans e dos enterococos, que são resistentes a
este fármaco. Os Streptococcus dos grupos A, B, C e G são
sensíveis a concentrações relativamente baixas de
benzilpenicilina, enquanto o Streptococcus pneumoniae é
sensível a concentrações ainda mais baixas. Todavia, embora se
encontre ainda num valor reduzido, o número de estirpes de
Streptococcus pneumoniae totalmente resistentes à
benzilpenicilina tem vindo a aumentar. Na verdade, para todas as
espécies de cocos gram-positivos aeróbios, já foram encontradas
estirpes resistentes à benzilpenicilina.

2. Bacilos gram-positivos aeróbios: De entre os bacilos gram-


positivos aeróbios mais sensíveis à acção da benzilpenicilina,
destaque para o bacilo diftérico (Corynebacterium diphtheriae) e para
muitas estirpes de Listeria monocytogenes, Bacillus anthracis e
Erysipelothrix rhusiopathiae.

3. Cocos gram-negativos aeróbios: A maior parte das bactérias desta


classe apresenta sensibilidade à benzilpenicilina. Apesar disso, a
maioria das estirpes de Moraxella catarrhalis e gonococos apresenta
resistência à benzilpenicilina. Contrariamente aos gonococos, os
meningococos resistentes à benzilpenicilina são ainda bastante
raros.

3.1. Coco-bacilos gram-negativos aeróbios: A Pasteurella multocida


é normalmente bastante sensível à acção da benzilpenicilina.

4. Bacilos gram-negativos aeróbios: Uma grande parte dos bacilos


gram-negativos aeróbios (na qual se incluem o Haemophilus
influenzae e parainfluenzae, a Bordetella, a Brucella e a Legionella)
apresenta sensibilidade moderada à benzilpenicilina. Todavia, esta
sensibilidade não é suficientemente elevada para que a
benzilpenicilina tenha utilidade prática no tratamento de infecções
provocadas por estes agentes. As Pseudomonas, o Acinetobacter,
as Plesiomonas e as enterobactérias são resistentes à acção da
benzilpenicilina.

5. Bactérias anaeróbias gram-positivas: Estas bactérias apresentam


sensibilidade variável para a benzilpenicilina. Assim, várias estirpes
de Clostridia, Peptococcus, Peptostreptococcus, Eubacterium e
Peptobacterium são sensíveis a concentrações muito reduzidas de
benzilpenicilina, enquanto outras estirpes apresentam menor
sensibilidade ou resistência a este fármaco.
6. Bactérias anaeróbias gram-negativas: Estas bactérias apresentam
sensibilidade variável para a benzilpenicilina. Assim, várias estirpes
de Fusobacterium, Veillonella e Bacteroides melanogenicus são
sensíveis a concentrações muito reduzidas de benzilpenicilina,
enquanto outras estirpes apresentam resistência a este fármaco. O
Bacteroides fragilis é praticamente resistente à benzilpenicilina.

7. Espiroquetas: As espiroquetas são muito sensíveis à


benzilpenicilina. De entre as espécies mais sensíveis, destaque para
o Treponema pallidum, Borrelia burgdorferi, Borrelia recurrentis e
Leptospira.

Farmacocinética

Apesar de ser bem absorvida no intestino delgado, a benzilpenicilina é


intensamente inactivada pelo pH ácido do estômago. Assim, apenas 15
a 30% da dose de benzilpenicilina administrada oralmente chega intacta
ao intestino, de tal modo que este antibiótico não deve ser administrado
por via oral.

Os sais hidrossolúveis de benzilpenicilina podem ser administrados por


via intra-venosa ou intra-muscular. A administração intra-venosa leva a
que sejam atingidas concentrações mais elevadas deste fármaco,
enquanto a administração intra-muscular permite que sejam atingidas
concentrações mais sustentadas (mais prolongadas).

De facto, quando a benzilpenicilina é administrada por via intra-venosa,


as suas concentrações plasmáticas diminuem rapidamente (ou seja,
este fármaco apresenta um reduzido período de semi-vida), o que se
deve à rápida excreção renal deste antibiótico.

A rápida excreção da benzilpenicilina obrigou ao desenvolvimento de


preparações “depósito”, que atrasam a absorção deste antibiótico,
permitindo intervalar mais as suas injecções. Essas preparações
“depósito” incluem (por ordem crescente do atraso da absorção) a
penicilina G-procaína, a penicilina G-clemizol e a penicilina G-
benzatina.

Quando são administradas preparações “depósito”, obtêm-se


concentrações plasmáticas inferiores às que seriam obtidas com doses
iguais de preparações hidrossolúveis. Todavia, essas concentrações
mantêm-se por um período de tempo muito superior. De entre todas as
preparações “depósito”, a penicilina G-benzatina é aquela que
apresenta maior tempo de absorção, sendo por isso a preparação que
condiciona concentrações plasmáticas mais baixas, mas mais
persistentes.

De qualquer modo, as preparações “depósito” de benzilpenicilina


(sobretudo a penicilina G-benzatina) devem ser administradas de tal
modo, que as suas concentrações plasmáticas não atinjam um valor
inferior a 0,03 μg/mL, que corresponde à concentração mínima eficaz
para a profilaxia da febre reumática e para a terapêutica da sífilis. De
facto, estas constituem as duas principais indicações terapêuticas para
o uso de penicilina G-benzatina.

A penicilina G-procaína e, sobretudo, a penicilina G-clemizol são


utilizadas no tratamento de outras infecções bacterianas sensíveis à
benzilpenicilina, desde que acompanhadas por doses adequadas de
benzilpenicilina hidrossolúvel. Assim, a benzilpenicilina hidrossolúvel
permite rapidamente assegurar a presença de níveis plasmáticos
eficazes de benzilpenicilina, que depois seriam mantidos pelas
preparações “depósito”. Contudo, existe quem critique este esquema
terapêutico, argumentando que as elevadas concentrações iniciais
duram pouco, não se mantendo em nível terapêutico durante todo o
tempo entre as injecções.

Cerca de 10% da benzilpenicilina circula ligada aos eritrócitos, enquanto


os restantes 90% circulam no plasma. A maior parte da fracção
plasmática circula livre, de tal modo que apenas uma fracção minoritária
circula ligada às proteínas plasmáticas.

Apesar de se difundir bem e rapidamente para a maior parte dos


tecidos, a benzilpenicilina não se distribui de forma uniforme. As
concentrações mais elevadas deste fármaco atingem-se a nível renal,
embora também sejam atingidas concentrações elevadas ao nível do
fígado, intestino, pele e tracto bronco-pulmonar. Por oposição, a
próstata, os fluidos oculares, o líquido cefalo-raquidiano e o sistema
nervoso central constituem os tecidos do organismo onde as penicilinas
chegam com mais dificuldade. Para além disso, o músculo esquelético,
o coração, as cápsulas supra-renais e o baço também “recebem”
quantidades de benzilpenicilina deveras reduzidas.

Na próstata e nos fluidos oculares, é praticamente impossível obter


concentrações eficazes de benzilpenicilina. Todavia, no sistema nervoso
central isto já é possível, caso sejam empregues doses muito elevadas
deste antibiótico. De facto, em situações de meningite, ocorre aumento
da permeabilidade da barreira hemato-encefálica aos antibióticos, o que
possibilita a difusão de benzilpenicilina para o sistema nervoso central.

Para além disso, o probenecid promove um aumento da concentração


central de benzilpenicilina, através de dois processos:

1. A passagem da benzilpenicilina do líquido cefalo-raquidiano para


o sangue, faz-se por transporte activo, sendo esse processo
inibido pelo probenecid. Assim, o probenecid aumenta
directamente as concentrações de benzilpenicilina no sistema
nervoso central.

2. O probenecid inibe a excreção de benzilpenicilina, o que promove


a acumulação plasmática deste antibiótico, e subsequente
passagem para o sistema nervoso central.

Em situações de uremia, ocorre acumulação central de vários ácidos


orgânicos, os quais competem com a benzilpenicilina pelo transporte
activo desde o líquido cefalo-raquidiano até ao sangue. Assim, nessas
situações também ocorre acumulação central de benzilpenicilina, o que
pode levar à ocorrência de fenómenos tóxicos do tipo convulsivo.

A biotransformação da benzilpenicilina é muito pouco significativa, não


tendo significado qualquer prático. A pequena fracção de
benzilpenicilina que sofre biotransformação origina ácido penicilóico e
ácido penicilânico, dois metabolitos desprovidos de acção anti-
bacteriana.

A benzilpenicilina é essencialmente excretada por via renal, aparecendo


no filtrado, sobretudo, por secreção tubular activa. A secreção tubular
pode ser inibida por compostos que utilizem o mesmo transportador da
benzilpenicilina, de entre os quais se destaca o probenecid. Assim,
antes do advento das preparações “depósito”, o probenecid era utilizado
para prolongar o tempo de semi-vida das preparações hidrossolúveis.

A benzilpenicilina pode ainda ser excretada por outras vias, de entre as


quais se destaca a via intestinal. Todavia, a quantidade de
benzilpenicilina que é excretada através destas vias alternativas é
extremamente reduzida, não tendo qualquer significado prático.

Uma vez que é maioritariamente excretada por via renal, a


benzilpenicilina (tal como as restantes penicilinas) atinge concentrações
urinárias muito elevadas (inclusive superiores às concentrações
plasmáticas). Ora, isto permite que a benzilpenicilina seja utilizada no
tratamento de infecções urinárias.

Em situações de insuficiência renal, ocorre um aumento da


concentração plasmática e do tempo de semi-vida da benzilpenicilina.
Nestas situações, os níveis urinários deste antibiótico podem descer
para níveis tão reduzidos, que se tornem ineficazes para o tratamento
de infecções do tracto urinário. Paralelamente, a via biliar passa a
adquirir particular importância para a excreção deste fármaco.

Uso terapêutico

A importância terapêutica da benzilpenicilina tem vindo a diminuir. De


facto, têm sido descobertos novos antibióticos mais eficazes que a
benzilpenicilina, e que apresentam a vantagem de poderem ser
administrados por via oral. Por outro lado, tem aumentado a quantidade
de estirpes bacterianas produtoras de β-lactamases, as quais
apresentam resistência à benzilpenicilina. Apesar disso, ainda existem
situações para as quais a benzilpenicilina continua a ser utilizada como
fármaco de eleição.

Os sais hidrossolúveis de benzilpenicilina devem ser administrados por


via intra-venosa, aquando da presença de infecções graves para as
quais seja necessária a obtenção rápida de concentrações plasmáticas
elevadas deste antibiótico. Estas situações incluem quadros de
septicemia, endocardite, pericardite e pneumonia. Nas restantes
situações (excepto naquelas em que é mandatório o uso de formas
“depósito”), os sais de benzilpenicilina podem ser administrados por via
intra-muscular.
Normalmente, opta-se pela utilização de benzilpenicilina em sais de
potássio. Contudo, em doentes com insuficiência renal, é preferível
utilizar benzilpenicilina em sais de sódio, uma vez que estes doentes
são incapazes de suportar uma sobrecarga de potássio.

As preparações “depósito” devem ser exclusivamente utilizadas no


tratamento de infecções pouco graves causadas por agentes muito
sensíveis, bem como na profilaxia de algumas infecções e no
tratamento de consolidação de algumas infecções previamente tratadas
com benzilpenicilina em sais hidrossolúveis.

Assim, actualmente, o uso de formas “depósito” verifica-se apenas para


o tratamento da sífilis e de outras treponematoses, bem como para a
profilaxia de certas infecções, das quais se destaca a febre reumática
em doentes com amigdalites de repetição.

Infecções estreptocócicas

Faringites e amigdalites agudas

Na maior parte dos casos, as faringites e amigdalites agudas são


causadas pelo Streptococcus pyogenes (Streptococcus β-hemolítico de
tipo A). Até há pouco tempo, a benzilpenicilina era o fármaco de eleição
para o tratamento destas infecções, uma vez que o S. pyogenes é muito
sensível à acção deste antibiótico e, tal como os restantes
Streptococcus, não produz β-lactamases (apesar disso, existe já uma
pequena percentagem de S. pyogenes resistentes à benzilpenicilina).

Contudo, ao actuar num foco infeccioso, a benzilpenicilina elimina uma


menor quantidade de bactérias S. pyogenes, por comparação com os
antibióticos β-lactâmicos resistentes às β-lactamases. Não se sabe muito
bem porque é que isto acontece, embora se pense que, juntamente com os
S. pyogenes, coexistam bactérias produtoras de β-lactamases – essas
bactérias não provocam infecção, mas produzem enzimas que inactivam a
benzilpenicilina. De qualquer modo, este fenómeno põe em causa o uso da
benzilpenicilina em situações de faringite ou amigdalite, até porque o risco
de febre reumática apenas é prevenido pela erradicação completa do
Streptococcus do foco infeccioso.

Sinusites e otites médias agudas


As sinusites e as otites médias agudas são quase sempre causadas
pelo pneumococo ou pelo Haemophilus influenzae. Todavia, estas
infecções também podem ser causadas pela Moraxella catarrhalis, pelo
Staphylococcus aureus, pelo Streptococcus pyogenes, por
Streptococcus anaeróbios, por alguns Bacteroides e por alguns bacilos
gram-negativos.

Ora, a benzilpenicilina pode ser utilizada no tratamento destas


infecções, caso estas sejam causadas por um agente sensível à sua
acção. Todavia, na maior parte dos casos, isso não acontece, de tal
modo que são utilizados outros antibióticos, tais como as quinolonas ou
as cefalosporinas orais de segunda ou terceira geração.

Escarlatina e erisipela

Estas infecções são, na maior parte das vezes, causadas por


Streptococcus pyogenes, embora também possam ser causadas por
Streptococcus dos grupos C e G, os quais são também muito sensíveis
à acção da benzilpenicilina. Deste modo, a benzilpenicilina continua a
ser o antibiótico de eleição para a maior parte destas infecções.

Pneumonia “estreptocócica”

Este tipo de pneumonia é de incidência rara, sendo maioritariamente


causada pelo Streptococcus pyogenes. Assim, a benzilpenicilina
continua a ser o antibiótico preferencialmente utilizado para o
tratamento desta infecção.

Outras infecções estreptocócicas

Embora não seja frequente, o Streptococcus pyogenes pode causar


infecções de localização meníngea, articular, ou endocárdica. O uso de
benzilpenicilina está indicado para essas situações, embora devam ser
administradas doses elevadas deste antibiótico.

A endocardite por Streptococcus viridans (que é, na maior parte dos


casos, o agente responsável por esta infecção nos doentes com lesões
endocárdicas congénitas ou reumatismais) pode ser tratada com
elevadas doses de benzilpenicilina associada a um aminoglicosídeo.
Por oposição, o tratamento de uma endocardite causada por
Streptococcus faecalis (enterococo) requer o uso de outros antibióticos.

Infecções pneumocócicas

A benzilpenicilina continua a ser um dos antibióticos de eleição para o


tratamento das infecções por Streptococcus pneumoniae
(pneumococo), qualquer que seja a sua localização. De facto, este
antibiótico é eficaz na redução da mortalidade por meningite
pneumocócica e pneumonia pneumocócica.

O Streptococcus pneumoniae pode ainda causar otites médias e


sinusites, as quais são eficazmente tratadas com recurso à
benzilpenicilina. Contudo, é frequente ocorrer associação entre o H.
influenzae e o pneumococo, sendo que, nessas situações, é preferível
utilizar uma aminopenicilina protegida por um inibidor das β-lactamases
ou uma cefalosporina de terceira geração.

Nos últimos anos, têm sido detectadas algumas estirpes de


pneumococo menos sensíveis ou altamente resistentes à acção da
benzilpenicilina. Ora, as infecções pneumocócicas causadas por essas
estirpes mais resistentes não respondem favoravelmente à
benzilpenicilina.

Infecções meningocócicas

A benzilpenicilina continua a ser o antibiótico de eleição para as


infecções por Neisseria meningitidis (meningococo), devendo se
proceder à administração de doses elevadas deste fármaco. De referir
que, a benzilpenicilina não elimina o meningococo nos portadores,
motivo pelo qual o seu uso profilático é ineficaz.

Infecções por anaeróbios

A benzilpenicilina é indicada para o tratamento da maioria das infecções


por Bacteroides, excepto quando estas são causadas por Bacteroides
fragilis. Em regra, as infecções anaeróbias peri-dentais e pulmonares
respondem bem à acção da benzilpenicilina, embora seja preferível
utilizar clindamicina. Por oposição, as infecções anaeróbias do tracto
gastro-intestinal são quase sempre causadas por B. fragilis, de tal modo
que devem ser tratadas com recurso a outros antibióticos (tais como a
clindamicina, o cloranfenicol ou o metronidazole em associação com um
aminoglicosídeo).

Infecções gonocócicas não-complicadas

A benzilpenicilina continua a ser utilizada no tratamento de infecções


gonocócicas não-complicadas, não obstante o recente aumento da
percentagem de estirpes de gonococos produtores de β-lactamases.
Neste tipo de infecções, devem ser administradas doses elevadas de
benzilpenicilina, frequentemente associadas com probenecid. Por outro
lado, na presença de uma infecção causada por uma estirpe resistente,
devem ser administrados outros antibióticos, tais como a
espectinomicina, as tetraciclinas, uma cefalosporina ou uma quinolona.

Sífilis

A benzilpenicilina constitui o fármaco de eleição para a terapêutica da


sífilis, podendo ser utilizada em qualquer forma de infecção (sífilis
primária, secundária ou latente). Para além da sífilis, a benzilpenicilina
pode ainda ser utilizada no tratamento de outras espiroquetoses
sensíveis, tais como as leptospiroses.

Outras infecções

O Corynebacterium diphtheriae produz uma toxina, a qual é responsável


pelas complicações da difteria. Esta bactéria é habitualmente sensível à
acção da benzilpenicilina, que elimina eficazmente o bacilo diftérico dos
portadores. Todavia, apenas as anti-toxinas se revelam eficazes no
tratamento das complicações da difteria.

Praticamente todas as infecções estafilocócicas são resistentes à


benzilpenicilina, sendo que apenas entre 3-5% das estirpes de
Staphylococcus aureus ainda são sensíveis a este antibiótico. Assim,
em situações de infecção estafilocócica deve se recorrer a outros
antibióticos, tais como as isoxalopenicilinas ou a meticilina.

Uso profilático
A benzilpenicilina é eficazmente utilizada na profilaxia de várias situações,
nomeadamente:

1. Infecções estreptocócicas

2. Recorrência da febre reumática

3. Infecções pós-cirúrgicas em doentes com valvulopatias

Todavia, questiona-se a eficácia deste antibiótico na profilaxia da sífilis e


da gonorreia. Sabe-se, contudo, que o uso de benzilpenicilina se revela
inútil e perigoso na profilaxia de infecções pós-parto, na profilaxia após
cateterização das vias urinárias, e em prematuros e doentes em choque
ou coma.

Fenoximetilpenicilina
A fenoximetilpenicilina é uma penicilina natural, que difere da
benzilpenicilina por ser mais resistente à inactivação pelos ácidos.
Assim, a fenoximetilpenicilina pode ser administrada por via oral,
apresentando uma biodisponibilidade de 60% e uma capacidade de
ligação às proteínas plasmáticas de 55%. A distribuição no organismo e
a excreção deste fármaco são similares às descritas para a
benzilpenicilina.

A fenoximetilpenicilina apresenta um espectro de acção similar ao da


benzilpenicilina, embora apresente actividade cinco a dez vezes inferior
(sobretudo contra as bactérias gram-negativas). Assim, na prática
clínica, a fenoximetilpenicilina apenas é utilizada como alternativa à
benzilpenicilina e em situações muito específicas, as quais se
restringem, sobretudo, a infecções localizadas e clinicamente pouco
importantes causadas por bactérias gram-positivas muito sensíveis à
benzilpenicilina.

Penicilinas resistentes à inactivação pelas β-


lactamases estafilocócicas
Este grupo de penicilinas inclui as isoxazolpenicilinas e a meticilina.
De entre as isoxazolpenicilinas, a dicloxacilina e a flucloxacilina são
aquelas que apresentam melhores características farmacocinéticas e
maior potência antibiótica.

As isoxazolpenicilinas e a meticilina são muito activas contra os


Staphylococcus, sobretudo contra o Staphylococcus aureus. Deste
modo, estes antibióticos apenas são clinicamente utilizados no
tratamento de infecções estafilocócicas (embora não possam ser
utilizadas no tratamento de infecções causadas pelos estafilococos
meticilino-resistentes). Apesar disso, estas penicilinas exibem alguma
actividade contra outras bactérias gram-positivas (tais como os
estreptococos).

As isoxazolpenicilinas e a meticilina são bastante resistentes à


inactivação pelas β-lactamases estafilocócicas (ou seja, estas
penicilinas continuam a ser eficazes contra os Staphylococcus
produtores de β-lactamases). Todavia, estas penicilinas são facilmente
inactivadas pelas β-lactamases produzidas pelos bacilos gram-
negativos.

Em termos farmacocinéticos, as isoxazolpenicilinas podem ser


administradas por via oral, uma vez que resistem bastante bem à acção
do ácido gástrico. Todavia, estes antibióticos sofrem incompleta
absorção oral, o que condiciona uma biodisponibilidade de cerca de
50%.

As isoxazolpenicilinas apresentam fraca capacidade de ligação às


proteínas plasmáticas e sofrem uma ligeira biotransformação hepática
(por hidroxilação). O seu período de semi-vida é relativamente curto
(rondando as quatro horas), e a sua distribuição e excreção
assemelham-se às da benzilpenicilina.

Contrariamente às isoxazolpenicilinas, a meticilina apenas pode ser


administrada por via parentérica. De resto, a meticilina apresenta as
mesmas características antibióticas das isoxazolpenicilinas. No
passado, a meticilina foi utilizada para tratar infecções estafilocócicas
graves, de tal modo que, ainda hoje os estafilococos são classificados
como meticilino-sensíveis ou meticilino-resistentes (contra os quais
as isoxazolpenicilinas e a meticilina são ineficazes). Actualmente, o
tratamento dessas infecções é feito, preferencialmente, com recurso a
sais solúveis de isoxazolpenicilinas, os quais podem ser administrados
por via intra-venosa ou intra-muscular.

Aminopenicilinas (penicilinas de aspecto alargado)


As aminopenicilinas incluem a amoxicilina, a ampicilina e a
bacampicilina. Estas aminopenicilinas são particularmente eficazes
contra as bactérias gram-negativas não-produtoras de β-lactamases.
Apesar disso, o seu espectro de acção não inclui todas as bactérias
gram-negativas, algo que tem por base dois motivos:

1. Algumas bactérias gram-negativas nunca apresentaram


sensibilidade significativa às aminopenicilinas. Entre essas
bactérias, destaque para a Klebsiella, Enterobacter, Proteus
vulgaris e Pseudomonas.

2. O uso intensivo e continuado destes antibióticos induziu uma


redução das estirpes bacterianas sensíveis às aminopenicilinas.
Assim, têm vindo a ser selecionadas as estirpes mais resistentes
(produtoras de β-lactamases), cuja percentagem tem vindo a
aumentar.

Amoxicilina
A amoxicilina apresenta maior biodisponibilidade oral que as restantes
aminopenicilinas e um espectro de acção sobreponível. Assim, este é
considerado o antibiótico-padrão das aminopenicilinas.

Espectro bacteriano

A amoxicilina é activa sobre a maioria dos cocos e bacilos gram-


positivos, incluindo Staphylococcus aureus, S. epidermidis,
Streptococcus pyogenes, S. agalactiae, S. pneumoniae, S. viridans,
Bacillus anthracis, Corynebacterium diphteriae e Erysipelothrix
rhusiopathiae. Todavia, a amoxicilina é ineficaz contra os
Staphylococcus produtores de β-lactamases (os quais constituem a
maior parte das estirpes encontradas na clínica) e contra os
pneumococos resistentes à benzilpenicilina (que ainda são pouco
frequentes). Para além disso, a amoxicilina é pouco eficaz contra o
Streptococcus faecalis e a Listeria monocytogenes.
Existem bastantes bactérias gram-negativas sensíveis à acção da
amoxicilina. De entre essas bactérias, destaque para as estirpes não-
produtoras de β-lactamases de Neisseria meningitidis e N. gonorrhoeae.
Por seu turno, a Bordetella pertussis apresenta sensibilidade moderada
à amoxicilina, enquanto a Brucella e o Acinetobacter são resistentes à
acção deste antibiótico.

No caso da Moraxella catarrhalis, do Haemophilus influenzae, do H.


parainfluenzae e do H. ducreyi, as estirpes não-produtoras de β-
lactamases são altamente sensíveis à acção da amoxicilina. Todavia, a
maior parte das estirpes destas bactérias são produtoras de β-
lactamases e, por isso, resistentes à acção deste antibiótico.

De entre as enterobacteriáceas, apenas a Salmonella e as Shigella são


sensíveis à acção da amoxicilina. Por outro lado, as estirpes não-
produtoras de β-lactamases de Proteus mirabilis e de Escherichia coli
apresentam sensibilidade razoável à acção deste antibiótico. Todavia, o
número de estirpes de Proteus e de E. coli produtoras de β-lactamases
tem vindo a aumentar.

A amoxicilina apresenta ainda actividade razoável contra várias


bactérias anaeróbias gram-positivas, tais como a maior parte dos
Clostridia, o Peptococcus e o Peptostreptococcus. Para além disso, este
antibiótico também se revela eficaz contra algumas bactérias
anaeróbias gram-negativas, nas quais se incluem o Fusobacterium e o
Bacteroides melaninogenicus. No entanto, o Bacteroides fragilis é
resistente à amoxicilina.

Por fim, as espiroquetas (nomeadamente o Treponema pallidum e as


Borrelia) são sensíveis à amoxicilina. Todavia, estas bactérias
apresentam maior sensibilidade para a benzilpenicilina.

Farmacocinética

A amoxicilina pode ser administrada por via oral, na medida em que é


resistente à acção do ácido gástrico. A sua absorção por via oral ronda
os 80%, qualquer que seja a dose administrada (desde que esta não
exceda os 3g). Para além disso, a amoxicilina também pode ser
administrada por via injectável, atingindo elevadas concentrações, mas
que diminuem rapidamente.

A amoxicilina apresenta baixa capacidade de ligação às proteínas


plasmáticas, distribuindo-se facilmente para a maior parte dos tecidos e
fluidos orgânicos. O humor aquoso e o líquido cefalo-raquidiano
constituem duas excepções – a passagem de amoxicilina para estes
dois fluidos é desprezável (mesmo na presença de meninges
inflamadas). Por oposição, a amoxicilina atinge concentrações elevadas
na bílis e é capaz de atravessar a placenta (embora apenas pequenas
quantidades deste antibiótico passem para o leite).

No que concerne à sua metabolização, entre 19-33% da fracção


absorvida de amoxicilina sofre biotransformação, da qual resulta a
génese de ácido penicilóico.

A amoxicilina é excretada, fundamentalmente, por via urinária, embora


uma pequena fracção seja excretada por via biliar. Deste modo, nos
indivíduos com insuficiência renal, acumulam-se quantidades mais
elevadas deste antibiótico, que passa a apresentar um período de semi-
vida mais longo. Nos recém-nascidos e nos idosos, a eliminação da
amoxicilina também se encontra dificultada. No caso dos recém-
nascidos, isto deve-se a imaturidade enzimática dos túbulos renais;
enquanto nos mais idosos, este fenómeno é explicado pela deterioração
funcional renal dos mecanismos de secreção tubular.

Uso terapêutico

A administração de amoxicilina por via oral está indicada para o


tratamento de infecções de intensidade ligeira a moderada, causadas
por bactérias sensíveis. Atendendo a estas indicações, este antibiótico
deve ser, sobretudo, usado para infecções dos tractos respiratório,
urinário, intestinal e biliar, bem como para infecções ginecológicas
mistas e uretrites gonocócicas não-complicadas. De referir que a
amoxicilina nunca deve ser utilizada como tratamento empírico de
infecções nosocomiais.

A amoxicilina está a perder importância no tratamento de infecções


respiratórias, devido ao crescente número de estirpes bacterianas
(sobretudo de Moraxella catarrhalis e de Haemophilus influenzae e
parainfluenzae) produtoras de β-lactamases. Por outro lado, na
presença de infecções causadas por agentes sensíveis à
benzilpenicilina ou à fenoximetilpenicilina, estes dois antibióticos devem
ser preferidos, em detrimento das aminopenicilinas.

O Streptococcus faecalis, o Proteus mirabilis e a Escherichia coli não


produtores de β-lactamases são pouco sensíveis à acção da
amoxicilina. Todavia, quando administrado em elevadas concentrações,
este antibiótico consegue ser eficaz no tratamento de infecções
urinárias não-complicadas causadas por estes agentes (ou por outras
bactérias sensíveis).

Apesar de não ser o antibiótico de eleição para o tratamento da febre


tifóide, a amoxicilina revela-se eficaz nas infecções por Salmonella
typhi. Para além disso, o uso de amoxicilina está ainda indicado para o
tratamento de infecções biliares e ginecológicas de etiologia mista
causadas por bactérias anaeróbias e aeróbias sensíveis (a menos que
se suspeite da presença de Bacteroides fragilis).

Este antibiótico pode ainda ser utilizado no tratamento de uretrites


gonocócicas não-complicadas, desde que estas não sejam causadas
por um gonococo produtor de β-lactamases. Contudo, a percentagem
de gonococos produtores de β-lactamases é deveras elevada, motivo
pelo qual o tratamento de infecções gonocócicas é preferencialmente
assegurado por outros antibióticos.

A administração de amoxicilina por via parentérica está indicada para o


mesmo tipo de infecções que possibilitam uma administração oral deste
antibiótico. No entanto, a administração por via parentérica apenas se
justifica na presença de infecções mais graves. Para além disso,
quando administrada por via parentérica, a amoxicilina (associada a um
aminoglicosídeo) pode ser utilizada no tratamento de pneumonia grave
por Haemophilus influenzae ou Proteus mirabilis, de septicemias
bacterianas por agentes sensíveis, de meningite meningocócica, de
endocardite, e em outras infecções de alto risco. Apesar disso, hoje em
dia, este tipo de situações é preferencialmente tratado com recurso a
ureidopenicilinas, quinolonas ou cefalosporinas de terceira geração.

De referir que, seja qual for a via de administração utilizada, a


amoxicilina é sempre ineficaz na presença de um agente produtor de β-
lactamases, a menos que seja administrada conjuntamente com um
inibidor destas enzimas.

Ampicilina
A ampicilina é em tudo similar à amoxicilina, excepto no facto de a
ampicilina ser muito pior absorvida pelo tracto digestivo (a absorção oral
da ampicilina é de 30%, motivo pelo qual não se procede à sua
administração por via oral). Todavia, quando esterificada pelo
sulbactam, a ampicilina passa a ser bem absorvida por via oral.

Assim, a administração isolada de ampicilina deve ser feita por via


parentérica (sobretudo, por via intra-venosa). Quando administrada por
essa via, a ampicilina apresenta propriedades farmacocinéticas e
indicações similares às da amoxicilina.

Bacampicilina
A bacampicilina é um éster da ampicilina, que é utilizado como um pró-
fármaco para melhorar a biodisponibilidade da ampicilina. Assim,
aquando da sua absorção e da sua primeira passagem pelo fígado, a
bacampicilina sofre desterificação, libertando ampicilina para o sangue.
Assim, a administração de bacampicilina condiciona uma
biodisponibilidade oral de ampicilina de 85%. Como é óbvio, as
indicações e a farmacocinética da bacampicilina são similares às da
ampicilina e da amoxicilina. De referir que, a bacampicilina não pode ser
administrada por via parentérica.

Carboxipenicilinas e ureidopenicilinas (penicilinas


anti-Pseudomonas)
As carboxipenicilinas e as ureidopenicilinas apresentam um espectro
mais alargado que o das aminopenicilinas. As carboxipenicilinas
incluem a carbenicilina e ticarcilina, as quais são cada vez menos
utilizadas na prática clínica. De facto, as carboxipenicilinas têm vindo a
ser substituídas pelas ureidopenicilinas, que apresentam maior
potência antibiótica. As principais ureidopenicilinas utilizadas na prática
clínica incluem a mezlocilina, a azolocilina e a piperacilina – todos
estes antibióticos são semelhantes entre si, mas apenas a piperacilina é
comercializada em Portugal.

Piperacilina
Espectro anti-bacteriano

A piperacilina apresenta um espectro anti-bacteriano muito largo, na


medida em que actua sobre a maioria das bactérias gram-negativas e
gram-positivas responsáveis por infecções clínicas. A piperacilina
apenas actua contra bactérias não-produtoras de β-lactamases.
Todavia, por comparação com as penicilinas naturais e
aminopenicilinas, a piperacilina é mais lentamente inactivada pelas β-
lactamases. Para além disso, quando administrada em conjunto com o
tazobactam (um inibidor das β-lactamases), a piperacilina consegue
actuar contra praticamente todas as bactérias gram-negativas.

Para além disso, contrariamente às aminopenicilinas, a piperacilina é


activa contra Klebsiella, Enterobacter e Proteus vulgaris. A piperacilina
também difere das restantes penicilinas, pelo facto de ser activa contra
múltiplas estirpes de Pseudomonas (incluindo Pseudomonas
aeruginosa), desde que não sejam produtoras de β-lactamases.

Farmacocinética

A piperacilina não é bem absorvida por via oral, de tal modo que deve
ser administrada por via intra-muscular ou intra-venosa. De entre estas
duas vias, a intra-venosa é aquela que permite alcançar concentrações
mais elevadas, mas um período de semi-vida inferior.

Este antibiótico apresenta pouca capacidade de ligação às proteínas


plasmáticas. A sua distribuição e excreção são similares às da
benzilpenicilina.

Uso terapêutico

A piperacilina utiliza-se essencialmente em infecções graves,


hospitalares, causadas por bactérias sensíveis, presentes em qualquer
local. Assim, a piperacilina pode ser utilizada no tratamento empírico de
infecções graves, desde que estas não sejam causadas por um agente
produtor de β-lactamases. Alguns autores defendem ainda que este
antibiótico pode ser utilizado na profilaxia pré-operatória.

De referir que o interesse terapêutico da piperacilina (e das restantes


ureidopenicilinas) diminuiu muito desde o aparecimento das quinolonas
e das cefalosporinas de terceira geração (que também apresentam um
largo espectro, mas são resistentes à inactivação pela generalidade das
β-lactamases).

Amidinopenicilinas
As amidinopenicilinas são apenas activas contra bactérias gram-
negativas, algo que se pode dever ao facto de estas penicilinas se
ligarem apenas à PBP2.

O mecilinamo constitui a única amidinopenicilina utilizada em


terapêutica. Este antibiótico revela-se activo contra a maior parte das
bactérias gram-negativas patogénicas para a espécie humana, incluindo
as enterobacteriáceas (tais como a E. coli). Todavia, as Pseudomonas
são resistentes à acção deste antibiótico.

O mecilinamo não é absorvido por via oral, devendo ser administrado


por via intra-muscular ou intra-venosa. Alternativamente, é possível
administrar pivmecilinamo, um pró-fármaco do mecilinamo que pode
ser administrado por via oral. Assim, aquando da sua absorção e da sua
passagem pelo fígado, o pivmecilinamo é desterificado, libertando
mecilinamo para o sangue.

Através da administração de pivmecilinamo, não é possível obter


concentrações plasmáticas de mecilinamo suficientemente elevadas
para serem eficazes no tratamento de infecções sistémicas. Apesar
disso, a administração de pivmecilinamo permite obter concentrações
urinárias elevadas de mecilinamo, de tal modo que o uso do
pivmecilinamo se restringe ao tratamento de infecções urinárias por
bactérias sensíveis.

Acções adversas e toxicidade das penicilinas


A toxicidade e os efeitos laterais decorrentes do uso de penicilinas podem
ser de quatro tipos:

1. Reacções de hipersensibilidade alérgica

2. Efeitos por acção directa

3. Efeitos devidos aos catiões dos sais solúveis (sódio e


potássio) ou aos compostos associados à benzilpenicilina
nas formas “depósito” (procaína, clemizol e benzatina)

4. Efeitos devidos à própria acção anti-bacteriana

Reacções de hipersensibilidade alérgica


As penicilinas podem actuar como antigénios, induzindo reacções de
hipersensibilidade alérgica. O principal factor antigénico das penicilinas
parece ser a fracção peniciloílica, que se forma por abertura do anel β-
lactâmico. Contudo, o peniciloato e a molécula intacta de penicilina
também podem actuar como antigénios, embora a formação de
anticorpos seja mais rara nesses casos.

As reacções alérgicas às penicilinas podem surgir em indivíduos que


reportam não ter tido contacto prévio com estes antibióticos. Nestes
casos, pensa-se que tenha havido uma exposição às penicilinas que
passou despercebida (por exemplo, o indivíduo contactou com estes
antibióticos por via dos alimentos, ou contactou com os fungos
produtores de penicilinas).

Pensa-se que não exista correlação entre o tipo de penicilina e a


capacidade alergénica destes antibióticos. Contudo, sabe-se que a
frequência com que surgem reacções alérgicas se correlaciona com a
via de administração da penicilina. Assim, a administração por via
parentérica está associada a uma maior frequência de surgimento de
reacções alérgicas, enquanto a via oral está associada a uma menor
frequência.

Actualmente, admite-se que o desenvolvimento de sensibilização


alérgica a uma penicilina condiciona sensibilização para todas as
penicilinas. No entanto, sabe-se que esta sensibilização não é
permanente – um doente que tenha manifestado uma reacção de
hipersensibilidade às penicilinas no passado, pode não a manifestar no
presente. De referir que a via tópica é aquela que apresenta maior
capacidade de sensibilização alérgica, enquanto a via oral é aquela que
apresenta menor capacidade de sensibilização.

As principais reacções de hipersensibilidade à penicilina incluem (por


ordem decrescente de frequência) rash maculo-papular, rash
urticariforme, febre, broncospasmo, vasculite, doença do sono,
dermatite exfoliativa, síndrome de Stevens-Johnson e anafilaxia. A
frequência destas reacções é independente da dose de penicilina,
embora a sua intensidade possa ser inferior quando se administram
doses mais reduzidas.

Os doentes com infecções graves (tais como endocardite e meningite)


que estão a ser tratados com doses elevadas de benzilpenicilina podem
apresentar um rash maculo-papular que desaparece espontaneamente.
Estes doentes raramente desenvolvem manifestações alérgicas mais
graves, de tal modo que esse rash não condiciona interrupção da
penicilinoterapia.

De referir que os testes diagnósticos de sensibilização às penicilinas


não são completamente fiáveis nem inócuos. De facto, têm surgido
algumas reacções anafiláticas graves na sequência destes testes.

Efeitos por acção directa


As penicilinas apresentam uma acção irritante dos tecidos que, na
prática, se pode manifestar através do desenvolvimento de vários
fenómenos, os quais incluem:

1. Flebite e tromboflebite: Por vezes, a tromboflebite é extensa e


marcada, impedindo o prosseguimento da penicilinoterapia.

2. Dor e reacções inflamatórias estéreis: Estes sinais manifestam-


se, sobretudo, após administração intra-muscular de penicilina.

3. Sintomas dispépticos: Estes sintomas são mais frequentes após


administração de penicilina por via oral.
4. Aracnoidite ou encefalopatia: Estes fenómenos podem se
registar após administração intra-tecal ou após administração de
grandes doses de penicilina por via parentérica (tal como sucede
no tratamento da endocardite bacteriana). Essa acção irritante é
proporcional à dose e, no caso da administração por via
parentérica, à concentração de penicilina administrada.

5. Depressão da medula óssea (granulocitopenia) e hepatite:


Estes fenómenos são muito raros, tendo surgido apenas na
sequência da administração de oxacilina.

6. Maior risco de convulsões: Isto é particularmente evidente em


pacientes com urémia submetidos ao uso de benzilpenicilina.

De referir que a ampicilina condiciona reacções cutâneas com alguma


frequência, algo que parece ser devido a uma característica tóxica da
molécula deste antibiótico (e não a uma reacção alérgica). Por outro
lado, as amidinopenicilinas inibem a primeira fase da agregação
plaquetária (sobretudo quando administradas em doses elevadas),
podendo originar perturbações da hemóstase em alguns indivíduos.

Efeitos devidos aos catiões dos sais solúveis ou


aos compostos associados à penicilina G nas
formas “depósito” (clemizol, procaína e benzatina)
A administração de doses elevadas de sais sódicos ou potássicos de
benzilpenicilina pode induzir desequilíbrios electrolíticos, sobretudo em
doentes com insuficiência renal.

Por outro lado, quando administradas em doses muito elevadas, a


penicilina G-clemizol e a penicilina G-procaína libertam,
respectivamente, grandes quantidades de clemizol e procaína. Ora, o
clemizol pode induzir sedação e activação dos focos temporais em
indivíduos epilépticos. Por seu turno, a procaína, que pode causar uma
reacção imediata, caracterizada pela presença de vertigens, cefaleias e
alucinações. Para além disso, a procaína e a benzatina também podem
provocar reacções alérgicas.
Efeitos devidos à própria actividade anti-bacteriana
A administração de penicilina por via oral pode levar ao
desenvolvimento de disbacteriose intestinal por perda significativa da
flora intestinal - os desequilíbrios causados por estas disbacterioses
podem, inclusive, potenciar o desenvolvimento de super-infecções e
colite pseudo-membranosa.

Contudo, estas situações acontecem muito raramente, estando mais


frequentemente associadas à administração oral (indevida) de
penicilinas de largo espectro com fraca absorção intestinal. Assim, a
ampicilina é a penicilina mais propensa a provocar este tipo de efeitos
indesejáveis, sobretudo, quando são administradas doses elevadas
deste antibiótico.
Cefalosporinas
As cefalosporinas são antibióticos β- lactâmicos semelhantes às
penicilinas, quer na sua estrutura química, quer no seu mecanismo de
acção e na sua toxicidade. Todavia, as cefalosporinas são mais
resistentes à acção das β-lactamases, de tal modo que o seu espectro de
acção é mais amplo que o das penicilinas. De referir que as
cefalosporinas são inactivas contra os enterococos e contra a Listeria
monocytogenes.

As cefalosporinas utilizadas na prática clínica são de origem semi-


sintética. De facto, o fungo Cephalosporum acremonium produz
cefalosporinas P, N e C. A partir da cefalosporina C, obtêm-se o ácido
7-amino-cefalosporânico, que serve de base para a síntese das
cefalosporinas utilizadas na clínica.

A bactéria Streptomyces produz algumas substâncias semelhantes às


cefalosporinas, as quais se designam por cefamicinas. O grupo das
cefamicinas inclui a cefoxitina, cefotetan, e cefmetazol, sendo que
todos os antibióticos pertencentes a esta classe contêm um grupo
metoxi- no carbono 7 do anel β-lactâmico

As oxacefalosporinas constituem outra variedade de cefalosporinas.


Esta classe de antibióticos apresenta um átomo de oxigénio, em vez de
um átomo de enxofre no núcleo benzénico do ácido 7-amino-
cefalosporânico. Como exemplo único destes fármacos, destaque para
o moxalactam, que para além de ser uma oxacefalosporina, também é
uma cefamicina.

As modificações no terceiro carbono das cefalosporinas determinam,


sobretudo, as características farmacocinéticas destes antibióticos. Já as
modificações no sétimo carbono condicionam, sobretudo, variações no
espectro de acção e no grau de resistência às β-lactamases. Assim, a
título de exemplo, a presença de um grupo piperazínico no terceiro
carbono (tal como apresentado pela cefoperazona) é um factor
determinante de intensa excreção biliar.

Mecanismo de acção
As cefalosporinas actuam, sobretudo, por inibição do último passo da
síntese da parede bacteriana. De facto, estes antibióticos inibem a
transpeptídase bacteriana responsável pelo estabelecimento de uma
ponte peptídica entre duas cadeias de peptidoglicanos.

Espectro de acção anti-bacteriana e indicação


terapêutica

Cefalosporinas de primeira geração


A cefalotina e a cefaloridina foram as primeiras cefalosporinas
desenvolvidas. Estes dois antibióticos são instáveis em meio ácido e
são relativamente nefrotóxicos (a cefaloridina é particularmente
nefrotóxica, motivo pelo qual foi retirada do mercado).

Subsequentemente, foram desenvolvidas cefalosporinas não-


nefrotóxicas, de entre as quais se destacam a cefalexina, a cefazolina,
a cefapirina, a cefradina e o cefadroxil. A cefalexina, a cefradina e o
cefadroxil merecem especial destaque, pelo facto de serem resistentes
aos ácidos e, por isso, poderem ser administrados por via oral. Por
outro lado, a cefazolina destaca-se por ser a cefalosporina de primeira
geração com período de semi-vida mais longo.

Todas as cefalosporinas supracitadas são designadas por cefalosporinas


de primeira geração. Estes antibióticos são bastante resistentes à acção
das β-lactamases produzidas pelos Staphylococcus, e são relativamente
sensíveis às β-lactamases produzidas pelas bactérias gram-negativas.
Deste modo, as cefalosporinas de primeira geração são muito eficazes
contra as bactérias gram-positivas, mas apenas moderadamente eficazes
contra as bactérias gram-negativas.

As bactérias susceptíveis a esta classe de antibióticos incluem a E. coli,


Proteus mirabilis, Haemophilus influenzae, Salmonella, algumas estirpes
de Klebsiella, algumas Shigella, e a maior parte dos cocos gram-positivos
(com excepção dos enterococos, dos Staphylococcus epidermidis e dos
Staphylococcus aureus resistentes à meticilina).

As cefalosporinas de primeira geração raramente são utilizadas como


antibióticos de primeira escolha para qualquer tipo de doença infecciosa.
Para além disso, estas cefalosporinas nunca deverão ser utilizadas no
tratamento de infecções sistémicas graves.

Cefalosporinas Cefalosporinas
de de
primeira segunda
geração geração
Cefalotina Cefamandol
Cefaloridina Cefuroxima
Cefalexina Cefaclor
Cefazolina Cefonide
Cefapirina Cefoxitima
Cefradina Cefmetazol
Cefradoxil Cefotetan
Ceprozil
Loracarbef
Cefalosporinas Cefosporinas
de de
terceira
geração quarta geração
Cefotaxima Cefepima
Cefixima
Cefibuteno
Cefpodoxima
Cefoperazona
Moxalactam
Ceftazidima
Ceftizoxima
Cefatriazona
Cefsulodina
Apesar disso, as cefalosporinas de primeira geração activas por via oral
podem ser utilizadas no tratamento de infecções urinárias, de lesões
estafilocócicas não-graves, ou de infecções polimicrobianas
relativamente benignas (tais como celulites ou abcessos de tecidos
moles).

A cefazolina penetra muito bem na maior parte dos tecidos, sendo o


antibiótico de primeira escolha na profilaxia das infecções cirúrgicas.
Para além disso, este antibiótico pode ser utilizado em infecções
estafilocócicas ou estreptocócicas, caso o doente reporte alergia às
penicilinas. Todavia, a cefazolina não deve ser utilizada no tratamento
das infecções meníngeas, na medida em que não penetra no sistema
nervoso central.

Cefalosporinas de segunda geração


Por seu turno, as cefalosporinas de segunda geração incluem o
cefamandol, a cefuroxima, o cefaclor, o cefonicide e as cefamicinas
(cefoxitina, cefmetazol e cefotetan). As cefalosporinas de segunda
geração são muito mais resistentes à hidrólise pelas β-lactamases,
sendo terapeuticamente mais eficazes em infecções causadas por
bactérias produtoras destas enzimas.

Para além disso, alguns destes antibióticos são resistentes aos ácidos,
podendo ser administrados por via oral. Entre os fármacos que verificam
esse parâmetro, destaque para o cefaclor, cefuroxima axetil, cefprozil e
loracarbef.

Para além de actuarem contra todas as estirpes bacterianas sensíveis


às cefalosporinas de primeira geração, as cefalosporinas de segunda
geração actuam eficazmente contra um conjunto adicional de bactérias
gram-negativas. De entre essas bactérias, destaque para as Klebsiella e
para os Haemophilus, que são normalmente sensíveis a estes
antibióticos. Para além disso, as não-cefamicinas são habitualmente
activas contra o H. influenzae, enquanto as cefamicinas são eficazes
contra as Serratia e

o Bacteroides fragilis.
As cefalosporinas de segunda geração também são eficazes contra as
bactérias gram-positivas, embora sejam menos eficazes que as
cefalosporinas de primeira geração.

Dado serem activas contra o Haemophilus influenzae e contra a


Moraxella catarrhalis, as cefalosporinas de segunda geração são
antibióticos de primeira escolha para o tratamento de infecções
causadas por estes agentes. De entre essas infecções, destaque para
as sinusites, otites ou infecções do tracto respiratório inferior.

As cefalosporinas de segunda geração são ainda eficazes contra os


anaeróbios, de tal modo que a cefoxitina ou o cefotan podem ser úteis
em infecções mistas causadas por esses agentes (tais como as
peritonites ou as diverticulites). Por seu turno, a cefuroxima pode ser
utilizada no tratamento de pneumonias causadas pelo H. influenzae ou
pela K. pneumoniae.

Cefalosporinas de terceira geração


As cefalosporinas de terceira geração incluem a cefotaxima, a
cefixima, o ceftibuteno, a cefpodoxima, a cefoperazona, o moxalactam,
a ceftazidima, a ceftizoxima, a cefatriazona e a cefsulodina. Para além
de serem resistentes à maior parte das β-lactamases conhecidas, estas
cefalosporinas são activas contra muitas estirpes de Pseudomonas e são
eficazes contra as enterobacteriáceas resistentes às cefalosporinas de 1ª e
2ª gerações (nomeadamente Proteus índole-positivos, Providentia,
Citrobacter, Serratia e estirpes de H. influenzae e de Neisseria produtoras de
β-lactamases).

Assim, as cefalosporinas de terceira geração apresentam um maior


espectro de acção, sendo eficazes contra a maioria das bactérias gram-
negativas. A cefoperazona e, sobretudo, a ceftazidima são
particularmente activas contra a Pseudomonas aeruginosa.

Tal como as cefalosporinas de segunda geração, as cefalosporinas de


terceira geração são susceptíveis à acção das β-lactamases
cromossómicas produzidas constitutivamente pelas Enterobacter. Para
além disso, apenas a ceftizoxima e o moxalactam possuem boa
actividade contra o B. fragilis.
A cefixima, o ceftibuteno e a cefpodoxima proxetil continuam a ser
eficazes, quando administrados por via oral. Todavia, a administração
oral reduz a eficácia da cefixima e do cefibuteno contra o
Staphylococcus aureus e contra o pneumococo (sobretudo contra as
estirpes penicilino-resistentes).

Apesar de as cefalosporinas de terceira geração apresentarem um largo


espectro, existem algumas estirpes bacterianas resistentes a estes
antibióticos. Entre essas estirpes, destaque para os Streptococcus
pneumoniae resistentes à benzilpenicilina, S. aureus meticilino-
resistentes, S. epidermidis, S. faecalis, Legionella, L. monocytogenes,
Clostridium difficile, Pseudomonas maltophilia, Pseudomonas putida,
Helicobacter pylori, Acinetobacter e Candida albicans.

As cefalosporinas de terceira geração são utilizadas num grande


número de situações infecciosas causadas por microorganismos
resistentes a outros antibióticos. A título de exemplo, a cefatriazona e a
cefixima constituem os fármacos de primeira escolha para o tratamento
da infecção por N. gonorrhoeae (visto já existirem muitas estirpes desta
bactéria resistentes à penicilina).

Para além disso, algumas cefalosporinas de terceira geração penetram


bem no sistema nervoso central, podendo ser utilizadas no tratamento
de meningites causadas por pneumococos, meningococos, H.
influenzae e enterobacteriáceas (mas não pela L. monocytogenes).
Para além disso, quando associados a um aminoglicosídeo, estes
antibióticos podem ser utilizados no tratamento de meningite por
Pseudomonas aeruginosa.

A cefatriazona e a cefotaxima são as cefalosporinas mais eficazes


contra as meningites por pneumococos resistentes à benzilpenicilina.
Todavia, caso a estirpe de pneumococo seja extremamente resistente à
penicilina, a acção destas cefalosporinas pode não ser suficiente, de tal
modo que é aconselhável a adição de rifampicina ou vancomicina.

As cefalosporinas de terceira geração estão ainda indicadas para o


tratamento de infecções de origem desconhecida, tanto em doentes
imunocompetentes, como em doentes imunodeprimidos. Assim, as
cefalosporinas de terceira geração são frequentemente administradas
em infecções nosocomiais causadas por bactérias gram-negativas,
incluindo a doentes neutropénicos, imunocomprometidos e com febre.

Cefalosporinas de quarta geração


Actualmente, considera-se que a cefepima é o protótipo das
cefalosporinas de quarta geração. Este antibiótico é, em muitos
aspectos, semelhante às cefalosporinas de terceira geração, embora
seja mais resistente à acção das β-lactamases de largo espectro.

A cefepima tem boa actividade contra a Pseudomonas aeruginosa,


Enterobacteriaceae, Staphylococcus aureus, Streptococcus
pneumoniae, Haemophilus e Neisseria. Para além disso, este antibiótico
penetra bem no fluido cefalo-raquidiano, sendo eficaz em situações de
meningite.

A cefepima é excretada pelo rim, apresentando propriedades


farmacocinéticas similares às da ceftazidima. O seu interesse
terapêutico centra-se no tratamento de infecções causadas pelas
Enterobacteriaceae.

Cefalosporinas de quinta geração


A ceftarolina é uma cefalosporina de quinta geração, apresentando
elevada afinidade para as PBPs e sendo particularmente eficaz contra
bactérias gram-positivas (embora também apresente actividade contra
bactérias gram-negativas). De entre as bactérias mais sensíveis à
acção da ceftarolina, destaque para o Staphylcoccus aureus (incluindo
os meticilino-resistentes), Streptococcus pneumoniae, Streptococcus
pyogenes, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e anaeróbias.

Na prática clínica, a ceftarolina é usado na terapia da pneumonia


adquirida em ambiente hospitalar, bem como no tratamento de
infecções bacterianas cutâneas e de estruturas cutâneas. Os seus
principais efeitos adversos incluem náusea, cefaleias e rash.

Em termos farmacocinéticos, a ceftarolina apenas pode ser


administrada por via parentérica, apresentando um curto período de
semi-vida e uma fraca capacidade de ligação às proteínas plasmáticas.
Este fármaco não sofre biotransformação apreciável e é
maioritariamente excretado por via renal.

Por seu turno, o ceftobiprole é particularmente activo contra bactérias


gram-positivas aeróbias e anaeróbias. De facto, este antibiótico inibe a
síntese das PBPs que conferem resistência aos Staphylcoccus e
pneumococos, sendo capaz de actuar contra Staphylcoccus meticilino-
resistentes. A acção deste fármaco contra os agentes gram-negativos
depende da espécie de bactérias em questão. Assim, de entre as
bactérias mais sensíveis à acção do ceftobiprole, destaque para o
Staphylcoccus aureus (incluindo os meticilino-resistentes),
Streptococcus pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e enterococos.
Por seu turno, o Acinetobacter é resistente a este anti-bacteriano.
Em termos clínicos, pensa-se que o ceftobiprole poderá ser útil na
terapia da pneumonia adquirida em ambiente hospitalar, bem como no
tratamento de infecções cutâneas. Os seus principais efeitos adversos
incluem cefaleias e perturbações gastro-intestinais. As suas
propriedades farmacocinéticas são similares às da ceftarolina.

Farmacocinética
Na sua maioria,
as cefalosporinas
não são
absorvidas por
via oral. Todavia,
existem várias
excepções, nas
quais se incluem
a cefalexina, a
cefradina e o
cefadroxil (nas
cefalosporinas de
primeira
geração), o
cefaclor, a
cefuroxima axetil,
o cefproxil e o

loracarbef (nas

cefalosporinas de

segunda geração) e a cefixima, o ceftibuteno e a cefpodoxima (nas


cefalosporinas de terceira geração).

As cefalosporinas atravessam facilmente a placenta, e distribuem-se


bem para os líquidos sinovial e pericárdico. Estes antibióticos também
se distribuem para os humores aquoso e vítreo, atingindo
concentrações que, embora não sejam muito elevadas, são suficientes
para que possam exercer uma razoável acção anti-bacteriana.
Por norma, as cefalosporinas atravessam mal a barreira hemato-
encefálica. Todavia, algumas cefalosporinas de terceira geração
(nomeadamente o moxalactam e a cefotaxima) distribuem-se bem para
o fluido cefalo-raquidiano, revelando-se eficazes contra as bactérias
sensíveis lá presentes.

No que concerne à sua metabolização, os antibióticos que possuem um


grupo metoxiacetilo em C3 (cefalotina, cefapirina e cefotaxima) sofrem
uma desacetilação, gerando desacetilcefalosporina, um fármaco que
mantém alguma actividade anti-bacteriana. Por seu turno, uma pequena
fracção de cefoxitina sofre descarbamilização. De qualquer modo, em
termos gerais, as cefalosporinas são pouco metabolizadas e, de facto,
com excepção dos antibióticos supracitados, nenhuma das outras
cefalosporinas é metabolizada de forma significativa.

Tal como as penicilinas, as cefalosporinas são maioritariamente


excretadas por via renal. A cefoperazona constitui uma excepção, na
medida em que é predominantemente excretada por via biliar. Para
além disso, a cefatriazona também é amplamente excretada por via
biliar. Assim, estes dois fármacos podem ser utilizados no tratamento de
infecções biliares. Por outro lado, em situações de insuficiência
hepática, deverão ser administradas doses mais reduzidas destes
antibióticos.

A filtração glomerular constitui o principal processo através do qual as


cefalosporinas são lançadas para o filtrado (por oposição, a secreção
constitui o principal processo através do qual as penicilinas são
enviadas para o filtrado). Como são pouco metabolizadas, as
cefalosporinas atingem concentrações muito elevadas na urina, sendo,
por isso, eficazes no tratamento de infecções renais causadas por
agentes sensíveis.

Acções adversas e toxicidade

Reacções alérgicas
As cefalosporinas são relativamente pouco tóxicas, de tal modo que os
seus efeitos laterais mais comuns cursam com o desenvolvimento de
fenómenos de hipersensibilidade. Na maior parte das situações, estes
fenómenos manifestam-se através de reacções cutâneas discretas,
embora em certos casos possa haver génese de dermatite esfoliativa.
De referir que o risco de hipersensibilidade parece ser o mesmo para
todas as cefalosporinas.

As acções adversas mais raras das cefalosporinas incluem febre, dores


articulares, nefrite, granulocitopenia e anemia hemolítica. Em situações
excepcionais, estes antibióticos podem provocar uma reacção
anafilática grave, que pode ser potencialmente fatal.

A estrutura química das cefalosporinas e das penicilinas é deveras


distinta, de tal modo que os indivíduos com história de alergia às
penicilinas podem tolerar as cefalosporinas. Mesmo assim, os doentes
que tenham desenvolvido uma reacção alérgica grave a uma penicilina
não devem tomar cefalosporinas.

Toxicidade
A cefaloridina é nefrotóxica, podendo originar nefrite intersticial e
necrose tubular aguda. Por oposição, quando administrada
isoladamente, a cefalotina não apresenta grande toxicidade renal.
Todavia, a cefalotina aumenta a nefrotoxicidade dos aminoglicosídeos.

As cefalosporinas podem provocar irritação local, a qual pode causar


intensa dor local (após injecção intra-muscular) e tromboflebites (após
injecção intra-venosa).

As cefalosporinas com um grupo metiltiotetrazole no terceiro carbono


(cefamandol, cefoperazona, cefotan, cefmetazole e moxalactam) podem
induzir reacções do tipo dissulfiram – essas reacções caracterizam-
se pelo aparecimento de rubor e calor na face, bem como pela presença
de náuseas, vómitos e zumbidos. Em termos fisiopatológicos, estas
reacções geram-se por acumulação de aldeído acético, de tal modo
que, aquando do tratamento com alguma daquelas cefalosporinas, não
devem ser consumidas bebidas alcoólicas.

Para além disso, as cefalosporinas supracitadas são causa frequente de


hipoprotrombinemia e hemorragias (sendo que esses efeitos são
prevenidos pela administração de vitamina K). De referir que o
moxalactam pode interferir com a função plaquetária, induzindo
hemorragias graves.

Super-infecções
As cefalosporinas (sobretudo as de terceira geração) podem originar
diarreia por super-infecção. De entre os agentes que mais
frequentemente causam este tipo de infecções, destaque para os
Staphylococcus meticilino-resistentes, os enterococos e os fungos.

Resumo terapêutico
Em suma, à medida que aumenta a geração das cefalosporinas, diminui
a actividade contra bactérias gram-positivas e aumenta a actividade
contra gram-negativas (as cefalosporinas de quarta geração constituem
uma excepção, na medida em que apresentam simultaneamente boa
actividade contra bactérias gram-positivas e gram-negativas).

Assim, caso optemos por utilizar uma cefalosporina, esta deverá ser de
primeira geração, caso o agente bacteriano seja gram-positivo ou
anaeróbio. Por oposição, caso o agente bacteriano seja gram-negativo,
devemos optar pela ceftizoxima ou pela cefotaxima, excepto se o
microorganismo em questão for uma Pseudomonas, uma Enterobacter,
ou o B. fragilis. Na presença de uma Pseudomonas, devemos escolher
entre a ceftazidima ou a cefepima, enquanto a presença de uma
Enterobacter obriga a escolher a cefepima. Por fim,

na presença
de um B.
fragilis,
devemos
optar entre a
cefoxitina ou
o cefotetan.
De referir que
a
cefoperazona
pode se
revelar
vantajosa em
situações de
infecção biliar.
Outros β-lactâmicos
Monobactamos
Os monobactamos são compostos β-lactâmicos monocíclicos e
altamente resistentes às β-lactamases bacterianas. Para além do seu
núcleo, estes compostos contêm cadeias laterais, que lhes conferem
maior potência anti-bacteriana, maior resistência às β-lactamases e
melhores características farmacocinéticas.

Já foram desenvolvidos vários monobactamos, todavia, o aztreonam é o


único utilizado na prática clínica.

Aztreonam
Espectro anti-bacteriano

O aztreonam apresenta grande resistência às β-lactamases produzidas


pela maior parte das bactérias gram-positivas e gram-negativas. Apesar
de se revelar extremamente eficaz contra a maior parte das bactérias
gram-negativas, este antibiótico é praticamente ineficaz contra as
bactérias gram-positivas e anaeróbias. Isto explica-se pelo facto do
aztreonam se ligar, quase exclusivamente, à PBP3, uma proteína
existente na maior parte das bactérias gram-negativas.

As bactérias gram-negativas mais sensíveis a este antibiótico incluem


as Neisseria, os Haemophilus, a Moraxella catarrhalis e a generalidade
das enterobacteriáceas. Todavia, existem algumas enterobacteriáceas
pouco sensíveis (Citrobacter freundii, Enterobacter aerogenes e
Enterobacter cloacae), sendo que algumas estirpes chegam a ser
resistentes.

As Pseudomonas e o Acinetobacter também apresentam reduzida


sensibilidade para o aztreonam, enquanto as Moraxella, Bordetella e
Legionella são praticamente resistentes a este antibiótico.

Farmacocinética
O aztreonam é muito mal absorvido por via oral, de tal modo que este
fármaco deve ser administrado por via intra-venosa ou por via intra-
muscular. De entre estas duas vias, a intra-venosa é aquela que permite
alcançar um período de semi-vida superior.

Este antibiótico liga-se às proteínas plasmáticas na percentagem de


56%, apresentando uma difusão razoável. O aztreonam é
maioritariamente eliminado por via urinária (embora também possa ser
eliminado por via biliar), o que leva a que sejam atingidas elevadas
concentrações urinárias deste fármaco.

Acções adversas e toxicidade

O aztreonam é muito pouco tóxico, embora os seus efeitos laterais


sejam relativamente comuns. Esses efeitos incluem sensação de gosto
desagradável durante a injecção, elevação das transaminases e da
desidrogénase láctica, astenia e erupções cutâneas pruriginosas.

Uso terapêutico

O aztreonam é eficaz no tratamento de infecções graves por bactérias


gram-negativas aeróbias. Todavia, o uso isolado deste antibiótico pode
levar ao surgimento de super-infecções por bactérias gram-positivas.
Para evitar essas situações, o aztreonam deve ser administrado em
conjunto com outros antibióticos, com os quais estabelece um
sinergismo. Apesar disso, o aztreonam deve ser administrado
isoladamente em infecções graves por enterobacteriáceas sensíveis.

Tienamicinas (carbapenemas)
A tienamicina é um antibiótico produzido pelo Streptomyces cattleya.
Em termos químicos, este antibiótico é uma carbapenema, na medida
em que apresenta um anel β-lactâmico fundido com um anel insaturado
de cinco membros (contendo um carbono em vez de um enxofre).

A tienamicina não apresenta propriedades terapêuticas. Todavia, a partir


deste antibiótico, é possível sintetizar vários compostos com actividade
terapêutica, nos quais se incluem a imipenema e a meropenema.

Imipenema
Espectro antibiótico

A imipenema apresenta grande resistência às β-lactamases, de tal


modo que a sua acção bactericida se aplica não só às bactérias não-
produtoras de β-lactamases, mas também às produtoras destas
enzimas.

De entre os cocos gram-positivos, os Staphylococcus aureus e


epidermidis e a maioria dos Streptococcus revelam-se particularmente
sensíveis à acção da imipenema. Por oposição, os enterococos são
pouco sensíveis à acção deste antibiótico, de tal modo que são
necessárias doses muito elevadas de imipenema, para que ocorra
acção bacteriostática contra estes agentes.

No que concerne aos bacilos gram-positivos, a imipenema é muito


activa contra a Erysipelothrix rhusiopathiae, mas muito pouco activa
contra a Listeria monocytogenes. Para além disso, este antibiótico é
praticamente inactivo contra a maioria dos Corynebacterium.

De entre as bactérias gram-negativas, as Neisseria, os Haemophilus, a


Moraxella catarrhalis e as Pseudomonas (incluindo as resistentes às
cefalosporinas de terceira geração) revelam-se particularmente
sensíveis à acção da imipenema. A maior parte das enterobacteriáceas,
o Acinetobacter, os Campylobacter, as Pasteurella e as Legionella
também se revelam sensíveis à acção deste antibiótico (embora em
menor grau).

A maior parte dos bacilos anaeróbios gram-positivos (incluindo o


Clostridium difficile) e gram-negativos (incluindo o Bacteroides fragilis
resistente à clindamicina) também se revelam sensíveis à acção da
imipenema. Por oposição, as clamídias são praticamente resistentes à
acção deste antibiótico.

Farmacocinética

A imipenema é facilmente inactivada (por hidrólise do seu anel β-


lactâmico) pela desidropeptídase I, uma enzima existente na
bordadura das células tubulares renais. Assim, a imipenema deverá ser
sempre administrada em associação com a cilastatina, um potente
inibidor reversível da desidropeptídase I.

Tanto a imipenema como a cilastatina não são absorvidas por via oral,
motivo pelo qual deverão ser administradas por via intra-venosa ou
intra-muscular. De entre estas duas vias, a intra-venosa é aquela que
permite atingir concentrações plasmáticas mais elevadas, mas um
período de semi-vida inferior. De referir que, após injecção intra-
muscular, apenas 75% da imipenema é absorvida, enquanto a
cilastatina é absorvida quase na totalidade.

A imipenema apresenta grande distribuição pelo organismo, excepto


para o fluido cefalo-raquidiano, onde as suas concentrações não
excedem 10% das concentrações plasmáticas. Todavia, este antibiótico
atravessa facilmente a placenta e aparece no leite materno.

Este antibiótico apresenta fraca capacidade de ligação às proteínas


plasmáticas, e dispõe de um tempo de semi-vida relativamente curto
(sobretudo, quando administrado por via intra-venosa). Quando
absorvida, a imipenema é parcialmente inactivada por enzimas
inespecíficas que abrem o seu anel β-lactâmico – este fenómeno atinge
20-30% da imipenema que penetra no organismo, e ocorre mesmo na
presença da cilastatina (que apenas protege a imipenema da acção da
desidropeptídase I).

A eliminação da imipenema ocorre maioritariamente por via renal, de tal


modo que são atingidas elevadas concentrações urinárias deste
antibiótico. Na presença de insuficiência renal, a semi-vida deste
fármaco aumenta significativamente, sendo que o aumento da semi-vida
é proporcional ao grau de insuficiência renal existente.

Acções adversas e toxicidade

As acções adversas da imipenema são similares às observáveis para


outros antibióticos β-lactâmicos. Todavia, devido à sua inactivação, na
prática clínica são administradas doses elevadas deste fármaco, de tal
modo que o aumento transitório da ureia e da creatinina sérica e o
aparecimento de sintomas de estimulação central (tais como mioclonias
e convulsões) são fenómenos muito frequentes. De referir que a
imipenema está contra-indicada para indivíduos com insuficiência renal
ou com risco de convulsões.

Uso terapêutico

O uso terapêutico da imipenema está reservado ao tratamento de


infecções graves, hospitalares, causadas por bactérias sensíveis. As
infecções para as quais a imipenema é mais indicada localizam-se ao
nível do tracto respiratório inferior, das estruturas cutâneas, dos ossos e
articulações, e do aparelho urinário. Para além disso, a imipenema deve
ser utilizada no tratamento da septicemia, da endocardite, de infecções
intra-abdominais e de infecções ginecológicas graves por bactérias
sensíveis.

Meropenema
A meropenema é deveras similar à imipenema, embora não seja
susceptível à acção da desidropeptídase I, motivo pelo qual não precisa
de ser associada a qualquer inibidor.

A actividade da meropenema é semelhante à da imipenema. Contudo, a


meropenema parece ser mais eficaz contra algumas estirpes de
Pseudomonas aeruginosa que já desenvolveram resistência à
imipenema. Apesar disso, na presença de infecções causadas por
Pseudomonas aeruginosa, a imipenema e a meropenema devem ser
administradas em conjunto com um aminoglicosídeo, devido à rapidez
com que a Pseudomonas aeruginosa desenvolve resistência contra
estes antibióticos.

A meropenema e a imipenema são os antibióticos ideais para tratar


infecções por Enterobacter, na medida em que são resistentes à acção
das β-lactamases produzidas por esses agentes. De referir que, a
meroponema é um pouco menos activa do que a imipenema contra os
cocos gram-positivos.

As diferenças supracitadas entre a meropenema e a imipenema


apresentam pouco significado clínico. A diferença mais importante entre
estes dois fármacos prende-se com o facto de a meropenema
comportar um menor risco de convulsões.
Ertapenema
A ertapenema apresenta um período de semi-vida mais longo que as
restantes carbapenemas, sendo administrada apenas uma vez por dia
(este antibiótico é aplicado por via intra-muscular ou intra-venosa).
Quando comparada com as restantes carbapenemas, a ertapenema é
menos eficaz contra a Pseudomonas aeruginosa.
Inibidores das β-lactamases
Os inibidores das β-lactamases apresentam uma estrutura molecular
muito similar à dos antibióticos β-lactâmicos, embora sejam quase
desprovidos de actividade bacteriana. Assim, as β-lactamases também
são capazes de se ligar a estes inibidores, hidrolisando-os. Ora, ao
serem hidrolisados pelas β-lactamases, os inibidores “ocupam estas
enzimas”, impedindo que os antibióticos β-lactâmicos (com os quais são
conjuntamente administrados) sejam hidrolisados. Fazendo uma
analogia mais corriqueira, os inibidores das β-lactamases são como que
“moléculas mártires”, que se sacrificam para que os antibióticos β-
lactâmicos não sejam destruídos. Assim, a administração conjunta de
um inibidor das β-lactamases e de um antibiótico β-lactâmico permite
que o antibiótico passe a ser eficaz contra algumas bactérias produtoras
de β-lactamases.

Quando associados às penicilinas, os inibidores das β-lactamases


protegem-nas da acção das β-lactamases plasmídicas produzidas pelos
Staphylococcus, H. influenzae, N. gonorrhoeae, Salmonella, Shigella, E.
coli e K. pneumoniae, bem como da acção das β-lactamases
cromossómicas produzidas pela Legionella, Bacteroides e Moraxella.
Todavia, estes inibidores não protegem as penicilinas da acção das β-
lactamases cromossómicas produzidas pelas Enterobacter, Citrobacter,
Serratia e Pseudomonas.

Não obstante as suas diferenças, os inibidores das β-lactamases


utilizados na prática clínica são praticamente idênticos na sua eficácia
inibidora contra a acção destas enzimas.

Ácido clavulânico
O ácido clavulânico é uma substância produzida pelo Streptomyces
clavuligerus, que se liga irreversivelmente à β-lactamase produzida por
vários microorganismos gram-positivos e gram-negativos.
Em termos farmacocinéticos, este inibidor é bem absorvido por via oral.
Assim, o ácido clavulânico tanto pode ser administrado por via oral,
como por via parentérica. Quando administrado em combinação com a
amoxicilina, o ácido clavulânico deve ser administrado por via oral. Por
oposição, quando administrado em associação com a ticarcilina, este
inibidor deve ser administrado por via parentérica.

Quando associado à amoxicilina, o ácido clavulânico confere-lhe


actividade contra as estirpes produtoras de β-lactamase de
Staphylococcus, H. influenzae, E. coli e gonococos. Por outro lado,
quando associado à ticarcilina, o ácido clavulânico permite que esta
passe a actuar contra bacilos gram-negativos aeróbios, Staphylococcus
aureus e algumas espécies de Bacteroides. De referir que a associação
ticarcilina/ácido clavulânico se reveste de grande eficácia (sobretudo em
infecções nosocomiais) e é frequentemente administrada em conjunto
com um aminoglicosídeo.

Sulbactam
O sulbactam é um inibidor das β-lactamases estruturalmente similar ao
ácido clavulânico. Este inibidor pode ser administrado por via oral ou
parentérica, juntamente com o antibiótico em questão. De referir que
existem preparações comerciais de sulbactam associado com
ampicilina.

Tazobactam
O tazobactam é um inibidor das β-lactamases, frequentemente
utilizado em associação com a piperacilina (sendo, para isso,
administrado por via parentérica). A associação tazobactam-piperacilina
não aumenta a eficácia da piperacilina contra a Pseudomonas
aeruginosa e, de facto, existem situações em que a piperacilina sozinha
é mais eficaz no tratamento de infecções por esta bactéria (isto
acontece porque nas associações tazobactam-piperacilina, a dose de
piperacilina é menor).

De referir que, tal como os outros inibidores, o tazobactam apresenta


pouca actividade contra as β-lactamases cromossómicas produzidas
pelas Enterobacteriaceae. Todavia, este inibidor revela-se eficaz contra
muitas β-lactamases plasmídicas.
Tetraciclinas
As tetraciclinas são os antibióticos com espectro de acção mais amplo,
apresentando acção bacteriostática contra várias bactérias gram-
positivas e gram-negativas, bem como contra bactérias não-coráveis
pelo Gram (nomeadamente micoplasmas, clamídias, riquétsias) e
alguns protozoários.

Com base na sua origem, é possível agrupar as tetraciclinas em dois


grupos distintos:

1. Tetraciclinas de origem natural: Clorotetraciclina,


desmetilclorotetraciclina e oxitetraciclina.

2. Tetraciclinas de origem sintética ou semi-sintética:


Tetraciclina, rolitetraciclina, metaciclina, doxiciclina e minociclina.

Mecanismo de acção

As tetraciclinas actuam por


bloqueio da síntese proteica
bacteriana. De facto, estes
antibióticos ligam-se à
subunidade

30S do ribossoma,
impedindo a ligação do
tRNA ao receptor
aminoacílico ribossómico e,
consequentemente, o
crescimento da cadeia
peptídica. Para além disso,
a tetraciclina forma quelatos

com os iões metálicos das bactérias, o que também contribui para a sua
acção bacteriostática, embora potencie a ocorrência de efeitos adversos
aquando da co-administração com o leite.
Para entrarem no interior das bactérias gram-negativas, as tetraciclinas
deverão atravessar duas membranas celulares. A travessia da
membrana externa pode ser feita por difusão simples (processo levado
a cabo pela minociclina e doxiciclina, que apresentam elevada
lipossolubilidade) ou através de poros hidrofílicos localizados na
proteína 1A. Por oposição, a travessia da membrana interna é feita por
transporte activo.

O efeito das tetraciclinas sobre as bactérias é reversível, de tal modo


que, aquando da interrupção da sua utilização, os microorganismos
não-eliminados voltam se a multiplicar.

Apesar de se ligarem com elevada afinidade aos ribossomas


bacterianos, as tetraciclinas apresentam reduzida afinidade para os
ribossomas 80S dos eucariontes, o que explica a margem terapêutica
destes antibióticos.

Espectro anti-bacteriano
Em termos gerais, as tetraciclinas apresentam um mesmo espectro de
acção-antibacteriano, de tal modo que as suas diferenças resultam,
sobretudo, de divergências nas características farmacocinéticas. No
cômputo geral, a doxiciclina é a tetraciclina mais activa.

As bactérias gram-positivas são particularmente sensíveis à acção das


tetraciclinas. As bactérias gram-negativas também são sensíveis à
acção das tetraciclinas, embora não sejam tão sensíveis como as
bactérias gram-positivas (são necessárias menores concentrações de
tetraciclinas para inibir as bactérias gram-positivas). Para além disso, as
tetraciclinas são activas contra microorganismos intracelulares, muitos
dos quais não estão abrangidos por qualquer outro agente antibiótico.
Entre esses microorganismos, destaque para as riquétsias,
micoplasmas, clamídeas, amiba e algumas micobactérias.

Resistência
As espécies Proteus,
Providentia, Pseudomonas
aeruginosa e Serratia
marcescens são naturalmente
resistentes à acção das
tetraciclinas. Todavia, existem
várias outras bactérias que,
embora originalmente
sensíveis, já desenvolveram
resistência à acção destes
antibióticos. De entre estes
agentes, destaque para os
Staphylococcus, enterococos,
pneumococos, gonococos e
algumas enterobacteriáceas
(tais como a Shigella e a
Salmonella). A aquisição
destas resistências não se
deve apenas ao uso
terapêutico frequente das
tetraciclinas, mas também ao
consumo de carne de animais
tratados com estes
antibióticos.

Existem três mecanismos de


resistência às tetraciclinas,
nomeadamente:

1. Perda da capacidade bacteriana de concentrar tetraciclinas


no seu citoplasma. Esta perda pode se dever à aquisição da
capacidade de diminuir a captação de tetraciclinas, ou à aquisição
da capacidade de aumentar a extrusão destes antibióticos por
processos de transporte activo. Este último mecanismo constitui a
forma mais importante de aquisição de resistência – um
plasmídeo codifica uma bomba de efluxo que, de modo activo e
selectivo, bombeia para o exterior a molécula de tetraciclina já
captada. Ora, esse plasmídeo pode ser transmitido por
conjugação ou transdução, podendo codificar genes de
resistência para outros fármacos (de tal modo que a resistência à
tetraciclina é um marcador para resistência a múltiplos fármacos).

2. Produção de uma proteína que interfere com a ligação das


tetraciclinas ao ribossoma e, por conseguinte, “protege o
ribossoma”.

3. Inactivação enzimática das tetraciclinas.

Farmacocinética
Apesar de serem absorvidas de modo incompleto por parte do sistema
digestivo, as tetraciclinas podem se administradas por via oral. De facto,
a sua taxa de absorção é suficiente para que, após administração por
via oral, atinjam-se concentrações plasmáticas eficazes destes
antibióticos.

A absorção de tetraciclinas é prejudicada pela presença de iões


metálicos, devido à acção quelante destes antibióticos. De facto, ao
quelarem os iões metálicos, as tetraciclinas formam complexos
insolúveis, que não são absorvidos. O poder quelante varia consoante
as tetraciclinas em questão – esse poder é maior nas tetraciclinas
clássicas (tetraciclina, clorotetraciclina e oxitetraciclina) e menor na
doxiciclina e a minociclina. Deste modo, de entre as tetraciclinas, a
doxiciclina e a minociclina são as que sofrem melhor absorção intestinal
– nem os alimentos interferem com a absorção destes dois antibióticos!
De referir que a rolitetraciclina não é absorvida por via digestiva.

O volume de distribuição das tetraciclinas é maior que o da água do


organismo, o que significa que, para além de atingirem o meio
intracelular, as tetraciclinas são sequestradas em vários tecidos, nos
quais se incluem o osso, a dentina e as células do sistema retículo-
endotelial do fígado, baço e medula óssea.

Estes antibióticos difundem-se lentamente para o líquido cefalo-


raquidiano, mas atravessam facilmente a barreira placentária, motivo
pelo qual não devem ser administrados a grávidas. Para além disso,
estes fármacos difundem-se para o leite, lágrimas e saliva. Nestas duas
últimas secreções, as tetraciclinas atingem concentrações
suficientemente elevadas para eliminar os portadores crónicos de
meningococos.

As tetraciclinas ligam-se em percentagem variável às proteínas


plasmáticas. Já no que concerne ao período de semi-vida, este varia
consoante a tetraciclina em causa – por regra, as tetraciclinas clássicas
apresentam um menor período de semi-vida, por comparação às
restantes (com excepção da rolitetraciclina).

Estes antibióticos são preferencialmente excretados sob a forma intacta


e por via renal (aparecendo no filtrado por filtração glomerular). A
eliminação por via fecal também assume um papel relativamente
importante – por esta via é eliminada a fracção que escapa à absorção
intestinal, bem como a fracção excretada por via biliar (e que não sofre
reabsorção) e a fracção excretada directamente pelos intestinos.

A administração de tetraciclinas incompletamente absorvidas por via


oral induz alterações profundas na flora intestinal – enquanto os
microorganismos susceptíveis são eliminados, os microorganismos
resistentes (fungos, enterococos, Proteus e Pseudomonas) sobrevivem
e multiplicam-se rapidamente, originando uma flora diferente e
potencialmente agressiva. De referir que, por ser excretada sob a forma
de um conjugado inactivo, a doxiciclina tem menos impacto sobre a flora
intestinal.

A minociclina (que é metabolizada) e a doxiciclina (que é


maioritariamente excretada por via intestinal) praticamente não
aparecem na urina, de tal modo que, contrariamente ao que se verifica
com as outras tetraciclinas, a doxiciclina não se acumula
significativamente no plasma dos indivíduos com insuficiência renal.

Acções adversas

Ossos e dentes
As tetraciclinas são sequestradas nas zonas de crescimento ósseo e na
dentina, o que pode afectar o crescimento e provocar maior
vulnerabilidade dentária às cáries, hipoplasia do esmalte dentário e uma
coloração acastanhada dos dentes. Deste modo, o uso de tetraciclinas
encontra-se contra-indicado para grávidas e crianças até aos nove anos
(fim da 2ª dentição).

Fototoxicidade
Ao depositar-se na pele, a tetraciclina despoleta fototoxicidade, que
pode originar dermatose pruriginosa e edematosa. Deste modo,
aquando do tratamento com tetraciclinas, deve ser evitada a exposição
solar. De referir que, todas as tetraciclinas podem induzir este
fenómeno, embora este seja mais frequentemente causado pela
demeclocina.

Hepatotoxicidade
Situações que cursem com um aumento dos níveis de tetraciclinas (tais
como insuficiência renal e sobredosagem) podem levar ao
desenvolvimento de degenerescência gorda do fígado, cujo risco
aumenta em indivíduos que estejam a tomar outros fármacos
hepatotóxicos. Por vezes, a hepatotoxicidade está associada ao
desenvolvimento de pancreatite ou alterações tóxicas do rim.

Sistema nervoso central


O uso de tetraciclinas pode induzir cefaleias, náuseas, fotofobia, ataxia
reversível e, mais raramente, hipertensão intra-craniana com edema
papilar (algo mais associado ao uso de minociclina).

Perturbações gastro-intestinais
As reacções adversas de natureza gastro-intestinal são as mais
frequentes. De facto, as tetraciclinas podem induzir lesão da parede
intestinal e alterações da normal flora intestinal, o que condiciona a
ocorrência de vómitos, náusea e diarreia. Estes fenómenos são, na
maior parte das vezes, causados pela Candida albicans e pelo
Staphylococcus (dois microorganismos resistentes a estes antibióticos).
De facto, a enterocolite estafilocócica pode se desenvolver, inclusive,
após término do tratamento com as tetraciclinas. A alteração da flora
intestinal pode também condicionar o desenvolvimento de colite
pseudo-membranosa, a qual é causada por uma toxina produzida pelo
Clostridium difficile.

Reacções alérgicas e fenómenos locais


É raro o desenvolvimento de reacções alérgicas na sequência da
administração de tetraciclinas. De qualquer modo, podem surgir flebites
ou alterações circulatórias, aquando de injecções intra-venosas muito
rápidas. Para além disso, as cápsulas destes antibióticos devem ser
administradas com um volume de líquido suficiente para evitar
ulcerações da mucosa do esófago.

Outros efeitos
Ao serem administradas com diuréticos, as tetraciclinas podem produzir
retenção azotada. Para além disso, o uso de tetraciclinas pode induzir
alterações hemáticas, aumento da ureia plasmática, aumento da
excreção de ácido ascórbico, subida da creatinina, proteinúria e outras
alterações reversíveis do metabolismo.

Uso terapêutico
As tetraciclinas são os fármacos de eleição para o tratamento das
infecções causadas por Mycoplasma pneumoniae, clamídeas, riquétsias
e algumas espiroquetas. Assim, o uso desta classe de antibióticos está
indicado para as seguintes situações:

1. Vias respiratórias: O uso de tetraciclinas está indicado para


situações de bronquite crónica causada por estirpes sensíveis e
de pneumonia atípica causada pelo Mycoplasma pneumoniae,
Chlamydia psittaci e Coxiella burnetii.

2. Vias urogenitais: As tetraciclinas devem ser usadas em


situações de uretrites não gonocócicas (causadas pela Chlamydia
trachomatis ou pelo micoplasma/ureaplasma),
linfogranulomatoses inguinais (causada pelo Haemophilus
ducreyi) e prostatites.
3. Intestino: O uso de tetraciclinas está indicado para situações de
cólera, pseudo-tuberculose e amebíase.

4. Olho: As tetraciclinas devem ser usadas no tratamento do tracoma.

5. Infecções sistémicas: As tetraciclinas são eficazes em situações


de riquetsiose, leptospirose, brucelose, tularémia e peste (nestas
três últimas situações, as tetraciclinas deverão ser administradas
em conjunto com um aminoglicosídeo). Para além disso, quando
associadas com outros antibióticos, as tetraciclinas podem ser
utilizadas como anti-maláricos. Tal como referido anteriormente, a
minociclina pode erradicar a presença de meningococos nos
portadores crónicos, embora, devido aos seus efeitos laterais,
seja preferível usar a rifampicina.

Contra-indicações
As tetraciclinas estão contra-indicadas na gravidez (dado serem
teratogénicas), nas crianças com menos de nove anos e em indivíduos
com miastenia gravis ou alergia às tetraciclinas. Durante o tratamento
com estes antibióticos, deve ser evitada a exposição solar, bem como a
administração simultânea de leite (devido ao elevado conteúdo em
cálcio) e/ou fármacos hepatotóxicos, nefrotóxicos, diuréticos, anti-ácidos
e anti-anémicos. Para além disso, os barbitúricos, a carbamazepina, a
difenilidantoína, a rifampicina e a ingestão crónica de álcool podem
acelerar a metabolização das tetraciclinas, pela indução enzimática que
produzem.

Glicilciclinas
As glicilciclinas (de entre as quais se destaca a tigeciclina) são
derivados das tetraciclinas, que apresentam um espectro ainda mais
largo que o das tetraciclinas, pois ultrapassam todos os mecanismos de
resistência conhecidos para as tetraciclinas. Assim, as glicilciclinas são
activas contra bactérias gram-positivas, gram-negativas e intracelulares.
Apesar disso, estes antibióticos não são eficazes contra Proteus e
Pseudomonas. No que concerne ao seu uso terapêutico, as glicilciclinas
deverão ser utilizados em situações de infecções urinárias, abdominais
e da pele.
Aminoglicosídeos
Os aminoglicosídeos
englobam um conjunto de
antibióticos formados por
dois ou mais amino-
açúcares unidos por uma
ligação glicosídica a uma
hexose aminada (núcleo
aminociclitol). Todos os
aminoglicosídeos com
interesse

clínico apresentam a 2-
desoxiestreptamina como
hexose. Contudo, a
estreptomicina constitui
uma excepção, na medida
em que apresenta a
estreptidina como hexose.

Para além disso, os


aminoglicosídeos
apresentam um grande
número de

radicais –NH e –OH que os tornam quimicamente incompatíveis com


vários outros antibióticos (tais como as aminopenicilinas ou as
cefalosporinas). Escusado será dizer que estes radicais tornam os
aminoglicosídeos altamente polares.

Já no que concerne à sua proveniência, a maior parte dos


aminoglicosídeos é de origem natural. Contudo, a amicacina e a
netilmicina constituem duas excepções, na medida em que são,
respectivamente, derivados semi-sintéticos da canamicina e
sisomicina.
Em termos genéricos, a estreptomicina (primeiro aminoglicosídeo
descoberto) apenas tem interesse na terapêutica da tuberculose, de
certas formas de endocardite bacteriana e de algumas infecções pouco
frequentes. Por oposição, a canamicina era antigamente utilizada no
tratamento de infecções graves por bacilos aeróbios gram-negativos –
actualmente, este antibiótico tem pouca utilização clínica, pois foi
substituído pela gentamicina, tobramicina, netilmicina e amicacina
(geralmente em associação com β-lactâmicos). Já os restantes
aminoglicosídeos (sisomicina, debecaína e ribostamicina) parecem
não ter vantagens em relação aos restantes.

Todavia, estes antibióticos causam importantes acções adversas


(sobretudo ao nível do nervo vestíbulo-coclear), motivo pelo qual o seu
uso clínico é deveras limitado.

Mecanismo de acção
Os aminoglicosídeos actuam por interferência com a síntese proteica –
a estreptomicina liga-se à subunidade ribossomal 30S, enquanto os
restantes aminoglicosídeos ligam-se a ambas as subunidades.

Devido à sua polaridade, os aminoglicosídeos entram para o interior das


bactérias por transporte activo (fase I do transporte dependente de
energia). Ora, este processo está dependente da cadeia respiratória, o
que explica a ineficácia dos aminoglicosídeos sobre bactérias
anaeróbias e a sua menor actividade em situações de anaerobiose
(como os abcessos). Adicionalmente, este transporte encontra-se
inibido na presença de catiões divalentes, baixo pH e elevada
osmolalidade.

Os mecanismos moleculares de acção dos aminoglicosídeos


permanecem ainda mal conhecidos. A estreptomicina constitui uma
excepção e, por isso, procederei à descrição do que acontece com este
fármaco:

Após a estreptomicina se ligar à subunidade ribossomal 30S, passa a


ocorrer diminuição da velocidade de síntese proteica (com impedimento
da formação dos complexos de iniciação e da ligação do tRNA ao
ribossoma) e deficiente tradução do código genético, com síntese de
proteínas non-sense. Estas proteínas inúteis podem ser incorporadas
na membrana citoplasmática das bactérias, o que cursa com um
aumento da captação das moléculas de estreptomicina (fase II do
transporte dependente de energia). Pensa-se que essa modificação
da membrana seja responsável por perda de material citoplasmático e,
consequentemente, pela morte bacteriana.

Já no que concerne aos restantes


aminoglicosídeos, desconhece-se
ainda porque é que estes antibióticos
têm efeito bactericida (e não efeito
bacteriostático, como todos os
restantes inibidores da síntese
proteica).

De referir que, devido à sua


polaridade, a acção dos
aminoglicosídeos encontra-se
fortemente diminuída na presença de
catiões divalentes. Por oposição, esta
encontra-se geralmente aumentada a
pH mais elevado.

Espectro anti-bacteriano
Os aminoglicosídeos apresentam uma acção bactericida, que é tanto
mais rápida, quanto maior for a sua concentração. Para além disso,
estes antibióticos apresentam acção pós-antibiótica (actividade anti-
bacteriana residual que persiste após o antibiótico atingir concentrações
plasmáticas inferiores às concentrações inibitórias mínimas) e duração
dependente da dose. Ora, isto explica porque é que, apesar de
apresentarem uma semi-vida muito curta, os aminoglicosídeos são
eficazes em toma única diária.

O espectro anti-bacteriano destes antibióticos é bastante extenso,


incluindo bactérias gram-negativas, bactérias gram-positivas e bactérias
que não coram pelo Gram (tais como o bacilo de Koch). Por sua vez, os
anaeróbios obrigatórios e facultativos são resistentes à acção dos
aminoglicosídeos.
Os aminoglicosídeos apresentam grande actividade contra bacilos
gram-negativos aeróbios (entre os quais se destacam a E. Coli, Proteus,
Klebsiella, Enterobacter, Salmonella, Shigella e a Pseudomonas
aeruginosa), o que se reveste de grande interesse clínico. Em termos
comparativos, a gentamicina, a tobramicina e a netilmicina apresentam
actividade muito superior à da estreptomicina e canamicina, de tal modo
que estes dois últimos fármacos não são utilizados no tratamento destas
infecções. Por outro lado, a tobramicina e a amicacina são mais activas
contra a Pseudomonas aeruginosa, enquanto a gentamicina é mais
activa em relação às Serratia.

Por contraponto, as bactérias gram-positivas apresentam, de modo


geral, baixa sensibilidade para os aminoglicosídeos. De facto, os bacilos
gram-positivos (Clostridium, Corynebacterium, Bacillus e Listeria) são
quase sempre resistentes a estes antibióticos, tal como acontece com a
maior parte dos Streptococcus. Apesar disso, a associação entre um
aminoglicosídeo e um antibiótico inibidor da síntese da parede
bacteriana (tal como a penicilina) permite obter um efeito sinérgico
contra os Streptococcus viridans e faecalis. Por fim, os Staphylococcus
aureus e epidermidis são sensíveis aos aminoglicosídeos,
independentemente de produzirem ou não β-lactamases. Contudo, os
Staphylococcus rapidamente desenvolvem resistência contra os
aminoglicosídeos, de tal modo que, quando utilizados contra estas
bactérias, os aminoglicosídeos devem ser administrados em conjunto
com antibióticos inibidores da síntese da parede bacteriana.

O Mycobacterium tuberculosis é sensível à estreptomicina, canamicina


e amicacina. Todavia, esta bactéria apresenta reduzida sensibilidade
para a gentamicina, tobramicina e netilmicina. Assim, a estreptomicina e
a amicacina são os únicos aminoglicosídeos que apresentam interesse
terapêutico contra esta bactéria.

A associação entre um aminoglicosídeo e um antibiótico que interfere


com a síntese de parede bacteriana pode resultar num sinergismo de
acções. De facto, ao impedirem a formação da parede bacteriana, os
inibidores da síntese de parede facilitam a entrada dos
aminoglicosídeos no interior das bactérias.
Resistência bacteriana
Existem três grandes mecanismos de resistência à acção dos
aminoglicosídeos:

1. Impermeabilidade da membrana citoplasmática – Este


mecanismo explica a resistência das bactérias anaeróbias à
acção dos aminoglicosídeos (vide supra). Já no caso dos bacilos
gram-negativos, o papel deste mecanismo de resistência ainda
não está definido.

2. Falta de afinidade para o ribossoma – Já foram descritos casos


isolados de resistência à estreptomicina por falta de afinidade
para os ribossomas de E. coli e P. aeruginosa. Todavia, este é o
mecanismo de resistência menos importante.

3. Inactivação enzimática

A inactivação enzimática constitui o mecanismo mais importante para


aquisição de resistência aos aminoglicosídeos. De facto, para entrarem
no interior das bactérias gram-negativas, os aminoglicosídeos deverão
atravessar o espaço peri-plasmático, onde podem estar contidas
enzimas inactivadoras destes antibióticos (as quais catalisam reacções
de adenilação, fosforilação de oxidrilos e acetilação).

Apesar de serem incapazes de se ligar aos ribossomas bacterianos, os


metabolitos dos aminoglicosídeos competem com os aminoglicosídeos
pelo transporte através da membrana citoplasmática (diminuindo a
acção dos aminoglicosídeos). Assim, vários plasmídeos codificam
enzimas que promovem uma inactivação metabólica dos
aminoglicosídeos, sendo esse mecanismo particularmente relevante no
caso dos S. faecalis e S. faecium.

A codificação genética destas enzimas pode ser feita por diversos


mecanismos, nomeadamente, por conjugação, plasmídeos e factores
de resistência. Os plasmídeos em causa, que abundam em meio
hospitalar, codificam vários mecanismos de resistência, motivo pelo qual
pode ocorrer resistência cruzada entre os aminoglicosídeos e outros
antibióticos.
A amicacina apresenta características químicas que lhe conferem
resistência contra várias destas enzimas inibidoras. Assim, este
aminoglicosídeo pode ser utilizado no tratamento de infecções
hospitalares por bactérias gram-negativas.

Farmacocinética
Os aminoglicosídeos são compostos altamente polares, de tal modo
que a sua absorção oral é desprezável – de facto, após administração
oral, a maioria dos aminoglicosídeos aparece intacta nas fezes. Apesar
disso, em certas situações, a administração oral de aminoglicosídeos é
usada com fins clínicos, nomeadamente, quando se pretende um efeito
tópico no tubo digestivo.

Por oposição, quando se pretendem obter concentrações plasmáticas


eficazes de aminoglicosídeos, procede-se à administração intra-
muscular destes antibióticos. De facto, o recurso à via intra-venosa
justifica-se apenas em situações excepcionais, enquanto a absorção por
outras vias (pele lesada, muscosa vesical, epitélio pulmonar…) não
apresenta qualquer interesse prático. Todavia, a aplicação de doses
elevadas destes antibióticos por qualquer destas vias pode condicionar
toxicidade.

Os aminoglicosídeos apresentam baixa capacidade de ligação às


proteínas plasmáticas. Para além disso, estes antibióticos apresentam
um volume de distribuição similar ao volume extracelular, o que leva a
que atinjam baixas concentrações em todos os tecidos (com excepção
do córtex renal), secreções e líquidos orgânicos. De facto, os
aminoglicosídeos penetram mal no líquido cefalo-raquidiano e globo
ocular, mesmo em situações de inflamação. Por oposição, estes
antibióticos atravessam bem a placenta.

A excreção dos aminoglicosídeos administrados por via parentérica é


feita, maioritariamente, por via renal. Estes antibióticos são rapidamente
eliminados (o seu período de semi-vida plasmática é de 2-4 horas),
aparecendo no filtrado maioritariamente por filtração glomerular. Deste
modo, a administração de probenecid não aumenta as semi-vidas
plasmáticas dos aminoglicosídeos. De referir que uma pequena fracção
dos aminoglicosídeos administrados por via parentérica é excretada por
via biliar, embora apenas sejam atingidas concentrações sub-óptimas
na bílis.

Nas situações que cursam com diminuição da função renal, ocorre


acumulação de aminoglicosídeos. Assim, deverá ser feito um ajuste
posológico nos pacientes com alterações da função renal, de modo a
evitar os efeitos adversos resultantes da acumulação destes
antibióticos.

Acções adversas
Os aminoglicosídeos exercem uma série de acções adversas, que
limitam o seu uso na prática clínica. As suas acções mais graves têm
como alvo o nervo vestíbulo-coclear, envolvendo a alteração das
terminações periféricas das células ciliadas.

As lesões cocleares induzem um quadro de surdez progressiva, quase


sempre irreversível. Já as lesões vestibulares levam ao aparecimento
de náuseas, vómitos, tonturas, vertigens e perturbações do equilíbrio.
Estas últimas lesões são menos graves que as lesões cocleares, não só
pelo facto de as alterações do equilíbrio poderem ser parcialmente
compensadas pela visão e sensibilidade osteoarticular; mas também
pelo facto de, com o passar do tempo, as lesões vestibulares poderem
desaparecer quase completamente.

Para além de poder ser de início rápido, a ototoxicidade dos


aminoglicosídeos pode agravar-se mesmo após a suspensão da
administração destes fármacos. A existência de lesão auditiva ou
nefropatia prévias, bem como o uso anterior ou simultâneo de outros
fármacos ototóxicos constituem factores de risco para o
desenvolvimento desta ototoxicidade.

De referir que, enquanto a estreptomicina e a gentamicina condicionam


predominantemente lesões vestibulares; a canamicina, a netilmicina e a
amicacina condicionam predominantemente lesões cocleares. Para
além disso, a tobramicina e a netilmicina parecem ser os fármacos
menos ototóxicos, enquanto a estreptomicina, a gentamicina e a
amicacina são (por ordem crescente de toxicidade) os fármacos mais
ototóxicos.
Os
aminoglicosídeos
também podem
ser

nefrotóxicos,
dado
acumularem-se
ao nível do
córtex renal
(mais

concretamente,
no túbulo
proximal). Ao
acumularem-se,
essas

substâncias podem

condicionar necrose

tubular aguda
(sobretudo, do
túbulo proximal),
o que induz

uma redução da

capacidade de
concentração da
urina, seguida de
redução da

filtração glomerular.

Deste modo, os aminoglicosídeos deixam de poder ser excretados,


passando a ocorrer acumulação plasmática destes antibióticos e
consequente aumento de todos os seus restantes efeitos tóxicos.
Apesar disso, a acção nefrotóxica dos aminoglicosídeos é reversível,
caso o uso destes antibióticos seja precocemente suspenso. É
necessário ter especial atenção com idosos, hipotensos e indivíduos
com lesão renal prévia, ou que estejam a tomar outros fármacos
nefrotóxicos (tais como as cefalosporinas) ou diuréticos potentes –
nestes indivíduos, a acção nefrotóxica dos aminoglicosídeos encontra-
se potenciada.

Sabe-se, contudo, que a nefrotoxicidade é menor quando a mesma


dose diária é administrada de uma só vez. De facto, devido ao seu
efeito pós-antibiótico, estes fármacos podem ser administrados numa
dose diária única. Todavia, os doentes com neutropenia grave e
endocardite bacteriana (por Streptococcus, Staphylococcus e
enterococos) não podem receber uma única dose diária de
aminoglicosídeos, na medida em que devem ser mantidas
concentrações plasmáticas estáveis destes fármacos.

De referir que, em termos comparativos, a estreptomicina é o


aminoglicosídeo menos nefrotóxico, sendo que os restantes fármacos
desta classe apresentam nefrotoxicidade similar entre si.

Os aminoglicosídeos apresentam ainda várias outras acções adversas


de menor importância. A título de exemplo, concentrações muito
elevadas destes fármacos podem induzir bloqueio da transmissão
neuromuscular. Para além disso, estes antibióticos podem induzir
nevrite óptica, parestesias, irritabilidade e cefaleias, embora a
frequência dessas manifestações neurotóxicas seja muito reduzida.

Estes antibióticos podem ainda originar reacções irritativas, as quais se


manifestam de modo diferente consoante o modo de administração.
Assim, uma injecção intra-muscular condiciona dor e inflamação local,
enquanto a administração oral pode despoletar diarreia. Já a
administração de aminoglicosídeos por via intra-raquidiana pode
despoletar irritação meníngea, o que limita o uso desta via de
administração. A administração sistémica destes antibióticos pode ainda
despoletar outras manifestações de frequência reduzida, tais como
dermatites de contacto, prurido, eosinofilia e rashes cutâneos.
A administração de aminoglicosídeos por via oral pode ainda originar
super-infecções, geralmente devidas à acção da Candida albicans ou
Staphylococcus. Por outro lado, a neomicina pode induzir um quadro de
mal-absorção, caracterizado pela presença de diarreia, esteatorreia e
perda de peso – assim, este fármaco apenas deve ser aplicado por via
tópica ou na terapia da encefalopatia hepática. De facto, dado não ser
absorvida por via oral, a neomicina é primariamente activa contra a flora
intestinal, reduzindo a produção endógena de amónia, o que explica a
sua acção na terapia da encefalopatia hepática. Note-se que o
metronidazole também é usado na terapia desta condição.

De referir que, tal como as tetraciclinas, os aminoglicosídeos


apresentam acção teratogénica, motivo pelo qual não devem ser
administrados a mulheres grávidas.

Uso terapêutico
Os aminoglicosídeos apresentam grande interesse clínico, sendo
utilizados no tratamento de infecções causadas por bacilos gram-
negativos aeróbios (nomeadamente enterobacteriáceas e
Pseudomonas aeruginosa), tais como infecções do tracto urinário,
pneumonia nosocomial e endocardite bacteriana. Os aminoglicosídeos
são geralmente utilizados em associação com outras classes de
antibióticos com os quais apresentam um efeito sinérgico – entre esses
antibióticos, destaque para os β-lactâmicos.

Para além disso, a estreptomicina é usada no tratamento da tuberculose


(embora como terapêutica de segunda linha), da brucelose e da
tularémia.

Existem vários princípios que devem ser cumpridos, aquando da


administração de aminoglicosídeos:

1. Os aminoglicosídeos devem ser administrados durante o menor


período de tempo possível, e nas menores doses possíveis.

2. Excepto casos particulares, estes antibióticos não devem ser


administrados profilaticamente.
3. A gentamicina, a tobramicina e a netilmicina são aminoglicosídeos
de primeira escolha, enquanto a amicacina é apenas utilizada em
situações de resistência aos fármacos anteriormente referidos.

4. Quando utilizados no tratamento de infecções potencialmente


letais, o risco de toxicidade dos aminoglicosídeos não deve inibir
a sua utilização.

5. Em infecções graves, e enquanto não é conhecido o agente


causal, pode recorrer-se à associação de um aminoglicosídeo
com um antibiótico activo contra bactérias gram-positivas.

6. Sempre que possível, os aminoglicosídeos devem ser utilizados


uma única vez por dia.

Estes antibióticos apresentam uma estreita margem de segurança e


efeitos tóxicos graves, os quais podem ocorrer após um longo período
de latência. Assim, deve-se proceder ao doseamento das suas
concentrações plasmáticas.

Apesar do seu sinergismo, podem se desenvolver incompatibilidades


químicas entre os aminoglicosídeos e os antibióticos β-lactâmicos (ou
outros compostos) quando estes são misturados no mesmo recipiente
ou no sangue circulante, o que conduz a uma redução da eficácia de
ambos os antibióticos. Assim, estes antibióticos devem ser
administrados com um certo intervalo de tempo.
Quinolonas
As quinolonas podem ser divididas em dois grupos:

1. Quinolonas “primordiais”: Estas quinolonas incluem o ácido


nalidíxico, o ácido oxolínico, a cinoxacina e o ácido pipemídico.
Estes antibióticos apresentam um curto espectro de acção (o
espectro do ácido nalidíxico resume-se às bactérias gram-
negativas), uma acção anti-bacteriana intrínseca relativamente
fraca e má difusão tecidular. O ácido nalidíxico era inicialmente
utilizado no tratamento de infecções urinárias. Todavia, o
desenvolvimento de resistências e o risco de super-infecções por
bactérias como a Pseudomonas aeruginosa, o S. aureus e o S.
faecalis levaram ao quase abandono do uso deste antibiótico.

2. Fluoroquinolonas: As fluoroquinolonas incluem a norfloxacina,


enoxacina, ofloxacina, pefloxacina, ciprofloxacina, lomefloxacina,
levofloxacina, sparfloxacina e clinofloxacina. As fluoroquinolonas
distinguem-se das restantes quinolonas, pelo facto de
apresentarem um átomo de flúor na posição 6 do núcleo
quinolónico. Ora, isso confere-lhes um espectro de acção muito
mais largo, uma actividade anti-bacteriana intrínseca muitíssimo
mais intensa, uma boa difusão para os tecidos (incluindo para os
líquidos intracelulares) e uma toxicidade mais reduzida. Assim, as
fluoroquinolonas são importantes agentes anti-bacterianos, que
podem ser utilizados como terapêutica de primeira escolha no
tratamento de infecções sistémicas graves.

Espectro de acção
As fluoroquinolonas são agentes terapêuticos de largo espectro de
acção. De facto, com excepção dos Streptococcus e das bactérias
anaeróbias, a maioria das bactérias gram-positivas e gram-negativas é
sensível à acção das fluoroquinolonas. De referir que, contrariamente ao
que se verifica com os β-lactâmicos, em que a sua acção é dependente
do tempo, a acção das quinolonas é dependente da dose administrada.

De entre as antigas fluoroquinolonas, a norfloxacina é a menos eficaz,


enquanto a ciprofloxacina é a mais eficaz. Comparativamente à
ciprofloxacina, as fluoroquinolonas mais recentes (sparfloxacina,
levofloxacina, moxifloxacina e clinofloxacina) possuem uma actividade
similar contra a generalidade das bactérias gram-negativas, mas menor
actividade contra a Pseudomonas aeruginosa.

Assim, a ciprofloxacina e as fluoroquinolonas mais recentes são


eficazes contra as Enterobacteriaceae (E. coli, Salmonella, Shigella,
Klebsiella e Proteus), embora algumas estirpes sejam resistentes. Para
além disso, estes antibióticos são extremamente eficazes contra vários
agentes patogénicos genitais, tais como a N. gonorrhoeae, a Chlamydia
trachomatis e o Mycoplasma hominis.

Já relativamente aos microorganismos que atingem as vias


respiratórias, a ciprofloxacina e as fluoroquinolonas mais recentes são
altamente eficazes contra o H. influenzae e a Moraxella catarrhalis.
Contudo, contrariamente à ciprofloxacina e às quinolonas da sua
geração, a levofloxacina e as fluoroquinolonas mais recentes
apresentam maior eficácia contra o Streptococcus pneumoniae. Por seu
turno, a Legionella pneumophila, o Mycoplasma pneumoniae e a
Chlamydia pneumoniae são altamente susceptíveis à acção de todas as
quinolonas.

Por comparação com a ciprofloxacina, as novas quinolonas são mais


activas contra as bactérias gram-positivas. Todavia, não se procede à
sua utilização no tratamento de infecções estafilocócicas e
estreptocócicas. De facto, enquanto a maior parte dos Staphylococcus
aureus meticilino-sensíveis são sensíveis às quinolonas de nova
geração, os Staphylococcus aureus meticilino-resistentes são
maioritariamente resistentes à acção destes antibióticos. Para além
disso, estes antibióticos apresentam uma acção muito residual contra os
enterococos.

De entre os microorganismos sensíveis às fluoroquinolonas, destaque


ainda para as Enterobacter, Yersinia, Citrobacter e Providentia (embora
algumas estirpes de Citrobacter e Providentia já apresentem resistência
a estes antibióticos). A levofloxacina e a sparfloxacina parecem ainda
ter uma boa actividade contra o Mycobacterium.

Por oposição, a Serratia marcescens, a Providentia stuartii e o


Acinetobacter baumanii apresentam pouca sensibilidade à acção das
fluoroquinolonas. Já os cocos anaeróbios, os Clostridia, os Bacteroides,
os fungos, as riquétsias e os vírus apresentam resistência total à acção
destes antibióticos.

Mecanismo de acção e resistência


As quinolonas
bloqueiam a síntese
do DNA bacteriano,
inibindo a acção da
topo-isomerase II
(gírase do DNA)

e da topo-isomerase IV.

A gírase do DNA
impede que, durante
a replicação, ocorra
sobre-enrolamento
do DNA. Esta
enzima apresenta
quatro

subunidades – duas
subunidades A e
duas subunidades
B. As quinolonas
ligam-se às
subunidades A
(que são
responsáveis pelo
corte das hélices de
DNA), enquanto a
novobiocina liga-se
às subunidades B.
De qualquer modo,
a inibição da gírase
do DNA impede a
normal transcrição e
replicação do DNA.

A topo-isomerase IV
parece
desempenhar um
papel similar.
Todavia, o bloqueio
desta enzima parece
interferir
maioritariamente
com a

segregação do DNA
cromossómico
replicado para as
respectivas células-
filhas. De qualquer
forma, o bloqueio da
topo-isomerase IV
revela-se
particularmente
importante na acção
das fluoroquinolonas
contra as bactérias
gram-positivas.

Existem já algumas estirpes bacterianas resistentes às


fluoroquinolonas, sobretudo entre os Staphylococcus, Pseudomonas e
Serratia. A resistência às quinolonas pode surgir na sequência de dois
mecanismos:

1. Presença de uma mutação no gene que codifica para a


subunidade A: Essa mutação leva a que passe a ser sintetizada
uma subunidade A com conformidade alterada.

2. Diminuição da permeabilidade bacteriana à quinolona:


Provavelmente, este mecanismo relaciona-se com uma perda de
proteínas da membrana externa.
De referir que, as células eucariontes expressam um tipo de topo-
isomerase II distinto da gírase do DNA. Ora, a topo-isomerase II dos
eucariontes é apenas inibida por concentrações extremamente elevadas
de quinolonas, o que confere uma certa margem de segurança a estes
antibióticos.

Farmacocinética
Todas as quinolonas são bem absorvidas por via oral, o que constitui
uma vantagem a favor destes antibióticos contra outros de espectro
semelhante (tais como os aminoglicosídeos, as cefalosporinas de
terceira geração, as ureidopenicilinas e as carboxipenicilinas). Para
além de poderem ser administradas por via oral, estes antibióticos
também podem ser administrados por via intra-venosa, obtendo-se
concentrações plasmáticas semelhantes às obtidas com idêntica dose
por via oral. De referir que a presença de alimentos, ou de catiões
bivalentes reduz a absorção intestinal destes antibióticos.

Algumas quinolonas podem ser administradas uma única vez por dia,
na medida em que apresentam uma semi-vida relativamente longa. A
maioria das fluoroquinolonas apresenta boa distribuição para a maior
parte dos tecidos. O ácido nalidíxico e a norfloxacina constituem duas
excepções, na medida em que apresentam dificuldade a atravessar as
barreiras hemato-encefálica e placentária. Para além disso, o ácido
nalidíxico apresenta escassa difusão para os órgãos e tecidos.

Existem alguns órgãos, nos quais as fluoroquinolonas atingem


concentrações superiores às plasmáticas– entre esses órgãos, destaque
para os rins, pulmões, próstata, amígdalas, músculo, útero e ovário. Por
oposição, ao nível da pele, tecido subcutâneo, osso e secreções brônquicas,
atingem-se concentrações de fluoroquinolonas apenas ligeiramente
inferiores às plasmáticas. Assim, as concentrações atingidas pelas
fluoroquinolonas na maior parte dos órgãos e tecidos permitem que estes
antibióticos sejam eficazes contra os microorganismos sensíveis aí
presentes.

Em indivíduos sem inflamação meníngea, as concentrações de


fluoroquinolonas no líquido cefalo-raquidiano revelam-se inferiores às
concentrações plasmáticas, mas superiores às concentrações inibitórias
mínimas para a maioria das bactérias comuns (excepto os
Streptococcus).

As fluoroquinolonas atingem concentrações muito elevadas nas fezes,


originando uma grande redução das espécies de enterobacteriáceas e
uma redução variável dos enterococos. Por outro lado, estes
antibióticos não afectam, praticamente, as bactérias anaeróbias.

No que concerne à sua biotransformação, as quinolonas podem ser


conjugadas com o ácido glicurónico no terceiro carbono, ou podem
sofrer uma série de reacções ao nível do sétimo carbono ou do seu anel
piperazínico. Os metabolitos das quinolonas podem conservar alguma
actividade, todavia, os metabolitos glicurono-conjugados são
completamente inactivos, enquanto os metabolitos resultantes da
abertura de um anel são altamente ineficazes.

A pefloxacina sofre um intenso processo de biotransformação, do qual


resulta a formação de norfloxacina. Por oposição, a ofloxacina é muito
pouco biotransformada. A biotransformação atinge ainda cerca de 20%
da norfloxacina, enoxacina e ciprofloxacina – de entre os metabolitos
gerados, destaque para os derivados oxo- e formil- destes antibióticos.

Em regra, os metabolitos são menos eficazes que as quinolonas que


lhes deram origem (a norfloxacina constitui uma excepção, na medida
em que a sua actividade é superior à da pefloxacina). De facto, os
derivados oxo- e os derivados formílicos apresentam actividade variável
e dependente da bactéria em questão – a título de exemplo, por
comparação com a ciprofloxacina, a formilciprofloxacina é quase tão
activa contra o S. aureus, mas cerca de dez vezes menos activa contra
a Pseudomonas aeruginosa. Por outro lado, a oxo-enoxacina mantém
cerca de 75% da actividade da enoxacina contra o Bacillus subtilis,
mas apenas 6% da actividade contra a Pseudomonas aeruginosa.

As fluoroquinolonas intactas e os seus metabolitos são maioritariamente


excretados por via renal. Estes antibióticos aparecem no filtrado
sobretudo por secreção tubular (que pode ser bloqueada pelo
probenecid) e filtração glomerular.

Nos idosos e nos indivíduos com insuficiência renal, ocorre


prolongamento dos tempos de semi-vida de eliminação das
fluoroquinolonas, de tal modo que pode ser necessário proceder a
ajustes posológicos destes antibióticos.

Uso terapêutico
Actualmente, as quinolonas são consideradas agentes terapêuticos de
grande eficácia, sendo não só utilizadas em infecções sistémicas
causadas por microorganismos comuns, mas também em infecções
sistémicas causadas por microorganismos resistentes às penicilinas,
cefalosporinas e aminoglicosídeos.

Infecções urinárias
As fluoroquinolonas são eficazes nas infecções urinárias causadas
pelas enterobacteriáceas e pelas Pseudomonas aeruginosa (mesmo
que resistentes ao cotrimoxazole, aminoglicosídeos e antibióticos β-
lactâmicos).

De facto, as novas quinolonas atingem concentrações urinárias que as


tornam eficazes contra a maior parte dos microorganismos causadores
de infecções urinárias (incluindo os multirresistentes). Para além de
aumentarem a acção bactericida, estas elevadas concentrações
também dificultam o aparecimento de resistências.

Para além disso, as novas quinolonas apresentam uma importante


acção anti-séptica intestinal e prostática, eliminando os agentes
patogénicos urinários residentes no intestino e próstata. Esta acção
diminui a probabilidade de uma re-infecção.

As novas quinolonas são ainda eficazes no tratamento das prostatites,


sendo adequadas para o tratamento de infecções prostáticas por E. coli
e outras enterobacteriáceas. Contudo, quando estas infecções são
causadas pela Pseudomonas aeruginosa ou por enterococos, pode
haver recidivas.

Embora possam ser utilizadas em todas as infecções urinárias, as


quinolonas apenas devem ser usadas em infecções cuja sintomatologia
surgiu há mais de 48 horas, em casos de infecção alta das vias
urinárias, em quadros de infecção urinária complicada, ou em infecções
que cursem com cistite hemorrágica. Por oposição, estes antibióticos
não devem ser utilizados em situações que propiciem o aparecimento
de resistências, nomeadamente, na profilaxia de doentes algaliados e
no tratamento crónico de doentes com lesões obstructivas.

Apesar de todas as quinolonas serem muito eficazes nas infecções


urinárias, a norfloxacina assume um papel de destaque, na medida em
que possui uma biodisponibilidade relativamente baixa e uma actividade
intrínseca elevada. De facto, a baixa biodisponibilidade da norfloxacina
diminui o risco de desenvolvimento de resistências e efeitos laterais.

Infecções respiratórias
As fluoroquinolonas não são agentes de primeira escolha no tratamento
da maioria das infecções respiratórias, devido ao facto de apresentarem
eficácia marginal contra os estreptococos. De facto, apenas a
levofloxacina, a moxifloxacina e a gatifloxacina podem ser utilizadas no
tratamento de pneumonias da comunidade, uma vez que são as únicas
que apresentam boa actividade contra o Streptococcus.

Tal como o Streptococcus, o Fusobacterium e o Bacteroides


melanogenicus não apresentam sensibilidade sistemática às
quinolonas. Na verdade, de entre os agentes patogénicos mais
frequentemente responsáveis por infecções respiratórias, apenas o H.
influenzae, a Moraxella catarrhalis e as Legionella são verdadeiramente
sensíveis à acção destes antibióticos.

Apesar disso, as novas fluoroquinolonas (tais como a levofloxacina, a


sparfloxacina, a clinofloxacina e a moxifloxacina) podem ser utilizadas
na terapêutica de algumas pneumonias atípicas, pois revelam-se
eficazes contra alguns agentes causadores destas infecções, tais como
as clamídias, os micoplasmas e a Legionella. Para além disso, a
ciprofloxacina (administrada por via intra-venosa) pode ser o antibiótico
de primeira escolha no tratamento de pneumonias nosocomiais
causadas por bactérias aeróbias gram-negativas (tais como as
Pseudomonas, Enterobacter, Klebsiella ou Serratia).

Existem ainda alguns casos excepcionais, nos quais as quinolonas


constituem os fármacos de primeira escolha. Entre essas situações,
destaque para as otites externas necrosantes por Pseudomonas
aeruginosa (contra as quais a ciprofloxacina se revela particularmente
eficaz). Para além disso, as quinolonas podem ser utilizadas nas
exacerbações agudas das bronquites crónicas, caso estas sejam
causadas por agentes gram-negativos, contra os quais os antibióticos β-
lactâmicos tenham sido ineficazes.

A ciprofloxacina é ainda considerada o agente terapêutico de primeira


escolha em infecções por Pseudomonas aeruginosa em doentes com
fibrose cística. Todavia, este fármaco apenas deverá ser usado em
doentes com menos de 14 anos, e por um curto período de tempo.

Infecções gastro-intestinais
As fluoroquinolonas possuem uma excelente actividade anti-bacteriana
contra todos os agentes causadores de diarreia, incluindo E. coli,
Shigella (todas as espécies), Salmonella, Campylobacter, Aeromona,
Yersinia enterocolítica e Vibrio parahaemolyticus.

De facto, para além de serem muito eficazes (mesmo contra estirpes


multirresistentes), as novas quinolonas atingem grandes concentrações
a nível intestinal. Para além disso, os Bacteroides, os Clostridia e os
estreptococos são relativamente resistentes à acção destes antibióticos,
o que impede o desenvolvimento de super-infecções.

A norfloxacina, a ciprofloxacina e, provavelmente, as outras


fluoroquinolonas são altamente eficazes no tratamento da febre tifóide.
Para além disso, estes antibióticos constituem o melhor meio de
eliminação dos portadores crónicos de Salmonella.

As fluoroquinolonas são ainda utilizadas no tratamento de infecções


biliares, uma vez que estas são causadas por agentes patogénicos (E.
coli e Klebsiella) susceptíveis à acção destes antibióticos.

Doenças venéreas
As fluoroquinolonas são extremamente eficazes no tratamento da
gonorreia, na medida em que, com uma única dose, curam a infecção e
eliminam o agente infeccioso. De facto, a N. gonorrhoeae (incluindo as
estirpes penicilino-resistentes) é altamente sensível à acção destes
antibióticos.
As fluoroquinolonas são ainda os fármacos de primeira escolha nas
infecções causadas pelo Haemophilus ducreyi (cancro mole). Para além
disso, a ciprofloxacina e a ofloxacina são eficazes nas uretrites não-
específicas por Chlamydia trachomatis, embora não possam ser
administradas em dose única. De facto, nestas situações, a sua eficácia
fica aquém da apresentada pela doxiciclina.

De referir que o uso de quinolonas na terapêutica das doenças


venéreas encontra-se contra-indicado em doentes com sífilis e em
mulheres grávidas.

Infecções da pele e tecidos moles


As fluoroquinolonas são muito eficazes em infecções mistas da pele
causadas por microorganismos aeróbios gram-negativos. Para além
disso, estes antibióticos demonstram relativa eficácia no tratamento de
infecções da pele por Staphylococcus ou Pseudomonas aeruginosa.
Contudo, na presença de infecções da pele por Streptococcus, devem
ser administrados antibióticos β-lactâmicos ou eritromicina.

Osteomielite
As fluoroquinolonas constituem a terapêutica de primeira escolha em
situações de osteomielite aguda hematogénea causada por
Pseudomonas ou Serratia. Para além disso, a ciprofloxacina e a
ofloxacina revelam-se altamente eficazes no tratamento das
osteomielites por contiguidade, ou das osteomielites que surgem em
consequência de um traumatismo ou de uma intervenção cirúrgica e
são causadas por Staphylococcus resistentes à meticilina.

De referir que a importância das fluoroquinolonas no tratamento das


osteomielites agudas e crónicas reside, não só na sua grande eficácia,
mas também no facto de poderem ser administradas por via oral.

Outras indicações
A ciprofloxacina e a ofloxacina são eficazes no tratamento da
tuberculose e na erradicação de portadores de meningococos.
Acções adversas
Apesar de serem muito bem toleradas, as quinolonas podem provocar
alguns efeitos laterais:

1. Lesões articulares: As quinolonas podem induzir erosão nas


cartilagens articulares que suportam mais peso. Embora rara,
esta ocorrência é deveras danosa, de tal modo que o uso rotineiro
destes antibióticos deve ser evitado em crianças, adultos jovens,
grávidas e mulheres em fase de amamentação. Apesar disso,
esta artropatia é reversível.

2. Tendinite: As quinolonas podem induzir tendinite (embora isto


seja algo raro). Esta complicação é deveras perigosa, podendo
levar à ruptura do tendão.

3. Sintomas digestivos: É frequente surgirem complicações


digestivas (tais como náusea, vómitos, diarreia e dores
abdominais) na sequência da administração de quinolonas. A
trovafloxacina causa, inclusive, hepatites agudas, motivo pelo
qual foi retirada do mercado.

4. Sistema nervoso central: Com excepção das acções digestivas,


as acções adversas centrais são as mais frequentes e incluem
convulsões, insónia, vertigens e cefaleias. De entre as
quinolonas, a ciprofloxacina é aquela que está mais
frequentemente associada ao desenvolvimento de efeitos
centrais. Todavia, a trovafloxacina é a quinolona mais
frequentemente associada ao desenvolvimento de vertigens.

5. Pele: As quinolonas podem despoletar reacções de


fotossensibilidade, as quais se manifestam sob a forma de
prurido, rubor, urticária e petéquias hemorrágicas. Estas reacções
desenvolvem-se mais frequentemente após administração de
sparfloxacina (por comparação com a levofloxacina e
clinofloxacina). De qualquer forma, estas reacções desaparecem
espontaneamente, motivo pelo qual não apresentam significado
clínico
6. Alterações cardíacas: Já foram registadas alterações do
intervalo QT do electrocardiograma em doentes que receberam
fluoroquinolonas. De entre as quinolonas, a gatifloxacina é
aquela que mais está associada ao desenvolvimento de torsades
de pointes, de tal modo que não deve ser administrada a doentes
que possam correr riscos com um prolongamento do intervalo QT.
Nesses doentes, o uso da levofloxacina também deverá ser
cauteloso.

Interacções farmacológicas
Quando as quinolonas são administradas conjuntamente com outros
antibióticos, podem surgir interacções farmacológicas, as quais
costumam apresentar pouco significado clínico. De entre todas as
fluoroquinolonas, a enoxacina é aquela que mais significativamente
pode interferir com a metabolização de outros fármacos.

De facto, quando administrada em conjunto com a teofilina, a enoxacina


pode provocar um aumento para mais do dobro dos níveis desta
xantina. Isto deve-se ao facto de a oxo-enoxacina (derivado da
enoxacina) ser estruturalmente muito parecida com a teofilina, o que
leva a que ambos os antibióticos passem a competir pelo mesmo
sistema enzimático hepático e, consequentemente, a que se gere um
atraso na metabolização da teofilina. Os derivados 4-oxo da
ciprofloxacina e pefloxacina também induzem um efeito similar, embora
este seja quantitativamente desprezável.

Espectro de acção das quinolonas


Macrólidos
Os macrólidos caracterizam-se pela presença de um anel lactónico
macrocítico na sua estrutura molecular. Em termos gerais, os
macrólidos podem ser divididos em quatro grupos:

1. Macrólidos “antigos”: Eritromicina, espiramicina, josamicina,


rosaramicina, oleandomicina e triacetiloleandomicina.

2. Macrólidos “recentes”: Claritromicina, diritromicina, leucomicina,


midecamicina e roxitromicina.

3. Macrólidos “azálidos”: Azitromicina

4. Macrólidos “cetólidos”: Roquitamicina, telitromicina e HMR3004

Quando comparados com os antigos macrólidos, os novos macrólidos


apresentam várias vantagens – apesar disso, existem ainda algumas
limitações no uso destes antibióticos. A título de exemplo, os macrólidos
apresentam fraca actividade contra as bactérias gram-negativas.

Eritromicina
A eritromicina foi o primeiro
macrólido a ser desenvolvido. Em
termos estruturais, a sua
molécula apresenta 14 elementos
no anel lactónico macrocítico, ao
qual estão ligados dois açúcares
(nomeadamente, a desosamina e
a cladinose). A eritromicina é
pouco solúvel em água e é uma
base fraca (pKa=8,8).

Actualmente, este antibiótico


ainda desempenha um papel
importante na prática clínica, uma
vez que apresenta um espectro
de acção útil e comporta uma
boa margem de segurança.

Mecanismo de acção e de resistência


Tal como os outros macrólidos, a
eritromicina actua através da
inibição da síntese proteica.

Para tal, este antibiótico liga-se reversivelmente à subunidade


ribossomal 50S, evitando a formação ou crescimento de novas cadeias
peptídicas. De referir que, apesar das suas diferenças estruturais, a
eritromicina pode competir com a clindamicina ou com o cloranfenicol
pelo mesmo local de ligação no ribossoma, impedindo assim as suas
acções.

A eritromicina pode ser bactericida ou bacteriostática, dependendo do


organismo, do inóculo, da sensibilidade, da fase de crescimento e das
concentrações atingidas no local de infecção. De qualquer modo, em
doses terapêuticas, a eritromicina é geralmente bactericida para os
organismos sensíveis.

O desenvolvimento de resistências bacterianas a este antibiótico é


pouco frequente. De qualquer modo, existem três mecanismos de
resistência à eritromicina:

1. Diminuição da afinidade ribossomal para a eritromicina: Este


mecanismo envolve uma alteração conformacional do ribossoma
e pode resultar de uma mutação cromossómica ou, mais
frequentemente, da presença de um plasmídeo. Esta forma de
resistência é relativamente frequente em Staphylococcus aureus
e Streptococcus, estando muitas vezes associada a resistência
cruzada com antibióticos do tipo lincosamida (clindamicina) ou
estreptogramina (fenótipo de resistência MLS – macrólido-
lincosamida-streptogramina).

2. Inactivação enzimática da eritromicina: Este mecanismo


assume especial destaque no Clostridium perfringens.
3. Impossibilidade de acesso do fármaco até à estrutura
receptora: Este mecanismo é o responsável pela resistência
natural dos bacilos gram-negativos à eritromicina.

Espectro de acção
A eritromicina é particularmente activa contra a maioria dos
Streptococcus, nomeadamente contra o Streptococcus pneumoniae e
Streptococcus hemolíticos β dos grupos A, B, C, F e G. De facto, o
Streptococcus pyogenes, o Streptococcus pneumoniae e o
Streptococcus viridans apresentam grande susceptibilidade à acção da
eritromicina. Todavia, as estirpes de Streptococcus resistentes à
penicilina são também resistentes aos macrólidos.

Para além disso, a eritromicina é activa contra a Neisseria meningitidis e


Neisseria gonorrhoeae. No entanto, tal como acontece para o
Streptococcus viridans, existem outros antibióticos mais eficazes no
tratamento de infecções causadas por estes agentes.

Por sua vez, o Staphylococcus aureus apresenta susceptibilidade


variável à acção da eritromicina – embora, a maior parte das estirpes
seja sensível às doses habituais deste antibiótico, os MRSA
(Staphylococcus meticilino-resistentes) e várias estirpes abundantes em
meio hospitalar apresentam resistência à acção da eritromicina.

Os bacilos gram-positivos (de entre os quais se destacam o


Corynebacterium diphteriae e o Clostridium tetani) são também
normalmente susceptíveis à acção da eritromicina. Para além disso,
este antibiótico actua sobre alguns bacilos gram-negativos, tais como a
Bordetella pertussis. Por oposição, o Haemophilus influenzae é
frequentemente resistente às concentrações presentes nas secreções
respiratórias, enquanto as enterobacteriáceas e as Pseudomonas são
naturalmente resistentes à acção da eritromicina.

Por fim, sabe-se que a eritromicina tem boa actividade contra o


Treponema pallidum, Mycoplasma pneumoniae, riquétsias, Chlamydia
trachomatis e algumas micobactérias não-tuberculosas (Mycobacterium
kansasii e scrofulaceum).
Em suma, em termos gerais, a eritromicina (tal como os restantes
macrólidos) é particularmente eficaz contra bactérias Gram positivas
(sobretudo Streptococcus e anaeróbias) e bactérias intracelulares.
Todavia, quando comparada com outros antibióticos, apresenta menor
actividade contra bactérias gram-negativas.

Farmacocinética
A eritromicina é uma base, de tal modo que, apesar de ser bem
absorvida pelo duodeno, é facilmente inactivada pelo ácido gástrico.
Todavia, a administração oral de eritromicina continua a ser possível,
através dos seguintes mecanismos:

1. Administração da eritromicina em cápsulas revestidas com um


material resistente ao suco gástrico e desintegrável no intestino.

2. Conjugação da eritromicina com sais como o esteorato, com


ésteres como o propiolato e o etilsuccinato, ou com sais de
ésteres como o estiolato - estes produtos conjugados são
estáveis em meio ácido e absorvidos pelo duodeno. Após serem
absorvidos, ocorre hidrólise destes produtos conjugados com
subsequente libertação de eritromicina.

Não se sabe bem qual dos mecanismos supracitados permite atingir


concentrações plasmáticas de eritromicina mais elevadas. De qualquer
modo, sabe-se que ambos os mecanismos permitem atingir
concentrações superiores às concentrações inibitórias mínimas para
todos os agentes patogénicos para os quais está indicada a
administração de eritromicina por via oral.

Quando se procede à administração oral de eritromicina, é necessário


ter em conta que os alimentos podem interferir com a absorção deste
antibiótico. Adicionalmente, convém lembrar que, para além de poder
ser administrada por via oral, a eritromicina pode ser administrada por
via intra-venosa sob a forma de lactobionato e glicepato.

A eritromicina distribui-se bem para todos os órgãos e fluidos, com


excepção do sistema nervoso central e humor vítreo. Para além disso,
este antibiótico atravessa a placenta e aparece no sangue fetal.
Curiosamente, os polimorfonucleares neutrófilos e os macrófagos
tecidulares concentram eritromicina no meio intracelular, de forma
activa.

A eritromicina apresenta uma forte capacidade de ligação às proteínas


plasmáticas, de entre as quais se destacam a glicoproteína ácida α1 e,
em menor escala, a albumina. O período de semi-vida plasmática deste
antibiótico ronda as 1,5-2,5 horas.

A maior parte da eritromicina é excretada, sob a forma intacta, por via


biliar. De facto, as concentrações biliares deste antibiótico são cerca de
dez vezes superiores às sanguíneas, o que leva a que a eritromicina
esteja presente em grande quantidade nas fezes. Apenas uma pequena
fracção deste antibiótico é eliminada por via renal, de tal modo que não
devem ser feitos ajustes posológicos em doentes com insuficiência
renal.

Acções adversas e toxicidade


A eritromicina é um medicamento geralmente seguro, embora possa
apresentar algumas acções adversas, sobretudo, de natureza gastro-
intestinal. De facto, tal como todos os macrólidos de 14 elementos, a
eritromicina apresenta uma importante acção estimuladora da
motilidade gastro-intestinal

(superior à acção pró-cinética dos


macrólidos de 16 elementos), da
qual resulta o aparecimento de
náuseas, vómitos, dores
abdominais e diarreia. Estas
manifestações estão
maioritariamente associadas à
administração de doses elevadas
de eritromicina e raramente
obrigam a interromper a
terapêutica.
O aparecimento de acções
adversas mais graves é raro. De
qualquer modo, já foram descritos
casos de super-infecções (colite
pseudo-membranosa), hipoacúsia
neuro-sensorial reversível, febre,
eosinofilia, artralgias e fenómenos
de hipersensibilidade.

O desenvolvimento de um quadro
de colestase intra-hepática
(“hepatite colestática”) constitui o
mais grave efeito adverso
resultante do uso de eritromicina.
Apesar disso, são raras as
situações que cursam
simultaneamente com inflamação
peri-portal e necrose
hepatocelular. Para além disso,
após interrupção do tratamento
costuma ocorrer recuperação
funcional hepática completa.

Em termos comparativos, a
eritromicina e a
triacetiloleandomicina são mais
hepatotóxicas que a josamicina,
espiramicina e medicamicina. De
entre as formas de eritromicina, o
estolato de eritromicina é o
agente causal mais
frequentemente implicado nas
situações de hepatotoxicidade,
embora também estejam descritos
casos para o propionato e
etilsuccinato. Assim, tendo em
conta o maior risco de
hepatotoxicidade e a ausência de
vantagens em relação a outras
formas de eritromicina, o uso de
estolato não é justificável em
indivíduos adultos.

A eritromicina não pode ser


administrada por via intra-
muscular, sob pena de se gerarem
dores violentas no local de
injecção e abcessos assépticos.
Para além disso, a administração
intra-muscular de eritromicina
ocorre de modo errático e requer
grandes volumes deste antibiótico.
Por sua vez, a administração de
eritromicina por via intra-venosa,
embora possível, pode levar ao
desenvolvimento de flebites.

A eritromicina pode potenciar a


acção de vários fármacos,
provavelmente por inibição da sua
biotransformação (contrariamente
aos macrólidos com 16 elementos
no seu anel macrocítico, os
macrólidos com 14 elementos são
capazes de inibir as enzimas do
sistema microssomal hepático).
Entre esses fármacos, destaque
para a carbamazepina,
ciclosporina, teofilina,
metilprednisolona e varfarina. Para
além disso, a eritromicina pode
inibir a formação de produtos de
redução de digoxina no tracto
intestinal e, consequentemente,
aumentar os níveis séricos deste
fármaco. Por fim, a eritromicina
pode interferir com a interpretação
de alguns testes diagnósticos, nos
quais se incluem a quantificação
urinária de catecolaminas, 17-
hidroxiesteróides e 17-
cetosteróides.

De referir que já foram descritos casos de torsades de pointes em


doentes tratados com eritromicina, visto que esta prolonga a
repolarização cardíaca. Ora, o risco de efeitos adversos cardíacos
aumenta aquando da administração conjunta de eritromicina com
inibidores do CYP3A4, uma vez que este antibiótico é substrato do
CYP3A.

Uso terapêutico
A eritromicina é frequentemente utilizada como alternativa à
benzilpenicilina, quer em doentes hipersensíveis, quer em situações
onde se procure evitar o recurso à via intra-muscular. Para além disso,
este antibiótico constitui um fármaco de primeira escolha no tratamento
de um pequeno grupo de infecções por agentes não-susceptíveis aos
antibióticos β-lactâmicos.

Assim, em doentes alérgicos à benzilpenicilina, a eritromicina pode ser


utilizada no tratamento de infecções do tracto respiratório superior e dos
tecidos moles causadas por Streptococcus pyogenes, de pneumonia
causada por Streptococcus pneumoniae, de sífilis precoce, e de
infecções causadas por Listeria monocytogenes. Para além disso,
nesse tipo de doentes, a eritromicina pode ser utilizada na profilaxia de
recidivas da febre reumática. Por oposição, este antibiótico não deve
ser utilizado no tratamento de infecções estafilocócicas ou gonocócicas,
devido à elevada prevalência de organismos resistentes e à elevada
taxa de recidivas.

Como referido anteriormente, a eritromicina constitui o fármaco de


primeira escolha no tratamento de pneumonia adquirida na
comunidade. De facto, este antibiótico é usado de modo empírico
nessas situações, na medida em que é eficaz contra o Streptococcus
pneumoniae e o Mycoplasma pneumoniae, que são precisamente os
agentes patogénicos mais frequentemente envolvidos na génese desta
infecção. Todavia, caso o doente apresente alguma condição
subjacente (tal como doença pulmonar obstructiva crónica ou
alcoolismo) que leve a pensar que a pneumonia poderá ser causada por
outros agentes etiológicos (tais como Staphylococcus aureus, Klebsiella
pneumoniae e Haemophilus influenzae), dever-se-á optar por outros
antibióticos.

A eritromicina é ainda eficaz no tratamento de infecções por Chlamydia


trachomatis, um agente resistente aos antibióticos β-lactâmicos, que
provoca pneumonias no lactente, conjuntivite neonatal e uretrites não-
gonocócicas. Para além disso, segundo alguns autores, a eritromicina é
ainda o melhor antibiótico para o tratamento das pneumonias por
Mycoplasma pneumoniae e Legionella.

O uso de eritromicina encontra-se indicado para doentes com tosse


convulsa – apesar de contribuir muito pouco para a evolução clínica
desta patologia (que se deve sobretudo à acção de uma toxina), a
eritromicina elimina rapidamente a Bordetella pertussis (agente
patogénico produtor dessa toxina) das vias respiratórias, tornando os
doentes não-contagiosos. Adicionalmente, este antibiótico deverá ser
utilizado profilaticamente nos indivíduos que contactaram com doentes
com tosse convulsa.

A eritromicina pode ser administrada em simultâneo com uma anti-


toxina diftérica, devido à sua eficácia na eliminação do bacilo diftérico
dos portadores. Para além disso, a eritromicina permite eliminar o
Clostridium tetani do local de infecção e encontra-se recomendada para
o tratamento do cancro mole.

A eritromicina atinge elevadas concentrações nas fezes, as quais são


suficientes para inactivar diversas estirpes de Campylobacter jejuni.
Todavia, a evidência existente não valida o uso deste antibiótico no
tratamento primordial das diarreias provocadas por este agente. Já em
termos profiláticos, quando associada à neomicina, a eritromicina é
eficaz na profilaxia de infecções relacionadas com a cirurgia colo-rectal.

Contra-indicações
A hipersensibilidade constitui a única contra-indicação ao uso de
eritromicina. Para além disso, este antibiótico deve ser usado
cautelosamente em indivíduos com insuficiência hepática, embora não
devam ser realizados ajustes posológicos.

Fidaxomicina
A fidaxomicina é um macrólido usado no tratamento da colite pseudo-
membranosa causada pelo Clostridium difficile. Dado ter uma fraca
absorção intestinal, este antibiótico apenas tem acção local no intestino.
Como expectável, a fidaxomicina é maioritariamente excretada por via
fecal. As suas acções adversas mais comuns incluem náusea, vómitos,
dor abdominal, hemorragia gastro-intestinal, anemia e neutropenia.

A fidaxomicina e o seu metabolito principal são substratos da


glicoproteína-P transportadora (P-gp), que é expressa ao nível do tracto
intestinal. Ora, a administração de ciclosporina (um inibidor da P-gp) em
conjunto com a fidaxomicina leva a um aumento das concentrações
plasmáticas deste último fármaco.

Espiramicina
A espiramicina é um macrólido que apresenta um perfil farmacológico
idêntico ao da eritromicina. De facto, estes dois antibióticos diferem
fundamentalmente no seu período de semi-vida plasmática e no seu
espectro anti-microbiano - a espiramicina apresenta um maior período
de semi-vida plasmática e, contrariamente à eritromicina, é eficaz contra
o Cryptosporidium muris e o Toxoplasma gondii, dois importantes
protozoários patogénicos para o Homem.

Assim, a espiramicina é utilizada no tratamento da criptosporidiose


(infecção gastro-intestinal por Cryptosporidium muris que, embora não
tenha significado clínico nos indivíduos imunocompetentes, pode ser
fatal para os indivíduos imunodeprimidos). Embora nem sempre consiga
erradicar o parasita, este antibiótico leva a uma indiscutível melhoria
clínica.

A espiramicina pode ainda ser utilizada na toxoplasmose congénita. De


facto, este antibiótico reduz a incidência de infecções fetais, quando
administrada a grávidas serologicamente positivas. Por oposição, a
espiramicina não deve ser utilizada no tratamento de encefalite por
Toxoplasma gondii nos indivíduos com SIDA.

Em termos farmacocinéticos, a espiramicina pode ser administrada por


via oral e, quando administrada na dose de 4g/dia, apresenta as
mesmas indicações terapêuticas que a eritromicina. De referir que, a
josamicina e a rosaramicina não apresentam diferenças significativas
em relação à eritromicina.

Roxitromicina
A roxitromicina tem um espectro de acção e um uso terapêutico similar
ao da eritromicina. De facto, as principais diferenças entre estes dois
antibióticos dizem respeito a propriedades farmacocinéticas.

A roxitromicina sofre rápida absorção por via oral, sendo que a sua
biodisponibilidade é pouco condicionada pela presença de alimentos ou
leite. Este antibiótico distribui-se amplamente para os vários tecidos,
atingindo concentrações plasmáticas elevadas nas amígdalas, lágrimas,
pulmões e líquido pleural, próstata, testículos, epidídimos, útero, vagina,
trompas de Falópio, ovários, fígado, rins, pele, gengivas e cavidade oral.
Por oposição, este antibiótico não é detectado no sistema nervoso
central de indivíduos sem alterações da permeabilidade meníngea.

A semi-vida plasmática deste antibiótico ronda as 10-12 horas, sendo


que esse valor aumenta nos doentes com insuficiência renal ou
insuficiência hepática, embora não seja necessário proceder a ajustes
posológicos. De facto, cerca de metade da dose administrada de
roxitromicina é excretada nas fezes, sendo a restante fracção excretada
por via da urina e do ar expirado. Uma fracção ínfima pode ainda passar
para o leite materno.

Na prática clínica, a roxitromicina é utilizada no tratamento de infecções


pouco graves do tracto respiratório inferior causadas por Streptococcus
pneumoniae, Moraxella catarrhalis, Mycoplasma pneumoniae e
Chlamydia trachomatis, bem como de infecções cutâneas causadas por
Streptococcus e Staphylococcus sensíveis.

Para além disso, a roxitromicina é eficaz no tratamento de infecções do


tracto respiratório superior adquiridas na comunidade (amigdalite,
sinusite, faringite, bronquite aguda, agudizações da doença pulmonar
obstructiva crónica e pneumonia).

Ao nível urogenital, a roxitromicina é particularmente útil nas infecções


causadas por Chlamydia, Mycoplasma e Ureaplasma. Adicionalmente,
este antibiótico revela-se eficaz em situações de faringite estreptocócica
do adulto, infecções orofaciais após extracção dentária, e doença de
Lyme (infecção causada por Borrelia burgdorferi).

De referir que, em comparação com a eritromicina, a roxitromicina


parece induzir menos acções adversas. De facto, a irritação gastro-
intestinal constitui a acção adversa mais comum resultante do uso deste
fármaco.

Midecamicina
A midecamicina difere muito pouco da eritromicina, embora a
administração de midecamicina por via oral permita obter concentrações
plasmáticas mais elevadas.

Claritromicina
A claritromicina é um derivado da eritromicina, formado por metilação
na posição 6-hidroxi do anel macrocítico. Tal como a eritromicina, a
claritromicina actua por inibição da síntese proteica bacteriana, ligando-
se reversivelmente à subunidade 50S. Deste modo, as bactérias
resistentes à eritromicina, nas quais se incluem o Streptococcus
pneumoniae resistente à penicilina e os MRSA, são também resistentes
à claritromicina.

Espectro de acção
O espectro de acção da eritromicina é similar ao da claritromicina,
embora este último antibiótico seja mais activo contra determinados
agentes patogénicos, nos quais se incluem o Mycoplasma pneumoniae,
a Legionella pneumophila, o Haemophilus influenzae e a Chlamydia
pneumoniae. Tal como acontece à eritromicina, a maior parte das
bactérias aeróbias gram-negativas (tais como a E. coli, a Pseudomonas
e Salmonella) são resistentes à acção da claritromicina.

A claritromicina é activa contra o Mycobacterium avium-intracellulare,


embora essa actividade esteja aumentada, aquando da co-
administração deste antibiótico com etambutol, rifampicina ou rifabutina.
In vitro, a claritromicina evidencia ainda actividade contra o Toxoplasma
gondii, Borrelia burgdorferi, Babesia microti, C. trachomatis, N.
gonorrhoeae, Ureaplasma urealyticum, e várias espécies de
Mycobacterium.

Farmacocinética
Em termos farmacocinéticos, a claritromicina é estável em meio ácido e
é bem absorvida pelo tracto gastro-intestinal. Essa absorção condiciona
uma biodisponibilidade oral de 50%, que não é afectada pela presença
de alimentos.

A claritromicina penetra bem nos tecidos e é altamente captada pelos


macrófagos alveolares e neutrófilos. No que concerne à sua
biotransformação, este fármaco é altamente metabolizado no fígado,
por parte de enzimas da família do citocromo P450. Desta
biotransformação, resultam vários metabolitos, de entre os quais se
destaca a 14-hidroxiclaritromicina – este epímero tem acção sinérgica
com a claritromicina contra várias bactérias, tais como o Haemophilus
influenzae.

A claritromicina (tal como o seu principal metabolito) é excretada por via


renal, de tal modo que em indivíduos com insuficiência renal é
necessário proceder um ajuste posológico. Por oposição, em doentes
com insuficiência hepática ligeira a moderada, mas com normal função
renal, não é necessário proceder a um ajuste posológico. No entanto,
este antibiótico não deve ser utilizado em doentes com insuficiência
hepática grave, uma vez que, nessas situações, a claritromicina deixa
de ser transformada no seu metabolito activo.

Acções adversas
Tal como os outros macrólidos, a claritromicina é relativamente bem
tolerada, aparentando ser melhor tolerada que a eritromicina. Todavia,
ocasionalmente, a claritromicina pode provocar náuseas, diarreia, dor
abdominal, sabor metálico, cefaleias e algumas anomalias laboratoriais
transitórias (tais como leucopenia e elevação das transamínases) Estão
ainda descritos casos isolados de pancreatite, síndromes miasténicos,
hepatite colestática e hepatite fulminante. De referir que, a incidência de
acções adversas causadas pela claritromicina é superior em doentes
com HIV.

A claritromicina inibe o sistema hepático do citocromo P450, o que pode


levar ao estabelecimento de importantes interacções farmacológicas.
De facto, verifica-se um aumento das concentrações plasmáticas de
muitos fármacos, quando estes são administrados em conjunto com a
claritromicina. De entre esses fármacos, destaque para a
carbamazepina, teofilina, cafeína, digoxina, triazolam, ergotamina,
ciclosporina, varfarina, astemizol, terfenadina, valproato, disopiramida,
midazolam e nicotina. Todavia, a administração conjunta de
claritromicina e zidovudina leva à diminuição das concentrações
plasmáticas deste último fármaco.

Aplicações terapêuticas
Na prática clínica, a claritromicina é utilizada no tratamento de infecções
do tracto respiratório superior e inferior, incluindo sinusite, bronquite
aguda, exacerbação aguda infecciosa de bronquite crónica e
pneumonia adquirida na comunidade. De facto, nestas situações, a
claritromicina revela-se tão eficaz como a eritromicina, penicilina,
ampicilina, amoxicilina e cefalosporinas.

Ensaios clínicos recentes têm demonstrado que, quando associada com


etambutol, rifampicina ou rifabutina, a claritromicina revela-se eficaz na
profilaxia ou tratamento de infecções por Mycobacterium avium complex
em doentes com SIDA. Para além disso, quando associada com
amoxicilina, metronidazole e com um inibidor da bomba de protões, a
claritromicina pode ser utilizada para erradicar o Helicobacter pylori.

Diritromicina
A diritromicina apresenta um espectro de acção semelhante ao da
eritromicina e uma semi-vida plasmática de 20-50 horas. São ainda
necessários estudos que versem o interesse terapêutico deste
antibiótico.

Azitromicina
A azitromicina é um macrólido pertencente à subclasse dos azálidos.
Este fármaco é um derivado da eritromicina, que possui 15 elementos
no anel macrocítico e em que o grupo carbonilo na posição 9 do anel
lactónico é substituído por um átomo de azoto. Esta modificação
química leva a que, quando comparada com a eritromicina, a
azitromicina apresente maior estabilidade em meio ácido.

Mecanismo e espectro de acção


O mecanismo de acção da azitromicina é similar ao da eritromicina. De
facto, a azitromicina inibe a síntese proteica bacteriana, por ligação à
subunidade 50S dos ribossomas. Deste modo, as bactérias resistentes
à eritromicina (nomeadamente MRSA e Streptococcus resistentes à
benzilpenicilina) também apresentam resistência cruzada à azitromicina.

No cômputo geral, a azitromicina é menos eficaz que a eritromicina


contra bactérias gram-positivas (Staphylococcus, Streptococcus e
Enterococcus), mas é mais activa contra o Haemophilus influenzae e
várias estirpes de Campylobacter.

A azitromicina é ainda muito activa contra a Moraxella catarrhalis,


Pasteurella multocida, Chlamydia, Mycoplasma pneumoniae,
Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum, Legionella pneumophila,
Borrelia burgdorferi, Treponema pallidum, Fusobacterium, Haemophilus
ducreyi e Neisseria gonorrhoeae. Tal como a claritromicina, a
azitromicina é eficaz contra o Helicobacter pylori, Mycobacterium avium-
intracellulare e alguns protozoários, tais como o Toxoplasma gondii, o
Cryptosporidium e algumas estirpes de Plasmodium.

Farmacocinética
A azitromicina apresenta propriedades farmacocinéticas muito
vantajosas sob o ponto de vista clínico. De facto, este antibiótico é
estável em meio ácido, tem boa disponibilidade e uma rápida absorção
oral, atinge concentrações tecidulares elevadas depois de libertada
pelas células fagocíticas, e apresenta um longo período de semi-vida.

Como referido anteriormente, a azitromicina pode ser administrada por


via oral. A ingestão de alimentos e a toma simultânea de anti-ácidos
diminuem a biodisponibilidade da azitromicina administrada sob a forma
de cápsula, mas não interferem com a biodisponibilidade da
azitromicina administrada sob a forma de comprimido.

Este antibiótico apresenta fraca ligação às proteínas plasmáticas, mas


um longo período de semi-vida (que pode chegar aos quatro dias). De
facto, as concentrações de azitromicina nos macrófagos alveolares,
neutrófilos, amígdalas e tecidos pélvicos e genitais mantêm-se elevadas
por períodos prolongados. No trato respiratório, na pele, nos tecidos
moles e no tracto genital atingem-se concentrações superiores às
concentrações inibitórias mínimas para a maior parte dos agentes
patogénicos. Não admira, portanto, que as concentrações tecidulares de
azitromicina sejam superiores às concentrações plasmáticas
concomitantes. De referir que, a distribuição da azitromicina pelos
diferentes compartimentos tecidulares é rápida.

A azitromicina apresenta um pKa elevado, motivo pelo qual sofre


ionização intensa (e subsequente acumulação) no meio ácido intra-
lisossómico. Deste modo, os neutrófilos, os macrófagos e os
fibroblastos concentram activamente a azitromicina, que atinge aí
concentrações intracelulares que podem ser cerca de 200 vezes
superiores às plasmáticas. Os fibroblastos podem actuar como um
reservatório de azitromicina, transferindo-as para os macrófagos e
permitindo assim que uma grande quantidade deste antibiótico seja
disponibilizada para os tecidos infectados. Assim, os níveis de
azitromicina são superiores nos focos de infecção aguda, devido à
migração dos leucócitos, que actuam como sistemas de transporte e
libertação deste antibiótico. De referir que a acumulação de azitromicina
nos macrófagos não interfere com as suas funções imunitárias.

Assim, a azitromicina é o macrólido que sofre maior acumulação


intracelular – a libertação da azitromicina dos tecidos para a corrente
sanguínea é lenta e com uma cinética polifásica.

Apenas uma pequena fracção de azitromicina sofre metabolização,


originando metabolitos inactivos. Tal como a azitromicina intacta, esses
metabolitos são excretados, predominantemente, por via trans-
intestinal. Apenas uma pequena fracção deste antibiótico é excretada
por via renal, de tal modo que não são necessários ajustes posológicos
em doentes com insuficiência renal. Para além disso, a azitromicina
atinge concentrações elevadas na via biliar.
Uso terapêutico
A azitromicina é utilizada no tratamento de infecções do tracto
respiratório. De facto, este antibiótico é muito utilizado no tratamento de
infecções do tracto respiratório superior causadas por Streptococcus
pyogenes, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae. Para
além disso, a azitromicina é usada no tratamento de várias infecções do
tracto respiratório inferior, nomeadamente bronquite aguda,
agudizações da doença pulmonar obstructiva crónica e pneumonia da
comunidade.

Devido ao facto de poder ser administrada uma única vez por dia, a
azitromicina é particularmente útil no tratamento de doenças
sexualmente transmissíveis causadas por Neisseria gonorrhoeae,
Chlamydia trachomatis, Haemophilus ducreyi e Treponema pallidum.
Este antibiótico é ainda usado no tratamento de infecções da pele e dos
tecidos moles causadas por Staphylococcus aureus, Streptococcus
pyogenes e Streptococcus agalactiae.

Para além disso, a azitromicina pode ser usada com fins profiláticos.
Assim, este antibiótico é usado na profilaxia das infecções por
Mycobacterium avium complex em doentes seropositivos (embora
também possa ser usada para o tratamento das mesmas), bem como
na profilaxia da malária e da endocardite bacteriana.

Acções adversas e toxicidade


A azitromicina é normalmente bem tolerada, quer em adultos, quer em
crianças (a partir dos seis meses). De facto, por comparação com a
eritromicina, a ocorrência de acções adversas é menos frequente. De
qualquer modo, as acções adversas mais frequentes da azitromicina
são do foro gastro-intestinal e incluem diarreia, náuseas, dor abdominal
e vómitos. Para além disso, podem ocorrer cefaleias, tonturas e
aumento das transaminases.

Contrariamente ao que ocorre com a eritromicina, a azitromicina não


estabelece interacções farmacológicas com a varfarina, teofilina,
cimetidina, carbamazepine, midazolam, terfenadina, zidovudina e
metilprednisolona.
Telitromicina
A telitromicina é um macrólido da classe dos cetólidos. Os cetólidos
diferem dos restantes macrólidos, na medida em que possuem um
grupo 3-ceto, em vez da L-clanidose na estrutura molecular.

Tal como os restantes macrólidos, a telitromicina inibe a síntese proteica


bacteriana, por ligação à subunidade ribossomal 50S. No que concerne
ao seu espectro de acção, este fármaco tem boa actividade contra
cocos gram-positivos, incluindo alguns multirresistentes,
nomeadamente:

1. Streptococcus pneumoniae resistentes à penicilina e eritromicina

2. Staphylococcus e Streptococcus resistentes aos restantes


macrólidos por um mecanismo dependente de uma bomba de
efluxo

3.

Enterococcus faecalis e Entercococcus faecium

4. Anaeróbios resistentes à vancomicina

Para além disso, a telitromicina é activa contra a Neisseria meningitidis,


Neisseria gonorrhoeae, Haemophilus influenzae (incluindo estirpes
resistentes à eritromicina), Moraxella catarrhalis, Chlamydia
trachomatis, Chlamydia pneumoniae, Toxoplasma gondii e algumas
micobactérias.
De referir que este antibiótico tem baixo potencial para gerar resistência,
na medida em que se liga a dois locais diferentes dos ribossomas. De
facto, contrariamente aos restantes macrólidos, a telitromicina não induz
fenótipos do tipo MLS.

Em termos farmacocinéticos, a telitromicina é bem absorvida por via


oral, sendo que os alimentos não interferem com a absorção. Contudo,
este antibiótico sofre um intenso fenómeno de primeira passagem
hepática, sendo amplamente metabolizado pelo CYP3A4. A sua
capacidade de ligação às proteínas plasmáticas ronda os 60-70%. A
telitromicina penetra muito bem nos tecidos, onde atinge concentrações
supra-terapêuticas - de entre esses tecidos, destaque para o tecido
bronco-pulmonar e macrófagos alveolares. Este fármaco é eliminado
por via biliar e renal.

A telitromicina está indicada para o tratamento de infecções do tracto


respiratório, incluindo pneumonia da comunidade, exacerbações
agudas de bronquite crónica, sinusite e amigdalite/faringite
estreptocócica.

Este macrólido é, no geral, bem tolerado, não causando efeitos


adversos no sistema nervoso central. Para além disso, quando
comparada com a amoxicilina/ácido clavulânico, a telitromicina induz
menos casos de diarreia. Já quando comparada com a claritromicina,
induz menos alterações do paladar. Todavia, a telitromicina exerce um
significativo efeito hepatotóxico, induzindo ainda um prolongamento do
intervalo QT do electrocardiograma, bem como alterações visuais
transitórias (visão turva e diplopia) e agravamento de miastenia gravis.

No que concerne às suas interacções farmacológicas, a telitromicina


constitui um inibidor do CYP3A4 (potenciando a acção da sinvastatina,
digoxina e cisapride) do CYP2D6 (potenciando a acção do metoprolol).
Inibidores da síntese de folatos
Sulfonamidas
O grupo das sulfonamidas engloba todos os derivados da p-
aminobenzenossulfonamida. Estes antibióticos inibem a síntese
bacteriana de folatos, exercendo uma forte actividade bacteriostática.
Em termos gerais, as sulfonamidas podem ser divididas em quatro
grupos:

1. Sulfonamidas rapidamente absorvidas e excretadas: Sulfametizole


e sulfisoxazole

2. Sulfonamidas rapidamente absorvidas e lentamente excretadas:


Sulfadimetoxina

3. Sulfonamidas praticamente não-absorvidas por via oral:


Ftalilsulfatiazole e sulfaguanidina

4. Sulfonamidas usadas para fins especiais: Sulfacetamida

Mecanismo de acção
Para compreendermos o mecanismo de acção das sulfonamidas,
teremos de conhecer os mecanismos de síntese bacteriana de folatos,
até porque, contrariamente às células humanas, a maior parte das
bactérias e alguns protozoários são incapazes de utilizar folatos
exógenos pré-formados.

As bactérias e os protozoários
possuem enzimas (inexistentes
no Homem) intervenientes no
início da síntese de folatos.

A sintétase do di-
hidropteroato constitui a
primeira dessas enzimas,
sendo responsável por catalisar
a formação de di-
hidropteroato a partir de di-
hidropterina e de PABA. Ora,
o di-hidropteroato liga-se ao
glutamato, originando di-
hidrofolato. Por sua vez, este
composto é convertido em
tetra-hidrofolato por parte da
redútase do di-hidrofolato – o
tetra-hidrofolato é um dador de
radicais monocarbonados, que
se revela essencial para a
síntese de ácidos nucleicos. De
referir que, nos humanos
também existe redútase do di-
hidrofolato, todavia, a redútase
humana é distinta da redútase
bacteriana.

Ora, a estrutura química das sulfonamidas é semelhante à do PABA, de


tal modo que estes compostos competem entre si pelo centro activo da
sintétase do di-hidropteroato – isto explica porque é que a acção das
sulfonamidas é inibida pela presença de grandes quantidades de PABA.

A incorporação das sulfonamidas na estrutura dos folatos (em vez de


PABA) incapacita as bactérias de utilizarem os folatos ulteriormente
formados (como referido anteriormente, a maior parte das bactérias são
incapazes de utilizar folatos exógenos). Ora, isto impede a síntese de
ácidos nucleicos, gerando um efeito bacteriostático. Apesar disso,
convém referir que, quando as sulfonamidas são adicionadas a um meio
de cultura, apenas ocorre impedimento da multiplicação bacteriana ao
fim de algumas divisões, uma vez que, numa fase inicial, as bactérias
vão usando os “folatos endógenos antigos” que estavam armazenados.

Espectro de acção
Todas as sulfonamidas apresentam um espectro de acção similar. De
facto, estes antibióticos são eficazes contra um grande conjunto de
bactérias gram-positivas e gram-negativas, bem como sobre
microorganismos dos grupos Chlamydia, Nocardia, Plasmodia e
Toxoplasma. Todavia, a resistência às sulfonamidas é frequente,
sobretudo entre os estafilococos, estreptococos, gonococos,
meningococos, enterobacteriáceas e Pseudomonas.

A resistência às sulfonamidas pode se dever à produção de sintétases


do di-hidropteroato sem afinidade para estes antibióticos. Estas enzimas
“resistentes” são codificadas por plasmídeos e transposões.

Farmacocinética
A diversidade do comportamento farmacológico das várias sulfonamidas
deriva, sobretudo, de diferenças de natureza farmacocinética. Estas
diferenças prendem-se, desde logo, com a absorção – a maior parte
das sulfonamidas são bem absorvidas por via oral, mas o
ftalilsulfatiazole e a sulfaguanidina constituem duas notáveis
excepções. Apesar disso, estes dois últimos fármacos podem ser
administrados por via oral, caso se pretendam obter efeitos tópicos anti-
sépticos ao nível intestinal.

Como referido anteriormente, a maior parte das sulfonamidas é


rapidamente e bem absorvida por via oral, podendo por isso, ser
utilizadas no tratamento de infecções sistémicas. Estas sulfonamidas
ligam-se às proteínas plasmáticas (sobretudo à albumina) em
percentagem variável, e distribuem-se bem por todos os líquidos do
organismo, incluindo para os fluidos cefalo-raquidiano, ocular e sinovial.
Estes antibióticos são ainda capazes de atravessar a placenta, podendo
exercer efeitos anti-bacterianos ou tóxicos no feto.

As sulfonamidas sofrem ampla biotransformação, sobretudo por


acetilação. Este processo gera um metabolito desprovido de acção anti-
bacteriana, mas que, comparativamente aos fármacos originais,
conserva capacidade tóxica e liga-se mais intensamente às proteínas
plasmáticas. Os metabolitos acetilados das sulfonamidas mais antigas
(que, já por si, apresentam reduzida solubilidade) possuem menor
solubilidade que os fármacos que lhes deram origem – ora, isto
aumenta o risco de cristalúria e de complicações renais. De referir que,
para algumas sulfonamidas, a biotransformação por glicurono-
conjugação revela-se particularmente relevante.
A semi-vida plasmática das sulfonamidas varia entre 2,5 e 150 horas.
Estes antibióticos são maioritariamente excretados por via renal,
embora pequenas fracções possam ser excretadas nas fezes, bílis e
leite. As sulfonamidas são enviadas para a urina por filtração glomerular,
atingindo aí concentrações superiores às concentrações plasmáticas.
No que concerne à sua solubilidade, as sulfonamidas são, por norma,
mais solúveis na urina alcalina.

Uso terapêutico
As sulfonamidas não são utilizadas isoladamente, excepto para o
tratamento de infecções por Nocardia asteroides. De facto, as
sulfonamidas constituem os antibióticos mais eficazes contra a
nocardiose.

Para além disso, as sulfonamidas podem ser utilizadas no tratamento


de sistémico de algumas doenças causadas por Chlamydia trachomatis,
tais como o tracoma ocular clássico e o linfogranuloma venéreo.
Todavia, actualmente, é preferido o uso da eritromicina ou doxiciclina.

As sulfonamidas foram ainda utilizadas no tratamento do cancro mole.


Porém, estes antibióticos foram abandonados, na medida em que
muitas estirpes de Haemophilus ducreyi (agente patogénico responsável
pelo cancro mole) desenvolveram resistência às sulfonamidas. O uso
das sulfonamidas no tratamento empírico das infecções urinárias foi
também abandonado, devido à sua elevada taxa de fracassos.

Por fim, as sulfonamidas podem ser esporadicamente utilizadas na


profilaxia de infecções estreptocócicas em doentes alérgicos à penicilina
com antecedentes de febre reumática, bem como na profilaxia de
indivíduos que estabeleceram contactos próximos com doentes que
desenvolveram meningite meningocócica.

Acções adversas e toxicidade


O uso de sulfonamidas está associado ao desenvolvimento de várias
acções adversas, algumas das quais interditam o uso destes
antibióticos. De entre essas acções adversas mais graves, destaque
para a febre e alterações hemáticas, renais, hepáticas e cutâneas. As
sulfonamidas podem ainda originar efeitos laterais que desparecem com
a continuação do tratamento – entre esses efeitos, destaque para a
irritação gastro-intestinal, cefaleias e vertigens.

De entre as alterações sanguíneas, destaque para a anemia hemolítica,


agranulocitose (que, na maior parte dos casos, é espontaneamente
reversível), anemia aplástica (potencialmente fatal) e trombocitopenia.
Já de entre as reacções cutâneas, destaque para a síndrome de
Stevens-Johnson, uma reacção de hipersensibilidade que, apesar de
rara, é potencialmente fatal.

As sulfonamidas podem ainda precipitar na urina e originar cristalúria –


este risco é superior, aquando da administração de sulfanilamida,
sulfatiazole, sulfapiridina e sulfadiazina. Os precipitados de
sulfonamidas podem obstruir os túbulos renais, causando necrose e
anúria. Assim, para evitar o risco de cristalúria, deve-se proceder à
alcalinização da urina e à administração concomitante de grandes
quantidades de líquidos.

Por fim, as sulfonamidas podem originar hepatite focal ou difusa. Para


além disso, estes antibióticos podem deslocar a bilirrubina das suas
ligações às proteínas plasmáticas – a bilirrubina livre atravessa
facilmente a barreira hemato-encefálica, podendo causar icterícia
nuclear no recém-nascido. Assim, as sulfonamidas não devem ser
administradas a recém-nascidos nem a mulheres no final de gestação
ou em amamentação.

Trimetoprima
A trimetoprima actua de modo similar às sulfonamidas e, por isso,
também apresenta intensa acção bacteriostática. Todavia, em vez de
bloquear a síntese de di-hidropteroato, a trimetoprima impede a redução
do di-hidrofolato.

Como referido anteriormente, o Homem também expressa redútase do


di-hidrofolato. Todavia, a inibição da redútase humana requer
concentrações de trimetoprima cerca de 50.000 superiores às
necessárias para inibir a redútase bacteriana. Deste modo, a
trimetoprima é um fármaco relativamente inócuo.

Espectro de acção
A trimetoprima apresenta um espectro de acção similar ao das
sulfonamidas, embora seja geralmente mais eficaz. Entre os
microorganismos naturalmente resistentes a este antibiótico, destaque
para a Pseudomonas aeruginosa, Bacteroides fragilis, Treponema
pallidum, Mycoplasma e Mycobacterium.

A resistência à trimetoprima pode se dever à produção de redútases do


di-hidrofolato sem afinidade para este antibiótico. Estas enzimas
“resistentes” são codificadas por plasmídeos e transposões.

Farmacocinética
A trimetoprima é rapidamente e bem absorvida por via oral. Este
antibiótico liga-se às proteínas plasmáticas numa percentagem de 40%,
e distribui-se muito bem por todos os tecidos e fluidos, incluindo o fluido
cefalo-raquidiano, as secreções brônquicas e as secreções prostáticas.

Este antibiótico apresenta uma semi-vida plasmática de cerca de 11


horas, sofrendo biotransformação parcial. Apesar disso, a maior parte
da trimetoprima é eliminada na forma intacta e por via renal.

Uso terapêutico
Quando administrada isoladamente, a trimetoprima pode ser utilizada
no tratamento de infecções urinárias não-complicadas, na medida em
que a maioria das estirpes de Escherichia coli manifesta sensibilidade
às elevadas concentrações urinárias deste antibiótico. A trimetoprima
pode ainda ser usada (de forma isolada) para o tratamento de
exacerbações agudas de bronquites crónicas.

Acções adversas e toxicidade


A trimetoprima tem menos efeitos laterais que as sulfonamidas, sendo
geralmente bem tolerada. Tal como as sulfonamidas, a trimetoprima
pode despoletar alterações cutâneas, embora estas sejam mais raras e
menos graves.
Em doentes com carências de folatos (ou aquando da administração de
elevadas doses deste antibiótico), a trimetoprima pode interferir com a
formação de tetra-hidrofolatos. Nestas situações, pode-se proceder à
suplementação concomitante com ácido folínico – contudo, embora
essa suplementação consiga reverter as anemias megaloblásticas, esta
também pode interferir negativamente com a actividade anti-microbiana.
De facto, alguns enterococos e alguns Pneumocystis jirovecii podem
utilizar eficazmente o folinato exógeno para seu proveito.

A trimetoprima não deve ser frequentemente administrada em


associação com a rifampicina, uma vez que a rifampicina é um
poderoso anti-tuberculoso, cujo uso corriqueiro pode levar ao aumento
da quantidade de estirpes de micobactérias resistentes.

Os efeitos da trimetoprima no feto ainda permanecem desconhecidos,


de tal modo que o seu uso durante a gravidez e amamentação deve ser
evitado.

Cotrimoxazole
O cotrimoxazole consiste numa associação entre trimetoprima e uma
sulfonamida (sulfametoxazole) – esta associação gera um efeito anti-
bacteriano sinérgico e, por vezes, bactericida. De facto, observa-se que
a inibição sequencial de duas etapas da síntese dos folatos gera um
efeito mais eficaz do que o conseguido com soma dos efeitos
subjacentes à inibição isolada de cada uma das etapas.

Embora o cotrimoxazole consista numa associação entre a trimetoprima


e o sulfametoxazole, uma associação de trimetoprima com outra
sulfonamida (tal como a sulfadiazina e o sulfaleno) teria semelhante
eficácia.

Espectro de acção
O cotrimoxazole é activo contra muitas estirpes de Staphylococcus
aureus (incluindo MRSA), Streptococcus pyogenes, Streptococcus
pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa, Haemophilus influenzae,
Escherichia coli, Proteus mirabilis, Salmonella, Shigella, Moraxella
catarrhalis, Listeria monocytogenes e micobactérias atípicas. Este
antibiótico é ainda activo contra alguns fungos, nomeadamente contra o
Pneumocystis jirovecii (para o qual é utilizado como tratamento de
primeira escolha) e contra alguns protozoários, tais como o Toxoplasma
gondii e alguns plasmódios.

Os enterococos são normalmente resistentes ao cotrimoxazole,


existindo também algumas estirpes de MRSA resistentes.

Algumas estirpes bacterianas perderam (por mutação cromossómica) a


capacidade de produzir a enzima sintétase do timidilato –
consequentemente, estas estirpes requerem timina ou timidina exógena
para sintetizarem o seu DNA (sendo, por isso, designadas por “estirpes
exigentes de timina ou timidina”). Ora, uma vez que nestes
microorganismos o metabolismo dos folatos não é necessário para a
obtenção de timina, estas estirpes são simultaneamente resistentes à
trimetoprima e sulfonamidas. Aliás, todos os microorganismos que usam
folatos exógenos são insensíveis às sulfonamidas e trimetoprima.

Farmacocinética
Como referido anteriormente, o cotrimoxazole é um associado de
sulfametoxazole e trimetoprima, presentes numa relação de 5 para 1. O
sulfametoxazole e a trimetoprima apresentam propriedades
farmacocinéticas similares, embora o sulfametoxazole atinja um pico de
concentração sanguíneo mais tardio, maior capacidade de ligação às
proteínas plasmáticas, e menor penetração tecidular.

Em doentes com insuficiência renal moderada, é necessário reduzir as


doses de cotrimoxazole administradas; enquanto em doentes com
insuficiência grave, o uso de cotrimoxazole está desaconselhado.

Uso terapêutico
O cotrimoxazole pode ser utilizado na terapêutica de infecções urinárias
não-complicadas, sendo particularmente útil para o tratamento de
pielonefrites e de infecções urinárias no homem. Isto deve-se ao facto
de o cotrimoxazole, contrariamente à maior parte dos restantes
antibióticos, atingir boa penetração tecidular na próstata.

O cotrimoxazole é o fármaco de primeira escolha para o tratamento de


pneumonias por Pneumocystis jirovecii, embora doses muito elevadas
deste antibiótico possam induzir sérios efeitos adversos nos doentes
com SIDA. Para além disso, nos indivíduos seropositivos, este
antibiótico pode ser utilizado na profilaxia contra o Pneumocystis
jirovecii e o Toxoplasma gondii (dois microorganismos capazes de
induzir sérias complicações neste tipo de doentes). O cotrimoxazole é
ainda eficaz no tratamento de diarreias crónicas ou intermitentes
causadas por Cyclospora, um protozoário oportunista identificado em
doentes imunodeprimidos.

Dado ser eficaz contra muitas estirpes de Streptococcus pneumoniae,


Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis, o cotrimoxazole é
utilizado no tratamento de infecções agudas associadas a doenças
pulmonares obstrutivas crónicas, bem como no tratamento da otite
média aguda das crianças. Para além disso, aquando da
impossibilidade de utilizar um macrólido, este antibiótico pode ser
utilizado no tratamento de pneumonias por Legionella pneumophila e
Legionella micdadei.

O cotrimoxazole é activo contra vários bacilos gram-negativos


causadores de infecções gastro-intestinais. Assim, e apesar de já
existirem estirpes de Salmonella typhi resistentes a este antibiótico, o
cotrimoxazole é útil no tratamento da febre tifóide causada por estirpes
resistentes ao cloranfenicol e ampicilina. Por sua vez, a eficácia do
cotrimoxazole no tratamento da shigelose não é constante – algumas
estirpes de Shigella são sensíveis a este antibiótico, enquanto outras
são altamente resistentes.

Existem ainda muitas outras infecções para as quais o cotrimoxazole


pode ser utilizado. De entre essas infecções, destaque para a
brucelose, infecções por MRSA, infecções por bacilos gram-negativos
aeróbios resistentes a outros antibióticos, e meningites causadas por
Listeria monocytogenes que não possam ser tratadas com recurso à
ampicilina.

Em suma, o cotrimoxazole é maioritariamente utilizado para o tratamento


de infecções da comunidade.

Para além disso, este antibiótico desempenha um importante papel no


tratamento de infecções por
Pneumocystis jiroveci (normalmente agente de pneumonias nosocomiais).

Acções adversas e toxicidade


As acções adversas do cotrimoxazole são causadas mais
frequentemente pelo sulfametoxazole do que pela trimetoprima. Assim,
tal como as sulfonamidas, o cotrimoxazole pode originar lesões
cutâneas graves com necroses extensas da pele, bem como erupções
cutâneas ligeiras, trombocitopenia, neutropenia, anemia, hemólise (em
doentes com carência de desidrogénase da glicose 6-fosfato) e
sintomas gastro-intestinais (habitualmente ligeiros). De referir que a
maior parte destas alterações são mais frequentes e intensas nos
doentes com SIDA tratados com doses elevadas de cotrimoxazole.

Doses elevadas de cotrimoxazole podem ainda causar hipercalémia


grave. Este fenómeno deve-se à inibição da secreção tubular de
potássio (por bloqueio do canal de sódio do túbulo contornado distal)
por parte da trimetoprima.
Cloranfenicol
O cloranfenicol é um antibiótico produzido por via sintética, que actua
por inibição da síntese proteica bacteriana.

Mecanismo de acção
O cloranfenicol liga-se reversivelmente à subunidade 50S do ribossoma,
impedindo a ligação da extremidade aminoacílica do tRNA e, por
conseguinte, a síntese proteica bacteriana. De referir que este
antibiótico penetra facilmente nas células bacterianas (provavelmente
por difusão facilitada).

Espectro anti-bacteriano
O cloranfenicol apresenta um espectro de acção bastante largo. Embora
seja maioritariamente bacteriostático, quando administrado em doses
terapêuticas, este antibiótico apresenta acção bactericida contra várias
estirpes bacterianas (tais como as do Haemophilus influenzae).

O cloranfenicol actua contra a maior parte das bactérias, com excepção


das Mycobacteriaciae, Treponema e Actinomyces. Para além disso,
este antibiótico é ineficaz contra vírus, fungos e protozoários.

Entre as bactérias mais sensíveis à acção deste antibiótico destaque


para o H. influenzae, N. meningitidis, N. gonorrhoeae, Salmonella typhi,
Brucella, Bordetella pertussis, Streptococcus pyogenes, Streptococcus
pneumoniae e bactérias anaeróbias (incluindo o Clostridium e o
Bacteroides fragilis).

O Staphylococcus aureus e algumas enterobacteriáceas (tais como a E.


coli, Proteus mirabilis, Shigella, Pseudomonas pseudomallei, Klebsiella
e algumas estirpes de Enterobacter e Serratia) são também
relativamente sensíveis à acção do cloranfenicol. Para além disso, este
antibiótico é activo contra as riquétsias, clamídias e micoplasmas.

Resistência bacteriana
Várias estirpes de bactérias gram-negativas apresentam resistência ao
cloranfenicol. Essa resistência deve-se à presença de um factor
adquirido por conjugação – esse factor codifica para uma acetil-
transférase específica, que acetila o cloranfenicol, impossibilitando-o de
se ligar ao ribossoma bacteriano. Contrariamente às restantes
bactérias, as riquétsias são incapazes de adquirir resistência ao
cloranfenicol.

De referir que o plasmídeo responsável pela aquisição da resistência


pode induzir resistências múltiplas às tetraciclinas, aminoglicosídeos e
ampicilina. Este fenómeno verifica-se, sobretudo, nas
enterobacteriáceas.

Farmacocinética
O cloranfenicol é extremamente lipofílico, motivo pelo qual é
rapidamente e quase completamente absorvido pelo tubo digestivo.
Para além de poder ser administrado por via oral, este antibiótico pode
ser administrado por via intra-venosa – as concentrações plasmáticas
obtidas após injecção intra-venosa são similares às resultantes da
administração de uma mesma dose por via oral. Por oposição, a
absorção de cloranfenicol por via intra-muscular é deveras irregular.

No que concerne à sua distribuição, o cloranfenicol atravessa facilmente


as barreiras biológicas, apresentando boa distribuição para todos os
fluidos orgânicos. Este antibiótico atravessa facilmente a barreira
placentária e pode aparecer no leite e na bílis. De referir que, a
percentagem de ligação às proteínas plasmáticas ronda os 50-60%.

A biotransformação (e inactivação) do cloranfenicol ocorre a nível


hepático e é maioritariamente mediada pela glicuronil-transferase. Esta
enzima, cuja actividade diminui na presença de cirrose, catalisa a
conjugação do cloranfenicol com o ácido glicurónico.

A excreção deste antibiótico ocorre maioritariamente por via renal,


embora cerca de 3% deste fármaco sejam excretados por via biliar. Ao
nível da urina, são maioritariamente excretados metabolitos inactivos do
cloranfenicol – destes metabolitos, o mais abundante é o glicurono-
conjugado. Esses metabolitos são enviados para o filtrado por secreção
tubular, enquanto o cloranfenicol activo é enviado por filtração
glomerular.

Nos doentes anúricos, verifica-se um aumento do tempo de semi-vida


plasmática do cloranfenicol e dos seus metabolitos. De qualquer modo,
não se sabe até que ponto os metabolitos do cloranfenicol contribuem
para a toxicidade deste antibiótico.

Acções adversas e toxicidade

Toxicidade hematológica
O cloranfenicol inibe a síntese de enzimas da membrana mitocondrial
interna, provavelmente por inibição da transferase peptidílica
ribossómica. Para além disso, este antibiótico interfere com a actividade
de outras enzimas, nas quais se incluem as citocromoxídases, a
ATPase e a ferroquelátase (enzima que catalisa a etapa final da
biossíntese do heme).

O cloranfenicol pode ainda induzir acções adversas graves a nível


hemático. Assim, a hematotoxicidade deste fármaco pode ter duas
causas:

1. Supressão da eritropoiese: Este fenómeno é reversível e


dependente da dose, manifestando-se através de alterações da
cinética do ferro. De facto, a capacidade de fixar este elemento
diminui, o que leva a um consequente aumento da sua
concentração plasmática e da sua eliminação renal. Ora, isso leva
a uma diminuição do valor do hematócrito e do número de
reticulócitos. Acresce a isto o facto de o cloranfenicol induzir
alterações na síntese proteica, levando a que os percursores dos
eritrócitos passem a apresentar vacúolos.

2. Aplasia medular: Este fenómeno não é dependente da dose,


sendo quase sempre irreversível e fatal. A aplasia medular leva
ao desenvolvimento de leucocitopenia, trombocitopenia, ou
pancitopenia. Ainda não há certeza de que este fenómeno resulte
de uma hipersensibilidade, embora se saiba que os indivíduos
que tomam cloranfenicol repetidas vezes estão mais sujeitos a
este efeito tóxico. Assim, para prevenir este fenómeno, todos os
doentes que tenham de tomar cloranfenicol devem fazer um
hemograma com contagem de leucócitos e plaquetas, pelo menos
de dois em dois dias.

Síndrome cinzenta do recém-nascido


Nos recém-nascidos (sobretudo nos prematuros), o cloranfenicol pode
provocar morte em poucos dias, por colapso cardiovascular. De facto,
este antibiótico induz síndrome cinzenta do recém-nascido - as
primeiras manifestações desta condição incluem vómitos, recusa de
alimentos, alterações respiratórias, distensão abdominal e cianose.

O desenvolvimento desta síndrome deve-se à acumulação de


cloranfenicol nos recém-nascidos, a qual é devida a dois factores:

1. Incapacidade em conjugar o cloranfenicol com o ácido


glicurónico – Na maior parte dos casos, a enzima glicuronil-
transférase não é expressa até à quarta semana de vida.

2. Inadequada excreção renal do cloranfenicol não-conjugado.

Alterações gastro-intestinais
A administração de cloranfenicol por via oral pode levar ao
desenvolvimento de náusea, vómitos, diarreia, irritação peri-anal e
paladar desagradável. Essas manifestações devem ser distinguidas das
que representam o início de uma super-infecção intestinal.

Reacções de hipersensibilidade
O cloranfenicol pode causar erupções cutâneas, vesiculares e maculares,
febre e edema angioneurótico.

Todavia, todas estas manifestações (especialmente a última) são deveras


raras.

Reacção de Herxheimer
O uso de cloranfenicol no tratamento de sífilis, brucelose ou febre tifóide
pode levar ao desenvolvimento de uma reacção de Herxheimer
(reacção similar à sepsis bacteriana), a qual poderá ser devida à
libertação de proteínas de bactérias mortas.

Neurotoxicidade
As manifestações de neurotoxicidade são raras, surgindo apenas após
longos períodos de tratamento.

De entre essas manifestações, a mais típica é a nevrite óptica retro-bulbar.

Uso clínico
O cloranfenicol só deve ser utilizado na prática clínica quando
estritamente necessário. A título de exemplo, na febre tifóide, este
antibiótico só deve ser administrado na impossibilidade de utilizar
quinolonas. Também nas infecções sistémicas graves (meningite
purulenta, brucelose e riquetsiose), o cloranfenicol só deve ser utilizado
quando os restantes antibióticos estão contra-indicados.

Para além disso, o cloranfenicol é muito eficaz em situações de


meningite por H. influenzae e de infecções por anaeróbios. De facto,
este é o fármaco de primeira escolha em situações de abcesso cerebral
por anaeróbios, devido à sua capacidade de atravessar a barreira
hemato-encefálica.

Na maior parte das vezes, a administração conjunta de cloranfenicol e


ampicilina induz um efeito sinérgico (excepto na presença de um
pneumococo, em que as duas substâncias actuam de modo
antagónico). Para além disso, em doentes alérgicos à penicilina, o
cloranfenicol é o fármaco de eleição para o tratamento de meningite
provocada por N. meningitidis e S. pneumoniae.

Por oposição, o cloranfenicol encontra-se contra-indicado em doentes


com infecções banais, insuficiência hepática grave, hemopatias e
história prévia de alergia. Este antibiótico está ainda contra-indicado
para grávidas e recém-nascidos com poucas semanas.
Estreptograminas
As estreptograminas compreendem um conjunto de peptídeos cíclicos
de origem natural produzidos pelo Streptomyces. Estes antibióticos
podem ser divididos em estreptograminas do tipo A e
estreptograminas do tipo B, as quais devem ser administradas em
associação – existem misturas naturais e sintéticas/semi-sintéticas
destes dois tipos de estreptograminas.

As estreptograminas do grupo A são macrolactonas polinsaturadas,


enquanto as estreptograminas do grupo B são hexapeptídeos cíclicos.
Ambos os tipos de estreptograminas inibem a síntese proteica
bacteriana, por interacção com o domínio peptidil-transférase da
subunidade 50S dos ribossomas. Contudo, existem diferenças no local
de ligação de cada tipo de estreptogramina:

1. As estreptograminas do grupo A inactivam os sítios “dador” e


“receptor” da petidil-transferase e, consequentemente, inibem
duas fases do alongamento peptídico.

2. As estreptograminas do grupo B interferem com o correcto


posicionamento do peptidil-tRNA no local P do ribossoma. Deste
modo, estas estreptograminas promovem a libertação de cadeias
proteicas incompletas.

Estas diferenças
moleculares levam
a que a
administração
conjunta destes
dois tipos de
estreptograminas
gere um efeito
sinérgico, que é,
pelo menos, dez
vezes superior à
soma da actividade
individual de cada
componente. Para
além disso, esta
combinação leva a
uma diminuição da

probabilidade de
aparecerem
resistências.

No que concerne
ao seu espectro de
acção, as
estreptograminas
têm boa actividade
contra a maior
parte das bactérias
gram-positivas,
bem como contra

algumas gram-negativas. Contudo, já estão descritas resistências


contra as estreptograminas. A resistência às estreptograminas do grupo
A tem por base a síntese bacteriana (estafilocócica) de uma acetílase
inibidora destes fármacos. Por seu turno, a resistência às
estreptograminas do grupo B está associada à metilação do rRNA 23S
– essa metilação gera uma alteração ribossomal e, por conseguinte,
resistência contra todos os macrólidos, lincosamidas e estreptograminas
do grupo B (este fenómeno designa-se por fenótipo de resistência
MLS).

Em termos farmacocinéticos, as estreptograminas de origem natural


(tais como a pristinamicina e a virginiamicina) são insolúveis em
água. Todavia, já foram sintetizados derivados hidrossolúveis das
estreptograminas do grupo A e B – de entre esses compostos, destaque
para a quinupristina/dalfopristina.

Quinupristina/dalfopristina
A quinupristina é um derivado da

pristinamicina IA (uma
estreptogramina natural
do grupo B), enquanto a
dalfopristina é um
derivado da
pristinamicina IIB (uma
estreptogramina natural
do grupo A). Deste
modo, a associação
quinupristina/dalfopristin
a actua de modo similar
às associações de
estreptograminas
naturais.

A
quinupristina/dalfopristin
a tem boa actividade
contra bactérias

gram-positivas, de entre as quais se destacam o Staphylococcus aureus


(incluindo MRSA e Staphylococcus resistentes à eritromicina,
ciprofloxacina, rifampicina, gentamicina e com resistência MLS),
Staphylococcus saprophyticus, Staphylococcus epidermidis e
Streptococcus pneumoniae (sensível ou resistente à benzilpenicilina
e/ou eritromicina). De referir que, in vitro, a quinupristina/dalfopristina
exerce um significativo efeito pós-antibiótico contra bactérias gram-
positivas.

Os enterococos apresentam susceptibilidade variável à


quinupristina/dalfopristina, sendo que o Enterococcus faecium parece
ser mais sensível à acção desta mistura, por comparação com o
Enterococcus faecalis. De facto, a quinupristina/dalfopristina parece ser
eficaz, inclusive, contra Enterococcus faecium multirresistentes. Para
além disso, a associação quinupristina/dalfopristina-vancomicina parece
gerar um efeito sinérgico, que se revela particularmente útil no combate
contra Enterococcus faecium vancomicino-resistentes e Staphylococcus
aureus meticilino-resistentes.

A quinupristina/dalfopristina exerce ainda boa actividade contra a


Chlamydia trachomatis e a Chlamydia pneumoniae. Todavia, esta
actividade é inferior à apresentada pela eritromicina e doxiciclina.

Os parâmetros farmacocinéticos destas estreptograminas ainda são mal


conhecidos. A quinupristina/dalfopristina deve ser administrada por via
intra-venosa, embora estejam a ser desenvolvidas formas de
administrar estes compostos por via oral (o que lhes conferiria uma
considerável vantagem em relação à vancomicina e teicoplanina).

Após serem administradas, a quinupristina e a dalfopristina acumulam-


se nos macrófagos, onde atingem concentrações superiores às
concentrações plasmáticas. Sabe-se ainda que a dalfopristina origina
um metabolito, enquanto a quinupristina origina dois. Desconhece-se,
contudo, se esses metabolitos contribuem de algum modo para a
actividade dos compostos originais.

Em indivíduos com insuficiência renal ou insuficiência hepática


moderada não parece haver necessidade de se proceder a ajustes
posológicos destes fármacos. Todavia, estes ajustes parecem ser
necessários em doentes com cirrose hepática.

No que concerne às acções adversas mais comuns associadas à


administração destes fármacos, destaque para as cefaleias, vómitos,
diarreia, anemia, elevação das transaminases hepáticas, tromboflebite,
artralgias, mialgias e erupções cutâneas. Para além disso, a
quinupristina/dalfopristina inibe as enzimas da família do citocromo
P450 e, como tal, participam em interacções farmacológicas de
intensidade moderada – estão descritas interacções com a ciclosporina
e nifedipina, mas não com o midazolam.
Oxazolidinonas
Linezolido
O linezolido é um inibidor da síntese proteica bacteriana, que actua por
ligação à subunidade 50S, impedindo a formação do complexo de
iniciação ribossomal. Este antibiótico é utilizado contra várias bactérias
gram-positivas, nas quais se incluem:

1. Staphylococcus (incluindo MRSA e Staphylococcus vancomicino-


resistentes)

2. Streptococcus (incluindo estirpes multirresistentes de Streptococcus


pneumoniae)

3. Enterococos, Bacillus e Corynebacterium (incluindo estirpes


resistentes à vancomicina)

4. Listeria monocytogenes e Bordetella pertussis

5. Mycobacterium tuberculosis

Por oposição, as enterobacteriáceas e outras bactérias gram-negativas


são resistentes ao linezolido, provavelmente, por disporem de
mecanismos bacterianos de efluxo. Estão ainda descritos casos de
resistência adquirida pelo Enterococcus faecium. Apesar disso, o
linezolido não exibe resistências cruzadas com outros antibióticos.

Em termos farmacocinéticos, o linezolido pode ser administrado por via


oral ou intra-venosa. Este antibiótico liga-se a proteínas plasmáticas
numa percentagem de 31%, e apresenta uma semi-vida plasmática de
cerca de cinco horas. A sua eliminação ocorre apenas parcialmente por
via renal, de tal modo que não são necessárias alterações posológicas
em doentes com insuficiência renal.

O linezolido é normalmente bem tolerado. As suas acções adversas


mais comuns incluem náuseas, diarreia, descoloração da língua,
candidíase oral, dor no local de injecção e cefaleias. Estão ainda
descritos casos raros de trombocitopenia, leucopenia e reacções de
hipersensibilidade. Este antibiótico

é um importante inibidor da MAO, provocando aumento da resposta


hipertensora à tiramina – assim, o linezolido não deve ser administrado
em conjunto com os inibidores clássicos da MAO.

No que concerne ao seu uso terapêutico, o linezolido está indicado para


o tratamento de infecções cutâneas/dérmicas, de pneumonias
nosocomiais ou adquiridas na comunidade, e de infecções causadas
por enterococos resistentes à vancomicina.

Em suma, o linezolido revela-se eficaz contra MRSA, Streptococcus


pneumoniae resistentes à penicilina e cefalosporinas, e Enterococcus
resistentes à vancomicina. Assim, tal como a sua capacidade de
penetração no tecido pulmonar, o seu espectro de acção é superior ao
da vancomicina. Para além disso, este antibiótico apresenta uma
excelente biodisponibilidade e um mecanismo de acção único, sendo
desprovido de resistências cruzadas com outras classes de anti-
microbianos. Deste modo, o linezolido é uma importante ferramenta no
tratamento de infecções por bactérias gram-positivas mais resistentes.
Lincosamidas
Clindamicina
A clindamicina é o derivado 7-cloro-7-desoxi da lincomicina, um
antibiótico obtido a partir do Streptomyces lincolnensis que já não é
utilizado na prática clínica.

A clindamicina é activa contra quase todas as estirpes dos principais


cocos gram-positivos patogénicos (incluindo MRSA), com excepção do
Enterococcus faecalis e do Enterococcus faecium. Para além disso,
este antibiótico é activo contra o Bacillus anthracis e Corynebacterium
diphteriae.

Este antibiótico tem ainda um importante efeito anti-bacteriano contra as


bactérias anaeróbias, sendo eficaz contra 80-90% das estirpes de
Bacteroides fragilis, Peptostreptococcus, Actinomyces, Clostridia
(excepto Clostridium difficile e algumas espécies de Clostridium não-
perfringens), Propionibacterium, Prevotella, Porphyromonas e
Fusobacterium. Apesar disso, entre os Bacteroides fragilis, tem
aumentado o número de estirpes resistentes à clindamicina.

Por oposição, a clindamicina é ineficaz contra a maior parte das


Neisseria e dos bacilos gram-negativos aeróbios. Para além disso,
recentemente, têm surgido novas estirpes bacterianas resistentes a este
fármaco. Contudo, ainda estão por esclarecer os mecanismos
bioquímicos subjacentes ao desenvolvimento de resistência à
clindamicina.

A clindamicina exerce um efeito geralmente bactericida, apresentando


um mecanismo de acção similar ao da eritromicina, na medida em que
inibe a síntese proteica após fixação à subunidade 50S dos ribossomas.
Para além disso, este antibiótico facilita a opsonização, fagocitose e
destruição intracelular das bactérias.

Farmacocinética
A clindamicina é rapidamente e quase totalmente absorvida por via oral,
mesmo na presença de alimentos. Para além de poder ser administrada
por via oral, a clindamicina também pode ser administrada por via intra-
muscular.

Este antibiótico apresenta boa distribuição para todos os líquidos e


tecidos orgânicos. De facto, com excepção do sistema nervoso central
(mesmo com as meninges inflamadas) e do globo ocular, a clindamicina
atinge concentrações tecidulares suficientes para que seja exercido um
bom efeito anti-bacteriano. Destaque para o facto de a clindamicina
atingir concentrações relativamente elevadas nas estruturas ósseas e
articulares, o que lhe confere uma vantagem em relação a outros
antibióticos. Para além disso, a clindamicina acumula-se nos
macrófagos alveolares e abcessos.

A clindamicina é capaz de atravessar a placenta e chegar ao leite


materno. Este antibiótico liga-se às proteínas plasmáticas numa
percentagem de 80-90%, e sofre biotransformação parcial – de entre os
metabolitos originados, destaque para a N-desmetilclindamicina, que
apresenta actividade anti-bacteriana superior à da própria clindamicina.

Cerca de 90% da clindamicina absorvida sofre eliminação biliar, sendo


que a maior parte deste antibiótico é eliminada de forma intacta. Este
modo de excreção leva a que a clindamicina e os seus metabolitos
sofram circulação entero-hepática – ora, isto pode contribuir para alterar
a flora intestinal, o que propicia ao desenvolvimento de colite pseudo-
membranosa (note-se que o Clostridium difficile, agente causador da
colite pseudo-membranosa, não é alvo da acção da clindamicina). De
facto, a clindamicina é o agente farmacológico mais frequentemente
associado ao desenvolvimento de colite pseudo-membranosa por
Clostridium difficile. Apenas uma pequena fracção deste antibiótico é
eliminada por via renal, de tal modo que não são necessários ajustes
posológicos em doentes com insuficiência renal. Por contraste, em
indivíduos com insuficiência hepática, o período de semi-vida da
clindamicina (que, em condições normais, ronda as 2-3 horas) pode
aumentar até cinco vezes.

Acções adversas e toxicidade


Com excepção da colite pseudo-membranosa, as acções adversas da
clindamicina são raras ou pouco importantes. Entre esses efeitos
laterais, destaque para a diarreia, náuseas, vómitos, dores abdominais,
alterações do sabor e reacções de hipersensibilidade. Estas últimas
incluem erupções cutâneas e urticária de baixa gravidade, e não têm
relação com a administração de benzilpenicilina.

Já foram descritos casos raros de leucopenia transitória, eosinofilia,


trombocitopenia, icterícia, eritema multiforme e anomalias nos testes de
função hepática (aumento das transaminases e da fosfátase alcalina e,
mais raramente, alterações morfológicas hepáticas). A clindamicina
pode ainda ter actividade bloqueadora sobre a placa motora, motivo
pelo qual a sua co-administração com outros fármacos com actividade
similar deverá ser feita de modo muito cauteloso.

Como anteriormente referido, a clindamicina pode provocar diarreia, a


qual pode ser ligeira e transitória; ou intensa, persistente, aquosa e
sanguinolenta. De facto, o uso deste antibiótica pode se acompanhar
por perfuração cólica e/ou alterações histopatológicas de colite pseudo-
membranosa.

Uso terapêutico
A clindamicina revela-se particularmente útil para o tratamento de
infecções por Bacteroides fragilis e outros anaeróbios. Assim, a
clindamicina é eficaz em situações de bacteriemias, pneumonias,
abcessos pulmonares, supurações abdominais e infecções pélvicas
(pós-parto ou abortamento séptico) causadas por anaeróbios (sobretudo
se a população em causa incluir Bacteroides). Contudo, a clindamicina
não é eficaz em situações de endocardite causada por Bacteroides.
Para além disso, este antibiótico atinge baixas concentrações nas
meninges e sistema nervoso central, de tal modo que não deve ser
utilizado no combate a infecções meníngeas ou cerebrais.

As infecções supracitadas raramente são causadas por uma flora


exclusivamente anaeróbia. Na maior parte das vezes, estas situações
têm origem em infecções mistas causadas por agentes anaeróbios e
aeróbios (muitos dos quais não são sensíveis à acção da clindamicina).
Assim, a clindamicina deve ser administrada em simultâneo com outros
anti-microbianos, tais como os aminoglicosídeos.

A clindamicina é ainda eficaz contra estafilococos meticilino-sensíveis e


meticilino-resistentes, de tal modo que pode ser utilizada como um
agente anti-estafilocócico em doentes com alergia às penicilinas e às
cefalosporinas. De referir que, a osteomielite aguda e a artrite séptica
por estafilococos podem constituir uma indicação preferencial para o
uso de clindamicina.

Quando administrada por via tópica, a clindamicina pode ser usada no


tratamento do acne vulgar. Por fim, em doentes alérgicos à
benzilpenicilina, este antibiótico pode ser usado no tratamento de
actinomicose e na profilaxia da endocardite bacteriana para
manipulações dentárias.

Contra-indicações
A clindamicina deve ser descontinuada, caso sejam registadas reacções
graves de hipersensibilidade. Para além disso, este antibiótico não deve
ser administrado a mulheres grávidas, pois não existem certezas quanto
à sua inocuidade para o feto humano. Por fim, a clindamicina não deve
ser usada por doentes com diarreia.
Nitroimidazoles
Os nitroimidazoles constituem uma classe de antibióticos activos
contra microorganismos anaeróbios, à qual pertencem o
metronidazole, o secnidazole, o tinidazole e o nimorazole.

Metronidazole

Espectro de acção
O metronidazole actua exclusivamente contra microorganismos
anaeróbios (apresentando acção maioritariamente bactericida). Assim,
este antibiótico é eficaz contra:

1. Bactérias anaeróbias obrigatórias: Tais como Bacteroides


fragilis, Fusobacteria, Clostridia, Peptococcus,
Peptostreptococcus, Eubacteria e Veillonella.

2. Protozoários anaeróbios: Tais como Trichomonas vaginalis,


Entamoeba hystolitica, Giardia lamblia, Balantidium coli e
Blastocystis hominis.

3. Algumas bactérias anaeróbias facultativas: Tais como


Gardnerella vaginalis, Campylobacter, Helicobacter pylori e
Treponema pallidum.

Existem, contudo, algumas bactérias anaeróbias resistentes à acção do


metronidazole. Entre essas bactérias, destaque para a maioria das
espécies dos géneros Propionibacterium e Actinomyces. Por outro lado,
algumas bactérias anaeróbias facultativas (tais como a E. coli, as
Klebsiella e os Proteus) podem ser susceptíveis ao metronidazole em
condições de anaerobiose extrema, embora este fenómeno não tenha
qualquer significado clínico.

Mecanismo de acção
O metronidazole penetra
facilmente (por difusão
passiva) no interior de todas
as células, incluindo não só
bactérias anaeróbias, mas
também bactérias aeróbias
e células do hospedeiro.
Todavia, contrariamente ao
que acontece nas restantes
células/bactérias, ao nível
das bactérias anaeróbias, o
metronidazole sofre um
processo activação, do qual
resultam dois efeitos:

1. Diminuição da concentração intra-bacteriana de


metronidazole: Isto permite manter um elevado gradiente de
concentrações de metronidazole, o que favorece a entrada
contínua deste antibiótico para o interior das bactérias
anaeróbias.

2. Génese de metabolitos instáveis e tóxicos: No interior das


bactérias anaeróbias, o metronidazole sofre uma redução no
azoto 5, originando metabolitos muito instáveis e tóxicos. Esses
metabolitos constituem, provavelmente, os agentes responsáveis
pelos efeitos anti-microbianos e mutagénicos do metronidazole,
na medida em que se ligam ao DNA, induzindo lesões que
impedem a replicação celular.

Já foram descritos casos excepcionais de resistência adquirida ao


metronidazole, sobretudo entre bactérias das espécies Trichomonas
vaginalis e Bacteroides fragilis. Essa resistência parece ser devida à
perda da enzima piruvato-desidrogénase, o que impossibilita a
capacidade nitrorredutora do metronidazole.

Farmacocinética
O metronidazole é rápida e quase totalmente absorvido por via oral. De
facto, a administração oral de metronidazole condiciona uma
biodisponibilidade de praticamente 100% - esta biodisponibilidade não é
condicionada pela presença de alimentos, mas pode ser atrasada por
estes.

A administração deste antibiótico por via intra-venosa permite obter


doses similares às conseguidas por via oral. Já administração por via
rectal gera apenas metade das concentrações verificadas para a
mesma dose administrada por via oral – de facto, a absorção rectal é
lenta e deixa perder 20-40% da dose administrada.

Apenas uma pequena fracção (<20%) de metronidazole liga-se às


proteínas plasmáticas. Este antibiótico difunde-se rapidamente para
todos os tecidos e líquidos do organismo, atingindo concentrações
tecidulares suficientes para exercer um efeito anti-microbiano nas
secreções vaginais, líquido seminal, tecidos pélvicos, líquido cefalo-
raquidiano, humor aquoso, osso, bílis, fígado e leite materno – não
admira, portanto, que este antibiótico seja utilizado em abcessos
cerebrais e abcessos hepáticos. O metronidazole atravessa a placenta,
atingindo facilmente a circulação fetal.

O metronidazole sofre intensos processos de biotransformação,


sofrendo oxidação e conjugação com o ácido glicurónico. Os
metabolitos resultantes são maioritariamente eliminados por via renal –
de entre esses metabolitos destaque para o 1-(2-hidroxietil)-2-
hidroximetil-5-nitroimidazole (metabolito hidroxilado) e para o 2-metil-
5-nitroimidazile-1-acetato (metabolito ácido). O metabolito hidroxilado
dispõe de actividade anti-bacteriana e é detectado no plasma e na
urina, enquanto o metabolito ácido não tem actividade bacteriana e só é
encontrado na urina.

O metronidazole apresenta uma semi-vida plasmática de sete horas,


sendo que esse período não é aumentado pela insuficiência renal.
Assim, não são necessárias alterações posológicas nos doentes com
insuficiência renal, tal como não o são nos doentes com insuficiência
hepática. Contudo, essas alterações posológicas devem ser levadas a
cabo nos doentes idosos.

Acções adversas e toxicidade


O metronidazole é bem tolerado pela maioria dos doentes, sendo que a
maior parte das acções adversas são dependentes da dose. De entre
as acções adversas mais frequentes, destaque para as náuseas (por
vezes acompanhadas por vómitos), epigastralgias e sabor metálico
desagradável. Alguns doentes chegam a manifestar disúria,
escurecimento da urina, boca seca, glossite e estomatite. Estão ainda
descritos casos de diarreia e de colite pseudo-membranosa. De referir
que, nos doentes que ingerem bebidas alcoólicas podem se gerar
reacções do tipo dissulfiram (reacções do tipo antabus).

Os efeitos adversos mais graves ocorrem ao nível do sistema nervoso


central e incluem convulsões, cefaleias, ataxia, tonturas, confusão
mental, sonolência, insónia ou polineuropatia. Apesar de graves, estes
efeitos são raros e, normalmente, apenas surgem após tratamento
prolongado ou na sequência da administração de doses elevadas de
metronidazole. Podem ainda surgir parestesias, as quais são reversíveis
caso a terapêutica seja precocemente interrompida.

O uso de metronidazole pode levar ao desenvolvimento de leucopenia


moderada, erupção cutânea, prurido e, mais raramente, choque
anafilático. Estão ainda descritos casos raros de desconforto uretral ou
vaginal, aumento das transaminases, tromboflebite (na sequência da
administração de metronidazole por via intra-venosa), síndrome
aparentado com a doença do sono, anemia aplástica, pancreatite e
candidíase oral.

Embora o metronidazole possa ser usado para o tratamento de


infecções graves por bactérias anaeróbias, discute-se se este antibiótico
deve ser utilizado no tratamento da tricomoníase – de facto, a
tricomoníase não é considerada uma doença de alto risco, mas constitui
uma fonte de sofrimento e desconforto. De qualquer forma, existem
autores que afirmam que o metronidazole é desprovido de efeitos
carcinogénicos, mutagénicos ou teratogénicos, podendo até ser
utilizado no tratamento de tricomoníase vaginal em mulheres grávidas.

Uso terapêutico
O metronidazole é deveras útil no tratamento de infecções causadas por
microorganismos anaeróbios, nomeadamente por Bacteroides e
Clostridium difficile (incluindo colite pseudo-membranosa). De facto,
este antibiótico constitui o agente de primeira escolha para o tratamento
de abcessos cerebrais não-traumáticos, na medida em que estas
infecções são frequentemente causada por Bacteroides.

Contudo, o metronidazole não parece ser muito eficaz em infecções


intra-torácicas por anaeróbios (tais como pneumonias de aspiração,
empiemas e abcessos pulmonares). De facto, nessas situações, os
resultados obtidos com o metronidazole ficam aquém dos obtidos com a
clindamicina.

Apesar disso, o metronidazole é eficaz nas supurações intra-abdominais


e pélvicas. Todavia, este antibiótico não deve ser administrado
isoladamente, na medida em que este tipo de infecções é
frequentemente causado por uma flora mista constituída por agentes
patogénicos anaeróbios e aeróbios.

O metronidazole pode ainda ser usado em situações de endocardite por


Bacteroides fragilis, sendo mais eficaz que a clindamicina. Para além
disso, o metronidazole pode ser utilizado na erradicação do
Helicobacter pylori, bem como na terapêutica da vaginite não-específica
(doença sexualmente transmissível causada por Gardnerella vaginalis e
anaeróbios mistos).

Em suma, na presença de infecções orais, cerebrais e pulmonares, o


metronidazole deve ser administrado em associação com a penicilina ou
com outro antibiótico, pois nesses locais existem muitas bactérias
aeróbias/anaeróbias facultativas, contra os quais o metronidazole não é
normalmente activo. Por sua vez, as infecções intra-abdominais são
predominantemente causadas por bactérias gram-negativas (tais como
a E. coli e o Bacteroides fragilis), de tal modo que, na presença destas
infecções, o metronidazole deve ser administrado em associação com
um aminoglicosídeo ou com outro antibiótico activo contra bactérias
gram-negativas. Por fim, na doença inflamatória pélvica, o
metronidazole deve ser administrado em associação com uma
tetraciclina ou com outro agente activo contra gonococos e Chlamydia
trachomatis.

O metronidazole também pode ser utilizado com fins profiláticos,


nomeadamente na profilaxia de infecções associadas a cirurgias
intestinais, ginecológicas, otorrinolaringológicas e das vias biliares. Para
muitos autores, nestas situações, o metronidazole deve ser
administrado por via oral ou rectal. De facto, esses autores, a
administração deste antibiótico por via intra-venosa dever-se-ia
restringir a quatro situações:

1. Cirurgias de emergência

2. Diagnóstico prévio de infecção por anaeróbios

3. Sepsis por agentes desconhecido

4. Situações em que o recurso à via oral ou rectal é impraticável.

Contra-indicações
O metronidazole está contra-indicado em doentes com história de
hipersensibilidade a qualquer derivado nitroimidazólico. Para além
disso, este antibiótico pode causar convulsões, motivo pelo qual deve
ser evitado em epilépticos. O metronidazole deve ainda ser
cautelosamente administrado a doentes com discrasias sanguíneas e
doença activa do sistema nervoso central.

Para além disso, este antibiótico não deve ser usado para o tratamento
de tricomoníases, durante o primeiro trimestre da gravidez. Já no
restante período da gravidez, a utilização deste antibiótico pode ser
levada a cabo, caso não existam outras alternativas terapêuticas.

Todos os doentes a fazer tratamentos prolongados com metronidazole


deverão ser clinicamente vigiados, para averiguar acerca do
aparecimento de sinais e sintomas de polineuropatia ou atingimento do
sistema nervoso central. Na presença desses sinais/sintomas, o uso
deste fármaco deverá ser descontinuado.

O metronidazole é um bloqueador do citocromo P450 e, por isso,


participa em várias interacções farmacológicas, aumentando as
concentrações plasmáticas de outros fármacos que sejam inactivados
por este sistema enzimático (tais como a fenitoína e os anti-
coagulantes). De modo similar, a cimetidina aumenta as concentrações
plasmáticas de metronidazole.
Antibióticos peptídicos
Os antibióticos com estrutura peptídica podem ser classificados como:

1. Defensinas: As defensinas são peptídeos endógenos


desprovidos de componentes glicídicos, que são produzidos pelos
leucócitos (os neutrófilos humanos produzem quatro defensinas
diferentes – HNP1-4). Estes peptídeos induzem alterações da
permeabilidade da membrana celular, promovendo a formação de
canais iónicos dependentes de voltagem. Assim, as defensinas
são capazes de actuar contra bactérias gram-positivas, bactérias
gram-negativas, fungos, vírus e células tumorais humanas.

2. Glicopeptídeos: Vancomicina e teicoplanina

3. Lipopeptídeos acídicos: Daptomicina

4. Lipoglicodepsipeptídeos: Ramoplanina e mupirocina

Glicopeptídeos
Os glicopeptídeos englobam um conjunto de antibióticos
estruturalmente constituídos por sete aminoácidos dispostos
linearmente. Cinco destes aminoácidos são aromáticos e comuns a
todos os membros do grupo, enquanto os restantes permitem dividir os
glicopeptídeos em três classes:

1. Glicopeptídeos do tipo vancomicina: Vancomicina

2. Glicopeptídeos do tipo avoparcina: Avoparcina

3. Glicopeptídeos do tipo ristocetina: Ristocetina, teicoplanina,


aricidina

Para além disso, os glicopeptídeos diferem entre si nas suas cadeias


laterais. Estas cadeias determinam muitas das propriedades físico-
químicas destes antibióticos – a título de exemplo, os glicopeptídeos
que contêm cadeias laterais de N-acilaminoaçúcares (tais como as
teicoplaninas e aricidinas) são muito mais lipofílicos que os compostos
não-acilados (tais como a vancomicina). Ora, em termos gerais, os
fármacos mais lipofílicos apresentam maior semi-vida plasmática, maior
ligação às proteínas plasmáticas, maior penetração tecidular e
depuração mais lenta.

Vancomicina
Espectro de acção

A vancomicina é um glicopeptídeo com actividade exclusiva contra


bactérias gram-positivas, exercendo um efeito maioritariamente
bactericida contra os microorganismos em divisão. De facto, este
glicopeptídeo apenas desempenha acção bacteriostática contra o
Enterococcus e o Streptococcus viridans.

De entre os microorganismos mais sensíveis à acção da vancomicina,


destaque para os Staphylococcus aureus (incluindo MRSA),
Staphylococcus haemolyticus, Staphylococcus epidermidis,
Enterococcus, Clostridium difficile, Streptococcus (incluindo
pneumococos), Bacillus anthracis, Corynebacterium e Listeria
monocytogenes. De referir que, as associações
vancomicina/aminoglicosídeo e vancomicina/cefalosporina de terceira
geração geram um efeito sinérgico contra os enterococos e
Staphylococcus aureus.

Quando a vancomicina é administrada por via oral, atingem-se elevadas


concentrações deste antibiótico no tubo digestivo. Todavia, isto não leva
ao desenvolvimento de super-infecções causadas por Clostridium
difficile, uma vez que este agente patogénico é sensível à acção da
vancomicina.

Mecanismo de acção

Tal como todos os


restantes
glicopeptídeos, a
vancomicina inibe
a

síntese da parede
bacteriana, por
formação de um
complexo com o
dipeptídeo D-
alanina-D-alanina
da porção terminal

dos
pentapeptídeos
básicos do
peptidoglicano-
UDP-muramil-N-
acetilpentapeptíde
o. Ora, esta
interacção impede
a completa
polimerização do
peptidoglicano
constituinte da
parede bacteriana.

A resistência à vancomicina ainda é rara, apesar de já estarem


descritos cinco tipos de resistência (VanA, VanB, VanC, VanD e VanE)
entre os enterococos. Para além disso, já foram encontrados
Staphylococcus haemolyticus e Streptococcus resistentes a este
antibiótico.

Pensa-se que a resistência à vancomicina em Enterococcus faecalis


seja mediada por plasmídeos transferíveis, os quais podem ser
transmitidos para Staphylococcus ou para outras classes de
Streptococcus (tais como o pneumococos).

De referir que, os enterococos com elevada resistência à vancomicina


também são resistentes à teicoplanina.
Farmacocinética

A vancomicina não é absorvida por via oral. Todavia, a vancomicina


pode ser administrada por via oral, caso se pretenda obter uma acção
anti-séptica (“tópica”) intestinal, tal como acontece no tratamento de
colite pseudo-membranosa (infecções por Clostridium difficile).

Quando se pretendem obter efeitos sistémicos, a vancomicina deverá


ser administrada por via intra-venosa. O uso da via intra-muscular é
desaconselhado, na medida em que induz dor e necrose no local de
aplicação.

A vancomicina liga-se às proteínas plasmáticas numa percentagem de


55%, e apresenta um período de semi-vida de 4-8 horas. A vancomicina
tem um amplo volume de distribuição, atingindo concentrações
terapêuticas adequadas nos fluidos ascítico, pericárdico, sinovial e
pleural. A vancomicina é ainda capaz de atravessar a placenta e de se
distribuir para o leite materno. Todavia, este antibiótico não atinge
concentrações satisfatórias na bílis e no fluido cefalo-raquidiano (a não
ser que as meninges estejam inflamadas).

Este antibiótico é maioritariamente eliminado sob a forma intacta e por


via renal, aparecendo no filtrado por filtração glomerular. Assim, deve-se
proceder a um ajuste posológico em doentes com insuficiência renal.

Acções adversas e toxicidade

A ototoxicidade é o efeito lateral mais grave associado ao uso de


vancomicina. Este efeito é dependente da dose e, como tal, surge mais
frequentemente em doentes com insuficiência renal. De referir que a
ototoxicidade da vancomicina manifesta-se através da presença de
tinito, vertigens e hipoacusia (a qual pode ser reversível após
interrupção da terapêutica).

A administração de vancomicina por via intra-venosa pode ainda


originar tromboflebites e estar relacionada com três tipos de reacções
adversas:
1. Síndrome do “pescoço vermelho”: Esta síndrome caracteriza-
se pela presença de um rash eritematoso, acompanhado de
prurido no dorso, pescoço e face. Este fenómeno (que é mediado
por acção da histamina) é dependente da dose de vancomicina
administrada, bem como da velocidade de infusão.

2. Síndrome da “dor e espasmo”: Esta síndrome caracteriza-se


pelo aparecimento súbito de uma dor intensa e incomodativa no
tórax ou nos músculos para-esternais, sem que haja concomitante
isquemia aguda do miocárdio. Essa dor desaparece aquando da
suspensão da terapêutica com vancomicina.

3. Hipotensão

De qualquer forma, o aparecimento destas reacções alérgicas graves é


raro. Outras complicações que raramente advêm do uso de
vancomicina incluem febre, rash, leucopenia e nefrotoxicidade.

Uso terapêutico

A vancomicina apresenta uma actividade excelente contra o


Staphylococcus aureus, podendo, por isso, ser utilizada para o
tratamento de infecções estafilocócicas graves (tais como endocardites
ou septicémias). Para além disso, este antibiótico deve ser utilizado no
tratamento de infecções estafilocócicas em doentes com
hipersensibilidade às penicilinas, ou causadas por estirpes MRSA ou
MARSA.

Para além disso, a associação vancomicina/aminoglicosídeo pode ser


utilizada no tratamento de endocardite por enterococos, como
alternativa aos antibióticos β-lactâmicos. Já nas endocardites por
Staphylococcus aureus, é preferível a associação
vancomicina/rifampicina. Por fim, nas endocardites causadas por
Staphylococcus epidermidis ou por Corynebacterium diphteriae, deve-se
optar por uma associação vancomicina/aminoglicosídeo/rifampicina.

De acordo com vários autores, nos doentes neutropénicos e com febre,


em que são isolados Staphylococcus epidermidis ou em que ocorreu
infecção por um cateter, a vancomicina deve ser administrada em
conjunto com a antibioterapia empírica já prescrita.
Como referido anteriormente, a vancomicina é eficaz no tratamento de
colite pseudo-membranosa por Clostridium difficile. De facto, este
constitui o antibiótico mais eficaz para o tratamento deste tipo de
infecções.

De referir que, em indivíduos que apresentem factores pré-disponentes


para a ototoxicidade e nefrotoxicidade (tais como idosos ou doentes
com insuficiência renal), deve-se proceder a um ajuste posológico das
doses administradas de vancomicina.

Teicoplanina
Espectro de acção

A teicoplanina é um glicopeptídeo produzido pelo Actinoplanes


teichomyceticus. Este antibiótico apresenta um espectro de acção
similar ao da vancomicina, embora estes dois fármacos apresentem
diferente eficácia relativa contra bactérias sensíveis.

De facto, quando comparada à vancomicina, a teicoplanina apresenta


eficácia superior (CIMs inferiores) contra o Enterococcus faecalis,
Enterococcus faecium, Clostridium, Propionibacterium acnes,
Peptococcus e Peptostreptococcus. Por seu turno, por comparação com
a vancomicina, a teicoplanina apresenta actividade similar (CIMs
semelhantes) contra os Staphylococcus aureus (incluindo MRSA),
Staphylococcus epidermidis, Streptococcus, Listeria monocytogenes e
Corynebacterium jeikeium.

Tal como a vancomicina, a teicoplanina desempenha uma acção


maioritariamente bactericida. De facto, este glicopeptídeo apenas
desempenha acção bacteriostática contra o Enterococcus faecalis.
Também de modo similar à vancomicina, a teicoplanina é desprovida de
actividade contra bacilos gram-negativos.

Mecanismo de acção

Tal como a vancomicina, a teicoplanina impede a síntese da parede


bacteriana, por inibição da polimerização do peptidoglicano.
Já foram descritas estirpes de enterococos e Staphylococcus
epidermidis e haemolyticus resistentes à teicoplanina. No caso dos
enterococos, onde já foram encontradas resistências mediadas por
plasmídeos, as estirpes resistentes à teicoplanina apresentam o
fenótipo VanA de resistência à vancomicina.

Farmacocinética

A teicoplanina não é absorvida por via oral, devendo apenas ser


administrada por via intra-venosa ou intra-muscular. A administração de
teicoplanina por via intra-muscular não induz a ocorrência de
fenómenos necróticos, e gera uma biodisponibilidade de 90% (por
comparação com a administração por via intra-venosa).

A teicoplanina liga-se às proteínas plasmáticas numa percentagem de


90%. Para além disso, este antibiótico tem um elevado volume de
distribuição, penetrando bem nos tecidos e líquidos orgânicos. Contudo,
quando as meninges não se encontram inflamadas, a teicoplanina tem
uma fraca penetração no sistema nervoso central.

Este antibiótico apresenta um longo período de semi-vida (que se situa


entre as 20 e as 77 horas), fruto da sua lenta excreção por via renal. Em
doentes com insuficiência renal, ocorre um aumento da semi-vida
plasmática da teicoplanina, o que obriga ao procedimento de ajustes
posológicos. De referir que a teicoplanina não gera metabolitos activos.

Acções adversas e toxicidade

A teicoplanina é geralmente bem tolerada, de tal modo que as suas


acções adversas são menos frequentes que as observadas com a
vancomicina. De qualquer modo, os efeitos laterais mais frequentes
resultantes do uso de teicoplanina incluem tromboflebite, dor no local de
injecção, prurido, rash cutâneo, broncospasmo e eosinofilia.

Embora muito raramente, este antibiótico pode ainda causar “síndrome


do pescoço vermelho”, reacções anafiláticas, nefrotoxicidade e
ototoxicidade.

Uso terapêutico
As indicações terapêuticas da teicoplanina e vancomicina são similares.
Assim, quando administrada isoladamente, a teicoplanina pode ser
utilizada no tratamento de infecções graves por bactérias gram-positivas
(sendo que a taxa de sucesso é superior, aquando da ausência de
bacteriemia). Para além disso, a teicoplanina per se pode ser utilizada
profilaticamente e curativamente em situações de endocardite
bacteriana causada por agentes sensíveis. Caso a endocardite seja
causada por enterococos, a teicoplanina deverá ser administrada em
associação com outro antibiótico (tal como um aminoglicosídeo).

A teicoplanina (em associação com uma cefalosporina de terceira


geração) revela-se ainda eficaz em doentes neutropénicos com
leucemia e hipertermia. Para além disso, a teicoplanina é eficaz em
doentes a fazer diálise peritoneal contínua em ambulatório e com
peritonite por agentes gram-positivos.

Lipopeptídeos acídicos
Actualmente, existem três lipopeptídeos semi-sintéticos derivados dos
glicopeptídeos supracitados: A oritavancina e a telavancina são
lipopeptídeos derivados da vancomicina, enquanto a dalbavancina é
um lipopeptídeo derivado da teicoplanina.

Quando comparados com a vancomicina ou com a teicoplanina, estes


lipopeptídeos são mais eficazes (têm CIMs inferiores) contra MRSA,
Staphylococcus epidermidis e Streptococcus pneumoniae (sensíveis ou
resistentes à penicilina). Estudos in vitro demonstram ainda que a
oritavancina é muito potente contra os Staphylococcus aureus
vancomicino-resistentes e contra os enterococos vancomicino-
resistentes do tipo VanA. Quando comparada com a oritavancina, a
telavancina revela-se menos potente contra estas estirpes, enquanto a
dalbavancina revela-se totalmente ineficaz.

Em termos farmacocinéticos, não parecem existir grandes diferenças


entre a telavancina e a vancomicina. Todavia, a oritavancina e,
sobretudo, a dalbavancina apresentam um período de semi-vida de
eliminação muito superior.

Daptomicina
A daptomicina é um lipopeptídeo acídico cujo espectro de acção é
similar aos da vancomicina e teicoplanina (este fármaco apenas actua
contra bactérias Gram positivas). Apesar disso, a daptomicina revela-se
particularmente eficaz contra enterococos resistentes à vancomicina e à
teicoplanina. Assim, a daptomicina é útil para o tratamento de infecções
por estafilococos e enterococos mais resistentes.

No que concerne ao seu mecanismo de acção, a daptomicina insere-se


na membrana citoplasmática das bactérias (através de um processo
dependente da presença de cálcio), criando uma estrutura artificial que
permite a saída de potássio do meio intracelular.

Em termos farmacocinéticos, a daptomicina é administrada por via intra-


venosa, atingindo um período de semi-vida de cerca de 9 horas.
Desconhece-se a capacidade de penetração tecidular deste antibiótico,
mas sabe-se que este apresenta uma fraca distribuição para o
compartimento intracelular. De facto, o seu volume de distribuição
corresponde, aproximadamente, ao do plasma e fluido intersticial. De
referir que, a daptomicina é maioritariamente excretada por via renal e
não parece ser metabolizada por enzimas da família do CYP.

Na prática clínica, a daptomicina é utilizada em situações de


bacteriémia e infecções dos tecidos moles. No que concerne aos seus
efeitos adversos, estão descritos casos de mialgias e fadiga. Alguns
estudos sugerem ainda que a daptomicina apresenta alguma acção
nefrotóxica e neurotóxica.

Lipoglicodepsipeptídeos

Mupirocina
A mupirocina (antigamente designada por ácido pseudomónico) é um
antibiótico produzido pela Pseudomonas fluorescens. A mupirocina
actua por inibição da síntese bacteriana de proteínas e RNA, pois liga-
se à sintétase do tRNA da isoleucina.

A mupirocina é muito activa contra o Staphylococcus aureus (incluindo


MRSA), Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus haemolyticus.
Este antibiótico é ainda activo contra algumas espécies de
Streptococcus, tais como o Streptococcus pneumoniae e o
Streptococcus pygoenes – todavia, o Streptococcus bovis, o
Enterococcus faecalis e o Enterococcus faecium são resistentes.

Para além de ser muito activa contra cocos gram-positivos, a


mupirocina é eficaz contra algumas bactérias gram-negativas, de entre
as quais se destacam o Haemophilus influenzae, a Neisseria
gonorrhoeae, a Neisseria meningitidis, a Moraxella catarrhalis, a
Bordetella pertussis e a Pasteurella multocida.

Existem também, contudo, várias espécies bacterianas resistentes à


mupirocina. De entre as bactérias gram-positivas, destaque para os
enterococos, Listeria monocytogenes, Corynebacterium, Peptococcus,
Peptostreptococcus, Clostridium e Propionibacterium acne. Já de entre
as bactérias gram-negativas, destaque para a Pseudomonas
aeruginosa, enterobacteriáceas e Bacteroides fragilis.

Já foram encontradas estirpes de Staphylococcus aureus resistentes à


mupirocina. Esta resistência pode ser de dois tipos:

1. High-level: Este tipo de resistência parece depender de


plasmídeos, e cursa com CIMs de mupirocina superiores a 700
μg/mL.

2. Low-level: Este tipo de resistência não parece depender de


plasmídeos, e cursa com CIMs de mupirocina superiores a 8
μg/mL.

Em termos farmacocinéticos, a mupirocina é mais activa a pH


moderadamente ácido. Este antibiótico liga-se de forma intensa às
proteínas plasmáticas, motivo pelo qual se torna muito menos eficaz na
presença de soro.

A mupirocina tem sido aplicada sob a forma de pomada, uma vez que
apenas uma reduzida fracção da mupirocina aplicada topicamente sofre
absorção (este antibiótico não é detectável nas fezes nem na urina).
Como seria expectável, a penetração deste composto nas camadas
mais profundas da epiderme e derme é superior na pele traumatizada.
De referir que, ao nível da pele e da circulação, a mupirocina é
biotransformada em ácido mónico, um metabolito inactivo.

Em termos terapêuticos, o uso de mupirocina está indicado para o


tratamento de infecções cutâneas primárias (incluindo o impetigo) e
secundárias (incluindo o eczema, a dermatite atópica, a psoríase,
feridas, queimaduras e úlceras infectadas). Contudo, a principal
indicação terapêutica da mupirocina prende-se com a erradicação dos
estafilococos MARSA (Staphylococcus resistentes a meticilina e
aminoglicosídeos) das fossas nasais dos portadores – todavia, neste
caso, este antibiótico não deverá ser administrado sob a forma de
pomada, mas sim recorrendo à parafina.

No que concerne aos efeitos adversos mais frequentes deste


antibiótico, estes incluem sensação de queimadura e prurido.
Outros anti-bacterianos
Fosfomicina
A fosfomicina (ácido L-(cis)-1,2-epoxipropilfosfónico) é um análogo do
fosfoenolpiruvato, que compete com este composto pelo centro activo
da piruvil-transferase. Este bloqueio enzimático leva a que as bactérias
deixem de ser capazes de sintetizar o ácido UDP-N-acetil-murâmico, o
qual é necessário para a formação da parede celular. Deste modo, a
fosfomicina bloqueia a formação da parede bacteriana, apresentando
um efeito bactericida.

Este antibiótico apresenta um largo espectro de acção, sendo


particularmente activo contra cocos gram-positivos e
enterobacteriáceas, tais como a Salmonella, a Serratia, a Escherichia
coli e o Proteus mirabilis. Contudo, os microorganismos desenvolvem
facilmente resistência a este antibiótico, o que faz com que este deva
ser usado muito criteriosamente (a título de exemplo, a fosfomicina não
deve ser utilizada como tratamento empírico).

Em termos farmacocinéticos, a fosfomicina apresenta incompleta


absorção oral (30-40%), mas boa distribuição para alguns
compartimentos, incluindo o líquido cefalo-raquidiano (mesmo na
ausência de meninges inflamadas). A fosfomicina não se liga às
proteínas plasmáticas, nem sofre biotransformação, de tal modo que
este antibiótico é eliminado sob a forma intacta e por via renal.

Em relação aos outros anti-microbianos, ainda não estão bem definidos


os critérios específicos de utilização da fosfomicina. Todavia, sabe-se
que este antibiótico é eficaz em infecções urinárias, infecções do tubo
digestivo, meningites e septicémias causadas por estirpes sensíveis das
bactérias supracitadas. A relevância da fosfomicina no tratamento de
uretrites e cistites tem vindo a aumentar, devido ao aumento da
resistência apresentada pelas E. coli às quinolonas.

A fosfomicina apresenta baixa toxicidade, sendo que os seus efeitos


adversos mais comuns incluem náusea, vómitos e diarreia.

Espectinomicina
Tal como os aminoglicosídeos, a espectinomicina pertence ao grupo
dos antibióticos aminociclitóis. Todavia, o “espectro de acção” da
espectinomicina é distinto do dos aminoglicosídeos. De facto, apesar de
inibir o crescimento de várias espécies bacterianas distintas, a
espectinomicina apresenta um efeito imprevisível, de tal modo que este
antibiótico não apresenta um espectro de acção stricto sensu. A
Neisseria gonorrhoeae constitui uma excepção, na medida em que a
maioria das estirpes é sempre sensível à acção da espectinomicina. Por
oposição, sabe-se que este antibiótico é desprovido de acção contra
outros agentes frequentes de uretrites não-gonocócicas, tais como o
Treponema pallidum e a Chlamydia trachomatis.

A espectinomicina apresenta fraca absorção oral, de tal modo que deve


ser administrada por via intra-muscular. Este antibiótico liga-se em baixa
percentagem às proteínas plasmáticas e apresenta uma semi-vida
plasmática de cerca de uma hora. Para além disso, a espectinomicina
não sofre biotransformação, sendo eliminada sob a forma intacta e por
via renal.

Em termos clínicos, a espectinomicina é apenas utilizada no tratamento


de infecções por Neisseria gonorrhoeae. Este antibiótico é relativamente
seguro, na medida em que não possui ototoxicidade nem
nefrotoxicidade acentuadas, nem induz reacções alérgicas cruzadas
com a penicilina. De facto, os seus efeitos laterais são raros e pouco
graves, restringindo-se a erupções cutâneas, tonturas, dor local e
náuseas.

Ácido fusídico
O ácido fusídico é um composto produzido pelo fungo Fusidium
coccineum, que apresenta uma estrutura esteróide similar à da
cefalosporina P. Apesar de actuar contra bactérias gram-positivas,
cocos gram-negativos e Mycobacterium tuberculosis, apenas a acção
do ácido fusídico contra estafilococos (incluindo MRSA) tem interesse
clínico.
O mecanismo de acção deste antibiótico permanece ainda mal
conhecido, embora se saiba que este inibe a síntese ribossómica das
proteínas, sem alteração do código genético.

O ácido fusídico apresenta boa absorção por via oral, embora também
possa ser administrado por via intra-venosa e por via tópica (sob a
forma de fusidato de sódio, para tratamento de infecções
estafilocócicas superficiais). O ácido fusídico apresenta boa penetração
tecidular, excepto para o sistema nervoso central. Para além disso, este
ácido sofre biotransformação parcial, sendo que a fracção intacta é
excretada na bílis.

Em termos clínicos, o ácido fusídico está apenas indicado para o


tratamento de infecções estafilocócicas. As suas acções adversas são
raras e, embora estejam descritos alguns casos isolados de
hipersensibilidade, o ácido fusídico pode ser administrado a doentes
alérgicos às penicilinas. Para além disso, dada a baixa toxicidade deste
antibiótico, não estão descritas alterações hepáticas, renais ou
hematopoiéticas associadas. De qualquer forma, uma vez que o ácido
fusídico é maioritariamente excretado por via biliar, este antibiótico de
ser cautelosamente administrado a doentes com insuficiência hepática.

Polimixinas
A polimixinas A, B, C, D e E são antibióticos polipeptídicos que
praticamente já não são utilizados na prática clínica. De facto, as
polimixinas A, C e D são demasiado tóxicas para serem usadas em
terapêutica, enquanto a polimixina B e a polimixina E (colistina) são
difíceis de obter em forma pura.

As polimixinas são inactivas contra bactérias gram-positivas, mas têm


grande actividade contra bactérias gram-negativas, de entre as quais se
destacam a Escherichia coli, a Enterobacter, a Klebsiella e a
Pseudomonas aeruginosa. Por oposição, o Haemophilus influenzae, as
Salmonella, as Shigella, as Serratia, o Acinetobacter e as Brucella são
resistentes. O Vibrio cholerae é, normalmente sensível, mas a estirpe El
Tor (actualmente predominante) é resistente.

As polimixinas actuam por alteração da membrana citoplasmática –


estes antibióticos actuam como detergentes de membrana, levando a
que os microorganismos percam de forma rápida e irreversível a sua
estabilidade osmótica. Assim, a resistência adquirida às polimixinas é
de desenvolvimento difícil.

Infelizmente, estes antibióticos apresentam elevada toxicidade, o que


limita o seu uso terapêutico. De facto, apesar de as reacções de
hipersensibilidade serem raras, as polimixinas induzem frequentemente
nefrotoxicidade (incluindo necrose tubular aguda e fenómenos
habitualmente reversíveis, tais como hematúria, proteinúria e aumento
da creatina sérica) e neurotoxicidade (incluindo vertigens, parestesias,
ataxia, convulsões e coma).

Em termos farmacocinéticos, as polimixinas não são absorvidas por via


oral, de tal modo que, quando se pretendem efeitos sistémicos, estes
antibióticos devem ser administrados por via intra-muscular ou intra-
venosa. Para além disso, as polimixinas não penetram bem no sistema
nervoso central. A excreção faz-se, sobretudo, por via renal e sob a
forma activa, devendo ser feitos ajustes posológicos em doentes com
insuficiência renal.

Alternativamente, quando se pretendem efeitos locais, as polimixinas


são administradas por via tópica, geralmente em associação com a
bacitracina, gramicidina e/ou neomicina. As polimixinas não são
absorvidas pelo intestino e, por isso, pensou-se que, quando
administrados oralmente, estes antibióticos poderiam ser úteis para a
obtenção de efeitos tópicos na mucosa digestiva. Todavia, essa
hipótese não foi corroborada pelos estudos realizados – de facto,
devido à sua constituição polipeptídica, as polimixinas parecem sofrer
inactivação parcial no tubo digestivo.

Assim, para além de poderem ser administradas por via tópica, as


polimixinas podem ser administradas por via sistémica, aquando da
presença de infecções generalizadas graves por bactérias gram-
negativas (Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, ou Klebsiella)
que não respondam a outros antibióticos menos tóxicos.

Bacitracina e gramicidina
A bacitracina e a gramicidina
são dois antibióticos
polipeptídicos, muito activos
contra

a maioria das bactérias gram-


positivas (sobretudo
estreptococos e estafilococos),
mas inactivos contra os bacilos
gram-negativos.

A bacitracina e a gramicidina
inibem a síntese da parede
bacteriana e alteram a
membrana citoplasmática, de tal
modo que a resistência adquirida
a estes antibióticos é rara. De
referir que, de entre estes dois
fármacos, a bacitracina é
geralmente o mais activo.

Tanto a bacitracina como a


gramicidina possuem uma
nefrotoxicidade acentuada, de

tal modo que não devem ser utilizadas por via sistémica. De qualquer
modo, nenhum destes dois antibióticos é absorvido por via digestiva,
pela pele ou pelas mucosas externas.

Por oposição, estes antibióticos podem ser administradas por via tópica.
De modo a aumentar o seu espectro de acção, é frequente utilizá-los
em associação com as polimixinas ou com a neomicina.

Na prática clínica, a bacitracina tem sido utilizada como tratamento de


recurso de diarreias por Clostridium difficile, quando não é possível
utilizar vancomicina.

Derivados nitrofurânicos
Os derivados nitrofurânicos incluem a nitrofurantoína, a furazolidona,
a nifurfolina, a nitrofurazona e a nitroxolina. Estes antibióticos
apresentam actividade contra a maior parte das bactérias gram-
positivas e gram-negativas (embora muitas estirpes de Proteus e
Pseudomonas sejam resistentes). A furazolidona é ainda activa contra
alguns fungos (sobretudo contra a Candida albicans), contra o
Trichomonas vaginalis e contra a Giardia.

Os derivados nitrofurânicos apresentam actividade bactericida ou


bacteriostática, consoante a dose em que são administrados. Apesar de
o seu mecanismo de acção ainda não estar esclarecido, sabe-se que o
desenvolvimento de resistências ocorre de modo raro e lento.

Estes antibióticos tanto podem ser administrados por via tópica (na pele
e mucosas vaginal e intestinal), como por via sistémica (aquando de
infecções do tracto urinário). A nitrofurazona e a furazolidona são os
fármacos de eleição para aplicação tópica cutânea, na medida em que
são bem toleradas e apresentam baixa incidência de sensibilização
alérgica.

A furazolidona pode ainda ser utilizada em aplicação tópica vaginal,


aquando de infecções por Trichomonas vaginalis. Este antibiótico é
frequentemente associado à nifuroxima, que reforça a actividade anti-
fúngica contra a Candida albicans (note-se que a coexistência entre
estes dois agentes patogénicos é frequente).

Por outro lado, o tratamento sistémico de infecções do tracto urinário


pode ser conseguido com recurso à nitrofurantoína, nifurfolina ou
nitroxolina.

Quando administrada por via oral, a nitrofurantoína sofre uma absorção


rápida e completa. A nitrofurantoína é maioritariamente eliminada por
via renal e sob a forma activa, de tal modo que, apesar de não atingir
concentrações bacteriostáticas no plasma, este antibiótico atinge
concentrações terapeuticamente eficazes na urina – ao nível da urina, a
nitrofurantoína apresenta acção bactericida sobre as bactérias gram-
positivas e bacteriostática contra as bactérias gram-negativas sensíveis.
De referir que a eliminação urinária da nitrofurantoína é proporcional ao
grau de função renal, de tal modo que a nitrofurantoína se torna menos
activa à medida que o grau de insuficiência renal aumenta.
A nitrofurantoína apresenta apreciável toxicidade sistémica, sendo que
a frequência e a intensidade dos seus efeitos adversos são
proporcionais à dose administrada. De entre os efeitos adversos mais
comuns, destaque para as náuseas e para os vómitos. O
desenvolvimento de polineuropatia é frequente em doentes com
insuficiência renal, ou aos quais sejam administradas grandes doses de
nitrofurantoína.

Este composto apresenta ainda actividade hepatotóxica, embora esta


seja rara e, normalmente, reversível após interrupção da terapêutica.
Em termos clínicos, a hepatotoxicidade da nitrofurantoína manifesta-se
através da génese de colestase intra-hepática ou necrose
hepatocelular. Em alguns casos, mais raros, pode ocorrer evolução para
hepatite crónica activa.

Por fim, a nitrofurantoína pode induzir pneumonite aguda, que se


manifesta através de febre de início súbito e da presença de um
infiltrado pulmonar. Este efeito é normalmente reversível após
descontinuação da terapêutica, embora já tenham sido descritos casos
de indivíduos que desenvolveram fibrose pulmonar irreversível com
insuficiência respiratória após tratamentos longos com nitrofurantoína.
Anti-tuberculosos
A tuberculose é uma doença infecciosa causada por bactérias do
género Mycobacteria, de entre as quais se destaca o Mycobacterium
tuberculosis (bacilo de Koch), um parasita intracelular facultativo não-
corável pelo Gram. Outrora uma das principais causas de morte no
mundo ocidental, a incidência da tuberculose sofreu um significativo
revés no século passado com a generalização dos anti-tuberculosos na
prática clínica.

Ora, os anti-tuberculosos são classificados de acordo com a sua


eficácia terapêutica e toxicidade. Os tuberculostáticos mais potentes e
menos tóxicos constituem o grupo dos tuberculostáticos primários, os
quais também se designam por tuberculostáticos fundamentais,
tuberculostáticos de primeira escolha ou tuberculostáticos de
primeira linha. Este grupo de fármacos inclui a isoniazida, a
rifampicina, a pirazinamida, a estreptomicina, o etambutol, a rifabutina e
a rifapentina.

Por oposição, os tuberculostáticos menos potentes ou mais tóxicos


constituem o grupo dos tuberculostáticos secundários, os quais
também se designam por tuberculostáticos acessórios,
tuberculostáticos de segunda escolha ou tuberculostáticos de
segunda linha. Este grupo de fármacos inclui a cicloserina, a
etionamida, a protionamida, a amicacina, a canamicina, a capreomicina,
o ácido p-aminossalicílico, algumas fluoroquinolonas (levofloxacina,
moxifloxacina e gatifloxacina), a viomicina, a tiosemicarbazona e a
tiocarlida.

Tuberculostáticos primários

Isoniazida
Em termos químicos, a
isoniazida é a hidrazida
hidratada do ácido
isonicotínico. Este antibiótico
exerce uma acção
bacteriostática nos bacilos em
repouso, e bactericida nos
bacilos que se encontram em
fase de divisão rápida. Para
além disso, contrariamente à
estreptomicina, a isoniazida

é capaz de actuar nas zonas de caseificação e

é eficaz contra bacilos


intracelulares. No que concerne
ao seu mecanismo de acção,
sabe-se que a isoniazida inibe
a síntese dos ácidos micólicos
constituintes da parede das
micobactérias.

A isoniazida não deve ser administrada

isoladamente, mas sim em associação com outros anti-tuberculosos. De


facto, a administração isolada de isoniazida está associada a um rápido
surgimento de resistências bacterianas.

Farmacocinética

A isoniazida é bem absorvida por via oral e por via parentérica. Este
antibiótico difunde-se rapidamente para todos os tecidos e fluidos
orgânicos, incluindo para o tecido de caseificação.

Apesar de uma pequena fracção sofrer N-metilação (gerando ácido


isonicotínico e hidrazinas), a maior parte da isoniazida sofre
biotransformação por acetilação - de acordo com a quantidade de acetil-
transferase existente no fígado, os indivíduos podem ser classificados
em acetiladores rápidos (para os quais a semi-vida da isoniazida é de
cerca de 70 minutos) e acetiladores lentos (para os quais a semi-vida
da isoniazida é de cerca de três horas). Todavia, entre estes dois grupos
não parecem existir diferenças significativas relativamente ao efeito
terapêutico da isoniazida, uma vez que o Mycobacterium tuberculosis
fixa este fármaco (de modo irreversível) em função da dose
administrada e não do seu tempo de semi-vida.
A isoniazida é maioritariamente excretada na urina, principalmente sob
a forma de diversos metabolitos (acetilisoniazida, ácido isonicotínico,
hidrazonas e N-metilisoniazida).

Toxicidade e acções adversas

A isoniazida apresenta reduzida toxicidade, estando associada a uma


baixa frequência de reacções adversas. Os efeitos indesejáveis mais
frequentes incluem eritema, febre, icterícia e nevrite periférica (a qual
pode ser prevenida pela administração profilática de piridoxina/vitamina
B6). Para além disso, a isoniazida pode ainda apresentar um efeito
neurotóxico, que se manifesta através do desenvolvimento de nevrite
óptica, vertigens, ataxia, encefalopatia tóxica e, em doentes mais
predispostos, precipitação de convulsões. Adicionalmente, este
antibiótico pode originar alterações mentais, incluindo euforia, perda de
memória, inquietação motora e psicoses. A isoniazida pode ainda
causar hepatite hepatocelular, sendo esse risco acrescido em indivíduos
mais velhos. Por fim, este antibiótico pode inibir a p-hidroxilação da
fenitoína, o que pode levar a um aumento da toxicidade deste último
fármaco.

Rifampicina
A rifampicina é um derivado semi-sintético da rifamicina B (um
antibiótico produzido pelo Streptomyces mediterranei), apresentando
acção bactericida contra microorganismos presentes em meio
extracelular e intracelular.

Para além de actuar sobre o Mycobacterium tuberculosis, a rifampicina


é eficaz contra muitas outras micobactérias, tais como o M. kansasii, o
M. scrofulaceum, o M. intracellulare e o M. avium. Para além disso, este
antibiótico inibe o crescimento da maior parte das bactérias gram-
positivas e é eficaz contra algumas bactérias gram-negativas, tais como
a E. coli, Pseudomonas, Proteus, Klebsiella, e Neisseria meningitidis.

A rifampicina actua por inibição da síntese do RNA. De facto, este


antibiótico liga-se à subunidade β da RNA-polimerase dependente do
DNA, bloqueando a acção desta enzima. Todavia, vários
microorganismos são capazes de modificar a sua RNA-polimerase e,
por conseguinte, desenvolver resistência à rifampicina.

A par com a isoniazida, a rifampicina é um dos fármacos mais eficazes


para o tratamento da tuberculose. De modo similar, tal como a
isoniazida, a rifampicina deve ser sempre utilizada em associação com
outros anti-tuberculosos.

Para além de ser utilizada no tratamento da tuberculose, a rifampicina


pode ser utilizada na terapêutica da endocardite estafilocócica e da
osteomielite. Adicionalmente, este é o fármaco de primeira escolha para
a profilaxia da meningite por Neisseria meningitidis ou Haemophilus
influenzae (em associação com a vancomicina ou com um β-lactâmico).

Farmacocinética

A rifampicina sofre boa absorção por via oral. Este antibiótico apresenta
uma semi-vida plasmática de 1,5-5 horas e liga-se intensamente às
proteínas plasmáticas. A rifampicina apresenta boa distribuição para a
generalidade dos tecidos, incluindo para o tecido de caseificação (de
facto, a rifampicina e a isoniazida são os únicos anti-tuberculosos que
se distribuem para o tecido de caseificação).

Ao nível hepático, a rifampicina sofre desacetilação, originando um


metabolito que mantém actividade anti-bacteriana. Já no que concerne
à sua excreção, a rifampicina é maioritariamente eliminada por via biliar.
De referir que este antibiótico confere uma cor alaranjada à urina, fezes,
lágrimas, expectoração e suor.

Acções adversas

Os efeitos adversos mais comuns resultantes do uso de rifampicina


incluem eritema, febre, náuseas, vómitos, icterícia e hepatite. Apesar
disso, a incidência destas acções adversas é deveras reduzida.

Para além disso, a rifampicina é um potente indutor enzimático, motivo


pelo qual promove um aumento da velocidade de metabolização de
vários fármacos, nos quais se incluem as sulfonilureias, os
corticosteróides, a metadona e os anti-coagulantes anovulatórios. As
interacções com estes dois últimos fármacos são deveras danosas, pois
favorecem, respectivamente, a ocorrência de precipitação de síndrome
de privação e de gravidez indesejada. De referir que, ao actuar como
um indutor enzimático, a rifampicina promove a diminuição progressiva
do seu próprio tempo de semi-vida.

A administração intermitente deste antibiótico está associada a um


aumento na incidência de efeitos laterais e ao aparecimento de um
síndrome do tipo gripal, que se pode complicar com uma nefrite
intersticial, necrose tubular aguda, anemia hemolítica e choque.

Etambutol
O etambutol é um composto sintético que actua sobre quase todas as
estirpes de Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium kansasii e
Mycobacterium avium, sendo desprovido de acção sobre quaisquer
outras bactérias. Este antibiótico desempenha um papel particularmente
importante, na medida em que inibe o crescimento de estirpes de M.
tuberculosis resistentes à isoniazida e à estreptomicina. No que
concerne ao seu mecanismo de acção, o etambutol actua por inibição
da transferase do arabinosil, impedindo a síntese dos
arabinoglicanos da parede micobacteriana.

Farmacocinética

O etambutol é bem absorvido por via oral e apresenta uma semi-vida de


3-4 horas. Este antibiótico é maioritariamente excretado por via renal,
de tal modo que em doentes com insuficiência renal deve ser feito um
ajuste posológico.

Acções adversas

O etambutol é normalmente bem tolerado, estando associado a uma


baixa frequência de reacções adversas. De entre esses efeitos
adversos, destaque para a diminuição da acuidade visual por nevrite
óptica retrobulbar, com alteração da visão cromática. O aparecimento
deste efeito deverá levar à suspensão da terapêutica com etambutol,
pois caso contrário pode passar a registar-se atrofia do nervo óptico e
perda irreversível da visão. Assim, apesar desta perda da acuidade
visual ser deveras grave, esta
é reversível, caso ocorra suspensão atempada da dose. De facto, em
doentes em regime intermitente, este efeito nem sequer se desenvolve
(note-se que a incidência deste efeito é proporcional à dose
administrada).

Para além de alterações da acuidade visual, o etambutol pode induzir


perturbações gastro-intestinais, dores articulares, prurido anal, confusão
mental, alucinações, nevrite periférica e diminuição da excreção do
ácido úrico (que pode levar ao desenvolvimento de hiperuricemia).

Pirazinamida

Apesar de apenas actuar sobre o Mycobacterium tuberculosis, a


pirazinamida reveste-se de elevada importância, na medida em que é
capaz de actuar nos “bacilos persistentes” (bacilos em multiplicação lenta
ou intermitente), os quais parecem ser responsáveis pelo aparecimento de
recidivas após o tratamento. Para além disso, este antibiótico também é
capaz de eliminar os bacilos que se alojam nos macrófagos (note-se que a
pirazinamida apenas actua em meio ácido). No que concerne ao seu
mecanismo de acção, a

pirazinamida actua por disrupção das membranas micobacterianas.

Farmacocinética

A pirazinamida apresenta boa absorção por via oral e boa distribuição


tecidular (incluindo para o sistema nervoso central). No que concerne à
sua biotransformação, este antibiótico sofre hidrólise seguida de
hidroxilação, originando ácido 5-hidroxipirazinóico. A pirazinamida é
excretada por via renal.

Acções adversas

A pirazinamida pode causar reacções alérgicas (raras), dores articulares


e hiperuricemia. Quando administrada em doses muito elevadas, a
pirazinamida pode causar alterações hepáticas. Apesar de essas
alterações serem pouco frequentes em doentes medicados com doses
terapêuticas (normais), estes deverão ser constantemente vigiados
quanto à sua função hepática.

Estreptomicina
Apesar de, in vitro, apresentar acção bactericida contra o bacilo de
Koch, a estreptomicina apresenta apenas actividade bacteriostática in
vivo. Isto pode ser explicado pelo facto de a estreptomicina não penetrar
facilmente no meio intracelular, actuando apenas nos bacilos que se
encontram no meio extracelular. Assim, a estreptomicina não erradica
os bacilos, mas apenas impede que estes proliferem no meio
extracelular.

De referir que o bacilo de Koch desenvolve rapidamente resistência à


estreptomicina, sendo que a probabilidade de desenvolvimento de
resistência correlaciona-se com a duração do tratamento.

Farmacocinética

A estreptomicina não é absorvida por via oral, devendo, por isso, ser
administrada por via intra-muscular e subcutânea. Embora atinja
concentrações terapêuticas nos pulmões e gânglios, este antibiótico
distribui-se relativamente mal para a pleura e meninges. A
estreptomicina é excretada por via renal.

Acções adversas

A injecção intra-muscular de estreptomicina pode condicionar dor e


inflamação local, bem como parestesias dos lábios e das extremidades.
Para além disso, a estreptomicina apresenta acção tóxica sobre o nervo
vestíbulo-coclear e pode despoletar reacções de hipersensibilidade.
Assim, dada a sua toxicidade, e tendo em conta a elevada resistência
existente em certas regiões do globo, a estreptomicina é pouco utilizada
como tuberculostático. De referir que, em situações de resistência ou
intolerância, a estreptomicina pode ser substituída pela canamicina ou
pela capreomicina, dois aminoglicosídeos que apresentam efeitos
adversos similares.
Rifabutina
A rifabutina usa-se como substituto da rifampicina em duas situações
distintas:

1. Em doentes simultaneamente medicados com fármacos com os


quais a rifampicina interage (tais como os anti-retrovíricos).

2. Em doentes intolerantes à rifampicina.

Quando se procede à administração conjunta de rifabutina e efavirenz


(um indutor enzimático) deve-se proceder a um aumento da dose
administrada de rifabutina. Por oposição, quando se procede à
administração conjunta de rifabutina e ritonavir (um inibidor do citocromo
CYP3A) deve-se proceder a uma diminuição da dose administrada de
rifabutina. De facto, o ritonavir induz um aumento significativo das
concentrações plasmáticas de rifabutina e do seu metabolito. Ora, isto
acarreta várias acções adversas, tais como leucopenia, artralgias,
descoloração cutânea e uveíte.

Para além dos efeitos adversos supracitados, a rifabutina pode induzir


hepatotoxicidade, eritema e descoloração dos fluidos corporais
(expectoração, urina, suor e lágrimas). Dada a sua acção hepatotóxica,
a rifabutina deve ser cautelosamente administrada a doentes com
insuficiência hepática, embora não sejam necessários ajustes
posológicos em doentes com insuficiência renal. Para além disso, este
tuberculostático não deve ser administrado a grávidas.

Fármacos de segunda linha

Rifapentina
A rifapentina é usada na fase de continuação do tratamento de
tuberculosos com SIDA, sem cavernas, e cuja expectoração tenha
negativado ao terminar a fase inicial do tratamento. Nestas situações, a
rifapentina é usada apenas uma vez por semana e em associação com
a isoniazida.
Os efeitos laterais da rifapentina são similares aos descritos para a
rifampicina. Para além disso, tal como a rifampicina, a rifapentina é um
indutor dos sistemas enzimáticos hepáticos. De referir que a rifapentina
não deve ser utilizada na gravidez.

Cicloserina
A cicloserina é um antibiótico de largo espectro que é utilizado no
tratamento de recidivas de tuberculose, ou em situações de resistência
a outros fármacos. Este antibiótico apresenta boa absorção por via oral
e boa distribuição para os tecidos e fluidos orgânicos (incluindo para o
líquido cefalo-raquidiano). A cicloserina sofre biotransformação parcial,
e a sua excreção ocorre maioritariamente por via renal.

As acções adversas da cicloserina afectam sobretudo o foro neurológico


e incluem cefaleias, sonolência, disartria, confusão, estados psicóticos
com tendência suicida, alterações visuais e crises tónico-clónicas. Por
este motivo, este tuberculostático encontra-se contra-indicado em
doentes epilépticos.

Etionamida
A etionamida é um derivado da tioisonicotinamida. Este antibiótico
apresenta boa absorção por via oral e o seu período de semi-vida ronda
as duas horas. A etionamida apresenta boa distribuição e sofre ampla
biotransformação, sendo que os seus metabolitos são maioritariamente
excretados por via renal.

Este antibiótico está associado a uma elevada frequência de acções


adversas, as quais incluem epigastralgias, náuseas, vómitos,
depressão, queda do cabelo, ginecomastia, nevrite periférica e hepatite.

Protionamida
A protionamida é um análogo da etionamida que apresenta maior
tolerabilidade a nível gastrointestinal.

Amicacina e canamicina
A amicacina e a canamicina são dois aminoglicosídeos que podem ser
utilizados em doentes portadores de bacilos resistentes a outros
antibióticos. Estes fármacos não são absorvidos por via oral e
apresentam acções ototóxicas e nefrotóxicas, estando contra-indicados
na gravidez.

Capreomicina
A capreomicina é um aminoglicosídeo que pode ser utilizado em
doentes portadores de bacilos multirresistentes a outros antibióticos. Tal
como os restantes aminoglicosídeos, a capreomicina é nefrotóxica e
ototóxica, estando contra-indicada na gravidez.

Ácido para-aminossalicílico (PAS)


Embora no passado tenha sido utilizado como um tuberculostático de
primeira escolha, o ácido p-aminossalicílico (PAS) desempenha,
actualmente, um papel secundário na prática clínica (sendo apenas
utilizado em portadores de bacilos resistentes a outros fármacos).

De facto, o PAS comporta uma constelação de acções adversas, que


limita o seu uso clínico. Entre esses efeitos laterais, destaque para a
intolerância gástrica, alterações renais (albuminúria e hematúria),
reacções de hipersensibilidade (febre, dores articulares, erupções
cutâneas, necrose hepática, pancreatite e nefrite), alterações hemáticas
(leucopenia, agranulocitose, eosinofilia e anemia hemolítica aguda) e
disfunções hepáticas e tireoideias.

Fluoroquinolonas
A levofloxacina, a moxifloxacina, a gatifloxacina, a ofloxacina e a
ciproflixacina são fluoroquinolonas activas contra o Mycobacterium
tuberculosis.

A levofloxacina é utilizada em portadores de bacilos resistentes a


outros fármacos, ou em situações em que seja impossível recorrer ao
uso de fármacos de primeira linha. As suas principais acções adversas
incluem náuseas, tonturas, insónias, trémulo, cefaleias, prurido e
fotossensibilidade. Dada a sua acção teratogénica, a levofloxacina
encontra-se contra-indicada na gravidez. Por seu turno, a
ciprofloxacina é particularmente útil contra micobactérias úteis.

Esquemas terapêuticos

A
terapia da tuberculose deverá decorrer ao longo de um período mínimo
de seis meses. Tradicionalmente, nos primeiros quatro meses procede-
se à administração simultânea de quatro fármacos de primeira linha
(rifampicina, isoniazida, etambutol e pirazinamida), sendo que nos dois
meses subsequentes procede-se apenas à administração simultânea de
isoniazida e rifampizina. Contudo, algumas situações especiais obrigam
à adopção de planos terapêuticos ajustados, nomeadamente:

• Em indivíduos com doença hepática, o único fármaco de primeira


linha passível de ser administrado é o etambutol (que não é
hepatotóxico), o qual é normalmente complementado com
aminoglicosídeos e quinolonas.

• Em indivíduos com HIV, procede-se à administração de rifabutina


em vez de rifampicina, dado que este último fármaco pode
interagir com os anti-retrovíricos.
• Em indivíduos com tuberculose multirresistente devem ser
evitados os fármacos administrados por via parentérica, bem
como a adopção de um plano intermitente.
Tabelas-síntese de anti-bacterianos
por microorganismo
Anti-depressores e ansiolíticos
A depressão e a ansiedade constituem as doenças mentais mais
comuns, sendo que ambas as perturbações podem ser alvo de terapia
farmacológica. Não obstante a relativa segurança da maioria dos anti-
depressores e ansiolíticos, o seu uso correcto requer um bom
conhecimento acerca dos seus mecanismos de acção, propriedades
farmacocinéticas e potenciais interacções farmacológicas.

Vários fármacos revelam-se simultaneamente eficazes como anti-


depressores e ansiolíticos, o que sugere que a ansiedade e a
depressão apresentam mecanismos fisiopatológicos comuns. De facto,
nestas duas perturbações, ocorrem alterações da disposição,
comportamento, função somática e cognição.

Em termos gerais, a depressão é classificada como depressão major


(depressão unipolar) ou depressão bipolar (doença maníaco-
depressiva). Os episódios depressivos caracterizam-se pela presença
de tristeza, comportamentos pessimistas, diminuição do interesse nas
actividades normais, lentificação mental, dificuldades de concentração,
insónia/hipersónia, alterações ponderais, agitação ou atraso psicomotor,
sentimentos de culpa e inutilidade, diminuição da energia e líbido, e
ideário suicida. Para além disso, em alguns casos, os pacientes
manifestam dor ou outras perturbações somáticas.

Os sintomas depressivos também podem ocorrer secundariamente a


outras patologias, nas quais se incluem o hipotiroidismo, doença de
Parkinson, e doenças inflamatórias. Por outro lado, a depressão pode
complicar a terapia de outras patologias, tais como o trauma grave, o
cancro, a diabetes e as doenças cardiovasculares.

Por seu turno, as perturbações ansiosas englobam uma constelação de


patologias, nas quais se incluem a doença ansiosa generalizada, a
doença obsessivo-compulsiva, os ataques de pânico, o stress pós-
traumático, a fobia social (bem como outras fobias) e o stress agudo.
Alguns dos sintomas da ansiedade são comuns aos da depressão,
sendo que o tratamento farmacológico desta perturbação pode requerer
a conjugação de uma intervenção aguda (para atenuação dos episódios
de ansiedade) e de uma intervenção crónica (para atenuação de
perturbações continuadas).

Fármacos anti-depressores
Os diferentes anti-depressores apresentam eficácia distinta no
tratamento da depressão major. Contudo, todos estes fármacos
apresentam limitações, na medida em que pelo menos 20% dos
pacientes com depressão revelam-se insensíveis à acção de múltiplos
anti-depressores distintos.

Os anti-depressores mais frequentemente usados, por vezes


designados por anti-depressores de segunda geração, incluem os
inibidores selectivos da recaptação de serotonina (SSRIs) e os
inibidores da recaptação de noradrenalina e serotonina (SNRIs) –
estes fármacos revelam-se mais seguros e eficazes que os anti-
depressores de primeira geração, que incluem os anti-depressores
tricíclicos (TCAs) e os inibidores da MAO.

Para além dos fármacos supracitados, existem vários outros utilizados


na terapia da depressão – de entre esses fármacos, destaque para os
inibidores selectivos da captação de noradrenalina (tais como a
maprotilina e a reboxetina), para a bupropiona e para os anti-
psicóticos atípicos.

Mecanismo de acção

Nas vias das


monoaminas, a
recaptação dos
neurotransmissores (que
é mediada pelos
transportadores
neuronais de
noradrenalina e
serotonina) constitui o
principal mecanismo de
supressão da neuro-
transmissão. Deste
modo, ao inibirem o
transportador neuronal
de serotonina (SERT)
e/ou o transportador
neuronal de
noradrenalina (NET), os
inibidores da recaptação
permitem que uma maior
quantidade de
neurotransmissores
passe a estar disponível
na fenda sináptica, o que
potencia a neuro-
transmissão.

Os anti-depressores de
primeira geração
também aumentam a
neuro-transmissão
monoaminérgica – de
facto, ao inibirem a
degradação das
monoaminas, os
inibidores da MAO
aumentam a quantidade
de neurotransmissores

nos grânulos secretores. Por seu turno, os TCAs actuam num sentido
de inibir a recaptação de noradrenalina e serotonina. Embora eficazes,
os agentes de primeira geração apresentam diversos efeitos laterais e
interacções farmacológicas/alimentares, os quais limitam o seu uso
relativo.

Assim, na sua maioria, os anti-depressores potenciam a neuro-


transmissão noradrenérgica e/ou serotoninérgica, embora a magnitude
dos seus efeitos possa sofrer alterações a longo prazo. De facto, o uso
crónico de anti-depressores promove a ocorrência de mecanismos
adaptativos ou reguladores, os quais aumentam a eficácia da terapia.
De entre esses mecanismos, destaque para os seguintes:

Aumento da densidade ou sensibilidade dos receptores


serotoninérgicos

Aumento do acoplamento receptor-proteína G

Indução de factores neurotróficos

Aumento da neurogénese no hipocampo

Em suma, os anti-depressores podem exercer efeitos persistentes, quer


por inibição continuada dos transportadores serotoninérgicos ou
noradrenérgicos, quer por potenciação de mecanismos adaptativos. A
título de exemplo, o uso crónico de SSRIs, SNRIs e inibidores da
recaptação de noradrenalina reduz a expressão e actividade do SERT e
NET, o que resulta num aumento da transmissão serotoninérgica e/ou
noradrenérgica. Por seu turno, a activação sustentada das vias
serotoninérgica e/ou noradrenérgica resulta num aumento da expressão
de vários produtos génicos, tais como o BDNF (brain-derived
neurotrophic factor), o que contribui para o efeito anti-depressor
exercido por estes fármacos.

Considerações clínicas
Os efeitos dos fármacos anti-depressores apenas se fazem sentir cerca
de 3-4 semanas após início da terapia, o que explica porque é que a
terapia electroconvulsiva (cujos efeitos são mais rapidamente sentidos)
é preferida em pacientes deprimidos com um elevado risco de suicídio.
Obviamente, este intervalo de 3-4 semanas não é mandatório –
dependendo dos pacientes, estes fármacos podem surtir efeito num
período de tempo superior ou inferior.

Em geral, quando um paciente não responde a um dado anti-depressor


num período de oito semanas, esse anti-hipertensor é descontinuado,
sendo substituído por outro cujo mecanismo de acção seja distinto. Por
oposição, caso se observe uma resposta parcial a um dado anti-
depressor, dever-se-á proceder à adição de outros anti-depressores – a
título de exemplo, a bupropiona, as hormonas tiroideias e alguns anti-
psicóticos (tais como aripiprazole e a olanzapina) podem ser co-
administrados com um SSRI ou SNRI.

O uso de anti-depressores pode levar a que um indivíduo deixe de


manifestar um estado deprimido e passe a manifestar um estado
maníaco ou hipomaníaco, algo que se revela particularmente deletério
em indivíduos com doença bipolar. Deste modo, a administração isolada
de anti-depressores não se encontra aconselhada para indivíduos
bipolares. De referir que, de entre os vários anti-depressores, os SSRIs
e a bupropiona constituem os fármacos menos propensos a induzir um
estado de mania.

Desconhece-se, contudo, se existe alguma relação entre o uso de anti-


depressores e o risco de suicídio. Classicamente, é aconselhada uma
administração cautelosa destes fármacos a crianças, adolescentes, e
indivíduos com ideias suicidas. Todavia, de acordo com dados
epidemiológicos, a taxa de suicídio tem vindo a diminuir desde a
introdução dos SSRIs (pese contudo o facto de estes dados se
revelarem incapazes de demonstrar uma relação causal). Para além
disso, de acordo com a maior parte dos clínicos, em pacientes com
depressão grave, o risco de não utilizar um fármaco anti-depressor
suplanta o risco de ser tratado com um destes fármacos.

O metabolismo da maior parte dos anti-depressores é maioritariamente


mediado pelas CYPs hepáticas, de tal modo que alguns destes
fármacos actuam como inibidores das CYP. Assim, aquando da escolha
de um anti-depressor, o risco de interacções farmacológicas deverá
sempre ser considerado (vide infra).

Inibidores da oxídase das monoaminas


Os inibidores da MAO apresentam uma eficácia similar à dos anti-
depressores tricíclicos, embora a sua toxicidade e interacções
farmacológicas/alimentares limitem o seu uso clínico. Os inibidores da
MAO utilizados na terapia da depressão incluem a tranilcipromina, a
fenelzina, a isocarboxazida e a selegilina. Este último fármaco pode
ser administrado por via transdérmica, o que reduz o risco de
hipertensão secundária a interacções alimentares (vide infra).
Mecanismo de acção

A MAO-A e a MAO-B são duas enzimas expressas nas mitocôndrias,


sendo responsáveis pela metabolização (e inactivação) das
monoaminas, incluindo a serotonina e noradrenalina. Assim, a inibição
destas enzimas potencia a neuro-transmissão noradrenérgica e
serotoninérgica. Ora, de acordo com as enzimas que inibem, os
inibidores da MAO podem ser divididos em:

6. Inibidores irreversíveis da MAO-A e MAO-B (iproniazida,


fenelzina, isocarboxazida e tranilcipromina): Estes foram os
primeiros inibidores da MAO desenvolvidos, desempenhando uma
forte influência sobre a capacidade de metabolização das
monoaminas endógenas e exógenas. Ora, ao interferirem com as
monoaminas exógenas (tais como a tiramina), estes fármacos
estabelecem várias interacções alimentares. Para além disso,
estes fármacos induzem sedação e efeitos adversos de cariz
sexual.

7. Inibidores reversíveis e selectivos da MAO-A e MAO-B: Estes


fármacos apresentam menos efeitos laterais e participam em
menos interacções farmacológicas/alimentares. Os inibidores
selectivos da MAO podem pertencer a duas classes:

o Inibidores selectivos da MAO-A (moclobemida): Utilizados


como anti-depressores, bem como na terapia de certos
estados fóbicos.

o Inibidores selectivos da MAO-B (selegilina e rasagilina):


Utilizados na terapia da depressão e doença de Parkinson.

Farmacocinética

Os inibidores da MAO são metabolizados por acetilação, embora os


seus produtos do metabolismo permaneçam desconhecidos. A maioria
dos indivíduos pertence ao grupo dos “acetiladores lentos”,
apresentando níveis superiores destes fármacos por um maior período
de tempo.
Os inibidores não-selectivos da MAO exercem uma acção irreversível,
de tal modo que, embora estes fármacos sejam excretados num período
de 24 horas, o seu efeito perdura por duas semanas. De facto, a
recuperação da normal função enzimática depende da síntese de novas
unidades de MAO e respectivo transporte para os terminais neuronais
monoaminérgicos.

Efeitos adversos

Os inibidores da
MAO aumentam o
risco de
hepatotoxicidade
e participam em
várias interacções
farmacológicas
ou alimentares,
as quais podem
resultar no
desenvolvimento
de crises
hipertensivas
potencialmente
fatais. Os
alimentos
contendo
tiramina
constituem um
importante factor
de risco para o
desenvolvimento
destas crises – de
facto, a MAO-A
intestinal e a
MAO-A e MAO-B
hepáticas
normalmente
degradam a
tiramina ingerida.
Todavia, aquando
da inibição da
MAO-A, a
ingestão de
alimentos ricos
em tiramina (tais
como alguns
queijos, vinho
tinto, favas e
chucrute) resulta
na acumulação
desta substância
nos terminais dos
neurónios
noradrenérgicos,
o que potencia a
libertação de
noradrenalina e
adrenalina. Por
seu turno, as
catecolaminas
libertadas
estimulam os
receptores pós-
sinápticos
periféricos,
aumentando
perigosamente a
pressão arterial.
Note-se, contudo,
que este
fenómeno é
revertido pela
administração de
fármacos anti-
hipertensores. De
referir que, por
omparação com a
tranilcipromina e
isocarboxazida, a
selegilina é
melhor tolerada e
mais segura.

Os inibidores da MAO-A (tais como a moclobemida) são eficazes no


tratamento da depressão. Dado serem selectivos para a MAO-A, estes
fármacos não interferem com a actividade da MAO-B. Para além disso,
estes fármacos actuam de modo reversível e competitivo, de tal modo
que, aquando de um aumento dos níveis de tiramina, a MAO consegue
desligar-se dos seus inibidores e degradar a tiramina. Assim, os
inibidores selectivos da MAO-A apresentam menor risco de
desenvolvimento de crises hipertensivas induzidas pela tiramina.

Por oposição, os inibidores da MAO-B (tais como a selegilina) apenas


se revelam anti-depressores eficazes, quando administrados em doses
que lhes permitam bloquear simultaneamente a MAO-A e a MAO-B.

Interacções farmacológicas

Os inibidores da MAO participam em várias interacções farmacológicas,


de tal modo que não devem ser co-administrados com vários fármacos.
De entre esses fármacos, destaque para os depressores do sistema
nervoso central, tais como a meperidina (entre outros narcóticos), o
álcool e os agentes anestésicos. De facto, quando co-administrada com
os inibidores da MAO, a meperidina (tal como outros agonistas
opióides) pode causar síndrome da serotonina. Por esse mesmo motivo,
os inibidores da MAO não devem ser co-administrados com outros anti-
depressores, incluindo os SSRIs, SNRIs, TCAs e bupropiona.

Anti-depressores tricíclicos
Não obstante os seus efeitos laterais (que impedem o seu uso clínico
frequente), os TCAs revelam-se eficazes na terapia da depressão
major. Para além disso, estes anti-depressores podem ser usados na
terapia da depressão psicótica, actuando de modo sinérgico com os
anti-psicóticos de primeira geração. Os TCAs com estrutura terciária
(tais como a doxepina e a amitriptilina) são ainda usados, em baixas
doses, no tratamento da insónia. Por fim, estes fármacos são
frequentemente utilizados no tratamento de vários tipos de dor.
Mecanismo de acção

De acordo com o seu mecanismo de acção, os TCAs podem ser


classificados em:

3. Antagonistas do SERT e do NET (TCAs com uma cadeia lateral


terciária): Amitriptilina, doxepina, imipramina, clomipramina e
trimipramina. Note-se que todos estes TCAs apresentam maior
afinidade para o SERT que para o NAT, com excepção da
doxepina (que é primariamente um anti-histamínico) e da
trimipramina (que apresenta baixa afinidade para ambos os
receptores).

5. Inibidores selectivos do NET (TCAs com um grupo amina


secundário): Desipramina, nortriptilina, protriptilina,
atomoxetina e amoxapina. Estes fármacos não são
frequentemente utilizados, embora a atomoxetina seja utilizada no
tratamento do défice de atenção por doença hiperactiva.

Para além de inibirem o SERT e/ou o NET, os TCAs bloqueiam outros


receptores (tais como os receptores H1, 5-HT2, α1-adrenérgicos e
muscarínicos), o que poderá contribuir tanto para os seus efeitos
farmacológicos como para os seus efeitos adversos. A título de
exemplo, para além de inibir o NET, a amoxapina bloqueia os
receptores dopaminérgicos, de tal modo que o seu uso aumenta o risco
de desenvolvimento de efeitos laterais extra-piramidais, tais como
discinesia tardia.

Farmacocinética

Os TCAs são fármacos lipofílicos, apresentando uma boa absorção oral


e uma ampla distribuição. O período de semi-vida destes fármacos (ou
dos seus metabolitos activos) ronda as 8-80 horas, de tal modo que a
maior parte destes compostos pode ser administrada apenas uma vez
por dia. Os TCAs sofrem um importante efeito de primeira passagem
hepática, sendo maioritariamente metabolizados pelas enzimas
hepáticas da família do citocromo P450. Os “metabolizadores lentos”
destes fármacos (que apresentam uma variação na isoenzima CYP2D6)
devem ser submetidos a ajustes posológicos.

Os ajustes posológicos dos TCAs são maioritariamente baseados na


evolução da resposta clínica, e não tanto nos seus valores plasmáticos.
De qualquer forma, a monitorização da exposição plasmática revela-se
importante, dada a reduzida janela terapêutica destes fármacos.

Efeitos adversos

Os TCAs constituem potentes antagonistas dos receptores


histaminérgicos H1, o que contribui para os seus efeitos sedativos. Por
outro lado, o antagonismo dos receptores muscarínicos contribui para a
atenuação da função cognitiva, bem como para a génese de efeitos
parassimpaticolíticos (tais como visão desfocada, boca seca,
taquicardia, obstipação e disúria) – todavia, ao longo do tempo,
desenvolve-se alguma tolerância perante estes efeitos anti-colinérgicos.
Por seu turno, o antagonismo dos receptores adrenérgicos α1 resulta no
desenvolvimento de hipotensão ortostática e sedação.

Para além disso, os TCAs interferem com a condução cardíaca (efeito


do tipo quinidina), o que se pode revelar potencialmente fatal. Assim,
estes fármacos devem ser muito cautelosamente administrados a
pacientes com doença coronária. Tal como outros fármacos anti-
depressores, os TCAs também facilitam o desenvolvimento de
convulsões (diminuindo o seu limiar) e induzem efeitos sexuais e
aumento de peso. Note-se, contudo, que, por comparação com os
antagonistas do SERT e NET, os inibidores selectivos do NET exercem
um menor efeito convulsivo, sedativo, hipotensor e anti-muscarínico.

A intoxicação por TCAs caracteriza-se por agitação, convulsões,


depressão respiratória, hipotermia e hipotensão.

Interacções farmacológicas

Os fármacos que inibem o CYP2D6 podem aumentar os níveis


plasmáticos dos TCAs – de entre esses fármacos, destaque para os
SSRIs, fenotiazina, agentes anti-psicóticos, agentes anti-arrítmicos do
tipo 1C e alguns anti-muscarínicos, anti-histamínicos e bloqueadores
adrenérgicos. Por seu turno, os TCAs podem potenciar as acções das
aminas simpaticomiméticas, não devendo ser co-administrados com os
inibidores da MAO.

Inibidores selectivos da recaptação da serotonina


Os SSRIs incluem a fluoxetina, paroxetina, sertralina, citalopram,
escitalopram e fluvoxamina. Todos estes fármacos podem ser usados
na terapia da depressão, embora o citalopram esteja maioritariamente
indicado para a terapia da doença disfórica menstrual, enquanto a
fluvoxamina é maioritariamente usada no tratamento da doença
obsessivo-compulsiva e da ansiedade.

Deste modo, para além da depressão, os SSRIs são utilizados na


terapia de muitas outras condições psiquiátricas, comportamentais e
médicas. De facto, os SSRIs são também usados como ansiolíticos,
dada a sua eficácia na terapia da ansiedade generalizada, pânico,
ansiedade social e doença obsessivo-compulsiva. Para além disso,
estes fármacos são usados na terapia da síndrome disfórica pré-
menstrual e na prevenção dos sintomas vago-vagais em mulheres pós-
menstruais. Por fim, a sertralina e a paroxetina são utilizadas na
terapia do stress pós-traumático. De referir que os SSRIs revelam-se
mais seguros que os TCAs, incluindo quando administrados em doses
supra-terapêuticas.

Mecanismo de acção

A maior parte da serotonina libertada na fenda sináptica é recaptada


pelos neurónios pré-sinápticos, sendo o seu transporte mediado pelo
SERT. Assim, este constitui o principal processo através do qual a
transmissão hidroxitriptaminérgica é suprimida.

Por seu turno, ao bloquear a recaptação neuronal de serotonina, os


SSRIs induzem um aumento e um prolongamento da neuro-transmissão
serotoninérgica, o que resulta na estimulação de uma elevada
quantidade de receptores hidroxitriptaminérgicos, tanto ao nível dos
neurónios pós-sinápticos como ao nível dos neurónios pré-sinápticos.
Inicialmente, os
SSRIs potenciam
a estimulação
dos auto-
receptores 5-
HT1A e 5-HT7
(expressos nos
corpos dos
neurónios dos
núcleos da rafe) e
auto-receptores
5-(expressos nos
terminais
serotoninérgicos),
o que resulta na
redução da
síntese de
serotonina.
Todavia, o uso
continuado
destes fármacos
resulta numa
down-regulation
destes
receptores, de tal
os efeitos
inibitórios por
eles mediados
deixam de se
fazer sentir. Para
além disso, a
down-regulation
dos receptores
pós-sinápticos 5-
HT2A pode
contribuir
directamente ou
indirectamente
(por influência na
função dos
neurónios
noradrenérgicos)
para a eficácia
dos anti-
depressores.

Por oposição, os restantes receptores serotoninérgicos pós-sinápticos


não sofrem uma dessensitização, mantendo-se sensíveis ao aumento
dos níveis de serotonina registados na fenda sináptica. Ora, isto explica
parcialmente porque é que, a longo prazo, os SSRIs continuam a ser
eficazes.

Ao promoverem a neuro-transmissão serotoninérgica, os SSRIs


induzem ainda outros importantes efeitos a longo prazo, os quais
acabam por potenciar o seu efeito-depressor. De entre esses efeitos,
destaque para os seguintes:

4. Aumento sustentado da sinalização mediada pelo cAMP

5. Aumento da fosforilação do factor de transcrição CREB

6. Aumento da expressão de factores tróficos, tais como o BDNF

7. Aumento da neurogénese no núcleo denteado do hipocampo e zona


subventricular

8. Redução da expressão de SERT: Este efeito exacerba a redução


de recaptação de serotonina, potenciando a neuro-transmissão
hidroxitriptaminérgica.

Farmacocinética

Todos os SSRIs são


activos por via oral,
apresentando períodos
de semi-vida
compatíveis com a
administração de uma
única dose diária. Para
além de serem
maioritariamente
metabolizados pelo
CYP2D6, os SSRIs
constituem inibidores
desta enzima. Ora, o
CYP2D6 é responsável
pela conversão do
tamoxifeno (um
antagonista dos
estrogénios,
frequentemente usado
na terapia do cancro da
mama) num metabolito
activo, de tal modo que
a co-administração de
SSRIs e

tamoxifeno pode resultar numa diminuição da actividade deste último


fármaco. Assim, aquando do uso de tamoxifeno, é preferível administrar
venlafaxina e desvenlafaxina, que exercem uma acção muito fraca
sobre o CYP2D6. De qualquer modo, por regra, os SSRIs devem ser
cautelosamente co-administrados com fármacos metabolizados pelo
CYP1A2, CYP2D6, CYP2C9 e CYP3A4.

No que concerne à sua excreção, os SSRIs são eliminados por via


renal, com excepção do citalopram, que é excretado por via hepato-
biliar. De qualquer modo, a remoção destes fármacos por hemodiálise
não se revela eficaz.

Efeitos adversos

Contrariamente aos TCAs, os SSRIs não apresentam efeitos laterais de


cariz cardiovascular. Para além disso, os SSRIs são geralmente livres
de efeitos laterais anti-muscarínicos (tais como boca seca, retenção
urinária e confusão), anti-histaminérgicos (não induzindo sedação) ou
anti-adrenérgicos. Assim, por comparação com os TCAs, os SSRIs
revelam-se mais seguros, apresentando menos efeitos laterais.
Todavia, os SSRIs não se encontram desprovidos de efeitos laterais. De
facto, a estimulação excessiva dos receptores encefálicos 5-HT2 pode
resultar no desenvolvimento de insónias, irritabilidade, aumento da
ansiedade e diminuição da líbido – todos estes efeitos adversos podem
exacerbar os sintomas depressivos. Por outro lado, a sobre-estimulação
dos receptores 5-HT2 medulares é responsável por vários efeitos
laterais de cariz sexual, incluindo disfunção sexual, anorgasmia e
ejaculação retardada – note-se que estes efeitos são particularmente
comuns com o uso de paroxetina.

Por outro lado, a estimulação dos receptores 5-HT3 centrais e


periféricos contribui para a génese de efeitos gastro-intestinais,
incluindo náusea, diarreia e emese. Para além disso, os SSRIs podem
interferir com a função psíquica e cognitiva – de facto, numa fase inicial
da terapia, estes fármacos podem induzir um aumento da ansiedade. Já
em fases mais tardias, estes fármacos podem perturbar a capacidade
de concentração e as capacidades intelectuais. Infelizmente, vários
destes efeitos laterais podem ser difíceis de distinguir dos sintomas da
depressão.

Em termos gerais, não existe uma forte correlação entre as


concentrações séricas de SSRIs e a sua eficácia terapêutica. Deste
modo, os ajustes posológicos destes fármacos são maioritariamente
baseados na evolução da resposta clínica, e não tanto nos seus valores
plasmáticos.

A descontinuação súbita dos anti-depressores pode precipitar uma


síndrome de abstinência. No caso dos SSRIs ou SNRIs, os sintomas
dessa síndrome incluem tonturas, cefaleias, nervosismo, náusea e
insónias. Note-se que, por comparação com os restantes anti-
depressores, a paroxetina e a venlafaxina despoletam uma síndrome
de abstinência mais intensa, devido ao seu curto período de semi-vida.
Por oposição, a norfluoxetina (que constitui o metabolito activo da
fluoxetina) apresenta um longo período de semi-vida, de tal modo que
a sua descontinuação não costuma originar síndrome de abstinência.

Contrariamente aos restantes SSRIs, a paroxetina está associada a um


aumento do risco de malformações cardíacas congénitas, sobretudo
quando administrada no primeiro trimestre da gestação. Por seu turno, a
venlafaxina também se encontra associada a um maior risco de
complicações peri-natais. Assim, para além de estarem contra-indicados
para grávidas, estes fármacos devem ser cautelosamente administrados
a mulheres em idade reprodutiva (as quais devem evitar a concepção,
aquando do uso de SSRIs).

Interacções farmacológicas

A maior parte dos anti-depressores, incluindo os SSRIs, participa em


várias interacções farmacológicas, de acordo com as suas vias de
metabolização. De facto, a paroxetina e, em menor escala, a
fluoxetina constituem fortes inibidoras do CYP2D6. Por seu turno, os
restantes SSRIs exercem um efeito inibidor moderado do CYP2D6.
Contudo, a fluvoxamina constitui uma excepção, pois inibe
directamente o CYP1A2, o CYP2C19 e o CYP3A4 (que também é
inibido pela fluoxetina).

A co-administração dos SSRIs com os TCAs resulta no aumento da


exposição aos TCAs. Por seu turno, ao inibirem o metabolismo da
serotonina, os inibidores da MAO exacerbam os efeitos dos SSRIs.
Assim, a administração conjunta destes fármacos induz um aumento
sinérgico dos níveis encefálicos de serotonina, o que resulta no
desenvolvimento de síndrome da serotonina - esta síndrome
caracteriza-se pela ocorrência de hipertermia, rigidez muscular,
mioclonia, tremuras, instabilidade autonómica, confusão, irritabilidade e
agitação. Infelizmente, estes sintomas podem progredir para coma e
morte.

Assim, os SSRIs não devem ser administrados até passarem, pelo


menos, quinze dias após descontinuação dos inibidores irreversíveis da
MAO – este período de tempo possibilita a formação de novas unidades
de MAO. Por outro lado, a descontinuação de um SSRI e o início da
terapia com um inibidor da MAO deverão também ser espaçadas no
tempo – esse período de tempo ronda os 14 dias para todos os SSRIs,
com excepção da fluoxetina, em que é necessário um período de cerca
de cinco semanas.
De referir que, o tratamento da síndrome da serotonina passa pela
descontinuação dos fármacos serotoninérgicos e pela administração de
antagonistas não-selectivos da serotonina. Note-se, contudo, que os
inibidores da MAO não constituem os únicos fármacos capazes de
induzir síndrome da serotonina – este quadro também pode ser
despoletado pela administração de anfetaminas, que promovem a
libertação directa de serotonina a partir dos terminais neuronais.

Inibidores da recaptação de serotonina e


noradrenalina
Embora também inibam simultaneamente o SERT e o NET, os
inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (SNRIs) diferem
dos anti-depressores tricíclicos, na medida em que não apresentam
uma estrutura tricíclica nem acarretam tantos efeitos laterais (pois não
exercem tantas interacções com outros canais ou receptores). De entre
os principais SNRIs, destaque para a venlafaxina, desvenlafaxina,
duloxetina e milnacipran.

Para além de serem usados na terapia da depressão (onde se revelam


ligeiramente mais eficazes que os SSRIs), os fármacos supracitados
podem ser empregues no tratamento da ansiedade e dor. Para além
disso, o milnacipran e a duloxetina podem ser usadas na terapia da
fibromialgia, sendo que este último fármaco é ainda utilizado na terapia
da incontinência urinária e dor neuropática. Por seu turno, a venlafaxina
é administrada em pacientes com autismo, binge-eating, fogachos,
doença disfórica menstrual e stress pós-traumático.

Mecanismo de acção

Os SNRIs inibem simultaneamente o SERT e o NET, aumentando a


neuro-transmissão serotoninérgica e/ou noradrenérgica (o efeito
predominante depende do fármaco e da dose em que este é
administrado). Tal como acontece com os SSRIs, a administração de
SNRIs resulta na activação inicial de auto-receptores 5-HT1A e 5-HT1D,
o que diminui a neuro-transmissão serotoninérgica. Todavia, com o
passar do tempo, estes auto-receptores sofrem uma dessensitização, o
que resulta num aumento da neuro-transmissão serotoninérgica.
Farmacocinética

Ao nível hepático, a venlafaxina é convertida pela CYP2D6 num


metabolito com maior actividade biológica e período de semi-vida – este
metabolito, que se designa por desmetilvenlafaxina, é eliminado por
metabolismo hepático e excreção renal. Não admira, portanto, que se
deva proceder a ajustes posológicos em indivíduos com insuficiência
renal ou hepática.

Por seu turno a duloxetina apresenta um período de semi-vida de 12


horas, encontrando-se contra-indicada em pacientes com insuficiência
hepática ou insuficiência renal grave.

Efeitos adversos

Os SNRIs revelam-se mais seguros que os TCAs. De facto, os efeitos


adversos dos SNRIs são similares aos dos SSRIs, pois incluem náusea,
obstipação, insónias, cefaleias e disfunção sexual. Para além disso,
quando administradas em elevadas doses, as fórmulas de libertação
imediata de venlafaxina podem induzir hipertensão diastólica sustentada
– note-se que este fenómeno não parece ser unicamente devido à
inibição do NET, uma vez que a duloxetina não partilha deste efeito
adverso.

Interacções farmacológicas

Quando co-administrados com os inibidores da MAO, os SNRIs podem


induzir síndrome da serotonina, de tal modo que deve ser instituído um
período de tempo entre a descontinuação dos inibidores da MAO e o
início da terapia com SNRIs (e vice-versa).

Antagonistas dos receptores da serotonina


Vários antagonistas dos receptores 5-HT2 são utilizados como anti-
depressores – de entre esses fármacos, destaque para a trazodona,
nefazodona (que constitui um análogo estrutural da trazodona),
mirtazapina e mianserina. Note-se que, embora inibam os receptores
5-HT2, estes fármacos revelam-se capazes de bloquear outros
receptores.

Apesar de ser frequentemente utilizada na terapia da insónia e


depressão, a trazodona revela-se relativamente menos eficaz que os
SSRIs. De qualquer modo, os fármacos supracitados são
frequentemente administrados em conjunto.

Tanto a mianserina como a mirtazapina apresentam propriedades


sedativas, constituindo os fármacos de primeira escolha na terapia de
alguns pacientes deprimidos com insónias. De referir que, a
administração de mirtazapina ou mianserina a par com um SSRI revela-
se mais eficaz que a administração isolada de um SSRI.

Mecanismo de acção

A trazodona exerce um forte bloqueio dos receptores 5-HT2 (sobretudo


5-HT2A) e adrenérgicos α1, embora também iniba (de forma mais fraca)
o SERT. Como seria expectável, o principal efeito farmacológico da
nefazodona também passa pelo bloqueio dos receptores 5-HT2.

A mirtazapina e a mianserina bloqueiam avidamente os receptores


histaminérgicos H1. Para além disso, estes fármacos apresentam
alguma afinidade para os receptores adrenérgicos α2, o que poderá
contribuir para o seu efeito terapêutico. Embora estes fármacos também
apresentem afinidade para os receptores 5-HT2A, 5-HT2C e 5-HT3, esta
é menor que a demonstrada para os receptores H1.

Farmacocinética

A mirtazapina apresenta uma elevada capacidade de ligação às


proteínas plasmáticas, sofrendo biotransformação hepática. O seu
período de semi-vida ronda as 16-30 horas, sendo que a sua clearance
encontra-se perturbada em idosos e pacientes com insuficiência
hepática ou renal. Por seu turno, a nefazodona apresenta um período
de semi-vida de 2-4 horas, enquanto a hidroxi-nefazodona (que
constitui o seu principal metabolito) apresenta um período de semi-vida
de 1,5-4 horas.
Efeitos adversos

Os principais efeitos adversos da mirtazapina incluem sonolência,


aumento do apetite e ganho ponderal. Para além disso, estão descritos
casos de priapismo e agranulocitose (reversível) associados ao uso
deste fármaco. Já no que concerne ao uso de trazodona e nefazodona,
estes fármacos induzem ganho de peso e efeitos de cariz sexual e
gastro-intestinal (incluindo casos isolados de insuficiência hepática).

Interacções farmacológicas

Embora seja metabolizada pelo CYP2D6, CYP1A2, e CYP3A4, a


mirtazapina não inibe nenhuma dessas enzimas de modo significativo.
Por oposição, aquando da co-administração de trazodona com
fármacos inibidores do CYP3A4, deve se proceder a ajustes
posológicos.

A trazodona e a nefazodona constituem inibidores fracos da captação


de serotonina, de tal modo que não deverão ser co-administradas com
os inibidores da MAO, sob pena de se desenvolver síndrome da
serotonina. Desconhece-se, contudo, se o bloqueio do SERT encefálico
contribui para os efeitos anti-depressores da trazodona e nefazodona.

Bupropiona
A bupropiona parece actuar através de múltiplos mecanismos distintos.
De facto, este fármaco inibe simultaneamente a recaptação de
noradrenalina e dopamina, potenciando a neuro-transmissão mediada
por estas aminas. Para além disso, a bupropiona parece interferir com a
libertação pré-sináptica de noradrenalina e dopamina.

Para além de se encontrar indicada para o tratamento da depressão e


doença depressiva sazonal, a bupropiona pode ser usada na cessação
tabágica. A bupropiona pode ainda ser usada na terapia da dor
neuropáticae distúrbio de défice de atenção com hiperactividade.

Em termos clínicos, os efeitos anti-depressores da bupropiona são


potenciados pelos SSRIs, de tal modo que estes fármacos são
frequentemente administrados em conjunto.
Mecanismo de acção

A bupropiona inibe o NET e o DAT, embora apresente baixa afinidade


para ambos os transportadores (sobretudo para o último). Para além
disso, este fármaco actua no VMAT2 (transportador vesicular de
monoaminas 2). De referir que, alguns dos efeitos da bupropiona
parecem ser mediados por um dos seus metabolitos, o qual se designa
por hidroxibupropiona.

Farmacocinética

A bupropiona é eliminada por via hepática e renal, apresentando um


período de semi-vida de 21 horas na sua fase terminal de eliminação.
Deve-se proceder a ajustes posológicos em indivíduos com insuficiência
renal ou hepática.

Efeitos adversos e interacções farmacológicas

Quando administrada em doses supra-terapêuticas, a bupropiona


aumenta significativamente o risco de convulsões. Este risco encontra-
se diminuído aquando do uso de fórmulas de libertação prolongada.

A metabolização da bupropiona é maioritariamente mediada pelo


CYP2B6. De facto, pensa-se que o CYP2D6 não intervenha neste
processo, de tal modo que a bupropiona é frequentemente co-
administrada com os SSRIs – note, contudo, que a segurança desta
combinação ainda não foi totalmente comprovada.

Anti-psicóticos atípicos
Para além de serem usados na terapia da esquizofrenia, depressão
bipolar e depressão major com componente psicótico; os anti-
psicóticos atípicos podem ser utilizados na terapia da depressão sem
componente psicótico. De facto, aquando de uma resposta inadequada
a, pelo menos, dois anti-depressores distintos, é possível recorrer à co-
administração de aripiprazole e SSRIs ou SNRIs, ou de olanzapina e
fluoxetina. Por seu turno, para além de poder ser co-administrada em
conjunto com outros anti-depressores, a quetiapina pode apresentar
acções anti-depressoras próprias. Para além disso, este fármaco é
usado na terapia da insónia e da ansiedade.

Os principais efeitos adversos dos anti-psicóticos atípicos (sobretudo,


da quetiapina) incluem ganho de peso e síndrome metabólico.

Fármacos ansiolíticos
Os principais fármacos utilizados na terapia da ansiedade incluem os
SSRIs, SNRIs, benzodiazepinas, buspirona, azipirona e bloqueadores
β. No passado, os TCAs (nomeadamente a clomipramina) e os
inibidores da MAO constituíam os fármacos mais usados na terapia da
ansiedade, embora o seu uso tenha sido maioritariamente abandonado,
em detrimento de fármacos menos tóxicos.

Quando administrados cronicamente, os SSRIs e a venlafaxina


revelam-se ansiolíticos eficazes. Para além disso, estes fármacos são
bem tolerados, apresentando um baixo rol de efeitos laterais. Tal como
os SSRIs, a buspirona apenas constitui um ansiolítico eficaz quando
administrada cronicamente – este fármaco é um agonista parcial dos
receptores 5-HT1A, embora também actue como antagonista dos
receptores dopaminérgicos D2.

As benzodiazepinas também actuam como ansiolíticos eficazes, tanto


em termos agudos como em termos crónicos. Todavia, estes fármacos
devem ser cautelosamente utilizados, pois apresentam efeitos
deletérios na cognição e memória, podendo ainda gerar dependência e
abuso.

Os β-bloqueadores, nomeadamente os mais lipofílicos (tais como o


propranolol e o nadolol), podem ser utilizados na “ansiedade de
performance” (que inclui, por exemplo, o medo de falar em público) – o
seu uso encontra-se limitado, devido aos seus efeitos laterais.

A hidroxizina (um anti-histamínico) e vários outros agentes sedativos


têm sido usados como ansiolíticos, não obstante os seus efeitos
laterais. De facto, a hidroxizina, que produz sedação a curto prazo, tem
sido usada em pacientes incapazes de usar outros tipos de ansiolíticos.
O hidrato de cloral, que é também um sedativo, tem sido utilizado na
terapia da ansiedade situacional, embora apresente uma janela
terapêutica muito reduzida (existe apenas um pequeno intervalo de
doses em que o hidrato de cloral exerce um efeito ansiolítico sem
causar sedação).

Considerações clínicas
Terapia aguda da ansiedade: Benzodiazepinas

De entre os ansiolíticos mais frequentemente utilizados, apenas as


benzodiazepinas e os bloqueadores β são eficazes em situações
agudas, sendo que o uso de bloqueadores β restringe-se
maioritariamente à terapia da ansiedade situacional. Assim, quando se
procura um efeito ansiolítico imediato, as benzodiazepinas constituem
os fármacos de primeira escolha. Por oposição, os SSRIs, SNRIs e
buspirona são utilizados cronicamente com o objectivo de produzir
efeitos ansiolíticos sustentados.

As benzodiazepinas (tais como o alprazolam, clordiazepóxido,


clonazepam, clorazepato, diazepam, lorazepam e oxazepam) são
eficazes na terapia da ansiedade generalizada, ataques de pânico e
ansiedade situacional. Para além dos seus efeitos ansiolíticos, as
benzodiazepinas apresentam ainda efeitos sedativos, hipnóticos,
anestésicos, anti-convulsivantes e relaxantes musculares. As
benzodiazepinas perturbam ainda o desempenho cognitivo, a memória
e o controlo motor. Para além disso, estes fármacos potenciam os
efeitos de outros sedativos, tais como o álcool.

Os efeitos ansiolíticos das benzodiazepinas são mediados por


interacções alostéricas com os receptores GABAA (nomeadamente
com os receptores contendo subunidades α2, α3 e α5). Assim, o
principal efeito das benzodiazepinas ansiolíticas prende-se com a
potenciação dos efeitos inibitórios do GABA.

As benzodiazepinas causam vários efeitos adversos, tais como


sedação, perturbações da memória, diminuição do estado de alerta e
diminuição do tempo de reacção. Por vezes, a administração de
benzodiazepinas resulta num aumento paradoxal da ansiedade,
podendo inclusive ocorrer ataques de pânico. Para além disso, estes
fármacos podem induzir irritabilidade, agressão, desinibição
comportamental e amnésia provisória.

As benzodiazepinas não devem ser usadas na gravidez, na medida em


que já foram descritos casos isolados de defeitos crânio-faciais na
sequência do seu uso. Para além disso, quando usadas antes do parto,
as benzodiazepinas podem levar ao nascimento de recém-nascidos
sedados. Por outro lado, as benzodiazepinas devem ser
cautelosamente utilizadas nos indivíduos idosos, nos quais aumentam o
risco de quedas. De qualquer modo, estes fármacos são mais seguros
que os sedativos clássicos, sendo apenas fatais quando co-
administrados com outros depressores do sistema nervoso central.

As benzodiazepinas podem causar habituação, dependência e abuso,


sobretudo em pacientes com distúrbios da personalidade ou com
historial de consumo de drogas ou álcool - contudo, o risco de
dependência deve ser ponderado com a necessidade do tratamento, na
medida em que as benzodiazepinas são simultaneamente eficazes a
curto e a longo prazo. Para além disso, a descontinuação prematura
das benzodiazepinas, na ausência de qualquer outro tratamento
farmacológico, acarreta um elevado risco de recidiva da ansiedade. De
facto, a rápida descontinuação das benzodiazepinas após tratamento
crónico pode induzir ansiedade e convulsões, de tal modo que estes
fármacos devem ser descontinuados de modo gradual.

Apesar disso, por comparação com outros agentes sedativos, as


benzodiazepinas apresentam menor capacidade de induzir
dependência, de tal modo que o desenvolvimento de dependência às
benzodiazepinas ocorre frequentemente associado à dependência de
outras drogas. Aquando do uso crónico de benzodiazepinas, pode se
desenvolver tolerância aos seus efeitos ansiolíticos, de tal modo que
alguns pacientes necessitam de aumentar gradualmente a dose destes
fármacos. Assim, idealmente, as benzodiazepinas devem ser
administradas durante curtos períodos de tempo e em conjugação com
outros ansiolíticos.

Terapia crónica da ansiedade

Os SSRIs e a venlafaxina constituem os fármacos de primeira escolha


para a terapia da maior parte das perturbações ansiosas, excepto
aquando da necessidade de administração de um fármaco com efeito
agudo. De facto, tal como os seus efeitos anti-depressores, os efeitos
ansiolíticos destes fármacos apenas se tornam evidentes quando estes
são administrados cronicamente. De referir que, de entre as
perturbações de ansiedade, a doença obsessivo-compulsiva constitui a
única passível de ser tratada com recurso à fluvoxamina.

Tanto os SSRIs como os SNRIs revelam-se benéficos na terapia da


ansiedade generalizada, fobias sociais, doença obsessivo-compulsiva e
ataques de pânico – estes efeitos parecem estar relacionados com o
facto de a serotonina ser capaz de regular a actividade de várias
estruturas encefálicas putativamente envolvidas na génese da
ansiedade, tais como a amígdala e o locus coeruleus. Curiosamente,
não obstante os seus efeitos ansiolíticos a longo prazo, os SSRIs e os
SNRIs podem induzir ligeiros aumentos da ansiedade a curto prazo.

Para além de introduzidos gradualmente, os SSRIs e SNRIs devem ser


descontinuados gradualmente, na medida em que a sua
descontinuação brusca pode despoletar uma síndrome de privação (à
qual os pacientes ansiosos revelam-se particularmente susceptíveis).
Note-se que a venlafaxina e paroxetina constituem os fármacos mais
frequentemente associados à génese de síndrome de privação.

Para além dos SSRIs e SNRIs, a terapia ansiolítica recorre ao uso de


vários outros fármacos que interferem com a neuro-transmissão
serotoninérgica, tais como a trazodona, nefazodona e mirtazapina.

A buspirona é utilizada na terapia da ansiedade generalizada, embora


apenas seja eficaz quando administrada cronicamente. Para além disso,
tal como os SSRIs, a buspirona carece de vários dos efeitos
farmacológicos das benzodiazepinas, na medida em que não actua
como anti-convulsivante, relaxante muscular ou sedativo, nem causa
dependência ou perturbações psico-motoras. De facto, para além de
não gerar síndrome de abstinência, a buspirona não potencia o efeito de
outros depressores centrais.

Embora seja eficaz na terapia da ansiedade generalizada, a buspirona


não é eficaz na terapia de outras perturbações do foro ansioso. De
facto, a administração deste fármaco pode até aumentar a ansiedade
em pacientes com ataques de pânico, provavelmente, por aumentar a
actividade de neurónios do locus coeruleus. De referir que, em termos
farmacocinéticos, a buspirona é bem absorvida por via oral, sofrendo
biotransformação hepática – de entre as moléculas geradas, destaque
para o metabolito 1-pirimidil-piperazina, que actua como bloqueador
α2-adrenérgico.
Tranquilizantes
Introdução
Vários agentes revelam-se capazes de deprimir a função do sistema
nervoso central, induzindo sedação e hipnose - de entre esses agentes,
destaque para as benzodiazepinas, “compostos Z” e barbitúricos.
Embora estes fármacos sejam frequentemente designados como sedativo-
hipnóticos, convém perceber que sedação e hipnose não constituem dois
conceitos idênticos:

Fármacos sedativos: Diminuem a actividade central, moderam a


excitação e acalmam os pacientes.

Fármacos hipnóticos: Induzem sonolência, mantendo um


estado de sono similar ao natural e a partir do qual os pacientes
podem ser facilmente despertados.

Note-se que a sedação constitui um efeito lateral de muitos fármacos


que não são utilizados como depressores centrais (tais como os anti-
histamínicos e os anti-psicóticos). Apesar de poderem intensificar os
efeitos dos depressores centrais, estes agentes apresentam efeitos
terapêuticos mais específicos a concentrações significativamente
inferiores às necessárias para causar depressão central - a título de
exemplo, estes fármacos revelam-se incapazes de induzir anestesia
cirúrgica na presença de outros agentes.

Paralelamente, embora possam induzir coma quando administrados em


concentrações muito elevadas, as benzodiazepinas e os compostos Z
não conseguem induzir anestesia cirúrgica ou intoxicação fatal na
ausência de outros fármacos com acção depressora central. Note-se
que o midazolam constitui uma notável excepção, na medida em que o
seu uso está associado a uma diminuição do volume respiratório e do
volume corrente. De qualquer modo, as benzodiazepinas e os
compostos Z constituem os agentes sedativo-hipnóticos mais seguros,
sendo, por isso, os fármacos mais utilizados na terapia da insónia e
ansiedade.
Os fármacos sedativo-hipnóticos que não actuam especificamente no
receptor das benzodiazepinas deprimem o sistema nervoso central de
modo dependente da dose, induzindo progressivamente sedação
(sonolência), hipnose farmacológica (sono), perda de consciência,
coma, anestesia cirúrgica e depressão fatal da respiração e regulação
cardiovascular. Note-se que estes efeitos são também exercidos por
várias outras substâncias, nas quais se incluem os anestésicos gerais e
o etanol.

Embora os sedativo-hipnóticos diminuam a actividade do sistema


nervoso central, estes fármacos não induzem necessariamente
analgesia ou efeitos anti-convulsionantes. A título de exemplo, quando
administrados a concentrações sub-anestésicas, os barbitúricos não
exercem este tipo de efeitos. Por oposição, existem outros fármacos
(tais como os opióides, fenitoína ou etosuximida), em que estes efeitos
se acompanham apenas por uma sedação mínima.

Benzodiazepinas
As benzodiazepinas promovem a ligação do GABA aos receptores
GABAA (os quais constituem canais de cloreto activados por ligando),
aumentando a magnitude das correntes iónicas activadas pelo GABA.
Em termos moleculares, existem diferenças nos locais de ligação e
acção das várias benzodiazepinas, algo que se relaciona com a
existência de diferentes subunidades constituintes dos receptores
GABAA. Assim, tem-se procurado desenvolver compostos similares às
benzodiazepinas, mas selectivos para um ou mais subtipos de
receptores GABAA – esses esforços estão na base do desenvolvimento
dos “compostos Z”, que incluem o zolpidem (uma imidazopiridina), o
zaleplon (uma pirazolopirimidina) e as ciclopirrolonas zopiclona e
eszopiclona.

As benzodiazepinas exercem efeitos sedativo-hipnóticos, relaxantes


musculares, ansiolíticos e anti-convulsionantes, os quais envolvem a
participação de vários mecanismos diferentes e de várias subunidades
diferentes dos receptores GABAA. Contudo, não obstante exercerem
efeitos clínicos similares, as benzodiazepinas diferem entre si no que
concerne às suas propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas.
Estrutura química
As benzodiazepinas consistem num anel
benzénico fundido com um anel diazepínico de
sete elementos. Uma vez que todas as
benzodiazepinas importantes contêm um
substituinte 5 aril e um anel 1,4-diazepínico, o
termo “benzodiazepinas” é praticamente utilizado
como sinónimo de “5-aril-1,4-benzodiazepinas”.

Modificações na estrutura dos anéis das


benzodiazepinas permitiram a génese de
compostos com actividade similar, tais como as
1,5-benzodiazepinas (grupo no qual se inclui o
clobazam), e compostos cujo anel benzénico
fundido foi substituído por sistemas hetero-
aromáticos (tais como se verifica com o
brotizolam).

Para além das várias benzodiazepinas ou derivados


imidazobenzodiazepínicos, um vasto número de compostos não-
benzodiazepínicos competem com as benzodiazepinas clássicas pela
ligação a locais específicos do sistema nervoso central. Essas
substâncias incluem representantes das β-carbolinas (fármacos que
contêm um núcleo índole fundido com um anel piridina),
imidazopiridinas (tais como o zolpidem), imidazopirimidinas,
imidazoquinolonas e ciclopirrolonas (tais como a eszopiclona).

Efeitos farmacológicos
Quase todos os efeitos das benzodiazepinas resultam da sua actividade
no sistema nervoso central – de entre os efeitos mais proeminentes,
destaque para a sedação, hipnose, diminuição da ansiedade,
relaxamento muscular, amnésia anterógrada, e actividade anti-
convulsionante. Note-se, contudo, que as acções das benzodiazepinas
não se limitam ao sistema nervoso central – quando administrados em
doses elevadas, estes fármacos podem induzir vasodilatação coronária
e bloqueio neuro-muscular.

Efeitos no sistema nervoso central

Embora as benzodiazepinas afectem todos os níveis de actividade do


eixo neural, estes não são afectados de modo homogéneo. Para além
disso, não obstante apresentarem perfis farmacológicos similares, as
benzodiazepinas diferem na sua selectividade, bem como na sua
utilidade clínica. Note-se ainda que as benzodiazepinas não geram os
mesmos graus de depressão neuronal produzidos pelos barbitúricos e
anestésicos locais.

Os efeitos das benzodiazepinas são dependentes da dose – um


aumento da dose destes fármacos induz uma progressão de sedação
para hipnose e, subsequentemente, para estupor. Note-se que, embora
tenham propriedades amnésicas, estes fármacos não podem ser
considerados verdadeiros anestésicos, uma vez que os doentes
permanecem conscientes, não se mantendo suficientemente imóveis
para que uma cirurgia possa ser levada a cabo.

Mecanismos de acção central

A maior parte dos efeitos das benzodiazepinas são mediados pelos


receptores GABAérgicos, com os quais estes fármacos interagem. Os
receptores ionotrópicos GABAA são constituídos por cinco subunidades
estruturadas de modo a formar um canal de cloreto.

As benzodiazepinas actuam nos receptores GABAA (que constituem os


principais receptores inibitórios do sistema nervoso central), ligando-se
directamente a um local específico distinto daquele onde se liga o
GABA. Contrariamente aos barbitúricos, as benzodiazepinas não
activam directamente os receptores GABAA – de facto, estes fármacos
actuam alostericamente, modulando os efeitos do GABA. Contudo, não
só as benzodiazepinas modulam a ligação do GABA aos seus
receptores, como também o GABA altera a capacidade de ligação das
benzodiazepinas.

As benzodiazepinas e compostos relacionados ligam-se a um local


específico dos receptores GABAA (o qual será designado, ao longo
deste texto, por “receptor das benzodiazepinas”), podendo actuar
como agonistas, antagonistas ou agonistas inversos –

note-se que os agonistas


aumentam a corrente de cloreto
gerada por activação dos
receptores GABAA, enquanto os
agonistas inversos exercem o
efeito oposto – estas acções são
ambas bloqueadas por acção
dos fármacos antagonistas, de
tal modo que, na ausência de
um agonista ou agonista
inverso, os antagonistas das
benzodiazepinas não interferem
com a função dos receptores
GABAA.

Cada receptor GABAA consiste


num pentâmero de subunidades
homólogas, tendo sido já
identificadas 16 subunidades
diferentes (seis α, três β, três γ,
e uma subunidade δ, ε, π e θ).
Esta diversidade de
subunidades

resulta numa grande


heterogeneidade de
receptores GABAA, a
qual é parcialmente
responsável pela
diversidade
farmacológica dos
efeitos das
benzodiazepinas.

A estrutura exacta dos


receptores GABA
ainda não é
conhecida, mas
pensa-se que a maior
parte destes
receptores seja
constituída por
subunidades α, β e γ.
De acordo com
estudos moleculares,
a presença de uma
subunidade γ nos
receptores GABAA
revela-se essencial
para permitir a ligação
das benzodiazepinas
a estes receptores -
de facto, os
receptores
constituídos
unicamente por
subunidades α e β,
embora sensíveis aos
barbitúricos, não são
afectados pelas
benzodiazepinas.
Actualmente, pensa-
se que as
benzodiazepinas
ligam-se à interface
entre as subunidades
α e γ, as quais
determinam as
propriedades de
ligação destes
fármacos – a título de
exemplo, os
receptores GABAA
que expressam as
subunidades α6 e γ1
apresentam menor
afinidade para as
benzodiazepinas.

Assim, os efeitos sedativos e comportamentais das benzodiazepinas podem


ser parcialmente atribuíveis potenciação de vias GABAérgicas que actuam
num sentido de regular a actividade de neurónios monoaminérgicos. Por seu
turno, os efeitos relaxantes musculares e anti-convulsionantes das
benzodiazepinas parecem se dever à potenciação de circuitos GABAérgicos
inibitórios presentes a vários níveis do neuráxis. Deste modo, a
administração sistémica ou local de benzodiazepinas resulta numa redução
da actividade neuronal ao nível da espinal medula ou encéfalo. Todavia,
estes efeitos não são uniformes, dependendo dos circuitos em questão e do
modo como estão organizados.

Os efeitos das benzodiazepinas nas correntes de cloreto requerem a


libertação prévia de GABA, ou seja, na ausência da GABA, as
benzodiazepinas não exercem qualquer efeito nas correntes de cloreto
neuronais (pois, como referido anteriormente, a acção das
benzodiazepinas passa apenas pela facilitação da acção do GABA nos
seus receptores, sendo o GABA o responsável pela abertura dos canais
de cloreto acoplados). Ora, isto nem sempre se verifica com os
barbitúricos, que, quando administrados em doses elevadas, podem
potenciar a acção dos receptores GABAA (e subsequente activação de
correntes de cloreto) mesmo na ausência de GABA (vide infra). Ora,
este fenómeno pode explicar a maior segurança das benzodiazepinas
face aos barbitúricos.

Em suma, as benzodiazepinas potenciam a transmissão inibitória


GABAérgica, ao aumentar a frequência de abertura dos canais de
cloreto acoplados aos receptores GABAA. Os efeitos das
benzodiazepinas podem ser contrariados pela administração dos seus
antagonistas ou agonistas inversos, ou pela administração de
antagonistas do GABA (tais como a bicuculina).

De referir que, os receptores GABAérgicos também podem constituir o


local de actuação dos anestésicos gerais, etanol, drogas de abuso
inaladas, e alguns esteróides endógenos. De entre estas últimas
substâncias, destaque para a alopregnanolona, um metabolito da
progesterona que pode ser formado no encéfalo, produzindo efeitos do
tipo barbitúrico, incluindo estimulação das correntes de cloreto induzidas
pelo GABA e indução da ligação das benzodiazepinas aos receptores
GABAérgicos. Tal como se verifica com os barbitúricos, a existência de
concentrações mais elevadas deste metabolito resulta na activação de
correntes de cloreto na ausência de GABA. Contudo, contrariamente
aos barbitúricos, a alopregnanolona não se revela capaz de reduzir as
respostas excitatórias ao glutamato. De referir que a alfaxalona
constitui um análogo da alopregnanolona que pode ser utilizado na
indução de anestesia.

Efeitos no electroencefalograma (EEG) e nas etapas do sono

Os efeitos das benzodiazepinas no EEG assemelham-se aos de outros


fármacos sedativo-hipnóticos, registando-se uma diminuição da
actividade alfa (actividade entre 6 e 12Hz), mas um aumento da
actividade rápida de baixa voltagem. É possível desenvolver tolerância
a estes efeitos.

As benzodiazepinas diminuem o tempo de latência do sono


(especialmente quando usadas pela primeira vez) e diminuem o número
de vezes que o indivíduo acorda, bem como o tempo que este passa na
fase 0 (que corresponde a uma etapa de vigília). Para além disso, as
benzodiazepinas diminuem o tempo passado em fase 1 (início do
sono), fase 3 e fase 4 (duas etapas de sono slow-wave sleep). De
facto, na sua maioria, as benzodiazepinas aumentam o intervalo de
tempo definido entre o início do sono e a ocorrência do

primeiro pico de sono REM. Para além disso, estes fármacos diminuem
o tempo passado em sono REM, embora aumentem o número de ciclos
REM. Note-se que o zolpidem e o zaleplon suprimem o sono REM de
forma menos marcada que as benzodiazepinas, podendo revelar
eficácia hipnótica superior.

Não obstante encurtar a fase 4 e o sono REM, a administração de


benzodiazepinas aumenta o tempo total de sono, sobretudo por
aumento do tempo passado na fase 2 (que constitui a principal fracção
de sono não-REM) - note-se que este efeito é superior em indivíduos
com menor tempo prévio de sono. Para além disso, apesar do aumento
do número de ciclos REM, o número de vezes em que o indivíduo se
encontra em fases do sono mais leves (fase 1 e 0) e o movimento
corporal encontram-se diminuídos. Por seu turno, a secreção nocturna
de hormona do crescimento, prolactina e LH não é afectada.

O uso nocturno crónico de benzodiazepinas induz uma redução dos


seus efeitos nas várias fases do sono. Por outro lado, a descontinuação
destes fármacos pode levar a uma alteração dos parâmetros do sono,
nomeadamente um aumento da quantidade e densidade do sono REM.
Para além disso, após descontinuação, os pacientes costumam sentir
um encurtamento do tempo de sono (e não tanto uma exacerbação da
insónia).

Embora existam diferenças nos efeitos exercidos pelas várias


benzodiazepinas, o seu uso normalmente aumenta a qualidade do
sono. Deste modo, quando comparadas com as diferenças
farmacodinâmicas, as diferenças farmacocinéticas existentes entre as
benzodiazepinas constituem determinantes mais importantes dos seus
efeitos no sono.

Outros efeitos centrais e tolerância

De acordo com estudos experimentais, os efeitos ansiolíticos das


benzodiazepinas diferem dos seus efeitos sedativo-atáxicos. De facto,
sabe-se que a administração crónica de benzodiazepinas está
frequentemente associada a uma diminuição progressiva da sonolência.
Todavia, desconhece-se se ocorre também desenvolvimento de
tolerância aos efeitos ansiolíticos destes fármacos. Sabe-se, contudo,
que o uso crónico de benzodiazepinas não resulta em tolerância às
perturbações da função psico-motora induzidas por estes fármacos.

Algumas benzodiazepinas induzem hipotonia muscular, não interferindo


com a locomoção normal. Para além disso, estes fármacos podem
diminuir a rigidez muscular de pacientes com paralisia cerebral. Quando
administrado em doses não-sedativas, o clonazepam induz
relaxamento muscular – todavia, isto não é observável com a maioria
das restantes benzodiazepinas. Note-se que é possível desenvolver
tolerância aos efeitos relaxantes musculares e atáxicos das
benzodiazepinas.

As benzodiazepinas apresentam efeitos anti-convulsionantes, sendo


que a actividade anti-convulsionante do clonazepam, nitrazepam e
nordazepam é mais selectiva que a das restantes benzodiazepinas.
Contudo, os pacientes podem desenvolver tolerância aos efeitos anti-
convulsionantes das benzodiazepinas, o que limita a utilidade destes
fármacos na terapia das convulsões recorrentes.

Quando administradas por via intra-venosa, as benzodiazepinas


parecem induzir analgesia transitória. Todavia, aquilo que parece ser o
efeito analgésico destes fármacos pode apenas passar pela indução de
amnésia. Sabe-se, porém, que, contrariamente aos barbitúricos, as
benzodiazepinas não causam hiperalgesia.

Efeitos periféricos

Sistema respiratório

A administração de doses hipnóticas de benzodiazepinas não acarreta


qualquer efeito na respiração de indivíduos (de resto) saudáveis,
embora devam ser tomados cuidados especiais com as crianças e com
indivíduos com perturbações da função hepática (tais como os
alcoólicos). Todavia, em indivíduos com perturbações respiratórias
relacionadas com o sono, a administração de doses hipnóticas de
benzodiazepinas pode se revelar particularmente deletéria, pois estes
fármacos podem interferir negativamente com o controlo dos músculos
das vias aéreas superiores, ou diminuir a resposta ventilatória ao
dióxido de carbono. Este último efeito pode causar hipoventilação e
hipoxemia em alguns pacientes com doença pulmonar obstructiva
crónica grave.

Em pacientes com apneia do sono obstructiva, a administração de


doses hipnóticas de benzodiazepinas pode resultar num decréscimo do
tónus muscular das vias aéreas superiores, o que exacerba o impacto
dos episódios apneicos na hipoxia alveolar, hipertensão pulmonar, e
carga ventricular cardíaca. De facto, vários clínicos consideram que a
apneia do sono obstructiva constitui uma contra-indicação para o uso de
qualquer agente sedativo, incluindo as benzodiazepinas e o etanol.
Note-se ainda que, em pacientes em recuperação de um enfarte do
miocárdio, as benzodiazepinas podem promover a ocorrência de
episódios de apneia durante o sono REM.
Quando administradas em doses mais elevadas (tal como num contexto
de pré-anestesia ou endoscopia), as benzodiazepinas deprimem
ligeiramente a ventilação alveolar, causando acidose respiratória por
decréscimo no drive hipóxico. Mais uma vez, estes efeitos encontram-se
exacerbados em pacientes com doença pulmonar obstructiva crónica.

Quando administrados num contexto de anestesia, ou quando co-


administrados com opióides, estes fármacos podem ainda causar
apneia. De qualquer forma, num quadro de intoxicação grave por
benzodiazepinas, apenas se inicia assistência respiratória quando o
paciente está também sob o efeito de outro depressor do sistema
nervoso central, tal como o etanol.

Sistema cardiovascular

Em pacientes “normais”, as benzodiazepinas desempenham efeitos


cardiovasculares minor, excepto num contexto de intoxicação grave. De
qualquer modo, quando administradas em doses pré-anestésicas, todas
as benzodiazepinas diminuem a pressão arterial e aumentam a
frequência cardíaca – no caso do midazolam, estes efeitos parecem
ser secundários a um decréscimo da resistência periférica; já no caso
do diazepam, estes efeitos são secundários a uma redução do trabalho
ventricular esquerdo e, por conseguinte, do débito cardíaco.

O diazepam aumenta o fluxo coronário, provavelmente, ao aumentar os


níveis intersticiais de adenosina – de facto, a acumulação deste
nucleosídeo cardio-depressor pode explicar os efeitos inotrópicos
negativos do diazepam. Por seu turno, quando administrado em doses
elevadas, o midazolam diminui o fluxo sanguíneo e assimilação
cerebral de oxigénio.

Tracto gastro-intestinal

As benzodiazepinas parecem exercer um efeito benéfico num vasto


conjunto de perturbações gastro-intestinais relacionadas com a
ansiedade. De facto, o diazepam diminui significativamente a secreção
nocturna de ácido gástrico.

Farmacocinética
As propriedades físico-químicas e farmacocinéticas das
benzodiazepinas constituem importantes determinantes da sua utilidade
clínica. Todas as benzodiazepinas são completamente absorvidas por
via oral. O clorazepato constitui uma notável excepção – este fármaco
é rapidamente descarboxilado no suco gástrico em N-
desmetildiazepam (nordazepam), o qual é absorvido rapidamente.
Note-se que, não obstante apresentarem elevados coeficientes de
distribuição lipídeos-água, a lipofilia destes fármacos varia
significativamente.

Os fármacos com acção nos receptores das benzodiazepinas podem


ser classificados de acordo com o seu tempo de acção.

Note-se que, embora o flurazepam apresente um curto período de semi-


vida (próximo das duas horas), o tempo de semi-vida do seu principal
metabolito activo (N-desalquil-flurazepam) pode ascender até às 100
horas, o que dificulta a classificação individual das benzodiazepinas.

A capacidade de ligação às proteínas plasmáticas depende da lipofilia


das benzodiazepinas e seus metabolitos – assim, 70% do alprazolam
circula ligado às proteínas plasmáticas, contra 99% do diazepam. As
benzodiazepinas apresentam um grande volume de distribuição, o qual
é superior em indivíduos idosos. Para além disso, estes fármacos
atravessam a placenta e são secretados no leite materno. De referir que
a concentração destes fármacos no líquido cefalo-raquidiano é próxima
da sua concentração plasmática livre.

A distribuição das benzodiazepinas segue um modelo bifásico, embora


a distribuição dos compostos mais lipofílicos ocorra de modo trifásico.
De facto, após administração, estes fármacos são rapidamente
captados pelo encéfalo e por outros tecidos altamente vascularizados.
Subsequentemente, regista-se uma fase de redistribuição para tecidos
menos perfundidos, tais como o músculo e o tecido adiposo (este
processo ocorre mais rapidamente em fármacos mais lipofílicos). De
referir que, quando as benzodiazepinas são usadas para sedação
nocturna, a sua taxa de redistribuição pode exercer mais influência na
duração dos seus efeitos centrais, do que a taxa de biotransformação.

As benzodiazepinas são amplamente metabolizadas pelas CYP hepáticas,


nomeadamente pelo CYP3A4 e pelo CYP2C19. Ora, a eritromicina,
claritromicina, ritonavir, itraconazole, cetoconazole e nefazodona
constituem importantes inibidores do CYP3A4, podendo prejudicar o
metabolismo das benzodiazepinas.

Note-se, contudo, que algumas benzodiazepinas, tais como o oxazepam,


são directamente conjugadas, não sendo metabolizadas pelas CYPs.

Os metabolitos
activos de
algumas
benzodiazepinas
são
biotransformados
mais lentamente
que os seus
compostos
originais, de tal
modo que a
duração de acção
de várias
benzodiazepinas
não se
correlaciona com
o tempo de semi-
vida do fármaco
original
administrado
(vide supra, o
caso do
flurazepam). Por
oposição, no
caso dos agentes
que são
convertidos em
metabolitos
inactivos, a taxa
de
biotransformação
constitui um
importante
determinante da
duração de acção
– de entre esses
agentes,
destaque para o
oxazepam,
lorazepam,
temazepam,
triazolam e
midazolam.

O metabolismo das benzodiazepinas ocorre ao longo de três etapas


sequenciais. No caso das benzodiazepinas que apresentam um grupo
substituinte na posição 1 (ou 2) do anel diazepínico, a fase inicial (e
mais rápida) do seu metabolismo envolve a modificação e/ou remoção
do grupo substituinte. Com excepção do triazolam, alprazolam,
estazolam e midazolam (que contêm um anel triazol ou imidazol), esta
modificação gera compostos N-desalquilados e biologicamente activos.
O nordazepam constitui um desses metabolitos, sendo formado na
sequência da biotransformação do diazepam, clorazepato e
demoxepam (que, por sua vez, é um importante metabolito do
clordiazepóxido).

A segunda fase de metabolização das benzodiazepinas envolve a sua


hidroxilação na posição 3, sendo que este processo gera também
derivados activos – a título de exemplo, o oxazepam é formado por
hidroxilação do nordazepam. Note-se que estas reacções ocorrem
muito mais lentamente do que as da etapa anterior, de tal modo que não
ocorre acumulação de produtos hidroxilados intermédios. Todavia, a
administração crónica de diazepam pode levar à acumulação de
temazepina.

A terceira (e última) fase de metabolização envolve a conjugação dos


compostos 3-hidroxilados com o ácido glicurónico. Esta reacção, que
gera sempre produtos inactivos, constitui praticamente a única via de
metabolização do oxazepam e lorazepam. Para além disso, a
conjugação constitui a via preferencial de metabolização do
temazepam. Por seu turno, o triazolam e o alprazolam são
maioritariamente metabolizados por hidroxilação do grupo metilo do
anel triazol, seguida de conjugação com o ácido glicurónico – esta
última reacção ocorre muito rapidamente, de tal modo que não se
verifica uma acumulação significativa de metabolitos activos.

Por sua vez, o estazolam carece de um grupo metilo no anel triazol,


sofrendo hidroxilação limitada - de facto, este fármaco é
maioritariamente metabolizado por hidroxilação na posição três. Por
oposição, o midazolam é maioritariamente metabolizado por
hidroxilação do seu grupo metilo no anel imidazol. Subsequentemente,
formam-se metabolitos hidroxilados activos, os quais são eliminados por
conjugação com o ácido glicurónico. Note-se que a administração intra-
venosa deste fármaco pode resultar na sua acumulação em doses
significativas.

A hidroxilação dos anéis aromáticos das benzodiazepinas é


quantitativamente pouco importante. De facto, ao nível desses anéis, a
única reacção metabólica importante prende-se com a redução dos
substituintes 7-nitro do clonazepam, nitrazepam e flunitrazepam, o que
gera aminas inactivas.

As benzodiazepinas não parecem induzir a síntese de CYPs hepáticas,


de tal modo que a sua administração crónica não resulta, normalmente,
num aumento do seu metabolismo ou do de outros fármacos. Note-se,
contudo, que a cimetidina, os contraceptivos orais e, em menor
extensão, o etanol, a isoniazida e a fenitoína diminuem a
biotransformação das benzodiazepinas. Para além disso, o metabolismo
das benzodiazepinas encontra-se diminuído em pacientes idosos ou
com doença hepática crónica. De facto, nesses pacientes, opta-se
preferencialmente pela administração de temazepam, oxazepam e
lorazepam, pois a metabolização destes fármacos ocorre apenas por
conjugação.

Propriedades farmacocinéticas ideais

O agente hipnótico ideal deverá apresentar as seguintes propriedades:


é Curto tempo de latência (rápido onset das suas acções)

é Acção suficientemente sustentada para facilitar o sono durante a


noite

é Ausência de efeitos residuais na manhã seguinte

De entre as benzodiazepinas mais frequentemente utilizadas, o


triazolam constitui aquela cujas propriedades se aproximam mais das
descritas no parágrafo anterior. Por oposição, os metabolitos do
flurazepam e quazepam apresentam uma lenta taxa de eliminação, o
que limita o uso clínico destes fármacos. Note-se, contudo, que os
agentes eliminados muito rapidamente também acarretam algumas
desvantagens, tais como insónia matinal precoce e aumento do risco de
recidiva de insónia após descontinuação farmacológica.

Usos terapêuticos
A maior parte das benzodiazepinas pode ser usada em vários contextos
terapêuticos. Na sua maioria, as benzodiazepinas podem ser utilizadas
como hipnóticos, embora sejam preferencialmente usadas
benzodiazepinas com um curto período de semi-vida com esse fim, não
obstante induzirem maior risco de dependência e síndromes de
abstinência mais graves.

Por seu turno, as benzodiazepinas com um longo período de semi-vida


são preferencialmente utilizadas na terapia da epilepsia e da ansiedade
– de facto, os agentes ansiolíticos deverão apresentar um longo período
de semi-vida, não obstante o aumento do risco de défices
neurofisiológicos resultantes da acumulação destes fármacos. De referir
ainda que o diazepam pode ser usado na terapia do alcoolismo.

Efeitos adversos
Quando atingem as suas concentrações plasmáticas máximas, as
benzodiazepinas (mesmo que administradas em doses hipnóticas)
podem causar tonturas, cansaço, aumento do tempo de reacção,
descoordenação motora, perturbações das funções motoras e mentais,
confusão, e amnésia anterógrada. A cognição parece ser menos
afectada que as funções motoras, embora todos os efeitos supracitados
possam interferir com várias funções psicomotoras, tais como a
condução. Note-se que o álcool potencia os efeitos deletérios das
benzodiazepinas.

De entre os efeitos adversos mais comuns das benzodiazepinas,


destaque ainda para a fraqueza, cefaleias, visão desfocada, vertigens,
náusea, vómitos, stress epigástrico, diarreia, artralgias, dor torácica e
incontinência urinária. Para além disso, as benzodiazepinas anti-
epilépticas podem aumentar paradoxalmente a frequência de
convulsões em pacientes com epilepsia.

De referir que, a persistência dos efeitos das benzodiazepinas nas


horas de vigília constitui um fenómeno indesejado, que pode cursar, por
exemplo, com sonolência diurna residual.

As benzodiazepinas podem ainda causar efeitos paradoxais. A título


de exemplo, o flurazepam pode aumentar o risco de pesadelos,
especialmente na primeira semana de utilização. Para além disso, este
fármaco pode causar ansiedade, irritabilidade, taquicardia e sudorese.

Por seu turno, o uso de várias outras benzodiazepinas pode levar à


ocorrência de amnésia, euforia, irrequietude, alucinações,
sonambulismo e comportamento hipomaníaco. Para além disso, alguns
utilizadores tendem a manifestar reacções de descontrolo (também
chamadas de reacções de desinibição), as quais se podem
caracterizar por comportamentos bizarros e desinibidos ou por
manifestações de hostilidade e raiva. O uso de benzodiazepinas pode
ainda cursar com paranóia, depressão e ideação suicida. Note-se,
contudo, que estas reacções paradoxais são raras e, aparentemente,
dependentes da dose administrada de benzodiazepinas.

O uso crónico de benzodiazepinas pode induzir dependência e abuso,


embora não de forma tão descarada como registado com os sedativos
mais antigos. O flunitrazepam constitui um notável exemplo, podendo
inclusive ser utilizado para facilitar o abuso sexual.

Pacientes que usem doses terapêuticas de benzodiazepinas por longos


períodos de tempo podem vir a manifestar dependência moderada. A
síndrome de abstinência destes fármacos cursa com intensificação
temporária dos problemas que levaram ao uso de benzodiazepinas (tais
como insónias ou ansiedade), disforia, irritabilidade, sudorese,
pesadelos, tremuras, anorexia e vertigens. Note-se que o risco destes
sintomas aumenta quando as benzodiazepinas são descontinuadas
abruptamente, de tal modo que a descontinuação destes fármacos deve
ocorrer de modo gradual.

Não obstante os seus efeitos adversos, as benzodiazepinas são


consideradas relativamente seguras. De facto, mesmo a administração
de doses excessivas destes fármacos revela-se raramente fatal,
excepto quando outros fármacos são usados concomitantemente - de
facto, o etanol contribui para muitos dos óbitos que envolvem o
consumo de benzodiazepinas. Note-se que, embora a sobredosagem
com benzodiazepinas não constitua uma causa frequente de depressão
respiratória ou cardiovascular, a administração de doses terapêuticas
destes fármacos pode exacerbar as perturbações respiratórias dos
pacientes com doença pulmonar obstructiva crónica ou apneia do sono.

Para além disso, as benzodiazepinas podem despoletar várias reacções


alérgicas, hepatotóxicas e hematológicas, embora a incidência destes
fenómenos seja relativamente reduzida. Note-se que estas reacções já
foram observadas na sequência do uso de flurazepam, triazolam e
temazepam.

O uso de elevadas doses de benzodiazepinas durante o parto (ou


imediatamente antes) pode causar hipotermia, hipotonia e depressão
respiratória moderada no recém-nascido. Para além disso, o abuso
destes fármacos em grávidas pode despoletar síndrome de privação no
recém-nascido.

Excepto no que concerne aos efeitos aditivos resultantes da co-


administração com outros fármacos sedativos ou hipnóticos, as
benzodiazepinas participam em poucas interacções farmacológicas.
Como referido anteriormente, o etanol potencia a taxa de absorção e a
depressão central induzida pelas benzodiazepinas. Por seu turno, a co-
administração de valproato e benzodiazepinas pode resultar na
ocorrência de episódios psicóticos.
Compostos Z
Os compostos Z são hipnóticos não-
benzodiazepínicos, mas que actuam por
ligação aos receptores das benzodiazepinas
– de entre estes fármacos, destaque para o
zolpidem, zaleplon, zopiclona e eszopiclona
(a qual constitui o S-enantiómero da
zopiclona). Note-se que estes fármacos não
apresentam semelhanças estruturais entre si,
nem com as benzodiazepinas.

Comparativamente às benzodiazepinas, os
compostos Z revelam-se menos activos como
anti-convulsionantes ou relaxantes
musculares, o que se poderá dever à sua
selectividade relativa para os receptores
GABAA que expressam a subunidade α1.

Tal como se verifica com as benzodiazepinas,


os compostos Z podem induzir dependência
física e tolerância, sobretudo aquando da
administração de doses elevadas durante
longos períodos de tempo. De facto, tem-se
vindo a registar um aumento dos casos de
abuso de compostos Z, sendo que a
overdose destes fármacos revela-se
clinicamente semelhante à overdose por
benzodiazepinas, podendo ser tratada com
recurso ao flumazenil (um antagonista das
benzodiazepinas).

O zaleplon e o zolpidem revelam-se eficazes no alívio da dificuldade a


adormecer. Estes dois fármacos apresentam uma eficácia hipnótica
sustentada, sendo que a sua descontinuação abrupta não resulta na
recorrência de insónias. Ora, isto explica porque é que os compostos Z
têm vindo a substituir as benzodiazepinas na terapia da insónia.
O zaleplon e o zolpidem apresentam uma eficácia similar, sendo que o
zaleplon apresenta um tempo de semi-vida inferior ao zolpidem. Assim,
enquanto o zolpidem é utilizado apenas antes de ir dormir (pois a
duração das suas acções ronda as oito horas), o zaleplon pode também
ser administrado quando os pacientes (mesmo após estarem deitados)
revelam dificuldades em adormecer - na verdade, o zaleplon pode ser
administrado até quatro horas antes da hora a que o paciente planeia
acordar. Por oposição, a administração mais “tardia” de zolpidem
potencia o risco de sedação matinal, de diminuição do tempo de
reacção e de amnésia anterógrada.

Zaleplon
O zaleplon é uma pirazolopirimidina sedativo-hipnótica não pertencente
à classe das benzodiazepinas, mas que actua por ligação aos receptores
GABAA contendo a subunidade α1, mais propriamente, ao local de ligação
das benzodiazepinas. Este fármaco tem disso estudado para a terapia da
insónia, parecendo estar associado a uma diminuição dos períodos de
latência do sono, tanto em pacientes com insónia transitória como em
pacientes com insónia crónica.

Este fármaco é rapidamente absorvido, apresentando uma


biodisponibilidade próxima dos 30%. A sua metabolização é
maioritariamente assegurada pela oxídase dos aldeídos, embora o
CYP3A4 também desempenhe um importante papel neste processo.
Nenhum dos metabolitos do zaleplon apresenta actividade, sendo todos
eles excretados na urina (a fracção de zaleplon intacta excretada é
desprezável).

Zolpidem
O zolpidem é uma imidazopiridina sedativo-hipnótica não pertencente à
classe das benzodiazepinas, mas que actua por ligação aos receptores
GABAA (mais concretamente, ao local de ligação das benzodiazepinas),
exercendo acções similares às das benzodiazepinas. Note-se, contudo,
que o zolpidem apresenta maior selectividade para os receptores das
benzodiazepinas com subunidades α.
O zolpidem parece apenas produzir efeitos anti-convulsionantes fracos,
enquanto os seus fortes efeitos sedativos parecem mascarar os seus
efeitos ansiolíticos. Para além disso, contrariamente às
benzodiazepinas, o zolpidem apresenta poucos efeitos nas várias fases
do sono. Contudo, este fármaco revela-se tão eficaz como as
benzodiazepinas a encurtar o tempo de latência do sono, bem como a
prolongar o tempo total de sono em pacientes com insónias.

Após descontinuação do zolpidem, os seus efeitos benéficos no sono


podem persistir durante alguns dias. Note-se que, apesar de não serem
muito frequentes, já foram registados casos de síndrome de abstinência
na sequência do uso de zolpidem, bem como casos de abuso e
dependência. Assim, embora assegure melhorias sustentadas do sono
em pacientes com insónia crónica, o zolpidem é apenas utilizado na
terapia da insónia a curto prazo.

Este fármaco revela-se relativamente seguro, sendo raros os efeitos


adversos resultantes do seu uso. De qualquer modo, entre esses
efeitos, destaque para a sedação ou amnésia diurna, perturbações
gastro-intestinais e tonturas. Tal como acontece com as
benzodiazepinas, a administração de doses supra-terapêuticas de
zolpidem não induz depressão respiratória, excepto aquando da co-
administração de outros agentes (tais como o etanol). Todavia, a
administração de doses hipnóticas deste fármaco potencia a hipóxia e
hipercápnia dos pacientes com apneia do sono obstructiva.

Em termos farmacocinéticos, o zolpidem é rapidamente absorvido pelo


tracto gastro-intestinal, apresentando uma biodisponibilidade oral
próxima de 70% (este valor é inferior na presença de alimentos). Ao
nível hepático, o zolpidem é convertido em produtos inactivos,
nomeadamente por processos de oxidação dos grupos metil nos seus
anéis fenil e imidazopiridina. Em indivíduos com normal função ou fluxo
sanguíneo hepático, o seu período de semi-vida plasmática ronda as
duas horas, embora este valor possa aumentar em pacientes mais
idosos ou com cirrose hepática (nesses pacientes, é necessário
proceder a ajustes posológicos). A fracção intacta de zolpidem
eliminada na urina é desprezável, embora a eliminação deste fármaco
seja mais lenta em pacientes com insuficiência renal crónica.

Eszopiclona
A eszopiclona constitui o enantiómero S(+) activo da zopiclona, não
apresentando semelhanças estruturais com as benzodiazepinas,
zolpidem ou zaleplon. De qualquer modo, este fármaco parece actuar
por ligação ao receptor GABAA, mais propriamente ao local de ligação
às benzodiazepinas.

A eszopiclona revela-se eficaz na terapia da insónia transitória e


crónica, parecendo diminuir o tempo de latência do sono. De facto, na
prática clínica, este fármaco é usado na terapia a longo-prazo da
insónia ou na manutenção do sono, sendo administrado a pacientes
com dificuldade a adormecer ou a permanecer a dormir. Os ensaios
clínicos até agora realizados não têm evidenciado a existência de um
fenómeno de tolerância ou de síndrome de abstinência. Todavia, já foi
descrita uma síndrome de abstinência para a zopiclona, consistindo na
ocorrência de sonhos anormais, ansiedade, náusea, e perturbações
gástricas.

A eszopiclona é rapidamente absorvida após administração oral,


apresentando uma biodisponibilidade próxima de 80% e uma ampla
distribuição. A sua metabolização é mediada pelo CYP3A4 e CYP2E1,
e o seu tempo de semi-vida ronda as seis horas.

Flumazenil
O flumazenil é uma imidazobenzodiazepina que actua como um
antagonista dos receptores das benzodiazepinas. Este fármaco liga-se
ao receptor das benzodiazepinas com elevada afinidade, impedindo a
ligação das benzodiazepinas e compostos Z. Assim, o flumazenil
antagoniza os efeitos electrofisiológicos e comportamentais das
benzodiazepinas e β-carbolinas. Para além disso, pensa-se que,
quando administrado em elevadas doses, o flumazenil apresente efeitos
anti-convulsionantes, embora esse fenómeno careça de utilidade clínica
(até porque, em certas condições, este fármaco pode se revelar
paradoxalmente pró-convulsionante – vide infra).

Na prática clínica, o flumazenil é apenas administrado por via intra-


venosa, sendo quase totalmente eliminado por via hepática. Contudo,
este fármaco também é absorvido por via oral, embora sofra um
importante efeito de primeira passagem (menos de 25% do fármaco
atinge a circulação sistémica). Por outro lado, a administração de
elevadas doses deste fármaco por via oral propiciam o desenvolvimento
de cefaleias e tonturas.

O flumazenil deve ser administrado em situações de suspeita de


overdose de benzodiazepinas, bem como para reverter os efeitos
sedativos produzidos pelas benzodiazepinas. Contudo, o flumazenil
sofre uma biotransformação (e inactivação) deveras rápida, o que
potencia o risco de recaídas (ou seja, aquando do término do efeito do
flumazenil ainda existem benzodiazepinas suficientes para induzir um
fenómeno de intoxicação rebound). Para além disso, este fármaco pode
induzir agitação, confusão, precipitação de síndrome de abstinência e
arritmias cardíacas.

O flumazenil não é eficaz em situações de overdose de barbitúricos ou


anti-depressores tricíclicos – de facto, a administração de flumazenil
nessas situações pode estar associada à génese de convulsões.

Análogos da melatonina

Ramelteon
O ramelteon é um análogo tricíclico sintético da melatonina, sendo
utilizado na terapia da insónia (nomeadamente das dificuldades em
adormecer).

Mecanismo de acção

Os níveis de melatonina no núcleo supra-quiasmático variam de modo


circadiano, de tal modo que as concentrações deste mediador
aumentam no início da noite (quando o indivíduo se prepara para
dormir), atingindo um plateau e, eventualmente, diminuindo com o
passar da noite. Os efeitos da melatonina são mediados por dois
receptores distintos acoplados à proteína G – MT1 e MT2. A activação
dos receptores MT1 promove o início do sono, enquanto a activação dos
receptores MT2 promove uma alteração do ritmo circadiano. Ora, o
ramelteon liga-se simultaneamente aos receptores MT1 e MT2 com
elevada afinidade, não parecendo ligar-se a outros receptores.
Uso terapêutico e farmacocinética

O ramelteon é rapidamente absorvido pelo tracto gastro-intestinal,


embora apresente baixa biodisponibilidade oral, pois sofre um
importante efeito de primeira-passagem hepática. De facto, este
fármaco é amplamente biotransformado pelas enzimas hepáticas
CYP1A2, CYP2C e CYP3A4; apresentando um período de semi-vida de
duas horas. Note-se que um dos metabolitos do ramelteon (o M-II)
revela-se capaz de actuar como agonista dos receptores MT1 e MT2,
podendo contribuir para os efeitos terapêuticos deste fármaco.

O ramelteon revela-se eficaz na terapia da insónia aguda, sendo que a


sua administração está associada a uma redução do tempo de latência
do sono e a um aumento do tempo total de sono. Em termos agudos,
este fármaco é relativamente bem tolerado, não estando associado a
perturbações da função cognitiva. Para além disso, o ramelteon revela-
se eficaz na terapia da insónia crónica, não estando associado ao
desenvolvimento de dependência, tolerância ou síndrome de
abstinência.

Barbitúricos
No passado, os barbitúricos foram amplamente usados como
fármacos sedativo-hipnóticos. Todavia, na maior parte dos casos, estes
fármacos foram substituídos pelas benzodiazepinas, que comportam
maior segurança.

Estrutura química
O ácido barbitúrico é uma 2,4,6-trioxohexahidropirimidina. Este
composto carece de actividade depressora central, embora a presença
de grupos alquil ou aril na posição cinco confira-lhe propriedades
sedativo-hipnóticas.

O grupo carbonilo na posição 2 apresenta um perfil ácido. Em alguns


casos, os barbitúricos apresentam um átomo de enxofre na posição dois
(em vez de um átomo de oxigénio), passando-se a designar por
tiobarbitúricos - note-se que os tiobarbitúricos revelam-se mais
solúveis que os oxibarbitúricos correspondentes. De qualquer modo, em
termos gerais, as alterações estruturais que cursam com um aumento
da solubilidade lipídica destes fármacos originam vários fenómenos
previsíveis, incluindo:

• Decréscimo da duração de acção

• Decréscimo do tempo de latência

• Aceleração da degradação metabólica

• Aumento da potência hipnótica

Propriedades farmacológicas
Os barbitúricos deprimem reversivelmente a actividade de todos os
tecidos excitáveis, sendo que o sistema nervoso central revela-se
particularmente sensível à acção destes fármacos. Assim, quando
administrados em concentrações anestésicas, os barbitúricos apenas
geram efeitos fracos nos tecidos periféricos. Todavia, em situações de
intoxicação aguda por barbitúricos, podem ocorrer graves efeitos
adversos nos tecidos periféricos, nomeadamente ao nível do sistema
cardiovascular.

Efeitos no sistema nervoso central

Mecanismos de acção central

Os barbitúricos actuam em todo o sistema nervoso central, sendo que a


administração de doses não-anestésicas resulta numa supressão
preferencial das respostas polissinápticas, com diminuição da
potenciação e aumento da inibição sináptica. Estes fármacos podem
actuar a um nível pós-sináptico, tal como acontece nas células do córtex
cerebral, no núcleo cuneado, na substância negra, nos núcleos
talâmicos de relay e no cerebelo; ou a um nível pré-sináptico, tal como
acontece na espinal medula. Note-se que o efeito inibitório dos
barbitúricos ocorre maioritariamente nas sinapses cuja neuro-
transmissão seja mediada pelo GABA.
Os barbitúricos exercem vários efeitos distintos na transmissão
sináptica excitatória e inibitória. A título de exemplo, quando
administrado a baixas doses, o pentobarbital potencia o aumento da
condutância ao cloreto mediada pelo GABA. Todavia, quando
administrado em elevadas concentrações, este fármaco aumenta a
condutância ao cloreto mesmo na ausência de GABA. Por seu turno, o
fenobarbital exerce esses efeitos de modo menos eficaz e menos
potente. De facto, o fenobarbital apresenta propriedades anti-
convulsionantes mais selectivas, bem como um maior índice
terapêutico, o que pode ser explicado pelo facto de, quando comparado
com os barbitúricos anestésicos, este fármaco apresentar menor
capacidade de deprimir a função neuronal.

Os barbitúricos actuam nos receptores GABAA de modo distinto do


GABA e das benzodiazepinas. Ora, isto é validado pelas seguintes
observações:

• Tal como as benzodiazepinas, os barbitúricos promovem a ligação


do GABA aos receptores GABAA. Todavia, os barbitúricos
promovem a ligação das benzodiazepinas aos receptores

GABAérgicos. Ora, caso estas duas classes de fármacos se


ligassem aos mesmos locais, os barbitúricos competiriam com as
benzodiazepinas pela ligação aos receptores GABAA.

• Os barbitúricos potenciam as correntes de cloreto induzidas pelo


GABA, ao prolongar a duração dos bursts resultantes da abertura
desses canais. Por oposição, as benzodiazepinas promovem um
aumento da frequência desses bursts.

• Apenas as subunidades α e β (e não a γ) são necessárias para a


acção dos barbitúricos.

• Os aumentos da condutância ao cloreto induzidos pelos barbitúricos


não são afectados por

deleções em resíduos aminoacídicos essenciais para a ocorrência


de activação dos receptores GABAA por parte dos seus agonistas
endógenos.
A administração de doses sub-anestésicas de barbitúricos também
pode reduzir a ocorrência de despolarizações induzidas pelo glutamato,
ao interferir com a função dos receptores AMPA sensíveis ao ácido
caínico ou ao ácido quisquálico. Por outro lado, a administração de
doses anestésicas de pentobarbital leva à inibição de canais de sódio,
enquanto a administração de doses superiores promove a redução da
condutância ao potássio.

Os barbitúricos revelam-se capazes de produzir todos os graus de


depressão central, desde sedação moderada até anestesia geral. Para
além disso, alguns barbitúricos, nomeadamente os que contêm um
substituinte 5-fenil (tais como o fenobarbital e o mefobarbital),
apresentam actividade anti-convulsionante selectiva. De referir que,
com excepção, destas propriedades anti-convulsionantes selectivas, os
barbitúricos apresentam baixa selectividade e um baixo índice
terapêutico.

As propriedades ansiolíticas dos barbitúricos revelam-se inferiores às


das benzodiazepinas. Por outro lado, a percepção e reacção à dor não
são perturbadas pelos barbitúricos (excepto se estes fármacos
induzirem perda de consciência). De facto, quando administrados em
baixas doses, os barbitúricos até podem aumentar a reacção aos
estímulos dolorosos. Assim, estes fármacos não devem ser utilizados
com o intuito de produzir sedação ou hipnose em pacientes com dor
(mesmo que moderada).

Efeitos nas etapas do sono

Doses hipnóticas de barbitúricos aumentam o tempo total de sono e


alteram as etapas do sono de um modo dependente da dose. Tal como
as benzodiazepinas, os barbitúricos diminuem o tempo de latência do
sono, o número de vezes em que o paciente acorda, e a duração do
sono REM e slow-wave sleep. Todavia, o uso repetido destes fármacos
pode resultar no desenvolvimento de tolerância ao fim de alguns dias.
Por outro lado, a descontinuação resulta num aumento rebound de
todos os parâmetros reduzidos por estes fármacos.

Tolerância, abuso e dependência


é possível desenvolver tolerância farmacodinâmica (funcional) e
farmacocinética aos barbitúricos, sendo que este último fenómeno
revela-se mais importante. De facto, a tolerância farmacocinética
instala-se num período de dias, enquanto a tolerância farmacodinâmica
desenvolve-se num período de semanas ou meses. A tolerância aos
efeitos sedativo-hipnóticos dos barbitúricos ocorre mais rapidamente e
apresenta maior intensidade que a tolerância aos efeitos deletérios, de
tal modo que, à medida que aumenta a tolerância aos barbitúricos, o
índice terapêutico destes fármacos diminui. Note-se que a tolerância
farmacodinâmica aos barbitúricos confere tolerância cruzada a todas as
substâncias depressoras do sistema nervoso central, incluindo ao
etanol.

Tal como ocorre com outros depressores centrais, existem casos de


abuso de barbitúricos, sendo que alguns indivíduos chegam a
desenvolver dependência a estes fármacos. Note-se que os barbitúricos
podem apresentar efeitos euforizantes.

Efeitos periféricos

Sistema nervoso periférico

Os barbitúricos deprimem selectivamente a transmissão nos gânglios


autonómicos, reduzindo a excitação nicotínica mediada pela
acetilcolina. Ora, isto pode explicar o efeito hipotensor subjacente à
administração intra-venosa de oxibarbitúricos ou à intoxicação com
estes fármacos. Para além disso, a anestesia com barbitúricos potencia
os efeitos bloqueadores da tubocurarina e decametónio nas junções
neuro-musculares do músculo esquelético.

Sistema respiratório

Os barbitúricos deprimem o drive respiratório e os mecanismos


responsáveis pelo carácter rítmico da respiração. A administração de
doses hipnóticas de barbitúricos induz uma diminuição do drive
respiratório comparável à que se regista durante o sono natural.
Todavia, a administração de doses supra-terapêuticas pode resultar
inclusive numa supressão do drive respiratório, do drive hipóxico e do
drive quimiorreceptor. Isto significa que, embora possam ser usados
como anestésicos, os barbitúricos de acção ultra-curta devem ser
cautelosamente administrados.

A administração intra-venosa (e em doses anestésicas) de barbitúricos


pode resultar na ocorrência de tosse, espirros, soluços e espasmo
laríngeo – este último fenómeno constitui uma das principais
complicações resultantes do uso dos anestésicos barbitúricos.

Sistema cardiovascular e rim

Quando administrados por via oral, e em doses sedativas ou hipnóticas,


os barbitúricos não induzem efeitos cardiovasculares significativos,
excepto um ligeiro decréscimo na pressão arterial e na frequência
cardíaca (tal como ocorre no sono normal). Por outro lado, os efeitos
cardiovasculares resultantes de uma anestesia com tiopental revelam-
se relativamente benignos quando comparados com os efeitos gerados
por alguns agentes anestésicos voláteis – note-se, por exemplo, que o
tiopental não induz alterações da pressão arterial média.

Ao inibirem parcialmente a transmissão ganglionar, os barbitúricos


atenuam os reflexos cardiovasculares, algo que se revela
particularmente evidente nos pacientes com insuficiência cardíaca
congestiva ou choque hipovolémico – de facto, nestes pacientes, em
que ocorre uma activação máxima dos reflexos cardiovasculares, os
barbitúricos induzem uma diminuição significativa da pressão arterial.
Por outro lado, os barbitúricos também perturbam os ajustes
cardiovasculares reflexos à insuflação pulmonar, de tal modo que, em
pacientes anestesiados ou intoxicados com barbitúricos, a respiração a
pressões positivas deve ser usada muito cautelosamente e apenas
quando estritamente necessária.

A administração intra-venosa de tiopental (ou de outros tiobarbitúricos)


pode ainda induzir outras alterações cardiovasculares, incluindo
diminuição do fluxo sanguíneo renal e cerebral (o que acarreta uma
diminuição significativa da pressão intra-craniana). Para além disso, a
administração intra-venosa de doses anestésicas destes fármacos
potencia o risco de arritmias ventriculares – de facto, as concentrações
anestésicas de barbitúricos apresentam efeitos electrofisiológicos
directos no coração, estando associados à depressão de canais de
sódio e potássio. Por fim, quando administrados em doses supra-
terapêuticas, os barbitúricos desempenham um efeito inotrópico
negativo, o qual pode contribuir para a depressão cardiovascular
característica da intoxicação aguda por estes fármacos.
Já em termos renais, o efeito hipotensor resultante da intoxicação por
barbitúricos pode resultar em oligúria grave ou anúria.

Tracto gastro-intestinal

Ao actuar tanto a nível central como a nível periférico, os oxibarbitúricos


tendem a diminuir o tónus do músculo gastro-intestinal, bem como a
amplitude das contracções rítmicas. Aquando da administração de
doses sedativas, os barbitúricos induzem um alívio de vários sintomas
gastro-intestinais, sendo que este efeito parece ser maioritariamente
mediado pela acção depressora central destes fármacos.

Fígado e interacções farmacológicas

Ao nível hepático, os barbitúricos interferem com as enzimas da família


do citocromo P450, propiciando a génese de várias interacções
farmacológicas. Em termos agudos, os barbitúricos combinam-se com
várias CYP, inibindo a biotransformação de vários outros fármacos e
substratos endógenos, tais como as hormonas esteróides. Por outro
lado, vários outros substratos revelam-se capazes de inibir a
biotransformação dos barbitúricos.

Por oposição, a administração crónica de barbitúricos aumenta


significativamente o conteúdo proteico e lipídico do retículo
endoplasmático liso hepático, bem como a actividade da glicuronil-
transferase e das enzimas CYP1A2, CYP2C9, CYP2C19 e CYP3A4. A
indução dessas enzimas aumenta o metabolismo de vários fármacos e
substâncias endógenas, incluindo as hormonas esteróides, colesterol,
sais biliares, vitamina K e vitamina D. Concomitantemente, esta indução
enzimática resulta num aumento da metabolização dos barbitúricos, o
que contribui para o desenvolvimento de tolerância. Note-se que o
etanol e vários fármacos sedativo-hipnóticos e anestésicos são
metabolizados/induzem as mesmas enzimas microssomias hepáticas,
podendo se registar fenómenos de tolerância cruzada.

Esta acção indutora não se limita às enzimas microssomais – a título de


exemplo, os barbitúricos promovem a actividade da desidrogénase dos
aldeídos e da sintétase do ácido amino-levulínico (ALA). Este último
efeito pode revelar-se particularmente deletério em indivíduos com
porfiria intermitente.

Farmacocinética
Quando administrados com fins sedativo-hipnóticos, os barbitúricos são
normalmente administrados oralmente, sofrendo uma absorção rápida e
quase completa (sendo que a absorção se processa mais rapidamente
quando os barbitúricos são administrados sob a forma de sais de sódio).
A administração de barbitúricos (sob a forma de sais de sódio) por via
intra-muscular deverá ocorrer ao nível dos grandes músculos, de modo
a evitar a génese de dor e necrose muscular. Por fim, a administração
de barbitúricos por via intra-venosa apenas é normalmente empregue
para indução/manutenção de anestesia geral ou para controlo da
epilepsia.

Os barbitúricos apresentam uma ampla distribuição, atravessando


facilmente a placenta. Para além disso, os barbitúricos mais
lipossolúveis (tais como os que induzem anestesia) sofrem
redistribuição após injecção intra-venosa - a captação destes fármacos
pelos tecidos menos vascularizados (tais como o tecido adiposo) induz
um decréscimo dos níveis de barbitúricos no plasma e encéfalo. Ora,
este fenómeno é responsável pelo acordar precoce dos pacientes
submetidos a anestesia com tiopental ou metohexital.

Excepto no caso do aprobarbital e fenobarbital (que constituem


barbitúricos menos solúveis), a metabolização e/ou conjugação hepática
dos barbitúricos precede a sua excreção renal. A oxidação de radicais
no carbono 5 constitui o processo de biotransformação mais importante,
resultando na formação de metabolitos que são excretados na urina.
Subsequentemente, os metabolitos oxidados podem sofrer ulterior
glicurono-conjugação e N-glicosilação (no caso do fenobarbital), entre
outros processos. Note-se que cerca de 25% do fenobarbital e quase
todo o aprobarbital são excretados na urina de modo intacto. De
qualquer modo, a excreção renal destes fármacos pode ser
significativamente potenciada pela diurese osmótica e/ou pela
alcalinização da urina.
O tempo de semi-vida plasmático dos barbitúricos encontra-se
aumentado na gravidez e em situações de doença hepática (tais como
cirrose). Por oposição, a administração repetida de barbitúricos reduz o
tempo de semi-vida destes fármacos (não obstante levar à sua
acumulação), devido à ocorrência de indução das enzimas
microssomais.

Efeitos terapêuticos
Na prática clínica, os barbitúricos foram maioritariamente substituídos
pelas benzodiazepinas. De qualquer modo, estes fármacos
(especialmente o butabarbital e o fenobarbital) são, por vezes, usados
para antagonizar os efeitos (indesejados) estimulantes centrais de
vários fármacos, tais como a efedrina, a dextroanfetamina e a teofilina.

Efeitos adversos
Efeitos residuais

Embora a sonolência possa perdurar por apenas algumas horas após


administração de uma dose hipnótica de um barbitúrico, pode-se
observar depressão central residual no dia seguinte, que se manifesta
através de perturbações subtis da disposição, capacidade de decisão e
capacidades motoras finas. Para além disso, os barbitúricos podem
induzir outros efeitos residuais, nos quais se incluem as vertigens,
náusea, vómitos, diarreia e sobre-excitação. De facto, os doentes
podem acordar algo eufóricos e enérgicos, passando a manifestar
irritabilidade e fúria à medida que o tempo passa.

Excitação paradoxal

Em alguns pacientes, em vez de exercerem um efeito depressor central,


os barbitúricos exercem um efeito excitatório, levando a que os
pacientes pareçam estar inebriados. Este achado paradoxal é
relativamente comum entre os pacientes geriátricos e debilitados,
estando mais frequentemente associado ao uso de fenobarbital e N-
metilbarbitúricos. Para além disso, em pacientes com dor, os
barbitúricos podem causar irrequietude, excitação, delírio e percepção
do agravamento da dor.

Hipersensibilidade

A ocorrência de reacções alérgicas aos barbitúricos é particularmente


frequente nos pacientes com asma, urticária ou angioedema. Essas
reacções alérgicas caracterizam-se pela ocorrência de edema
localizado (sobretudo nas pálpebras, bochechas ou lábios) e dermatite
eritematosa. Por vezes, o fenobarbital pode causar dermatite
exfoliativa (um fenómeno potencialmente fatal), a qual pode estar
associada com a génese de febre, delírio e degeneração do fígado e de
outros órgãos parenquimatosos.

Outros efeitos adversos

Os barbitúricos aumentam a síntese de porfirinas, de tal modo que


estes fármacos encontram-se contra-indicados em pacientes com
porfiria intermitente aguda ou porfiria variegata.

Quando administrados em doses hipnóticas, os barbitúricos exercem


efeitos minor na respiração. Todavia, estes fármacos podem causar
depressão respiratória grave em pacientes com insuficiência
respiratória, estando, por isso, contra-indicados nestes indivíduos.

Antes de exercerem os seus efeitos anestésicos, os barbitúricos podem


induzir colapso cardiovascular, nomeadamente quando administrados
rapidamente e por via intra-venosa. Todavia, mesmo quando
administrados lentamente (e por via intra-venosa), os barbitúricos
podem induzir apneia, laringospasmo, tosse e outras perturbações de
cariz respiratório. Os barbitúricos encontram-se contra-indicados para
pacientes com insuficiência respiratória crónica, depressão com ideação
suicida ou insuficiência hepática.

Interacções farmacológicas
Quando co-administrados com outros depressores centrais, os
barbitúricos induzem depressão grave do sistema nervoso central. De
entre as substâncias que potenciam os efeitos depressores dos
barbitúricos, destaque para o etanol, anti-histamínicos, isoniazida e
inibidores da MAO.

Embora inibam competitivamente o metabolismo de vários fármacos, os


barbitúricos actuam normalmente num sentido de acelerar o
metabolismo de outros fármacos e substâncias endógenas (pois
induzem várias enzimas hepáticas da família do citocromo P450). A
título de exemplo, os barbitúricos aceleram o metabolismo das
vitaminas D e K, o que pode prejudicar a mineralização óssea, a
absorção e a coagulação.

Para além disso, os barbitúricos potenciam o metabolismo das


hormonas esteróides e dos contraceptivos orais, o que pode gerar
perturbações endócrinas e gravidez indesejada, respectivamente. Os
barbitúricos promovem ainda a génese hepática de metabolitos tóxicos
dos clorocarbonetos (tais como clorofórmio, tricloroetileno e tetracloreto
de carbono), potenciando a ocorrência de peroxidação lipídica e, por
conseguinte, de necrose peri-portal hepática.

Intoxicação por barbitúricos


A intoxicação por barbitúricos pode se revelar fatal, ocorrendo
frequentemente associada a tentativas de suicídio. A dose letal de
barbitúricos é variável, embora estes fármacos induzam intoxicação
grave quando administrados em concentrações dez vezes superiores às
doses hipnóticas. De qualquer modo, na presença de álcool ou de
outros fármacos depressores, ocorre uma redução da dose letal de
barbitúricos.

As situações de intoxicação grave, em que o paciente entra em coma,


cursam com um atingimento precoce da respiração, sendo que os
pacientes podem passar a manifestar uma respiração lenta, ou rápida e
superficial. Para além disso, estes pacientes manifestam uma
diminuição da pressão arterial e da contractilidade cardíaca. De
qualquer modo, as complicações mais frequentemente implicadas na
morte dos pacientes com intoxicação grave por barbitúricos incluem
insuficiência renal e manifestações pulmonares (tais como a atelectasia,
edema e broncopneumonia).
Perante um quadro de intoxicação aguda por barbitúricos, aplica-se
uma terapia de suporte, não sendo normalmente necessário recorrer a
hemodiálise ou a hemoperfusão (note-se que não existe qualquer
antagonista específico dos barbitúricos). Contudo, caso estes pacientes
apresentem uma função cardíaca e uma função renal aceitável, dever-
se-á proceder à diurese forçada e alcalinização da urina, de modo a
promover a excreção dos barbitúricos. Concomitantemente, devem ser
adoptadas medidas para prevenir ou tratar a atelectasia. Por oposição,
o uso de estimulantes centrais encontra-se contra-indicado, dado que
estes fármacos aumentam a taxa de mortalidade.

Em pacientes com intoxicação aguda grave por barbitúricos, o risco de


colapso circulatório constitui um importante problema. De facto, estes
pacientes tendem a apresentar-se no hospital em choque ou hipotensão
grave, devendo-se proceder a um restauro da volémia e da pressão
arterial (com recurso à dopamina).

Outros fármacos sedativo-hipnóticos


Para além dos fármacos supracitados, vários outros têm sido utilizados
com fins sedativo-hipnóticos. Com excepção do meprobamato (cujas
propriedades são semelhantes às benzodiazepinas, não obstante o
maior potencial para abuso), as acções desses fármacos assemelham-
se às dos barbitúricos, pois:

4. Constituem depressores do sistema nervoso central com efeitos


hipnóticos mas sem efeitos analgésicos;

5. Os seus efeitos nas várias etapas do sono são similares aos dos
barbitúricos;

6. Apresentam um índice terapêutico limitado;

7. As suas manifestações de intoxicação aguda são similares às


resultantes de uma intoxicação por barbitúricos;

8. O seu uso crónico pode levar ao desenvolvimento de tolerância e


dependência;
9. Após uso crónico, pode se despoletar uma síndrome de privação
grave e potencialmente fatal.

Note-se que, na prática clínica, o uso destes fármacos tem vindo a


diminuir significativamente. De facto, alguns destes fármacos apenas se
revelam úteis em determinados contextos, nomeadamente, em
pacientes hospitalizados.

Paraldeído
O paraldeído é um polímero de acetaldeído, constituindo um poliéter
cíclico com um forte odor e um sabor desagradável. Quando
administrado por via oral, este fármaco revela-se irritante para a
garganta e estômago. Todavia, este fármaco também não deverá ser
administrado parentericamente, devido aos seus efeitos deletérios nos
tecidos.

Hidrato cloral
O hidrato cloral resulta da adição de uma molécula de água ao grupo
carbonilo do cloral, podendo ser utilizado na terapia dos pacientes com
reacções paradoxais às benzodiazepinas.

Em termos farmacocinéticos, este fármaco é rapidamente reduzido no


seu composto activo (o tricloroetanol), sendo esta reacção
catabolizada pela desidrogénase alcoólica hepática. Note-se que in
vitro, o tricloroetanol exerce efeitos do tipo barbitúrico nos canais dos
receptores GABAA.

Meprobamato

O meprobamato (um
éster de bis-carbamato) é
um ansiolítico que
também apresenta
propriedades sedativo-
hipnóticas. As
propriedades
farmacológicas do
meprobamato

assemelham-se às das

benzodiazepinas – de facto, embora possa causar depressão


significativa do sistema nervoso central, o meprobamato não
desempenha um efeito anestésico. Note-se, contudo, que a
administração de elevadas doses de meprobamato podem resultar na
ocorrência de depressão respiratória grave (potencialmente fatal),
hipotensão, choque, e insuficiência cardíaca. Para além disso, o
meprobamato parece desempenhar um efeito analgésico moderado em
pacientes com dor músculo-esquelética, potenciando os efeitos
analgésicos de outros fármacos.

Quando administrado oralmente, o meprobamato é bem absorvido. Este


fármaco é maioritariamente metabolizado no fígado, originando um
derivado hidroxilado e um derivado glicuronado. No que concerne à sua
eliminação, esta é dependente da dose, sendo que o tempo de semi-
vida do meprobamato pode ser prolongado aquando da sua
administração crónica.

Os principais efeitos adversos do meprobamato incluem sonolência e


ataxia. Quando administrado em doses supra-terapêuticas, este
fármaco pode induzir perturbações da aprendizagem e coordenação
motora, bem como prolongamento do tempo de reacção. Para além
disso, o meprobamato pode induzir a formação de bezoares gástricos,
os quais deverão ser removidos mecanicamente. Note-se que, tal como
as benzodiazepinas, o meprobamato potencia a depressão central
induzida por outros fármacos.

O abuso de meprobamato não constitui uma situação rara – de facto, os


indivíduos com historial de abuso de drogas, preferem usar
meprobamato em vez de benzodiazepinas. Note-se que o
carisoprodol, um relaxante muscular cujo metabolismo origina
meprobamato, também constitui uma importante droga de abuso. A
descontinuação do meprobamato após uso crónico resulta na génese
de uma síndrome de privação caracterizada por ansiedade, insónia,
tremores e, possivelmente, alucinações e convulsões.
Etomidato
O etomidato é um anestésico intra-venoso usado frequentemente em
combinação com o fentanil. Para além disso, este fármaco é utilizado
como um sedativo-hipnótico, nomeadamente em situações de
respiração intermitente a pressões positivas, ou num contexto de
anestesia epidural. Uma vez que é apenas administrado por via intra-
venosa, o etomidato é usado só em contexto hospitalar. Este fármaco
carece de actividade depressora pulmonar e vascular, mas exerce um
efeito inotrópico negativo.

Clometiazol
O clometiazol apresenta propriedades sedativas, relaxantes
musculares e anti-convulsionantes. Este fármaco é usado para induzir
sedação pré-anestésica e hipnose (em pacientes institucionalizados e
idosos), sendo ainda usado no controlo da abstinência alcoólica. Este
fármaco apresenta um elevado índice terapêutico, de tal modo que,
quando administrado isoladamente, este fármaco induz efeitos
desprezáveis na respiração. Todavia, a sua co-administração com o
etanol pode se revelar fatal.

Propofol
O propofol é um di-isopropilfenol altamente lipofílico e de rápida
actuação, sendo utilizado na indução e manutenção da anestesia geral,
bem como na manutenção da sedação a longo prazo. A sedação
induzida pelo propofol assemelha-se qualitativamente à produzida pelo
midazolam. De qualquer modo, o despertar da sedação ocorre
rapidamente, fruto da sua rápida clearance. Em termos clínicos, o
propofol é administrado para sedação de adultos internados nos
cuidados intensivos, bem como para sedação de indivíduos submetidos
a endoscopia gastro-intestinal ou recuperação trans-vaginal de oócitos.

O mecanismo de acção do propofol ainda não se encontra


completamente compreendido. De qualquer modo, pensa-se que os
seus efeitos sejam maioritariamente mediados pelo receptor GABAA,
embora algumas acções possam ser mediadas por outros canais
dependentes de ligando e/ou receptores acoplados à proteína G.

Anti-histamínicos usados com fins hipnóticos


A difenidramina constitui um anti-histamínico seguro e eficaz, passível
de ser usado com fins hipnóticos. A doxilamina e a pirilamina também
constituem dois anti-histamínicos com propriedades sedativas, sendo
também utilizadas com fins hipnóticos. Note-se, contudo, que a
difenidramina apresenta um período de semi-vida próximo das nove
horas, enquanto o tempo de semi-vida da doxilamina ronda as dez
horas – assim, o uso destes anti-histamínicos pode resultar na
ocorrência de sonolência diurna.
Farmacoterapia da epilepsia
As epilepsias constituem um problema de saúde relativamente comum,
cuja gravidade não advém apenas do risco de danos corporais inerente
às crises epilépticas, mas também do impacto negativo que estas crises
acarretam na educação e emprego. Embora já tenham sido descritas
mais de cinquenta formas distintas de epilepsia, a terapia desta
patologia é sempre sintomática, na medida em que os fármacos
disponíveis apenas inibem a ocorrência de convulsões, não exercendo
acção curativa ou profilática. Assim, os fármacos anti-convulsivos
deverão ser utilizados durante um longo período de tempo, o que pode
prejudicar a compliance dos pacientes.

Classificação das convulsões epilépticas


Uma convulsão é passível de ser definida como uma alteração
transitória do comportamento secundária à activação desordenada,
síncrona e rítmica de um conjunto de neurónios encefálicos. Por seu
turno, a epilepsia define-se como sendo uma perturbação da função
encefálica caracterizada pela ocorrência periódica e imprevisível de
convulsões. Assim, as convulsões podem ser classificadas como “não-
epilépticas” quando induzidas num contexto experimental (por electro-
choque ou por convulsivos químicos), ou como “epilépticas”, caso
ocorram sem provocação evidente.

Os fármacos actualmente usados na terapia da epilepsia inibem a


ocorrência de convulsões, sendo por isso designados por anti-
convulsivos. Contudo, desconhece-se até que ponto esses fármacos
inibem a epileptogénese.

Pensa-se que as convulsões tenham origem no córtex cerebral, sendo


que, com base no modo como são gerados, estes fenómenos podem
ser classificados em:

4. Convulsões parciais: Têm origem focal num local do córtex


específico. Podem ser ulteriormente classificadas em:

o Convulsões parciais simples: Cursam com manutenção


da consciência.
o Convulsões parciais complexas: Cursam com perda de
consciência. A maior parte tem origem no lobo temporal.

5. Convulsões generalizadas: Envolvem ambos os hemisférios


cerebrais e incluem as convulsões de ausência, mioclónicas e
tónico-clónicas.

Note-se que o tipo de convulsões manifestadas constitui um


determinante essencial para a selecção dos fármacos anti-epilépticos a
serem empregues. Contudo, para além do tipo de convulsões, as
síndromes epilépticas são classificadas com base em outros factores,
tais como a etiologia e a idade de onset dos sintomas. Deste modo, já
foram descritas mais de cinquenta síndromes epilépticas, as quais
podem ser classificadas em dois grandes grupos:

3. Epilepsias parciais: Constituem cerca de 60% de todas as


epilepsias. A sua etiologia normalmente tem por base a presença
de uma lesão no córtex cerebral, tal como um tumor, uma
perturbação do desenvolvimento, e uma lesão secundária a
traumatismo ou AVC. Contudo, em alguns casos, estas epilepsias
apresentam etiologia genética.

4. Epilepsias generalizadas: Constituem cerca de 40% de todas as


epilepsias, apresentando normalmente etiologia genética. A
epilepsia mioclónica juvenil constitui a epilepsia generalizada
mais comum, caracterizando-se pela ocorrência de convulsões
mioclónicas, tónico-clónicas e de ausência.

As manifestações comportamentais das convulsões reflectem as


funções normalmente exercidas pelo local cortical onde a convulsão se
origina. A título de exemplo, as convulsões que envolvem o córtex motor
manifestam-se através da ocorrência de espasmos clónicos na parte do
corpo controlada por essa região do córtex.

Modelos experimentais de estudo da epilepsia


De acordo com estudos experimentais, as convulsões têm por base
desequilíbrios entre a acção dos neurotransmissores excitatórios e
inibitórios – de facto, os antagonistas do receptor GABAA e os agonistas
dos receptores glutamatérgicos revelam-se capazes de despoletar
convulsões em modelos experimentais. Paralelamente, os agentes que
potenciam as vias GABAérgicas e os antagonistas dos receptores
glutamatérgicos inibem a génese de convulsões despoletadas por
electro-choque ou por fármacos pró-convulsivos químicos.

Assim, a génese de convulsões requer apenas a ocorrência de


reduções subtis da função sináptica inibitória, ou uma ligeira activação
de sinapses excitatórias. Deste modo, a regulação farmacológica da
função sináptica permite regular a propensão para ocorrência de
convulsões.

A génese de convulsões tem ainda por base importantes factores não-


sinápticos, nos quais se incluem o volume do espaço extracelular, ou
mesmo algumas características intrínsecas dos neurónios, tais como as
propriedades dos seus canais iónicos dependentes de voltagem.

O estudo dos mecanismos de acção dos fármacos anti-convulsivos


baseia-se em modelos experimentais animais. Proceder-se-á a uma
breve descrição de cada modelo, pois, no entender do autor, esta facilita
o subsequente estudo das propriedades de cada anti-convulsivo.

O modelo kindling consiste na administração periódica de estímulos


breves e de baixa-intensidade na amígdala ou outras estruturas
límbicas. Esta estimulação repetida resulta na ocorrência de convulsões
progressivamente mais intensas, culminando na génese de convulsões
tónico-clónicas. Este modelo revela-se vantajoso, na medida em que
permite quantificar facilmente a epileptogénese, através do cálculo do
número de estímulos necessários para despoletar a ocorrência de
convulsões tónico-clónicas.

Por seu turno, os modelos de status epilepticus recorrem à


estimulação eléctrica ou farmacológica sustentada (com base num
fármaco convulsivo, tal como o ácido caínico) para induzir a ocorrência
de convulsões contínuas durante algumas horas (status epilepticus).
Contrariamente ao que se verifica no modelo kindling, os modelos de
status epilepticus induzem destruição dos neurónios hipocampais.
Curiosamente, um fenómeno análogo verifica-se nos pacientes com
convulsões límbicas graves, pois estes manifestam esclerose
hipocampal.

Actualmente, são ainda usados dois testes adicionais para avaliar a


eficácia dos anti-convulsivos desenvolvidos:

4. Teste das convulsões induzidas por electro-choque: Os


fármacos eficazes contra a extensão tónica dos membros
posteriores induzida pelo electro-choque revelam-se normalmente
eficazes contra as convulsões parciais e tónico-clónicas.

5. Teste das convulsões induzidas pelo pentilenetetrazol: O


pentilenetetrazol é um fármaco pró-convulsivo, sendo que os
fármacos capazes de evitar as convulsões induzidas por este
fármaco revelam-se normalmente eficazes contra as convulsões
mioclónicas.

Tipos de convulsões e mecanismos de acção dos


fármacos anti-convulsivos

Convulsões parciais

De acordo com estudos


experimentais, aquando de uma
convulsão parcial, os neurónios
são alvo de despolarizações
sucessivas, gerando potenciais
de acção de elevada frequência.
Este padrão de activação
neuronal é característico das
convulsões parciais, sendo
pouco frequente em condições
fisiológicas. Deste modo, os
fármacos que, em
concentrações terapêuticas,
inibem a activação neuronal de
elevada frequência revelam-se
úteis na terapia das convulsões
parciais. De entre estes
fármacos, destaque para a
carbamazepina, lamotrigina,
fenitoína, topiramato,
zonisamida e valproato.

O mecanismo molecular
subjacente à actividade destes
fármacos parece envolver o
prolongamento do período de
recuperação dos canais de
sódio inactivos. Ou seja, os
fármacos supracitados
diminuem a velocidade de
conversão dos canais de sódio
inactivos (refractários) em
canais fechados (e passíveis de
sofrerem reactivação),
impedindo assim a activação
neuronal de elevada frequência.
Para além disso, o bloqueio
pré-sináptico e pós-sináptico
dos canais de sódio
dependentes de voltagem
estabiliza as membranas
neuronias, bloqueia e previne a
potenciação pós-tetânica, limita
o desenvolvimento máximo de
convulsões epilépticas e diminui
a progressão das convulsões.

Por outro lado, de acordo com


estudos experimentais, a
potenciação da inibição
sináptica mediada pelo GABA
reduz a excitabilidade neuronal,
aumentando o limiar para a
ocorrência de convulsões.
Vários fármacos anti-
convulsivos actuam num
sentido de regular a inibição
sináptica mediada pelo GABA –
de entre esses fármacos,
destaque para as
benzodiazepinas, barbitúricos e
tiagabina.

As benzodiazepinas e os
barbitúricos actuam em locais
distintos dos receptores
GABAA, potenciando a inibição
neuronal mediada

pelo GABA – esta acção parece estar na base da eficácia destes


fármacos em situações de convulsões parciais e tónico-clónicas. Para
além disso, quando administrados em doses mais elevadas, estes
fármacos também se revelam capazes de inibir a activação neuronal de
elevada frequência, podendo ser usados na terapia do status
epilepticus.

Por seu tuno, a tiagabina actua num sentido de inibir o transportador


GABAérgico GAT-1, reduzindo a captação glial de GABA. Ora, isto
resulta num aumento dos níveis encefálicos de GABA, o que produz um
efeito anti-convulsivo.

Convulsões generalizadas
Convulsões de ausência

Contrariamente às convulsões
parciais, que têm origem em
regiões localizadas do córtex
cerebral, as convulsões
generalizadas têm origem na
activação recíproca do tálamo e
córtex cerebral.

As convulsões de ausência
constituem o tipo de convulsões
generalizadas melhor estudado.
Nestas convulsões ocorre um
importante envolvimento
talâmico, de tal modo que a
estimulação de estruturas
talâmicas medianas a baixas
frequências despoleta ritmos
corticais similares aos
observados nas convulsões de
ausência.

De facto, as convulsões de
ausência estão associadas à
visualização de descargas
spike-and-wave de 3Hz no
electroencefalograma (EEG).
Estas descargas, que resultam
de oscilações entre a actividade
talâmica e neocortical,
dependem parcialmente da
existência de correntes de
cálcio do tipo T nos neurónios
talâmicos. Ora, essas correntes
amplificam as oscilações do
potencial de membrana
talâmico, sendo que uma
dessas oscilações é a descarga
spike-and-wave de 3Hz, que
está envolvida na génese de
convulsões de ausência.

Assim, ao inibirem os canais de cálcio do tipo T (responsáveis por


gerar as correntes homónimas), a etosuximida e o valproato inibem a
ocorrência de convulsões de ausência. De referir que os canais de
cálcio do tipo T são activados por um potencial de membrana muito
mais negativo que o normal, de tal modo que também são designados
por “canais de cálcio de baixo limiar”.

Componente genética das epilepsias


A maioria das epilepsias tem uma componente genética, sendo que
vários determinantes genéticos podem contribuir para aumentar o risco
de epilepsia após lesão do córtex cerebral. Assim, na sua maioria, as
epilepsias resultam da interacção genético-ambiental.

Para além disso, algumas formas raras de epilepsia têm etiologia


puramente genética – de facto, as formas mais comuns de epilepsia
mioclónica juvenil e epilepsia de ausência infantil têm uma base
maioritariamente genética. A título de exemplo, a epilepsia
generalizada com convulsões febris resulta de uma mutação pontual
na subunidade β dos canais de sódio dependentes de voltagem
(SCN1B). Por outro lado, mutações espontâneas no gene SCN1A (que
codifica para a subunidade α dos canais de sódio dependentes de
voltagem) estão associadas a epilepsia mioclónica grave juvenil.

Fármacos anti-convulsivos

Considerações gerais
c. fármaco anti-
convulsivo ideal
deveria suprimir
todas as
convulsões sem
causar quaisquer
efeitos adversos.
Infelizmente, os
fármacos utilizados
actualmente não
só são ineficazes
em alguns
pacientes, como
também podem
induzir vários
efeitos adversos,
alguns dos quais
potencialmente
fatais.

Para minimizar o risco de

efeitos adversos, é
preferível recorrer
ao uso de um
único fármaco anti-
convulsivo. Caso o
fármaco

administrado se revele ineficaz, a sua substituição por outro fármaco é


preferível à adição (co-administração) de outro fármaco. Contudo,
existem situações nas quais é necessário recorrer à multi-terapia,
nomeadamente quando um paciente apresenta dois ou mais tipos de
convulsões.

A avaliação das concentrações plasmáticas dos fármacos administrados


pode se revelar útil para optimizar a medicação anti-convulsiva.
Contudo, os efeitos clínicos de alguns fármacos não se correlacionam
bem com as suas concentrações plasmáticas, de tal modo que o regime
terapêutico deverá ser maioritariamente determinado pela avaliação
clínica dos efeitos e toxicidade dos fármacos administrados.

Algumas formas relativamente comuns de epilepsia parcial surgem num


período de meses ou anos após lesão cortical sustentada. Assim, em
pacientes com elevado risco, a adopção de medidas profiláticas
eficazes poder-se-á revelar vantajosa, até porque ainda não foi
desenvolvido nenhum agente anti-epileptogénico.

Fenitoína
A fenitoína (difenilhidantoína) é uma hidantoína eficaz contra todos os
tipos de convulsões parciais e tónico-clónicas, mas não contra as
convulsões de ausência.

Estrutura química

A fenitoína apresenta um grupo 5-fenil que lhe confere


actividade contra as convulsões tónico-clínicas
generalizadas. Por outro lado, este fármaco encontra-se
desprovido de grupos alquil na posição 5, o que se
revela vantajoso, pois esses grupos conferem
propriedades sedativas. Note-se que não parecem
existir diferenças entre os vários isómeros de fenitoína.

Efeitos farmacológicos

A fenitoína exerce uma acção anti-convulsiva sem causar concomitante


depressão geral do sistema nervoso central. De facto, quando
administrado em doses tóxicas, este fármaco pode até induzir uma
resposta excitatória. Ulteriormente, quando administrada em doses
letais, a fenitoína pode causar rigidez de descerebração.

O principal efeito da fenitoína prende-se com a sua capacidade em


modificar o padrão de convulsões induzidas por electro-choque máximo.
De facto, fármaco consegue abolir completamente a característica fase
tónica, embora as residuais convulsões clónicas possam ser
exageradas ou prolongadas - este efeito modificador é observado com
vários outros fármacos eficazes contra as convulsões tónico-clónicas
generalizadas. Por outro lado, a fenitoína não inibe as convulsões
clónicas evocadas pelo pentilenetetrazol.

Mecanismo de acção

A fenitoína prolonga a taxa de recuperação dos canais de sódio


(dependentes de voltagem) inactivos, limitando assim a activação
repetitiva dos potenciais de acção evocados por uma despolarização
sustentada (ou seja, a activação neuronal de elevada frequência).
Em concentrações terapêuticas, a fenitoína exerce os seus efeitos nos
canais de sódio de modo selectivo, não induzindo alterações na
actividade neuronal espontânea nem nas respostas GABAérgicas ou
glutamatérgicas. Todavia, quando administrada em doses supra-
terapêuticas, a fenitoína reduz a actividade neuronal espontânea e
promove as respostas GABAérgicas – estes efeitos suplementares
podem explicar parte da toxicidade resultante da administração de
doses elevadas deste fármaco.

Farmacocinética

A fenitoína pode ser administrada por via oral sob a forma de fórmulas
de libertação rápida ou de libertação prolongada, apresentando uma
biodisponibilidade próxima de 95%. As características farmacocinéticas
da fenitoína são fortemente influenciadas pela sua capacidade de
ligação às proteínas plasmáticas, pela não-linearidade da sua
eliminação e pelo seu metabolismo hepático.

Cerca de 90% da fenitoína circula ligada às proteínas plasmáticas


(sobretudo à albumina), de tal modo que pequenas alterações da
fracção ligada às proteínas resultam em alterações significativas da
quantidade de fenitoína livre. Assim, em recém-nascidos e pacientes
com hipoalbuminémia e urémia, verifica-se um aumento da fracção livre
de fenitoína. Por outro lado, alguns fármacos revelam-se capazes de
competir com a fenitoína pela ligação às proteínas plasmáticas,
aumentando assim a fracção livre deste último fármaco. De qualquer
modo, o aumento dos níveis de fenitoína livre normalmente não acarreta
complicações clínicas, a menos que também ocorra uma perturbação
do metabolismo deste fármaco.

No que concerne à sua distribuição, a fenitoína revela-se capaz de


penetrar no fluido cefalo-raquidiano, onde atinge metade das
concentrações plasmáticas. A fenitoína é um dos poucos fármacos cuja
taxa de eliminação varia em função da sua concentração, de tal modo
que a sua eliminação ocorre de modo não linear. O tempo de semi-vida
plasmático deste fármaco aumenta em função da sua concentração
plasmática, de tal modo que aumentos da dose administrada de
fenitoína acarretam um aumento desproporcional da sua concentração
plasmática.
A maioria da
fenitoína é
metabolizada no
retículo
endoplasmático
hepático pela
CYP2C9/10 e, em
menor extensão,
pela CYP2C19 -
note-se que o
principal
metabolito da
fenitoína (um
derivado
parahidroxi-fenil)
carece de
qualquer
actividade. O
metabolismo da
fenitoína é
saturável, o que
potencia a génese
de interacções
farmacológicas,
nomeadamente

envolvendo outros
fármacos que
sejam
biotransformados
pelas mesmas
enzimas. A título

de exemplo, a co-administração de fenitoína e varfarina resulta numa


diminuição da biotransformação deste último fármaco e, por
conseguinte, num maior risco de hemorragias.

Para além disso, a fenitoína revela-se capaz de induzir várias CYPs, o


que também propicia a ocorrência de múltiplas interacções
farmacológicas. A título de exemplo, a co-administração de fenitoína e
contraceptivos orais resulta num aumento da biotransformação destes
últimos fármacos (que são metabolizados pelo CYP3A4), o que poderá
levar à ocorrência de uma gravidez indesejada. A importância desta
questão é amplificada pelo facto de a fenitoína exercer efeitos
teratogénicos. Note-se, contudo, que vários outros fármacos anti-
convulsivos (tais como a carbamazepina, oxcarbazepina, fenobarbital e
primidona) também podem induzir o CYP3A4 e, por conseguinte,
aumentar a degradação dos contraceptivos orais.

A fenitoína apresenta baixa solubilidade em meio aquoso, de tal modo


que não pode ser administrada por via intra-venosa. Ora, isto levou ao
desenvolvimento de fosfenitoína, um pro-fármaco hidrossolúvel que é
convertido em fenitoína por fosfátases hepáticas e eritrocitárias. Este
fármaco apresenta um curto período de semi-vida e uma elevada
capacidade de ligação às proteínas plasmáticas (sobretudo à albumina),
encontrando-se indicado para uso intra-venoso ou intra-muscular, em
pacientes adultos com convulsões parciais ou generalizadas.

Toxicidade

Os efeitos tóxicos da fenitoína dependem da sua via de administração,


duração da exposição e dose administrada.

A administração intra-venosa de doses excessivas de fosfenitoína (para


a terapia do status epilepticus) aumenta o risco de arritmias cardíacas
(com ou sem hipotensão) e/ou depressão central. Embora os pacientes
mais velhos ou com doença cardíaca de base sejam mais susceptíveis
aos efeitos cardiotóxicos da fosfenitoína, estes também podem ser
despoletados em indivíduos mais jovens e saudáveis.

Por outro lado, a sobredosagem oral aguda de fenitoína cursa


primariamente com perturbações do cerebelo e da função vestibular,
podendo, inclusive, resultar em atrofia cerebelosa permanente. Os
efeitos adversos resultantes da terapia crónica com fenitoína não só
incluem perturbações cerebelosas, como também alterações
comportamentais, aumento da frequência de convulsões, sintomas
gastro-intestinais, hiperplasia gengival, osteomalacia e anemia
megaloblástica. Contudo, esses efeitos são normalmente reversíveis
com o ajuste da dose administrada. Por oposição, alguns efeitos na
pele, medula óssea e fígado (que normalmente são fruto de uma
reacção alérgica), embora raros, obrigam a uma descontinuação deste
fármaco.

Numa fracção significativa de pacientes, o uso crónico de fenitoína


resulta no desenvolvimento de hiperplasia gengival. Este fenómeno, que
é particularmente comum em crianças e adolescentes, parece estar
relacionado com alterações do metabolismo do colagénio, não
obrigando a uma descontinuação do uso de fenitoína. Também o
hirsutismo e a elevação das transaminases hepáticas constituem
fenómenos que não obrigam a uma descontinuação deste fármaco.

A fenitoína pode exercer vários efeitos de cariz endócrino. De facto,


este fármaco pode inibir a libertação de vasopressina e de insulina,
induzindo hiperglicemia e glicosúria. Para além disso, a fenitoína pode
alterar o metabolismo da vitamina D, diminuindo a absorção de cálcio e,
por conseguinte, potenciando a ocorrência de osteomalacia e
hipocalcémia. Paralelamente, a fenitoína aumenta o metabolismo da
vitamina K, o que acarreta perturbações do foro ósseo. Ora, isto pode
explicar porque é que a vitamina D não corrige sempre a osteomalacia
induzida pela fenitoína.

As reacções de hipersensibilidade à fenitoína incluem rash morbiliforme,


síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidermal tóxica. Foram
ainda descritos casos de lúpus eritematoso sistémico e necrose
hepática potencialmente fatal. Para além disso, o uso de fenitoína pode
exercer efeitos adversos de cariz hematológico, tais como neutropenia,
leucopenia e, mais raramente, aplasia eritrocitária, agranulocitose e
trombocitopenia ligeira. O uso deste fármaco pode estar ainda
associado a uma diminuição da produção de IgA e, por conseguinte, a
um aumento do risco de linfadenopatia.

De referir que, o uso de fenitoína na gravidez pode levar ao


desenvolvimento de hipoprotrombinemia e hemorragia do recém-
nascido – a vitamina K pode tratar/prevenir a ocorrência destes efeitos
adversos. Note-se, ainda, que o uso de fenitoína potencia a génese de
défices do ácido fólico.

Interacções farmacológicas
A co-administração de fenitoína com qualquer outro fármaco
metabolizado pelo CYP2C9 ou CYP2C10 pode resultar no aumento das
concentrações plasmáticas de fenitoína, por diminuição do
metabolismo. Por seu turno, a carbamazepina induz um decréscimo dos
níveis plasmáticos de fenitoína (por potenciação do seu metabolismo),
enquanto a fenitoína reduz os níveis plasmáticos de carbamazepina. As
interacções entre a fenitoína e o fenobarbital são variáveis.

Usos terapêuticos

A fenitoína é amplamente utilizada na terapia das convulsões parciais e


tónico-clónicas (embora seja ineficaz contra as convulsões de
ausência). Para além disso, este fármaco pode ser usado na terapia da
síndrome de Lennox-Gastaut, do status epilepticus e de várias
síndromes epilépticas infantis. A fenitoína pode ainda ser eficaz na
terapia da neuralgia trigeminal, embora o uso de carbamazepina seja
preferencial. Para além disso, a fenitoína pode ser usada na terapia das
arritmias cardíacas.

Fenobarbital
O fenobarbital é um barbitúrico com propriedades anti-convulsivas.
Para além de eficaz, este fármaco apresenta um baixo custo, o que
explica o seu uso generalizado.

Estrutura química

De acordo com a sua estrutura química, o fenobarbital também pode ser


designado por ácido 5-fenil-5-etilbarbitúrico – note-se que a presença de
um grupo fenil na posição do carbono 5 confere actividade anti-
convulsiva máxima a este fármaco. Por seu turno, o derivado 5,5-
difenil apresenta menor potência anti-convulsiva que o fenobarbital,
embora seja praticamente desprovido de actividade hipnótica. Por
oposição, o ácido 5,5-dibenzil barbitúrico apresenta actividade pró-
convulsiva.

Propriedades anti-convulsivas
A maioria dos barbitúricos apresenta propriedades anti-convulsivas,
embora apenas alguns desses agentes (tais como o fenobarbital)
exerçam uma acção anti-convulsiva máxima a doses inferiores às
necessárias para que seja exercido um efeito hipnótico – de facto, esta
condição revela-se essencial para determinar a utilidade clínica de um
barbitúrico como agente anti-convulsivo.

Em termos experimentais, o fenobarbital revela-se relativamente pouco


selectivo, pois inibe:

é A extensão tónica dos membros posteriores induzida por electro-


choque máximo;

é As convulsões clónicas evocadas pelo pentilenetetrazol;

é As convulsões induzidas pelo modelo kindling.

Mecanismo de acção

O fenobarbital actua em locais específicos dos receptores GABAA,


aumentando a duração dos bursts das correntes mediadas por estes
receptores (sem que ocorra uma alteração concomitante da frequência
destes bursts). Assim, a potenciação da inibição sináptica mediada pelo
GABA constitui o mecanismo subjacente aos efeitos anti-convulsivos do
fenobarbital. Quando administrado em doses supra-terapêuticas, o
fenobarbital também limita a activação neuronal repetida e sustentada,
exercendo um efeito eficaz na terapia do status epilepticus.

Farmacocinética

Quando administrado por via oral, o fenobarbital é completamente (mas


lentamente) absorvido. Cerca de 40-60% deste fármaco circula ligado
às proteínas plasmáticas. Este fármaco é maioritariamente
metabolizado pelas enzimas microssomais hepáticas (com especial
destaque para o CYP2C9), embora uma fracção significativa seja
eliminada na urina por via intacta.

Toxicidade

A sedação constitui o efeito adverso mais frequentemente associado ao


uso de fenobarbital, revelando-se particularmente comum no início da
terapia com este fármaco. Apesar disso, o uso crónico de fenobarbital
resulta na génese de tolerância aos seus efeitos sedativos. Para além
disso, o fenobarbital pode induzir irritabilidade e hiperactividade (nas
crianças) e agitação e confusão (nos mais idosos).

Alguns pacientes podem ainda desenvolver alergia a este fármaco, a


qual se pode manifestar pela presença de rash escarlatiniforme ou
morbiliforme. O desenvolvimento de dermatite exfoliativa constitui um
fenómeno raro.

O uso de fenobarbital na gravidez pode induzir hipoprotrombinemia com


hemorragia nos recém-nascidos – a vitamina K revela-se eficaz na
terapia ou profilaxia desta condição. Tal como acontece com a fenitoína,
o uso crónico de fenobarbital pode levar ao desenvolvimento de anemia
megaloblástica sensível aos folatos e osteomalacia sensível à vitamina
D.

Interacções farmacológicas

O fenobarbital constitui um indutor das enzimas UGT (glicuronil-


transférases do UDP), CYP2C e CYP3A, de tal modo que os fármacos
metabolizados por essas enzimas são mais rapidamente degradados
quando co-administrados com o fenobarbital – esta interacção é
particularmente importante no caso dos contraceptivos orais, que são
metabolizados pelo CYP3A4.

O fenobarbital e a fenitoína interagem de modo variável. Já a co-


administração de valproato e fenobarbital pode resultar num aumento
das concentrações deste último fármaco.

Usos terapêuticos

4. fenobarbital revela-se eficaz na terapia das convulsões parciais e


tónico-clónicas, mas não na terapia das convulsões de ausência. De
entre as vantagens resultantes do seu uso, destaque para a sua
eficácia, baixa toxicidade e baixo custo. Por oposição, a sedação e o
aumento do risco de alterações comportamentais constituem as
principais desvantagens subjacentes à sua administração.
Primidona
Embora seja oxidada em fenobarbital e PEMA (fenil-etil-manolamida), a
primidona actua de modo similar à fenitoína, revelando-se eficaz na
terapia das convulsões parciais e convulsões tónico-clónicas (embora
seja mais eficaz que o fenobarbital, a primidona revela-se menos eficaz
que a carbamazepina e fenitoína). De facto, em termos clínicos, a
primidona constitui um fármaco de primeira escolha na terapia das
convulsões tónico-clónicas e parciais com generalização secundária.

Em termos farmacocinéticos, este fármaco é completamente absorvido,


apresentando uma baixa capacidade de ligação às proteínas
plasmáticas. Ao nível hepático, a primidona é metabolizada, sofrendo
oxidação (em fenobarbital), hidrólise (em PEMA) e conjugação. Os seus
principais efeitos adversos assemelham-se aos do fenobarbital, embora
a primidona possa induzir sonolência numa fase mais precoce da
terapia.

Carbamazepina
Estrutura química

A carbamazepina apresenta uma estrutura química semelhante à dos


anti-depressores tricíclicos, constituindo um derivado do iminostilbeno
com um grupo carbamilo na posição 5.

Efeitos farmacológicos

Não obstante as semelhanças entre os efeitos


farmacológicos da carbamazepina e da fenitoína,
existem algumas diferenças importantes, tais como
o facto de a carbamazepina exercer efeitos
terapêuticos em pacientes maníaco-depressivos
(incluindo refractários à acção do carbonato de
lítio). Para além disso, a carbamazepina apresenta
efeitos anti-diuréticos, os quais podem resultar de
um aumento dos níveis plasmáticos de
vasopressina.
Mecanismo de acção

Tal como a fenitoína, a carbamazepina limita a activação neuronal de


elevada frequência, ao induzir a lentificação da taxa de recuperação dos
canais de sódio inactivos. Em concentrações terapêuticas, a
carbamazepina exerce esses efeitos de modo selectivo, não interferindo
com a actividade neuronal espontânea nem com as respostas ao GABA
ou ao glutamato.

O principal metabolito da carbamazepina (10,11-epoxicarbamazepina)


também limita a activação neuronal repetida e sustentada, de tal modo
que este composto parece contribuir para a eficácia anti-convulsiva da
carbamazepina.

Propriedades farmacocinéticas

Quando administrada por via oral, a carbamazepina é absorvida de


forma lenta e irregular. Este fármaco distribui-se rapidamente para todos
os tecidos, sendo que as suas concentrações plasmáticas assemelham-
se às suas concentrações no líquido cefalo-raquidiano. Cerca de 75%
da carbamazepina circula ligada às proteínas plasmáticas.

A principal via de metabolização deste fármaco envolve a sua


conversão no metabolito 10,11-epóxido, o qual constitui um composto
activo. Este metabolito é ulteriormente metabolizado em compostos
inactivos, os quais são excretados por via renal, sobretudo sob a forma
de glicuronados. Para além disso, a carbamazepina pode ser inactivada
por conjugação e hidroxilação.

A CYP3A4 constitui a principal enzima responsável pela


biotransformação da carbamazepina. Todavia, este fármaco induz
simultaneamente o CYP2C, o CYP3A e as UGT, potenciando assim o
metabolismo dos fármacos degradados por estas enzimas, com
especial destaque para os contraceptivos orais. Para além disso, ao
induzir a CYP3A4, a carbamazepina induz o seu próprio metabolismo.

Toxicidade
A intoxicação aguda por carbamazepina pode resultar em estupor,
coma, hiperirritabilidade, convulsões e depressão respiratória. Já num
contexto de terapia crónica, os efeitos adversos mais frequentes
incluem sonolência, vertigens, ataxia, diplopia e visão desfocada. Para
além disso, a sobredosagem deste fármaco pode exercer um paradoxal
efeito convulsivo. Assim, de modo a minimizar o risco de
neurotoxicidade, o início da terapia com carbamazepina deverá cursar
com um aumento gradual das doses administradas deste fármaco.

A carbamazepina pode exercer um importante efeito hematotóxico, o


qual se manifesta através do desenvolvimento de anemia aplástica e
agranulocitose. De entre os efeitos adversos do foro hematológico,
destaque ainda para a leucopenia, que constitui normalmente um
fenómeno transitório observável apenas durante o início da terapia.
Para além disso, a carbamazepina pode induzir retenção de água e
consequente diminuição da osmolalidade plasmática – note-se que os
pacientes idosos e com doença cardíaca constituem os indivíduos mais
vulneráveis a este fenómeno.

O uso de carbamazepina pode ainda induzir náusea, vómitos e


reacções graves de hipersensibilidade (incluindo num contexto de
síndrome de Stevens-Johnson), as quais podem cursar com eosinofilia,
linfadenopatia e esplenomegalia. Para além disso, já foram descritos
alguns casos de anomalias hepáticas ou pancreáticas, tais como
elevação transitória das transaminases hepáticas. Por fim, pensa-se
que a carbamazepina poderá exercer efeitos carcinogénicos ou
teratogénicos.

Interacções farmacológicas

O fenobarbital, a fenitoína e o valproato podem induzir o CYP3A4 e, por


conseguinte, aumentar a biotransformação da carbamazepina. Por
oposição, o metabolismo da carbamazepina pode ser inibido pelo
propoxifeno, eritromicina, cimetidina, fluoxetina e isoniazida.

Por seu turno, a carbamazepina pode aumentar a metabolização da


fenitoína. Para além disso, a co-administração de carbamazepina pode
resultar numa diminuição dos níveis de valproato, lamotrigina, tiagabina
e topiramato. A carbamazepina reduz ainda as concentrações
plasmáticas e efeitos terapêuticos do haloperidol.
Usos terapêuticos

A carbamazepina é administrada a pacientes com convulsões tónico-


clónicas e convulsões parciais (simples ou complexas). Contudo,
aquando do seu uso, deve-se proceder a uma monitorização dos
parâmetros de função renal, hepática e hematológica.

Este fármaco constitui ainda o agente de primeira escolha para o


tratamento das neuralgias trigeminal e glossofaríngea, revelando-se
ainda eficaz na terapia da dor associada à caquexia - contudo, numa
fracção significativa de pacientes, este fármaco é descontinuado devido
aos seus efeitos adversos. Por fim, a carbamazepina também é usada
na terapia de doenças afectivas bipolares.

Oxcarbazepina
A oxcarbazepina é um análogo ceto- da carbamazepina, actuando de
modo similar a este último fármaco. Em termos clínicos, a
oxcarbazepina pode ser usada na terapia das convulsões parciais e
secundariamente generalizadas, tanto em monoterapia, como em
terapia adjuvante. De entre os principais efeitos adversos deste
fármaco, destaque para a sonolência, cefaleias, vertigens, diplopia,
rash, hiponatrémia e alterações gastro-intestinais.

Em termos farmacocinéticos, a oxcarbazepina é um pró-fármaco, sendo


quase imediatamente convertida no seu principal metabolito activo (um
derivado 10-monohidroxi). Por sua vez, este metabolito é
ulteriormente inactivado por conjugação com o ácido glicurónico, sendo
eliminado por via renal. Note-se que a oxcarbazepina apresenta uma
biodisponibilidade oral quase completa, circulando parcialmente ligada
às proteínas plasmáticas.

A oxcarbazepina constitui um indutor enzimático menos potente que a


carbamazepina, não induzindo as enzimas hepáticas envolvidas na sua
própria degradação. Embora não pareça atenuar o efeito anti-
coagulante da varfarina, a oxcarbazepina induz o CYP3A e o CYP2C19,
reduzindo os níveis plasmáticos dos contraceptivos orais esteróides.

Acetato de eslicarbazepina
O acetato de eslicarbazepina constitui o pró-fármaco de
eslicarbazepina, tendo sido descoberto por investigadores Portuenses.
A eslicarbazepina constitui o derivado 10-monohidroxi da
oxcarbazepina (estas duas moléculas são inter-convertíveis) e, tal como
este último fármaco, é utilizada na terapia das convulsões parciais, com
ou sem generalização secundária. Por comparação com a
oxacarbazepina, este fármaco apresenta propriedades similares,
embora pareça revelar maior segurança, induzindo menor quantidade
de efeitos adversos (menor frequência de rash e hiponatrémia) e
participando em menos interacções farmacológicas. Note-se, contudo,
que este fármaco induz o metabolismo dos contraceptivos orais.

Por comparação com a oxcarbazepina, o acetato de eslicarbazepina


também parece apresentar mais vantagens farmacocinéticas,
demonstrando uma biodisponibilidade quase completa. Para além disso,
a eslicarbazepina apresenta uma fraca capacidade de ligação às
proteínas plasmáticas, sendo maioritariamente excretada por via renal.

Etosuximida
Estrutura química

De entre todas as succinimidas, a etosuximida (que contém vários


grupos alquil) é a mais eficaz e selectiva na terapia das convulsões de
ausência. Por seu turno, a metsuximida (uma succinimida contendo
grupos fenil) já quase não é utilizada, não obstante as suas
propriedades anti-convulsivas.

Efeitos farmacológicos e uso terapêutico

Em termos experimentais, doses não-tóxicas de etosuximida revelam-se


eficazes contra as convulsões motoras clónicas induzidas pelo
pentilenetetrazol, mas ineficazes contra as convulsões induzidas por
outros modelos. Ora, estes dados experimentais vão de encontro aos
dados clínicos, de tal modo que a etosuximida é usada na terapia das
convulsões de ausência, mas não das convulsões tónico-clónicas.

Mecanismo de acção
A etosuximida actua nos neurónios talâmicos, reduzindo as correntes de
cálcio do tipo T (correntes de baixo limiar). Como referido anteriormente,
estas correntes desempenham um importante papel na génese dos
ritmos spike-and-wave de 3 Hz, os quais são característicos das
convulsões de ausência. Assim, a inibição das correntes de cálcio do
tipo T constitui o mecanismo através do qual a etosuximida inibe a
ocorrência de convulsões de ausência.

Embora reduza as correntes do tipo T, a etosuximida não modifica a


dependência de voltagem da inactivação no estado estacionário, nem o
tempo de recuperação da inactivação. Para além disso, quando
administrada em doses terapêuticas, a etosuximida não inibe a
actividade neuronal sustentada nem potencia as respostas
GABAérgicas. Como expectável, os derivados da succinimida com
propriedades pró-convulsivas não inibem as correntes T.

Farmacocinética

A etosuximida sofre absorção completa, podendo ser administrada por


via oral. A fracção deste fármaco que se liga às proteínas plasmáticas é
deveras reduzida, sendo que, em situações de terapia crónica, as suas
concentrações plasmáticas igualam as concentrações cefalo-
raquidianas.

Cerca de 25% deste fármaco é excretado na urina sob a forma intacta,


sendo que restante fracção é excretada após metabolização por
enzimas do sistema microssomal hepático. O principal metabolito da
etosuximida é um derivado hidroxietil inactivo, o qual é excretado por via
renal. Note-se que o tempo de semi-vida plasmática deste fármaco
ronda as 40-50 horas.

Toxicidade

Os efeitos adversos mais comuns versam o sistema gastro-intestinal


(pois cursam com náusea, vómitos, dor abdominal e anorexia) e o
sistema nervoso central (pois cursam com sonolência, letargia, euforia,
tonturas, ataxia, cefaleias e soluços) – note-se que é possível
desenvolver tolerância a estes efeitos, e que a intensidade destes é
dependente da dose administrada de etosuximida.
O uso de etosuximida pode ainda resultar na génese de fotofobia,
sintomas do tipo parkinsónico e perturbações comportamentais (tais
como agitação, ansiedade, agressividade e incapacidade de
concentração). Note-se, contudo, que estas últimas manifestações
ocorrem maioritariamente em pacientes com historial de doenças
psiquiátricas.

Para além disso, foram ainda descritos casos de urticária, síndrome de


Stevens-Johnson, lúpus eritematoso sistémico, eosinofilia,
trombocitopenia, pancitopenia, anemia aplástica e leucopenia (tendo
sido já registados casos de morte por depressão medular).

No que concerne ao seu perfil de interacções farmacológicas, a


etosuximida não interfere com o metabolismo de outros anti-
convulsivantes, embora o seu metabolismo seja afectado aquando da
co-administração de indutores das CYPs.

Ácido valpróico
O ácido valpróico (ácido n-dipropilacético) é um
ácido carboxílico de cadeia ramificada simples.
Vários outros ácidos carboxílicos de cadeia
ramificada apresentam uma potência anti-
convulsiva similar à do ácido valpróico - todavia,
estas moléculas não deverão apresentar nove ou
mais átomos de carbono, sob pena de induzirem
sedação. Por oposição, os

ácidos carboxílicos de cadeia não-ramificada apresentam uma actividade


anti-convulsiva desprezável.

Efeitos farmacológicos e usos terapêuticos

O valproato inibe a génese de convulsões induzidas por vários modelos


experimentais, incluindo a extensão tónica dos membros posteriores
induzida por electro-choque e as convulsões induzidas por
pentilenetetrazol e kindling. Ora, isto explica porque é que o valproato
apresenta um espectro de acção tão largo, podendo ser usado na
terapia das convulsões parciais e generalizadas mioclónicas, tónico-
clónicas e de ausência. O valproato é também usado na terapia da
síndrome de Lennox-Gastaut e das convulsões por fotossensibilidade,
sendo ainda considerado um fármaco de segunda linha na terapia dos
espasmos infantis.

Mecanismo de acção

Tal como a fenitoína, o valproato actua num sentido de inibir a


despolarização neuronal sustentada, ao prolongar a recuperação dos
canais de sódio inactivos. Para além disso, este fármaco induz ligeiras
reduções das correntes de cálcio do tipo T, exercendo assim um efeito
similar ao da etosuximida nos neurónios talâmicos. Ora, a inibição da
despolarização neuronal parece explicar a eficácia do valproato na
supressão das convulsões tónico-clónicas, enquanto a redução das
correntes do tipo T pode estar na base da eficácia deste fármaco na
supressão das convulsões de ausência.

Embora não interfira com as respostas GABAérgicas, o valproato parece


aumentar a quantidade de

GABA presente no encéfalo, actuando através de dois mecanismos


distintos:

4. Inibição da transaminase do GABA e da desidrogénase dos


semi-aldeídos succínicos: Esta acção resulta numa inibição da
degradação de GABA.

5. Potenciação da descarboxílase dos ácidos glutâmicos e


consequente aumento da síntese de GABA.

Desconhece-se, contudo, até que ponto este fenómeno contribui para


as propriedades anti-convulsivas deste fármaco.

Propriedades farmacocinéticas

Após ser administrado por via oral, o ácido valpróico é rapidamente e


completamente absorvido (note-se que a absorção deste fármaco é
atrasada pelos alimentos). Cerca de 90% do ácido valpróico circula
ligado às proteínas plasmáticas, sendo que essa fracção varia
inversamente com a dose administrada. O valproato distribui-se para o
fluido cefalo-raquidiano, provavelmente por transporte facilitado.

A maioria do valproato é metabolizada por via hepática, de tal modo que


apenas uma pequena fracção excretada intacta na urina. O seu
metabolismo hepático é maioritariamente mediado por enzimas UGT e por
processos de β-oxidação. Embora o valproato constitua um substrato do
CYP2C9 e do CYP2C19, apenas uma pequena fracção deste fármaco é
metabolizada por estas enzimas.

Note-se que alguns dos metabolitos deste fármaco (tais como o ácido
2-propil-2-pentenóico e o ácido 2-propil-4-pentenóico) constituem
agentes anti-convulsivos quase tão potentes como o próprio valproato.
Todavia, apenas o ácido 2-propil-2-pentenóico (também designado por
2-en-valproato) acumula-se no plasma e no encéfalo em
concentrações significativas. De referir que o período de semi-vida do
valproato ronda as 15 horas, sendo que esse valor encontra-se reduzido
em pacientes que estejam a tomar outros fármacos anti-convulsivos.

Toxicidade

Os efeitos adversos mais comuns dizem respeito ao sistema gastro-


intestinal, pois incluem anorexia, náusea e vómito. Para além disso, o
valproato também pode actuar ao nível central, induzindo sedação,
ataxia e tremor. Note-se que foram ainda descritos casos isolados de
rash, alopécia e ganho ponderal.

O ácido valpróico exerce vários efeitos na função hepática (os quais são
maioritariamente mediados pelo 4-en-valproato), podendo causar
elevação das transamínases hepáticas. Mais raramente, este fármaco
pode induzir hepatite fulminante (o risco desta condição potencialmente
fatal é superior em crianças com idade inferior a dois anos), bem como
pancreatite e hiperamonémia. Para além disso, o valproato também
apresenta efeitos teratogénicos, podendo causar defeitos do tubo
neural.

Interacções farmacológicas

O valproato inibe a acção da CYP2C9, atenuando o metabolismo da


fenitoína e fenobarbital. Para além disso, o valproato inibe as UGT,
reduzindo a biotransformação da lamotrigina e lorazepam. Uma elevada
fracção de valproato circula ligada à albumina, de tal modo que, quando
administrado em elevadas concentrações, este fármaco pode desligar a
fenitoína (e outros fármacos) da albumina. Note-se ainda que a co-
administração de valproato e clonazepam pode levar ao
desenvolvimento de status epilepticus de ausência, embora a
ocorrência deste fenómeno seja deveras rara.

Benzodiazepinas
Na prática clínica, as benzodiazepinas são maioritariamente utilizadas
como ansiolíticos, embora também possam ser usadas na terapia da
epilepsia. De facto, várias benzodiazepinas apresentam propriedades
anti-epilépticas, embora apenas algumas revelem interesse terapêutico:

• Clonazepam, clobazam e clorazepato: São utilizados na terapia


a longo prazo das convulsões de ausência, convulsões
mioclónicas e espasmos infantis.

• Midazolam: Pode ser usado na terapia intermitente de crises


convulsivas em pacientes epilépticos refractários a outros
fármacos.

• Diazepam e o lorazepam: Podem ser usados na terapia do status


epilepticus.

• Nitrazepam: Pode ser usado na terapia dos espasmos infantis e


crises mioclónicas.

Propriedades anti-convulsivas

Em termos experimentais, as benzodiazepinas inibem a ocorrência de


convulsões induzidas pelo pentilenetetrazol de modo relativamente
potente, desempenhando um efeito pouco expressivo na modificação do
padrão convulsivo induzido por electro-choque máximo. Para além
disso, as benzodiazepinas suprimem as convulsões generalizadas
produzidas por estimulação das amígdalas, embora não eliminem as
descargas anormais geradas no local de estimulação.

Mecanismo de acção
As benzodiazepinas actuam em locais específicos dos receptores
GABAA, aumentando a frequência (mas não a duração) de abertura dos
canais de cloreto activados pelo GABA. Assim, a potenciação da
inibição sináptica mediada pelo GABA constitui o mecanismo
subjacente aos efeitos anti-convulsivos destes fármacos. Note-se que,
quando administrados em maiores concentrações, o diazepam e várias
outras benzodiazepinas podem reduzir a activação neuronal de elevada
frequência, exercendo um efeito comparável ao da fenitoína,
carbamazepina e valproato.

Farmacocinética

As benzodiazepinas são bem absorvidas por via oral, podendo também


ser administradas por via intra-venosa. Os efeitos centrais destes
fármacos instalam-se quase imediatamente, embora desvaneçam
rapidamente, à medida que ocorre redistribuição para outros tecidos – a
redistribuição do diazepam é particularmente célere, apresentando um
tempo de semi-vida de uma hora. A capacidade de ligação das
benzodiazepinas às proteínas plasmáticas correlaciona-se com a sua
solubilidade lipídica, rondando os 99% no caso do diazepam, e os 85%
no caso do clonazepam.

O N-desmetil-diazepam constitui o principal metabolito do diazepam,


podendo também ser originado por descarboxilação do clorazepato.
Este metabolito apresenta menor actividade que o diazepam, sendo que
ambas as substâncias são lentamente convertidas (por hidroxilação) em
outros metabolitos activos, nos quais se incluem o oxazepam. Por seu
turno, o clonazepam é maioritariamente metabolizado por redução do
seu grupo “nitro”, originando derivados 7-amina inactivos. Por fim, o
lorazepam é maioritariamente metabolizado por conjugação com o
ácido glicurónico.

Toxicidade

A sonolência e a letargia constituem os principais efeitos adversos


resultantes da terapia oral crónica com clonazepam. Estes efeitos são
deveras comuns, embora o desenvolvimento de tolerância seja
frequente.
Para além disso, as benzodiazepinas podem induzir descoordenação
motora, ataxia, hipotonia, disartria e tonturas. Estes fármacos podem
ainda causar várias perturbações comportamentais (sobretudo em
crianças), tais como agressividade, hiperactividade, irritabilidade e
dificuldades de concentração. O uso de benzodiazepinas pode ainda
causar perturbações do apetite e aumento das secreções brônquicas e
pulmonares.

As benzodiazepinas podem ainda exercer efeitos pró-convulsivos


paradoxais, sendo que a descontinuação abrupta destes fármacos pode
despoletar um fenómeno de status epilepticus. Por fim, a administração
intra-venosa de diazepam, clonazepam ou lorazepam pode induzir
depressão respiratória ou cardiovascular, sobretudo caso tenha ocorrido
administração prévia de outros agentes anti-convulsivos ou depressores
centrais.

Usos terapêuticos

O clonazepam e o clobazam são úteis na terapia das convulsões de


ausência, bem como das convulsões mioclónicas (em crianças).
Contudo, após alguns meses de administração, o desenvolvimento de
tolerância aos efeitos anti-convulsivos destes fármacos constitui um
achado frequente. Note-se que, em situações de convulsões agudas
recorrentes, o clonazepam pode ser ministrado sob a forma de um
spray intra-nasal.

Embora o diazepam constitua um agente eficaz na terapia do status


epilepticus, este fármaco apresenta uma curta duração de acção, o que
constitui uma limitação ao seu uso. Assim, na terapia do status
epilepticus, recorre preferencialmente ao uso de lorazepam.

Por seu turno, quando combinado com outros fármacos, o clorazepato


revela-se eficaz na terapia das convulsões parciais. Note-se, contudo,
que este fármaco encontra-se contra-indicado para crianças com idade
inferior a nove anos.

Gabapentina e pré-gabalina
Em termos estruturais, a pré-
gabalina resulta da ligação
covalente de uma molécula de
GABA a um isobutano. Por seu
turno, a gabapentina é constituída
por uma molécula de GABA
covalentemente ligada a um anel
ciclo-hexano lipofílico. Note-se que o
perfil altamente lipofílico da
gabapentina permite que este
fármaco atravesse facilmente a
barreira hemato-encefálica,
exercendo importantes efeitos de
cariz central.

Efeitos farmacológicos e mecanismos de acção

Não obstante a sua estrutura química, nenhum destes dois agentes


mimetiza as acções do GABA. Na verdade, presume-se que estes
fármacos se liguem com elevada afinidade à subunidade α2δ1 dos
canais de cálcio expressos na membrana plasmática dos neurónios
corticais. Contudo, desconhece-se como é que a ligação da
gabapentina à subunidade α2δ1 regula a excitabilidade neuronal.
Desconhece-se, por isso, se os efeitos anti-convulsivos e analgésicos
da gabapentina e pré-gabalina são mediados pela alteração de
correntes de cálcio.

A gabapentina assemelha-se ao ácido valpróico, na medida em que,


não só inibe as convulsões clónicas induzidas pelo pentilenetetrazol,
como também inibe a extensão tónica dos membros posteriores
induzida por electro-choque.

Farmacocinética

A gabapentina e a pré-gabalina são absorvidas por via oral, não se


ligando às proteínas plasmáticas. Estes fármacos não são
metabolizados, sendo excretados de forma intacta na urina. O seu
período de semi-vida ronda as seis horas, não sendo conhecidas
interacções farmacológicas com outros anti-convulsivos.
Usos terapêuticos

A gabapentina e a pré-gabalina são fármacos de segunda linha na


terapia das convulsões parciais (com e sem generalização secundária),
sendo normalmente usadas em conjunto com outros fármacos anti-
convulsivos. De facto, a eficácia da gabapentina na terapia da epilepsia
parcial ou generalizada é similar

3. da carbamazepina. Note-se que a gabapentina pode ainda ser


utilizada na terapia das cefaleias, da dor crónica e da doença bipolar.

Toxicidade

Em termos gerais, a gabapentina é bem tolerada, sendo que os seus


principais efeitos adversos incluem sonolência, tonturas, ataxia, fadiga,
tremores, cefaleias, nístgamo, diplopia, náusea e vómito – embora
apresentem gravidade ligeira/moderada, estes efeitos são normalmente
transitórios.

Lamotrigina
A lamotrigina é um derivado da feniltriazina que foi inicialmente
desenvolvido como um agente anti-folato. Todavia, sabe-se que a sua
eficácia como agente anti-convulsivo não se correlaciona com as suas
propriedades anti-folatos.

Efeitos farmacológicos e mecanismo de acção

A lamotrigina inibe a extensão tónica dos membros posteriores induzida


por electro-choque, bem como as convulsões parciais e
secundariamente generalizadas induzidas por kindling. Todavia, este
fármaco não suprime as convulsões motoras clónicas induzidas pelo
pentilenetetrazol.

O mecanismo de acção da lamotrigina é similar ao da


fenitoína e carbamazepina – de facto, este fármaco
atrasa a recuperação dos canais de sódio inactivos,
bloqueando a activação neuronal repetida e
sustentada. Ora, isto poderá explicar porque é que a
lamotrigina se revela eficaz na terapia das convulsões
parciais e secundariamente generalizadas. Para além
disso, este fármaco revela-se eficaz na terapia de
vários outros tipos de convulsões, apresentando um
maior espectro de acção que a fenitoína e a
carbamazepina. Ora, isto sugere que a lamotrigina
desempenha vários outros efeitos, para além da
regulação da actividade dos canais de sódio.

Farmacocinética

A lamotrigina é completamente absorvida pelo tracto gastro-intestinal


(não podendo ser administrada por via parentérica), sendo
maioritariamente metabolizada por glicuronidação (embora não gere
metabolitos activos). A lamotrigina circula parcialmente ligada às
proteínas plasmáticas, sendo eliminada por via renal. A semi-vida
plasmática deste fármaco ronda as 24-30 horas, sendo este período de
tempo reduzido pela co-administração de fenitoína, carbamazepina ou
fenobarbital. Por oposição, a adição de valproato aumenta
profundamente as concentrações plasmáticas de lamotrigina.

A co-administração de lamotrigina e valproato resulta ainda numa


redução dos níveis deste último fármaco. Por outro lado, a co-
administração de lamotrigina e carbamazepina resulta num aumento
dos níveis de 10,11-epóxido de carbamazepina. Quando administrada
em elevadas doses, a lamotrigina induz o seu próprio metabolismo.

Uso terapêutico

Em indivíduos adultos, a lamotrigina pode ser usada na terapia das


convulsões parciais tónico-clónicas e secundariamente generalizadas.
Para além disso, este fármaco pode ser usado na terapia das
convulsões de ausência atípicas e da síndrome de Lennox-Gastaut,
tanto em crianças como em adultos. Note-se que a síndrome de
Lennox-Gastaut constitui uma perturbação caracterizada pela
ocorrência de vários tipos de convulsões, atraso mental e
refractoriedade à medicação anti-convulsiva.

Toxicidade
Os efeitos adversos mais comuns da lamotrigina incluem tonturas,
ataxia, visão desfocada, náusea, vómitos e rash – estes efeitos são
mais comuns aquando da co-administração de lamotrigina com outro
fármaco anti-convulsivo. Para além disso, já foram descritos casos de
síndrome de Stevens-Johnson e coagulação intra-vascular
disseminada.

Levetiracetam
5. levetiracetam é uma pirrolidina, constituindo o S-enantiómero da
α-etil-2-oxo-1-pirrolidieacetamida. O levetiracetam é administrado a
adultos e crianças com idade superior a quatro anos, sendo que a sua
co-administração com outros fármacos anti-convulsivos revela-se eficaz
na terapia de vários tipos de convulsões, nomeadamente:

Convulsões parciais refractárias

Convulsões mioclónicas generalizadas refractárias

Convulsões tónico-clónicas generalizadas descontroladas


associadas a epilepsia generalizada.

De referir que o levetiracetam é muito semelhante, quer estruturalmente


quer funcionalmente, a dois outros anti-epilépticos, designadamente, o
brivaracetam e o selectracetam.

Efeitos farmacológicos e mecanismo de acção

O levetiracetam inibe as convulsões tónico-clónicas parciais e


secundariamente generalizadas induzidas por kindling. Contudo, este
fármaco não inibe as convulsões induzidas pelo pentilenetetrazol nem
pelo electro-choque máximo – ora, estes achados são consistentes com
o facto do levetiracetam se revelar clinicamente eficaz na terapia das
convulsões tónico-clónicas parciais e secundariamente generalizadas,
sendo particularmente útil em pacientes com perturbações hepáticas ou
renais.

Desconhece-se, contudo, o mecanismo através do qual o levetiracetam


exerce os seus efeitos anti-convulsivos. Pensa-se que a SV2A (uma
proteína das vesículas sinápticas) possa mediar os efeitos anti-
convulsivos do levetiracetam, embora se desconheça ainda como é que
a ligação do levetiracetam à SV2A pode afectar a função celular ou a
excitabilidade neuronal.

Farmacocinética

Quando administrado por via oral, o levetiracetam é absorvido de forma


rápida e quase completa, embora a sua absorção seja prejudicada pela
presença de alimentos. Este fármaco não se liga às proteínas
plasmáticas, sendo maioritariamente excretado na urina, sobretudo sob
a forma intacta. O levetiracetam não induz nem constitui um substrato
de elevada afinidade das enzimas CYPs ou de glicuronidação, de tal
modo que este fármaco é metabolizado por hidrólise. Assim, o
levetiracetam é desprovido de interacções farmacológicas com
contraceptivos orais, anti-coagulantes, ou com outros fármacos anti-
convulsivos. Note-se que este fármaco atravessa a placenta e é
passível de ser removido por hemodiálise.

Toxicidade

O levetiracetam é um fármaco bem tolerado. Os seus efeitos adversos


mais comuns incluem sonolência, astenia, tonturas, vertigens, fadiga e
sintomas do tipo gripal.

Tiagabina
A tiagabina é um derivado do ácido nipecótico utilizado (em indivíduos
adultos) como adjuvante na terapia das convulsões parciais refractárias
com ou sem generalização secundária.

Efeitos farmacológicos e mecanismo de acção

A tiagabina inibe o transportador GABAérgico GAT-1, reduzindo assim a


captação de GABA pelos neurónios e células de glia. Deste modo, ao
reduzir a recaptação de GABA pelo GAT-1, a tiagabina prolonga o efeito
deste neurotransmissor nas sinapses inibitórias.

A tiagabina inibe as convulsões induzidas por electro-choque máximo,


bem como as convulsões tónico-clónicas límbicas e secundariamente
generalizadas induzidas por kindling. Assim, não admira que a tiagabina
se revele eficaz na terapia das convulsões parciais e tónico-clónicas.
Paradoxalmente, o uso deste fármaco aumenta o risco de convulsões
em pacientes sem epilepsia.

Farmacocinética

Quando administrada por via oral, a tiagabina é rapidamente absorvida,


apresentando uma elevada capacidade de ligação às proteínas
plasmáticas. Este fármaco é maioritariamente metabolizado no fígado
(sobretudo pela CYP3A4), apresentando um período de semi-vida de
oito horas, o qual é reduzido aquando da co-administração de fármacos
indutores das enzimas hepáticas (tais como o fenobarbital, a fenitoína
ou a carbamazepina). A excreção da tiagabina processa-se por via renal
e fecal.

Toxicidade

Os principais efeitos adversos da tiagabina incluem tonturas, sonolência


e tremor – estes efeitos apresentam gravidade ligeira/moderada,
instalando-se pouco tempo depois do início da terapia. Tal como outros
fármacos que potenciam os efeitos do GABA, a tiagabina pode facilitar
as descargas spike-and-wave em pacientes com convulsões de
ausência, induzindo uma exacerbação dos achados anómalos do EEG.
Assim, este fármaco parece estar contra-indicado em pacientes com
epilepsia de ausência generalizada.

Topiramato
O topiramato é um monossacarídeo com um
grupo sulfamato que é utilizado na terapia das
convulsões parciais e generalizadas tónico-
clónicas. Note-se que em pacientes com idade
inferior a dez anos, este fármaco pode ser
administrado como monoterapia inicial. Por
oposição, em pacientes com idade inferior a
dois anos, este fármaco pode ser usado como
terapia adjuvante.
Para além disso, em pacientes com idade superior a dois anos, o
topiramato pode ser utilizado na terapia da síndrome de Lennox-
Gastaut. Por fim, este fármaco pode ser usado na profilaxia das
cefaleias e na terapia dos drop ataccks.

Efeitos farmacológicos e mecanismos de acção

O topiramato reduz as correntes de sódio dependentes de voltagem das


células granulares do cerebelo, podendo ainda prolongar a inactivação
nos canais de sódio. Para além disso, este fármaco activa uma corrente
hiperpolarizadora de potássio, potencia as correntes pós-sinápticas
associadas aos receptores GABAérgicos, e limita a activação dos
receptores glutamatérgicos do tipo AMPA (sensíveis ao cainato). Note-
se ainda que o topiramato constitui um fraco inibidor da anídrase
carbónica.

Em termos experimentais, o topiramato inibe as convulsões induzidas


pelo pentilenetetrazol e pelo electro-choque máximo, bem como as
convulsões tónico-clónicas parciais e secundariamente generalizadas
induzidas pelo modelo kindling.

Farmacocinética

Quando administrado por via oral, o topiramato é totalmente e


rapidamente absorvido, apresentando uma fraca capacidade de ligação
às proteínas plasmáticas. Este fármaco é maioritariamente excretado na
urina de forma intacta (devendo-se proceder a ajustes em pacientes
com insuficiência renal), embora uma pequena fracção sofra
biotransformação por hidroxilação, hidrólise e glicuronidação.

Quando o topiramato é co-administrado com o estradiol, são obtidas


menores concentrações plasmáticas deste último fármaco – isto sugere
que, aquando do uso de topiramato, dever-se-á proceder a um aumento
das doses de contraceptivos orais. Por outro lado, o topiramato não
afecta o metabolismo de outros anti-epilépticos, embora os seus níveis
possam ser afectados pela acção de outros fármacos.

Toxicidade
O topiramato é um fármaco bem tolerado. Os seus principais efeitos
adversos incluem sonolência, fadiga, confusão mental, vertigens,
parestesias, perturbações de memória, depressão, perda de peso,
alterações do paladar, irritabilidade e perturbações cognitivas. Para
além disso, este fármaco pode levar à precipitação de cálculos renais
(provavelmente por inibição da anídrase carbónica).

Felbamato
O felbamato é um dicarbamato que pode ser
utilizado na terapia das convulsões parciais e
secundariamente generalizadas. Para além disso,
este fármaco também exerce um efeito anti-
convulsivo em pacientes com síndrome de Lennox-
Gastaut. Todavia, o felbamato exerce importantes
efeitos adversos (incluindo anemia aplástica e
insuficiência hepática), que limitam o seu uso na
prática clínica. Para além disso, este fármaco
aumenta o risco de insónia, perda de peso, náusea,
fadiga, ataxia, letargia e vertigens.

O felbamato revela-se simultaneamente capaz de suprimir as


convulsões induzidas pelo electro-choque máximo e pelo
pentilenetetrazol. De facto, quando administrado em doses terapêuticas,
o felbamato inibe as respostas despoletadas pelo NMDA e potencia as
respostas evocadas pelo GABA - esta acção dual parece contribuir para
o vasto espectro de acção deste fármaco.

Em termos farmacocinéticos, o felbamato é bem absorvido por via oral,


apresentando uma fraca capacidade de ligação às proteínas
plasmáticas. Metade deste fármaco sofre metabolização hepática (por
hidrólise e conjugação), enquanto a outra metade é excretada por via
renal e de modo intacto. Note-se que o felbamato aumenta os níveis de
fenitoína, reduzindo os níveis de carbamazepina. Por outro lado, a
carbamazepina reduz os níveis de felbamato.

Zonisamida
A zonisamida é um derivado das sulfonamidas que é usado como
adjuvante na terapia das convulsões parciais (em indivíduos adultos).
Para além de inibir as correntes de cálcio do tipo T, este fármaco inibe a
activação repetida e sustentada dos neurónios da espinal medula,
provavelmente por prolongamento da inactivação dos canais de sódio
dependentes de voltagem.

Em termos experimentais, a zonisamida inibe a extensão tónica dos


membros posteriores evocada pelo electro-choque máximo. Para além
disso, este fármaco inibe as convulsões parciais e secundariamente
generalizadas induzidas por kindling. Deste modo, não é surpreendente
que este fármaco se revele clinicamente eficaz na terapia das
convulsões parciais e secundariamente generalizadas. Por oposição, a
zonisamida não inibe as convulsões clónicas induzidas pelo
pentilenetetrazol, de tal modo que este fármaco não se revela eficaz na
terapia das convulsões mioclónicas.

Farmacocinética

Quando administrada por via oral, a zonisamida sofre uma absorção


quase completa. Este fármaco circula parcialmente ligado às proteínas
plasmáticas e apresenta um longo período de semi-vida. No que
concerne à sua excreção, a zonisamida é maioritariamente excretada
por via renal, principalmente sob a forma intacta. Note-se, contudo, que
uma fracção significativa deste fármaco é metabolizada pelo CYP3A4,
originando um produto glicuronado de fenol sulfamoilacetilado.

O fenobarbital, a fenitoína e a carbamazepina diminuem o rácio


concentração plasmática/doses administrada de zonisamida, enquanto
a lamotrigina exerce o efeito oposto. Por oposição, a zonisamida
praticamente não interfere com as concentrações plasmáticas de outros
fármacos anti-convulsivos.

Toxicidade

A zonisamida é normalmente bem tolerada, sendo que os seus efeitos


adversos mais comuns incluem ataxia, sonolência, anorexia,
irritabilidade, fadiga, lentificação mental, dificuldades de discurso e
ganho ponderal. Para além disso, este fármaco pode levar à
precipitação de cálculos renais e ao desenvolvimento de acidose
metabólica – estes fenómenos parecem resultar do efeito inibitório
exercido pela zonisamida na acção da anídrase carbónica.

Lacosamida

A lacosamida é um aminoácido empregue como


terapia adjuvante de pacientes adultos com
convulsões parciais. De facto, este fármaco
potencia a inactivação lenta dos canais de sódio
dependentes de voltagem, limitando a sua
activação repetida e sustentada. Para além disso,
este fármaco liga-se à proteína CRMP-2, que
participa na diferenciação

neuronal e crescimento axonal – todavia, não se sabe até que ponto


este último mecanismo contribui para as acções anti-convulsivas da
lacosamida. De referir que a lacosamida pode ser administrada por via
oral ou intra-venosa.

Rufinamida
A rufinamida é um derivado triazólico cuja estrutura
não se assemelha à de nenhum outro fármaco anti-
convulsivo. Este fármaco pode ser usado em indivíduos
com idade superior a quatro anos, como adjuvante na
terapia das convulsões tónico-clónicas associadas à
síndrome de Lennox-Gastaut.

Este fármaco potencia a inactivação lenta dos canais


de sódio dependentes de voltagem, limitando a
activação neuronal repetida e sustentada (que constitui
o padrão de activação característico das convulsões
parciais).
Vigabatrina
A vigabatrina é usada como terapia adjuvante das
convulsões parciais complexas refractárias, em
indivíduos adultos. Para além disso, este fármaco
utilizado na terapia dos espasmos infantis, sendo
deveras eficaz contra espasmos associados a
esclerose tuberosa. Este fármaco induz perda da
visão bilateral irreversível, de tal modo que apenas
deve ser usado em pacientes refractários a outros
fármacos. Note-se que, para além da perda de visão,
a vigabatrina induz sonolência, depressão, psicose,
agitação e confusão.

A vigabatrina constitui um análogo estrutural do GABA, inibindo


irreversivelmente a transamínase do GABA, que constitui a principal
enzima degradadora deste neurotransmissor. Assim, a vigabatrina induz
um aumento das concentrações encefálicas de GABA, potenciando a
neurotransmissão GABAérgica.

Em termos farmacocinéticos, a vigabatrina apresenta boa


biodisponibilidade oral, atingindo concentrações cefalo-raquidianas dez
vezes inferiores às plasmáticas. Este fármaco é eliminado por via renal.

Acetazolamida
A acetazolamida é um inibidor da anídrase carbónica com
propriedades anti-convulsivas. Embora este fármaco possa ser eficaz
na terapia das convulsões de ausência, a sua utilidade é limitada pelo
rápido desenvolvimento de tolerância. Quando administrado em doses
terapêuticas e durante períodos de tempo limitados, este fármaco é bem
tolerado, exercendo poucos efeitos adversos.

Abridores dos canais de potássio


Na terapia da epilepsia, pode-se recorrer ao uso de alguns abridores
dos canais de potássio, de entre os quais se destacam a retigabina e a
ezogabina.
Anti-parkinsonianos
As doenças neurodegenerativas caracterizam-se pela perda
progressiva e irreversível de neurónios em regiões específicas do
encéfalo. A doença de Parkinson e a doença de Huntington constituem
exemplos prototípicos de doenças degenerativas – nestes casos
concretos, existe uma perda de neurónios em estruturas dos gânglios
basais, o que acarreta anomalias do controlo de movimentos. Por seu
turno, na doença de Alzheimer, existe uma perda de neurónios
hipocampais e corticais, o que leva a uma perturbação da memória e da
capacidade cognitiva. Por fim, a esclerose lateral amiotrófica
caracteriza-se pela ocorrência de fraqueza muscular secundária à
degeneração de neurónios medulares, bulbares e motores corticais.

No seu todo, estas perturbações são relativamente comuns,


aparecendo normalmente em indivíduos mais idosos (embora existam
formas infantis de cada uma destas doenças). Em termos estatísticos, a
doença de Parkinson e a doença de Alzheimer constituem as doenças
neurodegenerativas mais comuns.

Os fármacos usados na terapia das doenças neurodegenerativas


asseguram um alívio sintomático, mas não alteram o processo neuro-
degenerativo subjacente. Contudo, a doença de Parkinson constitui a
única doença neurodegenerativa cuja terapia sintomática revela-se
relativamente eficaz.

Introdução ao estudo das doenças


neurodegenerativas

Vulnerabilidade selectiva
Uma característica curiosa destas doenças prende-se com o facto da
degeneração neuronal se restringir especificamente a tipos particulares
de neurónios. A título de exemplo, na doença de Parkinson, ocorre uma
intensa destruição dos neurónios dopaminérgicos da substância negra,
enquanto os neurónios do córtex e de várias outras regiões do encéfalo
permanecem inalterados. Por sua vez, as lesões neuronais
características da doença de Alzheimer afectam sobretudo o hipocampo
e o neocórtex, embora a perda de neurónios corticais não seja uniforme.

A existência destes padrões sugere que a ocorrência de degeneração


neuronal não depende apenas do genótipo do indivíduo e das
influências ambientais às quais ele está sujeito, mas também das
propriedades fisiológicas intrínsecas dos neurónios afectados. De entre
as propriedades que condicionam um aumento do risco de neuro-
degeneração, destaque para a susceptibilidade às lesões excito-tóxicas,
e para a capacidade de metabolismo oxidativo e consequente produção
de radicais livres tóxicos.

Interacção genético-ambiental
As influências genéticas e ambientais constituem determinantes
fundamentais para a patogenia de todas as doenças
neurodegenerativas. No que concerne às influências genéticas, estas
revelam-se particularmente significativas na doença de Huntington, visto
que esta apresenta um padrão de transmissão mendeliano (sendo uma
doença autossómica dominante). Todavia, convém não esquecer a
importância dos factores ambientais na patogenia desta doença, uma
vez que estes influenciam significativamente a idade de aparecimento e
a taxa de progressão dos sintomas subjacentes.

No caso das restantes doenças neurodegenerativas, a importância da


componente genética é menor. De facto, estas ocorrem
maioritariamente de modo esporádico, embora também estejam
descritas formas genéticas (bem como alelos que condicionam maior
risco para estas doenças). No caso da doença de Parkinson, existem
formas autossómicas dominantes (condicionadas por mutações na α-
sinucleina e LRRK2) e autossómicas recessivas (condicionadas por
mutações na parkina, DJ-1 e PINK1).

De entre os factores ambientais que potenciam o risco de doenças


neurodegenerativas, destaque para os agentes infecciosos, toxinas
ambientais e lesões encefálicas adquiridas. De facto, a encefalite
letárgica (uma infecção central) e a exposição a pesticidas aumentam o
risco de doença de Parkinson. Por outro lado, a toxina N-metil-fenil-
tetrahidropiridina (MPTP) pode induzir uma condição similar ao
Parkinson.
Mecanismos celulares de neuro-degeneração
Não obstante os seus variados fenótipos, as doenças
neurodegenerativas partilham algumas características comuns. A título
de exemplo, quase todas as doenças neurodegenerativas caracterizam-
se pela presença de proteínas misfolded ou agregadas – α-sinucleina
na doença de Parkinson, β-amilóide e tau na doença de Alzheimer,
huntingtina na doença de Huntington, e SOD e TDP-43 na esclerose
lateral amiotrófica.

A acumulação de proteínas misfolded pode resultar de mutações dos


genes que codificam para estas proteínas, ou de uma perturbação da
clearance celular. De facto, o envelhecimento caracteriza-se por um
declínio na capacidade de degradar proteínas misfolded, o que constitui
um importante factor predisponente para o desenvolvimento de doenças
neurodegenerativas.

A excito-toxicidade (morte neuronal resultante do excesso de glutamato)


constitui outro mecanismo que poderá contribuir para a génese de
doenças neurodegenerativas crónicas. De facto, sabe-se que as lesões
excito-tóxicas contribuem para a morte neuronal subjacente ao AVC ou
a outras lesões agudas, embora se desconheça o papel preciso da
excito-toxicidade nas doenças neurodegenerativas crónicas. De
qualquer modo, alguns neurónios parecem apresentar maior
susceptibilidade às lesões excito-tóxicas (a qual é explicada, por
exemplo, por diferenças nos tipos de receptores glutamatérgicos
NMDA), o que poderá contribuir para o fenómeno de vulnerabilidade
selectiva. Assim, os antagonistas do glutamato, tais como a memantina
e o riluzole, poderão ser usados como agentes neuro-protectores.

O envelhecimento está associado a uma perturbação progressiva do


metabolismo oxidativo, o que resulta num aumento da produção de
espécies reactivas de oxigénio, as quais podem induzir danos no DNA,
peroxidação dos lipídeos membranares e morte neuronal. Assim, de
modo a prevenir ou a atrasar o desenvolvimento de doenças
neurodegenerativas, tem-se procurado desenvolver fármacos que
aumentem o metabolismo celular (tais como a co-enzima Q10, um co-
factor mitocondrial) ou que apresentem propriedades anti-oxidantes.
Doença de Parkinson

Enquadramento clínico
O parkinsonismo constitui uma síndrome clínica caracterizada por quatro
características cardinais:

5. Bradicinesia (lentidão e escassez de movimentos);

6. Rigidez muscular;

7. Tremor em repouso (o qual, normalmente, não se regista durante os


movimentos voluntários);

8. Perturbações do equilíbrio postural com subsequentes perturbações


da marcha

A doença de Parkinson constitui a forma mais comum de


parkinsonismo. Em termos neuronais, a doença de Parkinson
caracteriza-se pela perda dos neurónios dopaminérgicos pigmentados
da pars compacta da substância negra, a qual é acompanhada pelo
aparecimento de inclusões intracelulares designadas por corpos de
Lewy.

A perda progressiva de neurónios dopaminérgicos é típica do


envelhecimento normal. Todavia, em indivíduos com Parkinson esta
perda apresenta uma magnitude muito superior, até porque os sintomas
parkinsónicos apenas se manifestam após ter ocorrido perda de 70-80%
dos neurónios dopaminérgicos.

Na ausência de terapia, a doença de Parkinson progride (num período


de 5-10 anos) para um estado acinético e rígido em que os pacientes se
revelam incapazes de cuidar de si próprios – Assim, a morte resulta,
normalmente, de complicações subjacentes à imobilidade, tais como
pneumonia de aspiração ou embolismo pulmonar.

Todavia, a instituição de farmacoterapia eficaz alterou significativamente


o prognóstico da doença de Parkinson, permitindo que a mobilidade
funcional seja mantida por vários anos e, por conseguinte, aumentando
a esperança média de vida dos doentes parkinsónicos. Note-se,
contudo, que, embora a perda de neurónios dopaminérgicos constitua o
fenómeno mais proeminente da doença de Parkinson, esta perturbação
afecta também várias outras estruturas encefálicas, incluindo o tronco
cerebral, o hipocampo e o córtex cerebral. Em termos clínicos, isto
traduz-se por manifestações não-motoras, as quais incluem
perturbações do sono, depressão e perturbações de memória. Note-se
que, à medida que se tem registado uma melhoria nos sintomas
motores da doença de Parkinson, os sintomas não-motores têm
adquirido uma importância progressivamente superior.

Note-se que, para além da doença de Parkinson, várias outras


perturbações podem cursar com parkinsonismo, incluindo AVC,
algumas doenças neurodegenerativas raras, e a intoxicação com
antagonistas dos receptores dopaminérgicos - de entre os fármacos que
podem causar parkinsonismo, destaque para alguns anti-psicóticos (tais
como o haloperidol e a torazina) e para alguns anti-eméticos (tais
como a proclorperazina e a metoclopramida). De referir que o
conhecimento da etiologia do parkinsonismo revela-se fundamental, na
medida em que o parkinsonismo não-idiopático é, normalmente,
refractário a todas as formas de tratamento.

Fisiopatologia
O défice dopaminérgico subjacente à doença de Parkinson resulta da
perda de neurónios da pars compacta da substância negra, os quais
asseguram a inervação do núcleo estriado (caudado e putamen). Deste
modo, a potenciação da neurotransmissão dopaminérgica revela-se
benéfica na doença de Parkinson.

Receptores dopaminérgicos

A dopamina é uma catecolamina cujas acções encefálicas são


mediadas pelos receptores dopaminérgicos. Actualmente encontram-se
descritos cinco receptores dopaminérgicos (acoplados à proteína G), os
quais pertencem a duas famílias – os receptores da família D1
estimulam a síntese de cAMP, enquanto os receptores da família D2
inibem a síntese de cAMP e suprimem as correntes de cálcio, activando
correntes de potássio.
Os receptores D1 e D5 pertencem à família dos receptores da família
D1, enquanto os receptores D2, D3 e D4 pertencem à família dos
receptores D2. Em termos centrais, os receptores D1 e D2 são
abundantemente expressos no núcleo estriado, constituindo os alvos
mais importantes da terapia da doença de Parkinson (note-se que
existem dois tipos de receptores D2 – os receptores D2S encontram-se
maioritariamente expressos no caudado-putamen, enquanto os
receptores D2L encontram-se predominantemente expressos no núcleo
accumbens e tubérculo olfactivo). Por oposição, os receptores D4 e D5
são maioritariamente expressos em regiões extra-estriatais, enquanto
os receptores D3 apresentam baixa expressão no caudado e putamen,
mas elevada expressão no núcleo accumbens e tubérculo olfactivo.

Mecanismos neuronais do parkinsonismo

Os gânglios basais actuam num sentido de modular o fluxo de


informação proveniente do córtex cerebral e com destino aos neurónios
motores da espinal medula. O neo-estriado constitui a principal
estrutura de input para os gânglios basais, recebendo aferências
glutamatérgicas excitatórias provenientes de várias regiões do córtex
cerebral. Embora a maior parte dos neurónios do estriado participe na
inervação de outras estruturas dos gânglios basais, um pequeno
subgrupo actua num sentido de interligar os neurónios estriatais
(através de projecções colinérgicas).

As eferências provenientes do estriado podem seguir duas vias


distintas, nomeadamente a via directa e a via indirecta. A via directa é
formada pelos neurónios estriatais que projectam directamente para o
globo pálido interno e pars reticulata da substância negra. Por seu tuno,
a via indirecta é composta pelos neurónios estriatais que projectam
para o globo pálido externo e núcleo subtalâmico e, só depois, para a
substância negra e globo pálido interno. Em ambas as vias, o globo
pálido interno e a substância negra projectam para o tálamo e,
subsequentemente, para o córtex cerebral. Todavia, enquanto a
estimulação da via directa exerce um efeito excitatório sobre o córtex
cerebral, a estimulação da via indirecta exerce um efeito inibitório.

O núcleo estriado é inervado por neurónios dopaminérgicos da pars


compacta da substância negra. Contudo, a dopamina libertada pelos
neurónios da substância negra exerce um efeito diferencial nos
neurónios da via directa e nos neurónios da via indirecta. De facto, os
neurónios estriatais que originam a via directa expressam sobretudo
receptores excitatórios D1, enquanto os neurónios estriatais
participantes na via indirecta expressam sobretudo os receptores
inibitórios D2. Deste modo, a dopamina tende a aumentar a actividade
da via directa e a reduzir a actividade da via indirecta. Ora, na doença
de Parkinson, verifica-se uma depleção de dopamina, o que resulta num
aumento da inibição subjacente à via indirecta e numa redução da
excitação associada à via directa.

Infelizmente, o modelo descrito representa uma simplificação da


realidade, apresentando várias limitações. De qualquer modo, não
obstante as suas limitações, o modelo em questão permanece útil,
permitindo compreender o rationale dos fármacos anti-parkinsonianos.

Em suma, analisando este modelo, é possível concluir que:

4. Embora a potenciação da neuro-transmissão dopaminérgica se


revele benéfica na terapia da doença de Parkinson, é essencial
ter em conta as acções complementares dos receptores D1 e D2,
bem como as acções adversas passíveis de serem despoletadas
por activação dos receptores D3, D4 e D5.

3. A potenciação da neuro-transmissão dopaminérgica não constitui


a única abordagem terapêutica possível para a doença de
Parkinson. De facto, os fármacos anti-colinérgicos (bem como
alguns fármacos que interferem com a neuro-transmissão
GABAérgica ou glutamatérgica) têm sido usados na terapia desta
doença, embora o seu mecanismo de acção permaneça ainda
pouco conhecido.

Farmacoterapia da doença de Parkinson


Levodopa
b levodopa (L-DOPA, L-3,4-
dihidroxifenilalanina) constitui não só um
percursor metabólico da dopamina, mas
também o agente mais eficaz na terapia da
doença de Parkinson. A levodopa é
maioritariamente inerte per se, sendo que
os seus efeitos (terapêuticos e adversos)
resultam da sua descarboxilação em
dopamina.

Quando administrada por oral, a levodopa é rapidamente absorvida pelo


intestino delgado, através de transportadores de aminoácidos. A taxa de
absorção da levodopa depende da taxa de esvaziamento gástrico, do
pH do suco gástrico, e do tempo durante o qual este fármaco encontra-
se exposto à acção das enzimas digestivas. Para além disso, os
aminoácidos ingeridos na dieta competem com a levodopa pela
absorção intestinal, de tal modo que a absorção deste fármaco é
prejudicada e atrasada pela ingestão de refeições com um elevado teor
proteico. De referir que, este fármaco apresenta um curto período de
semi-vida plasmática (1-3 horas).

A sua passagem para o sistema nervoso central é mediada por um


transportador membranar de aminoácidos aromáticos, o que potencia a
ocorrência de competição com os aminoácidos ingeridos na
alimentação. Ora, no encéfalo, mais concretamente ao nível dos
terminais pré-sinápticos dos neurónios dopaminérgicos (sobretudo do
estriado), a levodopa é convertida em dopamina por descarboxilação. A
dopamina produzida é, então, responsável pela eficácia terapêutica da
levodopa na doença de Parkinson. De referir que, após ser libertada, a
dopamina é

recaptada pelos terminais


dopaminérgicos, ou
metabolizada por acção da
MAO e da COMT.

Quando administrada
isoladamente, a levodopa é
amplamente descarboxilada
em dopamina pelas
enzimas da mucosa
intestinal (e de outros
tecidos periféricos), de tal
modo que menos de

1% deste fármaco atinge o


sistema nervoso central.
Deste modo, na prática
clínica, a levodopa é
frequentemente co-
administrada em
combinação com um
inibidor da descarboxílase
dos aminoácidos de acção
periférica (tal como a
carbidopa ou o
benserazide – dois
fármacos com fraca
capacidade de penetrar no
sistema nervoso central) –

esta estratégia terapêutica resulta num aumento significativo da fracção


de levodopa capaz de atravessar a barreira hemato-encefálica, bem
como numa redução dos seus efeitos adversos de cariz gastro-intestinal
(note-se que a dopamina gerada perifericamente acarreta vários efeitos
deletérios, incluindo náusea, vómitos, anorexia, hipotensão, taquicardia,
extrassístole ventricular e fibrilação auricular).

A terapia com levodopa pode exercer um efeito benéfico significativo em


todos os sinais e sintomas da doença de Parkinson. De facto, se este
fármaco for administrado numa fase precoce da doença, pode se
registar uma supressão quase completa do tremor, rigidez e
bradicinesia. Nesta fase, a duração dos efeitos benéficos da levodopa
pode exceder o período de semi-vida deste fármaco, o que sugere que
o sistema dopaminérgico nigro-estriatal mantém alguma capacidade de
armazenar e libertar dopamina.
Contudo, com o tempo, verifica-se uma perda deste efeito, o que
constitui uma limitação do uso a longo-prazo da levodopa. Ou seja, com
o seu uso prolongado, a levodopa “perde eficácia”, de tal modo que a
administração de uma dose deste fármaco pode induzir consideráveis
flutuações do estado motor do paciente – esta condição designa-se por
“complicações motoras da levodopa”.

Para além disso, cada dose de levodopa melhora a mobilidade por um


certo período de tempo (cerca de 1-2 horas) ao fim do qual volta se
rapidamente a registar rigidez e acinesia. O aumento da dose e
frequência de administração deste fármaco pode melhorar esta
situação, embora esta estratégia aumente o risco de desenvolvimento
de discinesias (movimentos involuntários excessivos e anormais). As
discinesias são normalmente observadas na presença de elevados
níveis plasmáticos de levodopa, embora em alguns indivíduos estes
movimentos podem ser observados aquando de um decréscimo dos
níveis deste fármaco.

Por fim, nas etapas mais tardias da doença de Parkinson, os pacientes


podem alternar rapidamente entre um estado de “resistência” aos
efeitos dos anti-parkinsónicos da levodopa (estado off) e um estado de
“sensibilidade” acompanhado por discinesias (estado on) – este efeito
designa-se, então, por

fenómeno on-off.

De acordo com estudos recentes, a indução de complicações motoras


parece resultar de um processo activo de adaptação às variações dos
níveis encefálicos e plasmáticos de levodopa. Este complexo processo
de adaptação não envolve apenas alterações na função dos receptores
dopaminérgicos, mas também alterações a jusante, nomeadamente nos
neurónios estriatais pós-sinápticos (envolvendo, por exemplo,
modificação dos receptores glutamatérgicos do tipo NMDA). Por
oposição, quando os níveis de levodopa permanecem constantes
(sendo mantidos por infusão intra-venosa), verifica-se uma diminuição
da ocorrência de discinesias e flutuações, enquanto os benefícios
terapêuticos se mantêm por vários dias.

Desconhece-se se a levodopa altera o progresso da doença de


Parkinson ou simplesmente modifica os sintomas subjacentes. De
acordo com um estudo recente, a levodopa não exerce um efeito
deletério na história da doença de Parkinson, embora elevadas doses
deste fármaco estejam associadas a uma ocorrência mais precoce de
discinesias. Assim, a maior parte dos clínicos apenas opta por
administrar levodopa quando os sintomas parkinsónicos causam
perturbações funcionais e as alternativas terapêuticas revelam-se
inadequadas ou mal toleradas.

O uso de levodopa pode causar vários outros efeitos adversos para


além de complicações motoras e náuseas. De entre esses efeitos,
destaque para a indução de alucinações, delírio, insónia, ansiedade e
confusão, algo que se revela deveras comum em pacientes idosos ou
com disfunção cognitiva pré-existente. Note-se que, embora eficazes
contra a psicose induzida pela levodopa, os agentes anti-psicóticos
típicos podem agravar o parkinsonismo (provavelmente, por acção nos
receptores dopaminérgicos D2). Por seu turno, para além de poderem
ser ineficazes na terapia da psicose induzida pela levodopa, alguns anti-
psicóticos atípicos podem também agravar o parkinsonismo. Note-se
que a clozapina e a quetiapina constituem os dois anti-psicóticos mais
eficazes e melhor tolerados em pacientes com doença de Parkinson
avançada.

Por outro lado, a descarboxilação periférica de levodopa induz


libertação de dopamina para a circulação, o que resulta na activação de
receptores dopaminérgicos vasculares e, por conseguinte, num maior
risco de hipotensão ortostática. Subsequentemente, pode se registar
uma activação reflexa do sistema nervoso central, a qual cursa com
taquicardia, extrassístoles ventriculares e fibrilação auricular.

A co-administração de inibidores não-selectivos da MAO e levodopa


potencia as acções deste último fármaco, podendo despoletar
hiperpirexia e crises hipertensivas potencialmente fatais. Assim, os
inibidores não-selectivos da MAO devem ser descontinuados, pelo
menos, 14 dias antes do início da terapia com levodopa – esta
indicação não se aplica aos inibidores selectivos da MAO-B, os quais
são inclusive frequentemente co-administrados com a levodopa.

De entre os efeitos adversos da levodopa, destaque ainda para a


midríase, hemólise, gota, priapismo, e ulcerações pépticas. Assim, este
fármaco encontra-se contra-indicado em pacientes com psicose,
glaucoma de ângulo fechado, taquiarritmias, doença ulcerosa péptica e
antecedentes de melanoma.

A descontinuação abrupta da levodopa ou de outros fármacos


dopaminérgicos pode despoletar síndrome maligna dos
neurolépticos, um quadro potencialmente fatal que se caracteriza por
confusão, rigidez e hipertermia. De referir que a levodopa encontra-se
contra-indicada para pacientes com psicose, úlceras pépticas,
taquiarritmias e glaucoma de ângulo fechado.

Inibidores da catecol-O-metiltransferase (COMT)

Tal como a MAO, a COMT é


uma enzima envolvida na
metabolização da levodopa e
dopamina, convertendo-as
respectivamente em metil-
DOPA e 3-metoxitiramina.
Note-se que estas conversões
requerem a transferência de um
grupo metilo de uma adenil-
metionina.

Quando a levodopa é
administrada por via oral, cerca
de 99% deste fármaco não actua
no encéfalo – de facto, a maior
parte da levodopa

é perifericamente convertida
pela descarboxílase dos ácidos
aromáticos em dopamina, a qual
causa náusea e hipotensão. A
adição de um inibidor da
descarboxílase dos ácidos
aromáticos (tal como a
carbidopa) reduz a formação de
dopamina, embora aumente a
fracção de levodopa que sofre
metabolização pela COMT. Ora,
os inibidores da COMT actuam
num sentido de bloquear a
conversão

periférica de levodopa em metil-dopa, aumentando assim o tempo de


semi-vida plasmática da levodopa, bem como a fracção deste fármaco
que atinge o encéfalo. Em termos clínicos, estes fármacos revelam-se
eficazes na terapia de pacientes com fenómeno on-off.

O tolcapone e o entacapone constituem os inibidores da COMT mais


frequentemente usados na terapia da doença de Parkinson. Estes dois
fármacos actuam de modo similar (prolongando o efeito da
levodopa/carbidopa), diferindo apenas nas suas propriedades
farmacocinéticas e efeitos adversos. De facto, o tolcapone apresenta
uma duração de acção relativamente longa, parecendo actuar por
inibição central e periférica da COMT. Por seu turno, o entacapone
apresenta uma curta duração de acção, sendo simultaneamente
administrado com cada dose de levodopa/carbidopa. Note-se que os
efeitos do entacapone resultam maioritariamente da inibição periférica
da COMT.

Estes fármacos apresentam efeitos adversos similares aos da


levodopa/carbidopa, nomeadamente náusea, diarreia, dor abdominal,
discinesias, hipotensão ortostática, sonhos vívidos, confusão e
alucinações. O tolcapone induz ainda hepatotoxicidade, tendo sido já
registados casos isolados de insuficiência hepática fulminante fatal.
Deste modo, o tolcapone só deve ser administrado a pacientes que não
responderam a outras terapias, requerendo uma monitorização
constante da função hepática. Por oposição, o entacapone não está
associado a hepatotoxicidade, não requerendo qualquer monitorização.

Inibidores selectivos da MAO-B

Embora ambas as isoformas da MAO (MAO-A e MAO-B) se revelem


capazes de oxidar monoaminas, a MAO-B constitui a isoforma
predominante no núcleo estriado, sendo responsável pela maior parte
do metabolismo encefálico da dopamina.
A selegilina e a rasagilina constituem os inibidores selectivos da MAO-
B usados na terapia da doença de Parkinson. Quando administrados
nas doses recomendadas, estes agentes inibem a MAO-B de modo

selectivo e irreversível.
Assim, ao inibir a
degradação estriatal de

dopamina, estes
fármacos apresentam
benefícios modestos na
sintomatologia da
doença de Parkinson.

Contrariamente aos
inibidores não-
específicos da MAO
(tais como a
isocarboxazida,
tranilcipromina e
fenelzina), os inibidores
selectivos da MAO-B
não inibem o
metabolismo periférico
das

catecolaminas de modo
significativo, podendo
ser co-administrados
com a levodopa. Para
além disso, a co-
administração destes
agentes com a tiramina
não resulta em
hipertensão.

A selegilina é usada na
terapia sintomática da
doença de Parkinson,
sendo normalmente
bem tolerada em
pacientes mais jovens e
com um quadro ligeiro
ou moderado. Contudo,
em pacientes com
doença de Parkinson
avançada, ou com uma

perturbação cognitiva subjacente, a selegilina pode acentuar os efeitos


adversos (de cariz motor e cognitivo) resultantes do uso de levodopa.
Note-se que, para além de pouco segura em doentes com
parkinsonismo avançado, a selegilina revela-se pouco eficaz quando
administrada em monoterapia.

Os metabolitos da selegilina incluem a anfetamina e a metanfetamina,


duas substâncias capazes de causar insónias, ansiedade e outros
sintomas adversos. Desta forma, estão já disponíveis preparações
transdérmicas de selegilina, as quais têm por objectivo a redução do
seu efeito de primeira passagem hepática e, por conseguinte, da
formação de anfetaminas.

Contrariamente à selegilina, a rasagilina não é biotransformada em


metabolitos da classe das anfetaminas. O uso isolado da rasagilina
revela-se eficaz na terapia da doença de Parkinson precoce, enquanto a
sua co-administração com a levodopa prolonga a eficácia deste último
fármaco em pacientes com doença de Parkinson avançada.

A inibição encefálica da MAO-B resulta na redução do catabolismo total


da dopamina, o que pode diminuir a formação de radicais livres
potencialmente tóxicos. Deste modo, pensa-se que a rasagilina e a
selegilina desempenhem efeitos neuro-protectores, diminuindo a taxa
de neuro-degeneração observada na doença de Parkinson.

Os inibidores selectivos da MAO-B são normalmente bem tolerados,


embora possam participar em importantes interacções farmacológicas.
De facto, quando co-administrada com a meperidina, a selegilina pode
induzir estupor, rigidez, agitação e hipertensão. Assim, a selegilina e a
rasagilina não devem ser co-administradas com a meperidina. A co-
administração de inibidores da MAO-B com anti-depressores tricíclicos
ou inibidores da recaptação de serotonina também pode causar efeitos
deletérios, embora estes sejam relativamente pouco comuns. De
qualquer modo, a co-administração de selegilina e rasagilina com
fármacos serotoninérgicos exige alguma cautela, sobretudo em
pacientes que estejam a tomar doses elevadas destes últimos
fármacos.

Agonistas dos receptores dopaminérgicos

Os agonistas dos receptores dopaminérgicos estriatais revelam-se


eficazes na terapia da doença de Parkinson, apresentando algumas
vantagens face à levodopa. De facto, estes fármacos não dependem
das capacidades funcionais dos neurónios nigro-estriatais, pois a sua
actividade não requer a ocorrência de conversão enzimática prévia.

Para além disso, por comparação com a levodopa, os agonistas dos


receptores dopaminérgicos apresentam um período de acção superior.
Assim, estes últimos fármacos podem ser usados no controlo das
flutuações do estado motor, bem como na prevenção das complicações
motoras subjacentes ao uso de levodopa. Por fim, os agonistas dos
receptores da dopamina reduzem a formação de radicais livres, pois
diminuem a libertação endógena de dopamina e a necessidade de
levodopa exógena.

O ropinirole, o pramipexole e a rotigotina constituem os agonistas


dopaminérgicos usados na terapia da doença de Parkinson. O uso
destes três agentes substituiu o de outros fármacos mais antigos e com
mais efeitos adversos, tais como a bromocriptina e a pergolida. Estes
dois fármacos são derivados da ergotamina, sendo que a pergolida
revela-se mais eficaz que a bromocriptina.

O ropinirole e o pramipexole actuam selectivamente nos receptores D2


e D3, exercendo uma acção desprezável nos receptores D1 e D5. Estes
fármacos desempenham acções terapêuticas similares, sendo ambos
capazes de atenuar a sintomatologia da doença de Parkinson. Estes
fármacos são ambos administrados por via oral, apresentando uma
duração de acção superior à da levodopa – deste modo, pramipexole e
o ropinirole revelam-se particularmente eficazes na terapia de pacientes
que desenvolveram um fenómeno “on-off” (o ropinirole pode ser
administrado apenas uma vez por dia, o que reduz os efeitos adversos
inerentes ao seu uso). Por seu turno, a rotigotina pode ser administrada
por via transdérmica, possibilitando que a estimulação dopaminérgica
ocorra de modo mais prolongado. De resto, os benefícios e efeitos
adversos deste fármaco são similares aos dos restantes agonistas
dopaminérgicos.

Em termos farmacocinéticos, os agonistas dopaminérgicos não geram


metabolitos activos (sendo que o ropinirole é metabolizado pelo
CYP1A2). No que concerne à sua excreção, a bromocriptina é
eliminada por via intestinal, enquanto o pramipexole é eliminado por via
renal.

Tal como a levodopa, os agonistas dopaminérgicos podem causar


alucinações, psicose, sonolência, confusão, náusea, e hipotensão
ortostática – contudo, estes efeitos são mais graves quando causados
pelos agonistas dopaminérgicos. Para além disso, estes fármacos
podem causar anorexia, refluxo gastro-esofágico, dispepsia, obstipação,
arritmias, discinesias, edema periférico, congestão nasal e fibrose
pleural e retro-peritoneal. A pergolida aumenta ainda o risco de fibrose
valvular cardíaca.

De entre as principais contra-indicações dos agonistas dopaminérgicos,


destaque para a doença psicótica, patologia cardiovascular recente,
doença ulcerosa péptica e doença vascular periférica (nomeadamente,
os derivados da ergotamina).

Apomorfina

A apomorfina é um agonista dopaminérgico passível de ser


administrado por via subcutânea. Este fármaco apresenta elevada
afinidade para os receptores D4, afinidade moderada para os receptores
D2, D3, D5 e α-adrenérgicos (α1D, α2B e α2C), e baixa afinidade para os
receptores D1. Em termos clínicos, a apomorfina é usada em pacientes
com resposta flutuante à terapia dopaminérgica, sendo empregue no
tratamento intermitente agudo de episódios “off”.

A apomorfina e os agonistas dopaminérgicos orais apresentam os


mesmos efeitos laterais. Para além disso, a apomorfina é altamente
emetogénica, de tal modo que o seu uso requer a realização de terapia
anti-emética (nomeadamente com trimetobenzamina) pré- e pós-
tratamento. Note-se, contudo, que a apomorfina não deve ser co-
administrada com anti-eméticos antagonistas dos receptores 5-HT3 – de
facto, o uso simultâneo de apomorfina e ondansetron pode causar
hipotensão profunda e perda de consciência.

Para além disso, a apomorfina pode induzir prolongamento do intervalo


QT, reacções alérgicas no local de injecção e dependência (a qual
cursa com alucinações, discinesia e comportamento anormal). Assim,
devido aos seus efeitos adversos, o uso de apomorfina apenas se
encontra indicado para a terapia de episódios “off” refractários à acção
dos agonistas dopaminérgicos e inibidores da COMT.

Antagonistas dos receptores muscarínicos

Antes do desenvolvimento da levodopa, os antagonistas dos receptores


muscarínicos eram amplamente utilizados na terapia da doença de
Parkinson. Em termos clínicos, estes fármacos melhoram a rigidez e
tremor subjacente, mas exercem efeitos mínimos na bradicinesia. Já no
que concerne ao seu mecanismo de acção, os anti-muscarínicos
parecem actuar no neo-estriado, antagonizando a inervação colinérgica
proveniente dos interneurónios estriatais. Note-se que todos os
receptores muscarínicos parecem ser expressos no estriado, embora
cada um apresente uma distribuição distinta.

De entre os fármacos anti-colinérgicos usados na terapia da doença de


Parkinson, destaque para o trihexifenidilo, benzatropina e
difenidramina (que também constitui um antagonista dos receptores
histaminérgicos H1). Todos estes fármacos apresentam uma actividade
anti-parkinsoniana relativamente modesta, sendo apenas utilizados na
terapia da doença de Parkinson precoce, ou como adjuvantes da terapia
dopaminérgica. Os seus efeitos adversos resultam das suas
propriedades anti-colinérgicas e incluem sedação, confusão mental,
obstipação, retenção urinária e ciclopegia. Os fármacos anti-colinérgicos
devem ser cautelosamente administrados em pacientes com glaucoma
de ângulo fechado, doença obstructiva intestinal e hiperplasia benigna
da próstata.
Amantadina

A amantadina é um agente anti-vírico (usado na profilaxia e terapia da


influenza A) com actividade anti-parkinsoniana. Este fármaco parece
alterar a libertação de dopamina no núcleo estriado, apresentando ainda
propriedades anti-colinérgicas e anti-glutamatérgicas (por bloqueio dos
receptores NMDA). Contudo, desconhece-se qual(is) deste(s) efeito(s)
contribuem para as acções anti-parkinsonianas da amantadina.

De qualquer modo, a amantadina exerce efeitos fracos e transitórios (na


ordem das semanas) na terapia da doença de Parkinson, sendo usada
na terapia inicial de pacientes com quadros moderados. Para além
disso, este fármaco pode ser co-administrado com a levodopa em
pacientes com discinesias e flutuações dependentes da dose. Note-se
que as propriedades anti-discinésicas da amantadina parecem resultar
das suas acções nos receptores NMDA, embora a memantina, que
também antagoniza os receptores NMDA, não partilhe destes efeitos.

Os principais efeitos adversos da amantadina são ligeiros e reversíveis.


De entre estes efeitos, destaque para as tonturas, letargia, perturbações
do sono, efeitos anti-muscarínicos, náuseas e vómitos. Para além disso,
a amantadina pode induzir convulsões e psicose, encontrando-se
contra-indicada em pacientes epilépticos ou com insuficiência cardíaca.

Terapia neuro-protectora da doença de Parkinson

Recentemente, têm sido conduzidos vários estudos num sentido de


avaliar se os fármacos anti-parkinsonianos usados na prática clínica
desempenham efeitos neuro-protectores. Sabe-se, por exemplo, que
após descontinuação do uso de levodopa, persistem alguns efeitos
benéficos. Todavia, desconhece-se se estes advêm de um efeito neuro-
protector deste fármaco. Por seu turno, por comparação com a
levodopa, o uso de pramipexole e ropinirole parece estar associado a
uma menor diminuição da neuro-transmissão dopaminérgica.

A inibição encefálica da MAO-B reduz o catabolismo total da dopamina,


o que pode diminuir a formação de radicais livres potencialmente
tóxicos e, por conseguinte, a taxa de degeneração subjacente à doença
de Parkinson. Assim, a selegilina e a rasagilina parecem desempenhar
efeitos neuro-protectores, embora os estudos evidenciem alguns
resultados contraditórios.

O uso terapêutico de compostos que aumentam o metabolismo


energético celular encontra-se, actualmente, sob investigação. A co-
enzima Q10 constitui uma dessas substâncias – este co-factor, que

2. essencial na cadeia mitocondrial de transporte de electrões, parece


atrasar a progressão da doença de Parkinson, sendo bem tolerado
pelos pacientes em questão.

Sumário clínico

Em pacientes com sintomas ligeiros, os inibidores da MAO-B, a


amantadina, ou (em indivíduos mais jovens) os anti-colinérgicos
constituem fármacos passíveis de serem usados na terapia da doença
de Parkinson. Contudo, na maior parte dos pacientes, é necessário
recorrer à terapia com um fármaco dopaminérgico, seja ele a levodopa
ou um agonista dopaminérgico. Note-se que, embora diminua o risco de
discinesias e flutuações motoras, a co-administração de levodopa e um
agonista dopaminérgica aumenta o risco de efeitos adversos.

De acordo com ensaios clínicos recentes, quando os agonistas


dopaminérgicos são usados na terapia inicial, verifica-se uma menor
taxa de flutuação motora, mas um maior risco de efeitos adversos
(sobretudo sonolência e alucinações). De referir que os agonistas
dopaminérgicos são mais frequentemente administrados como terapia
inicial nos pacientes mais jovens, enquanto a levodopa/carbidopa é
melhor tolerada pelos pacientes mais idosos.
Anti-psicóticos
Os fármacos anti-psicóticos revelam-se capazes de reduzir os
sintomas psicóticos associados a várias condições, tais como
esquizofrenia, doença bipolar, depressão psicótica, psicose senil,
psicoses orgânicas e psicoses induzidas por fármacos. Para além disso,
estes fármacos revelam-se capazes de melhorar a disposição e reduzir
a ansiedade e as perturbações do sono, embora não constituam os
agentes de primeira escolha para tratamento destas perturbações em
pacientes não-psicóticos.

Os fármacos anti-psicóticos podem ser divididos em duas classes


distintas:

4. Neurolépticos: Fármacos anti-psicóticos que, quando


administrados em doses clinicamente eficazes, induzem uma
grande frequência de efeitos laterais extra-piramidais.

5. Fármacos anti-psicóticos “atípicos”: Constituem os fármacos


anti-psicóticos mais frequentemente administrados, pois não
estão associados a um risco tão elevado de efeitos laterais extra-
piramidais.

O termo “psicose” engloba várias perturbações mentais, incluindo


delírio (falsas crenças), pensamento desorganizado e vários tipos de
alucinações (normalmente auditivas ou visuais, embora por vezes
possam ser de natureza táctil ou olfactiva). A esquizofrenia constitui um
tipo particular de psicose caracterizado por um sensorium (percepção)
normal, mas por uma perturbação significativa do pensamento. Todavia,
a psicose não é um fenómeno exclusivo da esquizofrenia, não se
encontrando constitutivamente presente em todos os pacientes
esquizofrénicos.

Patogénese da esquizofrenia
A esquizofrenia é considerada uma doença do desenvolvimento
neural, tendo por base alterações estruturais e funcionais no encéfalo.
Estas podem estar presentes desde o período fetal ou desenvolver-se
durante a infância e adolescência. De qualquer modo, a esquizofrenia
constitui uma perturbação genética (mas não monogénica),
apresentando uma elevada heritabilidade.

A patogenia da esquizofrenia permanece ainda mal conhecida, embora


se pense que este distúrbio está relacionado com perturbações da
neuro-transmissão. Assim, existem actualmente três hipóteses que
procuram explicar a patogenia da esquizofrenia, nomeadamente a
hipótese da serotonina, a hipótese da dopamina e a hipótese do
glutamato.

Hipótese da dopamina
Embora não permita explicar todos os aspectos da esquizofrenia, a
hipótese da dopamina continua a ser extremamente relevante para a
compreensão das principais dimensões desta perturbação, incluindo os
sintomas positivos e negativos (atenuação das emoções, exclusão
social e falta de motivação), as perturbações cognitivas e,
possivelmente, a depressão. Para além disso, esta hipótese permite
compreender o mecanismo de acção da maioria (quiçá de todos) dos
fármacos anti-psicóticos.

De acordo com várias linhas de evidência, a actividade dopaminérgica


límbica desempenha um importante papel na psicose. De facto:

3. Vários fármacos anti-psicóticos constituem potentes bloqueadores


dos receptores pós-sinápticos centrais D2 (sobretudo ao nível do
sistema mesolímbico e estriatal-frontal). De entre estes agentes,
destaque para os agonistas parciais dopaminérgicos, tais como o
aripiprazol e o bifeprunox.

4. Os fármacos que aumentam a actividade dopaminérgica (tais


como a levodopa, anfetaminas, bromocriptina e apomorfina)
podem agravar a psicose esquizofrénica ou induzir psicose de
novo.

5. A densidade dos receptores dopaminérgicos pós-sinápticos


encefálicos é superior nos pacientes esquizofrénicos que não são
tratados com fármacos anti-psicóticos.
6. Os indivíduos esquizofrénicos manifestam níveis superiores de
dopamina e maior densidade de receptores D2 no núcleo
accumbens, caudado e putamen.

7. As perturbações de memória dos indivíduos esquizofrénicos


parecem estar correlacionadas com um aumento dos níveis de
receptores dopaminérgicos D1 no córtex pré-frontal.

Contudo, a
hipótese da
dopamina não se
revela capaz de
explicar todos os
aspectos da
esquizofrenia. De
facto, não obstante
serem eficazes na
terapia da
esquizofrenia, os
agentes

anti-psicóticos
atípicos exercem
menos efeitos nos
receptores D2,
quando
comparados com
outros anti-
psicóticos.

Para além disso, nos

pacientes esquizofrénicos, verifica-se uma diminuição da actividade


dopaminérgica em algumas regiões do sistema nervoso central, tais
como o núcleo estriado, substância negra, sistema límbico, córtex
encefálico e hipocampo. De facto, as perturbações cognitivas e
sintomas negativos da esquizofrenia parecem resultar da diminuição da
actividade dopaminérgica cortical e hipocampal.
Hipótese da serotonina
A estimulação central dos receptores 5-HT2A está associada ao
desenvolvimento de alucinações, de tal modo que as propriedades
alucinogénicas do LSD e mescalina resultam da sua activação destes
receptores. Por outro lado, o bloqueio dos receptores 5-HT2A constitui
um importante mecanismo de acção de vários fármacos anti-psicóticos
atípicos, tais como a clozapina e a quetiapina (na verdade, estes
fármacos constituem agonistas inversos dos receptores 5-HT2A, pois
bloqueiam a sua actividade constitutiva).

Em termos moleculares, os receptores 5-HT2A modulam a libertação de


dopamina no córtex cerebral, região límbica e núcleo estriado. A
estimulação destes receptores promove a despolarização de neurónios
glutamatérgicos e, simultaneamente, estabiliza os receptores NMDA.
Assim, não admira que os alucinogénios sejam capazes de modular a
estabilidade dos complexos constituídos por receptores 5-HT2A e
NMDA.

A estimulação dos receptores 5-HT2C também permite a modulação da


actividade dopaminérgica límbica e cortical. Deste modo, os agonistas
dos receptores 5-HT2C estão a ser estudados como agentes anti-
psicóticos.

Em suma, os receptores hidroxitriptaminérgicos (nomeadamente o


receptor 5-HT2A) e os receptores D2 podem actuar de modo sinérgico.
Assim, actualmente, tem-se procurado desenvolver fármacos que
actuem simultaneamente em vários sistemas de neurotransmissores,
algo que já se verifica com os anti-psicóticos atípicos, que actuam
simultaneamente como antagonistas fracos dos receptores D2 e como
potentes antagonistas dos receptores 5-HT2A.

Hipótese do glutamato
A patogenia da esquizofrenia pode estar ainda relacionada com uma
hipofunção dos receptores NMDA expressos pelos neurónios
GABAérgicos. De facto, esta hipofunção conduz a uma diminuição da
actividade GABAérgica (inibitória), o que pode resultar numa desinibição
da actividade glutamatérgica a jusante e, por conseguinte, numa
hiperestimulação dos neurónios corticais (via receptores não-NMDA).

Esta hipótese tem uma base farmacológica – de facto, a fenciclidina e


a cetamina são inibidores não-competitivos dos receptores
glutamatérgicos NMDA que exacerbam simultaneamente as
perturbações cognitivas e a psicose dos pacientes esquizofrénicos. Por
seu turno, o LY2140023, que actua como um agonista do receptor
glutamatérgico metabotrópico 2/3 (mGLuR2/3), pode se revelar eficaz
na terapia da esquizofrenia.

A activação total dos receptores NMDA requer a presença de glicina,


sendo que, nos pacientes esquizofrénicos, o local da glicina do receptor
NMDA não parece estar totalmente saturado. Assim, os inibidores do
transporte da glicina poderão constituir futuros agentes anti-psicóticos.

As ampaquinas são fármacos que potenciam as correntes mediadas


pelos receptores glutamatérgicos do tipo AMPA. De acordo com estudos
experimentais, estes fármacos revelam-se eficazes na correcção de
vários comportamentos característicos da esquizofrenia e depressão.
Em termos moleculares, as ampaquinas protegem os neurónios de
lesões neurotóxicas, algo que se deve parcialmente à sua capacidade
em mobilizar factores de crescimento, tais como o BDNF.

Agentes anti-psicóticos

Fármacos anti-psicóticos típicos


Derivados da fenotiazina

No que concerne à sua estrutura, os derivados fenotiazínicos


apresentam um “anel fenotiazínico” (constituído por dois anéis
benzénicos unidos por um átomo de enxofre e outro de azoto), um
grupo substituinte no segundo carbono, uma cadeia lateral propilo na
posição 10, e um grupo amina terciário.

Em termos farmacocinéticos, as fenotiazinas demonstram uma elevada


capacidade de ligação às proteínas plasmáticas, atingindo elevadas
concentrações no encéfalo e pulmões. Estes fármacos são altamente
lipofílicos, o que condiciona um importante efeito de primeira passagem,
o qual reduz a sua biodisponibilidade oral. A sua biotransformação é
mediada pelo CYP2D6, enquanto a sua eliminação processa-se por via
renal. De acordo com a sua cadeia lateral, as fenotiazinas podem ser
classificadas em três subfamílias:

5. Derivados alifáticos

6. Derivados da piperidina

7. Derivados da piperazina

Os derivados
alifáticos (tais
como a
cloropromazina) e
piperidínicos (tais
como a tioridazina)
constituem as

fenotiazinas menos
potentes, induzindo
maior grau de
sedação e ganho
ponderal. Por seu
turno, os derivados
piperazínicos são
mais potentes, mas
não
necessariamente
mais eficazes.
Todavia, os
derivados
piperazínicos
exercem efeitos
farmacológicos mais
seletivos.
De referir que, de acordo com estudos recentes, a perfenazina (uma
fenotiazina) revela-se tão eficaz como os anti-psicóticos atípicos (com
excepção da olanzapina). Contudo, não obstante a sua eficácia,
convém não esquecer que os anti-psicóticos típicos acarretam maior
risco de discinesia tardia que os anti-psicóticos atípicos.

Derivados do tioxanteno

Em termos estruturais, os derivados do


tioxanteno são similares aos derivados das
fenotiazinas. Todavia, os anéis benzénicos
são unidos por um átomo de enxofre e um
de carbono (e não de azoto), e a cadeia
lateral apresenta uma dupla ligação. O
tiotixeno constitui o fármaco representativo
deste grupo de fármacos.

Derivados da butirofenona

As butirofenonas e seus compostos relacionados (tais como as


difenilbutilpiperidinas) tendem a ser mais potentes e a apresentar
menos efeitos autonómicos que as fenotiazinas. Todavia, as
butirofenonas induzem maior risco de efeitos extra-piramidais. De entre
as butirofenonas, destaque para o haloperidol, que constitui o anti-
psicótico típico mais frequentemente utilizado, não obstante o maior
risco associado de sintomas extra-piramidais.

Outros fármacos

A pimozida e a molindona constituem anti-psicóticos típicos, cuja


eficácia é similar à de outros anti-psicóticos típicos mais antigos.

Fármacos anti-psicóticos atípicos


Os fármacos anti-psicóticos atípicos incluem a loxapina, clozapina,
asenapina, olanzapina, quetiapina, paliperidona, risperidona,
sertindol, ziprazidona, zotepina e aripiprazol - note-se que a
paliperidona (9-hidroxirisperidona) constitui o metabolito activo da
risperidona. No que concerne ao seu mecanismo de acção, estes
fármacos demonstram maior capacidade em alterar a actividade dos
receptores 5-HT2A do que em interferir com a acção dos receptores D2
(nos quais parecem actuar como agonistas parciais). Assim, por
comparação aos anti-psicóticos típicos, os anti-psicóticos atípicos
revelam-se mais eficazes no controlo dos sintomas negativos da
esquizofrenia (que estão associados à activação dos receptores 5-
HT2A).

A sulprida e a sulpirida também constituem anti-psicóticos atípicos,


embora apresentem um mecanismo de acção diferente dos restantes.
De facto, estes fármacos demonstram potência similar para os
receptores D2 e D3, actuando ainda como antagonistas dos receptores
5-HT7. Por comparação com os restantes anti-psicóticos atípicos, a
sulprida e a sulpirida não demonstram um risco tão baixo de discinesia
tardia. Para além disso, estes fármacos induzem aumentos
significativos dos níveis de prolactina sérica.

Farmacocinética
A maior parte dos fármacos
anti-psicóticos sofre absorção
rápida, mas incompleta. Para
além disso, vários destes
fármacos sofrem um
importante efeito de primeira
passagem. Deste modo, a
biodisponibilidade oral da
clorpromazina e tioridazina
ronda os 25-35%, enquanto a
biodisponibilidade do
haloperidol (cujo efeito de
primeira passagem é inferior)
ronda os 65%.
A maior parte dos anti-
psicóticos apresenta elevada
lipofilia e elevada capacidade
de ligação às proteínas
plasmáticas. Estes fármacos
manifestam um grande volume
de distribuição, de tal modo
que a sua duração de acção é
superior ao seu período de
semi-

vida. No caso dos anti-psicóticos típicos, este fenómeno resulta de uma


ocupação prolongada dos receptores dopaminérgicos D2.

A maior parte dos fármacos anti-psicóticos é quase completamente


metabolizada por oxidação ou desmetilação, a qual é catalisada por
enzimas do sistema microssomal hepático, mais concretamente pelo
CYP2D6, CYP1A2 e CYP3A4. Estes fármacos podem, por isso,
interagir com fármacos inibidores das CYP (tais como o cetoconazole).
Apesar disso, quando administrados em doses terapêuticas, os
fármacos anti-psicóticos praticamente não interferem com o
metabolismo de outros fármacos.

O tempo de recorrência dos sintomas psicóticos após descontinuação


dos fármacos anti-psicóticos é altamente variável, sendo que o tempo
médio ronda os seis meses. A clozapina constitui uma excepção, na
medida em que as recorrências após descontinuação deste fármaco
são normalmente rápidas e graves. Deste modo, a clozapina nunca
deverá ser abruptamente descontinuada, excepto quando os seus
efeitos adversos constituem emergências médicas (tais como miocardite
ou agranulocitose).

Farmacodinamia
Os anti-psicóticos fenotiazínicos mais antigos (dos quais a
clorpromazina constitui o protótipo) exercem vários efeitos centrais,
autonómicos e endócrinos. Embora a eficácia destes fármacos resulte
maioritariamente do seu bloqueio dos receptores D2, os seus efeitos
adversos (também) resultam do bloqueio de uma série de outros
receptores, incluindo os receptores adrenérgicos, muscarínicos,
histaminérgicos H1 e serotoninérgicos 5-HT2.

Sistemas dopaminérgicos

Existem cinco importantes sistemas (ou vias) dopaminérgicos, cujo


conhecimento se revela fulcral para compreender a patogénese da
esquizofrenia e o mecanismo de acção dos fármacos anti-psicóticos.
Essas vias são as seguintes:

d) Via mesolímbica-mesocortical: Os neurónios desta via


projectam desde os corpos celulares próximos da substância
negra até ao sistema límbico e neocórtex. Note-se que esta
constitui a via mais intimamente relacionada com o
comportamento e com a psicose.

e) Via nigro-estriada: Os neurónios que participam nesta via


projectam desde a substância negra até ao estriado dorsal (que
inclui o caudado e o putamen). Esta via está envolvida na
coordenação e movimentos voluntários, o que explica a génese
de sintomas extra-piramidais subjacente ao bloqueio de
receptores D2.

f) Via tubero-infundibular: Esta via é constituída por neurónios


hipotalâmicos (com origem peri-ventricular ou no núcleo
arqueado), os quais libertam dopamina para a circulação porta
hipofisária. A dopamina libertada nesta via inibe fisiologicamente
a secreção adenohipofisária de prolactina.

g) Via medular-peri-ventricular: Esta via consiste em neurónios


provenientes do núcleo motor do vago e cujas projecções não são
ainda bem conhecidas. De qualquer modo, esta via parece estar
envolvida no comportamento alimentar.

h) Via incerto-hipotalâmica: Esta via conecta a zona incerta ao


hipotálamo e amígdala, parecendo estar envolvida no
comportamento sexual.
Como referido anteriormente, a maioria dos anti-psicóticos actua como
antagonista dos receptores dopaminérgicos, de tal modo que a sua
acção psicótica resulta (pelo menos, parcialmente) da sua capacidade
em bloquear a acção da dopamina na via mesolímbica-mesocortical.

Receptores dopaminérgicos

Actualmente, estão descritos cinco receptores dopaminérgicos, os quais


estão agrupados em duas famílias distintas, nomeadamente a família
dos receptores tipo D1 e a família dos receptores tipo D2.

O receptor D1 encontra-se acoplado à proteína Gs, de tal modo que a


sua activação resulta num aumento dos níveis de cAMP. Este receptor
encontra-se maioritariamente expresso no putamen, núcleo accumbens,
tubérculos olfactivos e córtex cerebral. Por seu turno, o receptor D5
(que também pertence

é família do receptor D1 e, por isso, também aumenta os níveis de


cAMP) encontra-se expresso maioritariamente no hipocampo e
hipotálamo.

A potência terapêutica dos fármacos anti-psicóticos não se correlaciona


com a sua afinidade de ligação aos receptores D1. Ou seja, os
antagonistas selectivos dos receptores D1 não constituem anti-
psicóticos eficazes. Na verdade, a eficácia dos anti-psicóticos típicos
relaciona-se preferencialmente com a sua afinidade para os receptores
D2.

O receptor D2 encontra-se acoplado à proteína Gi, de tal modo que a


sua activação resulta numa diminuição dos níveis de cAMP, bem como
numa inibição de canais de cálcio e numa abertura de canais de
potássio. Este receptor localiza-se nos neurónios do caudado, putamen,
núcleo accumbens e tubérculo olfactivo, sendo simultaneamente
expresso ao nível pré e pós-sináptico. Os receptores D3 e D4 também
pertencem à família dos receptores D2, actuando num sentido de
diminuir os níveis de cAMP – enquanto os receptores D3 encontram-se
expressos no córtex frontal, bolbo raquidiano e mesencéfalo; os
receptores D4 localizam-se no córtex cerebral.
Os anti-psicóticos típicos bloqueiam os receptores D2 de modo
selectivo, sendo que a sua afinidade para estes receptores encontra-se
fortemente relacionada com a sua potência anti-psicótica e extra-
piramidal. Assim, a eficácia destes fármacos requer a ocupação de, pelo
menos, 60% dos receptores D2 estriatais. Por oposição, a eficácia dos
anti-psicóticos atípicos requer uma menor taxa de ocupação dos
receptores D2, visto que estes fármacos também actuam por inibição
dos receptores 5-HT2A.

Apesar disso, a ocupação excessiva dos receptores D2 também não se


revela benéfica. De facto, quando os anti-psicóticos típicos ocupam
mais de 80% dos receptores estriatais D2, passam-se a registar
sintomas extra-piramidais. Note-se que, embora ocupe uma grande
fracção de receptores D2, o aripiprazol não causa sintomas extra-
piramidais, na medida em que actua como um agonista parcial dos
receptores D2. De referir que a eficácia do aripiprazol também se deve
ao seu antagonismo dos receptores 5-HT2A e ao seu agonismo parcial
dos receptores e 5-HT1.

Embora os receptores D3 e D4 pertençam à família dos receptores D2,


os antagonistas dos receptores D3 e D4 não evidenciam acção anti-
psicótica. De facto, a inibição de outros receptores dopaminérgicos
(para além dos receptores D2) não constitui o mecanismo de acção de
nenhum anti-psicótico.

Infelizmente, este texto traduz uma descrição simplificada da realidade.


De facto, no que diz respeito aos receptores dopaminérgicos, existem
formas de elevada e baixa afinidade, desconhecendo-se se a
esquizofrenia ou os fármacos anti-psicóticos alteram as proporções de
cada uma destas formas.

Outras vias neuronais

Todos os fármacos anti-psicóticos bloqueiam os receptores D2, embora


o grau deste bloqueio varie consideravelmente. Como referido
anteriormente, os anti-psicóticos atípicos mais recentes (clozapina,
olanzapina, quetiapina e aripiprazol) não demonstram grande afinidade
para os receptores D2, apresentando igual ou maior afinidade para os
receptores 5-HT2A.
Para além disso, alguns anti-psicóticos revelam-se ainda capazes de
antagonizar (de modo variável) os receptores α2 adrenérgicos – de
entre estes fármacos, destaque para a risperidona, clozapina,
olanzapina, quetiapina e aripiprazol. A relevância clínica deste
fenómeno permanece desconhecida.

A título de exemplo, atente-se na “escala de afinidades” apresentada por


alguns anti-psicóticos:

Clorpromazina: α1 = 5-HT2A > D2 > D1


Haloperidol: D2 > α1 > D4 > 5-HT2A > D1 > H1
Clozapina: D4 = α1 > 5-HT2A > D2 = D1
Olanzapina: 5-HT2A > H1 > D4 > D2 > α1 > D1
Aripiprazol: D2 = 5-HT2A > D4 > α1 = H1 >> D1
Quetiapina: H1 > α1 > M1,3 > D2 > 5-HT2A

Efeitos fisiológicos
Em indivíduos não-psicóticos, a maior parte dos fármacos anti-
psicóticos causa efeitos desagradáveis. De entre esses efeitos,
destaque para os sintomas extra-piramidais (incluindo acatsia), efeitos
autonómicos, irrequietude e sonolência. Este último efeito, contudo,
pode ser aproveitado com fins terapêuticos – de facto, alguns anti-
psicóticos (sobretudo a quetiapina) são usados para promover o início
e manutenção do sono.

Em indivíduos não-psicóticos, os fármacos anti-psicóticos causam


perturbações da cognição. Contudo, nos indivíduos psicóticos, pode se
verificar um efeito oposto, nomeadamente após ter ocorrido alívio da
psicose. De qualquer modo, a existência de benefícios na cognição
secundários ao uso de anti-psicóticos atípicos em pacientes
esquizofrénicos ou com doença bipolar permanece uma questão
controversa.

Efeitos electro-encefalográficos
Os fármacos anti-psicóticos produzem alterações no padrão electro-
encefalográfico (EEG), diminuindo as frequências do EEG e
aumentando a sua sincronização. Essa lentificação (hipersincronia) é,
por vezes, focal ou unilateral, o que pode levar a interpretações
diagnósticas erróneas.

Note-se que alguns agentes neurolépticos diminuem o limiar de


convulsões e induzem padrões de EEG típicos de perturbações
epilépticas. De qualquer modo, caso sejam realizados cuidadosos
ajustes posológicos, a maioria destes fármacos pode ser administrada a
pacientes epilépticos.

Efeitos endócrinos

Alguns anti-psicóticos induzem aumentos dos níveis de prolactina – de


entre esses fármacos, destaque para a risperidona, paliperidona e
anti-psicóticos típicos mais antigos. Por oposição, dado
desempenharem uma menor acção nos receptores D2, os anti-
psicóticos mais recentes (tais como a olanzapina, a quetiapina e o
aripiprazol) exercem um efeito desprezável nos níveis de prolactina e
apresentam menor risco de perturbações extra-piramidais e discinesia
tardia.

Efeitos cardiovasculares

As fenotiazinas de baixa potência exercem vários efeitos


cardiovasculares, os quais reflectem as suas acções autonómicas.
Assim, estes fármacos podem induzir hipotensão ortostática, taquicardia
e diminuição da pressão arterial média, resistência vascular periférica e
volume de ejecção.

Alguns destes fármacos (nomeadamente a tioridazina) podem,


inclusive, induzir anomalias do ECG, tais como prolongamento do
intervalo QT e configurações anormais do segmento ST e das ondas T
– note-se que estes efeitos deixam de se verificar após descontinuação
dos fármacos em questão. Apesar disso, por comparação com os outros
anti-psicóticos típicos, a tioridazina não está associada a um maior risco
de torsades de pointes. Por oposição, não obstante não prolongar o
intervalo QT, o haloperidol está associado a um aumento do risco de
torsades de pointes.

Vários anti-psicóticos atípicos recém-desenvolvidos têm estado


associados a um prolongamento do intervalo QT. De entre esses
fármacos, destaque para a ziprasidona, quetiapina e sertindol. Todavia,
desconhece-se se o uso destes fármacos está associado a um aumento
da incidência de arritmias.

Uso terapêutico
Indicações psiquiátricas

Os agentes anti-psicóticos são maioritariamente usados na terapia da


esquizofrenia, embora também sejam amplamente usados em
pacientes com doença bipolar psicótica, depressão psicótica, e
depressão resistente a outras terapias.

As formas catatónicas da esquizofrenia são melhor controladas com


recurso à administração intra-venosa de benzodiazepinas. Todavia,
após término da catatonia, os fármacos anti-psicóticos podem ser
usados para tratar os componentes psicóticos desta forma de
esquizofrenia, constituindo a terapia a longo-prazo para esta condição.
Infelizmente, muitos pacientes manifestam uma resposta fraca a estes
fármacos, sendo raros aqueles que respondem de forma completa.

Os fármacos anti-psicóticos podem ainda ser usados na terapia das


perturbações esquizo-afectivas, as quais pertencem ao espectro da
doença bipolar e partilham características da esquizofrenia e das
doenças afectivas. De facto, os aspectos psicóticos da doença bipolar
são tratados com recurso aos fármacos anti-psicóticos, os quais podem
ser co-administrados com outros fármacos (tais como os anti-
depressores, o lítio, ou o ácido valpróico). A terapia da fase de mania da
doença afectiva bipolar pode também recorrer ao uso de agentes anti-
psicóticos, embora o lítio ou o ácido valpróico suplementado com
benzodiazepinas de elevada potência possam ser suficientes em casos
mais ligeiros.

De qualquer modo, de acordo com estudos recentes, o uso isolado de


anti-psicóticos atípicos na fase aguda da mania revela-se eficaz, sendo
que a olanzapina e a quetiapina são clinicamente utilizadas com este
fim. À medida que a fase de mania regride, os anti-psicóticos podem ser
descontinuados, embora seja comum seguir uma terapia de
manutenção com estes agentes.

De entre as indicações para o uso de anti-psicóticos, destaque ainda


para a síndrome de Tourette, para as perturbações comportamentais da
doença de Alzheimer, e para a depressão psicótica. Contudo, os anti-
psicóticos não se encontram indicados para a terapia de síndromes de
privação. Para além disso, alguns clínicos administram (erradamente)
baixas doses de anti-psicóticos no alívio da ansiedade associada a
perturbações emocionais minor – nessas situações, deve-se optar pelo
uso de ansiolíticos, dado serem mais seguros e aceitáveis pelos
pacientes.

Indicações não-psiquiátricas

A maior parte dos fármacos anti-psicóticos típicos mais antigos (com


excepção da tioridazina) apresenta um forte efeito anti-emético – esta
acção deve-se a um bloqueio dos receptores dopaminérgicos, quer ao
nível central (na zona de gatilho dos quimiorreceptores), quer ao nível
periférico (nos receptores gástricos). De facto, alguns fármacos, tais
como a proclorperazina e a benzquinamida são unicamente utilizados
como anti-eméticos.

As fenotiazinas com cadeias laterais mais curtas constituem potentes


antagonistas dos receptores histaminérgicos H1, sendo utilizadas no
alívio do prurido ou, no caso da prometazina, como sedativos pré-
operatórios. O droperidol de butirfenona é ainda usado (em
combinação com o fentanil) num contexto de neuroleptanestesia.

Reacções adversas
A maior parte dos efeitos laterais dos fármacos anti-psicóticos
constituem extensões das suas acções farmacológicas. Contudo, estes
fármacos também podem despoletar reacções alérgicas ou efeitos
idiossincráticos.

Efeitos comportamentais
Os fármacos anti-psicóticos típicos mais antigos apresentam vários
efeitos laterais, os quais diminuem a adesão terapêutica dos pacientes.
Para contornar este problema, podem-se administrar pequenas doses
destes fármacos durante o dia, e doses superiores antes do adormecer.

Em termos comportamentais, estes fármacos podem induzir pseudo-


depressão, a qual se caracteriza por disforia, letargia, redução do
desejo/motivação, neutralidade afectiva, lentidão do raciocínio e
pesadelos. Ora, a pseudo-depressão pode-se dever à administração de
doses superiores às necessárias ou à acinesia induzida por estes
fármacos (neste último caso, a pseudo-depressão responde bem à
terapia com fármacos anti-parkinsonianos). O uso de doses muito
elevadas destes anti-psicóticos pode ainda induzir estados tóxico-
confusionais, os quais resultam das suas acções anti-muscarínicas.

Efeitos neurológicos

Os anti-psicóticos mais antigos podem induzir reacções extra-


piramidais, tais como parkinsonismo, acatisia (irrequietude
incontrolável) e reacções distónicas agudas (retrocolo espástico ou
torcicolo). O parkinsonismo (que pode ser auto-limitante) pode ser
tratado com recurso a fármacos anti-parkinsonianos do tipo anti-
muscarínico ou, em alguns casos, com recurso à amantadina. Por
oposição, a levodopa nunca deve ser usada nesses pacientes.

A acatisia e as recções distónicas também respondem ao tratamento


indicado para o parkinsonismo, embora também possam ser tratadas
com recurso a um anti-histamínico sedativo com propriedades anti-
colinérgicas (tal como a difenidramina, que pode ser administrada por
via oral ou parentérica).

A discinesia tardia é uma síndrome de ocorrência tardia caracterizada


pela ocorrência de movimentos coreo-atetóides anormais. Pensa-se que
este efeito seja causado por um défice colinérgico relativo, o qual é
secundário à hipersensibilidade dos receptores dopaminérgicos do
caudado-putamen. Este efeito
particularmente frequente em pacientes cronicamente tratados com
anti-psicóticos mais antigos, sendo mais raro em pacientes submetidos
a terapia com anti-psicóticos atípicos recentes. De facto, caso ocorra
detecção de discinesia tardia, os pacientes devem mudar o seu
esquema terapêutico, passando a usar fármacos atípicos com menor
risco de induzir esta complicação – de entre esses fármacos, destaque
para a quetiapina e para a clozapina. Para além disso, deve ocorrer
descontinuação de eventuais fármacos com acção anti-colinérgica (tais
como anti-depressores tricíclicos ou anti-parkinsonianos) e, em casos
mais graves, dever-se-á proceder à administração de diazepam.

O uso de clorpromazina e clozapina potencia o risco de convulsões –


nessas situações, o uso de um anti-convulsivo revela-se normalmente
eficaz. No caso dos anti-psicóticos mais antigos, a génese de
convulsões é deveras rara.

Síndrome maligna dos neurolépticos

A síndrome maligna dos neurolépticos é uma perturbação


potencialmente fatal que ocorre em pacientes extremamente sensíveis
aos efeitos extra-piramidais dos agentes anti-psicóticos. A rigidez
muscular constitui o sintoma inicial desta síndrome, a qual também
pode cursar com febre (nomeadamente, quando ocorre impedimento da
sudorese), leucocitose e, eventualmente, instabilidade autonómica. Esta
síndrome acompanha-se ainda por uma elevação dos níveis
plasmáticos de cínase de creatina muscular, o que reflecte a ocorrência
de danos musculares.

Pensa-se que este fenómeno constitua uma forma grave de síndrome


extra-piramidal e que resulte de um bloqueio excessivamente rápido dos
receptores dopaminérgicos pós-sinápticos. Assim, esta síndrome deve
ser tratada com recurso a fármacos anti-parkinsonianos, bem como a
relaxantes musculares (nomeadamente o diazepam, embora o
dantroleno e os agonistas dopaminérgicos também possam apresentar
utilidade).

Efeitos no sistema nervoso autónomo

3. maior parte dos pacientes revela-se capaz de tolerar os efeitos anti-


muscarínicos dos anti-psicóticos. De qualquer forma, caso os pacientes
desenvolvam sintomas anti-muscarínicos graves (tais como retenção
urinária), dever-se-á proceder à substituição por um agente sem acção
anti-muscarínica significativa. Por seu turno, a clorpromazina e a
mesoridazina apresentam acções anti-adrenérgicas significativas,
induzindo frequentemente hipotensão ortostática e perturbações da
ejaculação.

Efeitos endócrinos e metabólicos

O ganho de peso constitui um


fenómeno deveras comum,
estando sobretudo associado ao
uso de clozapina ou olanzapina.
Para além disso, o uso de anti-
psicóticos pode resultar no
desenvolvimento de hiperlipidemia
e resistência à insulina (já foram
inclusive registados casos de
cetoacidose diabética). Assim, o
uso destes fármacos obriga a um
controlo da alimentação, da
glicemia e dos níveis de
lipoproteínas plasmáticas.

Estes fármacos induzem ainda


hiperprolactinemia, a qual resulta
na génese de síndrome de

amenorreia-galactorreia,
infertilidade e osteoporose em
indivíduos do sexo feminino. Já
em indivíduos do sexo masculino,
a hiperprolactinemia está
associada a perda da líbido,
impotência sexual e infertilidade.
Assim, aquando da detecção
destes sintomas, deve se proceder
a uma redução da dose
administrada ou a uma
substituição por um anti-psicótico
atípico que não aumente os níveis
de prolactina, tal como o
aripiprazol.

Efeitos cardiovasculares

Quando administrada em doses elevadas, a tioridazina induz


anomalias reversíveis minor das ondas T. Por seu turno, as overdoses
de tioridazina aumentam o risco de arritmias ventriculares major,
incluindo torsades de pointes, bloqueios de condução cardíaca e morte
súbita. As acções anti-muscarínicas e tipo-quinidina da tioridazina
podem ser aditivas das dos anti-depressores tricíclicos, de tal modo que
a co-administração destes fármacos deverá ocorrer de modo muito
cauteloso.

De entre os anti-psicóticos atípicos, a ziprasidona constitui aquele que


acarreta um maior risco de prolongamento do intervalo QT, não
devendo ser combinada com outros fármacos que exerçam esse
mesmo efeito (tais como a tioridazina, o pimozídeo ou os anti-arrítmicos
dos grupos IA ou III). Note-se, contudo, que a morte súbita por arritmias
é comum em pacientes esquizofrénicos, não estando sempre associada
ao uso de fármacos anti-psicóticos. De facto, quando comparado com
outros anti-psicóticos, o uso de ziprasidona (que prolonga o intervalo
QT) não está associado a um maior risco de torsades de pointes ou
morte súbita.

De referir que a clozapina aumenta o risco de miocardite, devendo ser


descontinuada caso essa complicação se manifeste.

Efeitos oculares

O uso de clorpromazina está frequentemente associado à formação de


depósitos na córnea e cristalino, os quais podem acentuar o normal
envelhecimento do cristalino. Por seu turno, a tioridazina constitui o
único anti-psicótico que promove a formação de depósitos na retina, os
quais se podem assemelhar a retinite pigmentosa – estes depósitos
tornam a visão como que “mais castanha”.
Efeitos teratogénicos

Não obstante aparentarem ser relativamente seguros durante a


gravidez, os fármacos anti-psicóticos aumentam ligeiramente o risco de
teratogenicidade. Assim, embora a decisão seja do foro individual, é
preferível que, durante a gravidez, a mulher não seja exposta aos
efeitos dos anti-psicóticos, uma vez que estes fármacos interferem com
os neurotransmissores envolvidos no desenvolvimento neuronal.

Reacções alérgicas ou tóxicas

Em pacientes tratados com recurso a anti-psicóticos de elevada


potência, já foram descritos casos de agranulocitose, icterícia
colestática e erupções cutâneas. Contrariamente aos restantes
fármacos anti-psicóticos, a clozapina causa agranulocitose num
pequeno, mas significativo, número de pacientes – este efeito grave e
potencialmente fatal pode se desenvolver rapidamente. Desconhece-se
se este fenómeno constitui uma reacção imunológica, embora este
pareça ser reversível após descontinuação da clozapina. De qualquer
modo, devido ao risco inerente de agranulocitose, os pacientes a tomar
clozapina devem ser submetidos a hemogramas frequentes.

Interacções farmacológicas
Devido à sua multiplicidade de efeitos, os anti-psicóticos participam em
mais interacções farmacodinâmicas que farmacocinéticas. De facto,
podem se registar efeitos aditivos aquando da sua co-administração
com outros fármacos com propriedades sedativas, α-bloqueadoras, anti-
colinérgicas, ou (no caso da tioridazina e ziprasidona) do tipo quinidina.
Por outro lado, já foram registadas várias interacções farmacocinéticas,
embora nenhuma apresente importância clínica major.

Intoxicação
Contrariamente ao que se verifica com os anti-depressores tricíclicos, a
intoxicação com agentes anti-psicóticos raramente se revela fatal, com
excepção da intoxicação por mesoridazina e tioridazina (os efeitos letais
destes dois últimos fármacos resultam da sua indução de taquiarritmias
ventriculares). Note-se que os pacientes deverão receber um tratamento
de suporte e receber um acompanhamento similar ao verificado em
situações de intoxicação por anti-depressores tricíclicos.

Em termos clínicos, a intoxicação por estes fármacos caracteriza-se


pela presença de letargia, a qual pode evoluir para coma, não obstante
existir um período de intensa agitação. Para além disso, pode se
registar um aumento da excitabilidade neuronal, o que resulta em
convulsões. Os pacientes tendem a apresentar-se hipotensos e
hipotérmicos, embora possam manifestar febre mais tardiamente. As
suas pupilas tendem a encontrar-se em miose, enquanto os reflexos
tendinosos profundos encontram-se diminuídos.

Resumo clínico
Na maior parte dos pacientes com esquizofrenia, os anti-psicóticos
típicos revelam-se tão eficazes como os anti-psicóticos atípicos na
terapia dos sintomas positivos. Todavia, os anti-psicóticos atípicos
revelam mais benefícios na cognição e terapia dos sintomas negativos.
Para além disso, estes últimos fármacos revelam-se mais seguros,
acarretando um menor risco de discinesia tardia (ou outros sintomas
extra-piramidais) e gerando menores aumentos dos níveis de prolactina.

Por comparação com os anti-psicóticos típicos, os fármacos anti-


psicóticos atípicos induzem maior aumento do peso e dos níveis
lipídicos séricos. A ziprasidona constitui o fármaco atípico com menor
efeito no peso corporal, enquanto a clozapina e a olanzapina
constituem os fármacos cujo uso induz aumentos mais significativos do
peso corporal e lipídeos plasmáticos. Para além disso, numa pequena
percentagem de pacientes, o uso de clozapina e olanzapina pode
resultar no desenvolvimento de diabetes mellitus, de tal modo que estes
dois fármacos apenas devem ser usados quando especificamente
indicados. A título de exemplo, a clozapina encontra-se indicada para
pacientes esquizofrénicos refractários a outros fármacos. Para além
disso, este fármaco constitui o único anti-psicótico capaz de reduzir o
risco de suicídio, de tal modo que todos os pacientes esquizofrénicos
com elevado risco de suicídio devem proceder ao uso de clozapina.

A terapia das formas extremamente psicóticas da esquizofrenia deverá


recorrer ao uso de anti-psicóticos recentes, pois, embora a sua eficácia
pareça ser similar à dos anti-psicóticos antigos, a sua segurança é
superior. Note-se que, neste contexto, a clozapina e a risperidona
demonstram maior eficácia que o haloperidol, desconhecendo-se a
eficácia relativa do aripiprazol.

Os anti-psicóticos apresentam uma ampla janela terapêutica, de tal


modo que os anti-psicóticos (com excepção da clozapina e da
olanzapina) podem demonstrar igual eficácia, caso sejam administrados
em doses ajustadas. Todavia, os pacientes que sejam refractários a um
fármaco podem responder a outro fármaco distinto, de tal modo que
nestes pacientes devem ser tentados outros fármacos. Caso os
pacientes sejam refractários a dois ou três anti-psicóticos, deve-se
proceder ao uso de clozapina ou olanzapina.

De referir que o haloperidol e a flufenazida podem ser administrados


por via parentérica, caso se pretenda um rápido início de tratamento, ou
caso se procure assegurar uma terapia de manutenção a pacientes com
fraca compliance. No caso destes fármacos, a biodisponibilidade oral é
inferior à biodisponibilidade parentérica, de tal modo que as doses
parentéricas administradas deverão ser inferiores às doses orais.

A combinação de fármacos anti-psicóticos é deveras comum, sendo


também frequente a co-administração de fármacos anti-psicóticos e
anti-depressores (nomeadamente, anti-depressores tricíclicos ou
SSRIs). O lítio e o valproato também podem ser co-administrados com
fármacos anti-psicóticos, revelando-se benéficos em pacientes que não
respondam à administração isolada destes últimos fármacos. Por outro
lado, as benzodiazepinas podem ser úteis em pacientes com sintomas
de ansiedade ou insónia não-controladas por anti-psicóticos. Note-se,
por fim, que a terapia electro-convulsiva consegue aumentar a eficácia
da clozapina (e de outros fármacos anti-psicóticos), estando associada
a um melhor controlo dos sintomas positivos.

Anti-psicóticos típicos: Propriedades de cada fármaco

Fenotiazinas
Alifáticos
Cloropromazina

4. Farmacocinética

Biodisponibilidade oral relativamente baixa

Metabolização pelo CYP2D6

7. Farmacodinamia
D1: +
β D2: +++
o D4: ++

o α-adrenérgicos: +++
é H1: ++

Muscarínicos: +
5-HT2: +

4. Efeitos adversos

Convulsões (sobretudo quando co-administrada com o


tramadol)

Formação de depósitos na córnea e cristalino

Potencia a acção depressora central das benzodiazepinas,


barbitúricos e anti-histamínicos

Perturbações da ejaculação

Sedação: +++

Efeitos extra-piramidais: ++

Hipotensão: ++

Trifluopromazina
4. Farmacocinética e considerações clínicas

Absorção errática com alvo de significativa variabilidade inter-


individual

Controlo da agressividade subjacentes a episódios psicóticos

Uso como anti-emético e analgésico

é Farmacodinamia
D1: +
4. D2: +++
o D4: ?

o α-adrenérgicos: ++
4. H1: ++

Muscarínicos: ++
5-HT2: +

4. Efeitos adversos

Sedação: +++

3. Efeitos extra-
piramidais: ++ o
Hipotensão: ++

Piperidinas
Tioridazina

4. Farmacocinética
Metabolização pelo CYP2D6

5. Farmacodinamia
D1: +

D2: ++
D4: ++

o α-adrenérgicos: +++
• H1: -

Muscarínicos: ++
5-HT2: ++

• Efeitos adversos

Prolongamento do intervalo QT e taquiarritmias ventriculares


(em overdose)

Formação de depósitos retinianos castanhos

Sedação: +++

Efeitos extra-piramidais: +

Hipotensão: +++

Mesoridazina

• Farmacocinética

Metabolização pelo CYP2D6

• Efeitos adversos

Perturbações da ejaculação

• Taquiarritmias ventriculares
(em overdose) o Sedação: +++

o Efeitos extra-piramidais: +
o Hipotensão: ++

Piperazinas
Flufenazina

• Farmacocinética

Administração sob a forma parentérica (injecções de longa


acção)

Metabolização pelo CYP2D6

• Farmacodinamia
D1: +
• D2: +++
o D4: ++++

o α-adrenérgicos: ++
• H1: ++

Muscarínicos: ++
5-HT2: +

à Efeitos adversos

Sedação: +

• Efeitos extra-piramidais: +++

o Hipotensão: +

Perfenazina

• Farmacocinética

Metabolização pelo CYP2D6


Inibidor do CYP2D6

5. Efeitos adversos

Sedação: ++

• Efeitos extra-
piramidais: ++ o
Hipotensão: +

Trifluoperazina

• Farmacocinética

Metabolização pelo CYP2D6

Efeitos adversos

Poucos efeitos de cariz metabólico

Sedação: +

Efeitos extra-piramidais: +++

Hipotensão: +

Derivados do tioxanteno

Alifáticos
Cloroprotixeno

• Farmacodinamia
Inibição dos receptores 5-HT2, D1, D2, D3, H1, muscarínicos e
α1-adrenérgicos

4. Efeitos adversos e terapêuticos

Efeitos anti-eméticos
B Forte acção sedativa e anti-colinérgica

3. Menor risco de reacções adversas


que clopromazina o Sedação: +++

o Efeitos extra-piramidais: ++

o Hipotensão: +

Piperizinas
Tiotixeno

2. Efeitos adversos

8. Sedação: ++

3. Efeitos extra-
piramidais: ++ o
Hipotensão: +

Clopentixol (o seu isómero cis designa-se por zuclopentixol)

Farmac
odinami
a o D1:
+ o D2:
+++
o D4: ?

o α-adrenérgicos: ++
4. H1: -

Muscarínicos: -
5-HT2: +++

5. Efeitos adversos

Sedação: ++
7. Efeitos extra-
piramidais: ++ o
Hipotensão: ++

Flupentixol

p Farmacocinética

Absorção lenta e incompleta

Administração parentérica (injecções de longa acção)


em pacientes com baixa compliance e recidivas
frequentes

B Farmacodinamia
D1: ++
3. D2: +++
o D4: ?

o α-adrenérgicos: ++
4. H1: -

Muscarínicos: -
5-HT2: +++

6. Efeitos adversos e terapêuticos

Propriedades ansiolíticas e anti-depressivas

Sedação: ++

Efeitos extra-piramidais: +++

Hipotensão: ++

Derivados da butirofenona
Haloperidol
f Farmacocinética

Pode ser administrado por via parentérica, não induzindo


irritabilidade local

Absorção rápida e biodisponibilidade superior à das


fenotiazinas

Metabolização pelo CYP2D6 e CYP3A4

Farmacodinamia
D1: +
D2: ++++
o D4: ++++

o α-adrenérgicos: -
H1: +

Muscarínicos: -
5-HT2: +

Efeitos adversos e terapêuticos

Potente anti-emético

Torsades de pointes

Sedação: +

Efeitos extra-piramidais: ++++

Hipotensão: +

Droperidol

Período de acção
muito curto o Elevada
capacidade de sedação
o Uso como sedativo e anestésico de emergência (uso num
contexto de neuroleptanestesia com o fentanil)

o Risco de prolongamento do intervalo QT e torsades de


pointes

Pimozídeo

Farmacocinética

Metabolização pelo CYP1A2 e CYP3A4

Farmacodinamia
D1: -
D2: +++
o D4: +

o α-adrenérgicos: -
H1: -

Muscarínicos: -
5-HT2: -

Efeitos adversos

Prolongamento do intervalo QT e arritmias ventriculares

Sedação: +

Efeitos extra-piramidais: +++

Hipotensão: +

Fluspirileno

Farmacocinética

Administração parentérica (injecções de longa acção)


Farmacodinamia

Sedação: ++

Efeitos extra-
piramidais: ++ o
Hipotensão: +

Pipamperona

Elevada afinidade para os receptores D4 e 5-HT2A e


moderada afinidade para os receptores D2

Risco de priapismo e perturbações visuais.

Melperona

Usos terapêuticos

Terapia da psicose iatrogénica em pacientes com doença de


Parkinson

Terapia da esquizofrenia refractária a outros neurolépticos

Efeitos adversos

Poucos efeitos metabólicos e fraca capacidade de elevar os


níveis de prolactina

Baixo risco de efeitos extra-piramidais

Baixo risco de efeitos anti-colinérgicos e anti-histaminérgicos

Anti-psicóticos atípicos: Propriedades de cada fármaco


Clozapina
Farmacocinética

Metabolização pelo CYP3A4

Farmacodinamia
D1: +
D2: +
D4: ++++

α-adrenérgicos: +++
H1: ++

Muscarínicos: +++
5-HT2: +++

Efeitos terapêuticos

Pacientes esquizofrénicos refractários a outros fármacos

Único anti-psicótico capaz de reduzir o risco de suicídio

Terapia da fase de mania da doença bipolar

Efeitos adversos

Recidivas após descontinuação são rápidas e graves

Importante potenciador do aumento de peso


e lipídeos plasmáticos o Miocardite

o
Agranulocito
se o
Convulsões

o Obstipação

o
Hipersalivaçã
o o Diabetes
mellitus o
Sedação: +++

o Efeitos extra-piramidais: -

o Hipotensão: +++

Olanzapina

Farmacocinética

Metabolização pelo CYP1A2 e CYP3A4

Farmacodinamia
D1: -

D2:
++ o
D4: +++

o α-adrenérgicos: -
H1: -

Muscarínicos: -
5-HT2: ++

Efeitos adversos e terapêuticos

Uso na terapia das fases de mania e depressão da doença


bipolar

Efeitos significativos de melhoria dos sintomas negativos

Elevado efeito potenciador do aumento de peso e lipídeos


plasmáticos

Diabetes mellitus

Xerostomia
Aumento das transamínases hepáticas
Sedação: +++

Efeitos extra-
piramidais: - o
Hipotensão: +

Quetiapina

Farmacocinética

Metabolização pelo CYP3A4

Farmacodinamia
D1: ++

D2: +
o D4:
-

o α-adrenérgicos: +++
H1: ++++

Muscarínicos: -
5-HT2: -

Usos terapêuticos

Sedativo-hipnótico

Terapia das fases de mania e depressão da doença bipolar

Eficácia similar à do haloperidol

Efeitos adversos

Prolongamento do intervalo QT – Desconhece-se se está


associada a um aumento do

risco de arritmias
Sedação: ++

Efeitos extra-
piramidais: - o
Hipotensão: +++

Asenapina

Farmacocinética

Menor absorção oral

Metabolização mediada por glicuronidação (UGT4) e CYP1A2

Efeitos adversos

Efeitos variáveis no peso corporal

Poucos efeitos de cariz metabólico

Ziprasidona

Farmacocinética

Metabolização pela oxídase dos aldeídos

Farmacodinamia
D1: +
D2: +++
o D4: ++

o α-adrenérgicos: ++
H1: ++

Muscarínicos: -
5-HT2: ++++

Efeitos adversos
Prolongamento do intervalo QT (não induz aumento do risco
de torsades de pointes).

Anti-psicótico atípico com menor efeito no peso corporal


Sedação: +

Efeitos extra-
piramidais: - o
Hipotensão: +

Iloperidona

Pró-fármaco da P88 e P95 (conversão


pela CYP2D6 e CYP3A4). o Poucos efeitos
na síntese de prolactina

o Ausência de efeitos muscarínicos e nos níveis de lipídeos

Risperidona

Farmacocinética

Metabolização pelo CYP2D6

O seu metabolito activo é a paliperindona

Farmacodinamia
D1: -
D2: +++
o D4: ++++

o α-adrenérgicos: +++
H1: +++

Muscarínicos: -
5-HT2: +++

Efeitos terapêuticos

Maior capacidade de redução dos sintomas negativos


Controlo moderado dos sintomas positivos

Eficácia similar à da clozapina

Efeitos adversos

Aumento dos níveis de prolactina

Sedação: ++

Efeitos extra-
piramidais: ++ o
Hipotensão: +++

Sulpiride

Farmacodinamia
Antagonista dos receptores 5-HT7
D1: -
o D2: +++
o D4: -

o α-adrenérgicos: -
H1: -

Muscarínicos: -
5-HT2: -

Efeitos adversos

Aumento dos níveis de prolactina

Acção anti-psicótica lenta e acção


no sistema límbico o Sedação: -

o Efeitos extra-piramidais: +

o Hipotensão: +
Remoxipride

Antagonista específico dos receptores D2

Relativamente pouco eficaz e com um elevado rol de


efeitos laterais (recidivas de depressão, diminuição da
eficácia dos SSRIs e anemia aplástica)

Baixo risco de efeitos extra-piramidais

Aripiprazol

Farmacocinética

Metabolização pelo CYP2D6 e CYP3A4

Farmacodinamia
D1: ++
D2: +++ (agonista parcial com elevada taxa de ocupação)
D4: ++

α-adrenérgicos: ++
H1: +++

Muscarínicos: -
5-HT2: +++

Usos terapêuticos

Uso na terapia da fase de mania da esquizofrenia

Efeitos adversos

Sedação: -

Efeitos extra-
piramidais: - o
Hipotensão: -
Sertindol

Afinidade para os canais de potássio delayed-rectifier –


Desconhece-se se está associado a um aumento do risco
de arritmias ventriculares

Poucos efeitos metabólicos

Amperozídeo

Antagonismo do receptor 5-HT2A e inibição da


recaptação de serotonina o Diminui a frequência
cardíaca (mas não a pressão arterial)

o Potencial na terapia da depressão, ansiedade social e


perturbações toxicómanas o Acção no sistema límbico e
melhoria do relacionamento social dos pacientes

o Não induz libertação de prolactina nem efeitos extra-


piramidais (baixa afinidade para os receptores
dopaminérgico)

Loxapina

Farmacocinética e
farmacodinamia o
Estrutura tricíclica

o A sua metabolização gera amoxapina


o Maior afinidade para os receptores 5-HT2 que para os
receptores D2

Efeitos adversos

Sedação: +

Efeitos extra-
piramidais: ++ o
Hipotensão: +
Molindona

Induz perda
de peso o
Sedação: ++

o Efeitos extra-piramidais: ++

o Hipotensão: +

Zotepina

Benefícios na cognição

o Risco de convulsões, síndrome maligna dos neurolépticos,


alterações electrocardiográficas e íleo paralítico.

Maior risco de efeitos extra-piramidais e maiores níveis de


prolactina (por comparação com a clozapina)
Terapia da doença bipolar
A doença bipolar, antigamente designada por doença maníaco-
depressiva, apresenta várias semelhanças com a esquizofrenia. Apesar
disso, existem importantes diferenças fisiopatológicas e terapêuticas
entre estas duas perturbações.

A doença bipolar caracteriza-se pela presença de fases de mania e


fases de depressão. Os principais sintomas da fase de mania incluem
excitação, hiperactividade, impulsividade, desinibição, agressão,
diminuição das necessidades de sono, sintomas psicóticos e
perturbações cognitivas. Por seu turno, a apresentação clínica da fase
de depressão é similar à da depressão major, pois caracteriza-se pela
ocorrência de fraca disposição, variação diurna, perturbações do sono,
ansiedade e, por vezes, sintomas psicóticos. Para além disso, podem
ainda ser observados sintomas mistos maníacos e depressivos. Note-se
que os pacientes com doença bipolar apresentam maior risco de
suicídio.

A sequência, número, e intensidade dos episódios maníacos e


depressivos é altamente variável. Desconhece-se, pois, a causa das
mudanças de disposição características da doença bipolar, embora se
pense que estejam relacionadas com a actividade catecolaminérgica.
De facto, os fármacos que potenciam a actividade catecolaminérgica
tendem a exacerbar a mania, enquanto aqueles que reduzem a
actividade da dopamina ou noradrenalina tendem a atenuar esta
condição. Note-se, contudo, que a acetilcolina e glutamato também
parecem estar envolvidos neste processo.

A doença bipolar apresenta uma forte componente genética, sendo que,


na sua a maioria, os genes que condicionam maior risco de doença
bipolar potenciam também o risco de esquizofrenia (embora existam
genes especificamente associados a cada perturbação). De referir que,
a doença bipolar pode ser diagnosticada na infância, embora a maioria
dos casos sejam diagnosticados na terceira e quarta década de vida.

Como referido anteriormente, a farmacoterapia da doença bipolar e da


esquizofrenia revela-se significativamente distinta. De facto, embora se
revele eficaz na terapia da fase de mania da doença bipolar, o lítio não é
considerado um fármaco anti-psicótico, de tal modo que não é usado na
terapia da esquizofrenia.

Na terapia da doença bipolar, procede-se ainda ao uso de fármacos


com propriedades anti-convulsivas – de facto, a recorrência de mania
aguda pode ser prevenida com recurso ao uso de lamotrigina, valproato
e carbamazepina, sendo que estes dois últimos fármacos também
podem ser usados na terapia da mania aguda. De entre os anti-
convulsivos usados na terapia da doença bipolar, destaque ainda para a
gabapentina, oxcarbazepina e topiramato.

Alguns anti-psicóticos podem também ser usados na terapia da fase de


mania da doença bipolar. Este é o caso do aripiprazol, clorpromazina,
olanzapina, quetiapina, risperidona e ziprasina. Na terapia desta
doença, pode se ainda recorrer ao uso de quetiapina ou da combinação
olanzapina + fluoxetina.

Lítio

Farmacocinética
O lítio é quase completamente absorvido por via oral, de tal modo que
os seus níveis plasmáticos máximos atingem-se num período de 30
minutos-2 horas. Este ião distribui-se pelo volume total de água do
organismo, entrando lentamente no compartimento intracelular. Note-se
que o lítio não circula ligado às proteínas plasmáticas, mas que parte
deste ião é sequestrado nos ossos. O lítio não sofre metabolização,
sendo excretado por via renal.

Farmacodinamia

Os mecanismos de acção
do lítio (bem como de outros
fármacos usados na terapia
da doença bipolar) ainda
não se encontram
completamente
esclarecidos. Sabe-se,
contudo, que o lítio inibe
directamente duas vias de
transdução de sinal,
suprimindo a via de
sinalização do inositol (por
depleção do inositol
intracelular) e inibindo a
cínase-3 da síntase do
glicogénio (GSK-3). Esta

última enzima participa em várias vias de sinalização de sinal que


conduzem à sua própria inibição – de entre essas vias, destaque para a
via das Wnt, do BDNF, e da insulina/insulin-like growth factor.

Note-se que, quando activa, a GSK-3 fosforila e, subsequentemente,


promove a degradação da β-catenina. Por seu turno, quando
inactivada, a GSK-3 dissocia-se da β-catenina e de vários outros
factores de transcrição, os quais migram para o núcleo, promovendo a
transcrição de genes relacionados com o metabolismo energético,
neuroprotecção e neuroplasticidade.

O valproato parece reduzir indirectamente a actividade da GSK-3,


inibindo ainda a sinalização mediada pelo inositol (através de um
mecanismo de depleção do inositol). Por seu turno, a carbamazepina
não parece inibir a GSK-3, embora também potencie a depleção de
inositol. De referir que todos estes fármacos também parecem
apresentar efeitos indirectos na neurotransmissão.

Efeitos no transporte de iões e electrólitos

As propriedades do lítio assemelham-se às do sódio, de tal modo que


este fármaco pode substituir o sódio na génese de potenciais de acção
e na troca transmembranar sódio/sódio. De facto, o lítio inibe este último
processo, de tal modo que a conversão lítio/sódio é progressivamente
lentificada à medida que o lítio é administrado. Note-se, contudo, que
quando administrado em concentrações terapêuticas, o lítio não afecta
significativamente o trocador sódio/cálcio nem a ATPase de sódio e
potássio.
Efeitos nas vias de transdução de sinal

O lítio interfere com a acção de


várias enzimas, de entre as
quais se destacam as
fosfátases de inositol. Ao
bloquear a actividade destas
enzimas intervenientes na

regeneração dos
fosfoinositídeos membranares,
o lítio potencia a depleção de
inositol livre e,
subsequentemente, de
fosfatidilinositol-4,5-bifosfato
(PIP2). Ora, o PIP2 constitui o
percursor membranar do
inositol trifosfato (IP3) e
diacilglicerol (DAG), os quais
constituem importantes
segundos

mensageiros das vias de transmissão muscarínica e α-adrenérgica.

A actividade das vias dependentes do PIP2 encontra-se exacerbada


durante os episódios de mania, sendo que a inibição destas vias resulta
numa diminuição proporcional dos efeitos celulares dos
neurotransmissores.

Deste modo, pensa-se que o principal mecanismo de acção do lítio


passa pela redução dos níveis encefálicos de mioinositol. Ora, isto
despoleta várias alterações intracelulares (tais como modificações em
isoformas específicas da proteína cínase C), as quais modificam a
expressão génica e a produção de proteínas envolvidas em eventos
neuroplásticos a longo prazo, os quais podem estar na base da
estabilização terapêutica observada a longo-prazo.

O lítio revela-se ainda capaz de inibir a adenil cíclase sensível à


noradrenalina – este efeito poderá estar relacionado com as suas
propriedades anti-depressoras e anti-maníacas. Para além disso, o lítio
interfere com a actividade das proteínas G, desacoplando-as dos
respectivos receptores. De facto, a poliúria e o hipotiroidismo subclínico,
que constituem dois dos efeitos adversos mais comuns do lítio, podem
resultar respectivamente do desacoplamento dos receptores da AVP e
TSH das suas proteínas G.

Uso clínico
Doença bipolar

Antigamente, o carbonato de lítio constituía a terapia preferencial da


doença bipolar, especialmente da fase de mania. Todavia, a
administração de lítio tem vindo a perder importância, em detrimento do
uso de valproato, aripiprazol, olanzapina, quetiapina, risperidona e
ziprasidona. Esta tendência é reforçada pelo lento início de acção do
lítio.

Para além disso, em casos mais graves de mania, é frequente recorrer


ao uso de terapias combinadas (lítio + anti-psicótico ou lítio +
benzodiazepina), sendo que após controlo da mania, pode se proceder
à descontinuação da benzodiazepina/anti-psicótico, mantendo-se
apenas o uso de lítio.

A fase depressiva da doença bipolar requer, por vezes, o uso


concomitante de um fármaco anti-depressor. Apesar disso, é necessária
cautela, dado que alguns anti-depressores (tais como os anti-
depressores tricíclicos ou a lamotrigina) podem potenciar o risco de
mania numa pequena fracção de pacientes.

De entre os fármacos eficazes na fase depressiva da doença bipolar,


destaque ainda para a lamotrigina (um anti-convulsivo) e para os
inibidores da MAO mais antigos. Note-se que a quetiapina e a
combinação olanzapina+fluoxetina também se revelam populares na
terapia da depressão bipolar.

Contrariamente aos anti-psicóticos ou aos anti-depressores, que


exercem várias acções no sistema nervoso central e no sistema
autónomo, o lítio (quando administrado em doses terapêuticas) carece
de efeitos autonómicos e sedativos, embora possa induzir náusea e
tremor. Para além disso, o lítio distingue-se dos restantes fármacos ao
ser simultaneamente eficaz na profilaxia da mania e depressão.

Outras aplicações terapêuticas

A depressão endógena recorrente com padrão cíclico pode ser


controlada com recurso ao uso de lítio ou imipramina. Por outro lado, a
doença esquizo-afectiva (uma condição com componente afectiva
caracterizada por uma mistura de sintomas esquizofrénicos e depressão
ou excitação) pode ser tratada com recurso ao uso de anti-psicóticos, os
quais podem ser administrados isoladamente ou em combinação com o
lítio.

Em pacientes esquizofrénicos resistentes à terapia com anti-psicóticos,


a adição de lítio ou carbamazepina pode se revelar eficaz. De qualquer
modo, a administração isolada destes fármacos revela-se pouco eficaz
na terapia da esquizofrenia.

A adição de lítio pode ainda se revelar eficaz em pacientes com


depressão unipolar resistentes à terapia isolada com anti-depressores
tricíclicos ou SSRIs.

Interacções farmacológicas
O uso de diuréticos reduz a clearance renal de lítio, de tal modo que a
co-administração de diuréticos e lítio obriga a uma redução das doses
deste ião. O uso de anti-inflamatórios não-esteróides modernos também
reduz a clearance de lítio – note-se, contudo, que este efeito não tem
sido observado com o uso de aspirina ou acetaminofeno. A maioria dos
neurolépticos (com excepção da clozapina) e os anti-psicóticos atípicos
mais recentes podem produzir síndromes extra-piramidais mais graves
quando co-administrados com o lítio.

Efeitos adversos
A terapia com lítio induz vários efeitos adversos, incluindo fadiga, ataxia,
tremor, perturbações digestivas e sede. Estes efeitos podem ocorrer em
diferentes fases da terapia, sendo que alguns não são deletérios,
enquanto outros podem estar na base de graves reacções tóxicas.
Efeitos psiquiátricos e neurológicos

A administração de doses terapêuticas de lítio induz frequentemente


tremor, o qual pode ser atenuado com recurso ao uso de propranolol e
atenolol. Para além disso, o lítio pode causar coreo-atetose,
hiperactividade motora, ataxia, disartria e afasia. Quando administrado
em doses tóxicas, este fármaco pode ainda induzir confusão mental e
síndrome de abstinência. De referir que o aparecimento de efeitos
laterais do foro psiquiátrico ou neurológico constitui uma indicação para
descontinuação da terapia com lítio.

Efeitos tiroideus

Na maior parte dos pacientes expostos, o lítio diminui a função tiroideia,


embora este efeito seja reversível ou não progressivo. Uma fracção
menor de pacientes desenvolve bócio significativo, enquanto uma
fracção ainda menor manifesta sintomas de hipotiroidismo.

Efeitos renais

A administração de doses terapêuticas de lítio induz frequentemente


perda de capacidade de resposta à vasopressina e, por conseguinte,
diabetes insipida nefrogénica (normalmente reversível). Em termos
clínicos, a diabetes insipida manifesta-se pela ocorrência de poliúria e
polidipsia, de tal modo que os pacientes que estejam a usar lítio devem
evitar a desidratação.

O uso crónico de lítio pode estar ainda associado à génese de outras


formas de disfunção renal, incluindo nefrite intersticial crónica e doença
das lesões mínimas (com síndrome nefrótico). Para além disso, este
fármaco pode induzir uma diminuição da taxa de filtração glomerular,
embora isso não implique necessariamente azotémia significativa ou
insuficiência renal.

Edema

O uso de lítio resulta frequentemente na génese de edema,


provavelmente devido a interferências com a retenção de sódio. Embora
a presença de edema contribua para o ganho de peso, a retenção de
água não explica o aumento de peso observado numa fracção
significativa de pacientes que usam lítio.

Efeitos cardiovasculares

A presença de síndrome de bradicardia-taquicardia constitui uma


contra-indicação ao uso de lítio, uma vez que este ião exacerba a
depressão do nó sinusal. Este fármaco também potencia o achatamento
da onda T do ECG, embora se desconheça o significado clínico desse
achado.

Efeitos no feto e recém-nascido

A clearance renal de lítio aumenta durante a gravidez, voltando a


diminuir imediatamente após o parto. Assim, uma paciente cujos níveis
séricos de lítio atinjam valores terapêuticos durante a gravidez pode
passar a apresentar níveis tóxicos após o parto.

Desconhece-se se o lítio exerce efeitos teratogénicos, pois as


conclusões dos estudos realizados são algo contraditórias. De qualquer
modo, o lítio passa para o leite materno, sendo que, em recém-
nascidos, a intoxicação por lítio caracteriza-se pela ocorrência de
letargia, cianose, hepatomegalia e diminuição dos reflexos de sucção e
de Moro.

Outros efeitos adversos

No início da terapia com lítio, podem se registar erupções acneiformes


transitórias, algumas das quais regridem com a descontinuação da
terapia. Numa fracção menor de casos, desenvolve-se foliculite.

A terapia com lítio induz sempre leucocitose, a qual pode resultar de


uma acção directa deste ião na leucopoiese. Ora, isto explica porque é
que o lítio pode ser terapeuticamente usado em pacientes com
leucopenia.

Intoxicação
A sobredosagem terapêutica de lítio é mais comum que a intoxicação
por ingestão deliberada ou acidental deste fármaco. De facto, a
intoxicação terapêutica resulta normalmente da acumulação de lítio
após ocorrência de alguma alteração no estado fisiológico do paciente,
tal como uma alteração da função renal ou uma diminuição dos níveis
séricos de sódio. De qualquer modo, o lítio é um pequeno ião, de tal
modo que é facilmente removido por hemodiálise ou diálise peritoneal.

Valproato
O valproato é um fármaco anti-convulsivo com efeitos anti-maníacos.
Em termos gerais, a eficácia do valproato é equivalente à do lítio
durante as primeiras semanas da terapia, embora o valproato se revele
eficaz em alguns pacientes incapazes de responder ao lítio. Para além
disso, este fármaco revela-se mais seguro, de tal modo que a sua dose
pode ser rapidamente aumentada (em alguns pacientes, a náusea
constitui o único factor limitante da administração de valproato).

A co-administração de valproato com outros fármacos psicotrópicos é


normalmente bem tolerada, de tal modo que se procede à co-
administração de valproato e lítio em pacientes que não respondam ao
uso isolado de cada um destes fármacos. Note-se que o valproato
constitui um fármaco de primeira escolha na terapia da mania, embora
se desconheça se este fármaco se revela eficaz como terapia de
manutenção de todas as subclasses de pacientes.

Carbamazepina
A carbamazepina é utilizada como alternativa ao lítio, nomeadamente
quando este último fármaco apresenta eficácia sub-óptima. A
carbamazepina pode ser usada na terapia e na profilaxia da mania
aguda, revelando-se normalmente mais segura que o lítio. Em termos
clínicos, este fármaco pode ser administrado isoladamente ou, em
pacientes refractários, a par com o lítio ou com o valproato. De referir
que, o modo de acção da carbamazepina permanece amplamente
desconhecido, embora se saiba que a oxcarbazepina não se revela
eficaz nestas situações.
Note-se que, quando usada na terapia da doença bipolar, a
carbamazepina não potencia o risco de discrasias sanguíneas
(contrariamente ao que se verifica quando este fármaco é usado como
anti-convulsivo). De qualquer modo, a intoxicação por carbamazepina
revela-se deveras grave, devendo ser tratada de modo similar à
intoxicação por anti-depressores tricíclicos.

Outros fármacos
A lamotrigina revela-se útil na prevenção da fase depressiva que se
pode seguir à fase maníaca da doença bipolar. Para além disso, vários
outros agentes estão a ser investigados para a terapia da depressão
bipolar, nomeadamente:

Riluzol: Agente neuroprotector usado na terapia da esclerose


lateral amiotrófica

Cetamina: Antagonista não-competitivo dos receptores NMDA

Potenciadores da actividade dos receptores AMPA


Histamina e anti-histamínicos
Histamina

Estrutura química e distribuição


A histamina (β-aminoetilimidazol) é uma
molécula hidrofílica constituída por um anel
imidazol ligado a um grupo amina através de dois
grupos metileno. O teu tautómero Nγ-H
monocatiónico constitui a sua forma
farmacologicamente activa.

A histamina encontra-se presente num vasto conjunto de tecidos,


concentrando-se maioritariamente nos mastócitos. Assim, este
mediador é particularmente abundante nos tecidos que contêm uma
grande quantidade de mastócitos, de entre os quais se destacam a
pele, a mucosa brônquica e a mucosa intestinal. Para além disso, não
obstante as suas baixas concentrações plasmáticas, a histamina
encontra-se amplamente presente no fluido cefalo-raquidiano.

No sangue, contrariamente ao que se verifica na maioria dos tecidos


(em que a histamina está maioritariamente contida nos mastócitos), os
basófilos constituem o principal reservatório de histamina. Note-se ainda
que, para além dos mastócitos e dos basófilos, a histamina é sintetizada
na epiderme, mucosa gástrica e neurónios do sistema nervoso central.

Síntese e metabolização
A histamina é formada por
descarboxilação da
histidina, sendo essa
reacção catalisada pela
descarboxílase da
histidina. Como
expectável, esta enzima é
expressa em todas as
células que contêm
histamina.

Quando sintetizada nos


mastócitos e basófilos, a
histamina é armazenada
em grânulos secretores.
Esses grânulos
apresentam um pH ácido,
de tal modo que, no seu
interior, a histamina
encontra-se na sua forma
catiónica, formando
complexos com grupos
aniónicos de outros
constituintes. Nos grânulos
secretores, a histamina
apresenta um baixo turn-
over, de tal modo que,
caso ocorra depleção
deste mediador, podem ser
necessárias várias
semanas até que os seus
níveis regressem ao
normal.

Por oposição, quando


sintetizada noutros tecidos
(para além dos mastócitos
e basófilos), a histamina
não sofre armazenamento
nos grânulos secretores -
de facto, nestes tecidos,
este mediador é
continuamente libertado,
apresentando um elevado
turn-over. Por fim, a
histamina ingerida ou
sintetizada pelas bactérias
do tracto gastro-intestinal
não forma reservas, sendo
rapidamente
biotransformada (os seus
metabolitos são eliminados
por via renal).

A histamina pode ser metabolizada através de duas vias principais. A


via mais importante é mediada pela histamina-N-metiltransferase, a
qual é responsável pela conversão da histamina em N-metil-histamina.
Subsequentemente, a N-metil-histamina é maioritariamente convertida
pela MAO em acetato de N-metilimidazol, sendo esta reacção
passível de ser bloqueada pelos inibidores da MAO.

Alternativamente, a histamina pode sofrer desaminação oxidativa, a qual


é maioritariamente mediada pela oxídase das diaminas (uma enzima
não-específica). Subsequentemente, ocorre formação de acetato de
imidazol, o qual é posteriormente convertido em ribosídeo de acetato
de imidazol. Estes metabolitos são ambos praticamente inactivos,
sendo excretados por via renal.

A produção endógena de histamina deve ser avaliada com base nos


níveis urinários de N-metil-histamina, e não com base nos níveis
urinários de histamina. De facto, algumas bactérias presentes no tracto
genito-urinário revelam-se capazes de descarboxilar a histidina em
histamina, de tal modo que a avaliação dos níveis urinários deste
mediador resulta na sobre-estimação da sua síntese endógena. Para
além disso, o metabolismo da histamina parece estar alterado em
pacientes com mastocitose, de tal modo que a determinação dos níveis
dos metabolitos da histamina constitui um indicador de patologia mais
sensível que a avaliação dos níveis deste mediador.

Receptores da histamina
Os receptores histaminérgicos são receptores metabotrópicos
acoplados à proteína G. Existem quatro classes destes receptores,
nomeadamente:
Receptores H1: Encontram-se acoplados à proteína Gq/11,
activando a via da fosfolipase C-IP3-cálcio e a fosfolipase A2.

Receptores H2: Encontram-se acoplados à proteína Gs, activando a


via do cAMP-PKA.
Receptores H3: Encontram-se acoplados à proteína Gi/o, inibindo a
adenil cíclase e diminuindo

os níveis celulares de cAMP. Para além disso, estes receptores


induzem activação da MAPK e inibição do trocador Na+/H+.

Receptores H4: Encontram-se acoplados à proteína Gi/o (inibindo


a adenil cíclase) e induzem mobilização do cálcio armazenado.

Embora estes diferentes receptores medeiem respostas distintas,


convém ter em conta que células próximas podem expressar diferentes
tipos de receptores histaminérgicos e com diferentes capacidades de
activar vias efectoras. Assim, num mesmo tecido, a histamina pode
simultaneamente despoletar respostas distintas e até opostas.

A título de exemplo, a activação dos receptores H1 endoteliais resulta


na activação da proteína Gq e consequente mobilização de cálcio
intracelular. Ora, essa mobilização resulta na produção de NO, o qual se
difunde para as células musculares lisas, promovendo o seu
relaxamento. Por outro lado, a estimulação dos receptores H1 das
células musculares lisas também resulta na mobilização de cálcio,
embora, neste caso, esta induza contracção muscular. Já a activação
dos receptores H2 das células musculares lisas resulta num aumento da
produção de cAMP e, por conseguinte, no relaxamento muscular.

Receptores H1 e H2
Os receptores H1 e H2 encontram-se amplamente expressos no sistema
nervoso central e tecidos periféricos, mediando os efeitos da histamina
no músculo liso e glândulas. De facto, estes receptores são
responsáveis por alguns dos mais importantes efeitos da histamina,
incluindo:

Prurido

Estimulação da actividade secretora da mucosa nasal

Contracção do músculo liso dos brônquios e tracto gastro-


intestinal: Este efeito é mediado pelos receptores H1

Relaxamento do músculo liso dos pequenos vasos sanguíneos:


Este efeito é simultaneamente mediado pelos receptores H1 e H2

Indução da secreção gástrica: Este efeito é mediado pelos


receptores H2

Formação de edema e estimulação dos terminais nervosos


sensitivos

Receptores H3 e H4
Contrariamente ao que se verifica com os restantes receptores
histaminérgicos, os receptores H3 e H4 apresentam um elevado grau de
homologia, de tal modo que vários ligandos dos receptores H3 também
interagem com os receptores H4. De qualquer modo, foram já
desenvolvidos ligandos selectivos para cada um destes tipos de
receptores – os agonistas “selectivos” dos receptores H3 incluem alguns
compostos não-imidazóis, enquanto os agonistas “selectivos” dos
receptores H4 incluem o dimaprit e a 4-metilhistamina (não obstante a
sua selectividade, estes compostos podem também actuar como
agonistas fracos dos receptores H2). De referir que, por comparação
com os receptores H1 e H2, os receptores H3 e H4 demonstram maior
afinidade para a histamina.

Os receptores H3 encontram-se maioritariamente expressos no


sistema nervoso central, especialmente nos gânglios basais, hipocampo
e córtex cerebral. Estes receptores actuam como auto-receptores dos
neurónios histaminérgicos (sendo análogos aos receptores pré-
sinápticos α2), inibindo a libertação de histamina e modulando a
libertação de outros mediadores.

Os receptores H3 encontram-se constitutivamente activos, de tal modo


que a libertação central de histamina encontra-se tonicamente inibida.
Consequentemente, ao reduzirem a actividade destes receptores, os
agonistas inversos H3 potenciam a libertação neuronal de histamina. De
referir que os agonistas H3 induzem sono, enquanto os antagonistas H3
promovem a vigília.

Os receptores H4 encontram-se maioritariamente expressos em células


de origem hematopoiética, incluindo eosinófilos, células dendríticas,
mastócitos, monócitos, basófilos e células T. Para além disso, estes
receptores também são expressos no tracto gastro-intestinal,
fibroblastos dérmicos, sistema nervoso central e neurónios aferentes
sensitivos - em algumas destas células, os receptores H4 medeiam
importantes acções pró-inflamatórias, de tal modo que a sua activação
resulta na indução de quimiotaxia, secreção de citocinas, alteração da
forma celular e up-regulation de moléculas de adesão.
Deste modo, os antagonistas H4 poderão vir a ser usados como anti-
inflamatórios.

Funções da histamina
A histamina desempenha importantes papéis fisiológicos. De facto, ao
actuar no músculo liso brônquico e vascular, a histamina libertada pelos
mastócitos desempenha um papel fundamental nas respostas alérgicas
e de hipersensibilidade imediata. Para além disso, a histamina
desempenha um papel crucial na regulação da secreção de ácido
gástrico e na modulação da libertação de neurotransmissores.

Papel nas respostas alérgicas

Os mastócitos e os basófilos constituem os principais intervenientes nas


reacções de hipersensibilidade imediata. Estas células expressam
receptores FCεRI, aos quais se ligam complexos IgE-alergénios –
essa ligação resulta na activação de várias vias de transmissão de sinal
envolvendo a activação da fosfolipase C e, por conseguinte, a produção
de inositol trifosfato e mobilização de cálcio intracelular. Ora, estes
eventos levam à exocitose da histamina presente nos grânulos
secretores, a qual passa a exercer várias acções (sobretudo de cariz
vascular e brônquico) que ajudam a explicar o seu papel nas respostas
alérgicas.

Note-se que a histamina não constitui o único mediador libertado na


sequência da activação mastocitária. De facto, a estimulação dos
receptores FCεR também activa a fosfolipase A2, o que resulta na
génese de vários outros mediadores, tais como o factor activador
plaquetário e os leucotrienos C4 e D4 (que promovem a contracção do
músculo liso brônquico). Para além disso, algumas respostas alérgicas
cursam com a produção de cininas.

Assim, vários mediadores participam no decurso de uma resposta


alérgica, o que explica porque é que, no que concerne à terapia destes
quadros de hipersensibilidade, a intervenção num único mediador
revela-se clinicamente ineficaz.

Os agentes que actuam nos receptores muscarínicos ou α-adrenérgicos


potenciam a libertação de mediadores alérgicos, embora este fenómeno
tenha pouco significado clínico. Por outro lado, a adrenalina (entre
outros fármacos que actuam nos receptores β2 adrenérgicos) aumenta
os níveis celulares de cAMP, inibindo a acção secretora dos mastócitos.
Apesar disso, os efeitos benéficos dos agonistas β adrenérgicos na
terapia dos estados alérgicos devem-se, sobretudo, aos seus efeitos
relaxantes do músculo liso brônquico.

Indução da libertação de histamina por fármacos, venenos e outros


agentes

A libertação mastocitária de histamina é directamente estimulada por


vários fármacos e compostos (sobretudo quando administrados por via
intra-venosa), de entre os quais se destacam as bases orgânicas, tais
como as amidas, amidinas, compostos quaternários de amónio,
compostos de piridinío, piperidinas e alcalóides. Para além disso, a
tubocurarina, a succinilcolina, a morfina, alguns antibióticos e contrastes
radiológicos podem também despoletar a libertação de histamina. Ora,
este fenómeno reveste-se de mais alta importância clínica, na medida
em que pode contribuir para a génese de reacções anafilactóides.

Para além disso, alguns compostos experimentais e polipeptídeos


básicos (incluindo os peptídeos libertados após lesão tecidular)
potenciam a libertação de histamina. No que concerne aos
polipeptídeos básicos, a sua capacidade de induzir a libertação de
histamina aumenta normalmente com o número de grupos básicos - a
título de exemplo, a bradicinina constitui um fraco indutor da libertação
de histamina, por oposição à calidina e à substância P, que contêm um
maior número de aminoácidos positivamente carregados. De referir que
alguns venenos, tais como o da vespa, contêm importantes peptídeos
indutores da libertação de histamina.

Para além dos compostos supracitados, também o frio, a urticária solar


e a urticária colinérgica potenciam a libertação de histamina. Na
verdade, danos celulares não-específicos com origem em qualquer
causa podem resultar na libertação de histamina.

Segundos após injecção intra-venosa de um indutor da libertação de


histamina, os pacientes passam a manifestar prurido e sensação de
queimadura. Este efeito, que é mais significativo nas palmas das mãos,
rosto, escalpe e orelhas, é subsequentemente seguido por uma
sensação de calor intenso que cursa com rubor cutâneo. Paralelamente,
verifica-se uma queda da pressão arterial acompanhada por taquicardia
e cefaleias. Para além disso, pode ocorrer náusea, hipersecreção de
ácido gástrico e broncospasmo moderado. Note-se que este efeito
torna-se menos intenso após injecções sucessivas destas substâncias,
devido à depleção dos reservatórios mastocitários de histamina.

Libertação de histamina em contextos patológicos

Tanto na mastocitose cutânea (urticária pigmentosa) como na


mastocitose sistémica, ocorre libertação de quantidades maciças de
histamina, a qual é responsável por vários dos sinais e sintomas que
caracterizam estas síndromes (tais como urticária, prurido, cefaleias,
fraqueza, hipotensão, rubor facial e diarreia). Note-se que na
mastocitose cutânea, os mastócitos originam lesões cutâneas
pigmentadas; enquanto a mastocitose sistémica cursa com sobre-
proliferação de mastócitos em vários outros órgãos. De qualquer modo,
todos estes eventos de activação mastocitária podem ser precipitados
por vários estímulos, incluindo o esforço físico, picadas de insectos,
exposição ao calor e exposição a fármacos indutores da libertação de
histamina.

Os tumores carcinóides gástricos secretam histamina, a qual é


responsável pela ocorrência de vasodilatação. Por seu turno, na
leucemia mielogénica, verifica-se um excesso da quantidade de
basófilos no plasma e, por conseguinte, dos níveis de histamina. Ora,
estes elevados níveis de histamina explicam a ocorrência do prurido
crónico tão característico desta doença.

Secreção de ácido gástrico

A histamina actua nos receptores H2 das células parietais gástricas,


promovendo a secreção de ácido. De facto, a histamina constitui a
principal mediadora da secreção ácida, de tal modo que o bloqueio dos
receptores H2 não só antagoniza a secreção ácida promovida pela
histamina, como também inibe as respostas à acetilcolina e gastrina
(note-se que tanto a acetilcolina, que é libertada pelo nervo vago, como
a gastrina constituem importantes mediadores da secreção ácida). Para
além disso, a histamina promove a síntese de pepsina e factor
intrínseco.

Sistema cardiovascular

Normalmente, a histamina dilata os vasos de resistência, aumenta a


permeabilidade capilar e diminui a pressão arterial sistémica. Contudo,
em alguns leitos vasculares, a histamina induz venoconstrição,
contribuindo para o extravasamento de fluido e formação de edema a
montante (nos capilares e vénulas pós-capilares).

Vasodilatação

Em termos fisiológicos,

vasodilatação
constitui o
principal efeito
da histamina,
resultando de
uma

acção deste
mediador nos
receptores H1 e
H2 expressos
nos vasos de
resistência.
Note-se,
contudo, que o
grau de
vasodilatação
obtido difere
consoante os
leitos
vasculares.

Como referido

anteriormente, tanto a activação dos receptores H1 como dos


receptores H2 pode despoletar vasodilatação máxima, embora por
mecanismos diferentes. De facto, ao actuar nos receptores H1 das
células endoteliais, a histamina induz activação da eNOS e
subsequente produção de NO, o qual se difunde para as células
musculares lisas vasculares, causando relaxamento muscular e, por
conseguinte, vasodilatação rápida e transitória. Por seu turno, a génese
de uma resposta vasodilatadora mais lenta e sustentada depende da
activação dos receptores H2 expressos no músculo liso vascular.

Assim, embora bloqueiem as pequenas respostas vasodilatadoras


mediadas por baixas concentrações de histamina, os antagonistas dos
receptores H1 apenas atenuam a fase inicial das respostas maiores que
se geram aquando da presença de elevadas concentrações desta
amina.

Note-se que, como referido anteriormente, em alguns leitos vasculares


(nomeadamente nos grandes vasos, veias e grandes artérias
coronárias), a histamina tende a induzir um efeito vasoconstritor, o qual
resulta da activação dos receptores H1 expressos nas células
musculares lisas vasculares.

Aumento da permeabilidade capilar

Ao actuar nos pequenos vasos, a histamina promove o efluxo de plasma


e proteínas plasmáticas para o meio extracelular, induzindo um aumento
do fluxo linfático e causando edema. Os receptores H1 endoteliais
constituem os principais mediadores desta resposta, desconhecendo-se
ainda o papel dos receptores H2.

Assim, ao actuar nos receptores H1 expressos nas vénulas pós-


capilares, a histamina promove a contracção das células endoteliais,
bem como a disrupção das junções inter-endoteliais e a exposição da
membrana basal. Este aumento do espaçamento inter-endotelial
permite assim o extravasamento de plasma e células em circulação
para o espaço intersticial, o que se revela fundamental durante a
resposta inflamatória. De referir que o recrutamento dos leucócitos em
circulação requer a expressão endotelial de moléculas de adesão,
sendo este fenómeno também potenciado pela activação dos
receptores H1.

Resposta tripla de Lewis

Caso seja injectada por via intra-dérmica, a histamina despoleta um


fenómeno conhecido por “resposta tripla de Lewis”, o qual envolve o
aparecimento sequencial de três sinais cutâneos:

Segundos após injecção de histamina, aparece um pequeno


ponto rubro em torno do local de injecção. Este ponto resulta do
efeito vasodilatador directo da histamina.

Subsequentemente, verifica-se o aparecimento de um halo


vermelho, estendendo-se cerca de um centímetro para além do
ponto vermelho original e desenvolvendo-se mais lentamente.
Este halo resulta da estimulação dos reflexos axonais
responsáveis pela indução indirecta de vasodilatação.
Por fim, 1-2 minutos após a injecção, verifica-se o aparecimento
de uma pápula, a qual ocupa a mesma área do pequeno ponto
vermelho original. Esta pápula traduz a capacidade da histamina
em aumentar a permeabilidade capilar.

Choque histaminérgico

Quando administrada em doses elevadas, ou quando libertada num


contexto de anafilaxia sistémica, a histamina despoleta uma queda
profunda e progressiva da pressão arterial. De facto, este mediador
promove o extravasamento de plasma para o meio intersticial, induzindo
uma diminuição do volume plasmático efectivo, do retorno venoso e do
débito cardíaco. Ora, a redução destes parâmetros resulta num
decréscimo significativo da pressão arterial, despoletando um estado de
choque.

Efeitos cardíacos

A histamina afecta directamente a contractilidade e a actividade


eléctrica cardíaca. De facto, este mediador potencia a entrada de cálcio
para os cardiomiócitos, aumentando a força de contracção do músculo
auricular e ventricular. Para além disso, a histamina acelera a
despolarização diastólica no nó sinusal, aumentando a frequência
cardíaca. Simultaneamente, este mediador lentifica a condução
aurículo-ventricular e aumenta a automacidade, o que potencia o risco
de arritmias.

Os efeitos da histamina na condução aurículo-ventricular resultam


maioritariamente da sua acção nos receptores H1, sendo os restantes
efeitos (taquicardia sinusal e aumento do inotropismo) maioritariamente
atribuíveis à activação de receptores H2. Note-se, contudo, que os
efeitos cardíacos supracitados podem ser contrabalançados pelo reflexo
barorreceptor, o qual é activado em resposta à hipotensão induzida pela
histamina.

Músculo liso extra-vascular

A histamina pode induzir contracção ou (mais raramente) relaxamento


directo do músculo liso extra-vascular. Como referido anteriormente, a
contracção muscular lisa resulta da activação de receptores H1
musculares (os quais aumentam os níveis de cálcio no interior dos
miócitos), enquanto o relaxamento deve-se maioritariamente à
activação de receptores H2.

A resposta à histamina é alvo de uma forte variabilidade inter-individual.


De facto, em pacientes com asma brônquica (ou outras doenças
pulmonares), doses mínimas de histamina despoletam broncoconstrição
intensa; enquanto em indivíduos “normais”, o efeito broncoconstritor da
histamina é significativamente menor. Note-se que, não obstante o
predomínio da influência espasmogénica dos receptores H1, o músculo
liso brônquico também expressa receptores H2 com função dilatadora.

No músculo liso de outros órgãos (tais como o útero, bexiga, vesícula


biliar e íris), a histamina exerce um efeito desprezável. Já no intestino,
este mediador desempenha uma acção variável, embora tenda a
promover a contracção intestinal.

Sistema nervoso central

A histamina actua como um neurotransmissor central, participando no


controlo da homeostasia e de algumas funções cerebrais superiores. De
facto, os neurónios histaminérgicos estão envolvidos na regulação do
sono, ritmos circadianos, alimentação, ingestão de líquidos, produção
de vasopressina, percepção da dor, imunidade e temperatura corporal.
Para além disso, estes neurónios desempenham importantes papéis na
cognição e memória. Apesar disso, não é conhecida qualquer doença
resultante da disfunção do sistema histaminérgico central.

Ao nível central, verifica-se uma ampla expressão das enzimas


envolvidas na síntese e metabolização da histamina. Para além disso,
os receptores H1, H2 e H3 encontram-se amplamente expressos no
sistema nervoso central, embora não se distribuam de modo uniforme.

De facto, os receptores H1 encontram-se presentes nos neurónios e em


células não-neuronais (células de glia, células vasculares e células
sanguíneas), sendo particularmente abundantes nas regiões
responsáveis pelo controlo da função neuroendócrina, comportamental
e alimentar. De facto, ao actuar nos receptores H1, a histamina inibe o
apetite e promove a vigília, o que explica porque é que os anti-
histamínicos clássicos induzem sedação.

Por seu turno, a distribuição dos receptores H2 e H3 acompanha as


projecções histaminérgicas, o que é expectável, tendo em conta que os
receptores H2 parecem mediar a maior parte das acções pós-sinápticas
da histamina, enquanto os receptores H3 parecem actuar como auto-
receptores pré-sinápticos.

Terminais neuronais periféricos

A histamina estimula vários terminais neuronais, desempenhando vários


efeitos sensitivos, os quais resultam maioritariamente da activação de
receptores H1. Ora, estes efeitos sensitivos variam consoante os
tecidos em questão, de tal modo que, na epiderme, a histamina induz
prurido; enquanto na derme, este mediador despoleta dor (a qual pode
também ser acompanhada por prurido). Para além disso, a estimulação
dos terminais neuronais (incluindo aferentes e eferentes autónomos)
contribui para o halo da resposta tripla, bem como para os efeitos
indirectos da histamina nos brônquios. Note-se que a activação dos
receptores histamínicos H1 contribui para um aumento periférico dos
níveis de adrenalina.

Regulação da libertação de histamina

A activação dos receptores H3 e H4 potencia a libertação mastocitária e


basofílica de histamina, enquanto a estimulação dos receptores H2
acarreta o efeito oposto (a inibição da secreção de histamina

mediada pelo cAMP). Por outro lado, a activação dos receptores H3


pré-sinápticos inibe a libertação de histamina por parte dos neurónios
histaminérgicos.

Usos clínicos
Em termos clínicos, a histamina é apenas usada como agente
diagnóstico, nomeadamente na avaliação da hiper-reactividade
brônquica não-específica em indivíduos asmáticos, ou como controlo
positivo durante os testes alérgicos cutâneos.
Antagonistas dos receptores histaminérgicos

Antagonistas dos receptores H1


Estrutura química

Todos os “antagonistas H1” são, na verdade, “agonistas inversos H1”,


pois reduzem a actividade constitutiva destes receptores, sendo este
efeito proporcional à quantidade de receptores ocupados.
Contrariamente à histamina, que contém um grupo amina primário e um
único anel aromático, a maior parte dos antagonistas H1 apresenta um
grupo amina terciário ligado (por uma cadeia de dois ou três elementos)
a dois grupos aromáticos, os quais podem apresentar-se fundidos entre
si. Note-se que a etilamina pode participar na constituição destes anéis
aromáticos.

Famílias de anti-histamínicos de primeira geração

Tricíclicos de dibenzoxepina

A doxepina, que constitui o único fármaco pertencente a esta classe,


constitui um dos antagonistas H1 mais potentes. Este anti-depressor
tricíclico exerce ainda uma acção antagonista dos receptores H2, a qual
não revela qualquer importância clinica. Este fármaco pode causar
letargia, efeitos anti-colinérgicos, desorientação e confusão, sendo
melhor tolerado em pacientes com depressão.

Etanolaminas

As etanolaminas incluem a difenidramina,


a carbinoxamina, a clemastina e o
dimenidrinato. Estes fármacos exercem
efeitos anti-muscarínicos significativos,
apresentando importantes propriedades
sedativas. Embora a sonolência constitua
um efeito adverso comum, a incidência de
efeitos laterais gastro-intestinais revela-se
particularmente rara.
Etilenediaminas

As etilenediaminas incluem a
pirilamina e a tripelenamina. Estes
fármacos apresentam bastante
selectividade para os receptores H1,
exercendo fracos efeitos centrais.
Apesar disso, a sonolência e os efeitos
laterais gastro-intestinais revelam-se
deveras comuns.

Alquilaminas

As alquilaminas incluem a clorfeniramina e a


bromfeniramina, as quais constituem
antagonistas H1 muito potentes. Embora a
génese de tonturas constitua um fenómeno raro,
estes fármacos estão frequentemente
associados à ocorrência de sedação e efeitos
resultantes de estimulação central.

Fenotiazinas

Para além dos seus efeitos anti-


histaminérgicos, a maioria das fenotiazinas
revela significativas propriedades anti-
colinérgicas. De qualquer modo, a
prometazina, que apresenta importantes
efeitos sedativos, e as suas congéneres são
maioritariamente usadas com fins anti-
eméticos.

Piperazinas de primeira geração


As piperazinas de primeira geração incluem
a clorciclizina, hidroxizina, ciclizina, meclizina e
buclizina. A clorciclizina apresenta um
período de acção prolongando, estando pouco
associada à génese de tonturas. A hidroxizina
também apresenta um período de acção
prolongado, sendo amplamente usada na
terapia das alergias cutâneas - a sua
considerável actividade depressora central
pode

contribuir para a sua proeminente acção anti-prurítica. Por fim, a


ciclizina, a meclizina e a buclizina têm sido maioritariamente usadas
na terapia da cinetose, embora a prometazina e a difenidramina se
revelem mais eficazes. Para além disso, a buclizina tem sido
ilegalmente usada para aumentar o apetite em crianças.

Piperidinas de primeira geração

As piperidinas de primeira geração incluem a ciproheptadina e a


fenindamina. Estes dois fármacos causam tonturas, desempenham
importantes efeitos anti-colinérgicos, e podem aumentar o apetite. Para
além disso, a ciproheptadina desempenha acções serotoninérgicas.

Famílias de anti-histamínicos de segunda geração

Piperazinas de segunda geração

A cetirizina constitui a única piperazina de segunda geração. Este


fármaco desempenha efeitos anti-colinérgicos desprezáveis,
manifestando ainda uma capacidade negligenciável de penetração na
barreira hemato-encefálica. Todavia, quando comparado com outros
antagonistas H1 de primeira geração, este fármaco está associado a
uma maior incidência de tonturas. A levocetirizina, que constitui o
enantiómero activo da cetirizina, apresenta maior potência que este
último fármaco, de tal modo que pode ser administrada em menores
doses, produzindo, assim, menor grau de sedação.

Piperidinas de segunda geração


As piperidinas de segunda geração incluem a loratadina,
desloratadina, fexofenadina, levocabastina, cetotifeno, ebastina e
mizolastina. Estes fármacos apresentam elevada selectividade para os
receptores H1, carecem de acções anti-colinérgicas significativas, e
penetram mal no sistema nervoso central; acarretando um baixo rol de
efeitos adversos. A terfenadina e o astemizol constituem, contudo,
duas notáveis excepções – de facto, estas piperidinas deixaram de ser
comercializadas devido aos seus efeitos adversos.

Outros anti-histamínicos de segunda geração

Entre os agentes tricíclicos de segunda geração, destaque para as


dibenzoxepinas (passíveis de ser administradas por via ocular) e para
a olopatadina (passível de ser administrada por via nasal). As
alquilaminas de segunda geração incluem a acrivastina, enquanto as
ftalazinonas incluem a azelastina.

Efeitos nos diferentes órgãos e sistemas

Músculo liso

Os antagonistas H1 inibem a maioria dos efeitos da histamina no


músculo liso, especialmente a contracção do músculo liso respiratório.
Contudo, vários outros mediadores alternativos (tais como os
leucotrienos) contribuem para a broncoconstrição alérgica, de tal modo
que a administração de antagonistas dos receptores H1 não assegura
um alívio total da broncoconstrição.

Em termos vasculares, os antagonistas H1 inibem simultaneamente a


vasoconstrição mediada pelos receptores H1 musculares e (em menor
grau) a vasodilatação mediada pelos receptores H1 endoteliais. Esses
efeitos traduzem-se por alterações paralelas da pressão arterial.

Permeabilidade capilar e prurido

Os antagonistas H1 impedem o aumento da permeabilidade capilar


induzido pela histamina, inibindo a formação de edema. Os
antagonistas H1 impedem ainda a acção da histamina nos terminais
nervosos, suprimindo o halo e o prurido resultantes da injecção intra-
dérmica deste mediador.
Reacções de hipersensibilidade imediata

As reacções de hipersensibilidade imediata cursam com a libertação


maciça de histamina, cuja contribuição relativa para os sintomas
subjacentes varia amplamente de tecido para tecido. Deste modo, os
efeitos anti-alérgicos dos antagonistas H1 variam consoante o tipo de
tecido.

De facto, estes fármacos revelam-se capazes de suprimir a formação de


edema e prurido, embora se revelem incapazes de impedir a ocorrência
de hipotensão, uma vez que este último efeito também é potenciado por
outros mediadores mastocitários (tais como os eicosanóides). Para
além disso, os antagonistas H1 revelam-se incapazes de suprimir a
broncoconstrição.

Glândulas exócrinas

Embora não suprimam a secreção gástrica, os antagonistas H1 inibem


várias secreções exócrinas, tais como a secreção salivar e lacrimal.
Todavia, estes efeitos inibitórios podem ser parcialmente mediados
pelas propriedades anti-muscarínicas destes fármacos. De qualquer
modo, a terapia da rinite alérgica pode beneficiar da aplicação de sprays
nasais de alguns antagonistas H1.

Sistema nervoso central

Os antagonistas H1 de primeira geração tanto podem estimular como


deprimir o sistema nervoso central. A estimulação central é
pontualmente observada em pacientes submetidos a doses
convencionais destes fármacos, caracterizando-se por inquietude,
nervosismo e incapacidade em adormecer. Para além disso, na
overdose por anti-histamínicos também se observa sobre-estimulação
central, a qual cursa frequentemente com convulsões.

Por outro lado, a depressão central observa-se frequentemente em


pacientes submetidos a doses terapêuticas dos antagonistas H1 mais
antigos (estando particularmente associada ao uso de etanolaminas,
como a difenidramina), caracterizando-se por diminuição do estado de
alerta, lentificação do tempo de reacção, e sonolência. Assim, devido à
sedação resultante do uso de anti-histamínicos de primeira geração, em
muitos pacientes, estes fármacos apenas podem ser usados com
segurança à hora de deitar. Mesmo assim, os pacientes podem sentir
uma “ressaca anti-histaminérgica” na manhã seguinte, a qual cursa com
sedação e, ocasionalmente, perturbações psico-motoras. Por oposição,
os anti-histaminérgicos de segunda geração revelam-se incapazes de
atravessar a barreira hemato-encefálica, de tal modo que não exercem
efeitos sedativos.

Vários fármacos anti-psicóticos desempenham acções antagonistas H1


e H2, embora se desconheça se este fenómeno contribui para os efeitos
terapêuticos destes agentes. De qualquer modo, sabe-se que o ganho
ponderal associado ao uso destes fármacos deve-se à sua acção
antagonista H1.

Efeitos anti-colinérgicos

Contrariamente aos antagonistas H1 de segunda geração (que não


desempenham qualquer efeito nos receptores muscarínicos), a maioria
dos antagonistas H1 de primeira geração exerce importantes acções
anti-muscarínicas. Ora, estas acções podem ser aproveitadas com fins
terapêuticos, nomeadamente na terapia da doença de Parkinson ou da
cinetose (“enjoo de viagem”). De facto, para além de constituir o anti-
histaminérgico com efeitos anti-colinérgicos mais potentes, a
prometazina constitui o antagonista H1 mais eficaz na terapia da
cinetose.

Efeito anestésico local

Alguns antagonistas H1 (de entre os quais se destaca a prometazina)


demonstram actividade anestésica local, sendo que alguns são inclusive
mais potentes que a procaína. Contudo, para que exerçam acções
anestésicas, os antagonistas H1 deverão ser administrados em
concentrações muito superiores às exigidas para antagonizar as acções
da histamina.

Farmacocinética
Os antagonistas H1 são bem absorvidos pelo tracto gastro-intestinal,
podendo ser administrados por via oral. Os seus efeitos normalmente
duram 4-6 horas, embora alguns fármacos demonstrem um período de
acção superior.

Os anti-histaminérgicos
de primeira geração (tais
como a difenidramina)
distribuem-se
amplamente por todo o
organismo, incluindo
para o sistema nervoso
central, placenta e leite
materno. Estes fármacos
são maioritariamente
excretados por via renal
sob a forma de
metabolitos, sendo que
apenas fracções
desprezáveis são
excretadas de modo
intacto. Contudo, mesmo
após diminuição dos
seus níveis

plasmáticos, quantidades
significativas destes
fármacos podem
perdurar na pele por um
período que pode
ascender a 36 horas.

Tal como outros fármacos amplamente metabolizados, os antagonistas


H1 são eliminados mais rapidamente pelas crianças, e mais lentamente
eliminados pelos indivíduos com doença hepática grave. Estes
fármacos induzem as CYPs hepáticas, podendo potenciar a sua própria
metabolização.
Os antagonistas H1 de segunda geração também são rapidamente
absorvidos pelo tracto gastro-intestinal. A loratadina é convertida pelas
CYPs hepáticas num metabolito activo, de tal modo que a
biotransformação deste fármaco pode ser afectada por outros fármacos
que compitam pelas mesmas enzimas. Alternativamente, pode-se
proceder à administração de desloratadina, que constitui o metabolito
activo da loratadina.

A terfenadina e o astemizol também são biotransformados por acção


da CYP3A em metabolitos activos. Contudo, estes antagonistas H1 de
segunda geração deixaram de ser comercializados, dado poderem
induzir torsades de pointes – este efeito observa-se sobretudo em
pacientes em que a biotransformação destes fármacos esteja
comprometida, tais como pacientes com doença hepática ou que
estejam a usar outros fármacos capazes de inibir as enzimas da família
do CYP3A. O uso de terfenadina foi actualmente substituído pelo uso de
fexofenadina, que constitui o seu metabolito activo. De facto, a
fexofenadina carece dos efeitos laterais tóxicos da terfenadina, não
exercendo acções sedativas.

A cetirizina, a loratadina e a fexofenadina são maioritariamente


excretadas de forma intacta (não-metabolizada), sendo que a cetirizina
e a loratadina são maioritariamente excretadas por via renal, enquanto a
fexofenadina é maioritariamente excretada por via fecal. Note-se que a
levocetirizina constitui o enantiómero activo da cetirizina, podendo ser
administrada em vez deste último fármaco.

Usos terapêuticos

Os antagonistas H1 são usados na terapia sintomática de várias


reacções de hipersensibilidade imediata. Para além disso, as
propriedades centrais de alguns destes fármacos também permitem o
seu uso como sedativos ou na terapia da cinetose.

Doenças alérgicas

Os antagonistas H1 podem ser usados na terapia de algumas formas de


alergia, embora o seu uso seja algo limitado, na medida em que estes
fármacos limitam-se a suprimir os sintomas atribuíveis à histamina.
Assim, embora se revelem úteis na terapia de formas de alergia aguda
que cursem com sintomas de rinite, urticária e conjuntivite; os
antagonistas histaminérgicos apresentam uma eficácia limitada na
terapia da asma brônquica, não sendo aí administrados isoladamente.

Por seu turno, a adrenalina constitui o principal fármaco utilizado na


terapia da anafilaxia sistémica, na medida em que este quadro envolve
a participação de vários outros autacóides para além da histamina. Os
anti-histamínicos também desempenham um papel minor na terapia do
angioedema grave, sendo a adrenalina o principal fármaco utilizado.

De entre as alergias respiratórias que melhor respondem à terapia com


antagonistas H1, destaque para a rinite sazonal e para a conjuntivite. De
facto, nessas situações, estes fármacos aliviam a esternutação, a
rinorreia e o prurido ocular e nasal subjacentes. Os antagonistas H1
revelam-se particularmente eficazes quando os níveis de pólen são
baixos, revelando-se menos eficazes em situações de
abundância/exposição prolongada a alergénios. Para além disso, estes
fármacos revelam-se pouco eficazes em indivíduos com nasocongestão
grave.

De entre os anti-histamínicos usados na terapia da rinite e conjuntivite


alérgica, destaque para a levocabastina, emedastina, epinastina,
cetotifeno, olopatadina e azelastina – todos estes fármacos estão
disponíveis sob a forma de preparações oftálmicas tópicas, sendo que
os dois últimos fármacos também se encontram disponíveis sob a forma
de spray.

A histamina promove a libertação de citocinas e eicosanóides


inflamatórios, aumenta a expressão de moléculas de adesão endotelial,
e activa o factor de transcrição pró-inflamatório NF-κB. Deste modo,
tem-se procurado investigar até que ponto os anti-histamínicos poderão
ser clinicamente usados como anti-inflamatórios. Infelizmente, estes
efeitos anti-inflamatórios apenas parecem ser observados após
administração de doses supra-terapêuticas destes fármacos.

A rupatidina é um antagonista H1 de segunda geração que também


bloqueia os receptores do PAF (um fosfolipídeo inflamatório). Embora
este fármaco pareça apresentar mais efeitos anti-inflamatórios que os
restantes anti-histamínicos, a relevância clínica desses efeitos
permanece por esclarecer.

Os antagonistas H1 revelam-se eficazes na terapia de certas


dermatoses alérgicas, de entre as quais se destaca a urticária aguda.
Por oposição, a urticária crónica pode ser menos sensível a estes
fármacos, requerendo maiores doses que as que são utilizadas na
terapia da rinite. De referir que, quando a administração isolada de um
antagonista H1 fracassa na terapia das dermatoses, o uso combinado
de antagonistas H1 e H2 poder-se-á revelar eficaz.

Os antagonistas H1 também se revelam eficazes na terapia do


angioedema, embora a adrenalina deva ser utilizada em situações mais
graves, incluindo no edema laríngeo potencialmente fatal. De qualquer
modo, neste contexto, poderá ser apropriado co-administrar um
antagonista H1 por via intra-venosa.

Os antagonistas H1 podem ser usados na terapia do prurido,


contribuindo para um alívio sintomático de pacientes com dermatite
atópica e de contacto, ou que foram expostos a picadas de insectos ou
veneno de hera. Os anti-histamínicos também se podem revelar
eficazes na terapia do prurido sem base alérgica, bem como das lesões
urticariais e edematosas da doença do soro. Note-se, contudo, que a
administração local de antagonistas H1 pode induzir dermatite alérgica.

Os antagonistas H1 revelam-se ainda eficazes em situações de


reacções alérgicas a fármacos, sobretudo quando estas se caracterizam
por prurido, urticária e angioedema. Todavia, a quantidade de histamina
libertada nessas reacções costuma ser deveras elevada, obrigando à
co-administração de adrenalina. De qualquer modo, a terapia profilática
com um antagonista H1 antes da administração de um fármaco indutor
da libertação de histamina pode se revelar eficaz para atenuação dos
sintomas subsequentes.

Constipação comum

Os antagonistas H1 encontram-se desprovidos de qualquer interesse na


terapia da constipação comum. Os fracos efeitos anti-colinérgicos dos
agentes de primeira geração podem levar a uma atenuação da rinorreia,
embora os malefícios deste efeito pareçam suplantar os benefícios
subjacentes.

Cinetose, vertigens e sedação

A escopolamina (um anti-muscarínico) constitui o fármaco mais eficaz


na terapia e profilaxia da cinetose. Todavia, alguns antagonistas H1
revelam-se eficazes em casos mais ligeiros, acarretando menos efeitos
adversos. De entre estes fármacos, destaque para o dimenidrinato,
piperazinas (ciclizina e meclizina) e prometazina. Para além de se
revelar mais potente e eficaz, este último fármaco (que pertence à
categoria das fenotiazinas) desempenha importantes acções anti-
eméticas, as quais podem contribuir para uma redução do vómito. Note-
se, contudo, que este fármaco desempenha fortes acções sedativas, o
que se pode revelar desvantajoso. De referir que a administração de
anti-histamínicos deverá ocorrer antes das deslocações, pois após
ocorrência de náusea e vómito, estes fármacos demonstram reduzida
eficácia.

Alguns antagonistas H1 (nomeadamente o dimenidrinato e a


meclizina) podem ser usados na terapia de algumas perturbações
vestibulares, tais como a doença de Menière e outros tipos de vertigens.
Para além disso, a difenidramina revela-se capaz de reverter os efeitos
extra-piramidais causados pelas fenotiazinas, exercendo efeitos anti-
parkinsonianos.

De entre os antagonistas H1, a prometazina revela-se particularmente


eficaz na terapia da náusea e vómitos subsequentes à quimioterapia ou
radioterapia. Contudo, os antagonistas 5-HT3 revelam-se ainda mais
eficazes, sendo preferencialmente usados nestas situações.

Alguns antagonistas H1 tendem a causar sonolência, podendo ser


usados como hipnóticos - a título de exemplo, a difenidramina é
ocasionalmente usada na terapia da insónia. Por seu turno, a
hidroxizina apresenta propriedades sedativas e ansiolíticas, podendo
ser usada como ansiolítico fraco. Contudo, embora alguns indivíduos
possam beneficiar do seu uso, quando administrados nas doses
recomendadas, a maioria destes fármacos revela-se ineficaz na terapia
da insónia.
Efeitos adversos

A sedação constitui o principal efeito adverso resultante do uso de


antagonistas H1 de primeira geração, sendo exacerbada pela co-
ingestão de álcool ou de outros depressores centrais (a qual pode,
inclusive perturbar as capacidades motoras). Para além da sedação, os
antagonistas H1 podem exercer vários outros efeitos adversos de cariz
central, incluindo tinito, convulsões, tonturas, fadiga, descoordenação,
visão desfocada, diplopia, euforia, nervosismo, insónia e tremores.

Os efeitos adversos gastro-intestinais também se revelam deveras


frequentes. De entre esses efeitos, destaque para a perda de apetite,
náusea, vómitos, distress epigástrico, obstipação, e diarreia.
Curiosamente, alguns antagonistas H1 (tais como a ciproheptadina)
podem aumentar o apetite e causar um aumento de peso paradoxal.
Note-se que a administração destes fármacos às refeições pode reduzir
a incidência destes efeitos adversos.

Alguns dos efeitos adversos dos antagonistas H1 de primeira geração


devem-se às suas acções anti-muscarínicas – de entre esses efeitos,
destaque para a xerostomia, tosse, retenção urinária e disúria. Note-se
que estes efeitos não se verificam após administração de antagonistas
H1 de segunda geração.

Os antagonistas H1, sobretudo quando aplicados por via tópica, podem


despoletar reacções alérgicas, tais como dermatite alérgica, hipertermia,
e fotossensibilidade. Por outro lado, a génese de distúrbios
hematológicos (tais como leucopenia, agranulocitose e anemia
hemolítica) é bastante rara.

Os anti-histamínicos H1 atravessam a placenta e, em alguns casos


podem exercer efeitos teratogénicos (os quais são particularmente
evidentes com o uso de hidroxizina, azelastina e fexofenadina), de tal
modo que devem ser cautelosamente administrados a grávidas. Os anti-
histamínicos podem ser excretados em pequenas quantidades no leite
materno, podendo causar irritabilidade, tonturas ou depressão
respiratória no lactente. Os antagonistas H1 interferem com os testes
alérgicos cutâneos, devendo ser descontinuados durante algum tempo
antes da realização destes testes.
A intoxicação aguda com antagonistas H1 cursa com vários efeitos
excitatórios centrais, os quais se podem revelar deveras perigosos - de
entre esses efeitos, destaque para as alucinações, excitação, ataxia,
descoordenação, atetose e convulsões. Esta síndrome de intoxicação
cursa ainda com dilatação pupilar, rubor facial, taquicardia sinusal,
retenção urinária, xerostomia e febre (efeito do tipo atropínico). Em
fases mais avançadas, pode se registar coma, colapso respiratório e
morte. A terapia é normalmente sintomática e de suporte. De referir que
estes efeitos paradoxais são mais comuns em crianças e idosos.

Uso pediátrico e geriátrico

Os anti-histamínicos de primeira geração encontram-se


desaconselhados para pacientes idosos, devido aos seus efeitos
sedativos e anti-colinérgicos. Por seu turno, os anti-histamínicos de
segunda geração podem ser administrados a indivíduos idosos,
incluindo pacientes com perturbações cognitivas. Contudo, estes
fármacos devem ser administrados de modo cauteloso, na medida em
que estes pacientes apresentam maior risco de disfunção renal ou
hepática.

Os anti-histamínicos de primeira geração não são recomendados para


crianças, na medida em que os seus efeitos sedativos podem perturbar
a cognição e o desempenho escolar. Por oposição, os anti-histamínicos
de segunda geração podem ser usados em crianças, embora devam ser
administrados em menores doses.

Antagonistas dos receptores H2

Os antagonistas dos receptores H2

incluem a cimetidina,
ranitidina, famotidina e
nizatidina. Estes fármacos
inibem a produção de ácido
gástrico por competição
reversível com a histamina
pela ligação aos receptores
H2 da membrana
basolateral das células
parietais gástricas. Embora
menos potentes que os
inibidores da bomba de
protões, os antagonistas H2
suprimem a secreção
gástrica em 70% ao longo
de 24 horas. O uso destes
fármacos revela-se, pois,
adequado para a terapia
das úlceras duodenais, em
que a secreção nocturna de
ácido gástrico constitui o
principal determinante.
Note-se que a ranitidina e a
nizatidina também
estimulam a motilidade
gastro-intestinal, embora a
relevância clínica deste
efeito permaneça
desconhecida.

Com excepção da nizatidina (que apenas pode ser administrada por


via oral), todos os antagonistas H2 podem ser administrados por via
oral, intra-muscular e intra-venosa. A administração intra-venosa destes
fármacos pode ocorrer de modo contínuo ou intermitente – a
administração contínua revela-se mais eficaz no controlo do pH
gástrico, embora se desconheça até que ponto isso contribui para a
prevenção de hemorragias significativas em pacientes críticos.

Farmacocinética

Quando administrados por


via oral, os antagonistas H2
são rapidamente
absorvidos, atingindo as
suas concentrações
plasmáticas máximas ao fim
de 1-3 horas. A sua
absorção pode ser
potenciada pelos alimentos,
mas diminuída pelos anti-
ácidos – de qualquer modo,
estas interacções parecem
irrelevantes sob o ponto de
vista clínico.

Os antagonistas H2 apresentam uma fraca capacidade de ligação às


proteínas plasmáticas, mas uma boa distribuição (excepto para o
sistema nervoso central). Para além disso, apenas uma pequena
fracção destes fármacos sofre metabolização hepática, de tal modo que
a presença de doença hepática não obriga à realização de ajustes
posológicos. Os antagonistas H2 e os seus metabolitos são excretados
por filtração glomerular e secreção tubular, sendo necessário proceder a
ajustes posológicos em pacientes com insuficiência renal.

Reacções adversas e interacções farmacológicas

Os antagonistas H2 são normalmente bem tolerados, induzindo um


baixo risco de efeitos adversos. Para além disso, os efeitos adversos
destes fármacos são normalmente minor, cursando com diarreia,
cefaleias, fadiga, dor muscular, letargia e obstipação. Adicionalmente, a
administração intra-venosa destes fármacos pode resultar em confusão,
delírio, alucinações e discurso imperceptível – note-se que estes efeitos
ocorrem mais frequentemente em pacientes idosos. O uso de
antagonistas H2 está ainda associado à ocorrência de várias discrasias
sanguíneas, tais como trombocitopenia.

O uso prolongado de elevadas doses de cimetidina está associado à


ocorrência de galactorreia (em indivíduos do sexo feminino) e
ginecomastia, impotência sexual e redução da contagem de
espermatozóides (em indivíduos do sexo masculino). Estes efeitos
devem-se a uma diminuição da ligação da testosterona ao receptor dos
androgénios, bem como à inibição de uma CYP responsável pela
hidroxilação do estradiol.

Estes fármacos são capazes de atravessar a placenta, encontrando-se


também presentes no leite materno. Não obstante não terem sido ainda
descritos efeitos teratogénicos, estes fármacos deverão ser usados de
modo cauteloso na gravidez.
Todos os agentes que inibem a secreção de ácido gástrico podem
alterar a taxa de absorção (e subsequente biodisponibilidade) dos
antagonistas H2. A cimetidina constitui o antagonista H2 que mais
frequentemente participa em interacções farmacológicas – de facto,
este fármaco inibe várias CYPs (tais como a CYP1A2, CYP2C9 e
CYP2D6), aumentando os níveis plasmáticos de vários substratos
destas enzimas. Embora também interaja com as CYPs hepáticas, a
ranitidina apresenta uma afinidade deveras reduzida para estas
enzimas, de tal modo exerce uma influência mínima na metabolização
hepática de outros fármacos. Por seu turno, a famotidina e a nizatidina
não participam em interacções farmacológicas significativas.

Usos terapêuticos

Os antagonistas H2 são usados na terapia das úlceras gástricas e


duodenais e do refluxo gastro-esofágico, incluindo num contexto de
doença ulcerosa péptica, síndrome de Zollinger-Ellison e gastrite por
AINEs. Para além disso, estes fármacos são usados na prevenção da
ocorrência de úlceras de stress.

Tolerância

O uso continuado de antagonistas H2 resulta no desenvolvimento de


tolerância aos seus efeitos anti-ácidos. Esta tolerância pode se iniciar
num período de três dias após introdução da terapia, podendo inclusive
cursar com resistência a doses aumentadas destes fármacos. Em
termos celulares, a diminuição da sensibilidade aos antagonistas H2
pode ter por base um fenómeno de hipergastrinémia secundária, o qual
resulta numa estimulação da libertação de histamina.

Ligandos dos receptores H3


Os receptores H3 encontram-se expressos nos
neurónios histaminérgicos com origem no núcleo
tubero-mamilar do hipotálamo, os quais se
projectam para todo os sistema nervoso central,
com especial destaque para o hipocampo,
amígdala, núcleo accumbens, globo pálido,
estriado, hipotálamo e córtex cerebral. Nesses
neurónios, os receptores H3 constituem auto-
receptores pré-sinápticos, sendo que, quando
activados, estes receptores diminuem a actividade
neuronal, inibindo a libertação de histamina por
parte dos terminais despolarizados. Deste modo,
os agonistas H3 diminuem a transmissão
histaminérgica, enquanto os antagonistas H3 e
agonistas inversos H3 exercem o efeito oposto.
Note-se que os receptores encefálicos H3
apresentam actividade constitutiva, a qual varia de
acordo com a isoforma de receptor, bem como
com o tipo celular e via de sinalização estimulada.

Os receptores H3 também se encontram expressos


nos tecidos periféricos e em vários outros tecidos
encefálicos, actuando como hetero-receptores

pré-sinápticos. A activação destes receptores inibe a neurotransmissão


noradrenérgica, serotoninérgica, GABAérgica, colinérgica e
glutamatérgica, bem como a activação das fibras C sensíveis à dor.

Nas células gástricas do tipo enterocromafim, os receptores H3 inibem a


libertação de histamina induzida pela gastrina e, por conseguinte,
diminuem a secreção de HCl mediada pelos receptores H2. Todavia,
este efeito não é suficientemente relevante para que os agonistas H3
possam ser terapeuticamente usados como anti-ácidos.

Os agonistas H3 diminuem ainda a libertação de taquicinina por parte


das fibras C sensíveis à capsaicina. Assim, estes fármacos reduzem o
extravasamento de plasma mediado pela capsaicina, desempenhando
simultaneamente um efeito anti-nóxico. Para além disso, os agonistas
H3 também actuam no coração, diminuindo a libertação
catecolaminérgica exagerada que se verifica em situações de isquemia
cardíaca.

Ao bloquearem os auto-receptores e hetero-receptores H3, os


antagonistas/agonistas inversos H3 desempenham vários efeitos de
cariz central, promovendo um estado de vigília, melhorias na função
cognitiva (incluindo um aumento da atenção, memória e capacidade de
aprendizagem) e uma redução do aporte alimentar. Por conseguinte, os
antagonistas H3 poderão vir a ser usados na terapia da epilepsia,
perturbações do sono, défice de atenção com hiperactividade,
perturbações cognitivas, esquizofrenia, obesidade, dor neuropática e
doença de Alzheimer.

Contudo, não obstante o potencial terapêutico dos antagonistas H3,


convém não esquecer que os seus efeitos podem ficar aquém das
expectativas, devido à heterogeneidade de isoformas de receptores H3
e respectivas vias de sinalização. Para além disso, os
antagonistas/agonistas inversos interferem diferencialmente com a
libertação de outros neurotransmissores (para além da histamina), tais
como a dopamina, acetilcolina, noradrenalina, GABA, glutamato e
substância P. Note-se que, embora os agonistas inversos H3 tenham
sido alvo preferencial de investigação, desconhece-se até que ponto
estes fármacos se revelam clinicamente superiores aos antagonistas
stricto sensu.

De entre os principais antagonistas/agonistas inversos H3, destaque


para a tioperamida (que também demonstra actividade contra os
receptores H4) e para alguns derivados do imidazol (tais como o
clobenpropit, ciproxifan e proxifan) – note-se que o grupo imidazol
destes fármacos reduz a sua biodisponibilidade no sistema nervoso
central, e aumenta a capacidade de ligação às CYPs e aos receptores
H4.

Actualmente, estão a ser desenvolvidos antagonistas H3 desprovidos de


estruturas imidazólicas e, por conseguinte, mais selectivos. Vários
desses fármacos (tais como o tiprolisant) estão já a ser alvo de
ensaios clínicos.

Ligandos dos receptores H4


O receptor H4 apresenta várias semelhanças com o receptor H3,
revelando-se capaz de se ligar a vários dos seus ligandos – contudo,
estes nem sempre despoletem os mesmos efeitos nestes dois tipos de
receptores. A título de exemplo, o clobenpropit constitui um agonista
inverso dos receptores H3 e um agonista parcial dos receptores H4. Por
seu turno, a impentamina (um agonista H3) e o iodofenpropit (um
agonista inverso H3) constituem antagonistas stricto sensu H4. Por fim,
a tioperamida constitui um agonista inverso dos receptores H3 e H4.

Os receptores H4 encontram-se expressos em células do sistema


imunitário ou intervenientes nas respostas inflamatórias, de tal modo
que os antagonistas H4 poderão vir a ser usados na terapia de várias
doenças inflamatórias. Para além disso, este receptor também parece
estar envolvido na fisiopatologia do prurido e dor neuropática.

O JNJ7777120 constitui um exemplo de um agonista selectivo para os


receptores H4, apresentando uma boa biodisponibilidade oral, mas um
curto período de semi-vida, o que limita a sua utilidade clínica. Para
além deste composto, já foram desenvolvidos vários outros
antagonistas H4 com diferentes estruturas químicas – todavia, são
necessárias doses relativamente elevadas destes fármacos para que os
seus efeitos anti-inflamatórios se façam sentir.
Sistema purinérgico
Adenosina e receptores da adenosina
A adenosina é um
nucleosídeo formado pela
união de uma adenina e
uma ribose. Esta molécula
tem quatro tipos de
receptores (receptores
P1) - A1, A2A, A2B e A3 -,
sendo todos eles
metabotrópicos. Como
acontece com outros
receptores acoplados à
proteína G, os receptores
da adenosina são
constituídos por uma
única cadeia polipeptídica
com sete domínios
transmembranares. Os
receptores A1 e A3 estão
acoplados à proteína Gi,
enquanto os A2A e A2B
estão acoplados à
proteína Gs.

A despolarização
membranar e
subsequente entrada de
cálcio nos neurónios
purinérgicos (neurónios
do sistema nervoso
vegetativo não-
adrenérgicos e não-
colinérgicos, que
participam na inervação
do músculo liso) resultam
na libertação de vários
mediadores (tais como o
ATP), que, no espaço
extracelular, são
convertidos em adenosina
por várias ectoenzimas,
de entre as quais se
destaca a ecto-5’-
nucleotídase, que
converte o AMP em
adenosina. Isto permite
gerar adenosina no meio

extracelular, a qual actua


posteriormente nos seus
receptores.

A principal fonte de
adenosina é, no entanto,
a hidrólise do AMP pela
5’-nucleotídase
intracelular. Apesar

disso, as concentrações de adenosina intracelulares são baixas, porque


esta é novamente convertida em AMP pela cínase da adenosina. Para
além disso, a adenosina intracelular pode ser libertada para o meio
extracelular e recaptada por um transportador bidirecional.
Alternativamente, a adenosina pode ser desaminada em inosina, por
parte da desamínase da adenosina.

Fisiologicamente, e a nível central, a adenosina protege as células


contra estímulos agressivos, tais como a isquemia e a hipoxia. De facto,
nessas situações, regista-se um aumento da concentração de
adenosina no espaço extracelular, o que leva à activação de receptores
membranares de adenosina A1, possibilitando assim a recuperação. Em
termos gerais, a adenosina ajusta o nível de funcionamento dos
neurónios às suas necessidades imediatas (a título de exemplo,
aquando de uma diminuição da quantidade de oxigénio ou nutrientes
disponíveis, a adenosina promove uma redução significativa da
actividade neuronal). A nível periférico, a concentração de adenosina
aumenta, aquando da diminuição da PaO2. Esse aumento da
adenosina exerce uma acção excitatória nos quimiorreceptores do
corpo carotídeo (A2A), o que culmina com a estimulação dos reflexos
respiratórios e consequente aumento da quantidade de oxigénio
disponível.

A adenosina tem vários outros efeitos, nomeadamente:

Participação na protecção cardiovascular (A1, A2A e A3)


Redução da frequência e inotropismo cardíaco (A1)
Indução de vasodilatação (A2A, A2B)
Inibição da agregação plaquetária (A2A)
Inibição da filtração glomerular e da diurese (A1)
Inibição da lipólise (A1)
Inibição do crescimento de células musculares lisas (A2B)
Desgranulação dos mastócitos (A2B, A3).

ATP e receptores P2
O sistema purinérgico consiste num sistema primitivo envolvido em
mecanismos neuronais e não-neuronais (a curto ou longo prazo),
incluindo secreção endócrina e exócrina, resposta imunitária,
inflamação, mecanocepção, agregação plaquetária, vasodilatação, e
proliferação, diferenciação, migração e morte celular. Este sistema
utiliza o ATP como transmissor, tendo sido identificados neurónios
purinérgicos no estômago, bexiga e canais deferentes. Note-se que o
ATP e os neurotransmissores “clássicos” são armazenados e libertados
conjuntamente.

Existem dois tipos de receptores para o ATP: o P2Y (dividido em oito


subtipos, todos eles acoplados a proteínas G) e o P2X (dividido em sete
subtipos e associado a canais iónicos).

As ações mediadas por estes dois tipos de receptores são diversas. De


entre as acções mediadas pelo receptor P2X, destaque para as
seguintes:
Aumento da excitabilidade neuronal nos centros respiratório e
cardiovascular do tronco cerebral

Excitação de neurónios envolvidos na nocicepção

Estimulação da libertação de adrenalina e noradrenalina nos


neurónios pós-ganglionares

Contração das células musculares lisas nos canais deferentes,


vasos sanguíneos e bexiga

Modulação da neurotransmissão na retina (afectando o fluxo


sanguíneo e a pressão intra-ocular)

Modulação da sensibilidade olfactiva.

Por sua vez, as acções mediadas pelo receptor P2Y incluem:

Vasodilatação (através da estimulação da células musculares lisas


e endotélio vascular)

Agregação plaquetária

Aumento da secreção de surfactante pelas células alveolares tipo II

Estimulação da secreção ácida no estômago

Potenciação do transporte de iões Cl- no rim

Estimulação da glicogenólise

Promoção da libertação de histamina pelos macrófagos

Aumento da produção de insulina.

Inibição da libertação dos neurotransmissores “clássicos” (papel de


feedback negativo).
Acção terapêutica de fármacos que interferem com a
transmissão purinérgica

Adenosina e dipiridamole
Actualmente, a adenosina é clinicamente utilizada como um anti-
arrítmico, nomeadamente em pacientes com taquicardia supra-
ventricular paroxística ou síndrome de Wolff-Parkinson-White. Para
além disso, este fármaco é utilizado no diagnóstico de doença
coronária, bem como na indução de hipotensão num contexto cirúrgico.
Todavia, estudos recentes sugerem que o uso de adenosina (ou dos
seus análogos) poder-se-á revelar benéfico em vários outros contextos,
nomeadamente:

Na analgesia, onde desempenha um efeito aditivo ao dos opióides;

Na terapia da doença inflamatória intestinal, devido aos seus efeitos


anti-inflamatórios;

Na terapia da epilepsia, devido aos seus efeitos anti-convulsivantes;

Na terapia da hiperlipidemia.

Em termos farmacocinéticos, a adenosina deverá ser administrada em


bólus por via intra-venosa, apresentando um período de semi-vida na
ordem dos segundos. Deste modo, tanto os seus efeitos terapêuticos,
como os seus efeitos adversos (que incluem assístole transitória,
dispneia, broncospasmo e fibrilação auricular), apresentam curta
duração.

O dipiridamole, por seu turno, inibe a captação celular de adenosina e,


por conseguinte, a metabolização desta purina. Para além disso, o
dipiridamole inibe enzimas da família das fosfodiesterases. Assim, este
fármaco induz um aumento dos níveis de cAMP e cGMP, exercendo um
efeito vasodilatador e inibidor da agregação plaquetária. Deste modo,
este fármaco é co-administrado com a aspirina em situações de
prevenção da isquemia cerebro-vascular; e co-administrado com a
varfarina aquando da profilaxia do tromboembolismo em pacientes com
próteses valvulares. Para além disso, o dipiridamole, a adenosina, o
binodenoson e o readenoson são usados no teste do stress
farmacológico, que tem por objectivo avaliar o fluxo de reserva
coronária e, por conseguinte, fazer/excluir o diagnóstico de doença
coronária.

Metilxantinas
No que concerne aos antagonistas dos receptores da adenosina,
destaque para as metilxantinas – alcalóides de origem vegetal que
actuam num sentido de aumentar a sinalização celular mediada pelo
cAMP e cGMP. A cafeína constitui uma das metilxantinas mais
conhecidas – da sua metabolização, resulta a génese de paraxantina
(que potencia a lipólise), teobromina (um vasodilatador) e teofilina (um
broncodilatador, vide infra).

Em termos farmacocinéticos, as metilxantinas podem ser administradas


por via parentérica ou oral, sendo que os alimentos não reduzem a
absorção destas substâncias (embora a atrasem). As metilxantinas
apresentam uma ampla distribuição, sendo maioritariamente eliminadas
por metabolização hepática.

A cafeína é um antagonista de todas as classes de receptores da


adenosina, para os quais apresenta baixa selectividade e afinidade.
Para além disso, esta metilxantina inibe a fosfodiesterase 5, potencia a
libertação de cálcio intracelular e interfere com a neurotransmissão
GABAérgica.

A cafeína atravessa facilmente a barreira hemato-encefálica,


desempenhando vários efeitos de cariz central, os quais podem diferir
num contexto de uso agudo ou crónico desta substância. Em termos
gerais, ao antagonizar os receptores A1

centrais, a cafeína induz um


estado vígil e potencia a
cognição e memória. Contudo,
simultaneamente, esta xantina
induz um aumento da
ansiedade, bem como efeitos
anti-convulsivantes. Por outro
lado, ao antagonizar os
receptores A2A centrais, a
adenosina induz um estado
vígil, anti-depressor e pró-
psicótico. Para além disso, a
inibição desses receptores
potencia a ocorrência de
alterações da astrocitogénese.
Assim, poderão ser conduzidos
estudos num sentido de avaliar
a eventual utilidade da cafeína
na terapia da narcolepsia,
perturbações da memória,
doença de Alzheimer, doença
de Parkinson e depressão.

Em termos clínicos, a cafeína é utilizada (a par com a teofilina) na


terapia da apneia em recém-nascidos. De entre as principais acções
adversas desta xantina, destaque para o risco de dependência,
estimulação da secreção de ácido gástrico, e possibilidade de
interacções medicamentosas.

Por seu turno, a teofilina é utilizada na terapia da asma e doença


pulmonar obstructiva crónica, devido aos seus efeitos broncodilatadores
e anti-inflamatórios. Estes efeitos resultam dos seus efeitos celulares e
moleculares – de facto, a teofilina (1) antagoniza os receptores da
adenosina do tipo A1 e A2; (2) inibe fosfodiesterases; (3) induz a
apoptose; (4) promove a desacetilação de histonas; (5) e potencia a
força dos músculos respiratórios.

Todavia, a baixa eficácia deste fármaco e os seus efeitos laterais


limitam a sua utilização clínica, de tal modo que, em termos
terapêuticos, a teofilina é maioritariamente administrada a pacientes que
não respondam à terapia com corticosteróides ou antagonistas dos
receptores β2-adrenérgicos.

No que diz respeito aos seus efeitos laterais, estes podem resultar da
inibição de fosfodiesterases (náusea, cefaleias, aumento da secreção
ácida e refluxo gastro-esofágico) ou do antagonismo dos receptores da
adenosina (arritmias, convulsões, tonturas, diurese e intranquilidade).
Note-se ainda que a teofilina participa em interacções farmacológicas
com as quinolonas, cimetidina e fluvoxamina.

A teofilina pode ser co-administrada com a etilenediamina, formando um


composto designado por aminofilina, o qual apresenta maior
selectividade para os receptores A2A. Ora, a administração intra-venosa
rápida de aminofilina pode resultar em morte súbita, provavelmente por
arritmias.

Antagonistas dos receptores purinérgicos


Os receptores purinérgicos constituem uma série de potenciais futuros
alvos terapêuticos para várias patologias. Todavia, actualmente, na
prática clínica, apenas são utilizados agonistas dos receptores P2Y2
(nomeadamente o denufosol, que é usado na terapia da fibrose cística
e xeroftalmia) e antagonistas dos receptores P2Y12 (como anti-
plaquetários). Note-se que embora a suramina (um anti-parasitário
usado na terapia da tripanossomíase africana) tenha actividade
antagonista dos receptores P2Y2, esta não explica o seu efeito clínico.

As tienopiridinas (ticlopidina, clopidogrel e prasugrel) constituíram os


primeiros inibidores do receptor P2Y12 utilizados na prática clínica
(como anti-plaquetários, note-se). Os fármacos deste grupo partilham
várias propriedades, nomeadamente o facto de (1) actuarem de modo
irreversível; (2) constituírem pró-fármacos que necessitem de activação
por parte de enzimas pertencentes à família do citocromo P450; (3)
poderem ser administrados por via oral.

No caso concreto da ticlopidina, este fármaco apresenta elevada


absorção e biodisponibilidade. Para além disso, verifica-se um baixo
tempo de semi-vida plasmática, mas uma longa duração de acção.
Note-se que, devido aos seus efeitos laterais (que incluem
agranulocitose, trombocitopenia, diarreia, náuseas e neutropenia grave),
a ticlopidina foi maioritariamente substituída pelo clopidogrel e por
outros fármacos mais seguros.

Para além de ser mais seguro que a ticlopidina, o clopidogrel revela-se


mais potente, apresentando uma acção anti-plaquetária sinérgica com a
da aspirina. De facto, a combinação destes dois fármacos constitui a
terapia anti-plaquetária standard para prevenção do acidente vascular
cerebral e enfarte do miocárdio.

Todavia, o uso do clopidogrel também apresenta algumas limitações,


nomeadamente, no que concerne à lenta instalação dos seus efeitos, os
quais perduram por um longo período de tempo após descontinuação. Por
outro lado, a presença de polimorfismos nas enzimas da família do
citocromo P450 (sobretudo, na CYP2C19) constitui uma importante fonte de
variabilidade das acções do clopidogrel – de facto, uma percentagem
significativa de pacientes revela-se resistente a este fármaco.

Por fim, o prasugrel revela-se mais eficaz que o clopidogrel, não por
ser mais potente, mas por apresentar propriedades farmacocinéticas
mais vantajosas, nomeadamente uma biotransformação completa e
menos dependente da acção de enzimas da família do citocromo P450.
Ora, isto explica porque é que, por comparação com o clopidogrel, os
efeitos do prasugrel instalam-se mais rapidamente e são menos
influenciados pela presença de polimorfismos nas enzimas da família do
citocromo P450. Note-se, contudo, que ao induzir menor risco de
eventos isquémicos, o prasugrel potencia o risco de eventos
hemorrágicos, encontrando-se contra-indicado para pacientes com
acidente vascular cerebral.

De entre os antagonistas dos receptores P2Y12 não-pertencentes à


classe das tienopiridinas, destaque para o cangrelor, ticagrelor e
elinogrel – nenhum destes fármacos é metabolizado por enzimas da
família do citocromo P450, sendo que ambos actuam de modo
reversível.

O cangrelor apresenta um curto período de semi-vida e uma curta


duração de acção, sendo por isso útil em pacientes que vão ser
submetidos a intervenção coronária percutânea a curto prazo. De resto,
este fármaco não se revela mais eficaz que o clopidogrel, embora
apresente uma reduzida gama de efeitos adversos.

Contrariamente ao cangrelor, que deverá ser administrado por via intra-


venosa, o ticagrelor pode ser administrado por via oral. Este último
fármaco apresenta um rápido início de acção e uma semi-vida
plasmática próxima das doze horas. O ticagrelor revela-se mais eficaz
que o clopidogrel, podendo inclusive ser utilizado em pacientes
resistentes a este último fármaco. Para além disso, o uso de ticagrelor
está associado a uma redução da mortalidade cardiovascular, incluindo
em pacientes com síndrome coronário agudo e bypass coronário. De
entre os efeitos adversos deste fármaco, destaque para a hemorragia,
bradicardia, dispneia, hematúria, cefaleias e tonturas.

Por fim, o elinogrel pode ser administrado por via intra-venosa ou oral,
podendo ser utilizado num contexto agudo, crónico e pré-cirúrgico. De
facto, este fármaco revela-se relativamente eficaz e seguro.
Anti-arrítmicos
Introdução
As células cardíacas sofrem despolarizações e repolarizações
sucessivas, gerando cerca de 60 potenciais de acção por minuto. A
forma e duração de cada potencial de acção são determinadas pela
actividade dos canais iónicos expressos nas membranas das células
cardíacas. A função desses canais iónicos pode ser perturbada por
mutações/polimorfismos, isquemia aguda, estimulação simpática ou
cicatrização miocárdica – todos estes eventos geram anomalias no
ritmo cardíaco, que se traduzem pelo desenvolvimento de arritmias.
Não admira que os fármacos anti-arrítmicos actuem por via da
modulação de canais iónicos específicos, ou por via de alterações
autonómicas.

A apresentação clínica das arritmias é deveras variada – algumas


arritmias constituem achados clínicos assintomáticos, enquanto outras
revelam-se potencialmente fatais. Para além disso, nem sempre é
possível conhecer os mecanismos subjacentes ao desenvolvimento de
cada arritmia, de tal modo que nem sempre é possível tratar estas
anomalias de modo preciso. Embora a terapia farmacológica anti-
arrítmica procure tratar ou prevenir o desenvolvimento de arritmias,
alguns fármacos anti-arrítmicos podem causar arritmias, especialmente
quando usados em terapias a longo-prazo.

Noções básicas de electrofisiologia cardíaca


O fluxo transmembranar de iões gera as correntes responsáveis pela
génese dos potenciais de acção cardíacos. Contudo, o potencial de
acção constitui uma entidade altamente integrada, sendo que
alterações numa das correntes repercutem-se de modo quase inevitável
nas restantes. Deste modo, a maior parte dos fármacos anti-arrítmicos
afecta mais do que uma corrente iónica. Para além disso, vários desses
fármacos exercem ainda efeitos complementares, tais como
modificação da contractilidade cardíaca ou da função do sistema
nervoso autónomo. Assim, os fármacos anti-arrítmicos exercem,
normalmente, múltiplas acções, as quais podem ser benéficas ou
deletérias para diferentes pacientes.

Célula cardíaca em repouso


Os iões movimentam-se através das membranas celulares em resposta
a gradientes eléctricos e químicos, por via de canais iónicos ou
transportadores específicos. As células cardíacas apresentam um
potencial transmembranar em repouso que ronda os -80/-90 mV. Apesar
de este gradiente favorecer a entrada de sódio para as células
cardíacas, este ião não entra para as células em repouso, na medida
em que os canais de sódio responsáveis pelo seu transporte
encontram-se fechados nestas condições.

Por oposição, os canais de potássio inward rectifier encontram-se


constitutivamente abertos na presença de potenciais negativos. Deste
modo, o potássio é capaz de atravessar a membrana, através desses
canais, de acordo com o seu gradiente electroquímico.

Para cada ião particular, existe um potencial de equilíbrio (Ex),


correspondente à voltagem na qual não existe driving force de
deslocação iónica transmembranar. Ex é passível de ser determinado
pela

equação de Nernst:

Nesta equação, representa a concentração intracelular do ião, enquanto


representa a concentração extracelular. Quando determinamos o
potencial de equilíbrio do potássio, constatamos que este ronda os -94
mV, um valor próximo do potencial de repouso das células cardíacas.
Assim, na célula em repouso, não existe uma driving force que actue
num sentido de movimentar o potássio para o interior ou exterior da
célula.

Potencial de acção cardíaco


A corrente transmembranar constitui a principal determinante da
morfologia e duração do potencial de acção cardíaco. Esta corrente
resulta do balanço do estado de activação dos diferentes canais iónicos
expressos na membrana das células cardíacas – estes canais são
constituídos por um domínio sensor da voltagem, um domínio de
selectividade, um poro condutor e, por vezes, uma partícula
inactivadora. Ora, aquando de alterações do potencial transmembranar
local, os canais iónicos sofrem alterações conformacionais, que
permitem ou impedem o transporte de iões através do respectivo poro
condutor.

Para que um potencial de acção possa ser gerado, um cardiomiócito em


repouso deverá ser despolarizado para além de um valor de potencial
“limite” (potencial limiar). Aquando da despolarização membranar, os
canais de sódio passam de uma conformação “fechada” (em repouso)
para uma conformação “aberta” (condutora), o que permite o transporte
maciço de sódio para o interior dos cardiomiócitos e, subsequente,
aproximação do potencial membranar ao potencial de equilíbrio do
sódio (ENa=+65 mV). Este processo constitui a fase 0 do potencial de
acção cardíaco.

Contudo, este fenómeno apenas se verifica durante cerca de um


milissegundo, após o qual os canais de sódio alteram a sua
conformação, passando de um estado “aberto” para um estado
“inactivo” (não-condutor e não-passível de ser aberto). Contudo, em
algumas células, uma pequena população de canais de sódio pode
continuar a abrir durante o plateau do potencial de acção. De referir
que, mutações na isoforma cardíaca dos canais de sódio podem
aumentar o número de canais que não sofrem uma inactivação correcta,
contribuindo para um prolongamento do potencial de acção e,
subsequentemente, do intervalo QT do electrocardiograma. Apesar
disso, em termos gerais, à medida que a membrana celular repolariza e
adquire um potencial de membrana cada vez mais negativo, os canais
de sódio passam de um estado “inactivo” para um estado “fechado”.

As alterações do potencial transmembranar geradas pela corrente de


sódio (INa – corrente inward de sódio) levam à abertura de vários
outros
canais. De facto, quando
uma célula é despolarizada
pela corrente de sódio,
passa a ocorrer abertura de
canais de potássio
“transient outward” – a
abertura desses canais
possibilita o transporte de
potássio para o meio
extracelular, o que resulta
na génese de uma corrente
despolarizante (corrente
ITO), que constitui a fase 1
dos potenciais de acção
cardíacos.

Tal como os canais de


sódio, os canais de potássio
“transient outward” são
rapidamente inactivados.
Contudo,
subsequentemente à sua
inactivação, estabelece-se
uma fase de plateau (fase
2), em que ocorre um
equilíbrio entre as correntes
despolarizadoras (inward),
alimentadas
maioritariamente por canais
de cálcio, e as correntes
repolarizadoras (outward),
alimentadas
maioritariamente por canais
de potássio “delayed
rectifier”.

As correntes delayed-rectifier (IK) tendem a aumentar com o tempo,


enquanto as correntes de cálcio tendem a atenuar progressivamente –
como resultado, os cardiomiócitos sofrem uma repolarização, que
constitui a fase 3 do potencial de acção cardíaco. Não admira que
mutações nos genes que codificam para os canais repolarizadores de
potássio sejam responsáveis pela ocorrência de prolongamento do
intervalo QT.

De referir que alguns fármacos induzem prolongamento do potencial de


acção cardíaco (e, por conseguinte, arritmias) por inibição da corrente
IKr, uma corrente delayed-rectifier específica, gerada pela expressão do
gene HERG. De facto, o canal iónico codificado pelo HERG revela-se
muito mais susceptível ao bloqueio farmacológico, de tal modo que os
novos fármacos anti-arrítmicos evitam bloquear este canal.

Heterogeneidade do potencial de acção cardíaco

Os potenciais de acção cardíacos variam consoante as diferentes


regiões do coração, sendo que esta diversidade permite compreender
as diferenças verificadas no que concerne aos perfis farmacológicos
dos fármacos anti-arrítmicos. A diversidade de potenciais de acção
deve-se, sobretudo, a diferenças na expressão de canais iónicos e
bombas transportadoras:

Nos ventrículos, a duração do potencial de acção difere ao longo


da parede de cada cavidade, bem como num sentido apico-basal.

No sistema de His-Purkinje, os potenciais de acção caracterizam-


se por uma fase de plateau mais hiperpolarizada, bem como pelo
prolongamento do potencial de acção.

As células auriculares apresentam potenciais de acção mais


curtos, algo que, provavelmente se deve a uma maior ITO e à
existência de uma corrente repolarizadora adicional, a qual é
activada pela acetilcolina. Deste modo, a estimulação vagal
exacerba a diminuição dos potenciais de acção auriculares.

As células dos nós sinusal e aurículo-ventricular carecem de


correntes significativas de sódio, de tal modo que a
despolarização é conseguida à custa do movimento
transmembranar de cálcio.

Note-se que as células nodais, tal como as células do sistema de


condução, manifestam um fenómeno de despolarização diastólica
espontânea (despolarização espontânea de fase 4), de tal modo que
atingem espontaneamente o limiar para regeneração dos seus
potenciais de acção. A taxa de despolarização espontânea é,
normalmente, maior nas células do nó sinusal que, por isso, actuam
como pacemaker cardíaco natural.

De referir que as correntes cardíacas espontâneas de pacemaker


(“correntes de marca-passo”) são asseguradas por vários canais
iónicos, de entre os quais se destacam os canais HCN – estes canais
catiónicos são activados pela hiperpolarização, permitindo um

movimento de catiões e, por conseguinte,


uma subsequente despolarização. A
automacidade do sistema de condução é
ainda assegurada pela libertação
espontânea e repetida de cálcio a partir do
retículo sarcoplasmático (por via de canais
rianodínicos), sendo que o aumento
subsequente dos níveis citosólicos de cálcio
induz despolarização membranar. Por fim,
as células do nó sinusal carecem de
correntes de potássio inward rectifier, as
quais são as principais responsáveis por
proteger o miocárdio da ocorrência de
despolarizações membranares espontâneas.

Manutenção da homeostasia iónica intracelular

Cada potencial de acção leva ao ganho intracelular de sódio e à perda


extracelular de potássio. Assim, a bomba de sódio e potássio,
assegura-se que os movimentos iónicos ocorridos durante cada
potencial de acção não comprometem a homeostasia celular.

Por outro lado, os níveis intracelulares basais de cálcio são mantidos a


níveis muito reduzidos. Deste modo, o cálcio que se desloca para o
citosol durante cada potencial de acção é posteriormente removido – a
remoção de cálcio é operada pela ATPase de cálcio (que movimenta o
cálcio de novo para
retículo sarcoplasmático) e pelo trocador sódio-cálcio (NCX). Na
insuficiência cardíaca, verifica-se anormal regulação dos níveis
intracelulares de cálcio, o que contribui para o desenvolvimento de
arritmias neste contexto. Para além disso, a taquicardia ventricular
polimórfica catecolaminérgica é causada por mutações nos canais
rianodínicos RyR2 e na isoforma cardíaca da calsequestrina – esta
arritmia pode ser corrigida pela flecainida, que inibe os canais
rianodínicos RyR2.

Propagação do impulso cardíaco


Em condições fisiológicas, os impulsos cardíacos são gerados no nó
sinusal, sendo que a propagação destes impulsos depende
simultaneamente da magnitude da corrente despolarizadora e da
geometria das ligações eléctricas intercelulares. De facto, as células
cardíacas encontram-se acopladas por gap junctions presentes nas
suas extremidades (estas gap junctions são mais raras nos limites
laterais dos cardiomiócitos) – assim, a condução dos impulsos propaga-
se de modo anisotrópico (dependente de direcção), o que pode
contribuir para a génese de algumas arritmias.

Após os impulsos terem abandonado o nó sinusal, estes propagam-se


rapidamente pelas aurículas, o que se repercute pela ocorrência da
sístole auricular e pela génese da onda P do electrocardiograma (ECG).
A propagação dos impulsos abranda significativamente ao nível do nó
AV, onde a corrente inward (assegurada pelos canais de cálcio) é
inferior à corrente de sódio registada nas aurículas, ventrículos ou
sistema de condução subendocárdico. Este atraso na condução permite
que ocorra contracção auricular e subsequente passagem de sangue
para os ventrículos.

Após abandonarem o nó AV, os impulsos entram no sistema de


condução, onde a condução se processa de modo extremamente
rápido, devido à elevada magnitude das correntes de sódio. Assim, a
activação propaga-se desde o sistema de His-Purkinje (sito no
endocárdio ventricular) para as restantes porções dos ventrículos,
estimulando a contracção ventricular coordenada. Note-se que esta
activação eléctrica
responsável pela presença do complexo QRS do ECG. De referir que,
devido à heterogeneidade ventricular de duração do potencial de acção,
a onda T do ECG (que representa a repolarização ventricular) revela-se
mais larga que o complexo QRS.

Em suma:

A frequência cardíaca reflecte a automacidade do nó sinusal

A duração do intervalo PR reflecte o tempo de condução do nó AV

A duração do intervalo QRS reflecte o tempo de condução


ventricular

O intervalo QT constitui uma medida da duração do potencial de


acção ventricular.

Período refractário
Como referido anteriormente, após terem sido abertos, os canais de
sódio adquirem transitoriamente uma conformação “inactiva”, não
sendo, por isso capazes de abrir e, por conseguinte, de gerar novo
potencial de acção. Assim, no período imediatamente após ter ocorrido
um potencial de acção, os cardiomiócitos entram num período
refractário, no qual não podem gerar um novo potencial de acção.

Por oposição, caso ocorra um estímulo despolarizador após a célula ter


repolarizado completamente (na fase 4 do potencial cardíaco), passa a
ser possível gerar uma nova despolarização com amplitude idêntica à
despolarização prévia. Contudo, caso ocorra um estímulo
despolarizador durante a fase 3 do potencial de acção, gera-se um novo
potencial de acção com magnitude inferior à do anterior. Assim, a
magnitude de um potencial de acção depende do número de canais de
sódio que passaram de um estado “inactivo” para um estado “fechado”.
Essa recuperação é mais rápida em potenciais membranares mais
hiperpolarizados, de tal modo que a refractoriedade é determinada
pela recuperação dependente de voltagem dos canais de sódio. De
referir que o período refractário efectivo constitui o maior intervalo no
qual um estímulo prematuro falha em gerar uma resposta adequada.
Por comparação aos canais de sódio, os canais de cálcio apresentam
maior tempo de recuperação do estado “inactivo” para o estado
“fechado”. Assim, os tecidos cuja despolarização é maioritariamente
controlada por correntes de canais de cálcio (tais como o nó AV) são
designados por tecidos de resposta lenta. Por oposição, os restantes
tecidos cardíacos são designados por tecidos de resposta rápida.

De facto, mesmo após um potencial de acção dependente de canais de


cálcio ter sofrido repolarização (regressando ao seu potencial de
repouso inicial), nem todos os canais de cálcio encontram-se
disponíveis para re-excitação. Assim, nos tecidos de resposta lenta, um
estímulo adicional aplicado pouco tempo após repolarização gera uma
corrente de cálcio reduzida, enquanto um estímulo aplicado mais
tardiamente resulta numa corrente de cálcio mais significativa e de
propagação mais rápida. Deste modo, nestes tecidos (que incluem, não
só, os tecidos nodais, mas também os tecidos isquémicos), o período
refractário é superior e a propagação ocorre mais lentamente. Este tipo
de condução designa-se por condução decremental.

Note-se que a baixa velocidade de condução, um factor crítico para a


ocorrência de arritmias de reentrada, pode ainda ocorrer quando as
correntes de sódio se encontram deprimidas por mecanismos
patológicos ou pela despolarização membranar.

Mecanismos envolvidos na fisiopatologia das


arritmias cardíacas
As arritmias resultam de perturbações da normal sequência de iniciação
e propagação de um impulso cardíaco. Perturbações na iniciação de um
impulso cardíaco (ao nível do nó sinusal) podem resultar na génese de
bradiarritmias, enquanto perturbações da normal propagação dos
potenciais de acção desde as aurículas até aos ventrículos resulta na
génese de bloqueios AV – estes bloqueios reflectem, normalmente,
uma anomalia no nó AV ou no sistema de His-Purkinje, podendo ser
causados por fármacos ou por patologias estruturais cardíacas.

Por seu turno, as taquiarritmias são perturbações clínicas comuns,


passíveis de ser tratadas com recurso a fármacos anti-arrítmicos. Estas
arritmias têm origem em três mecanismos principais, nomeadamente,
aumento da automacidade, pós-despolarizações e reentradas. Estes
mecanismos encontram-se, por vezes, inter-relacionados, sendo que os
primeiros dois contribuem para a génese de reentradas.

Aumento da automacidade
O fenómeno de aumento da automacidade verifica-se em células que,
normalmente, manifestam despolarização diastólica espontânea, ou
seja, nas células nodais e nas células do sistema His-Purkinje. A
estimulação β-adrenérgica, a hipocalémia e o estiramento mecânico das
células musculares cardíacas aumentam o declive da fase 4 e, por
consequência, aceleram o ritmo de pacemaker. Por oposição, a
acetilcolina reduz o ritmo de pacemaker, na medida em que diminui o
declive da fase 4 e induz hiperpolarização.

Para além disso, certas arritmias caracterizam-se pela ocorrência de


automacidade em regiões que normalmente carecem de actividade
espontânea de pacemaker. A título de exemplo, numa situação
isquémica, pode ocorrer despolarização das células ventriculares, o que
constitui uma situação de automacidade anormal.

De referir que, quando os impulsos se propagam desde uma região de


automacidade anormal ou aumentada, para o restante tecido cardíaco,
podem se gerar fenómenos de reentrada funcional, que levam ao
estabelecimento de arritmias mais complexas.

Pós-despolarizações e automacidade despoletada


Em algumas situações patológicas, um potencial de acção cardíaco
normal pode ser interrompido ou seguido por uma despolarização
anormal. Caso essa despolarização anormal ultrapasse o potencial
limiar, esta pode gerar potenciais secundários capazes de propagar e
criar ritmos anormais. Esses potenciais secundários anormais ocorrem
apenas na sequência de um potencial normal, sendo, por isso,
designados por ritmos despoletados. Existem duas formas principais
de ritmos despoletados – as pós-despolarizações tardias e as pós-
despolarizações precoces.
Aquando de sobrecargas intracelulares ou reticulares de cálcio (tal
como se verifica na isquemia miocárdica, stress adrenérgico,
intoxicação por digitálicos e insuficiência cardíaca), um potencial de
acção normal pode ser seguido por uma pós-despolarização tardia
(delayed afterdepolarization – DAD). Caso essa pós-despolarização
ultrapasse o potencial limiar, geram-se ritmos despoletados. A amplitude
das DAD é maior em situações de elevada frequência cardíaca, de tal
modo que as arritmias cardíacas devidas a DAD são mais frequentes
em situações de elevada frequência cardíaca. As DAD são ainda
responsáveis pela taquicardia ventricular subsequente a mutações nos
canais rianodínicos RyR.

Por oposição, as pós-despolarizações


precoces (early afterdepolarizations -
EAD) correspondem a interrupções na
fase 3 do potencial de acção cardíaco
(fase de repolarização), as quais
originam um prolongamento descarado
do potencial de acção cardíaco. As
arritmias mediadas pelas EAD são mais
comuns em situações de baixa
frequência cardíaca e baixos níveis
extracelulares de potássio. Para além
disso, alguns anti-arrítmicos podem

contribuir para o desenvolvimento de EAD. De referir que as EAD são


muito mais facilmente induzidas nas células de Purkinje do que nas
células epicárdicas ou endocárdicas.

Quando se regista um prolongamento significativo da repolarização


cardíaca, pode ocorrer uma síndrome de torsades de pointes,
caracterizada por taquicardia ventricular polimórfica associada a um
prolongamento do intervalo QT. Pensa-se que esta síndrome seja
causada por EAD que causam reentrada funcional, devido à
heterogeneidade da duração do potencial de acção ao longo da parede
ventricular.

Reentrada
Regista-se a presença de uma reentrada, quando um impulso cardíaco
se desloca numa via que conduz ao local onde originalmente tinha sido
gerado, reactivando esse local e perpetuando um circuito de activação
rápida e independente da normal condução do nó sinusal. Esta via de
activação anormal (circuito reentrante) encontra-se potenciada em
situações de lentificação (ou incapacidade) da condução anisotrópica,
podendo resultar de perturbações anatómicas ou funcionais.

Reentrada anatómica

Pode ocorrer um fenómeno de reentrada, quando, para se deslocarem


entre dois pontos do coração, os impulsos percorrem mais que uma via,
sendo que as diferentes vias em questão apresentam propriedades
electrofisiológicas heterogéneas.

A título de exemplo, os pacientes com síndrome de Wolff-Parkinson-


White apresentam ligações acessórias entre as aurículas e os
ventrículos, sendo que, aquando de cada despolarização do nó sinusal,
os impulsos podem ser propagados para os ventrículos através de
estruturas normais (nó AV) ou dessas vias acessórias. Contudo, como
referido anteriormente, as propriedades electrofisiológicas do nó AV e
das vias acessórias são distintas – as vias acessórias consistem,
normalmente, em tecido não-nodal, de tal modo que a sua
refractoriedade difere significativamente da do nó AV.

Deste modo, aquando de uma despolarização auricular prematura, a


condução pode não ocorrer pelas vias acessórias, mas propagar-se
(embora lentamente) pelo nó AV e sistema de His-Purkinje.
Subsequentemente, o impulso pode encontrar a extremidade ventricular
da via acessória (que já não se encontra refractária), podendo reentrar
nas aurículas pela via acessória. Assim, quando um impulso reentra nas
aurículas, este pode reentrar nos ventrículos pelo nó AV, ou reentrar nas
aurículas pela via acessória. Note-se que a probabilidade de uma via
acessória não se encontrar refractária aumenta à medida que a
condução no nó AV desacelera.

Em suma, este tipo de reentrada designa-se por taquicardia aurículo-


ventricular de reentrada e requer a ocorrência de três condições:

Presença de um circuito anatomicamente definido


Heterogeneidade de refractoriedade entre diferentes regiões do
circuito

Condução lenta numa parte do circuito

Os fenómenos de reentrada anatómica verificam-se, (taquicardia de


reentrada do nó AV) e nas aurículas “taquicardia supraventricular
paroxística” (PSVT) inclui ventricular (quer passem ou não pelo nó AV).

Reentrada funcional

A reentrada também pode ocorrer na ausência de uma via distinta e


anatomicamente definida. A título de exemplo, os impulsos prematuros
(associados a EAD ou DAD) provenientes da parede ventricular podem
encontrar tecido refractário confinado a uma região localizada, o que
leva a que ocorra propagação de um impulso ao longo do resto da
parede ventricular, até que ocorra recuperação e re-excitação da área
inicialmente refractária (para onde o impulso se propaga
subsequentemente).

Esta forma de reentrada também se verifica em situações de isquemia


localizada, ou na presença de outras perturbações electrofisiológicas
que resultem na génese de uma área de condução de tal modo lenta,
que os impulsos que partem dessa área encontram o miocárdio re-
excitável.

A fibrilação auricular e a fibrilação ventricular constituem exemplos


extremos de reentrada funcional – mal sejam suficientemente
repolarizadas, as células são re-excitadas, para que se verifique a
recuperação da inactivação de uma quantidade suficiente de canais de
sódio. Gera-se subsequentemente uma via de activação anormal,
caracterizada por heterogeneidade espacial anormal de repolarização, o
que propicia à génese de outros circuitos reentrantes. Ora, este
fenómeno perpetua-se enquanto não se verificarem padrões de
activação organizados nem actividade contráctil coordenada.
Mecanismos de acção dos fármacos anti-arrítmicos
Os fármacos anti-arrítmicos apresentam, invariavelmente, múltiplos
efeitos nos pacientes, de tal modo que os seus efeitos são deveras
complexos. Para além disso, não só um fármaco pode modular alvos
suplementares para além do seu alvo principal, mas também uma
mesma arritmia pode resultar de múltiplos mecanismos subjacentes (a
título de exemplo, as torsades de pointes podem resultar quer de um
aumento das correntes dos canais de sódio, quer de uma diminuição
das correntes inward rectifier). Deste modo, a terapia anti-arrítmica
deverá ser desenhada tendo por alvo o mecanismo mais relevante
subjacente ao desenvolvimento de cada arritmia.

Os fármacos anti-arrítmicos podem lentificar os ritmos automáticos, por


alteração de qualquer um destes quatro determinantes da
despolarização espontânea de pacemaker:

Diminuição do declive da fase 4

Aumento do potencial limiar

Aumento do potencial diastólico máximo

Aumento da duração do potencial de acção.

A adenosina e a acetilcolina actuam num sentido de aumentar o


potencial diastólico máximo, enquanto os β-bloqueadores diminuem o
declive da fase 4. Por oposição, o bloqueio dos canais de sódio e cálcio
resulta, normalmente, na alteração do potencial limiar. Já o bloqueio dos
canais de potássio resulta no prolongamento do potencial de acção.

Note-se ainda que os fármacos anti-arrítmicos podem bloquear as


arritmias devidas a DAD ou EAD, através de dois mecanismos
principais distintos:

Inibição do desenvolvimento de pós-despolarizações

Interferência com a corrente inward (normalmente, através de


interferência com os canais de sódio e cálcio)
Deste modo, as arritmias devidas a DAD induzidas por digitálicos
podem ser controladas com recurso ao verapamil (que reduz o influxo
de cálcio para o interior dos cardiomiócitos, bloqueando o

desenvolvimento de DAD) ou pela


quinidina (que bloqueia os canais
de sódio, elevando o potencial de
limiar necessário para que ocorra
génese de um potencial anormal).

Paralelamente, existem duas


aproximações terapêuticas às
arritmias devidas a EAD. De facto,
a génese de EAD pode ser inibida
por encurtamento da duração do
potencial de acção (nessa
situação, a frequência cardíaca é
acelerada por infusão com
isoprotenerol ou por pacemakers
artificiais), ou por administração de
magnésio.

Nos pacientes com


prolongamento congénito do
intervalo QT, o stress adrenérgico
é causa frequente de torsades de
pointes, sendo que a sua terapia
inclui bloqueio β-adrenérgico (que
não encurta o intervalo QT) e uso
de pacemakers artificiais.

Em situações de reentrada
anatómica, utilizam-se fármacos
que bloqueiam a propagação do
potencial de acção ao nível do “elo
mais fraco” do circuito cardíaco. A
título de exemplo, no caso da
síndrome de Wolff-Parkinson-
White, esse “elo mais fraco”
encontra-se ao nível do nó AV, de
tal modo que os fármacos que
prolongam a refractoriedade do nó
AV, ou que lentificam a condução
do nó AV, podem ser usados em
pacientes com esta condição.
Exemplos desses fármacos
incluem os bloqueadores dos
canais de cálcio, os bloqueadores
β-adrenérgicos e os glicosídeos
digitálicos.

Por outro lado, a lentificação da


condução em circuitos de
reentrada funcionais pode alterar a
via

existente, sem extinguir o circuito subjacente. De facto, a condução


lenta normalmente promove o desenvolvimento de arritmias de
reentrada funcionais, sendo que, nessas situações, a aproximação
terapêutica mais eficaz consiste no prolongamento da refractoriedade.
Nos cardiomiócitos auriculares e ventriculares, a refractoriedade pode
ser prolongada com recurso ao atraso na recuperação dos canais de
sódio desde o estado “inactivo”. Assim, os fármacos bloqueadores dos
canais de sódio, normalmente, actuam num sentido de prolongar a
refractoriedade.

Os fármacos que aumentam a duração do potencial de acção sem


acção directa nos canais de sódio (tais como os bloqueadores das
correntes delayed-rectifier) também prolongam a refractoriedade. Para
além disso, os bloqueadores dos canais de cálcio também prolongam a
refractoriedade, sobretudo, nos tecidos dos nós sinusal e AV. Pensa-se
ainda que alguns fármacos, tais como a amiodarona, interferem com o
acoplamento intercelular e, por isso, também aumentem a
refractoriedade. Note-se que a aceleração da condução numa área de
condução lentificada também pode inibir o fenómeno de reentrada –
pensa-se, aliás, que este mecanismo explique a acção supressora de
reentradas da lidocaína.

Bloqueio dos canais iónicos


Os bloqueadores dos canais iónicos ligam-se a locais específicos de
proteínas desses canais, modificando a sua função, de tal modo que a
afinidade de um fármaco para o seu local-alvo no canal iónico varia à
medida que este último assume diferentes conformações. Assim, a
ligação de um fármaco a um canal iónico depende da conformação
deste último, sendo que a maior parte dos bloqueadores destes canais
bloqueiam os canais abertos e/ou inactivados, apresentando afinidade
muito reduzida para canais com conformação “fechada” (em repouso).
Assim, em cada potencial de acção, os fármacos ligam-se aos canais
iónicos, bloqueando-os. Por outro lado, em cada intervalo diastólico, os
fármacos dissociam-se, deixando de exercer o seu efeito bloqueador.

A taxa de dissociação é um determinante fundamental do bloqueio dos


canais de sódio no estado estacionário. Assim, quando se regista um
aumento da frequência cardíaca, o tempo disponível para dissociação
diminui e, por conseguinte, o bloqueio dos canais de sódio aumenta.
Para além disso, a taxa de recuperação de um bloqueio farmacológico
também sofre lentificação em situações isquémicas, quando as células
sofrem despolarização. Ora, isto explica porque é que os bloqueadores
dos canais de sódio deprimem a corrente de sódio (e, por conseguinte,
a condução) de modo mais significativo nos tecidos isquémicos, do que
nos tecidos normais.

A conformação preferencial de bloqueio dos canais iónicos (inactivos


versus abertos) também se revela importante na determinação dos
efeitos de alguns fármacos. Assim, uma maior duração do potencial de
acção (que resulta num aumento relativo do tempo gasto no estado
inactivo), pode aumentar o bloqueio mediado pelos fármacos que se
ligam a canais inactivos, tais como a lidocaína ou a amiodarona.

A taxa de recuperação do bloqueio farmacológico é frequentemente


expressa pela constante de tempo τrecuperação, que corresponde ao
tempo necessário para que 63% do processo de recuperação se
encontre completo. Alguns fármacos, tais como a lidocaína, apresentam
um τrecuperação tão reduzido, que a recuperação do bloqueio
farmacológico ocorre muito rapidamente, de tal modo que apenas de
verifica um bloqueio substancial dos canais de sódio dos tecidos de
resposta rápida (sobretudo, tecidos isquémicos).

Por oposição, existem outros fármacos, tais como a flecainida, que


apresentam um τrecuperação tão elevado, de cuja acção resulta que
aproximadamente o mesmo número de canais de sódio se encontre
bloqueado durante a sístole e a diástole. Consequentemente, estes
fármacos induzem uma lentificação significativa da condução, mesmo
em tecidos normais e a frequências cardíacas normais.

Classificação dos fármacos anti-arrítmicos


Os fármacos anti-arrítmicos são frequentemente classificados de acordo
com as suas propriedades electrofisiológicas, uma vez que estas
permitem prever as acções clínicas dos fármacos em questão. Todavia,
fármacos da mesma categoria podem registar diferenças nos seus
efeitos farmacológicos. Assim, alternativamente, os fármacos anti-
arrítmicos podem ser classificados com base nos mecanismos de
arritmia contra os quais respondem.

De qualquer forma, ao longo deste texto, os anti-arrítmicos serão


classificados, com base na seguinte classificação funcional em:

Bloqueadores de canais de sódio (fármacos de classe I) –


Estes fármacos são passíveis de serem subdivididos em:

Fármacos de classe Ib: Apresentam τrecuperação


<1segundo. Incluem a lidocaína e mexiletina. Em termos
gerais, estes fármacos são empregues na terapia e
prevenção da taquicardia ventricular e fibrilação ventricular,
durante e após um enfarte agudo do miocárdio.

Fármacos de classe Ia: Apresentam τrecuperação entre 1 e


10 segundos. Incluem a quinidina, procainamida e
disopiramida. Em termos gerais, estes fármacos são
usados na terapia de arritmias ventriculares, bem como na
prevenção da fibrilação auricular paroxística por sobre-
activação vagal.
Fármacos de classe Ic: Apresentam τrecuperação > 10
segundos. Incluem a flecainida e a propafenona. Em termos
gerais, estes fármacos são usados na terapia da fibrilação e
flutter auricular, bem como das taquiarritmias com vias de
condução anómalas.

β-bloqueadores (fármacos de classe II). Incluem o labetalol,


esmolol, propranolol e timolol. Em termos gerais, estes fármacos
previnem a recorrência de taquiarritmias (nomeadamente
fibrilação auricular paroxística), diminuindo a mortalidade pós-
enfarte.

Prolongadores do potencial de acção (fármacos de classe III) –


Estes fármacos são, normalmente, bloqueadores dos canais de
potássio

Bloqueadores dos canais de cálcio (fármacos de classe IV).


Incluem o verapamil e diltiazem, os quais são utilizados na terapia
da taquicardia supra-ventricular paroxística e da fibrilação
auricular em pacientes sem síndrome de Wolff-Parkinson-White.

Apesar da utilidade
desta classificação,
convém não esquecer
que muitos fármacos
anti-arrítmicos exercem
múltiplos efeitos. Assim,
os fármacos que
modificam a
electrofisiologia

cardíaca apresentam
frequentemente uma
janela terapêutica muito
estreita. Para além
disso, os fármacos anti-
arrítmicos podem induzir novas arritmias, acarretando consequências
potencialmente fatais. Deste modo, em muitas situações de arritmia,
opta-se por um tratamento não-farmacológico.

Bloqueadores dos canais de sódio


O grau de bloqueio dos canais de sódio depende significativamente da
frequência cardíaca e do potencial de membrana, bem como de outras
características físico-químicas específicas para cada fármaco e que
determinam o τrecuperação.

Quando os canais de sódio se encontram bloqueados, ocorre um


aumento do potencial limiar de excitabilidade, ou seja, torna-se
necessária maior despolarização membranar, de modo a que sejam
abertos canais de sódio em quantidade suficiente para contrabalançar e
superar as correntes de potássio registadas no potencial de membrana
em repouso (ou seja, passa a ser necessária maior despolarização
membranar para que possa ser despoletado um potencial de acção).

Esta alteração no potencial limiar parece explicar porque é que os


bloqueadores dos canais de sódio tendem a aumentar simultaneamente
o limiar de pacemaker e a energia necessária para desfibrilar o coração
em fibrilação. Assim, estes efeitos deletérios devem ser tomados em
consideração, quando são administrados fármacos anti-arrítmicos a
pacientes com pacemakers artificiais ou desfibriladores.

O bloqueio dos canais de sódio diminui a velocidade de condução no


tecido não-nodal e aumenta a duração do complexo QRS. Todavia,
enquanto alguns fármacos (como a flecainida) prolongam os intervalos
QRS mesmo durante o ritmo normal, outros (como a lidocaína) apenas
prolongam os intervalos QRS quando a frequência cardíaca se encontra
muito elevada.

Para além disso, os fármacos com τrecuperação >10 segundos (tais como
a flecainida) tendem a prolongar o intervalo PR, embora não se saiba se
isso se deve a um bloqueio adicional dos canais de cálcio, ou ao
bloqueio do tecido de resposta rápida da região do nó AV. Note-se,
contudo, que os efeitos farmacológicos no intervalo PR são altamente
influenciados por efeitos autonómicos – de facto, a quinidina tende a
encurtar o intervalo PR, sobretudo, devido às suas propriedades
vagolíticas.

De qualquer modo, na maior parte dos casos, os bloqueadores dos


canais de sódio não afectam, ou até encurtam, os potenciais de acção.
Existem, contudo, alguns bloqueadores dos canais de sódio que
prolongam os potenciais de acção, embora o façam por outros
mecanismos (normalmente, por bloqueio dos canais de potássio).

Ao aumentarem o potencial limiar, os bloqueadores dos canais de sódio


diminuem a automacidade, podendo inibir a actividade despoletada
associada às DAD e EAD. Para além disso, vários bloqueadores dos
canais de sódio diminuem o declive da fase 4.

Os bloqueadores dos canais de sódio podem ainda ser usados em


situações de reentrada anatómica, uma vez que são capazes de
diminuir suficientemente a condução, até ao ponto de extinguirem a
frente propagante de reentrada. Contudo, como referido anteriormente,
a lentificação da condução pode até acabar por exacerbar a reentrada.
O bloqueio dos canais de sódio tende ainda a aumentar a
refractoriedade, impedindo a ocorrência de reentrada. Assim, de acordo
com o contexto, um determinado bloqueador pode exacerbar ou
suprimir as arritmias de reentrada. Note-se que a lidocaína e a
mexiletina apresentam baixos τrecuperação, não sendo úteis em
situações de fibrilação ou flutter auricular. Por oposição, a quinidina, a
flecainida e a propafenona podem ser eficazes nessas situações.

Toxicidade dos bloqueadores dos canais de sódio

A lentificação da condução nos circuitos (potencialmente) reentrantes


pode contribuir para a toxicidade dos fármacos que bloqueiam os canais
de sódio. A título de exemplo, o bloqueio dos canais de sódio diminui a
velocidade de condução e, deste modo, lentifica a taxa de flutter
auricular. Ora, ao adquirir uma função normal, o nó AV passa a permitir
que um maior número de impulsos penetre no ventrículo, o que acaba
por levar a um aumento da frequência cardíaca. A título de exemplo, a
taxa de flutter auricular pode diminuir de 300 batimentos/minuto com
uma taxa de condução AV de 4:1 (ou seja, com uma correspondente
frequência cardíaca de 75 batimentos/minuto), para uma taxa de 220
batimentos/minuto, mas com uma taxa de condução de AV de 1:1 (ou
seja, com uma correspondente frequência cardíaca de 220
batimentos/minuto). Note-se que esta forma de arritmia induzida por
fármacos revela-se particularmente comum aquando do tratamento com
quinidina, uma vez que este fármaco também aumenta a condução
através do nó AV, devido às suas propriedades vagolíticas.

A terapia com bloqueadores dos canais de sódio em pacientes com


taquicardia ventricular de reentrada pós-enfarte do miocárdio pode
aumentar a frequência e gravidade dos episódios de arritmia, o que
pode ser potencialmente fatal. Para além disso, alguns bloqueadores
dos canais de sódio (tais como a procainamida e a quinidina) parecem
exacerbar a paralisia neuromuscular induzida pela D-tubocurarina.

Fármacos anti-arrítmicos

Fármacos de classe Ia
Procainamida

A procainamida é um análogo da procaína, exercendo efeitos


cardíacos similares. Apesar disso, a procainamida não partilha das
propriedades vagolíticas e anti-adrenérgicas da quinidina. Quando
administrada por via intra-venosa, a procainamida é melhor tolerada que
a quinidina, sendo utilizada na terapia aguda de muitas arritmias supra-
ventriculares e ventriculares. Todavia, a terapia oral a longo-prazo com
procainamida é mal tolerada, devido aos seus efeitos adversos.

Por comparação com a quinidina, a procainamida revela-se menos


eficaz a suprimir os pacemakers ectópicos (por apresentar menos
efeitos anti-muscarínicos), mas mais eficaz a bloquear os canais de
sódio das correntes despolarizadoras.

Efeitos farmacológicos

A procainamida é um bloqueador dos canais de sódio abertos,


apresentando um τrecuperação intermédio. Para além disso, este fármaco
prolonga os potenciais de acção cardíacos da maior parte dos tecidos,
provavelmente, por bloqueio das correntes outward de potássio. Em
suma, a procainamida diminui a automacidade, aumenta os períodos
refractários e lentifica a condução.

O seu principal metabolito, a N-acetil procainamida, carece de


actividade bloqueadora dos canais de sódio, embora seja igualmente
eficaz a prolongar a duração dos potenciais de acção. Uma vez que as
concentrações plasmáticas da N-acetil procainamida, por vezes,
excedem as da procainamida, este metabolito parece ser parcialmente
responsável pelo aumento da refractoriedade e pelo prolongamento do
intervalo QT registados aquando da terapia crónica com procainamida.
Contudo, o atraso na condução e o prolongamento do intervalo QRS
são da exclusiva responsabilidade da própria procainamida.

Efeitos adversos

A procainamida pode induzir bloqueio ganglionar, o que contribui para o


desenvolvimento de hipotensão. De facto, a hipotensão e o atraso
significativo da condução constituem os principais efeitos adversos
resultantes da administração de elevadas doses de procainamida
(sobretudo, por via intra-venosa).

Aquando da administração oral deste fármaco, é comum registarem-se


rash, diarreia, febre, hepatite e náuseas – este último efeito adverso é,
sobretudo, da responsabilidade da N-acetil procainamida. Para além
disso, a procainamida e, sobretudo, o seu metabolito, podem induzir
torsades de pointes. Sabe-se, ainda, que a procainamida induz aplasia
medular potencialmente fatal, embora os mecanismos subjacentes
permaneçam desconhecidos.

Aquando do uso crónico de procainamida, a maior parte dos pacientes


desenvolve evidências bioquímicas de lúpus induzida por fármacos
(apresentando, por exemplo, anticorpos anti-nucleares circulantes),
sendo que essas situações não obrigam à interrupção da terapia.
Contudo, uma fracção menor de pacientes acaba por desenvolver
sintomas de lúpus, sendo que os sintomas precoces mais comuns
incluem rash e artralgias nas pequenas articulações (a artrite constitui
uma contra-indicação para o uso de procainamida). Podem ainda
registar-se outros sintomas de lúpus, tais como pericardite com
tamponamento ou, mais raramente, envolvimento renal. De referir que o
desenvolvimento desses sintomas lupus-like pode ser evitado com
recurso à terapia com N-acetil-procainamida (vide infra).

Farmacocinética

A procainamida é eliminada rapidamente (o seu tempo de semi-vida


ronda as 3-4 horas) por excreção renal intacta e por metabolização
hepática. Ao nível hepático, a procainamida é maioritariamente
metabolizada por conjugação mediada pela N-acetil transferase,
originando N-acetil procainamida, a qual é eliminada por via renal.

Tanto a procainamida como o seu principal metabolito sofrem rápida


eliminação, de tal modo que a procainamida oral é, normalmente,
administrada sob uma forma de libertação lenta. De referir que, em
pacientes com insuficiência renal, as concentrações de procainamida
e/ou N-acetil procainamida podem atingir níveis tóxicos.

Em indivíduos “acetiladores lentos” (cuja actividade da N-acetil


transferase é menor), a lúpus induzida pela procainamida desenvolve-
se mais frequentemente e mais precocemente, do que nos indivíduos
“acetiladores rápidos”. Assim, pensa-se que o desenvolvimento de lúpus
resulta na exposição crónica à própria procainamida, de tal modo que a
administração de N-acetil procainamida (ou potenciais análogos)
poderia prevenir a génese desse efeito adverso.

Quinidina

A quinidina é um diastereómero de quinina, uma substância com


propriedades anti-maláricas. A quinidina é usada para manter o ritmo
sinusal em pacientes com flutter auricular ou fibrilação auricular, bem
como para prevenir a recorrência de taquicardia ventricular ou de
fibrilação ventricular.

Efeitos farmacológicos

A quinidina bloqueia a corrente de sódio e múltiplas correntes de


potássio. De facto, este fármaco é um bloqueador dos canais de sódio
abertos, apresentando um τrecuperação intermédio. Consequentemente,
este fármaco aumenta ligeiramente a duração do complexo QRS. A
concentrações terapêuticas, a quinidina prolonga ainda o intervalo QT,
embora este efeito seja altamente variável.

Ao bloquear os canais de sódio, a quinidina aumenta o potencial limiar e


induz diminuição da automacidade. Já ao bloquear os canais de
potássio, a quinidina prolonga os potenciais de acção da maior parte
das células cardíacas, sobretudo, a baixas frequências cardíacas. Em
algumas células, tais como as células médio-miocárdicas e as células
de Purkinje, a quinidina induz EAD a baixas frequências. De referir que,
a quinidina prolonga a refractoriedade da maior parte dos tecidos, algo
que parece resultar do prolongamento da duração do potencial de
acção e do bloqueio dos canais de sódio.

Para além disso, a quinidina bloqueia os receptores α-adrenérgicos e


inibe a acção vagal, de tal modo que o seu uso intra-venoso se encontra
associado com o desenvolvimento de hipotensão e taquicardia sinusal.
Os efeitos vagolíticos da quinidina tendem a inibir o seu efeito depressor
directo na condução do nó AV, de tal modo que este fármaco apresenta
efeitos variáveis na duração do intervalo PR. Para além disso, o efeito
vagolítico da quinidina pode resultar na transmissão aumentada de
taquicardias auriculares (tais como o flutter auricular), por via do nó AV.

Efeitos adversos não-cardíacos

A diarreia constitui o efeito adverso mais comum resultante da terapia


com quinidina. Ora, a diarreia pode induzir hipocalémia, a qual pode
potenciar o desenvolvimento de torsades de pointes. Por outro lado,
várias reacções imunológicas podem ocorrer no seguimento da terapia
com quinidina – de entre essas reacções, destaque para a
trombocitopenia que, apesar de poder ser grave, resolve-se
rapidamente com a descontinuação deste fármaco.

Os efeitos adversos mais raros incluem hepatite, edema, depressão da


medula óssea e lúpus, sendo que nenhum desses efeitos se relaciona
com a presença de elevadas concentrações plasmáticas de quinidina. A
quinidina pode ainda induzir cinconismo - uma síndrome que inclui
cefaleias e tinito – contrariamente a outras respostas adversas à terapia
com quinidina, o cinconismo normalmente desenvolve-se aquando da
presença de elevadas concentrações plasmáticas deste fármaco.
Efeitos adversos cardíacos

De entre os efeitos adversos cardíacos mais comuns, destaque para o


prolongamento do intervalo QT e desenvolvimento de torsades de
pointes. Contudo, contrariamente ao que se verifica com o sotalol, N-
acetil-procainamida e vários outros fármacos, as torsades de pointes
associadas à quinidina normalmente desenvolvem-se a concentrações
plasmáticas terapêuticas ou sub-terapêuticas.

Aquando da presença de elevadas concentrações plasmáticas de


quinidina, pode se verificar bloqueio significativo dos canais de sódio, o
que resulta na génese de taquicardia ventricular. Este efeito adverso,
normalmente, verifica-se quando são empregues doses muito elevadas
de quinidina para tentar converter a fibrilação auricular num ritmo
sinusal (devido aos seus efeitos laterais, esta aproximação terapêutica
muito agressiva foi, entretanto, abandonada).

A quinidina pode exacerbar a insuficiência cardíaca ou uma doença do


sistema de condução. Todavia, na maior parte dos pacientes com
insuficiência cardíaca congestiva, a quinidina é bem tolerada,
provavelmente, devido às suas acções vasodilatadoras.

Farmacocinética

A quinidina é bem absorvida, ligando-se amplamente às proteínas


plasmáticas, nomeadamente à albumina e à glicoproteína ácida α-1.
Assim, tal como se verifica com a lidocaína, são necessárias doses de
quinidina superiores às normais, para que sejam mantidas
concentrações plasmáticas terapêuticas de quinidina livre em situações
de elevado stress (tais como após um enfarte agudo do miocárdio).

A quinidina sofre um extenso metabolismo hepático (nomeadamente,


por processos de oxidação), sendo que apenas uma pequena fracção é
excretada de forma intacta pelos rins. A 3-hidroxiquinina constitui um
dos metabolitos da quinidina, sendo quase tão potente como a própria
quinidina no que diz respeito ao bloqueio dos canais de sódio e ao
prolongamento dos potenciais de acção cardíacos. Para além da 3-
hidroxiquinidina, a quinidina gera vários outros metabolitos, os quais são
menos potentes e encontram-se no plasma em concentrações
inferiores, não contribuindo, por isso, de forma significativa para os
efeitos da quinidina.

De referir que, em pacientes com insuficiência renal avançada ou


insuficiência cardíaca congestiva, a clearance de quinidina sofre apenas
um ligeiro decréscimo, de tal modo que não são necessários ajustes
posológicos nestes pacientes.

Interacções farmacológicas

A quinidina é um potente inibidor do CYP2D6 e, como tal, a


administração de quinidina em conjunto com outros fármacos
metabolizados por esta enzima resulta na génese de interacções
farmacológicas e pode obrigar a alterações posológicas. Para além
disso, a quinidina reduz a clearance de digoxina, ao inibir o transporte
de digoxina mediado por P-glicoproteína.

O metabolismo da quinidina é induzido por fármacos como o


fenobarbital e a fenitoína – assim, em pacientes que estejam a tomar
esses fármacos, torna-se necessário aumentar as doses de quinidina,
para que sejam atingidas concentrações terapêuticas. Por outro lado,
caso ocorra paragem da terapia com os fármacos indutores, dever-se-á
proceder a uma diminuição das doses administradas de quinidina. De
referir que, a cimetidina e o verapamil também elevam os níveis
plasmáticos de quinidina, embora os seus efeitos sejam menos
pronunciados.

Disopiramida

A disopiramida exerce efeitos similares aos da quinidina, embora estes


dois fármacos apresentem diferentes efeitos adversos. De facto, a
disopiramida é usada com o objectivo de manter o ritmo sinusal em
pacientes com flutter auricular ou fibrilação auricular, bem como para
prevenir a recorrência de taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular.
A disopiramida é comercializada sob a forma de uma mistura racémica.

Efeitos farmacológicos

O enantiómero S-(+)-disopiramida apresenta efeitos similares aos da


quinidina, enquanto o enantiómero R-(-)-disopiramida bloqueia os
canais de sódio de modo similar, mas não prolonga os potenciais de
acção cardíacos. Contrariamente à quinidina, a disopiramida racémica
não actua como antagonista dos receptores adrenérgicos, embora
exerça importantes acções anti-colinérgicas que contribuem para muitos
dos seus efeitos adversos – de entre essas acções, destaque para a
precipitação de glaucoma, boca seca e retenção urinária (sobretudo, em
homens com prostatismo). A disopiramida pode ainda causar torsades
de pointes e depressão da contractilidade, podendo, por isso, precipitar
uma insuficiência cardíaca. Assim, de entre as principais contra-
indicações para o uso de disopiramida, destaque para a insuficiência
cardíaca, prostatismo e glaucoma.

Farmacocinética

A disopiramida é bem absorvida, sendo que a sua capacidade de


ligação às proteínas plasmáticas depende da sua concentração. Deste
modo, um pequeno aumento na concentração total pode gerar um
aumento desproporcionalmente maior na concentração de disopiramida
livre.

A disopiramida é eliminada pelo metabolismo hepático (sendo


convertida num metabolito pouco activo) e por excreção renal intacta.
Assim, deve-se proceder a ajustes posológicos em pacientes com
insuficiência renal.

Fármacos de classe Ib
Lidocaína

A lidocaína é um anestésico local que também se revela útil na terapia


intra-venosa aguda das arritmias ventriculares. Embora, reduza a
incidência de fibrilação ventricular em pacientes que tinham sofrido de
enfarte agudo do miocárdio, a lidocaína está associada a maior
mortalidade pós-enfarte. Note-se que a fenitoína, um anti-
convulsivante, apresenta várias propriedades anti-arrítmicas e
electrofisiológicas similares às da lidocaína.

Efeitos farmacológicos
A lidocaína bloqueia simultaneamente os canais de sódio abertos e
inactivos. A recuperação do bloqueio farmacológico ocorre muito
rapidamente, de tal modo que a lidocaína exerce efeitos mais amplos
em tecidos despolarizados (tais como os tecidos isquémicos) ou de
condução rápida. Por outro lado, a lidocaína não se revela útil no
tratamento de arritmias auriculares, provavelmente, porque os
potenciais de acção auriculares são tão curtos que os canais de sódio
se encontram no estado “inactivado” durante muito pouco tempo. A
lidocaína induz ainda hiperpolarização das fibras de Purkinje
despolarizadas, o que contribui para o seu efeito anti-arrítmico.
A lidocaína diminui a automacidade por redução do declive da fase 4 e
por alteração do limiar da excitabilidade. Contudo, este fármaco não
afecta, ou pode inclusive diminuir, a duração do potencial de acção – a
eventual diminuição do potencial de acção pode se dever ao bloqueio
dos poucos canais de sódio que sofrem inactivação tardia. Por outro
lado, a lidocaína não exerce qualquer efeito significativo da duração dos
intervalos PR ou QRS, enquanto o intervalo QT pode ser ligeiramente
encurtado. Este fármaco exerce poucos efeitos na função
hemodinâmica, embora possa ocorrer exacerbação da insuficiência
cardíaca, sobretudo, em pacientes com perturbações da função
ventricular esquerda.

Efeitos adversos

Aquando da rápida administração de uma grande dose intra-venosa de


lidocaína, podem ocorrer tonturas. Por outro lado, quando são atingidos
níveis supra-terapêuticos deste fármaco, pode ocorrer tremor, disartria,
alteração da consciência, convulsões, parestesias, hipotensão
(associada a diminuição do inotropismo) e, em casos mais graves,
nístgamo.

Farmacocinética

A lidocaína é bem absorvida, embora sofra um importante (mas


variável) efeito de primeira passagem hepática, de tal modo que este
fármaco não deve ser administrado por via oral. Assim, a lidocaína é
administrada por via intra-muscular ou, mais frequentemente, por via
intra-venosa.
Os metabolitos da lidocaína – xilidido de glicina (GX) e monoetil de
GX – apresentam menor eficácia que a lidocaína. Para além disso, o GX
e a lidocaína parecem competir pelo acesso aos canais de sódio, o que
sugere que, aquando da acumulação de GX, pode passar a ocorrer
diminuição da eficácia de lidocaína. Por outro lado, quando são
administradas infusões de lidocaína com duração superior a 24 horas, a
clearance deste fármaco diminui, o que se deve à competição entre a
lidocaína e os seus metabolitos pelo acesso às enzimas hepáticas
metabolizadoras.

A lidocaína segue um modelo de distribuição multicompartimental, de tal


modo que as suas concentrações diminuem bi-exponencialmente após
administração de uma única dose intra-venosa. A queda inicial nos
níveis plasmáticos de lidocaína ocorre rapidamente, representando a
distribuição desde o compartimento central até aos tecidos periféricos.
Já a queda subsequente dos níveis deste fármaco representam a sua
eliminação por via hepática. Ora, uma vez que a eficácia da lidocaína
depende da manutenção de concentrações plasmáticas terapêuticas no
compartimento central, a administração de uma única dose deste
fármaco pode resultar numa supressão transitória das arritmias, que se
dissipa rapidamente, à medida que este se distribui e que as
concentrações no compartimento central caem.

Em suma, caso seja administrada uma dose demasiado reduzida de


lidocaína, podem ocorrer recidivas após instalação de uma terapia
aparentemente eficaz. Por outro lado, caso seja administrada uma dose
demasiado elevada, podem ser gerados efeitos tóxicos.

A clearance de lidocaína encontra-se reduzida em situações de


insuficiência cardíaca e insuficiência hepática, bem como aquando do
tratamento com cimetidina e β-bloqueadores – nessas situações, deve-
se proceder a um ajuste posológico dos níveis de lidocaína.

A lidocaína circula ligada à glicoproteína ácida α-1, uma proteína de


fase aguda. Ora, em alguns estados patológicos, tais como o enfarte
agudo do miocárdio, verificam-se aumentos dos níveis de glicoproteína
ácida α1, de tal modo que a fracção de lidocaína ligada aumenta (e, por
conseguinte, a fracção de lidocaína livre diminui). Isto explica porque é
que, para alguns pacientes, são necessárias (e toleradas) doses mais
elevadas de lidocaína, para que esta possa manter a sua eficácia anti-
arrítmica.

Mexiletina

A mexiletina constitui um análogo da lidocaína passível de ser


administrado por via oral – de facto, contrariamente à lidocaína, a
mexiletina sofre um reduzido efeito de primeira passagem hepática. As
suas acções são similares às da lidocaína, enquanto os seus principais
efeitos adversos incluem tremor e náusea (os quais podem ser
minimizados, aquando da administração deste fármaco em conjunto
com alimentos).

A mexiletina sofre metabolismo hepático, o qual é induzível por


fármacos como a fenitoína. Em termos clínicos, a mexiletina é usada no
tratamento de arritmias ventriculares, registando-se um aumento da
eficácia deste fármaco, aquando da sua co-administração com a
quinidina ou o sotalol.

Fármacos de classe Ic
Flecainida

A flecainida apresenta um τrecuperação muito longo, o qual se pensa ser


responsável pelos seus efeitos terapêuticos. Embora esteja associada a
um aumento da mortalidade dos pacientes que sofreram enfarte agudo
do miocárdio, a flecainida continua a ser utilizada com objectivo de
manter o ritmo sinusal em pacientes com arritmias supra-ventriculares
(incluindo fibrilação auricular) mas que careçam de doença estrutural
cardíaca. Para além disso, este fármaco é usado no tratamento de
arritmias ventriculares potencialmente fatais, tais como taquicardia
ventricular sustentada.

Efeitos farmacológicos

A flecainida bloqueia a corrente de sódio, a corrente de potássio


delayed-rectifier e, possivelmente, as correntes de cálcio. De facto, este
fármaco induz diminuição da duração do potencial de acção nas células
de Purkinje, provavelmente, por bloqueio dos canais de sódio de
abertura tardia. Contudo, a flecainida prolonga a duração do potencial
de acção nas células ventriculares, provavelmente por bloqueio da
corrente delayed-rectifier.

Em situações de elevada frequência cardíaca, a flecainida prolonga os


potenciais de acção auriculares – este efeito anti-arrítmico é vantajoso e
contrasta com o da quinidina, que prolonga os potenciais de acção
auriculares, sobretudo, em situações de baixas frequências cardíacas
(vide supra).

A flecainida prolonga a duração dos intervalos PR, QRS e QT, mesmo a


normais frequências cardíacas. Para além disso, este fármaco bloqueia
os canais RyR2 abertos, prevenindo a libertação arritmogénica de cálcio
desde o retículo sarcoplasmático. Esta acção revela-se particularmente
vantajosa em indivíduos com mutações nos receptores rianodínicos e
na calsequestrina cardíaca, explicando porque é que a flecainida
suprime as arritmias ventriculares em pacientes com taquicardia
ventricular polimórfica catecolaminérgica. De referir que, a flecainida
não causa EAD, embora esteja associada ao desenvolvimento de
torsades de pointes.

Efeitos adversos

A flecainida induz poucos efeitos adversos, sendo que a visão


desfocada consiste no efeito adverso não-cardíaco mais comum. Para
além disso, este fármaco é capaz de exacerbar a insuficiência cardíaca
em pacientes com fraco desempenho ventricular esquerdo. Os efeitos
adversos mais graves da flecainida prendem-se com a indução ou
exacerbação de arritmias potencialmente letais – de facto, este fármaco

capaz de acelerar a frequência ventricular em pacientes com flutter


auricular, bem como de aumentar a frequência de episódios de
traquicardia ventricular de reentrada. Para além disso, a flecainida está
associada a um aumento da mortalidade de pacientes que sofreram um
enfarte do miocárdio. Assim, a presença de enfarte agudo do miocárdio
ou insuficiência cardíaca constituem os principais efeitos adversos
associados ao uso de flecainida.

Farmacocinética
A flecainida é bem absorvida, sendo eliminada por via renal (de modo
intacto) e por via hepática (através da sua biotransformação em
metabolitos inactivos). A sua metabolização é mediada pelo CYP2D6.
Contudo, mesmo em indivíduos cuja função do CYP2D6 esteja
diminuída, a excreção renal per se revela-se capaz de impedir a
ocorrência de acumulação deste fármaco. De facto, a acumulação
plasmática da flecainida em concentrações tóxicas apenas se verifica
em determinadas situações raras, nomeadamente, quando os pacientes
apresentam simultaneamente insuficiência renal e disfunção do
CYP2D6. De qualquer modo, o de tempo de semi-vida deste fármaco é
menor quando a urina se encontra acidificada.

A flecainida é comercializada sob a forma de uma mistura racémica,


embora não se registem diferenças nos efeitos e propriedades
farmacológicas dos seus enantiómeros. De referir que, em pacientes
susceptíveis, os efeitos adversos deste fármaco podem ocorrer a
concentrações plasmáticas terapêuticas.

Propafenona

A propafenona é um bloqueador dos canais de sódio com uma


τrecuperação relativamente longa. Para além disso, pensa-se que a
propafenona também bloqueie canais de potássio. De qualquer modo, o
seu principal efeito cardíaco prende-se com a lentificação da condução
em tecidos de resposta rápida.

Este fármaco é comercializado sob a forma de mistura racémica,


embora os seus enantiómeros não difiram nas suas propriedades
bloqueadores dos canais de sódio. De qualquer modo, em alguns
casos, a S-(+)-propafenona apresenta propriedades β-bloqueadoras.

A propafenona prolonga a duração dos intervalos PR e QRS, sendo que


a terapia crónica com propafenona oral é utilizada para manter o ritmo
sinusal em pacientes com taquicardias supra-ventriculares (incluindo
fibrilação auricular). Para além disso, tal como outros bloqueadores dos
canais de sódio, este fármaco pode ser utilizado na terapia de arritmias
ventriculares, embora apresente baixa eficácia.

Efeitos adversos
Os efeitos adversos decorrentes da terapia com propafenona incluem
aceleração da resposta ventricular em pacientes com flutter auricular,
aumento da frequência ou gravidade dos episódios de taquicardia
ventricular de reentrada, e exacerbação da insuficiência cardíaca. Para
além disso, a propafenona partilha dos efeitos adversos dos β-
bloqueadores - incluindo bradicardia sinusal e broncospasmo -,
encontrando-se contra-indicada para pacientes com asma, hipoglicemia
ou doença vascular periférica.

Farmacocinética

A propafenona é bem absorvida, sendo eliminada por via renal e


hepática. Este fármaco é metabolizado pela CYP2D6, sendo que, na
maior parte dos indivíduos (“metabolizadores extensos”), a propafenona
sofre um extenso efeito de primeira passagem de primeira passagem
hepática, sendo convertida em 5-hidroxipropafenona. Este último
metabolito bloqueia os canais de sódio de modo equipotente à
propafenona, embora bloqueie os receptores adrenérgicos β de modo
muito menos potente. Por outro lado, a metabolização da propafenona
por mecanismos não-relacionados com o CYP2D6 origina N-desalquil-
propafenona, um bloqueador menos potente dos canais de sódio e dos
receptores adrenérgicos.

Por oposição, nos indivíduos que não expressam CYP2D6 funcional, o


efeito de primeira passagem hepática é muito menos proeminente, de
tal modo que são atingidas concentrações plasmáticas de propafenona
muito superiores. Não admira, portanto, que a incidência de efeitos
adversos secundários ao uso de propafenona seja significativamente
superior nestes últimos indivíduos.

A actividade do CYP2D6 pode ser significativamente inibida por vários


fármacos, nos quais se incluem a quinidina e a fluoxetina. Assim, são
necessários ajustes posológicos de propafenona em indivíduos que
estejam simultaneamente a tomar os fármacos supracitados, bem como
em indivíduos com doença hepática. Desconhece-se, contudo, se são
necessários ajustes posológicos em indivíduos com insuficiência renal.

Morizicina
A morizicina é um derivado da fenotiazina empregue na terapia das
arritmias ventriculares malignas. Embora se assemelhe aos agentes
anti-arrítmicos Ia na intensidade com que bloqueia os canais de sódio,
este fármaco difere destes agentes na sua capacidade em encurtar a
duração do potencial de acção do tecido ventricular. Este fármaco
suprime a ocorrência de despolarizações prematuras e taquicardia
ventricular, apresentando um baixo rol de efeitos adversos. Note-se,
contudo, que a morizicina constitui um potente inibidor do CYP1A.

Fármacos de classe II (bloqueadores β-adrenérgicos)


A estimulação β-adrenérgica aumenta a magnitude das correntes de
cálcio e das correntes repolarizadoras de potássio e cloreto. Para além
disso, a activação dos adrenorreceptores β aumenta a corrente de
pacemaker (aumentando, assim, a frequência sinusal) e os níveis de
cálcio presentes no retículo sarcoplasmático, aumentando, por isso, a
probabilidade de génese de arritmias mediadas por DAD e EAD.

Ora, os β-bloqueadores inibem os efeitos supracitados, pois reduzem a


frequência cardíaca, diminuem os níveis intracelulares de cálcio, e
inibem a automacidade mediada pelas pós-despolarizações. Ora, isto
explica porque é que os β-bloqueadores são anti-arrítmicos.

No tecido agudamente isquémico, os β-bloqueadores aumentam a


energia necessária para fibrilação do coração, o que contribui para o
seu efeito anti-arrítmico. Ora, estas acções podem contribuir para a
menor mortalidade registada em indivíduos que fazem terapia crónica
com β-bloqueadores após terem sofrido um enfarte do miocárdio.

Tal como acontece com os bloqueadores dos canais de cálcio e com os


digitálicos, os β-bloqueadores aumentam o tempo de condução no nó
AV (ou seja, aumentam o intervalo PR) e prolongam a refractoriedade
do nó AV. Desta forma, os β-bloqueadores são úteis para o tratamento
de arritmias de reentrada que envolvam o nó AV, bem como no controlo
da fibrilação auricular e do flutter auricular.

Por outro lado, em alguns pacientes com prolongamento congénito do


intervalo QT, verifica-se a ocorrência de arritmias despoletadas pelo
stress físico ou emocional, sendo que, nessas situações, o uso de β-
bloqueadores pode se revelar útil. Os β-bloqueadores podem ainda ser
eficazes no controlo de arritmias despoletadas pelo uso indevido de
bloqueadores dos canais de sódio.

Os efeitos adversos dos β-bloqueadores incluem fadiga, broncospasmo,


hipotensão, impotência sexual, depressão, agravamento da insuficiência
cardíaca, agravamento de sintomas de doença vascular periférica e
camuflagem de sintomas de hipoglicemia em pacientes diabéticos.

Em pacientes com arritmias devidas a excesso de estimulação


simpática (tais como feocromocitomas), o uso de β-bloqueadores pode
resultar na ocorrência de estimulação α-adrenérgica não-contrariada.
Ora, isto induz hipertensão grave e/ou arritmias secundárias a sobre-
estimulação α-adrenérgica. Assim, nesses pacientes, as arritmias
deverão ser tratadas com recurso simultâneo a antagonistas α e β
adrenérgicos, ou com recurso a fármacos como o labetalol, que
combina simultaneamente propriedades α- e β-bloqueadoras. Note-se
que a descontinuação abrupta dos β-bloqueadores pode levar à
reinstalação de arritmias.

A maior parte dos antagonistas β-adrenérgicos parece partilhar de


propriedades anti-arrítmicas. Para além disso, alguns destes fármacos,
tais como o propranolol, também exercem efeitos bloqueadores dos
canais de sódio quando administrados em doses elevadas.

O acebutolol é tão eficaz como a quinidina a suprimir batimentos


ventriculares ectópicos, enquanto o sotalol revela-se mais eficaz que
outros β-bloqueadores para o tratamento de muitas arritmias, algo que
se parece dever às suas acções bloqueadoras dos canais de potássio.
Por fim, o esmolol é um bloqueador selectivo β1 que apresenta um
tempo de semi-vida muito curto. Assim, este fármaco é administrado,
por via intra-venosa, em situações em que seja desejado um bloqueio β-
adrenérgico imediato.

Esmolol

O esmolol é um bloqueador selectivo β1, que é metabolizado por


esterases dos eritrócitos, apresentando um período de semi-vida muito
curto (9 minutos). Assim, a administração intra-venosa de esmolol
revela-se útil nas situações em que é necessário um bloqueio β-
adrenérgico imediato (por exemplo, para o controlo da fibrilação
auricular rapidamente conduzida). Devido à rápida eliminação do
esmolol, os seus efeitos adversos dissipam-se rapidamente aquando da
descontinuação deste fármaco. De referir que, embora o metanol seja
um metabolito do esmolol, a intoxicação por metanol não se revela um
problema subjacente ao uso de esmolol.

Fármacos de classe III (prolongadores do potencial


de acção)
A maior parte dos fármacos que prolongam o potencial de acção actua
através do bloqueio de canais de potássio, embora o aumento da
corrente inward de sódio também possa prolongar este potencial. De
facto, o bloqueio dos canais de potássio aumenta a duração do
potencial de acção e reduz a automacidade normal. Ora, o aumento da
duração do potencial de acção (manifestado por um aumento no
intervalo QT) aumenta a refractoriedade, constituindo, por isso, uma
forma eficaz de tratamento de reentradas.

Para além disso, o bloqueio dos canais de potássio parece gerar um


conjunto adicional de efeitos desejáveis, nos quais se incluem a
redução da energia necessária para desfibrilação, a inibição da
fibrilação ventricular secundária a isquemia aguda, e o aumento da
contractilidade. Para além disso, a maior parte dos bloqueadores dos
canais de potássio também interage com os receptores β-adrenérgicos
ou com outros canais.

A maior parte dos prolongadores do potencial de acção apresenta um


efeito mais significativo em situações de baixa frequência cardíaca,
podendo causar torsades de pointes. Apesar disso, este efeito não
resulta apenas do uso de anti-arrítmicos – a título de exemplo, as
hormonas sexuais modificam os canais iónicos cardíacos, podendo
induzir torsades de pointes.

Sotalol

O sotalol é um β-bloqueador não-selectivo que também prolonga os


potenciais de acção cardíacos, na medida em que inibe a corrente
delayed-rectifier (e, possivelmente, outras correntes de potássio) –
assim, este fármaco pode ser simultaneamente classificado como um
anti-arrítmico de classe II ou III. O sotalol é comercializado sob a forma
de uma mistura racémica, sendo que o L-enantiómero apresenta
propriedades β-bloqueadoras mais potentes que o D-enantiómero,
embora ambos bloqueiem os canais de potássio de modo equipotente.

Em termos clínicos, o sotalol é utilizado em pacientes com taquiarritmias


ventriculares e fibrilação ou flutter auricular. De facto, o sotalol prolonga
a duração dos potenciais de acção, na medida em que prolonga o
intervalo QT do electrocardiograma. Para além disso, este fármaco
diminui a automacidade, lentifica a condução no nó AV, e bloqueia os
canais de potássio e os receptores β-adrenérgicos, prolongando a
refractoriedade AV. Apesar disso, o sotalol não exerce qualquer efeito
na velocidade de condução dos tecidos de resposta rápida.

O sotalol causa EAD, podendo causar torsades de pointes, sobretudo


aquando da presença de baixas concentrações séricas de potássio.
Contrariamente ao que se verifica com a quinidina, a incidência de
torsades de pointes parece depender da dose de sotalol – de facto, as
torsades de pointes constituem o principal efeito adverso resultante da
overdose por sotalol. De referir que, o sotalol é eliminado por via renal,
de tal modo que, em pacientes com disfunção renal, podem ocorrer
torsades de pointes, mesmo aquando da presença de baixas
concentrações de sotalol. De referir que, o sotalol partilha ainda dos
efeitos adversos comuns a todos os β-bloqueadores.

Amiodarona

A amiodarona exerce vários efeitos farmacológicos, sendo que nenhum


dos quais se encontra claramente relacionado com as suas
propriedades anti-arrítmicas. De facto, a amiodarona é um análogo
estrutural das hormonas tiroideias, de tal modo que algumas das suas
acções anti-arrítmicas parecem ser devidas à sua interacção com os
receptores das hormonas tiroideias.

A amiodarona é altamente lipofílica, sendo concentrada em vários


tecidos e, por conseguinte, eliminada de forma extremamente lenta.
Não admira, por isso, que os seus efeitos adversos também perdurem
por longos períodos de tempo.

As suas principais indicações terapêuticas incluem situações de


taquicardia ventricular recorrente e fibrilação resistente a outros
fármacos. Para além disso, a amiodarona oral também se revela eficaz
na manutenção do ritmo sinusal de pacientes com fibrilação auricular.
Por outro lado, quando administrada por via intra-venosa, a amiodarona
pode ser usada no término agudo de uma taquicardia ventricular ou de
um episódio de fibrilação. O tratamento com amiodarona parece ainda
reduzir, de forma modesta, a mortalidade registada após ocorrência de
um enfarte do miocárdio.

Efeitos farmacológicos

Os efeitos da amiodarona parecem ser dependentes da perturbação do


ambiente lipídico dos canais iónicos. De facto, a amiodarona bloqueia
os canais de sódio inactivos e apresenta uma τrecuperação relativamente
curta. Para além disso, a amiodarona diminui a corrente de cálcio, bem
como as correntes transitória outward delayed-rectifier e inward rectifier.
Sabe-se, ainda, que a amiodarona bloqueia os receptores adrenérgicos
de modo não-competitivo.

A amiodarona inibe a automacidade anormal de modo potente e, na


maior parte dos tecidos, prolonga a duração do potencial diastólico.
Para além disso, ao bloquear os canais de sódio (e, provavelmente, o
acoplamento intercelular, sobretudo em tecidos patológicos), a
amiodarona diminui a velocidade de condução. De referir que, durante a
terapia crónica com este fármaco, é frequente registarem-se
prolongamentos dos intervalos PR, QRS e QT, bem como bradicardia
sinusal. Por fim, a amiodarona prolonga a refractoriedade em todos os
tecidos cardíacos, algo que pode ser devido ao bloqueio dos canais de
sódio, ao bloqueio de canais de potássio e/ou à inibição do acoplamento
intercelular.

Efeitos adversos

A administração intra-venosa de amiodarona acarreta, frequentemente,


hipotensão secundária a vasodilatação e a diminuição do desempenho
do miocárdio – estes efeitos parecem ser parcialmente devidos ao
solvente com o qual a amiodarona é administrada. Os efeitos adversos
resultantes da administração oral de amiodarona são raros – entre
esses efeitos adversos, destaque para a diminuição da contractilidade e
para o desenvolvimento de náuseas.
Os efeitos adversos resultantes da terapia a longo prazo com
amiodarona parecem estar relacionados com a sua acumulação
tecidular. A fibrose pulmonar, uma condição rapidamente progressiva e
potencialmente fatal, constitui o mais grave efeito adverso registado em
situações de terapia crónica com amiodarona. Note-se que, quando
administrada em baixas doses (tais como as doses empregues na
terapêutica da fibrilação auricular), a toxicidade pulmonar da
amiodarona é rara. De qualquer forma, sempre que se verifique
toxicidade pulmonar potencialmente fatal, o uso de amiodarona deverá
ser descontinuado. Como expectável, o uso de amiodarona encontra-se
contra-indicado em pacientes com doença pulmonar prévia.

Outros efeitos adversos resultantes da terapia a longo prazo com


amiodarona incluem a formação de microdepósitos corneanos,
disfunção hepática, sintomas neuromusculares (normalmente,
neuropatia periférica ou fraqueza muscular proximal), fotossensibilidade,
hipotiroidismo e hipertiroidismo. De referir que, apesar de a amiodarona
induzir bradicardia e prolongamento do intervalo QT, é raro registarem-
se torsades de pointes e outras taquiarritmias, aquando da terapêutica
com este fármaco.

Farmacocinética

A amiodarona apresenta baixa biodisponibilidade oral (cerca de 30%), o


que provavelmente se deve à sua fraca absorção. Apesar disso, este
fármaco distribui-se bem nos tecidos lipídicos. Ao nível hepático, a
amiodarona é metabolizada pela CYP3A4, em desetil-amiodarona, um
metabolito com actividade similar à da própria amiodarona.

Os efeitos da amiodarona apenas se verificam algumas semanas após


iniciar a terapia com este fármaco. Contudo, estes efeitos são de longa
duração – de facto, a amiodarona apresenta uma semi-vida na ordem
das semanas, podendo ser administrada apenas uma vez por dia. De
referir que ainda não se conhecem os mecanismos, através dos quais a
amiodarona e o seu metabolito são eliminados.

Não são necessários ajustes nas doses de amiodarona administradas a


indivíduos com disfunção hepática, renal ou cardíaca. Contudo, a
amiodarona é um potente inibidor do CYP3A4, CYP2C9 e P-
glicoproteína, motivo pelo qual inibe o metabolismo hepático e a
eliminação renal de vários fármacos, de entre os quais se incluem a
varfarina, digoxina e outros anti-arrítmicos (nomeadamente a flecainida,
a procainamida e a quinidina) – dever-se-á reduzir a dose destes
fármacos, quando estes são simultaneamente administrados com a
amiodarona.

Dronedarona

A dronedarona é um benzofurano não-iodado derivado da amiodarona,


sendo utilizada no tratamento da fibrilação auricular e do flutter
auricular. Comparativamente à amiodarona, a dronedarona induz menos
efeitos adversos, embora também seja menos eficaz a manter o ritmo
sinusal. A dronedarona reduz a morbilidade e mortalidade dos pacientes
com fibrilação auricular de elevado risco, embora aumente a
mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca grave, estando
contra-indicada para pacientes com insuficiência cardíaca de alto grau.

Efeitos farmacológicos

Tal como a amiodarona, a dronedarona constitui um potente bloqueador


de múltiplas correntes iónicas, de entre as quais se destacam a corrente
rápida de potássio delayed-rectifier (IKr), a corrente lenta de potássio
delayed-rectifier (IKs), a corrente de potássio inward rectifier (IK1), a
corrente de potássio activada pela acetilcolina, a corrente de sódio, e a
corrente de cálcio do tipo L. Os seus efeitos anti-adrenérgicos são mais
fortes que os da amiodarona.

Efeitos adversos e interacções farmacológicas

Os efeitos adversos mais comuns incluem diarreia, náuseas, dor


abdominal, vómitos e astenia. A dronedarona causa ainda
prolongamento (dependente da dose) do intervalo QT, embora o
desenvolvimento de torsades de pointes seja raro.

A dronedarona é metabolizada pela CYP3A, inibindo (de forma


moderada) a CYP3A, CYP2D6 e P-glicoproteína. Assim, a dronedarona
não deve ser co-administrada com inibidores potentes do CYP3A4. Já a
administração simultânea com outros fármacos metabolizados pelo
CYP2D6 ou pela P-glicoproteína pode resultar no aumento das
concentrações destes últimos fármacos.

Ibutilida

A ibutilida é um bloqueador da corrente IKr que também se revela


capaz de activar uma corrente inward de sódio. Assim, ambos estes
mecanismos levam a que este fármaco apresente um efeito prolongador
do potencial de acção.

A ibutilida é usada para induzir conversão imediata da fibrilação


auricular ou flutter auricular em ritmo sinusal. Note-se que este fármaco
é mais eficaz em pacientes com flutter auricular, do que em pacientes
com fibrilação auricular. Para além disso, a ibutilida é mais eficaz em
pacientes com fibrilação auricular instalada num período de dias, do que
em pacientes com fibrilação auricular instalada num período de meses
ou semanas.

As torsades de pointes constituem a principal acção adversa da


ibutilida. Em termos farmacocinéticos, este fármaco sofre um importante
efeito de primeira passagem, não sendo administrada por via oral. A sua
eliminação processa-se por via hepática e o seu tempo de semi-vida
ronda as seis horas.

Dofetilida

A dofetilida é um potente bloqueador das correntes IKr, actuando de


modo tão específico, que praticamente não manifesta efeitos
farmacológicos extra-cardíacos. A dofetilida é eficaz na manutenção do
ritmo sinusal em pacientes com fibrilação auricular, embora não pareça
reduzir a mortalidade dos pacientes que tenham sofrido previamente de
um enfarte agudo do miocárdio.

De referir que as torsades de pointes constituem os efeitos adversos


mais comuns resultantes do uso de dofetilida.

Farmacocinética

A maior parte da dofetilida é excretada pelos rins de forma inalterada.


Em pacientes com insuficiência renal ligeira a moderada, são
necessárias diminuições das doses administradas de dofetilida, de
modo a diminuir o risco de desenvolvimento de torsades de pointes. Já
em pacientes com insuficiência renal grave, ou que estejam a tomar
inibidores dos transportadores de catiões renais, este fármaco não deve
ser utilizado.

Bretílio

O bretílio é um composto quaternário de amónio que prolonga os


potenciais de acção cardíacos e interfere com a recaptação de
noradrenalina por parte dos neurónios simpáticos. Antigamente, este
fármaco foi utilizado para tratar a fibrilação ventricular, embora o seu
uso tenha sido descontinuado.

Fármacos de classe IV (bloqueadores dos canais de


cálcio)
Os principais efeitos dos bloqueadores dos canais de cálcio registam-
se ao nível dos tecidos nodais. Contudo, nem todos os bloqueadores
dos canais de cálcio desempenham efeitos relevantes na função
cardíaca – a título de exemplo, as dihidropiridinas (tais como a
nifedipina), que são frequentemente usadas na terapêutica da angina e
hipertensão, bloqueiam preferencialmente os canais de cálcio
vasculares, de tal modo que os seus efeitos cardíacos (tais como
aceleração da frequência cardíaca) resultam, sobretudo, da activação
simpática reflexa à vasodilatação periférica.

Assim, apenas o verapamil, o diltiazem e o bepridil bloqueiam os


canais de cálcio das células cardíacas em doses clinicamente
relevantes – estes fármacos, normalmente, lentificam a frequência
cardíaca, embora também possam causar taquicardia secundária aos
mecanismos de activação simpática supracitados.

O bloqueio do nó AV ocorre como resultado da condução decremental,


bem como do aumento da refractoriedade no nó AV. Estes últimos
efeitos constituem a base das acções anti-arrítmicas dos bloqueadores
dos canais de cálcio em arritmias de reentrada cujos circuitos envolvem
o nó AV (tal como a taquicardia de reentrada AV). Ao diminuírem a
velocidade no nó AV, os bloqueadores dos canais de cálcio aumentam o
intervalo PR.

Para além disso, algumas formas de taquicardia ventricular parecem ser


mediadas por DAD, respondendo ao verapamil. O verapamil e o
diltiazem, quando administrados por via parentérica, podem ser
utilizados para a rápida conversão de taquicardia supra-ventricular
paroxística em ritmo sinusal, bem como para o controlo temporário do
flutter auricular e da fibrilação auricular. Por seu turno, o verapamil oral
pode ser usado em conjunto com a digoxina, em situações de flutter
auricular e fibrilação auricular, ou na profilaxia de taquicardia supra-
ventricular paroxística de repetição.

Contrariamente aos β-bloqueadores, os bloqueadores dos canais de


cálcio não reduzem a mortalidade decorrente de um enfarte do
miocárdio. De referir que, contrariamente aos restantes bloqueadores
dos canais de cálcio, o bepridil aumenta a duração do potencial de
acção em vários tecidos, exercendo um efeito anti-arrítmico nas
aurículas e ventrículos. Todavia, o bepridil causa torsades de pointes,
motivo pelo qual não é amplamente utilizado.

Verapamil e diltiazem

O verapamil e o diltiazem são bloqueadores dos canais de cálcio com


efeitos anti-arrítmicos. O verapamil é comercializado sob a forma de
uma mistura racémica, sendo que o L-verapamil bloqueia os canais de
cálcio de modo mais potente que o D-verapamil. Todavia, quando
administrado oralmente, o L-verapamil sofre um extenso efeito de
primeira passagem hepática. Ora, isto explica porque é que uma dada
concentração de verapamil prolonga o intervalo PR de modo mais
significativo, quando administrada por via intra-venosa (onde as
concentrações dos dois enantiómeros são equivalentes).

O diltiazem também sofre um importante efeito de primeira passagem


hepática, sendo que alguns dos seus metabolitos (tal como alguns dos
metabolitos do verapamil) exercem acção bloqueadora dos canais de
cálcio. Para além disso, ambos os fármacos são capazes de aumentar a
concentração sérica de digoxina, bem como de lentificar
excessivamente a resposta ventricular (sobretudo, em pacientes com
fibrilação auricular).
A hipotensão constitui o principal efeito adverso do verapamil e
diltiazem administrados por via intra-venosa. Este problema revela-se
particularmente importante em pacientes com taquicardia ventricular
(nos quais, os bloqueadores dos canais de cálcio não são eficazes),
bem como em pacientes que estejam simultaneamente a tomar outros
vasodilatadores (incluindo a quinidina) e em pacientes com disfunção
ventricular esquerda. Em pacientes susceptíveis (nomeadamente,
pacientes a tomar β-bloqueadores), pode ocorrer bradicardia sinusal
grave ou bloqueio AV, sendo que, caso estes fármacos sejam
administrados por via oral, tendem se a registar efeitos menos graves.
De referir que o verapamil pode ainda causar obstipação.

Os bloqueadores dos canais de cálcio encontram-se contra-indicados


em pacientes com disfunção nodal (quer do nó AV, quer do nó sinusal),
bem como em pacientes com obstipação ou síndrome de Wolff-
Parkinson-White.

Outros anti-arrítmicos
Adenosina

A adenosina é um
nucleosídeo natural, que
é administrado por via
intra-venosa com o
objectivo de terminar
agudamente a ocorrência
de arritmias supra-
ventriculares de
reentrada. A adenosina
tem ainda sido utilizada
para induzir hipotensão

controlada durante alguns


procedimentos cirúrgicos,
bem como no diagnóstico
de doença coronária.
De referir que a administração intra-venosa de ATP parece produzir
efeitos similares aos da adenosina.

Efeitos farmacológicos

Os efeitos da adenosina dependem da sua ligação a receptores


acoplados à proteína G. Em termos moleculares, a adenosina activa
uma corrente de potássio sensível à acetilcolina (ao nível das aurículas
e nós sinusal e AV), induzindo um encurtamento da duração do
potencial de acção, hiperpolarização cardíaca e lentificação da normal
automacidade. Para além disso, a adenosina inibe os efeitos resultantes
da estimulação simpática, ao inibir os efeitos do cAMP. Ora, uma vez
que a adenosina reduz as correntes de cálcio, este nucleosídeo é capaz
de aumentar a refractoriedade no nó AV e de inibir a génese de DAD
despoletadas por estimulação simpática.

A administração de adenosina por via intra-venosa lentifica,


transitoriamente, a velocidade de condução nos nós AV e sinusal,
aumentando a refractoriedade do nó AV. Contudo, a adenosina pode
interagir com os barorreceptores carotídeos, induzindo activação
simpática transitória. De referir que a adenosina revela-se ineficaz em
pacientes submetidos a transplante cardíaco.

Efeitos adversos

Os efeitos da adenosina são deveras curtos, uma vez que este


nucleosídeo é rapidamente captado para o interior das células, onde é
desaminado. Frequentemente, ocorre uma assístole (falta de ritmo
cardíaco) transitória, a qual dura menos de cinco segundos (sensação
de morte iminente). Para além disso, muitos pacientes sentem dispneia
aquando da administração de adenosina. Mais raramente, esta
administração pode precipitar o desenvolvimento de broncospasmo ou
fibrilação auricular, podendo ainda registar-se o desenvolvimento de
rubor facial, cefaleias, hipotensão, náusea ou parestesias.

Farmacocinética

A adenosina apresenta um tempo de semi-vida da ordem dos


segundos, sendo eliminada no interior das células pela desamínase da
adenosina. Assim, a eficácia da adenosina requer a administração de
uma grande dose em bólus (de preferência por via intra-venosa), uma
vez que a administração lenta deste fármaco resulta na sua eliminação
antes da sua chegada ao coração.

Os efeitos da adenosina encontram-se potenciados em pacientes a


tomar dipiridamole (um inibidor da captação intracelular de adenosina),
bem como em pacientes submetidos a transplantes cardíacos. As
metilxantinas (tais como a teofilina e a cafeína) bloqueiam os
receptores de adenosina, de tal modo que são necessárias maiores
doses deste nucleosídeo em pacientes que consumam estes agentes.

Glicosídeos cardíacos (digitálicos)

Os glicosídeos cardíacos (glicosídeos digitálicos) incluem a


digoxina e a digitoxina. Estes dois fármacos apresentam uma
estrutura similar, embora a digitoxina apresente um átomo de hidrogénio
no carbono 12, em vez de um grupo hidroxilo.

Efeitos farmacológicos

Os glicosídeos digitálicos exercem efeitos inotrópicos positivos, sendo


utilizados na terapêutica da insuficiência cardíaca. A sua acção
inotrópica resulta do aumento dos níveis intracelulares de cálcio, que
também são responsáveis pela sua toxicidade.

Os glicosídeos cardíacos aumentam o declive da fase 4 (ou seja,


aumentam a taxa de automacidade). Para além disso, estes fármacos
exercem importantes acções vagotónicas, das quais resulta uma
inibição das correntes de cálcio do nó AV, bem como a activação de
correntes auriculares de potássio mediadas pela acetilcolina.

Deste modo, de entre os principais efeitos “indirectos” dos glicosídeos


cardíacos, destaque para a hiperpolarização, encurtamento dos
potenciais de acção auriculares, e aumento da refractoriedade nodal AV.
Esta última acção explica a utilidade da digoxina no término de arritmias
de reentrada envolvendo o nó AV, bem como no controlo da resposta
ventricular de pacientes com fibrilação auricular. De facto, os
glicosídeos cardíacos revelam-se particularmente úteis nesta última
situação, na medida em que muitos dos pacientes com este quadro
manifestam também insuficiência cardíaca, a qual pode ser exacerbada
por outros fármacos bloqueadores do nó AV, tais como os bloqueadores
dos canais de cálcio ou os β-bloqueadores.

Apesar disso, os digitálicos revelam-se pouco eficazes em situações de


insuficiência cardíaca avançada, bem como em outras situações
caracterizadas por um elevado tónus simpático (tais como doença
pulmonar crónica ou tireotoxicose). De facto, o aumento da actividade
simpática e a hipóxia podem potenciar as alterações induzidas pelos
digitálicos na automacidade, aumentando o risco de toxicidade por
digitálicos. Por outro lado, nos pacientes submetidos a transplante
cardíaco, os glicosídeos cardíacos revelam-se ineficazes como anti-
arrítmicos.

Ao nível do ECG, os principais efeitos resultantes da acção dos


glicosídeos cardíacos prendem-se com o prolongamento do intervalo
PR e depressão do segmento ST.

Efeitos adversos

Devido ao baixo índice terapêutico dos glicosídeos cardíacos, estes


manifestam toxicidade deveras elevada - entre os principais efeitos
adversos, destaque para as arritmias, náuseas, perturbações da função
cognitiva e visão desfocada ou amarelada. De entre os factores que
predispõem os pacientes para o desenvolvimento de arritmias induzidas
por digitálicos, destaque para as elevadas concentrações séricas destes
fármacos, para a hipóxia e para anomalias na concentração de
electrólitos (tais como hipocalémia e hipomagnesemia). Apesar de a
intoxicação por digitálicos poder causar quase qualquer tipo de arritmia,
existem algumas arritmias mais típicas deste quadro, nomeadamente,
taquicardias por DAD com perturbação da função dos nós AV ou
sinusal, taquicardia auricular com bloqueio AV, e, menos
frequentemente, taquicardia ventricular bidireccional, taquicardias
juncionais AV e vários bloqueios AV.

Em pacientes com fibrilação auricular e síndrome de Wolff-Parkinson-


White, os glicosídeos induzem um aumento da frequência cardíaca, de
tal modo que estes fármacos encontram-se contra-indicados para
pacientes com esta síndrome (tal como para pacientes com disfunção
do nó AV).
Em situações de intoxicação grave por digitálicos, podem se registar
bradiarritmias graves e hipercalémia grave (por disfunção da bomba de
sódio e potássio). Por outro lado, os pacientes com elevados níveis
séricos de digitálicos comportam um risco superior de desenvolvimento
de fibrilação ventricular.

Existem, contudo, formas mais moderadas de intoxicação por


glicosídeos cardíacos, as quais não requerem qualquer terapia
específica, para além da monitorização do ritmo cardíaco. A bradicardia
sinusal e o bloqueio AV respondem, por vezes, à administração intra-
venosa de atropina, embora esse efeito seja transitório. Por seu turno, o
magnésio revela-se eficaz em alguns casos de taquicardia induzida por
digitálicos. De qualquer modo, qualquer arritmia mais grave deverá ser
tratada com recurso a fragmentos Fab anti-digoxina (digibind), os
quais se ligam à digoxina e digitoxina de modo altamente eficaz,
potenciando a sua excreção renal.

De referir que, os digitálicos exercem efeitos vasoconstrictores directos,


os quais se podem revelar particularmente deletérios em pacientes com
aterosclerose avançada.

Farmacocinética

A digoxina e a digitoxina podem ser administradas por via oral ou intra-


venosa. A digoxina apresenta biodisponibilidade oral incompleta, sendo
que, em alguns pacientes, a população microbiana intestinal pode
metabolizar a digoxina, reduzindo significativamente a sua
biodisponibilidade. Nesses pacientes, são necessárias doses superiores
às habituais, para que se registe eficácia clínica. Note-se que, caso a
digoxina seja administrada em conjunto com fármacos deletérios para a
flora intestinal, podem surgir efeitos adversos.

A digoxina apresenta fraca capacidade de ligação às proteínas


plasmáticas. Contudo, este fármaco apresenta uma distribuição
relativamente lenta para os locais efectores, de tal modo que, mesmo
quando a digoxina é administrada por via intra-venosa, verifica-se um
intervalo de várias horas entre o tempo de administração do fármaco e o
desenvolvimento de efeitos anti-arrítmicos consideráveis. De referir que,
embora alguns pacientes necessitem ou tolerem de concentrações mais
elevadas de digitálicos, estas acarretam um risco superior de efeitos
adversos.

A semi-vida da digoxina ronda as 36 horas, de tal modo que este


fármaco é administrado apenas uma vez por dia. A eliminação deste
fármaco faz-se maioritariamente por via renal e sob a forma intacta,
devendo ocorrer ajustes posológicos em indivíduos com insuficiência
renal ou hipotiroidismo.

A digitoxina sofre extenso metabolismo hepático, podendo ser


administrada a pacientes com disfunção renal avançada. O
metabolismo da digitoxina é acelerado por fármacos indutores do
metabolismo hepático, tais como a fenitoína e a rifampina. Para além
disso, a digitoxina apresenta elevada capacidade de ligação às
proteínas plasmáticas e um tempo de semi-vida superior ao da digoxina.

A amiodarona, a quinidina, o verapamil, o diltiazem, a ciclosporina, o


itraconazole, o propanofeno e a flecainida diminuem a clearance de
digoxina, provavelmente, por inibição da P-glicoproteína, que constitui a
principal via de eliminação deste fármaco. Assim, é comum reduzir as
doses de digoxina aquando da administração conjunta de quinidina ou
amiodarona, sob pena de se desenvolver uma intoxicação por estes
fármacos.

Magnésio

A administração intra-venosa de magnésio é eficaz na prevenção de


episódios recorrentes de torsades de pointes, mesmo que a
concentração sérica de magnésio se mantenha normal. O mecanismo
de acção do magnésio permanece desconhecido, embora se saiba que
este ião não encurta o intervalo QT (possivelmente, o magnésio
interfere com alguma corrente inward, quiçá, uma corrente de cálcio).
De referir que, quando administrado por via intra-venosa, o magnésio
revela-se eficaz no tratamento de arritmias por intoxicação com
digitálicos.

Vernakalant

O vernakalant é um inibidor de vários canais iónicos expressos


maioritariamente nas aurículas. Este fármaco inibe, sobretudo, a
corrente ultra-rápida de potássio delayed rectifier (IKur), embora também
bloqueie a corrente rápida de potássio delayed rectifier (IKr), a corrente
de potássio transitória (ITO), a corrente de sódio e a corrente de cálcio
do tipo L. Assim, o vernakalant prolonga selectivamente o período
refractário auricular, sem afectar significativamente a refractoriedade
ventricular.

O vernakalant revela-se eficaz na conversão da fibrilação auricular de


curta duração num ritmo sinusal. Contudo, este fármaco não se revela
eficaz em situações de fibrilação auricular de longa duração nem de
flutter auricular.

Em termos farmacocinéticos, o vernakalant é rapidamente metabolizado


pela CYP2D6, através de processos de 4-O-desmetilação. De referir
que, nos indivíduos com disfunção da CYP2D6, o vernakalant apresenta
um período de semi-vida superior ao que seria expectável.

Actualmente, estão ainda a decorrer ensaios clínicos com o objectivo de


estudar a acção do vernakalant. De acordo com resultados preliminares,
o vernakalant parece não ter efeitos pro-arrítmicos, não tendo ainda
sido registados casos de torsades de pointes.
Farmacoterapia da doença cardíaca
isquémica
Noções fisiopatológicas básicas
A angina de peito, que constitui o principal sintoma da doença
cardíaca isquémica, resulta da ocorrência de episódios transitórios de
isquemia miocárdica, os quais se estabelecem na sequência de
desequilíbrios entre as necessidades e o fornecimento de oxigénio ao
miocárdio. Este desequilíbrio pode ser causado por um aumento das
necessidades miocárdicas de oxigénio (as quais são determinadas pela
frequência cardíaca, contractilidade ventricular e tensão da parede
ventricular) ou por um decréscimo do fornecimento de oxigénio ao
miocárdio (o qual é, sobretudo, determinado pelo fluxo sanguíneo
coronário, cujo decréscimo se pode dever à presença de aterosclerose
coronária). De qualquer forma, na maior parte dos pacientes com
angina típica, os sintomas anginosos são aliviados pelo descanso ou
pela administração de nitroglicerina sublingual.

Em alguns pacientes, podem ocorrer sintomas anginosos sem que se


verifique um concomitante aumento das necessidades de oxigénio – de
facto, estes sintomas podem resultar de uma redução abrupta do fluxo
coronário, tal como acontece em situações de trombose coronária
(angina instável) ou de vasospasmo localizado (angina de
Prinzmetal).

A angina de peito pode apresentar um padrão estável, ou,


alternativamente, tornar-se instável, aumentando a sua frequência ou
gravidade. As situações de angina estável estão associadas,
sobretudo, ao estreitamento do lúmen das artérias coronárias por parte
de placas ateroscleróticas. Já na angina instável, ocorre ruptura de uma
placa aterosclerótica, o que condiciona trombose e, possivelmente,
supressão completa do fluxo sanguíneo. Por fim, alguns pacientes
demonstram um padrão misto de angina, caracterizada pela presença
simultânea de vasospasmo e estreitamento aterosclerótico.

A isquemia miocárdica pode ser assintomática (“silenciosa”), sendo que


os agentes farmacológicos eficazes na terapêutica da angina típica
também se revelam eficazes na redução da isquemia silenciosa.
Contudo, os β-bloqueadores parecem ser mais eficazes que os
bloqueadores dos canais de cálcio na prevenção de episódios
isquémicos. Apesar disso, não são conhecidos benefícios inerentes à
adopção de uma terapia especificamente direccionada para a isquemia
silenciosa, por comparação com a terapia convencional.

Como é facilmente compreensível, os agentes utilizados na terapêutica


da angina de peito actuam por aumento do fornecimento de oxigénio
(ao dilatarem os vasos coronários) ou por diminuição das necessidades
miocárdicas de oxigénio (ao reduzirem o trabalho cardíaco). Assim,
entre os principais anti-anginosos, destaque para os
nitrovasodilatadores, β-bloqueadores e antagonistas dos canais de
cálcio.

Para além disso, existem outros fármacos que se revelam eficazes no


tratamento da angina estável e instável, incluindo agentes anti-
plaquetários e estatinas (inibidores da redútase do HMG-CoA) – estes
fármacos estabilizam as placas ateroscleróticas vulneráveis, diminuindo
o risco de ruptura. Estão ainda a ser desenvolvidos novos fármacos
anti-anginosos, dos quais a ranolazina constitui um exemplo – os
mecanismos de acção deste fármaco ainda não se encontram
totalmente conhecidos, embora se pense que este actue directamente
nos canais de sódio dos cardiomiócitos.

Os fármacos usados na angina típica actuam, sobretudo, através da


redução das necessidades miocárdicas de oxigénio, ao diminuírem a
frequência cardíaca, a contractilidade miocárdica e/ou o stress da
parede ventricular. Por oposição, na angina instável, procura-se,
sobretudo, aumentar o fluxo sanguíneo miocárdio, de tal modo que se
recorre frequentemente ao uso de fármacos anti-plaquetários e à
heparina (um anti-coagulante), de modo a reduzir os eventos
trombóticos coronários. Por fim, em situações de angina de Prinzmetal,
procura-se, sobretudo, prevenir o espasmo coronário.

Os agentes anti-anginosos asseguram um tratamento sintomático ou


profilático da angina de peito. Adicionalmente, os β-bloqueadores estão
associados a uma redução da mortalidade, ao diminuírem a incidência
de morte súbita por isquemia ou enfarte agudo do miocárdico. Por
oposição, o uso crónico de nitratos vasodilatadores, que são fármacos
altamente eficazes no tratamento da angina, não induz uma diminuição
da mortalidade por eventos cardiovasculares – de facto, alguns
investigadores acreditam que o uso crónico de nitroglicerina possa ter
efeitos negativos no sistema cardiovascular. Desconhece-se o impacto
da mortalidade da ranolazina.

O tratamento dos factores de risco cardíacos pode reduzir a progressão,


ou até levar à regressão, da aterosclerose. De facto, o uso diário de
aspirina reduz a incidência de eventos cardiovasculares em pacientes
com isquemia miocárdica. Para além disso, as estatinas (entre outros
fármacos anti-lipídicos) reduzem a mortalidade dos pacientes com
hipercolesterolemia, independentemente do facto de estes
manifestarem ou não doença coronária. Por outro lado, os inibidores
da enzima de conversão da angiotensina (IECAs) também reduzem
a mortalidade dos pacientes com doença coronária, sendo
particularmente recomendados em situações em que se verifique uma
disfunção sistólica concomitante.

Nitratos orgânicos
Os nitratos orgânicos são pró-
fármacos que actuam como
fontes de óxido nítrico (NO). O
NO activa a isoforma solúvel da
guanilil-cíclase, aumentando
os níveis intracelulares de
cGMP. Por seu turno, o cGMP
promove a desfosforilação da
cadeia leve de miosina e leva à
redução dos níveis
intracelulares de cálcio,
induzindo o relaxamento das
células musculares lisas de um
vasto conjunto de tecidos,
incluindo o tecido vascular.
Assim, ao activar a guanilil-
cíclase, o NO induz
vasodilatação, inibição da
agregação plaquetária, e
relaxamento do músculo liso
dos brônquios e tracto gastro-
intestinal.

A ampla resposta biológica aos nitrovasodilatadores reflecte a


existência de várias vias reguladoras endógenas mediadas pelo NO, as
quais se encontram desreguladas em situação de patologia vascular. De
referir que, a síntese endógena de NO é mediada pela síntase do NO,
existindo três isoformas desta enzima – nNOS, eNOS e iNOS.

Estrutura química
Os nitratos orgânicos são ésteres de polióis do ácido nítrico, enquanto
os nitritos orgânicos constituem ésteres de ácido nitroso. Os ésteres de
nitrato (-C-O-NO2) e os ésteres de nitritos (-C-O-NO) caracterizam-se
pela presença de sequências de carbono-oxigénio azoto, enquanto os
compostos “nitro“ possuem ligações carbono-azoto (C-NO2). Deste
modo, o trinitrato de gliceril não é considerado um composto “nitro”,
sendo, por isso, erradamente designado por nitroglicerina.

O nitrito de amilo é um líquido altamente volátil que deve ser


administrado por inalação, apresentando utilidade terapêutica limitada.
Por seu turno, os nitratos orgânicos de baixa massa molecular (tais
como a nitroglicerina) são líquidos oleosos, moderadamente voláteis.
Por fim, os ésteres de nitratos de elevada massa molecular (tais como o
tetranitrato de eritritilo, o dinitrato de isosorbida e o mononitrato de
isosorbida) apresentam-se sob a forma sólida. De referir que, na sua
forma pura (ou seja, sem estar associada a um transportador inerte
como a lactose), a nitroglicerina é explosiva.

Os nitratos e nitritos orgânicos (colectivamente designados por


nitrovasodilatadores) devem ser metabolizados (reduzidos), de modo
a produzir NO gasoso, que parece ser o princípio activo desta classe de
fármacos. Apesar disso, o NO gasoso também pode ser directamente
administrado, por via inalatória.

Mecanismo de acção
Os nitritos, os nitratos orgânicos, os compostos nitrosos, e vários outras
substâncias contendo NO (incluindo o nitroprussiato) levam à formação
de NO – um radical livre gasoso reactivo – bem como de outros
compostos relacionados e contendo NO. Os mecanismos exactos
através dos quais os compostos supracitados libertam NO permanecem
desconhecidos. Sabe-se, contudo, que a desidrogénase dos aldeídos
mitocondrial catalisa a redução da nitroglicerina, gerando metabolitos
de NO bioactivos.

O NO é capaz de activar a guanilil cíclase (e, por isso, aumentar os


níveis celulares de cGMP), activar a PKG, e modular a actividade de
várias fosfodiesterases (PDE2, PDE3 e PDE5) em vários tipos de
células. Assim, ao aumentar o cGMP intracelular, o NO activa a PKG,
que, por seu turno, catalisa a fosforilação de várias proteínas do
músculo liso. A fosfátase das cadeias leves de miosina constitui um
importante alvo da PKG – ao ser activada, esta fosfátase induz
desfosforilação das cadeias leves de miosina, promovendo a ocorrência
de relaxamento muscular liso (nomeadamente, ao nível vascular). Em
suma, nas células musculares lisas, o NO induz desfosforilação das
cadeias leves de miosina, diminuição dos níveis citosólicos de cálcio e,
consequentemente, relaxamento muscular.

Para além de activar a guanilil cíclase, o NO é capaz de formar aductos


específicos com grupos tiol de proteínas e com a glutationa reduzida,
formando compostos nitrosotiol, os quais apresentam propriedades
biológicas distintas.

Efeitos cardiovasculares
Efeitos hemodinâmicos

Os nitrovasodilatadores promovem o relaxamento do músculo liso


vascular, sendo que baixas concentrações de nitroglicerina exercem
maior acção dilatadora sobre o leito venoso, que sobre o leito arteriolar.
Embora diminua o retorno venoso (induzindo uma diminuição das
pressões telediastólicas e do tamanho das cavidades ventriculares
direita e esquerda), essa venodilatação exerce poucas alterações na
resistência vascular sistémica – de facto, a pressão arterial sistémica
pode cair ligeiramente, enquanto a frequência cardíaca não sofre
alterações (quando muito, a frequência cardíaca pode aumentar em
resposta à diminuição da pressão arterial).

Em alguns casos, podem ser administradas doses de nitroglicerina que,


embora não alterem a pressão arterial sistémica, induzem dilatação
arteriolar no rosto e pescoço, a qual se manifesta através da presença
de rubor facial ou cefaleias (por dilatação dos vasos meníngeos
médios).

Doses superiores de nitratos orgânicos exercem um efeito venodilatador


ainda superior, podendo adicionalmente diminuir a resistência arteriolar.
Consequentemente, regista-se uma diminuição da pressão arterial
sistólica e diastólica, bem como do débito cardíaco; o que se manifesta
através da ocorrência de palidez, fraqueza e tonturas.
Simultaneamente, ocorre activação de reflexos simpáticos
compensatórios, que cursam com o desenvolvimento de taquicardia
reflexa e vasoconstrição arteriolar periférica, as quais tendem a
restabelecer a resistência vascular sistémica. Assim, após
administração de um nitrato orgânico, pode ocorrer um aumento
transitório do fluxo sanguíneo coronário, o qual poderá
subsequentemente diminuir, caso se registe uma diminuição
significativa do débito cardíaco e da pressão arterial.

Em pacientes incapazes de aumentar o tónus simpático (tais como


indivíduos com angina ortostática), a diminuição da pressão arterial
subsequente à venodilatação induzida pelos nitratos não é passível de
ser compensada. Nessas situações, os nitratos podem reduzir
significativamente a pressão arterial e a perfusão coronária, podendo
colocar a vida do paciente em risco. De facto, em pacientes com angina
ortostática e artérias coronárias normais, a terapia mais apropriada
prende-se com a correcção da hipotensão ortostática por expansão do
volume (administração de fludrocortisona e de uma dieta rica em sódio),
embora também se possa recorrer ao uso de vasoconstritores, os quais
devem ser cautelosamente administrados.

Efeitos no fluxo coronário regional e total

A isquemia miocárdica constitui um importante estímulo indutor de


vasodilatação coronária, ao activar mecanismos de auto-regulação do
calibre vascular local. Assim, na presença de um estreitamento
aterosclerótico nas artérias coronárias, a isquemia distal ao local de
lesão estimula a ocorrência de vasodilatação – em situações de
estenose grave, essa dilatação permite apenas manter um normal fluxo
sanguíneo em repouso. Nessas condições, caso se verifique um
aumento das necessidades de oxigénio, deixa de ser possível aumentar
a dilatação coronária. Assim, na presença de uma estenose coronária
significativa, regista-se uma redução desproporcional do fluxo
sanguíneo para as regiões subendocárdicas (que estão sujeitas a maior
compressão extra-vascular durante a sístole), sendo que os nitratos
orgânicos tendem a reestabelecer o fluxo sanguíneo nessas regiões
para valores próximos dos normais.

Os mecanismos hemodinâmicos responsáveis por esses efeitos ainda


não são totalmente conhecidos. De facto, desconhece-se porque é que
os nitratos orgânicos induzem vasodilatação dos grandes vasos
epicárdicos, sem perturbarem a auto-regulação dos pequenos vasos (os
quais, no seu conjunto, são responsáveis por cerca de 90% da
resistência vascular coronária total). Sabe-se, contudo, que o diâmetro
vascular constitui um importante determinante da resposta à
nitroglicerina – os vasos com diâmetro superior a 200 μm respondem
bem a este fármaco, contrariamente aos vasos com diâmetro inferior a
100 μm.

Em suma, os nitratos exercem um efeito relaxante nos grandes vasos


coronários, aumentando o fluxo sanguíneo para as regiões isquémicas.
Para além disso, a nitroglicerina dilata os vasos epicárdicos
estenosados e reduz a resistência ao fluxo nesses vasos. Regista-se,
assim, um aumento do fluxo sanguíneo, de tal modo que o sangue
passa a ser preferencialmente distribuído para as regiões miocárdicas
isquémicas.

A nitroglicerina induz ainda uma redução das pressões sistólica e


diastólica no interior das cavidades cardíacas, o que cursa com um
aumento preferencial do fluxo sanguíneo para o subendocárdio (note-se
que as pressões em epígrafe opõem-se ao fluxo sanguíneo para o
subendocárdio).

Uma vez que os nitratos orgânicos diminuem as necessidades


miocárdicas de oxigénio, o aumento do fluxo sanguíneo nas regiões
isquémicas pode ser contrabalançado por um decréscimo do fluxo nas
regiões não-isquémicas, de tal modo que, no cômputo geral, os nitratos
podem não induzir um aumento do fluxo coronário total. Por seu turno, o
efeito venodilatador coronário pode aumentar a perfusão da
microcirculação coronária. Este padrão de redistribuição do sangue não
é característico de todos os vasodilatadores. A título de exemplo, o
dipiridamole dilata os vasos de resistência de modo não-selectivo,
sendo ineficaz em pacientes com angina típica.

Por fim, em pacientes com angina secundária a espasmo das artérias


coronárias, a capacidade dos nitratos orgânicos dilatarem as artérias
coronárias (e, sobretudo, as regiões afectadas por espasmo) parece
constituir o principal mecanismo através do qual os nitratos exercem os
seus efeitos benéficos.

Efeitos nas necessidades miocárdicas de oxigénio

Através dos seus efeitos na circulação sistémica, os nitratos orgânicos


são capazes de reduzir as necessidades miocárdicas de oxigénio. Os
principais determinantes do consumo miocárdico de oxigénio incluem a
tensão de parede ventricular esquerda, a frequência cardíaca, e a
contractilidade miocárdica. Ora, a tensão da parede ventricular é
determinada pela pré-carga e pela pós-carga, sendo que os nitratos
diminuem a magnitude de ambas as propriedades.

De facto, ao aumentarem a capacitância venosa, os nitratos diminuem o


retorno venoso para o coração, diminuindo o volume ventricular
telediastólico e, por conseguinte, a tensão de parede ventricular. Deste
modo, ao diminuírem a pré-carga, os nitratos diminuem o consumo de
oxigénio e aumentam o gradiente pressões transmural, o que favorece a
perfusão subendocárdica.

A pós-carga constitui a impedância contra a qual os ventrículos devem


actuar. Na ausência de doença valvular aórtica, a pós-carga é
determinada pela resistência vascular periférica. Ora, ao diminuírem a
resistência arteriolar periférica, os nitratos reduzem a pós-carga e, por
conseguinte, o trabalho miocárdico e o consumo de oxigénio.

Em suma, os nitratos orgânicos diminuem simultaneamente a pré-carga


e a pós-carga, ao promoverem a venodilatação e a vasodilatação
arteriolar, respectivamente. Contudo, os nitratos orgânicos não parecem
alterar significativamente o inotropismo nem o cronotropismo, embora o
NO sintetizado pelos cardiomiócitos e fibroblastos possa desempenhar
um importante papel no metabolismo dos nucleotídeos cíclicos e, como
tal, nas respostas autonómicas.

Para além de diminuírem o consumo de oxigénio pelos mecanismos


supracitados, os nitratos apresentam um efeito benéfico no relaxamento
cardíaco, levando a que o enchimento diastólico ocorra mais
precocemente e mais rapidamente. Ora, isto pode se dever a um alívio
da isquemia, ou a um aumento reflexo da actividade simpática.

Ao aumentarem o cGMP plaquetário, os nitrovasodilatadores inibem


ainda a função plaquetária, diminuindo a deposição das plaquetas.
Embora este efeito anti-trombótico se revele positivo, convém não
esquecer que os nitratos são também capazes de alterar as
propriedades farmacocinéticas da heparina, reduzindo o seu efeito anti-
trombótico.

Quando a nitroglicerina é injectada directamente na circulação coronária


de pacientes com doença coronária, não se verifica uma cessação dos
ataques anginosos, mesmo que ocorra um aumento do fluxo sanguíneo
coronário. Todavia, a administração sublingual de nitroglicerina alivia a
dor anginosa nesses pacientes. Para além disso, a flebotomia venosa,
que é suficiente para reduzir a pressão telediastólica ventricular
esquerda, é capaz de mimetizar os efeitos benéficos da nitroglicerina.

De acordo com dados experimentais, os efeitos benéficos da


nitroglicerina parecem resultar preferencialmente da diminuição das
necessidades cardíacas de oxigénio, e não tanto do aumento da
distribuição de oxigénio para as regiões isquémicas do miocárdio. Claro
que isto não exclui o papel benéfico desempenhado pela redistribuição
do fluxo sanguíneo para o miocárdio isquémico subendocárdico, no
alívio da dor numa situação de ataque anginoso.

Outros efeitos

Os nitrovasodilatadores actuam em quase todos os tecidos musculares


lisos. De facto, estes fármacos induzem relaxamento do músculo liso
brônquico, independentemente do seu tónus prévio. Para além disso,
estes vasodilatadores relaxam os músculos do tracto biliar e do tracto
gastro-intestinal (incluindo os do esófago), induzindo uma diminuição da
motilidade que pode contribuir para a redução de espasmos biliares ou
esofágicos. Paralelamente, os nitratos são capazes de relaxar o
músculo liso uterino e uretral, embora se desconheça o significado
clínico dessas acções.

Farmacocinética
Como referido anteriormente, ainda se conhece pouco acerca do
processo de biotransformação dos nitratos orgânicos. Actualmente,
pensa-se que a biotransformação da nitroglicerina é mediada por uma
desidrogénase dos aldeídos mitocondriais, embora outras vias
enzimáticas e não-enzimáticas possam também contribuir para a
biotransformação dos nitrovasodilatadores.

De qualquer modo, não obstante o mistério envolvendo a


biotransformação dos nitrovasodilatadores, conhecem-se já muitas
propriedades farmacocinéticas destes fármacos, as quais serão
seguidamente abordadas.

Nitroglicerina

A nitroglicerina apresenta um período de semi-vida de 1-3 minutos.


Quando a nitroglicerina é administrada por via sublingual, as suas
concentrações plasmáticas máximas atingem-se num período de quatro
minutos (ou menos, caso este fármaco seja administrado sob a forma
de spray). A nitroglicerina origina o metabolito dinitrato de gliceril, que
apresenta menor potência vasodilatadora, mas um período de semi-vida
superior.

Dinitrato de isosorbida

O dinitrato de isosorbida parece ser maioritariamente metabolizado


por desnitração enzimática, seguida de glicurono-conjugação. Quando
este fármaco é administrado por via sublingual, as suas concentrações
plasmáticas máximas atingem-se num período de seis minutos. O
dinitrato de isosorbida apresenta um período de semi-vida de 45
minutos, enquanto os seus metabolitos primários (isosorbida-2-
mononitrato e isosorbida-5-mononitrato) apresentam períodos de
semi-vida de 3-6 horas – note-se que estes dois metabolitos parecem
contribuir para a eficácia terapêutica do dinitrato de isosorbida.

Isosorbida-5-mononitrato

A isosorbida-5-mononitrato não sofre um efeito de primeira passagem


significativo, de tal modo que apresenta uma biodisponibilidade oral
excelente. Este fármaco apresenta um período de semi-vida (e, como
tal, uma duração de acção) superior ao do dinitrato de isosorbida.

Nicorandil

O nicorandil é um nitrato de nicotinamida com propriedades


vasodilatadoras nas artérias coronárias normais, mas com propriedades
mais complexas nos pacientes com angina (nos quais reduz a pré-carga
e a pós-carga). Para além de promover a libertação de NO, este
fármaco activa canais de potássio sensíveis ao ATP, reduzindo o risco
de eventos coronários adversos.

NO administrado por via inalatória

Quando administrado por via inalatória, o NO exerce a maior parte dos


seus efeitos na vasculatura pulmonar, na medida em que esta molécula
é rapidamente inactivada pela hemoglobina. Esta vasodilatação
pulmonar selectiva explica porque é que o NO inalatório é utilizado no
tratamento da hipertensão pulmonar de recém-nascidos hipoxémicos
(nos quais o NO reduz a mortalidade e a morbilidade). Já em indivíduos
adultos, a utilidade clínica do NO inalatório encontra-se ainda sob
investigação, embora este gás pareça ser útil em pacientes com
insuficiência cardíaca congestiva.

A administração de NO por via inalatória é limitada pela sua toxicidade


(a qual é mediada, sobretudo, pelo NO2), a qual cursa com perda ciliar,
hipertrofia do epitélio dos bronquíolos terminais, inactivação do
surfactante e metemoglobinemia. Para além disso, a descontinuação da
administração do NO pode resultar num fenómeno de hipertensão
pulmonar rebound.

Tolerância
Os nitratos orgânicos sublinguais devem ser administrados aquando de
um ataque anginoso, ou antes de um esforço físico ou de um evento
stressante. De facto, a exposição frequente, ou contínua, a doses muito
elevadas de nitratos orgânicos leva a uma atenuação significativa da
magnitude da maior parte dos seus efeitos farmacológicos. Assim, a
tolerância aos nitratos orgânicos reflecte a sua dose e frequência de
uso.

A tolerância pode resultar de uma redução da capacidade do músculo


vascular liso em converter a nitroglicerina em NO (tolerância vascular
verdadeira), ou da activação de mecanismos extrínsecos à parede
vascular (pseudotolerância). De referir que têm sido propostos
múltiplos mecanismos com o objectivo de explicar o desenvolvimento de
tolerância aos nitratos orgânicos, embora nenhum ofereça uma resposta
totalmente satisfatória. De qualquer modo, sabe-se que a tolerância à
nitroglicerina se acompanha por um aumento da resposta a moléculas
vasoconstrictoras, tais como a angiotensina II, a serotonina e a
fenilefrina.

Sabe-se, ainda, que a resposta à nitroglicerina pode ser reestabelecida,


caso a terapia com este fármaco seja interrompida por um período de 8-
12 horas por dia. Já a eficácia do isosorbida-5-mononitrato pode ser
mantida, caso este composto seja administrado apenas duas vezes ao
dia. Embora estes procedimentos sejam eficazes na prevenção do
desenvolvimento de tolerância, a adopção de um intervalo “livre de
nitratos” está associada a um aumento da probabilidade de desenvolver
angina nocturna – este problema revela-se particularmente importante
em doentes com angina instável.

Note-se que a tolerância aos nitratos não é um fenómeno universal, de


tal modo que alguns pacientes apenas desenvolvem tolerância parcial.
De qualquer modo, à medida que o fenómeno de tolerância se
desenvolve, passam a ser necessárias doses de nitratos cada vez
maiores para atingir os mesmos efeitos terapêuticos, sendo que,
mesmo apesar da escalada de doses, os fármacos em questão perdem
eficácia. Note-se que os indivíduos que trabalham na indústria dos
explosivos e são expostos à nitroglicerina desenvolvem tolerância a
este composto, podendo, inclusive, desenvolver dependência de
nitratos.
Toxicidade
A maior parte dos efeitos adversos resultantes do uso de nitratos
orgânicos advém dos seus efeitos cardiovasculares. De facto, estes
fármacos podem induzir cefaleias graves, as quais são mais frequentes
no início do tratamento. O uso de nitratos está ainda associado ao
desenvolvimento de episódios transitórios de tonturas e fraqueza, bem
como de outras manifestações relacionadas com a hipotensão

– estes efeitos podem progressivamente progredir para perda de


consciência, sendo esta passagem potenciada pelo consumo de álcool,
ou pela presença prévia de disfunção autonómica. Por fim, todos os
nitratos orgânicos também podem causar rash.

Aplicações terapêuticas
Angina de peito estável

Devido à sua rápida acção, elevada eficácia, e baixo custo, a


nitroglicerina constitui o nitrato orgânico mais frequentemente
administrado por via sublingual para alívio dos sintomas anginosos. De
facto, o seu tempo de latência ronda os 1-2 minutos, embora os seus
efeitos não sejam detectáveis até ter passado uma hora após
administração deste fármaco. Existem outros nitratos passíveis de ser
administrados por via sublingual, embora não apresentem nem uma
eficácia nem um período de acção superior aos da nitroglicerina.

Por seu turno, a administração oral de nitratos revela-se particularmente


útil na profilaxia de episódios anginosos em pacientes que manifestam
mais do que anginas ocasionais. Todavia, o uso oral de nitratos requer a
administração de doses suficientemente elevadas para ultrapassar o
efeito de primeira passagem hepática. Por outro lado, convém não
esquecer que a administração crónica de doses elevadas de nitratos
deve ser evitada, sob pena de se desenvolver tolerância ou outros
efeitos adversos.

Para além disso, a nitroglicerina pode ser administrada por via cutânea
– a aplicação cutânea de nitroglicerina alivia os sintomas anginosos,
prolonga a capacidade de realização de esforços físicos e reduz a
depressão do segmento ST subjacente a quadros isquémicos. Os
efeitos resultantes da administração cutânea de nitroglicerina
manifestam-se passados 30-60 minutos, perdurando por um período de
4-6 horas. De referir que esta via de administração revela-se
particularmente útil para o controlo da angina nocturna, bem como para
a profilaxia dos episódios anginosos.

Por fim, a nitroglicerina pode ser administrada por via bucal ou


transmucosa, sendo obtidos efeitos hemodinâmicos num período de 2-5
minutos. Assim, a aplicação de nitroglicerina por esta via revela-se útil
para a profilaxia a curto-prazo da angina de peito.

Angina de peito instável (síndrome coronária aguda)

A angina de peito instável (síndrome coronária aguda) caracteriza-se


pela ocorrência de disrupção de uma placa coronária, levando ao
desenvolvimento de agregação plaquetária local e de trombose da
parede arterial, com subsequente oclusão total ou parcial do vaso.

De qualquer modo, os princípios fisiopatológicos subjacentes à terapia


da angina típica – os quais visam, sobretudo, um decréscimo das
necessidades miocárdicas de oxigénio – demonstram eficácia limitada
no tratamento da síndrome coronária aguda, que se caracteriza,
fundamentalmente, por uma insuficiência do fornecimento de oxigénio
ao miocárdio.

Curiosamente, o grau de estenose coronária correlaciona-se pouco com


a probabilidade de ruptura de uma placa aterosclerótica. Assim, apesar
de os fármacos que reduzem o consumo miocárdico de oxigénio
(nomeadamente os nitratos e os β-bloqueadores) se revelarem
eficazes, são necessárias terapias adicionais com o objectivo de
estabilizar a placa aterosclerótica e de prevenir a sua ruptura. Ora,
essas terapias adicionais incluem combinações de:

Agentes anti-plaquetários, incluindo a aspirina e as


tienopiridinas (tais como o clopidogrel ou o prasugrel)

Agentes anti-trombina, tais como a heparina e os trombolíticos

Terapias anti-integrinas, que inibem directamente a agregação


plaquetária mediada pela glicoproteína GP IIb/IIIa
Bypass coronário ou stents intra-coronários

A par dos nitratos e dos β-bloqueadores, os agentes anti-plaquetários


revelam-se fundamentais na terapia da síndrome coronária aguda. De
facto, a aspirina inibe a agregação plaquetária e aumenta a
sobrevivência - a heparina apresenta efeitos semelhantes, na medida
em que reduz o desenvolvimento de angina, e previne a ocorrência de
enfartes. Note-se, contudo, que a heparina pode ser usada em conjunto
com agentes anti-integrinas (dirigidos contra a integrina plaquetária
GPIIb/IIIa), tais como o abciximab, o tirofiban e o eptifibatide.

Os nitratos revelam-se úteis na terapêutica da angina de peito instável,


na medida em que estes agentes são capazes de reduzir o vasospasmo
e o consumo miocárdico de oxigénio. Em situações de vasospasmo
coronário, pode ser administrada nitroglicerina por via intra-venosa, o
que permite obtenção rápida de grandes concentrações deste fármaco.
De qualquer modo, em alguns pacientes, a adição de um bloqueador
dos canais de cálcio pode ser necessária para que ocorra controlo
completo do vasospasmo.

Angina de Prinzmetal (angina variante)

As grandes artérias coronárias, normalmente, contribuem pouco para a


resistência coronária. Contudo, em situações de angina de Prinzmetal, a
contracção coronária resulta numa redução do fluxo sanguíneo e em
dor isquémica. Embora os nitratos de acção longa sejam, por vezes,
eficazes na abolição dos episódios de angina de peito, na maior parte
das vezes, torna-se necessário recorrer também ao uso de
bloqueadores dos canais de cálcio. De facto, contrariamente aos
nitratos, os bloqueadores dos canais de cálcio estão associados a uma
diminuição da mortalidade e da incidência de enfarte do miocárdio em
indivíduos com angina de Prinzmetal.

Insuficiência cardíaca congestiva

Os nitrovasodilatadores são capazes de aliviar a congestão pulmonar e


de aumentar o débito cardíaco em pacientes com insuficiência cardíaca
congestiva.
Enfarte agudo do miocárdio

A nitroglicerina é frequentemente administrada com o objectivo de


aliviar a dor isquémica de pacientes com enfarte agudo do miocárdio.
Todavia, não se sabe até que ponto os nitratos estão associados a uma
diminuição da mortalidade pós-enfarte do miocárdio.

Uma vez que reduzem a pré-carga ventricular, os nitratos são eficazes


no alívio da congestão pulmonar. Todavia, nos pacientes com enfarte
ventricular direito, deve se evitar uma redução da pré-carga ventricular,
na medida em que, nesse contexto, são necessárias maiores pressões
de enchimento no coração direito. Para além disso, os nitratos
encontram-se relativamente contra-indicados em pacientes com
hipotensão sistémica.

Antagonistas dos canais de cálcio


Os canais de cálcio dependentes de voltagem (canais lentos ou do
tipo L) são responsáveis pela entrada de cálcio extracelular para o
interior dos leiomiócitos, cardiomiócitos e das células dos nós sinusal e
aurículo-ventricular. Tanto nas células musculares lisas como nos
cardiomiócitos, o cálcio induz contracção, embora por diferentes
mecanismos. Assim, os antagonistas dos canais de cálcio promovem o
relaxamento do músculo liso vascular (sobretudo, ao nível dos leitos
arteriais) e desempenham um efeito cronotrópico negativo e inotrópico
negativo.

Estrutura química
Os antagonistas dos canais de cálcio apresentam diferentes estruturas
químicas, sendo agrupados em quatro classes, nomeadamente:

Classe 1 (fenilalquilaminas): Verapamil e galopamil

Classe 2 (di-hidropiridinas): Nifedipina, amlodipina,


felodipina, isradipina, nicardipina, nisoldipina e nimodipina

Classe 3 (benzotiazepinas): Diltiazem


Classe 4: Flunazipina, cinarizina e lidoflazina

Classe 5: Prenilamina

Classe 6: Perexilina

Ora, por questões de importância clínica, ao longo deste texto, focar-


nos-emos apenas nos fármacos pertencentes às três primeiras classes.

Mecanismos de acção
O aumento dos níveis citosólicos de
cálcio promove a contracção das
células cardíacas e das células
musculares lisas vasculares. Ora, as
concentrações citosólicas de cálcio
podem aumentar em resposta a
diversos estímulos contrácteis
exercidos nas células musculares
lisas - entre esses estímulos,
destaque para o aumento das
concentrações externas de potássio,
bem como para acção de hormonas e
autacóides.

Existem, pelo menos, três subtipos de canais de cálcio dependentes


de voltagem, os quais diferem nas suas condutâncias e sensibilidades
à voltagem:

Canais L (lentos): Estes canais encontram-se expressos no


músculo cardíaco, músculo vascular liso e tecido nodal. A sua
inibição é da responsabilidade dos inibidores dos canais de cálcio
supracitados, que exercem um efeito vasodilatador e inotrópico e
cronotrópico negativo.

Canais T (transitórios): Estes canais são activados a -70 mV


(potencial mais hiperpolarizado), participando no início da
despolarização do tecido nodal. O seu bloqueio é da
responsabilidade do mibefradil.
Canais N (neuronais): Estes canais encontram-se expressos no
sistema nervoso, sendo bloqueados pela adenosina e conotoxina.

Não obstante as suas diferenças, todos estes canais são constituídos


por várias subunidades (α1, α2, β, γ e δ), sendo que a subunidade α1 é
a principal responsável pela formação dos seus poros. Essa subunidade
apresenta quatro domínios homólogos, sendo que cada domínio é
constituído por seis segmentos transmembranares (S1-S6). Por
oposição, as subunidades α2, β, γ e δ actuam num sentido de modular
a subunidade α1.

De qualquer modo, os antagonistas dos canais de cálcio actuam por


ligação à subunidade α1 dos canais de cálcio do tipo L, reduzindo o
fluxo iónico registado nesses canais. Em termos moleculares, o
verapamil liga-se ao segmento transmembranar 6 do domínio IV da
subunidade α1 (IVS6), enquanto o diltiazem se liga à ponte formada
entre o domínio III (IIIS) e o domínio IV (IVS). Por fim, as di-
hidropiridinas ligam-se simultaneamente aos segmentos
transmembranares dos domínios III e IV. Note-se que estes três locais
de ligação encontram-se fisicamente separados, mas alostericamente
ligados.

Efeitos cardiovasculares
Acções no tecido vascular

Apesar de existir algum envolvimento das correntes de sódio, a


despolarização das células musculares vasculares lisas depende,
sobretudo, do influxo de cálcio. Pelo menos três mecanismos distintos
parecem ser responsáveis pela contracção das células musculares
vasculares lisas:

Abertura dos canais de cálcio dependentes de voltagem em


resposta à despolarização membranar, com subsequente entrada
de cálcio para o interior dos miócitos.

Acção de agonistas que, ao ligarem-se aos seus receptores,


estimulam a via da proteína Gq-fosfolípase C-inositol-3-fosfato, a
qual promove a libertação do cálcio intracelular contido no
retículo sarcoplasmático. Assim, é possível a ocorrência de
contracções na ausência de despolarização membranar.

Abertura de canais de cálcio acoplados a receptores (adrenérgicos


ou colinérgicos)

Os antagonistas dos canais de cálcio inibem os canais de cálcio


dependentes de voltagem do músculo liso a concentrações inferiores às
necessárias para interferir com a libertação do cálcio intracelular ou
para inibir os canais de cálcio acoplados a receptores. Note-se que
todos os bloqueadores dos canais de cálcio relaxam o músculo liso
arterial, embora apresentem um efeito menos pronunciado na maior
parte dos leitos venosos, de tal modo que não afectam a pré-carga
cardíaca de modo significativo.

Acções nas células cardíacas

Os mecanismos envolvidos no acoplamento excitação-contracção no


músculo cardíaco diferem daqueles registados no músculo liso. Apesar
disso, o cálcio revela-se essencial para a contracção dos
cardiomiócitos, de tal modo que os inibidores dos canais de cálcio
apresentam um efeito inotrópico negativo. Contudo, ao aumentarem a
vasodilatação periférica, os bloqueadores dos canais de cálcio
(sobretudo as di-hidropiridinas) deprimem o reflexo barorreceptor e, por
conseguinte, induzem um aumento reflexo do tónus simpático, o qual
contrabalança o efeito inotrópico negativo directo destes fármacos.
Note-se ainda, que o diltiazem também parece ser capaz de inibir a
troca mitocondrial entre o sódio e o cálcio.

Por outro lado, a despolarização dos nós sinusal e AV também depende


significativamente do movimento de cálcio (por via de canais do tipo L).
Assim, o efeito dos bloqueadores dos canais de cálcio na condução AV
e na frequência de pacemaker do nó sinusal depende da sua
capacidade em atrasar a recuperação dos canais lentos de cálcio.

Embora a nifedipina reduza a corrente lenta inward, este fármaco não


afecta a velocidade de recuperação dos canais lentos de cálcio. Para
além disso, o bloqueio dos canais de cálcio mediado pela nifedipina e
restantes di-hidropiridinas também se revela relativamente
independente da frequência de estimulação. Isto explica porque é que,
quando administrada em doses terapêuticas, a nifedipina não afecta a
condução no nó AV.

Por oposição, o verapamil não só reduz a magnitude da corrente de


cálcio associada aos canais lentos, como também diminui a velocidade
de recuperação desses canais. Para além disso, o aumento da
frequência de estimulação exacerba o bloqueio dos canais de cálcio
causado pelo verapamil (e, em menor extensão, pelo diltiazem), sendo
este fenómeno designado por “dependência da frequência”.

Deste modo, o verapamil e o diltiazem deprimem a frequência de


pacemaker do nó sinusal, e lentificam a condução no nó AV – este
último efeito explica porque é que estes dois fármacos são usados no
tratamento de taquiarritmias supra-ventriculares. Tal como verapamil, o
bepridílio inibe simultaneamente a corrente de cálcio inward lenta e a
corrente de sódio inward rápida, exercendo ainda um efeito inotrópico
negativo directo. Assim, o bepridílio promove a lentificação da
frequência cardíaca, o prolongamento do período refractário efectivo do
nó AV, e o prolongamento do intervalo QT (sendo que este último
evento potencia o desenvolvimento de torsades de pointes, sobretudo,
aquando da presença concomitante de hipocalémia).

Efeitos hemodinâmicos

Todos os bloqueadores dos canais de cálcio usados na prática clínica


diminuem a resistência vascular coronária, podendo levar a um
aumento do fluxo sanguíneo coronário. Contudo, as di-hidropiridinas
exercem um efeito vasodilatador mais potente que o verapamil, o qual é
mais potente que o diltiazem. De qualquer modo, os efeitos
hemodinâmicos destes agentes variam de acordo com a sua via de
administração e com a magnitude de disfunção ventricular esquerda.

A nifedipina exerce um efeito vasodilatador selectivo, ao nível das


artérias de resistência, apresentando um efeito desprezável na
circulação venosa. Assim, a nifedipina induz uma diminuição da pressão
arterial, sendo que este fenómeno activa reflexos simpáticos que
actuam num sentido de aumentar o cronotropismo e o inotropismo.
Contudo, a nifedipina também apresenta efeitos inotrópicos negativos
directos. Note-se que, para que a nifedipina possa exercer efeitos
cardíacos directos, são requeridas maiores concentrações do que as
necessárias para que este fármaco possa exercer um efeito
vasodilatador.

Assim, a nifedipina diminui a resistência arteriolar e a pressão arterial,


melhora a contractilidade e a função ventricular, e aumenta ligeiramente
a frequência cardíaca e o débito cardíaco. Note-se que, após
administração oral de nifedipina, verifica-se um aumento do fluxo
sanguíneo periférico secundário à dilatação arterial, enquanto o tónus
venoso não sofre alterações. De referir que as restantes di-
hidropiridinas partilham de vários dos efeitos cardiovasculares da
nifedipina. Atentemos, pois, no perfil farmacológico de cada um destes
fármacos:

A amlodipina é uma di-hidropiridina que apresenta uma


absorção lenta, mas um efeito prolongado (o seu tempo de semi-
vida plasmática ronda as 35-50 horas). A amlodipina produz
simultaneamente vasodilatação arterial periférica e dilatação
coronária, apresentando um perfil hemodinâmico similar ao da
nifedipina. Contudo, verifica-se a ocorrência de um menor grau de
taquicardia reflexa na sequência do uso de amlodipina, algo que
se parece dever ao seu longo período de semi-vida.

A felodipina pode apresentar ainda maior especificidade vascular


que a nifedipina ou a amlodipina. Contudo, quando administrado
em concentrações indutoras de vasodilatação, este fármaco não
apresenta um efeito inotrópico negativo. De referir que, tal como a
nifedipina, a felodipina activa indirectamente o sistema nervoso
simpático, induzindo um aumento da frequência cardíaca.

A nicardipina apresenta propriedades anti-anginosas similares


às da nifedipina, podendo apresentar selectividade para os vasos
coronários.

A isradipina apresenta um efeito vasodilatador, embora,


simultaneamente, desempenhe um efeito inibitório no nó sinusal,
de tal modo que não induz um aumento da frequência cardíaca.
Apesar disso, a isradipina não parece actuar no nó AV, de tal
modo que pode ser utilizada em pacientes com bloqueio AV,
podendo ser administrada em conjunto com um β-bloqueador.
Para além disso, a isradipina não inibe a função dos
cardiomiócitos, de tal modo que não desempenha um efeito
cardiodepressor.

A nisoldipina apresenta uma selectividade vascular muito


elevada. Não obstante o seu curto tempo de semi-vida, já foi
desenvolvida uma preparação de libertação lenta de nisoldipina.

A nimodipina é altamente lipossolúvel, actuando num sentido de


relaxar a vasculatura cerebral. Este fármaco revela-se eficaz na
inibição do vasospasmo cerebral, sendo maioritariamente usado
no tratamento de pacientes com défices neurológicos secundários
a vasospasmo cerebral pós-hemorragia subaracnóide.

A clevidipina é uma di-hidropiridina passível de ser administrada


por via intra-venosa, e que apresenta um período de semi-vida
muito curto, pois é metabolizada por esterases plasmáticas. A
clevidipina afecta preferencialmente o músculo liso arterial,
podendo ser utilizada no controlo da pressão arterial de doentes
com hipertensão grave ou peri-operativa.

Em suma, devido à sua ausência de depressão miocárdica e ao seu


reduzido efeito cronotrópico negativo, a di-hidropiridinas apresentam
menor eficácia na monoterapia da angina estável, por comparação com
o verapamil, com o diltiazem ou com os β-bloqueadores.

Por comparação com as di-hidropiridinas, o verapamil manifesta menor


capacidade vasodilatadora, mas efeitos cronotrópicos, dromotrópicos e
inotrópicos negativos mais significativos. De facto, o efeito anti-anginoso
do verapamil deve-se, sobretudo, a uma redução das necessidades
miocárdicas de oxigénio. Contudo, tal como as di-hidropiridinas, o
verapamil desempenha um efeito desprezável nas veias de resistência.

Assim, quando administrado por via intra-venosa, o verapamil induz


uma diminuição da resistência vascular e, por conseguinte, um
decréscimo da pressão arterial, sendo que o efeito cronotrópico
negativo deste fármaco evita a ocorrência de uma taquicardia reflexa.
Note-se, contudo, que o efeito inotrópico negativo do verapamil é
parcialmente contrabalançado por um decréscimo da pós-carga e por
um consequente aumento reflexo do tónus adrenérgico. Assim, em
pacientes sem insuficiência cardíaca congestiva, o verapamil não
compromete a função ventricular, podendo, inclusive, melhorá-la. Por
oposição, em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, a
administração intra-venosa de verapamil pode induzir um decréscimo
significativo da resistência vascular periférica e da pressão arterial, sem
que isso se acompanhe obrigatoriamente de alterações significativas da
frequência cardíaca.

Por oposição, a administração intra-venosa de diltiazem pode levar,


inicialmente, a um decréscimo significativo da resistência vascular
periférica e da pressão arterial, o que despoleta um aumento reflexo da
frequência cardíaca e do débito cardíaco. Apesar disso, a frequência
cardíaca atinge valores inferiores aos iniciais, devido ao efeito
cronotrópico negativo directo do diltiazem. Paralelamente, a
administração oral de diltiazem diminui simultaneamente a frequência
cardíaca e a pressão arterial média. De referir que, embora o diltiazem e
o verapamil apresentem efeitos similares na função dos nós sinusal e
AV, o diltiazem exerce um efeito inotrópico negativo mais modesto.

Os bloqueadores dos canais de cálcio desempenham efeitos complexos


no relaxamento ventricular diastólico. De facto, quando administrados
directamente no leito coronário, muitos destes agentes impedem o
normal relaxamento. Curiosamente, a administração sistémica de
verapamil ou de algumas di-hidropiridinas (nifedipina, nisoldipina e
nicardipina) está associada a uma melhoria do enchimento ventricular
esquerdo. De facto, o relaxamento ventricular é tão complexo, que um
único agente pode desempenhar uma acção pleiotrópica. Assim, num
dado paciente, não é possível determinar a priori o impacto de um dado
antagonista dos canais de cálcio no lusitropismo.

Ao induzirem um efeito vasodilatador na arteríola aferente (com


consequente aumento da taxa de filtração glomerular), os bloqueadores
dos canais de cálcio exercem ainda um efeito diurético e natriurético.
Contudo, paralelamente, estes fármacos potenciam ainda uma
activação reflexa do sistema renina-angiotensina-aldosterona. De referir
que as di-hidropiridinas demonstram ainda capacidade de inibir as
fosfodiesterases, exercendo também uma acção anti-ateromatosa.
Farmacocinética
Os antagonistas dos canais de cálcio são quase completamente
absorvidos por via oral, embora sofram um importante efeito de primeira
passagem hepática, que condiciona a sua biodisponibilidade. Os efeitos
destes fármacos são observáveis passados 30-60 minutos após
administração oral, excepto no caso de agentes que apresentem efeitos
mais prolongados e, simultaneamente, sejam mais lentamente
absorvidos (amlodipina, isradipina e felodipina). De referir que, foram já
desenvolvidas formas de libertação gradual destes fármacos, as quais
permitem reduzir o número de doses diárias necessárias para manter os
níveis terapêuticos dos fármacos em questão.

Os bloqueadores dos canais de cálcio apresentam uma elevada


capacidade de ligação às proteínas plasmáticas, sendo que os seus
tempos de semi-vida variam entre 1,3 e 64 horas. De qualquer forma,
quando administrados repetidamente por via oral, estes fármacos
podem sofrer um aumento da sua biodisponibilidade e do seu tempo de
semi-vida, devido à saturação do metabolismo hepático.

O desacetil-diltiazem constitui um dos metabolitos principais do


diltiazem, apresentando cerca de metade da potência vasodilatadora
deste último fármaco. Por outro lado, a N-desmetilação do verapamil
resulta na produção de norverapamil, um metabolito biologicamente
activo, mas muito menos potente que o próprio verapamil. Por seu
turno, os metabolitos das di-hidropiridinas são inactivos ou pouco
activos.

Assim, em pacientes com cirrose hepática, verifica-se um aumento da


biodisponibilidade e semi-vida dos bloqueadores dos canais de cálcio,
de tal modo que se deve proceder a uma diminuição da dose
administrada destes fármacos. Para além disso, nos indivíduos idosos,
também se regista um aumento das semi-vidas destes agentes. Note-se
que, com excepção do diltiazem e da nifedipina, todos os bloqueadores
dos canais de cálcio são administrados sob a forma de misturas
racémicas.

Toxicidade e efeitos laterais


Dependendo da sua classe, os bloqueadores dos canais de cálcio
apresentam diferentes efeitos adversos. De facto, os pacientes que
tomam cápsulas de libertação imediata de nifedipina podem
desenvolver cefaleias, rubor, tonturas e edema periférico (o qual se
parece dever, sobretudo, a um aumento da pressão hidrostática nas
extremidades inferiores por dilatação coronária e contracção pós-capilar
reflexa). Para além disso, as preparações de nifedipina de acção rápida
não se revelam apropriadas para o tratamento a longo-prazo da angina
ou hipertensão. Felizmente, o uso de preparações de nifedipina (ou de
outras di-hidropiridinas) de acção longa está pouco associado ao
desenvolvimento de tonturas e rubor.

Para além disso, estes fármacos exercem várias acções adversas ao


nível do músculo liso não-vascular. De facto, os antagonistas dos canais
de cálcio inibem a contracção do esfíncter esofágico inferior, podendo
causar ou agravar o refluxo gastro-esofágico. Para além disso, o uso de
verapamil encontra-se frequentemente associado ao desenvolvimento
de obstipação. De qualquer modo, na sequência do uso de
bloqueadores dos canais de cálcio, não é frequente ocorrer
desenvolvimento de retenção urinária, rash ou elevação dos níveis de
enzimas hepáticas.

Já foram descritos casos de agravamento de isquemia miocárdica em


pacientes que usaram nifedipina. Note-se que este fenómeno registou-
se em pacientes que tinham já desenvolvido uma profusa circulação
colateral coronária, de tal modo que o agravamento da angina pode ter
resultado do desenvolvimento de hipotensão excessiva e diminuição da
perfusão coronária, ou do fenómeno de roubo coronário.

Em pacientes que usaram verapamil, foram ainda descritos casos de


bradicardia, assístole transitória e exacerbação da insuficiência cardíaca
– contudo, na grande maioria dos casos, estas respostas registaram-se
em pacientes com perturbações dos nós sinusal ou AV, ou submetidos a
bloqueio β-adrenérgico - de facto, a administração intra-venosa de
verapamil encontra-se contra-indicada em pacientes que tenham sido
previamente submetidos à administração intra-venosa de um β-
bloqueador, devido ao aumento do risco de desenvolvimento de um
bloqueio AV e/ou depressão grave da função ventricular.
Para além disso, os pacientes com disfunção ventricular, perturbações
de condução dos nós sinusal e AV, ou pressão arterial sistólica inferior a
90 mm/Hg não devem ser tratados com recurso ao verapamil ou ao
diltiazem, sobretudo se estes forem administrados por via intra-venosa.
Note-se ainda que o verapamil encontra-se contra-indicado para o
tratamento da toxicidade por digitálicos, na medida em que este
fármaco induz um aumento dos níveis plasmáticos de digoxina (vide
infra).

De acordo com estudos recentes, a nifedipina de acção rápida parece


apresentar vários efeitos adversos a longo-prazo, algo que se poderá
dever à vasodilatação abrupta (com activação simpática reflexa)
causada por este fármaco. Por oposição, o uso de formas de acção
longa da nifedipina (bem como de amlodipina ou felodipina) não parece
estar associado ao desenvolvimento de taquicardia reflexa significativa
nem de efeitos adversos a longo-prazo.

Os bloqueadores dos canais de cálcio participam em importantes


interacções farmacológicas. De facto, o verapamil e o diltiazem
bloqueiam a P-glicoproteína, que se revela essencial para a eliminação
da digoxina – assim, o verapamil inibe a excreção da digoxina e de
outros fármacos que são eliminados do organismo por via da P-
glicoproteína. Para além disso, quando co-administrados com a
quinidina, os bloqueadores dos canais de cálcio podem causar
hipotensão excessiva, sobretudo em pacientes com estenose sub-
aórtica hipertrófica idiopática.

Usos terapêuticos
Angina de Prinzmetal (angina variante)

Como referido anteriormente, a angina de Prinzmetal resulta,


preferencialmente, da ocorrência de vasospasmo coronário (e não tanto
de um aumento das necessidades miocárdicas de oxigénio). Ora, os
antagonistas dos canais de cálcio revelam-se eficazes no tratamento da
angina de Prinzmetal, algo que parece ser maioritariamente devido ao
seu efeito vasodilatador coronário.

Angina típica
Os antagonistas dos canais de cálcio também se revelam eficazes no
tratamento da angina induzida pelo exercício, algo que pode resultar do
seu efeito vasodilatador coronário, do seu efeito atenuador das
necessidades miocárdicas de oxigénio (secundário ao decréscimo na
pressão arterial, frequência cardíaca e contractilidade), ou do conjunto
de ambos os efeitos. Contudo, de acordo com dados experimentais, a
diminuição das necessidades miocárdicas de oxigénio parece
desempenhar um papel mais proeminente que o aumento do fluxo
coronário. De qualquer modo, os bloqueadores dos canais de cálcio
diminuem o número de ataques anginosos e atenuam a depressão do
segmento ST induzida pelo exercício.

Como referido anteriormente, os antagonistas dos canais de cálcio,


nomeadamente as di-hidropiridinas, podem agravar per se os sintomas
anginosos – contudo, este efeito adverso não se verifica com o uso de
verapamil ou diltiazem, na medida em que estes dois fármacos
apresentam reduzida capacidade de induzir vasodilatação periférica e
taquicardia reflexa.

Angina instável

Os antagonistas dos canais de cálcio podem ser usados no tratamento


da angina instável com vasospasmos. Contudo, desconhece-se, ainda,
se o uso destes fármacos está associado a um decréscimo da
mortalidade por angina instável. De qualquer modo, de acordo com
dados recentes, a nifedipina parece ser menos eficaz que o metoprolol
no tratamento desta condição.

Enfarte agudo do miocárdio

Desconhece-se ainda se os antagonistas dos canais de cálcio se


revelam benéficos na terapia precoce, ou na prevenção secundária, do
enfarte agudo do miocárdio. Contudo, de acordo com dados recentes, a
nifedipina parece apresentar um efeito deletério na mortalidade,
enquanto o diltiazem e o verapamil parecem reduzir a incidência de re-
enfarte em pacientes com enfarte do miocárdio que não possam usar
um β-bloqueador (note-se que os β-bloqueadores constituem os
fármacos de primeira escolha nestas situações).

Outros usos
Os antagonistas dos canais de cálcio podem ser utilizados na
terapêutica de arritmias e da hipertensão. Para além disso, a
amlodipina pode ser usada na terapêutica da insuficiência cardíaca.
Por outro lado, o verapamil é utilizado na profilaxia das cefaleias,
estando ainda associado a uma melhoria da sintomatologia da
cardiomiopatia hipertrófica.

Actualmente, estão a ser levados a cabo ensaios clínicos com o


objectivo de avaliar os efeitos dos antagonistas dos canais de cálcio na
progressão da insuficiência renal (pensa-se que estes fármacos
atrasem a progressão desta condição). Para além disso, alguns estudos
apontam para o facto de as di-hidropiridinas suprimirem a progressão
da aterosclerose moderada, embora não existam evidências de que
estes fármacos alterem a mortalidade ou reduzam a incidência de
eventos isquémicos.

Como referido anteriormente, a nimodipina é utilizada no tratamento de


pacientes com defeitos neurológicos secundários a vasospasmo
cerebral após ruptura de um aneurisma intra-craniano congénito. Por
seu turno, a nifedipina, o diltiazem, a amlodipina e a felodipina parecem
aliviar os sintomas da doença de Raynaud. Por fim, pensa-se que os
antagonistas dos canais de cálcio possam ser eficazes na evicção de
contracções uterinas prematuras.

Antagonistas dos receptores adrenérgicos β


Os β-bloqueadores são eficazes na redução da gravidade e frequência
dos ataques da angina induzida pelo esforço. Para além disso, o uso
destes fármacos encontra-se associado a um aumento da sobrevida de
pacientes que já sofreram um enfarte do miocárdio. Por oposição, os β-
bloqueadores não se revelam úteis no tratamento de angina
vasospástica, podendo, quando administrados isoladamente, agravar
essa condição.

Como referido anteriormente, na sua maior parte, os β-bloqueadores


(tais como o timolol, o metoprolol, o atenolol e o propranolol) revelam-se
eficazes no tratamento da angina induzida pelo esforço. De facto, os β-
bloqueadores exercem um efeito cronotrópico negativo (sobretudo
durante o esforço) e inotrópico negativo, e actuam num sentido de
reduzir a pressão arterial (nomeadamente, a pressão sistólica) – ora,
isto leva a um decréscimo do consumo miocárdico de oxigénio, sendo
este o principal mecanismo subjacente à eficácia dos β-bloqueadores
na terapêutica anti-anginosa. Para além disso, os β-bloqueadores
também promovem um aumento de fluxo sanguíneo para as regiões
isquémicas.

Contudo, nem todas as acções dos β-bloqueadores se revelam


benéficas em todos os pacientes. De facto, os decréscimos da
frequência cardíaca e da contractilidade induzem aumentos no tempo
de ejecção sistólica e no volume telediastólico ventricular esquerdo –
ora, essas alterações tendem a aumentar o consumo de oxigénio.
Assim, embora em “pacientes normais”, os β-bloqueadores tendam a
diminuir o consumo miocárdico de oxigénio; em pacientes com reserva
coronária limitada que se encontrem criticamente dependentes da
estimulação adrenérgica, o bloqueio adrenérgico β pode perturbar
significativamente a função ventricular esquerda.

Apesar disso, o uso de alguns β-bloqueadores está associado a uma


redução da mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca
congestiva, de tal modo que estes fármacos constituem a terapia
standard para a maior parte dos pacientes com insuficiência cardíaca.

Usos terapêuticos
Angina instável

Os β-bloqueadores são eficazes na redução dos episódios recorrentes


de isquemia e do seu risco de progressão para enfarte agudo do
miocárdio. Desconhece-se, contudo, se o uso de β-bloqueadores está
associado a um decréscimo da mortalidade por angina instável.

Apesar disso, sabe-se que, em situações de angina instável por


vasospasmo coronário, os β-bloqueadores devem ser usados
cautelosamente, devendo se optar preferencialmente pelo uso de
nitratos e bloqueadores dos canais de cálcio.

Alguns pacientes manifestam simultaneamente angina típica e


vasospasmo – nesses pacientes deve ser administrada uma terapia
anti-plaquetária e vasodilatadora. Contudo, caso a angina prevaleça, o
uso adicional de β-bloqueadores pode se revelar eficaz.

Enfarte do miocárdio

O uso de antagonistas totais dos receptores β-adrenérgicos está


associado a um decréscimo da mortalidade por enfarte do miocárdio.
Estes fármacos devem ser administrados precocemente, devendo ser
continuados por um período de tempo indeterminado.

Inibidores das fosfodiesterases

Inibidores da PDE5 e terapia da disfunção eréctil


A disfunção eréctil e a
doença coronária
apresentam vários
factores de risco em
comum. Deste modo,
os fármacos anti-
anginosos podem ser
utilizados na
terapêutica da
disfunção eréctil.
Contudo, a combinação
do sildenafil e outros
inibidores da
fosfodiesterase 5
(PDE5) com um
nitrovasodilatador
orgânico pode causar
hipotensão extrema.

Durante a estimulação sexual, as células dos corpos cavernosos


produzem NO. Por seu turno, esta molécula estimula a formação de
cGMP, o qual induz relaxamento do músculo liso do corpo cavernoso e
das artérias penianas e, por conseguinte, o desenvolvimento de uma
erecção. Ora, o cGMP é metabolizado pela PDE5, de tal modo que a
inibição desta enzima potencia a acumulação de cGMP. De facto, o
sildenafil actua por PDE5, aumentando o desempenho sexual dos
pacientes com disfunção eréctil.

Para além do sildenafil, foram desenvolvidos dois outros inibidores da


PDE5, os quais são também usados na terapia da disfunção eréctil.
Esses inibidores, que incluem o tadalafil e o vardenafil, apresentam
eficácia terapêutica e efeitos adversos similares aos do sildenafil.
Contudo, o tadalafil apresenta um maior tempo de latência e de semi-
vida que os restantes inibidores da PDE5.

Todos estes inibidores da PDE5 encontram-se contra-indicados para


pacientes que se encontrem a tomar nitrovasodilatadores orgânicos.
Para além disso, estes fármacos devem ser cautelosamente usados em
pacientes que estejam a tomar antagonistas dos receptores
adrenérgicos.

Os efeitos laterais dos inibidores da PDE5 são facilmente previsíveis


com base no seu mecanismo de acção. De facto, estes fármacos
induzem cefaleias, rubor e rinite, bem como dispepsia secundária ao
relaxamento do esfíncter esofágico inferior.

O sildenafil e o vardenafil também inibem a PDE6, a qual participa na


transdução de sinal dos fotorreceptores. Assim, estes fármacos podem
despoletar perturbações visuais, nomeadamente, alterações na
percepção do brilho ou dos tons de cor. Para além disso, estes
fármacos podem induzir perda de audição unilateral. De referir que o
tadalafil inibe a PDE11, embora o significado clínico deste efeito
permaneça desconhecido.

Os principais efeitos adversos dos inibidores da PDE5 são de natureza


hemodinâmica. De facto, quando administrados isoladamente a homens
com doença coronária grave, estes fármacos apresentam efeitos
modestos na pressão sanguínea, induzindo uma ligeira queda das
pressões arteriais sistólica e diastólica, bem como na pressão pulmonar.
Contudo, os inibidores da PDE5 interagem de forma significativa e
perigosa com os nitratos orgânicos, uma vez que ambas estas classes
de fármacos induzem aumentos do cGMP – ora, caso esse aumento
seja deveras exacerbado, a pressão arterial pode sofrer uma queda
abrupta.
Assim, os inibidores da PDE5 não devem ser prescritos a pacientes que
estejam a tomar nitratos. Para além disso, os nitratos apenas devem ser
usados, passadas, pelo menos, 24 horas após o uso de um inibidor do
PDE5 – esta precaução revela-se particularmente importante em
pacientes que usaram tadalafil, uma vez que este fármaco apresenta
um período de semi-vida mais prolongado.

Caso os pacientes desenvolvam hipotensão significativa por uso


combinado de sildenafil e de um nitrato, dever-lhes-ão ser
administrados agonistas dos receptores α adrenérgicos, de modo a
assegurar um tratamento de suporte. Note-se que, apesar de não
poderem usar nitratos, os pacientes que estejam a tomar inibidores da
PDE5 podem usar fármacos anti-anginosos de outras categorias,
nomeadamente antagonistas dos receptores β adrenérgicos.

O sildenafil, o tadalafil e o vardenafil são metabolizados pela CYP3A4,


sendo que a sua toxicidade encontra-se potenciada em pacientes que
recebam outros substratos desta enzima, incluindo macrólidos,
imidazóis, estatinas e anti-retrovíricos. Os inibidores da PDE5 podem
ainda prolongar a repolarização cardíaca, ao bloquearem a IKr.

Não obstante a sua importância clínica, estas interacções e efeitos


adversos são pouco frequentes aquando do uso isolado de inibidores da
PDE5 (ou seja, quando não se verifica o uso concomitante de nitratos).
Assim, em pacientes com doença coronária, mas em que haja uma
baixa probabilidade de desenvolvimento de angina na sequência da
actividade sexual, pode-se recorrer ao uso de inibidores da PDE5.

De referir que, actualmente, está a ser estudado um possível uso dos


inibidores da PDE5 na terapêutica da hipertensão pulmonar, da
insuficiência cardíaca congestiva e da hipertrofia cardíaca.

Inibidores da PDE3 e terapia da claudicação e da


doença vascular periférica
A maior parte dos pacientes com doença vascular periférica também
apresenta doença coronária, de tal modo que ambas as situações
requerem abordagens terapêuticas similares. De facto, a maior parte
das terapias eficazes para o tratamento da doença coronária também
apresentam efeitos benéficos na progressão da doença vascular
periférica. Para além disso, a mortalidade dos pacientes com doença
vascular periférica possui frequentemente etiologia cardiovascular, de
tal modo que o tratamento da doença coronária constitui o principal foco
terapêutico destes pacientes.

O uso de aspirina, clopidogrel, ticlopidina ou IECAs está associado a


uma diminuição da morbilidade e mortalidade cardiovascular em
pacientes com doença arterial periférica. Para além disso, a pentoxifilina
e o cilostazol revelam-se eficazes no tratamento da claudicação das
extremidades inferiores, sendo especificamente utilizados com esse fim.

A pentoxifilina é um
derivado da
metilxantina, sendo
considerada um
modificador reológico,
na medida em que
aumenta a
deformabilidade dos
eritrócitos. Apesar
disso, a pentoxifilina
apresenta apenas
efeitos modestos na
claudicação das
extremidades
inferiores.

Por seu turno, o


cilostazol é um inibidor
da PDE3, levando à
acumulação de cAMP
num vasto conjunto de
células, incluindo nas
plaquetas - ora, o
aumento do

cAMP inibe a agregação plaquetária e promove a ocorrência de


vasodilatação. Assim, o cilostazol melhora os sintomas associados à
claudicação, embora não esteja associado a alterações da mortalidade
cardiovascular. De referir que este fármaco é metabolizado pelo
CYP3A4, estabelecendo importantes interacções farmacológicas com
outros fármacos também metabolizados por esta enzima.

Dado ser um inibidor da PDE3, o cilostazol pertence à mesma categoria


da milrinona, um fármaco inotrópico utilizado na terapia da insuficiência
cardíaca. O uso terapêutico de milrinona esteve associado a um
aumento da morte súbita de etiologia cardiovascular, de tal modo que a
forma oral deste fármaco deixou de ser comercializada. Ora, o cilostazol
pertence à mesma categoria da milrinona, encontrando-se, por isso,
contra-indicado em pacientes com insuficiência cardíaca – apesar disso,
não está demonstrado que cilostazol esteja associado a um aumento da
mortalidade nesses pacientes. De facto, os principais efeitos adversos
do cilostazol incluem exacerbação não-sustentada da taquicardia
ventricular e cefaleias.

Ranolazina
A ranolazina constitui um novo agente anti-anginoso, que actua através
de mecanismos ainda mal conhecidos. De qualquer modo, este fármaco
parece ser mais eficaz caso seja administrado em conjunto com outros
agentes anti-anginosos. Para além disso, sabe-se que a ranolazina
interfere com o metabolismo da glicose e inibe o desenvolvimento de
arritmias cardíacas.

Tal como a ranolazina, a maior parte dos agentes anti-anginosos não é


exclusivamente utilizada na terapia da angina de peito. A título de
exemplo, os β-bloqueadores são usados no tratamento da hipertensão,
arritmias e insuficiência cardíaca. Por seu turno, as di-hidropiridinas são
usadas no tratamento da hipertensão e da insuficiência cardíaca,
enquanto o diltiazem e o verapamil são usados na terapêutica das
arritmias e hipertensão arterial.

Comparação das estratégias terapêuticas anti-


anginosas
A eficácia de qualquer tratamento anti-anginoso depende da gravidade
da angina, da presença de vasospasmo coronário, e das necessidades
miocárdicas de oxigénio. De acordo com as guidelines actuais, os
pacientes com doença coronária aguda deverão ser tratados com
aspirina e com um β-bloqueador (sobretudo, se houver história prévia
de enfarte do miocárdio). Para além disso, o uso de IECAs revela-se
benéfico em pacientes que, para além de doença coronária, também
apresentem disfunção ventricular esquerda e/ou diabetes. Por seu
turno, o uso de nitratos (para o tratamento dos sintomas anginosos) e
de antagonistas dos receptores de cálcio também se encontra
aconselhado para pacientes com doença coronária.

Comparativamente aos bloqueadores dos canais de cálcio, os β-


bloqueadores estão associados ao desenvolvimento de uma menor
quantidade de episódios de angina e de efeitos adversos. Todavia, não
existem diferenças significativas entre o outcome dos nitratos de acção
longa e o outcome dos restantes anti-anginosos (antagonistas dos
canais de cálcio e β-bloqueadores).

Terapias anti-anginosas combinadas


Diferentes categorias de fármacos anti-anginosos apresentam
diferentes mecanismos de actuação, de tal modo que a co-
administração destes agentes pode levar a um aumento da sua eficácia,
bem como a uma redução da incidência de efeitos adversos (na medida
em que são empregues doses inferiores de cada fármaco). Contudo, a
terapia combinada nem sempre atinge estes objectivos, podendo levar
ao desenvolvimento de graves efeitos laterais.

Nitratos e β-bloqueadores
O uso simultâneo de nitratos orgânicos e β-bloqueadores pode ser
deveras eficaz na terapia da angina típica (induzida pelo exercício). Esta
eficácia aditiva resulta, sobretudo, do facto de um dos fármacos
bloquear o reflexo despoletado pelo outro. Isto é, os β-bloqueadores são
capazes de atenuar os efeitos associados à supressão do reflexo
barorreceptor (taquicardia e aumento da contractilidade), o qual pode
ser activado pelos nitratos. Por seu turno, ao aumentarem a
capacitância venosa, os nitratos são capazes de atenuar o aumento do
volume ventricular telediastólico subjacente ao uso de β-bloqueadores.
Para além disso, os nitratos são capazes de atenuar o aumento da
resistência vascular coronária associado ao uso de β-bloqueadores.

Bloqueadores dos canais de cálcio e β-bloqueadores


Quando uma angina não é adequadamente controlada pelo uso
simultâneo de β-bloqueadores e nitratos, o uso de um bloqueador dos
canais de cálcio pode ser revelar benéfico, sobretudo, quando o
paciente manifesta vasospasmos.

Dependendo da classe química, a co-administração de bloqueadores


dos canais de cálcio com β-bloqueadores pode se revelar benéfica ou
deletéria. Em pacientes que estejam já a ser tratados com doses
máximas de verapamil ou diltiazem, os β-bloqueadores não parecem
exercer qualquer benefício adicional - aliás, nessas situações, os β-
bloqueadores podem, inclusive, potenciar o desenvolvimento de
bradicardia excessiva, bloqueio cardíaco, ou insuficiência cardíaca.

Por oposição, em pacientes tratados com recurso a di-hidropiridinas (tal


como a nifedipina), os β-bloqueadores podem se revelar eficazes, na
medida em que bloqueiam a ocorrência de taquicardia reflexa. Assim,
não admira que, em pacientes com angina estável grave, a combinação
de um β-bloqueador com uma di-hidropiridina se revele mais eficaz que
o uso de cada um destes fármacos per se (contudo, o mesmo não se
passa em pacientes com angina estável ligeira).

Os β-bloqueadores encontram-se contra-indicados em pacientes com


broncospasmo, síndrome de Raynaud ou angina de Prinzmetal. Assim,
perante pacientes com estas condições, é preferível optar por um
antagonista dos canais de cálcio.

Bloqueadores dos canais de cálcio e nitratos


Em situações de angina vasospástica ou de angina típica (induzida pelo
esforço) grave, a combinação de um nitrato com um bloqueador dos
canais de cálcio parece assegurar um maior alívio sintomático, que
aquele que seria obtido com o uso de cada um destes fármacos per se.
De facto, estes fármacos parecem desempenhar efeitos aditivos, na
medida em que os nitratos estão maioritariamente associados a uma
redução da pré-carga, enquanto os bloqueadores dos canais de cálcio
actuam sobretudo num sentido de reduzir a pós-carga. De qualquer
modo, o uso simultâneo destes dois tipos de fármacos pode levar ao
desenvolvimento de hipotensão e vasodilatação excessiva.

Em suma, a co-administração de nifedipina e um nitrato encontra-se


particularmente indicada para pacientes que apresentem não só angina
típica, mas também insuficiência cardíaca, síndrome do nó sinusal ou
perturbações da condução do nó AV.

Bloqueadores dos canais de cálcio, β-bloqueadores e


nitratos
Em pacientes com angina típica não-controlada pela administração de
dois anti-anginosos de classes diferentes, o uso simultâneo dos três
tipos de anti-anginosos pode se revelar eficaz, embora esteja associado
a um maior risco de desenvolvimento de efeitos laterais.

De facto, as di-hidropiridinas e os nitratos dilatam as artérias coronárias


epicárdicas; as di-hidropiridinas diminuem a pós-carga; os nitratos
diminuem a pré-carga; e os β-bloqueadores diminuem a frequência
cardíaca e a contractilidade miocárdica. Deste modo, a combinação
destes três tipos de fármacos exerce um efeito benéfico, embora
também aumente a probabilidade de desenvolvimento de efeitos
adversos. A título de exemplo, a combinação de verapamil ou de
diltiazem com um β-bloqueador aumenta significativamente o risco de
desenvolvimento de perturbações ventriculares ou do sistema de
condução.

Agentes anti-plaquetários, anti-integrinas e anti-


trombóticos
A aspirina reduz a incidência de enfarte do miocárdio e a mortalidade
de pacientes com angina instável. Para além disso, a administração de
baixas doses de aspirina parece levar a uma redução da incidência de
enfarte do miocárdio em pacientes com angina estável crónica. A
terapia com aspirina pode ser complementada com clopidogrel – esta
combinação está associada a uma redução da mortalidade dos
pacientes com síndrome coronária aguda. Também o prasugrel (que,
tal como o clopidogrel, pertence ao grupo das tioenopiridinas) pode
ser utilizado no tratamento da síndrome coronária aguda.

A heparina (tanto na sua forma não-fraccionada, como na sua forma de


baixo peso molecular) também se revela benéfica em situações de
angina instável, na medida em que reduz os sintomas e previne a
ocorrência de enfarte. Os inibidores da trombina (tais como a
hirudina e a bivalirudina) inibem directamente a trombina (mesmo que
esta esteja ligada aos coágulos), revelando-se igualmente úteis na
terapia anti-anginosa. Também os inibidores intra-venosos do receptor
plaquetário GPIIb/IIIa (abciximab, tirofiban e eptifibatide) se revelam
eficazes na terapia da síndrome coronária aguda. Por oposição, os
agentes trombolíticos não oferecem qualquer benefício na terapia da
angina instável.

Fármacos usados aquando da aplicação de stents


A aplicação de stents
coronários requer a
administração de dois
fármacos,
nomeadamente o
paclitaxel e o sirolimus.
O paclitaxel é um
diterpeno tricíclico que
inibe a proliferação
celular, por ligação e
estabilização dos
microtúbulos
polimerizados. Por
oposição, o sirolimus
é um macrólido
hidrofóbico que se liga

imunofilina citosólica
FKB12, formando um
complexo que inibe a
cínase alvo da
rapamicina (mTOR),
inibindo a progressão
do ciclo celular.

Apesar de diferirem amplamente nos seus mecanismos de acção, o


paclitaxel e o sirolimus partilham propriedades químicas comuns, na
medida em que são ambos pequenas moléculas hidrofóbicas. De
qualquer modo, as diferenças nos alvos intracelulares destes dois
fármacos levam a que estes se distribuam na parede vascular de
maneira significativamente diferente.

A inibição da proliferação celular pelo paclitaxel e pelo sirolimus não só


afecta a proliferação das células musculares lisas vasculares, como
também atenua a formação de uma camada endotelial intacta. Assim,
estes fármacos aumentam o risco de desenvolvimento de eventos
trombóticos, de tal modo que, após aplicação de um stent coronário,
deve ser implementada uma terapia anti-plaquetária que perdure
durante, pelo menos, seis meses.

Se por um lado, a descontinuação da terapia anti-plaquetária potencia o


risco de trombose na região do stent, por outro, a implementação de
uma terapia anti-trombótica (combinando um anti-plaquetário a longo-
prazo com o uso vitalício de aspirina) potencia o risco de hemorragia.
Terapia da insuficiência cardíaca
congestiva
Introdução
A insuficiência cardíaca pode ser definida como um conjunto de
sintomas (fadiga, dispneia e congestão) que se relacionam com a
inadequada perfusão tecidular e, por vezes, com a retenção de fluido;
sendo que a principal causa desta patologia prende-se com o
impedimento da capacidade do coração encher ou esvaziar
correctamente o ventrículo esquerdo.

Por outro lado, a insuficiência cardíaca congestiva (ICC) define-se


como o estado fisiopatológico no qual, a pressões de enchimento
normais, o coração revela-se incapaz de bombear sangue a uma taxa
que se ajuste às necessidades dos tecidos metabolizadores. Ou seja,
na ICC, a normais pressões de enchimento telediastólicas, o coração
revela-se incapaz de assegurar um débito cardíaco adequado, o que
resulta numa síndrome clínica caracterizada por diminuição da
tolerância ao esforço e congestão venosa sistémica e pulmonar. Não
admira, portanto, que várias co-morbilidades cardiovasculares se
associem à ICC, incluindo doença arterial coronária e enfarte agudo do
miocárdio.

Na ICC, verifica-se a ocorrência de uma redução do débito cardíaco, o


que leva à activação do sistema nervoso simpático e do sistema renina-
angiotensina-aldosterona – essa activação promove o aumento da pré-
carga ventricular esquerda, a estimulação da contractilidade miocárdica,
e o aumento do tónus vascular, permitindo, assim, a manutenção da
perfusão dos órgãos nobres. Assim, em termos agudos, estes
mecanismos sustentam o débito cardíaco, ao permitirem que o coração
actue a volumes telediastólicos elevados. Por outro lado, ao
promoverem vasoconstrição periférica, estes mecanismos promovem a
redistribuição preferencial do débito cardíaco para os leitos cerebral,
coronário e renal.

Contudo, com o passar do tempo, esses mecanismos compensatórios


passam a contribuir para a própria progressão da doença. De facto, a
expansão do volume intra-vascular aumenta o stress de parede sistólico
e diastólico, perturbando a actividade miocárdica e induzindo hipertrofia
ventricular esquerda. Ao aumentar a pós-carga ventricular esquerda, a
vasoconstrição arterial periférica também induz stress de parede
diastólico, aumentando as necessidades miocárdicas de oxigénio. Por
fim, alguns mediadores neuro-humorais, tais como a noradrenalina e a
angiotensina II, induzem apoptose dos cardiomiócitos, anomalias na
expressão genética dos miócitos, e alterações patológicas da matriz
extracelular conducentes a aumentos da rigidez ventricular esquerda.

Embora se possa fazer uma distinção entre insuficiência cardíaca


sistólica e diastólica, a maior parte dos pacientes com ICC apresenta
perturbações simultâneas na contractilidade e no relaxamento
ventricular. De facto, esses processos fisiológicos encontram-se co-
relacionados – a título de exemplo, aquando de uma perturbação do
desempenho contráctil sistólico, ocorre uma perturbação da taxa e
duração do enchimento ventricular esquerdo diastólico.

Terapia farmacológica da insuficiência cardíaca


As anomalias da estrutura e função miocárdica que caracterizam a ICC
são frequentemente irreversíveis. Apesar de a ICC ser
predominantemente uma doença crónica, alterações subtis do estado
hemodinâmico podem provocar uma descompensação clínica aguda –
entre essas alterações, destaque para o aumento do volume circulante
(secundário, por exemplo, ao aumento da ingestão de sódio) e para o
aumento da pressão arterial (que se pode dever à não-adesão à
medicação).

Deste modo, não é surpreendente que, durante muitos anos, os


diuréticos tenham sido os principais fármacos utilizados na terapia da
ICC. De facto, os diuréticos são capazes de controlar a sobrecarga de
volume e, por conseguinte, evitar o agravamento da disfunção
ventricular esquerda. Os glicosídeos cardíacos foram também muito
utilizados no passado, devido à sua capacidade de contrariar a
disfunção miocárdica. Contudo, e apesar de tanto os diuréticos como os
glicosídeos permanecerem eficazes para o alívio dos sintomas e
estabilização dos pacientes com descompensação hemodinâmica,
estes fármacos não aumentam a sobrevivência a longo-prazo dos
doentes com insuficiência cardíaca.
Contudo, actualmente, a terapia da ICC passou a dispor de uma grande
panóplia de outras armas terapêuticas, as quais têm por alvos
preferenciais o stress da parede ventricular, o sistema renina-
angiotensina-aldosterona e o sistema nervoso simpático. Ao actuarem
nestes alvos, procura-se diminuir a remodelagem ventricular, atenuar a
progressão da ICC e aumentar a sobrevida dos pacientes com ICC
grave e baixa fracção de ejecção ventricular esquerda. Assim, estes
novos fármacos melhoram a função hemodinâmica cardíaca, ao
reduzirem a pré-carga e a pós-carga e ao aumentarem a contractilidade
(inotropismo) miocárdica. De referir que, os fármacos que actuam na
função vascular periférica e coronária estão a ganhar cada vez mais
importância na terapêutica da ICC.

Diuréticos
Os diuréticos desempenham um papel fundamental na terapia
farmacológica dos sintomas congestivos da ICC. De facto, a expansão
do volume acarreta vários efeitos deletérios, contribuindo para o
aumento do volume telediastólico ventricular esquerdo e,
consequentemente, para o desenvolvimento de maior pressão no
coração direito, de congestão venosa pulmonar e edema periférico.

Os diuréticos reduzem o volume do fluido extracelular e a pressão de


enchimento ventricular (ou seja, a pré-carga). Uma vez que nos
pacientes com ICC verifica-se, por vezes, atingimento de uma fase de
plateau da curva de Frank-Starling, a redução da pré-carga ocorre sem
concomitante redução do débito cardíaco. Contudo, uma natriurese
sustentada e/ou um rápido decréscimo do volume intravascular podem
resultar num decréscimo indesejado do débito cardíaco. Ora, isto
explica porque é que os diuréticos devem ser evitados em pacientes
com disfunção ventricular esquerda, sendo que nos pacientes
sintomáticos e com hipervolémia, apenas devem ser administradas as
doses de diuréticos mínimas para assegurar a sua euvolémia.

De referir que, apesar da eficácia dos diuréticos tiazídicos e dos


diuréticos de ansa no controlo dos sintomas congestivos e na melhoria
da capacidade de realização de esforços físicos, o uso destes fármacos
não se encontra relacionado com uma redução da mortalidade por ICC.

Os diuréticos serão alvo de estudo mais aprofundado num texto posterior.

Antagonistas dos receptores A1 da adenosina


Nos pacientes com ICC descompensada, os

antagonistas dos receptores A1 da adenosina

desempenham um efeito protector


de cariz renal. De facto, o
aumento das concentrações
tubulares de cloreto e sódio (que
pode ser despoletado pelo uso de
diuréticos) promove a secreção de
adenosina por parte da mácula
densa. Este mediador promove a
reabsorção de sódio, actuando
como um contra-regulador de
resposta a presumíveis perdas de
volume. Para além de promover
um aumento da reabsorção de
sódio (que parece ser
parcialmente responsável pelo
desenvolvimento de complicações
resultantes do uso de diuréticos
em pacientes com ICC
descompensada), a adenosina
ainda induz vasoconstrição
arteriolar renal. Assim, o bloqueio
da actividade deste mediador
manifesta efeitos benéficos em
pacientes com ICC.

O KW-3902 (rolofilina) constitui


um exemplo de um antagonista
A1 – a administração deste
fármaco a pacientes com ICC
descompensada e já medicados
com diuréticos de ansa leva a
uma redução do volume e a uma
melhoria da função renal. Por
outro lado, a administração do
antagonista A1 BG-9179
(naxifilina) induz efeitos
benéficos no débito urinário e na
função renal, embora não se
revele particularmente benéfica
em pacientes com ICC.

Nitrovasodilatadores
O uso de vasodilatadores orais revela-se benéfico na farmacoterapia
da ICC. Foram já desenvolvidos vários vasodilatadores com o objectivo
de melhorar os sintomas da ICC, embora apenas alguns desses
fármacos estejam associados a um aumento da sobrevida – esses
fármacos incluem a combinação hidralazina-dinitrato de isosorbida, os
IECAs e os bloqueadores dos receptores AT1 (ARBs).

Os nitrovasodilatadores são fármacos dadores de óxido nítrico (NO)


que activam a guanil cíclase nas células musculares lisas vasculares,
induzindo vasodilatação. Ao actuarem em diferentes leitos vasculares,
os nitrovasodilatadores induzem diferentes perfis de resposta (a título
de exemplo, a nitroglicerina induz preferencialmente vasodilatação
coronária epicárdica), embora ainda se desconheça porque é que isto
se verifica.

Para além disso, existem diferenças nos mecanismos através dos quais
os nitrovasodilatadores são convertidos nas suas formas activas. De
facto, contrariamente ao nitroprussiato, que é convertido em NO• por
agentes redutores celulares (tais como a glutationa), a nitroglicerina e
outros nitratos orgânicos sofrem uma biotransformação enzimática mais
complexa em NO• ou S-nitrosotiois bioactivos.

Nitratos orgânicos
Como referido no texto sobre farmacoterapia da doença cardíaca
isquémica, os nitratos podem ser administrados de várias formas, as
quais se revelam relativamente seguras e eficazes. Na terapia da ICC,
os nitratos actuam, sobretudo, num sentido de aumentar a capacitância
venosa periférica, reduzindo a pré-carga e, por conseguinte, diminuindo
a pressão de enchimento ventricular esquerda. Para além disso, os
nitratos orgânicos reduzem a resistência vascular sistémica e pulmonar
(sobretudo quando administrados a doses mais elevadas) e induzem
vasodilatação das artérias coronárias epicárdicas, aumentando a função
ventricular sistólica e diastólica.

No seu conjunto, estes efeitos fisiológicos traduzem-se num aumento da


capacidade de realização de esforços físicos, e na redução dos
sintomas da ICC. Contudo, os nitratos não são frequentemente
administrados isoladamente, na medida em que não influenciam
significativamente a resistência vascular sistémica, e devido à
possibilidade de se desenvolver tolerância a estes fármacos. Todavia,
quando administrados em simultâneo, os nitratos aumentam a eficácia
de outros vasodilatadores, induzindo melhorias sustentadas da função
hemodinâmica.

A nitroglicerina intra-venosa constitui o nitrato orgânico mais


frequentemente utilizado nas unidades de cuidados intensivos, sendo
relativamente selectiva para as veias de capacitância, sobretudo
quando administrada a baixas doses. Na ICC, a nitroglicerina intra-
venosa é, sobretudo, utilizada no tratamento de disfunção ventricular
esquerda secundária a isquemia aguda do miocárdio. Para além disso,
a nitroglicerina parentérica é usada no tratamento da cardiomiopatia
não-isquémica, quando se procura reduzir a pressão de enchimento
ventricular esquerda. De referir que, a doses mais elevadas, este
fármaco também diminui a resistência arterial sistémica.

De entre os principais efeitos adversos da nitroglicerina, destaque para


as cefaleias e tolerância aos nitratos, a qual pode ser parcialmente
contrabalançada por um aumento da dose administrada de
nitroglicerina.

Tolerância aos nitratos


A tolerância aos nitratos pode limitar a eficácia a longo-prazo desses
fármacos no tratamento da ICC. Assim, deve ser evitada a sua
administração contínua, e deve ser adoptado um horário adequado de
administração destes fármacos – a título de exemplo, os pacientes com
ortopneia recorrente ou dispneia paroxística nocturna podem beneficiar
da administração nocturna de nitratos. Para além disso, o co-tratamento
com hidralazina poderá diminuir a tolerância aos nitratos, uma vez que a
hidralazina apresenta um efeito anti-oxidante, atenuando a formação de
superóxido e, por conseguinte, aumentando os níveis de NO.

Nitroprussiato de sódio

O nitroprussiato de sódio é um dador directo de NO. Assim, este


fármaco é um potente vasodilatador que reduz simultaneamente a
pressão de enchimento ventricular e a resistência vascular sistémica
(pois actua simultaneamente nos leitos arterial e venoso). O
nitroprussiato de sódio apresenta um curto tempo de activação, sendo
rapidamente metabolizado em NO.

Assim, o nitroprussiato revela-se particularmente eficaz no tratamento


de pacientes críticos com ICC, que apresentem elevada resistência
vascular sistémica ou complicações mecânicas subsequentes à
ocorrência de um enfarte do miocárdio (tais como regurgitação mitral).
Em termos gerais, a administração de nitroprussiato a pacientes com
ICC grave resulta num aumento simultâneo do débito cardíaco e do
fluxo sanguíneo renal, o que acarreta uma melhoria simultânea da
filtração glomerular e da eficácia da acção dos diuréticos.

Tal como se verifica com outros vasodilatadores, a hipotensão constitui


o principal efeito adverso do nitroprussiato. De facto, a diminuição
excessiva da pressão arterial sistémica pode limitar (ou prevenir) um
aumento do fluxo sanguíneo em pacientes com um quadro mais grave
de disfunção ventricular esquerda. Para além disso, o uso de
nitroprussiato pode resultar no desenvolvimento de

metemoglobinemia, por oxidação da hemoglobina pelo NO . Por fim, a
biotransformação do nitroprussiato gera cianeto, o qual é rapidamente
convertido (por via hepática) em tiocianato, que é excretado por via
renal. Ora a intoxicação por tiocianato ou cianeto revela-se pouco
comum, embora possa ocorrer em pacientes com insuficiência hepática
ou renal, ou em pacientes submetidos a doses elevadas e prolongadas
destes fármacos. De referir que a intoxicação por cianeto ou tiocianato
cursa com dor abdominal, alterações do estado mental, convulsões e
acidose metabólica.

Hidralazina

A hidralazina é um vasodilatador directo que, apesar de ser


amplamente usado na prática clínica, actua por mecanismos ainda
pouco conhecidos. De qualquer modo, sabe-se que a hidralazina
constitui um anti-hipertensor eficaz, sobretudo, quando combinada com
agentes atenuadores do tónus simpático e com inibidores da retenção
de sódio e água.

Em pacientes com ICC, a hidralazina reduz a resistência vascular


sistémica e pulmonar e, por conseguinte, diminui a pós-carga ventricular
esquerda e direita - consequentemente, verifica-se um aumento do
débito cardíaco e uma redução do stress da parede ventricular. A
hidralazina parece ainda apresentar ligeiros efeitos inotrópicos positivos
no músculo cardíaco, os quais são independentes dos seus efeitos na
pós-carga. Para além disso, comparativamente à maior parte dos
restantes vasodilatadores (com excepção dos IECAs), a hidralazina
revela-se mais eficaz na redução da resistência vascular renal e no
aumento do fluxo sanguíneo renal. Deste modo, a hidralazina é, por
vezes, utilizada em pacientes com ICC com insuficiência renal
intolerantes aos IECAs.

A hidralazina induz ainda uma melhoria hemodinâmica adicional em


pacientes com ICC avançada já tratados com doses convencionais de
um IECA, digoxina e diuréticos. Note-se, contudo, que, por comparação
com a hidralazina, os IECAs parecem estar mais fortemente associados
a uma redução da mortalidade em pacientes com ICC grave. Por outro
lado, a combinação do dinitrato da isosorbida (um nitrato orgânico)
com a hidralazina está associada a uma redução da mortalidade por
ICC em pacientes com disfunção sistólica.

O uso de hidralazina está frequentemente associado ao


desenvolvimento de efeitos laterais, os quais obrigam a um ajuste da
dose administrada deste fármaco. A título de exemplo, embora seja
pouco comum, o uso de hidralazina está associado ao desenvolvimento
de sintomas lupus-like, sobretudo em pacientes considerados
“acetiladores lentos”.

As propriedades farmacocinéticas da hidralazina não são alvo de


alterações significativas em pacientes com ICC, a menos que estes
manifestem também congestão hepática grave ou hipoperfusão. A
hidralazina pode ser administrada por via oral e por via intra-venosa,
sendo que a administração por esta última via não oferece qualquer
vantagem em relação à administração por via oral (excepto para uso
urgente em pacientes grávidas).

Antagonistas do sistema renina-angiotensina-


aldosterona
O sistema renina-angiotensina-aldosterona desempenha um papel
fundamental na fisiopatologia da ICC. De facto, a angiotensina II (Ang
II) é um potente vasoconstrictor arterial e um importante indutor da
retenção de sódio e água. Para além disso, a Ang II modula a libertação
neuronal e supra-renal de catecolaminas, apresenta acções
arritmogénicas, promove o desenvolvimento de hiperplasia vascular e
hipertrofia miocárdica, e induz a apoptose dos miócitos. Deste modo, a
atenuação dos efeitos da Ang II revela-se essencial na terapia da ICC.

Os IECAs suprimem a produção de Ang II (e aldosterona), diminuem a


actividade do sistema nervoso simpático, e potenciam os efeitos dos
diuréticos na ICC. Contudo, a Ang II não é exclusivamente produzida
pela enzima de conversão da angiotensina, motivo pelo qual os IECAs
não conseguem suprimir completamente a produção deste mediador.
Ora, não obstante este “escape de Ang II”, os IECAs continuam a
revelar-se bastante eficazes, o que sugere que estes fármacos não
actuam exclusivamente por inibição da acção da enzima de conversão
da angiotensina.

Os IECAs são vasodilatadores arteriais, diminuindo a resistência


vascular periférica. Para além disso, o decréscimo da pós-carga
ventricular esquerda mediado pelos IECAs resulta num aumento do
débito cardíaco. Ora, o efeito dos IECAs na pressão arterial resulta do
balanço entre as duas propriedades supracitadas. Por oposição, o
tratamento com IECAs, normalmente, não afecta a frequência cardíaca
– de facto, apesar de diminuírem a pressão arterial, os IECAs inibem
simultaneamente a actividade do sistema nervoso simpático, o que
contribui para a manutenção da frequência cardíaca.

A maior parte das acções clínicas da Ang II, incluindo os seus efeitos
deletérios na ICC, resultam da sua ligação ao receptor AT1. Por
oposição, a activação dos receptores AT2 parece contrabalançar os
efeitos biológicos resultantes da estimulação dos receptores AT1.
Devido à sua maior especificidade, os antagonistas dos receptores
AT1 bloqueiam os efeitos da Ang II de modo mais eficiente que os
IECAs. Para além disso, o bloqueio dos receptores AT1 leva a que uma
maior quantidade de Ang II esteja disponível para ligação aos
receptores AT2. Note-se, contudo, que, contrariamente aos IECAs, os
bloqueadores dos receptores AT1 não influenciam o metabolismo da
bradicinina (vide infra).

IECAs

Actualmente, são empregues sete IECAs no tratamento da ICC,


nomeadamente, o captopril, enalapril, ramipril, lisinopril, quinapril,
trandolapril e fosinopril. Estes fármacos podem ser utilizados no
tratamento da ICC de qualquer gravidade, incluindo situações de
disfunção ventricular esquerda assintomática.

No início da terapia, procede-se à administração de baixas doses de


IECAs, as quais são gradualmente aumentadas com o passar do tempo.
A administração inicial de baixas doses de IECAs permite evitar a
ocorrência de hipotensão iatrogénica – embora este fenómeno possa
revertido pela expansão de volume intra-vascular, este processo revela-
se contraproducente nos pacientes com ICC.

Nos pacientes com ICC e com diminuição do fluxo sanguíneo renal, os


IECAs (contrariamente aos nitrovasodilatadores) perturbam a auto-
regulação da pressão de perfusão glomerular, o que reflecte o seu efeito
selectivo no tónus arteriolar eferente. Assim, numa situação de
insuficiência renal aguda, ou aquando de um decréscimo superior a
20% da taxa de filtração glomerular, deve se proceder a um ajuste
posológico das doses de IECAs, ou mesmo à descontinuação destes
fármacos.

Efeitos laterais dos IECAs

Os elevados níveis de bradicinina, resultantes da acção dos IECAs,


podem levar ao desenvolvimento de angioedema, uma condição
potencialmente fatal. De facto, na presença de angioedema, deverá
ocorrer cessação imediata e permanente do uso de todos os IECAs
(note-se que o angioedema pode se desenvolver em qualquer fase da
terapia com IECAs). Para além disso, os elevados níveis de bradicinina
podem levar ao desenvolvimento de uma tosse seca - neste caso, pode
se proceder à substituição do IECA por um antagonista dos receptores
AT1.

O uso de IECAs também pode levar a um pequeno aumento dos níveis


séricos de potássio – contudo, em pacientes com insuficiência renal (ou
em pacientes diabéticos), pode se registar uma hipercalémia
significativa.

De qualquer modo, a incapacidade de implantar uma terapia com IECAs


por desenvolvimento de efeitos laterais cardio-renais (tais como
hipotensão excessiva, insuficiência renal progressiva e hipercalémia)
constitui um mau prognóstico de ICC.

IECAs e mortalidade por ICC

O uso de IECAs está associado a um aumento da sobrevivência de


pacientes com ICC por disfunção sistólica, independentemente da sua
etiologia. A título de exemplo, o uso de IECAs após um enfarte do
miocárdio está associado a um decréscimo da mortalidade e do
desenvolvimento de disfunção ventricular esquerda significativa. De
facto, os IECAs impedem a ocorrência de remodelagem ventricular
negativa, atenuando, assim, a ocorrência de aumentos nos volumes
telediastólico e telessistólico ventricular esquerdo.

Note-se que, mesmo comparativamente aos restantes vasodilatadores,


os IECAs parecem reduzir a mortalidade por ICC de modo mais
pronunciado. Para além disso, em pacientes assintomáticos com
disfunção ventricular esquerda, os IECAs lentificam o desenvolvimento
de ICC sintomática.

Antagonistas dos receptores AT1

A activação dos receptores AT1 é responsável pela maior parte dos


efeitos deletérios da Ang II. Por oposição, o antagonismo dos
receptores AT1 contorna o fenómeno de “escape da Ang II” e reduz
substancialmente a probabilidade de desenvolver efeitos laterais
mediados pela bradicinina (que são característicos do uso de IECAs).
Apesar disso, embora seja um fenómeno raro, o uso de antagonistas
dos receptores AT1 pode também levar ao desenvolvimento de
angioedema. Assim, os antagonistas dos receptores AT1 devem ser
cautelosamente administrados a pacientes com história de angioedema
induzido por IECAs.

Os bloqueadores dos receptores AT1 (ARBs) constituem anti-


hipertensores eficazes e seguros. Para além disso, o uso destes
fármacos está associado a uma redução da mortalidade por ICC após
enfarte do miocárdio. Assim, devido ao seu reduzido conjunto de efeitos
laterais, os ARBs constituem uma excelente alternativa aos IECAs em
pacientes intolerantes a estes últimos fármacos.

Desconhece-se, porém, se o uso combinado de um IECA e um ARB no


tratamento da ICC se revela mais vantajoso que o uso isolado de cada
um destes fármacos – de facto, os estudos levados a cabo nessa área
têm evidenciado resultados contraditórios.

Por outro lado, o uso combinado de um ARB e de um inibidor dos


receptores da aldosterona revela-se mais vantajoso que o uso isolado
de cada um destes fármacos. De facto, o uso combinado destes dois
fármacos resulta num aumento significativo da fracção de ejecção
ventricular esquerda, bem como da qualidade de vida dos pacientes
com ICC. Contudo, os efeitos benéficos desta terapia dual devem ser
ponderados em relação ao aumento do risco de desenvolvimento de
hipercalémia e hipotensão.
Na ICC por perturbações do relaxamento diastólico (ou seja, em que a
fracção de ejecção ventricular esquerda se encontra preservada), o
papel dos ARB permanece desconhecido. De facto, estes fármacos não
parecem estar associados a uma diminuição da mortalidade, nem a
melhorias nos índices ecocardiográficos de relaxamento diastólico.
Todavia, os ARB estão associados a uma diminuição das
hospitalizações por ICC. Possivelmente, o aumento do fluxo arteriolar
induzido pelos ARB revela-se protector em pacientes com ICC
diastólica.

Inibidores da renina

Em pacientes com ICC, a inibição farmacológica máxima da enzima de


conversão da angiotensina é insuficiente per se para extinguir a
disfunção cardiovascular induzida pela Ang II. Como tal, com o objectivo
de explicar este fenómeno, foram levantadas várias hipóteses, as quais
incluem as seguintes:

A conversão da Ang I em Ang II não é exclusivamente mediada


pela enzima de conversão da angiotensina.

Existem alguns homólogos da enzima de conversão da


angiotensina (tais como a ACE2) que se revelam insensíveis ao
uso de IECAs.

Os IECAs suprimem o do efeito de feedback negativo exercido


pela Ang II na secreção renal de renina.

Assim, a inibição da síntese de renina exacerba a supressão da síntese


de Ang II. Os primeiros inibidores da renina passíveis de ser
administrados por via oral foram concebidos para o tratamento da
hipertensão, embora o seu uso tenha sido limitado pela sua reduzida
biodisponibilidade. Contudo, foram desenvolvidos, subsequentemente,
novos inibidores da renina com propriedades farmacocinéticas mais
favoráveis.

A título de exemplo, por comparação com os primeiros inibidores da


renina, o aliskiren apresenta maior biodisponibilidade oral e um período
de semi-vida plasmática superior. De facto, este fármaco induz um
decréscimo da pressão arterial sistémica, sem induzir taquicardia
reflexa significativa. Para além disso, o aliskiren parece exercer efeitos
benéficos na remodelagem miocárdica, ao diminuir a massa ventricular
esquerda de pacientes hipertensos. Assim, tal como os IECAs e os
ARB, os inibidores da renina parecem atenuar as lesões orgânicas
secundárias à hipertensão. Deste modo, o uso desta classe de
fármacos poder-se-á revelar benéfico em pacientes com ICC.

No que concerne à sua segurança, sabe-se que a co-administração de


aliskiren com um β-bloqueador, a um IECA, ou a um ARB não induz um
aumento significativo do risco de desenvolvimento de hipotensão ou
hipercalémia.

Antagonistas da aldosterona

A disfunção sistólica ventricular esquerda diminui o fluxo sanguíneo


renal e resulta na sobre-activação do sistema renina-angiotensina-
aldosterona. De facto, na ICC, ocorre um aumento significativo dos
níveis de aldosterona, que promove, entre outros efeitos, a retenção de
sódio e água e um aumento do stress oxidativo.

A espironolactona é um antagonista dos receptores dos


mineralocorticóides, cuja administração está associada a uma redução
da mortalidade e das hospitalizações por ICC. Este fármaco é, no geral,
bem tolerado, embora possa levar ao desenvolvimento de ginecomastia
ou hipercalémia grave – o desenvolvimento deste último efeito encontra-
se potenciado em pacientes com insuficiência renal e/ou que estejam,
simultaneamente, a tomar inibidores da enzima de conversão da
angiotensina (IECAs).

De referir que, na ICC, mesmo aquando da máxima inibição da enzima


de conversão da angiotensina, são atingidos níveis deveras elevados de
aldosterona. Assim, o uso de IECAs não substitui o uso de antagonistas
da aldosterona – de facto, a terapia combinada com um IECA e um
antagonista dos receptores da aldosterona revela-se mais eficaz do que
o uso isolado de cada um dos fármacos.

Antagonistas dos receptores da vasopressina


Na ICC, ocorre um aumento da secreção de vasopressina (AVP), o
que resulta numa perturbação do equilíbrio de fluidos. A AVP é um
peptídeo de 9 aminoácidos que interage com três subtipos de
receptores (V1a, V1b e V2) - o receptor V2 encontra-se expresso na
membrana basolateral dos ductos colectores renais, de tal modo que a
sua activação estimula a síntese de novo de aquaporina 2, a qual
permite a reabsorção de água livre, impedindo a diurese e,
consequentemente, corrigindo a hipertonicidade plasmática. Por outro
lado, a activação dos receptores V1a expressos nas células musculares
lisas vasculares e nos cardiomiócitos resulta na ocorrência de
vasoconstrição, hipertrofia celular e aumento da agregação plaquetária.

A presença de disfunção sistólica ventricular esquerda correlaciona-se


com o desenvolvimento de hipervasopressinemia. De facto, nos
pacientes com ICC, ocorre desregulação da síntese de AVP, algo que se
poderá parcialmente dever a uma perturbação da sensibilidade dos
receptores auriculares sensíveis ao estiramento. Note-se ainda que a
ligação da Ang II aos receptores centrais AT1 contribui para o aumento
dos níveis de AVP registado na ICC. Ora, isto parece explicar porque é
que os ARB podem levar a uma diminuição dos níveis de AVP.

De qualquer forma, na ICC, a presença de uma resposta anormal à AVP


revela-se mais importante que o excesso de produção deste mediador.
A título de exemplo, nos pacientes com ICC, a AVP diminui o débito
cardíaco e o volume de ejecção, e induz um aumento exagerado da
resistência vascular sistémica e da pressão nos capilares pulmonares.
Por seu turno, os antagonistas dos receptores V2 atenuam os efeitos
fisiopatológicos adversos da hipervasopressinemia, ao diminuírem a
pressão capilar, a pressão auricular direita, e a pressão sistólica na
artéria pulmonar. Para além disso, esses agentes também restabelecem
e mantêm níveis normais de sódio em pacientes com ICC
descompensada.

O uso de antagonistas dos receptores da AVP parece ainda estar


associado a um decréscimo do peso corporal. Para além disso, quando
usados a curto-prazo, estes fármacos parecem atenuar a dispneia, o
edema periférico e a fadiga. Todavia, desconhece-se se o seu uso a
longo prazo se correlaciona com um decréscimo da mortalidade por
ICC.

De entre os antagonistas dos receptores da AVP, destaque para o


tolvaptan, um inibidor selectivo dos receptores V2, que também é
usado no tratamento da hiponatrémia. Contudo, este fármaco comporta
um elevado risco de desmielinização osmótica (por correcção muito
rápida da hiponatrémia), de tal modo que apenas pode ser administrado
num contexto hospitalar, em condições muito controladas.

Por seu turno, o conivaptan é um inibidor não selectivo dos receptores


V2 e V1a, sendo maioritariamente usado no tratamento da hiponatrémia
(e não tanto da ICC). Contrariamente ao tolvaptan, o conivaptan pode
ser administrado por via intra-venosa e apresenta um tempo de semi-
vida superior.

Antagonistas dos receptores β-adrenérgicos


A activação do sistema nervoso simpático na ICC induz um aumento da
contractilidade (inotropismo), bem como do relaxamento e enchimento
ventricular (lusitropismo) e da frequência cardíaca (cronotropismo).
Assim, durante muito tempo, a abordagem terapêutica da ICC passou
pela administração de fármacos com propriedades simpaticomiméticas,
tais como a dobutamina e a dopamina (vide infra). De facto, durante
muito tempo, pensou-se que o uso de antagonistas dos receptores β-
adrenérgicos seria contraproducente – todavia, actualmente, sabe-se
que essa assunção se revela incorreta.

De facto, o uso crónico de simpaticomiméticos está associado a


maiores níveis de mortalidade por ICC, verificando-se o oposto com o
uso crónico de β-bloqueadores. De facto, os β-bloqueadores melhoram
os sintomas da ICC, aumentam a tolerância ao exercício e melhoram a
função ventricular esquerda. Note-se que, no período imediatamente
após iniciação de um tratamento com um β-bloqueador, a função
sistólica diminui, embora melhore (para níveis superiores aos
anteriores) no período subsequente. De referir que, este efeito benéfico
parece se dever à atenuação ou prevenção dos efeitos adversos das
catecolaminas no miocárdio, os quais são mediados pelos receptores β-
adrenérgicos.

Os mecanismos de acção através dos quais os β-bloqueadores


influenciam o outcome da ICC ainda não são totalmente conhecidos. De
facto, ao prevenirem a isquemia miocárdica sem influenciarem
significativamente os níveis séricos de electrólitos, os β-bloqueadores
diminuem a mortalidade, pois diminuem a frequência de taquiarritmias
instáveis, para as quais os pacientes com ICC são particularmente
susceptíveis. Para além disso, estes agentes podem potenciar a
sobrevida, ao melhorarem a geometria ventricular esquerda,
nomeadamente, ao diminuírem o tamanho da cavidade ventricular
esquerda e ao aumentarem a fracção de ejecção ventricular esquerda.

Para além disso, ao inibirem a activação sustentada do sistema nervoso


simpático, os β-bloqueadores previnem ou atrasam a progressão da
disfunção da contractilidade miocárdica, reduzindo a toxicidade induzida
pelas catecolaminas, e diminuindo a apoptose dos cardiomiócitos. Os β-
bloqueadores podem ainda induzir uma remodelagem positiva
ventricular esquerda, ao diminuírem o stress oxidativo miocárdico.

Metoprolol

O metoprolol é um antagonista selectivo dos receptores adrenérgicos


do tipo β1. Este bloqueador pode ser administrado como um fármaco de
“actuação rápida”, cujo período de semi-vida ronda as 6 horas, ou como
um fármaco de “actuação prolongada”, que pode ser administrado
apenas uma vez por dia. Em termos clínicos, sabe-se que o metoprolol
aumenta a sobrevida dos pacientes com ICC e baixa fracção ventricular
esquerda – de facto, o uso de metoprolol está associado a uma
diminuição do risco de morte súbita e de morte atribuível a agravamento
da ICC.

Carvedilol

O carvedilol é um antagonista não-selectivo dos receptores β-


adrenérgicos e um antagonista selectivo dos receptores α1-
adrenérgicos, sendo utilizado na terapia da ICC moderada/grave. De
facto, o carvedilol parece estar associado a uma redução da
mortalidade por ICC, independentemente da etiologia ou da fracção de
ejecção ventricular esquerda registada. Apesar disso, o carvedilol não
parede melhorar a capacidade de realização de esforços físicos. Note-
se, contudo, que os efeitos do carvedilol parecem ser dependentes das
doses administradas deste fármaco.

Bisoprolol
O bisoprolol é um antagonista selectivo dos receptores adrenérgicos
β1. O seu uso está associado a uma redução da mortalidade e das
hospitalizações em pacientes com ICC, independentemente da etiologia
desta patologia.

Uso clínico dos β-bloqueadores na insuficiência cardíaca

Como referido anteriormente, o uso de β-bloqueadores está associado a


uma atenuação dos sintomas associados à ICC, bem como a uma
redução das hospitalizações e mortalidade por essa causa. Desse
modo, os β-bloqueadores estão aconselhados para pacientes com
reduzida fracção de ejecção ventricular esquerda (<35%), devendo ser
administrados em conjunto com um IECA ou com um antagonista dos
receptores AT1.

De referir que as terapias com β-bloqueadores devem ser iniciadas a


doses muito reduzidas (normalmente, um décimo da dose final) e
aumentadas lentamente (“em escalada”). Mesmo quando a terapia com
β-bloqueadores é iniciada correctamente, verifica-se uma tendência
inicial para retenção de fluidos, o que pode obrigar à realização de
ajustes posológicos.

Glicosídeos cardíacos
Os glicosídeos cardíacos incluem a digoxina, a digitoxina e a
ouabaína (um glicosídeo endógeno, que também pode ser usado como
veneno). Estes fármacos apresentam vários benefícios na terapia da
ICC, os quais são passíveis de ser atribuídos às seguintes funções:

Inibição da ATPase de sódio e potássio nos miócitos

Efeito inotrópico positivo no miocárdio insuficiente

Efeito anti-arrítmico (que é responsável por suprimir a fibrilação


auricular associada à ICC)

Regulação dos efeitos deletérios resultantes da sobre-activação do


sistema nervoso simpático

Mecanismo subjacente ao efeito inotrópico positivo


Em cada despolarização dos
cardiomiócitos, regista-se um
fluxo de sódio e cálcio para o
meio intracelular – o cálcio
entra no interior dos miócitos
através de canais de cálcio
do tipo L, promovendo a
libertação do cálcio contido
no retículo sarcoplasmático
para o citosol (por via dos
receptores rianodínicos
RyR). Esta libertação de
cálcio induzida pelo cálcio
aumenta os níveis
citoplasmáticos de cálcio
disponíveis para a ocorrência
de contracção dos
sarcómeros, o que permite
aumentar a força contráctil
do

miocárdio. Como é óbvio, durante a repolarização e relaxamento dos


cardiomiócitos, o cálcio celular é removido do citosol por parte da
ATPase de cálcio reticular, e pelo trocador sódio-cálcio membranar.

Ora, os glicosídeos cardíacos ligam-se à subunidade fosforilada α da


ATPase de sódio e potássio, inibindo-a. Consequentemente, a
extrusão de sódio diminui, e os níveis citosólicos deste ião aumentam.
Ou seja, os glicosídeos induzem uma diminuição do gradiente
transmembranar de sódio, o qual é essencial para assegurar a acção do
trocador sódio-cálcio. Assim, a diminuição do gradiente de sódio leva
a que, durante a repolarização dos miócitos, ocorra uma diminuição da
troca sódio-cálcio. Por conseguinte, menos cálcio passa a ser removido
do interior dos miócitos e uma fracção maior de cálcio acumula-se no
retículo sarcoplasmático por via da SERCA2. Ora, este mecanismo, que
leva a um aumento da quantidade de cálcio passível de ser libertada em
contracções subsequentes, permite compreender porque é que os
glicosídeos cardíacos aumentam a contractilidade miocárdica.
Elevados níveis extracelulares de potássio induzem desfosforilação da
subunidade α da ATPase, alterando o local de acção de alguns
glicosídeos. Assim, a hipercalémia reduz a capacidade de ligação (e,
como tal, os efeitos) de alguns glicosídeos.

Regulação da actividade do sistema nervoso simpático

A sobre-activação do sistema nervoso simpático na ICC ocorre, em


parte, devido a uma atenuação do reflexo barorreceptor. Ou seja, a
diminuição do reflexo barorreceptor resulta numa desinibição central da
actividade do sistema nervoso simpático, o que contribui para o
aumento sustentado dos níveis plasmáticos de noradrenalina, renina e
vasopressina.

Ora, os glicosídeos cardíacos aumentam a sensibilidade do reflexo


barorreceptor a alterações da pressão arterial, o que se revela benéfico
em pacientes com ICC moderada ou avançada. De facto, nestes
pacientes, os glicosídeos cardíacos aumentam o fluxo sanguíneo e o
índice cardíaco, e diminuem a frequência cardíaca.

Farmacocinética

Em indivíduos com função renal normal ou quase normal, o tempo de


semi-vida da digoxina ronda as 36-48 horas. De facto, a digoxina é
excretada por via renal, sendo que a clearance renal de digoxina é
potenciada por aumentos do débito cardíaco ou do fluxo sanguíneo
renal. Por oposição, o volume de distribuição e a clearance deste
fármaco encontram-se diminuídos nos pacientes mais idosos.

A digoxina apresenta um grande volume de distribuição, motivo pelo


qual não é removida eficazmente pela hemodiálise. O músculo
esquelético (e não o tecido adiposo) constitui o principal reservatório de
digoxina, de tal modo que a posologia deste fármaco deve se basear na
massa muscular estimada do paciente.

A digoxina apresenta uma biodisponibilidade oral de 70-80%, embora


em alguns indivíduos essa disponibilidade seja menor, devido à
presença da bactéria Eubacterium lentum, que inactiva a digoxina.
Para além disso, a digoxina pode ser administrada por via intra-venosa,
embora a sua administração por via intra-muscular esteja
desaconselhada, na medida em que induz absorção errática, causa
desconforto local e é, frequentemente, desnecessária.

Várias condições clínicas podem alterar as propriedades


farmacocinéticas da digoxina, bem como a susceptibilidade dos
pacientes às manifestações tóxicas deste fármaco. A título de exemplo,
a insuficiência renal crónica diminui o volume de distribuição de
digoxina, obrigando a uma redução da dose administrada deste
fármaco. Para além disso, o verapamil, a amiodarona, a propafenona e
a espironolactona inibem a P-glicoproteína, interferindo com os níveis
séricos de digoxina circulante.

A administração rápida de cálcio aumenta o risco de indução de


arritmias malignas em pacientes que estejam a receber tratamento com
digoxina. Para além disso, os distúrbios electrolíticos, especialmente a
hipocalémia e as perturbações ácido-base, também podem alterar a
susceptibilidade de desenvolver efeitos laterais. De referir que níveis
séricos mais elevados de digoxina (mesmo que ainda enquadrados no
seu “intervalo terapêutico”) se correlacionam com um aumento do risco
de intoxicação e morte por este fármaco.

Uso da digoxina na terapêutica da insuficiência cardíaca

Em pacientes com formas graves de ICC, o uso de digoxina está


associado a um decréscimo do número de hospitalizações. Apesar
disso, o uso deste fármaco não está sempre associado a uma redução
da mortalidade por ICC. Assim, em termos gerais, a digoxina apenas é
normalmente utilizada em pacientes com ICC com disfunção sistólica
ventricular esquerda e fibrilação auricular; ou em pacientes com ritmo
sinusal, mas que se mantenham sintomáticos, não obstante estarem a
receber terapia máxima com IECAs e β-bloqueadores. De facto, nas
restantes terapias, o uso de β-bloqueadores é preferido, na medida em
que estes fármacos estão associados a uma redução da mortalidade.

Toxicidade da digoxina

A digoxina acarreta vários efeitos laterais de cariz electrofisiológico, de


entre os quais se destacam os batimentos ectópicos, o bloqueio AV de
primeiro grau, a lentificação exagerada da função ventricular, ou a
aceleração do pacemaker AV. Aquando da presença dessas condições,
torna-se necessário proceder a ajustes posológicos de digoxina. Para
além disso, em algumas condições (tais como bloqueios AV de segundo
e terceiro grau, ou algumas bradicardias sinuais), o uso de atropina
revela-se benéfico.

Excepto em situações de bloqueio AV de elevado grau, deverá ser


administrado potássio em pacientes que revelem maior automacidade
ventricular ou juncional AV, mesmo que os níveis séricos de potássio se
encontrem normais. Note-se que a lidocaína e a fenitoína, que
apresentam efeitos desprezáveis na condução AV, podem ser utilizadas
no tratamento das arritmias ventriculares induzidas pela digoxina. Por
seu turno, a cardioversão eléctrica acarreta um risco aumentado de
génese de perturbações graves do ritmo cardíaco em pacientes com
intoxicação por digitálicos, de tal modo que este processo deve ser
utilizado cautelosamente. De referir que, ao inibir a bomba de sódio e
potássio do músculo esquelético, a digoxina pode induzir hipercalémia.

Note-se que os fragmentos Fab de anticorpos anti-digoxina


(digibind) constituem o antídoto utilizado em situações de intoxicação
por digoxina.

Agonistas β-adrenérgicos e dopaminérgicos


Num contexto de ICC gravemente descompensada por redução do
débito cardíaco, torna-se imperioso aumentar a contractilidade
miocárdica. A dopamina e a dobutamina constituem os agentes
inotrópicos positivos mais frequentemente utilizados com esse objectivo.
De facto, em situações de ICC avançada, estes fármacos asseguram
um suporte circulatório a curto prazo, ao estimularem os receptores
dopaminérgicos D1 dos cardiomiócitos, bem como os receptores β-
adrenérgicos, de cuja estimulação resulta o aumento da produção de
cAMP e subsequente activação da PKA. A subunidade catalítica da
PKA fosforila vários substratos, que actuam num sentido de aumentar
os níveis intracelulares de cálcio e, por conseguinte, a contracção
miocárdica.

Apesar de serem úteis em várias outras circunstâncias, o isoprotenerol,


a adrenalina e a noradrenalina desempenham um papel pouco
importante no tratamento da ICC. De facto, os agentes inotrópicos
positivos deverão ser cautelosamente utilizados, na medida em que
estão associados a um aumento do risco de hospitalização e morte –
aliás, em termos celulares, níveis aumentados de cAMP correlacionam-
se com um aumento da apoptose.

Dopamina

A dopamina é uma catecolamina endógena com utilidade limitada no


tratamento da insuficiência circulatória cardiogénica, sendo que os seus
efeitos farmacológicos e hemodinâmicos são dependentes da sua
concentração. De facto, quando administrada em baixas doses, esta
catecolamina induz vasodilatação (a qual é dependente do cAMP). Para
além disso, a administração de dopamina em baixas doses leva à
activação dos receptores D2 dos neurónios simpáticos responsáveis
pela inervação da circulação periférica, o que inibe a libertação de
noradrenalina e a estimulação α adrenérgica do músculo liso vascular
(sobretudo nos leitos esplâncnico e renal). Assim, as baixas doses de
dopamina são, por vezes, utilizadas para aumentar o fluxo sanguíneo
renal e, por conseguinte, para manter uma taxa de filtração glomerular
adequada nos pacientes com ICC com perturbações da função renal
refractárias aos diuréticos. Para além disso, a dopamina também
apresenta um efeito pró-diurético, actuando directamente nas células
epiteliais tubulares renais e contribuindo para a redução da volémia.

Por oposição, quando administrada em doses intermédias, a dopamina


estimula directamente os receptores β-adrenérgicos do coração, bem
como os neurónios simpáticos vasculares, os quais aumentam a
contractilidade miocárdica e a libertação neuronal de noradrenalina.

Por fim, quando a dopamina é administrada em doses elevadas, passa


a ocorrer vasoconstrição arterial e venosa, por estimulação dos
receptores α-adrenérgicos. Ora, estes efeitos podem ser benéficos em
pacientes cuja pressão arterial esteja criticamente diminuída, ou em
pacientes com insuficiência circulatória secundária a vasodilatação
grave. Por oposição, a administração de doses elevadas de dopamina
desempenha um papel desprezável na terapêutica dos pacientes com
disfunção contráctil cardíaca primária – de facto, nesta situação, o
aumento da vasoconstrição leva a um aumento da pós-carga e a um
subsequente aumento da disfunção ventricular esquerda. Para além
disso, a dopamina pode despoletar taquicardia, a qual pode induzir
isquemia em pacientes com doença coronária.

Dobutamina

A dobutamina é o principal agonista β utilizado nos pacientes com ICC


com disfunção sistólica. A dobutamina é comercializada sob a forma de
uma mistura racémica, sendo que o enantiómero (-) é um agonista total
dos receptores β1, β2 e α adrenérgicos. Por oposição, o enantiómero
(+) é um agonista total dos receptores β-adrenérgicos, mas um agonista
parcial dos receptores α-adrenérgicos.

Apesar de a dobutamina ser simultaneamente agonista dos receptores


β1 e β2, verifica-se um predomínio do efeito da activação dos receptores
β1. Ao actuar nos receptores α vasculares, o enantiómero (-) induz
vasoconstrição – todavia, este efeito parece ser contrabalançado pelo
efeito vasodilatador resultante da estimulação dos receptores β2. Deste
modo, a dobutamina apresenta, sobretudo, um efeito inotrópico positivo,
embora a activação dos receptores β2 possa induzir um decréscimo da
resistência vascular sistémica e, por conseguinte, da pressão arterial
média. Note-se que, não obstante induzir aumentos do débito cardíaco,
a dobutamina não medeia alterações significativas de cariz
cronotrópico.

Os principais efeitos adversos da dobutamina incluem taquicardia e


arritmias ventriculares e supra-ventriculares – a ocorrência desses
efeitos pode obrigar a uma redução da dose administrada deste
fármaco. Em pacientes que tenham estado a receber β-bloqueadores,
pode se verificar uma resposta atenuada à dobutamina.

Inibidores da fosfodiesterase
Os inibidores do cAMP-fosfodiesterase diminuem a degradação do
cAMP celular, permitindo um aumento dos níveis de cAMP nos miócitos
do músculo liso e cardíaco. Consequentemente, verifica-se um aumento
do inotropismo miocárdico, bem como vasodilatação dos vasos de
resistência e capacitância. Deste modo, a inibição da fosfodiesterase
aumenta o débito cardíaco, ao exercer um efeito inotrópico positivo, e
ao diminuir a pré-carga e a pós-carga (daí que os fármacos com esta
função sejam designados por inodilatadores).

Os inibidores da fosfodiesterase mais antigos (tais como a teofilina e a


cafeína) apresentam baixa especificidade cardiovascular, mas um
elevado conjunto de efeitos laterais. Assim, actualmente são
preferencialmente utilizados inibidores mais recentes (tais como a
inamrinona e a milrinona).

Inamrinona e milrinona

Quando administradas por via parentérica, a inamrinona e a milrinona


podem ser utilizadas na terapia de suporte a curto prazo da ICC avançada
por disfunção sistólica. Ambos estes fármacos são derivados das
biperidinas, sendo inibidores selectivos da fosfodiesterase 3.

Estes fármacos estimulam directamente a contractilidade miocárdica e


aceleram o relaxamento miocárdico. Para além disso, a inamrinona e a
milrinona causam vasodilatação arterial e venosa, induzindo, por isso,
uma diminuição das resistências vasculares pulmonar e sistémica, bem
como das pressões de enchimento do coração esquerdo e direito.
Devido ao seu efeito na contractilidade, a milrinona é capaz de
aumentar o débito cardíaco de modo mais significativo que o
nitroprussiato, apesar de ambos os fármacos induzirem diminuições
comparáveis da resistência vascular sistémica. Para além disso, para
concentrações que produzam aumentos similares do débito cardíaco, os
efeitos vasodilatadores da milrinona são superiores aos da dobutamina.

A inamrinona e a milrinona devem ser administradas por via parentérica,


apresentando períodos de semi-vida que rondam as 2-3 horas e a 0,5-1
hora, respectivamente. Contudo, nos pacientes com ICC grave, estes
períodos de semi-vida são quase duas vezes superiores.

Devido à sua maior selectividade para a fosfodiesterase 3, à sua menor


semi-vida, e à sua menor quantidade de efeitos laterais, a milrinona
constitui o inibidor da fosfodiesterase de primeira escolha para o
tratamento inotrópico a curto prazo da ICC grave. Contudo, devido ao
facto de induzir vasodilatação, a milrinona diminui a pressão arterial
média, motivo pelo qual, este fármaco não deverá ser administrado a
pacientes com pressão arterial sistémica muito reduzida. Note-se que,
contrariamente à milrinona, a inamrinona induz trombocitopenia.

Sildenafil

Contrariamente à inamrinona e à milrinona, o sildenafil inibe a


fosfodiesterase 5, que é a isoforma de fosfodiesterase mais comum no
tecido pulmonar – isto explica a maior especificidade para o leito
pulmonar observada com o uso deste fármaco. Assim, não admira que
o sildenafil seja utilizado em situações de ICC por insuficiência sistólica
ventricular direita secundária a hipertensão pulmonar.

O sildenafil aumenta a capacidade de fazer esforços físicos, bem como


a hemodinâmica do coração direito em pacientes com hipertensão
pulmonar secundária a disfunção sistólica ventricular esquerda. Pensa-
se ainda que a inibição da fosfodiesterase 5 desempenhe um papel
cardio-protector, ao atenuar a contracção miocárdica induzida pela
estimulação adrenérgica, e ao suprimir a pós-carga mediada pela
hipertrofia miocárdica e disfunção ventricular subjacente.

Outros inodilatadores
Vários outros agentes apresentam simultaneamente propriedades
inotrópicas positivas e vasodilatadoras, sendo que alguns deles podem
ser administrados por via oral. O uso destes fármacos induz melhorias
nos sintomas da ICC, bem como do estado funcional e do perfil
hemodinâmico, embora não esteja associado a uma diminuição da
mortalidade. De facto, alguns destes fármacos até se encontram
associados a um aumento da mortalidade – de entre esses fármacos,
destaque para a ibopamina (um agonista dopaminérgico), vesnarinona
(que é um inibidor da fosfodiesterase), pimobendan e nilidrina
(bufenina). Este último fármaco é um agonista β-adrenérgico com
propriedades vasodilatadoras, sendo usado na terapia de perturbações
da circulação periférica, tais como a síndrome de Raynaud.

Terapias futuras
A ICC caracteriza-se pela ocorrência de disfunção vascular, a qual
constitui um importante alvo farmacoterapêutico em pacientes com esta
patologia. De facto, de acordo com o paradigma actual, os vasos
sanguíneos constituem estruturas dinâmicas essenciais para a normal
função miocárdica. Ora, os níveis elevados de stress inflamatório
observados nos pacientes com ICC podem perturbar a reactividade
vascular, ao interferirem com as vias de sinalização participantes no
processo de vasodilatação. A diminuição da reactividade vascular está
associada a menor tolerância ao esforço físico, bem como a um pior
prognóstico clínico.

A título de exemplo, na disfunção ventricular esquerda, ocorre sobre-


activação do eixo renina-angiotensina-aldosterona, o que leva ao
desenvolvimento de hiperaldosteronismo. Por seu turno, o
hiperaldosteronismo perturba, simultaneamente, a reactividade vascular
dependente do endotélio e independente do endotélio - em termos
moleculares, este processo depende do aumento dos níveis de
espécies reactivas de oxigénio, da diminuição dos níveis endógenos de
enzimas anti-oxidantes, e da diminuição dos níveis de NO disponíveis.
Assim, a inibição dos receptores da aldosterona atenua os efeitos
indesejáveis do hiperaldosteronismo na disfunção vascular, induzindo
um decréscimo significativo da morbilidade e mortalidade associada à
ICC.

Oxídase da xantina e disfunção vascular


A oxídase da xantina (XO) é um enzima necessária para o normal
metabolismo das purinas, catalisando a oxidação da hipoxantina em
xantina e, subsequentemente, da xantina em ácido úrico. Ora, essa
última reacção gera superóxido, de tal modo que níveis elevados de
ácido úrico estão associados com o desenvolvimento de ICC. De facto,
as células endoteliais vasculares contêm elevadas quantidades de XO,
pensando-se, por isso, que o aumento do superóxido gerado pela XO
perturba a reactividade vascular em pacientes com ICC.

O alopurinol, um inibidor da XO, diminui a génese de radicais livres de


oxigénio e, por conseguinte, melhora a capacidade de vasodilatação
arterial periférica, bem como o fluxo sanguíneo de pacientes
hiperuricémicos com ICC ligeira secundária a disfunção sistólica. Por
outro lado, o probenecid, que promove a eliminação de urato (não
exercendo qualquer efeito na actividade da XO), não parece influenciar
a reactividade vascular.
Estatinas e disfunção vascular
A redútase do HMG-CoA catalisa a formação do mevalonato, um
importante percursor bioquímico do colesterol. Contudo, de acordo com
dados recentes, parecem existir vias de sinalização comuns ao
metabolismo do mevalonato e à inflamação e stress oxidativo. Assim, as
estatinas (inibidores da redútase do HMG-CoA) parecem exercer vários
efeitos cardiovasculares benéficos, os quais não passam apenas pela
redução dos níveis de LDL – esses efeitos benéficos incluem
remodelagem ventricular esquerda positiva, aumento do fluxo
sanguíneo arterial, e diminuição da agregação plaquetária.

Os produtos intermediários do metabolismo do mevalonato aumentam


os níveis de stress oxidativo e diminuem os níveis de NO disponível,
exercendo efeitos nefastas na função ventricular. Ora, as estatinas
inibem essas vias deletérias, restaurando a função vascular dependente
e independente do endotélio.

Assim, o uso de estatinas revela-se benéfico em pacientes com ICC,


estando associado a uma redução da mortalidade destes indivíduos.
Para além disso, pensa-se que as estatinas possam atrasar o
desenvolvimento de ICC em pacientes com doença cardíaca isquémica.

Activadores directos da guanilil cíclase solúvel


O cGMP é uma molécula essencial para o normal relaxamento das
células musculares lisas. Ora, a formação de cGMP a partir de GTP é
catalisada pela guanilil cíclase solúvel (sGC), uma enzima estimulada
pelo NO.

Níveis elevados de stress oxidativo estão associados a uma inactivação


da sGC. De facto, o stress oxidativo pode levar a que a sGC deixe de
responder ao NO, o que perturba as vias de sinalização envolvidas na
vasodilatação (as quais se revelam essenciais para a normal função
vascular).

Os nitratos orgânicos induzem um aumento dos níveis de NO e, como


tal, promovem a activação da sGC. Contudo, é possível desenvolver
tolerância a estes fármacos – actualmente, pensa-se que o
desenvolvimento de tolerância aos nitratos é parcialmente explicado
pela conversão de sGC para um estado insensível ao NO.

Por seu turno, os compostos BAY (tais como o BAY 58-2667 ou


cinaciguat) activam a sGC através de mecanismos independentes do
NO, promovendo um normal função desta enzima mesmo na presença
de stress oxidativo. De entre os principais efeitos adversos dos
compostos BAY, destaque para as cefaleias e hipotensão.

O uso de BAY 58-2667 em pacientes com ICC parece estar associado a


um decréscimo significativo da pressão capilar pulmonar, pressão
auricular direita média, pressão arterial pulmonar média, resistência
vascular pulmonar, e resistência vascular sistémica. Para além disso,
este fármaco parece aumentar o débito cardíaco.

Resumo clínico
Em pacientes assintomáticos com disfunção ventricular esquerda ou
disfunção diastólica, ocorre activação de mecanismos neuro-humorais
compensatórios – apesar de procurarem manter a função
cardiovascular, estes mecanismos agravam a progressão da doença.
Assim, em pacientes com este quadro clínico, implementa-se uma
terapia focada na atenuação da activação neuro-humoral sustentada,
sendo administrados β-bloqueadores, IECAs ou antagonistas dos
receptores AT1.

Na maior parte dos casos, ocorre progressão indesejada para ICC


sintomática, por desenvolvimento de perturbações anormais na
hemodinâmica cardiovascular. Nestes pacientes, implementa-se uma
terapia focada no alívio sintomático e na prevenção da progressão da
ICC. Ora, estes objectivos podem ser conseguidos com recurso ao uso
de diuréticos, IECAs e agentes que diminuam a pré e pós-carga.

Os pacientes sintomáticos com descompensação hemodinâmica


necessitam de ser hospitalizados, uma vez que a terapia com
vasodilatadores ou diuréticos orais não se revela per se adequada para
reestabelecer a euvolémia e a normal perfusão periférica. Assim, nestes
indivíduos, procede-se à administração parentérica de vasodilatadores e
agentes inotrópicos, procurando-se reestabelecer o normal débito
cardíaco e inibir a retenção de sódio e água. De referir que, o
tratamento deste quadro revela-se mais complicado em pacientes que
também manifestem insuficiência renal e/ou hipotensão.

Por fim, os pacientes com ICC que se encontram persistentemente


sintomáticos ou hemodinamicamente instáveis devem ser alvo de uma
terapia muito mais intensa, a qual pode incluir re-sincronização
cardíaca, a implantação de aparelhos de assistência mecânica,
intervenções cirúrgicas de alto-risco, ou transplante cardíaco. Note-se
que, apesar dos inúmeros avanços farmacoterapêuticos, os pacientes
com ICC grave ou terminal continuam a apresentar um mau
prognóstico.
Terapia da hipertensão
Introdução
A hipertensão constitui a doença cardiovascular mais comum, sendo
um importante factor de risco para o desenvolvimento de AVC, doença
coronária (e, por conseguinte, isquemia e enfarte do miocárdio),
insuficiência cardíaca, insuficiência renal e aneurisma dissecante da
aorta.

Em termos clínicos, a hipertensão consiste num aumento sustentado da


pressão arterial para valores superiores a 140/90 mm Hg. Contudo, o
risco de desenvolvimento de eventos cardiovasculares adversos
aumenta de modo contínuo a partir de valores de pressão arterial
superiores a 120/80 mm Hg.

Os pacientes com pressões arteriais muito elevadas correm o risco de


desenvolver arteriopatia fulminante, uma condição caracterizada pela
presença de lesões endoteliais e pela proliferação significativa de
células da túnica íntima – esta proliferação resulta na ocorrência de
oclusão arteriolar, a qual pode atingir o leito renal (induzindo
insuficiência renal), o leito encefálico (associando-se ao
desenvolvimento de encefalopatia hipertensiva), o leito cardíaco
(induzindo insuficiência cardíaca congestiva) e o leito pulmonar (levando
ao desenvolvimento de edema pulmonar). Assim, a arteriopatia
fulminante constitui uma condição potencialmente fatal, sendo que os
pacientes com este quadro deverão receber um tratamento de
emergência, que passa pela diminuição rápida da sua pressão arterial.

A arteriopatia fulminante constitui uma situação de crise aguda


hipertensiva. Todavia, na maior parte dos casos, a hipertensão
manifesta-se de modo crónico. Nessas situações, esta patologia deverá
ser tratada de modo gradual, não se devendo proceder a reduções
bruscas da pressão arterial, na medida em que estas acarretam várias
consequências deletérias (vide infra).

O prognóstico da hipertensão revela-se mais grave em pacientes que


simultaneamente manifestem alterações patológicas em alguns órgãos-
alvo. De facto, para um dado valor de pressão arterial, a presença de
hemorragias retinais, exsudados e papiledema ocular indica um pior
prognóstico a curto-prazo. Por seu turno, a hipertrofia ventricular
esquerda associa-se com um pior prognóstico a longo prazo, na medida
em que aumenta o risco de desenvolvimento de morte súbita por
eventos cardiovasculares.

Assim, a terapia farmacológica da hipertensão procura diminuir a


morbilidade e mortalidade resultante das consequências da hipertensão.
De facto, uma terapia anti-hipertensiva eficaz reduz significativamente o
risco de AVC, insuficiência cardíaca e insuficiência renal.

A pressão arterial resulta do produto entre o débito cardíaco e a


resistência vascular periférica, de tal modo que os anti-hipertensores
podem exercer os seus efeitos, actuando na resistência vascular
periférica, no débito cardíaco, ou em ambos. De facto, estes fármacos
podem diminuir o débito cardíaco, ao inibirem a contractilidade
miocárdica, ou ao diminuírem a pressão de enchimento ventricular (esta
diminuição pode ser conseguida com recurso a alterações do tónus
venoso ou do volume sanguíneo). Por outro lado, os anti-hipertensores
podem diminuir a resistência vascular periférica, ao promoverem o
relaxamento dos vasos de resistência, ou ao interferirem com a
actividade dos sistemas que estimulam a contracção desses mesmos
vasos (o sistema nervoso simpático e o sistema renina-angiotensina-
aldosterona constituem exemplos destes dois sistemas).

Na terapia da hipertensão, é frequente proceder à administração de


vários fármacos. Contudo, esses fármacos deverão ser de diferentes
classes, devendo actuar por mecanismos distintos. Caso contrário, a
adição de vários fármacos não traz qualquer vantagem em relação ao
uso isolado de apenas um desses fármacos.

A resposta aos agentes anti-hipertensores é alvo de inúmeras variações


inter-individuais.

Embora a etnia e a idade do paciente possam influenciar a sensibilidade


a um dado anti-hipertensor, estes não constituem os principais factores
determinantes dessa resposta. De facto, a presença de polimorfismos
nos genes que codificam para as moléculas envolvidas na fisiopatologia
da hipertensão (ou na metabolização dos respectivos fármacos) revela-
se mais importante neste contexto.
Diuréticos

Diuréticos tiazídicos
Os diuréticos tiazídicos são capazes de proceder à alteração
farmacológica do equilíbrio de sódio, sendo frequentemente utilizados
na terapia da hipertensão. De facto, para além de apresentarem um
efeito anti-hipertensor per se, estes fármacos aumentam a eficácia de
quase todos os restantes anti-hipertensores.

Em termos moleculares, os tiazídicos são classificados em diuréticos


benzotiadiazínicos (diuréticos tiazídicos stricto sensu) e não-
benzotiadiazínicos (diuréticos thiazide-like). As benzotiadiazinas
apresentam uma estrutura arilsulfonamida e incluem, entre outros, a
hidroclorotiazida. Por seu turno, os diuréticos thiazide-like apresentam
uma estrutura distinta e incluem, entre outros, a clortalidona e a
indapamida.

Mecanismo de acção

Desconhece-se ainda o mecanismo exacto através do qual estes


fármacos diminuem a pressão arterial. Contudo, sabe-se que,
inicialmente, os diuréticos diminuem o volume extracelular, ao
interagirem com o co-transportador Na/Cl sensível aos tiazídicos
(transportador NCC, codificado pelo gene SLC12A3), que é expresso
no túbulo contornado distal. Assim, os tiazídicos promovem a excreção
urinária de sódio (e água), diminuindo o débito cardíaco. Todavia,
enquanto o débito cardíaco e o volume extracelular regressam
rapidamente aos seus valores basais pré-tratamento, o efeito hipotensor
destes fármacos mantém-se durante longos períodos de tempo. Deste
modo, percebe-se que a redução do débito cardíaco não explica
completamente o mecanismo de acção dos diuréticos tiazídicos.

Adicionalmente, sabe-se que os diuréticos tiazídicos induzem


vasodilatação e, por conseguinte, uma diminuição da resistência
vascular periférica. Embora se pense que este constitui o principal
mecanismo responsável pelo efeito hipotensor dos tiazídicos,
desconhecem-se os mecanismos moleculares subjacentes a este
processo.

A hidroclorotiazida parece abrir canais de potássio activados por


sódio, induzindo a hiperpolarização das células musculares lisas
vasculares - por sua vez, isto leva a um fecho dos canais de cálcio do
tipo L, o que impede a entrada de cálcio para o meio intracelular e, por
conseguinte, a contracção destas células. Para além disso, a
hidroclorotiazida inibe a anídrase carbónica vascular, uma enzima que,
ao alterar o pH das células musculares lisas, promove a abertura dos
canais de potássio activados por cálcio.

Por fim, ao actuarem no NCC, os tiazídicos induzem um balanço de


sódio negativo, o qual poderá contribuir para a diminuição da resistência
vascular periférica. Ora, esta hipótese é coerente com a perda de
eficácia dos tiazídicos observada em pacientes com insuficiência renal.
Para além disso, os pacientes com mutações no gene SLC12A3 que
levem a um decréscimo da reabsorção renal de sódio apresentam
pressões arteriais inferiores aos restantes.

Propriedades farmacocinéticas e considerações clínicas

Os fármacos pertencentes à classe dos tiazídicos apresentam


propriedades farmacológicas similares, mas propriedades
farmacocinéticas e farmacodinâmicas distintas, de tal modo que estes
fármacos não apresentam necessariamente a mesma eficácia clínica no
tratamento da hipertensão.

De facto, a clortalidona parece exercer uma acção anti-hipertensora


mais eficaz que a hidroclorotiazida, sendo que estas diferenças são
mais significativas durante a noite, algo que se poderá dever ao facto da
clortalidona apresentar um maior tempo de semi-vida. Para além disso,
pensa-se que o uso de clortalidona esteja associado a uma diminuição
do risco de desenvolvimento de eventos cardiovasculares adversos.

A resposta despoletada pelos tiazídicos depende da dose administrada


destes fármacos. De facto, doses muito reduzidas podem não se revelar
eficazes nem exercer um efeito cardio-protector. Por oposição, doses
muito elevadas podem se revelar deletérias, estando associadas a um
aumento do risco de morte súbita por eventos cardiovasculares. Assim,
caso a dose máxima recomendada de um tiazídico não seja suficiente
para reduzir a pressão arterial, deve ser introduzido um novo fármaco
na terapia (em vez de se proceder ao aumento da dose do tiazídico).

Os tiazídicos aumentam a perda urinária de potássio, o que se pode


revelar deletério. Por seu turno, os IECAs e os ARB atenuam
parcialmente a perda de potássio induzida pelos diuréticos, de tal modo
que, o uso combinado dos tiazídicos e IECAs/ARB se revela benéfico
na terapia da hipertensão. Para além disso, quando estes fármacos são
co-administrados, verifica-se um aumento significativo dos seus efeitos
diuréticos e hipotensivos.

Assim, os diuréticos são frequentemente administrados em conjunto com


outros fármacos anti-hipertensores, gerando-se um efeito aditivo. De facto,
para além de serem eficazes per se, os diuréticos minimizam a retenção de
sódio e água que é frequentemente causada pelos vasodilatadores e por
alguns fármacos simpatolíticos. Assim, a não-administração ou a sub-
dosagem de um diurético constitui uma causa frequente de “hipertensão
resistente”.

Contrariamente ao que está indicado aquando da monoterapia com


tiazídicos, em situações de hipertensão grave que não responda a três
ou mais anti-hipertensores, poderão ser administradas doses maiores
de diuréticos tiazídicos. Alternativamente, em alguns desses pacientes,
pode se recorrer ao uso de diuréticos de elevada capacidade (tais como
a furosamida), sobretudo se a função renal não se encontrar normal. A
restrição alimentar de sódio revela-se também benéfica na terapêutica
destes pacientes, na medida em que minimiza as doses de diuréticos
necessárias, diminuindo o risco de desenvolvimento de hipocalémia e
alcalose.

De referir que, a eficácia dos tiazídicos diminui progressivamente à


medida que a taxa de filtração glomerular atinge valores inferiores a 30
mL/minuto. A metolazona e a indapamida constituem duas notáveis
excepções, na medida em que mantêm a sua eficácia em pacientes
com insuficiência renal.
Efeitos adversos

A disfunção eréctil constitui o principal efeito adverso resultante do uso


de tiazídicos. Para além disso, estes fármacos induzem hiperuricemia,
sendo que este fenómeno pode levar ao desenvolvimento de gota - de
qualquer modo, a presença de gota aguda constitui um fenómeno
relativamente raro, aquando da administração de baixas doses de
diuréticos.

A hidroclorotiazida pode causar hiponatrémia grave e de rápida


instalação. Para além disso, os tiazídicos inibem a excreção renal de
cálcio, potenciando o desenvolvimento de hipercalcémia, sendo que
este fenómeno revela-se particularmente grave nos pacientes com
hiperparatiroidismo primário. Apesar disso, o efeito hipercalcémico dos
tiazídicos pode se revelar benéfico em pacientes com osteoporose ou
hipercalciúria.

Como referido anteriormente, os tiazídicos induzem perdas de potássio,


cuja magnitude depende da dose de tiazídicos administrada, bem como
das características do próprio paciente. Note-se que, em situações de
administração crónica, mesmo baixas doses de tiazídicos podem causar
depleção de potássio. Ora, a depleção de potássio potencia o
desenvolvimento de torsades de pointes e fibrilação ventricular, de tal
modo que os tiazídicos não devem ser administrados em conjunto com
outros fármacos que potenciem o desenvolvimento de torsades de
pointes. Por oposição, a administração simultânea de um tiazídico com
um agente poupador de potássio reduz o risco de desenvolvimento de
morte súbita cardíaca.

O uso de diuréticos tiazídicos está associado a alterações dos lipídeos


plasmáticos e da tolerância à glicose, embora se desconheça o
significado clínico dessa associação. Apesar disso, os diuréticos
tiazídicos estão associados a uma diminuição do risco cardiovascular.

Todos os diuréticos tiazídicos são capazes de atravessar a placenta,


embora se pense que estes fármacos não exerçam efeitos adversos
directos no feto. Todavia, caso a administração de um tiazídico comece
durante a gravidez, gera-se um risco aumentado de depleção transitória
de volume, que poderá resultar na ocorrência de hipoperfusão
placentária. Para além disso, os tiazídicos aparecem no leite materno,
motivo pelo qual devem ser evitados pelas mulheres em amamentação.

Outros diuréticos anti-hipertensores


Em pacientes com normal função renal, os tiazídicos constituem
agentes anti-hipertensores mais eficazes que os diuréticos de ansa.
Este efeito diferencial parece estar relacionado com a curta duração de
acção dos diuréticos de ansa – de facto, contrariamente ao que se
verifica com os tiazídicos, a administração de uma única dose diária de
um diurético de ansa não assegura uma perda significativa de sódio ao
longo de um período de 24 horas. Por outro lado, caso os diuréticos de
ansa sejam administrados com uma frequência diária superior, gera-se
uma diurese aguda excessiva, que pode levar ao desenvolvimento de
mais efeitos adversos que os que seriam obtidos com o uso de
tiazídicos.

Assim, os diuréticos de ansa revelam-se mais eficazes na produção de


uma natriurese rápida e profunda, algo que se pode revelar deletério no
tratamento da hipertensão. De facto, os diuréticos de ansa revelam-se
mais úteis em pacientes com azotemia ou com edema grave associado
a um vasodilatador.

A amilorida é um diurético poupador de potássio que demonstra


alguma eficácia na diminuição da pressão arterial. A espironolactona
constitui outro diurético poupador de potássio capaz de reduzir a
pressão arterial – todavia, este fármaco apresenta vários efeitos
adversos, nomeadamente disfunção eréctil, ginecomastia e hiperplasia
benigna da próstata. Tal como a espironolactona, a eplerenona também
actua como um antagonista do receptor da aldosterona, embora não
apresente efeitos adversos de cariz sexual. Por fim, o triamtereno é um
diurético poupador de potássio que diminui o risco de hipocalémia em
pacientes tratados com tiazídicos, mas que se revela incapaz per se de
diminuir a pressão arterial.

Os diuréticos poupadores de potássio devem ser usados


cautelosamente, sobretudo, em pacientes com predisposição para o
desenvolvimento de hipercalémia. Ora, vários fármacos aumentam o
risco de desenvolvimento de hipercalémia, de entre os quais se
destacam os IECAs e os ARB. Para além disso, a presença de
insuficiência renal torna os pacientes mais susceptíveis ao
desenvolvimento de hipercalémia, motivo pelo qual a presença desta
patologia constitui uma contra-indicação relativa para o uso de
diuréticos poupadores de potássio.

Interacções farmacológicas
O efeito anti-hipertensor dos diuréticos é frequentemente aditivo ao de
outros agentes anti-hipertensores, de tal modo que os diuréticos são
frequentemente co-administrados com outros fármacos.

Os tiazídicos e os diuréticos de ansa favorecem a depleção de potássio


e magnésio, o que pode potenciar o desenvolvimento de arritmias (tais
como as arritmias induzidas pelos digitálicos). Para além disso, os
corticosteróides são capazes de amplificar a hipocalémia produzida
pelos diuréticos. De referir que os diuréticos são capazes de diminuir a
clearance de lítio, aumentando as concentrações plasmáticas (e
potencial toxicidade) deste ião.

Os anti-inflamatórios não-esteróides (AINEs) e os inibidores


selectivos da ciclo-oxigénase-2 reduzem os efeitos anti-hipertensores
dos diuréticos. Por outro lado, os AINEs, os bloqueadores β e os IECAs
diminuem as concentrações plasmáticas de aldosterona, podendo
potenciar os efeitos hipercalémicos dos diuréticos poupadores de
potássio.

Agentes simpatolíticos

Antagonistas dos receptores adrenérgicos β


Mecanismo de acção

Os β-bloqueadores exercem um vasto conjunto de acções no sistema


cardiovascular, na medida em que diminuem a contractilidade
miocárdica, a frequência cardíaca e o débito cardíaco. Os receptores β
do aparelho justa-glomerular constituem importantes alvos destes
fármacos, sendo que o bloqueio desses receptores leva a uma redução
da secreção de renina e, por conseguinte, da produção de Ang II. Ora,
isto parece contribuir de modo determinante para acção anti-
hipertensora dos β-bloqueadores, embora não constitua o único
mecanismo através do qual estes fármacos regulam a pressão arterial –
a título de exemplo, o labetalol também bloqueia os receptores α-
adrenérgicos, enquanto o nebivolol também se revela capaz de actuar
no endotélio, levando à ocorrência de vasodilatação.

Efeitos farmacológicos

Todos os β-bloqueadores apresentam importantes propriedades anti-


hipertensoras, embora manifestem diferentes propriedades
farmacocinéticas e efeitos laterais. Essas variações devem-se ao facto
de os β-bloqueadores diferirem em vários parâmetros, nomeadamente
na sua selectividade para os receptores β1, na presença de actividade
simpatomimética parcial, e na sua capacidade vasodilatadora.

Os fármacos sem qualquer actividade simpaticomimética (ou seja, os


antagonistas β stricto sensu) induzem uma redução inicial do débito
cardíaco e um subsequente aumento reflexo da resistência periférica,
sem que isso se traduza inicialmente por alterações da pressão arterial.
Contudo, a redução persistente do débito cardíaco leva a que, mais
tardiamente, ocorra uma diminuição da pressão arterial.

Por oposição, os β-bloqueadores com acção agonista parcial induzem


menores decréscimos da frequência cardíaca e do débito cardíaco.
Assim, o efeito anti-hipertensor destes fármacos parece se dever à sua
estimulação (parcial) dos receptores β2 vasculares, os quais medeiam
uma resposta vasodilatadora. Assim, no caso dos β-bloqueadores com
acção agonista parcial, a diminuição da pressão arterial deve-se
fundamentalmente a um decréscimo da resistência vascular periférica.

A existir, o significado clínico destes achados permanece desconhecido.


Contudo, pensa-se que, comparativamente a outros fármacos, alguns β-
bloqueadores (tais como o atenolol) se revelem menos eficazes na
diminuição do risco de desenvolvimento de eventos cardiovasculares
adversos.
Efeitos adversos

Os β-bloqueadores devem ser evitados em pacientes com asma ou com


disfunção dos nós sinusal ou AV. Assim, estes fármacos não devem ser
co-administrados com outros fármacos que inibam a condução do nó AV
(tais como o verapamil).

Em termos metabólicos, os β-bloqueadores aumentam o risco de


hipoglicemia em diabéticos que estejam a tomar insulina. Por outro lado,
os β-bloqueadores sem actividade simpaticomimética intrínseca
aumentam os níveis plasmáticos de triacilglicerídeos e diminuem os
níveis plasmáticos de colesterol HDL, sem que isso resulte numa
alteração do nível de colesterol total. Por seu turno, os β-bloqueadores
com actividade agonista parcial desempenham um efeito desprezável
no perfil lipídico.

A descontinuação súbita dos β-bloqueadores pode despoletar uma


síndrome de abstinência, consequente à up-regulation dos receptores
β-adrenérgicos – de facto, o bloqueio crónico dos receptores β leva a
um aumento da expressão destes receptores, o que induz um aumento
da sensibilidade tecidular às catecolaminas tecidulares. Assim, aquando
da remoção abrupta dos β-bloqueadores, verifica-se uma resposta
exagerada à acção das catecolaminas, o que pode levar ao
restabelecimento de hipertensão.

Alguns AINEs (tais como a indometacina) são capazes de atenuar o


efeito anti-hipertensor do propranolol e, provavelmente, de outros β-
bloqueadores. Este efeito parece estar relacionado com a inibição da
síntese vascular de prostaciclina, bem como com a retenção de sódio.

Interacções com a adrenalina

Aquando do uso de um β-bloqueador não-selectivo, a adrenalina pode


induzir hipertensão grave, a qual resulta da estimulação não-oposta dos
receptores α-adrenérgicos. De facto, os bloqueadores β-bloqueadores
não selectivos bloqueiam os receptores β2, que, quando activados,
manifestam um efeito anti-hipertensor oposto ao efeito resultante da
activação dos receptores α-adrenérgicos.
Normalmente, os β-bloqueadores induzem uma resposta anti-
hipertensora. Assim, a presença de tais respostas hipertensoras
paradoxais em resposta ao uso de β-bloqueadores, apenas é
observável em situações muito particulares, tais como aquando do
consumo ilícito de cocaína.

Usos terapêuticos

Os β-bloqueadores podem ser utilizados na terapia da hipertensão de


qualquer grau. De facto, estes fármacos constituem os agentes de
primeira escolha para o tratamento de pacientes hipertensos que
apresentem simultaneamente doença cardíaca isquémica, enfarte do
miocárdio, ou insuficiência cardíaca congestiva.

Normalmente, os β-bloqueadores não causam retenção de sódio e


água, de tal modo que a administração de um diurético não se revela
necessária para evitar o desenvolvimento de edema ou tolerância.
Todavia, os diuréticos e os β-bloqueadores apresentam efeitos anti-
hipertensores aditivos, de tal modo que a co-administração destes
fármacos pode-se revelar benéfica.

De referir que, não obstante as diferenças nas suas propriedades


farmacocinéticas, todos os β-bloqueadores revelam-se eficazes quando
administrados apenas uma ou duas vezes por dia.

Antagonistas dos receptores adrenérgicos α1


Efeitos farmacológicos

Alguns antagonistas dos receptores adrenérgicos α1,


nomeadamente a prazosina, a terazosina e a doxazosina, são
utilizados como anti-hipertensores. Numa fase inicial da terapia, os
bloqueadores α1 reduzem a resistência arteriolar e aumentam a
capacitância venosa – ora, isto induz um aumento reflexo da frequência
cardíaca e da actividade da renina plasmática. Contudo, este efeito é
transitório, deixando de se verificar com a continuação da terapia –
assim, com o passar do tempo, passa a ocorrer um predomínio do efeito
vasodilatador dos antagonistas α1, o qual constitui o principal
responsável pelo seu efeito hipotensor.

O uso de bloqueadores α1 induz hipotensão postural, cuja magnitude


depende do volume plasmático. De facto, em muitos pacientes, ocorre
retenção de sódio e água, o que atenua o desenvolvimento dessa
hipotensão postural. Por oposição, a terapia com bloqueadores α1 não
induz alterações do fluxo sanguíneo renal.

Os antagonistas dos receptores α1 reduzem as concentrações


plasmáticas de triacilglicerídeos e colesterol LDL total, aumentando os
níveis de colesterol HDL. Estes efeitos benéficos no perfil lipídico
mantêm-se mesmo aquando da co-administração de um diurético
tiazídico.

Efeitos adversos

O uso isolado de doxazosina está associado a um maior risco de


desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva. Desconhece-se,
contudo, se este efeito também se verifica aquando do uso isolado dos
restantes bloqueadores α1.

O uso de bloqueadores α1 está associado ao desenvolvimento de um


importante fenómeno de primeira-dose, caracterizado pela ocorrência
de hipotensão ortostática sintomática durante os primeiros 30-90
minutos subsequentes à administração das doses iniciais destes
fármacos. Contudo, com a continuação da terapia, os pacientes
desenvolvem tolerância a este importante efeito hipotensivo.

Usos terapêuticos

Os bloqueadores α1 não devem ser administrados isoladamente a


pacientes hipertensos. De facto, estes fármacos deverão apenas ser
administrados em conjunto com outros agentes anti-hipertensores, tais
como os diuréticos ou os β-bloqueadores (os quais aumentam a eficácia
dos bloqueadores α1).

Os bloqueadores α1 revelam-se particularmente benéficos em pacientes


hipertensos com hiperplasia benigna da próstata, na medida em que
também melhoram a sintomatologia urinária. Todavia, estes fármacos
não estão indicados para pacientes com feocromocitomas, na medida
em que a adrenalina continua a ser capaz de se ligar aos receptores
adrenérgicos α2, despoletando uma resposta vasoconstrictora.

Antagonistas mistos dos receptores adrenérgicos β e


α1
Labetalol

O labetalol constitui uma mistura equimolar de quatro estereoisómeros.


Um desses isómeros é um antagonista α1, enquanto outro é um antagonista
β não-selectivo com actividade agonista parcial. Já os restantes dois
isómeros são inactivos.

O labetalol é capaz de bloquear os receptores adrenérgicos α1, de tal


modo que a sua administração por via intra-venosa permite uma rápida
redução da pressão arterial, algo que se revela particularmente útil em
situações de crises hipertensivas.

Carvedilol

O carvedilol é um bloqueador dos receptores adrenérgicos β e α1,


sendo utilizado no tratamento da hipertensão e da insuficiência cardíaca
congestiva. Em termos farmacocinéticos, o carvedilol sofre uma ampla
biotransformação hepática, nomeadamente através de processos de
oxidação (os quais são mediados pela CYP2D6) e glicurono-
conjugação.

O carvedilol reduz a mortalidade dos pacientes com insuficiência


cardíaca congestiva associada a disfunção sistólica (sobretudo, quando
administrado em conjunto com diuréticos e IECAs), embora não deva
ser administrado a pacientes com insuficiência cardíaca
descompensada.

De referir que, tal como se verifica com o labetalol, a eficácia e efeitos


adversos do carvedilol resultam da combinação das suas acções β-
bloqueadoras e α1-bloqueadoras.
Nebivolol

O nebivolol é um bloqueador selectivo β1, que também apresenta


efeitos vasodilatadores, os quais não se devem ao bloqueio dos
receptores α1. De facto, os efeitos vasodilatadores do nebivolol devem-
se à sua capacidade de promover a síntese endotelial de NO e, por
conseguinte, de aumentar o relaxamento do músculo liso arterial. Para
além disso, o nebivolol actua como um agonista dos receptores β3,
embora o significado clínico desse efeito permaneça desconhecido.

Metildopa
metildopa (α-metil-3,4-dihidroxi-L-fenilalanina) é um agente anti-
hipertensor de acção central. Esta substância é um pró-fármaco, que
deverá ser convertido no seu metabolito activo (α-metildopamina) para
poder exercer as suas acções anti-hipertensoras. A metildopa acarreta
um vasto rol de efeitos adversos, de tal modo que, actualmente, este
fármaco apenas é usado na gravidez (onde, curiosamente, se revela
deveras seguro).

A metildopa constitui um análogo da DOPA, sendo metabolizada nos


neurónios adrenérgicos em α-metildopamina pela descarboxílase dos
aminoácidos aromáticos. Por seu turno, a α-metildopamina é
convertida em α-metilnoradrenalina, a qual é armazenada nas
vesículas secretoras dos neurónios adrenérgicos, em substituição da
noradrenalina. Consequentemente, aquando da estimulação dos
neurónios adrenérgicos, ocorre libertação preferencial de α-
metilnoradrenalina (e não de noradrenalina). Por sua vez, a α-
metilnoradrenalina actua no sistema nervoso central, inibindo as vias
neuronais adrenérgicas com origem no tronco cerebral.

Para além disso, a α-metilnoradrenalina actua como um agonista dos


receptores adrenérgicos α2 pré-sinápticos, inibindo a libertação de
noradrenalina por parte destes neurónios. Ora, esse efeito resulta numa
menor activação central do sistema nervoso simpático.

Farmacocinética
A metildopa é uma pró-fármaco, de tal modo que as suas
concentrações plasmáticas influenciam os seus efeitos de modo pouco
significativo. De facto, embora este fármaco apresente um tempo de
semi-vida de duas horas, as suas acções prolongam-se por um período
de cerca de 24 horas.

A metildopa é maioritariamente excretada por via renal sob a forma de


um conjugado de sulfato, embora uma fracção menor seja excretada de
forma intacta. O tempo de semi-vida deste fármaco encontra-se
aumentado em pacientes com insuficiência renal, os quais são mais
sensíveis ao efeito anti-hipertensor da metildopa.

Efeitos adversos

A metildopa produz uma sedação transitória, sendo que, em alguns


pacientes, este fármaco pode induzir uma diminuição persistente da
energia psíquica (a qual, em alguns casos, pode levar ao
desenvolvimento de depressão). Para além disso, a metildopa pode
provocar secura da boca, diminuição da líbido, sinais parkinsonianos e
bradicardia grave. Este fármaco pode ainda causar hiperprolactinemia,
que, caso seja demasiado grave, pode cursar com ginecomastia e
galactorreia.

A metildopa apresenta alguns efeitos adversos que não se encontram


relacionados com a sua acção farmacológica, nomeadamente:

Hepatotoxicidade: Este evento é relativamente raro, mas deveras


grave

Anemia hemolítica: Este fenómeno deve-se à génese de


anticorpos contra o antigénio Rh dos eritrócitos. A descontinuação
da terapia com metildopa permite reverter este fenómeno, embora
os casos de hemólise mais grave devam ser tratados com recurso
a glicocorticóides.

Efeitos adversos ainda mais raros, nomeadamente, leucopenia,


trombocitopenia, aplasia dos eritrócitos, síndrome lupus-like,
erupções cutâneas granulomatosas, miocardite, fibrose retro-
peritoneal, pancreatite, diarreia e má-absorção.
Usos terapêuticos

A metildopa é o fármaco de eleição para o tratamento da hipertensão na


gravidez, dado ser segura e eficaz para a mãe e para o feto.

Clonidina, guanabenz e guanfacina


A clonidina, o guanabenz e a guanfacina são agonistas adrenérgicos
α2 que actuam nos receptores α2A do tronco cerebral, induzindo uma
diminuição do tónus simpático. Assim, a administração destes fármacos
leva a uma diminuição indirecta das concentrações plasmáticas de
noradrenalina.

Quando administrados em doses superiores às necessárias para


estimular os receptores α2A centrais, estes fármacos passam também a
activar os receptores α2B das células do músculo liso vascular,
induzindo vasoconstrição. Ora, essa vasoconstrição parece ser
responsável pela perda de efeito terapêutico que se observa com a
administração de doses elevadas destes fármacos.

Efeitos farmacológicos

Os agonistas dos receptores α2 diminuem a pressão arterial, ao diminuírem


simultaneamente o débito cardíaco e a resistência vascular periférica. Em
decúbito, quando o tónus simpático é baixo, o principal efeito destes
fármacos prende-se com a remoção simultânea da frequência cardíaca e do
volume de ejecção. Por oposição, na posição ortostática, onde o tónus
simpático é superior, estes fármacos reduzem a resistência vascular, sendo
que este efeito pode levar ao desenvolvimento de hipotensão postural.

Efeitos adversos

Os agonistas dos receptores α2 induzem vários efeitos adversos, sendo


que alguns se revelam deveras frequentes. De facto, o uso destes
fármacos leva frequentemente ao desenvolvimento de sedação e
xerostomia, a qual se acompanha frequentemente de secura das
mucosas, secura dos olhos, alargamento da glândula parotídea e dor.
Note-se que, quando administrada por via transdérmica, a clonidina
induz menor risco de boca seca ou sedação, mas maior risco de
dermatite de contacto.
Para além disso, estes fármacos podem causar hipotensão postural,
disfunção eréctil e perturbações do sistema nervoso central, incluindo
alterações do sono (sonhos ou pesadelos muito intensos), irrequietude
e depressão.

Por outro lado, os agonistas dos receptores α2 apresentam vários


efeitos laterais de cariz cardiovascular. De facto, a diminuição do tónus
simpático cardíaco leva a uma redução da contractilidade miocárdica e
da frequência cardíaca, o que pode levar ao desenvolvimento de
insuficiência cardíaca congestiva em pacientes susceptíveis. Para além
disso, estes fármacos podem induzir bradicardia sintomática (em
pacientes com disfunção do nó sinusal) e bloqueio AV (em pacientes
com perturbações do nó AV).

A descontinuação súbita dos agonistas dos receptores α2 pode


despoletar uma síndrome de abstinência, caracterizada pela presença
de cefaleias, apreensão, tremores, dores abdominais, sudação e
taquicardia

em pacientes com essa síndrome, a pressão arterial pode, inclusive,


ascender para valores superiores aos apresentados antes do início da
terapia. O tratamento desta síndrome de abstinência depende da
urgência inerente à redução da pressão arterial – na ausência de danos
orgânicos potencialmente fatais, o tratamento pode passar pelo
restabelecimento da terapia com clonidina. Contudo, caso seja
necessário um efeito mais rápido, procede-se à administração de
nitroprussiato de sódio, ou de uma combinação entre um bloqueador
adrenérgico α e um bloqueador adrenérgico β. De qualquer modo, nesta
situação, não se deve proceder à administração isolada de um β-
bloqueador, na medida em que isso poderá agravar a hipertensão
registada (pois passa a ocorrer sobre-estimulação sem oposição dos
receptores adrenérgicos α).

Os agonistas dos receptores α2 não participam em muitas interacções


farmacológicas. Sabe-se, contudo, que os diuréticos potenciam o efeito
hipotensor destes fármacos, enquanto os anti-depressores tricíclicos
podem inibir o efeito anti-hipertensor da clonidina.

Efeitos terapêuticos
Os agonistas dos receptores α2 desempenham uma vasta panóplia de
efeitos adversos centrais, de tal modo que o uso isolado destes
fármacos não constitui uma opção de primeira escolha para a terapia da
hipertensão. Assim, apesar de serem eficazes em alguns pacientes que
não respondam adequadamente a outros fármacos, os agonistas dos
receptores α2 devem ser cautelosamente administrados, devido aos
seus efeitos laterais. Para além disso, pensa-se que o uso destes
fármacos não esteja associado a uma diminuição do risco de
desenvolvimento de eventos cardiovasculares adversos.

De referir que, em pacientes hipertensos, a clonidina pode ser usada no


diagnóstico de feocromocitomas. De facto, a ausência de uma diminuição
significativa dos níveis de noradrenalina, após administração de clonidina,
constitui uma forte evidência a favor da presença de um feocromocitoma.

Guanadrel
O guanadrel inibe, de modo específico, a função dos neurónios
adrenérgicos pós-ganglionares periféricos. Em termos estruturais, este
fármaco contém um grupo guanidina fortemente alcalino.

Mecanismo de acção

O guanadrel é um falso neurotransmissor exógeno que se revela similar


à noradrenalina, nos seus processos de acumulação, armazenamento,
e libertação. Todavia, contrariamente à noradrenalina, o guanadrel
revela-se incapaz de activar os receptores adrenérgicos.

Em termos moleculares, o guanadrel é captado pelos neurónios


adrenérgicos através do mesmo transportador responsável pela
recaptação de noradrenalina. Ora, no interior dos neurónios, o
guanadrel acumula-se nas vesículas adrenérgicas, onde substitui a
noradrenalina. Assim, quando os neurónios adrenérgicos são
estimulados, ocorre libertação de guanadrel, que se liga aos receptores
adrenérgicos mas não os activa. Assim, aquando da sua administração
crónica, o guanadrel actua como um “falso neurotransmissor”.

Note-se, contudo, que o guanadrel consegue promover a libertação de


noradrenalina por parte dos feocromocitomas, motivo pelo qual se
encontra contra-indicado em pacientes com estes tumores.

Efeitos farmacológicos

Quase todos os efeitos terapêuticos e adversos do guanadrel resultam


da sua acção simpatolítica. De facto, o seu efeito anti-hipertensor
resulta de uma redução da resistência vascular periférica secundária

inibição da vasoconstrição mediada pelos receptores α-adrenérgicos.


Consequentemente, em decúbito, quando a actividade simpática é
relativamente baixa, ocorre uma redução modesta da pressão arterial.
Por oposição, na posição ortostática, quando a actividade simpática
reflexa constitui um importante mecanismo de manutenção da pressão
arterial, verifica-se uma queda significativa da pressão arterial.

Farmacocinética

O guanadrel apresenta um elevado tempo de latência (na ordem das 4-


5 horas), uma vez que, para exercer os seus efeitos, este fármaco
deverá ser previamente transportado para os neurónios adrenérgicos.
Tal como acontece com os agonistas dos receptores α2, a duração dos
efeitos farmacológicos do guanadrel é determinada pela persistência
deste fármaco no sistema nervoso.

Efeitos adversos

Os efeitos adversos do guanadrel relacionam-se com o seu efeito


simpatolítico. De facto, este fármaco induz hipotensão sintomática em
indivíduos em posição ortostática ou aquando do exercício e da
ingestão de álcool. Para além disso, este fármaco pode causar fadiga,
disfunção sexual (sob a forma de ejaculação tardia ou retrógrada) e
diarreia.

Uma vez que o guanadrel sofre transporte activo até ao seu local de
acção, o seu efeito é inibido pelo uso de fármacos que bloqueiem ou
compitam pelo seu transportador. De entre esses fármacos, destaque
para os anti-depressores tricíclicos, cocaína, clorpromazina, efedrina,
fenilpropanolamina e anfetamina.
Em suma, o guanadrel acarreta um vasto rol de efeitos laterais, que
explicam porque é que este fármaco é tão pouco utilizado.

Reserpina
Mecanismo de acção e efeitos farmacológicos

A reserpina é um alcalóide que actua ao nível dos neurónios


adrenérgicos, inibindo a actividade do transportador vesicular de
catecolaminas VMAT2 (ao qual se mantém ligada durante um longo
período de tempo). Este transportador é responsável pelo
armazenamento de noradrenalina e dopamina nas respectivas
vesículas, de tal modo que o seu bloqueio leva a que estas
catecolaminas passem a acumular-se no citoplasma, onde são
degradadas. Consequentemente, deixa de ocorrer libertação de
noradrenalina por parte dos neurónios adrenérgicos, o que resulta numa
simpatectomia funcional. Assim, a recuperação da função simpática
requer a síntese de novas vesículas adrenérgicas, o que ocorre apenas
num período de alguns dias após descontinuação da terapia com
reserpina.

A reserpina actua simultaneamente nos neurónios adrenérgicos centrais


e periféricos, induzindo um efeito simpatolítico, que resulta
simultaneamente na diminuição do débito cardíaco e da resistência
vascular periférica, o que se traduz por uma redução da pressão
arterial.

Farmacocinética

A reserpina liga-se de modo irreversível às vesículas noradrenérgicas,


de tal modo que os níveis plasmáticos deste fármaco não se parecem
correlacionar com a sua concentração nos seus locais de acção. Por
outro lado, a reserpina livre sofre metabolização completa, de tal modo
que este fármaco não é excretado na sua forma inalterada.

Toxicidade

Na sua maioria, os efeitos adversos da reserpina resultam do seu efeito


no sistema nervoso central. De entre esses efeitos, destaque para a
sedação e para a incapacidade de concentração ou de realização de
tarefas complexas. Para além disso, este fármaco pode induzir
depressão psicótica, a qual pode levar ao suicídio – note-se que a
depressão instala-se gradualmente, ao longo de um período de
semanas ou meses, sendo que a detecção de depressão obriga à
descontinuação da terapia com reserpina (até porque a depressão
induzida pela reserpina pode perdurar por vários meses após
descontinuação deste fármaco). Não admira, por isso, que a reserpina
não deva ser administrada a pacientes com história de depressão. Para
além dos efeitos supracitados, a reserpina pode causar
congestionamento nasal e exacerbação da doença ulcerosa péptica.

Usos terapêuticos

Devido à sua vasta gama de efeitos laterais, e à existência de fármacos


mais eficazes e melhor tolerados, a reserpina é pouco utilizada no
tratamento da hipertensão. De qualquer modo, o uso combinado de
reserpina e diuréticos parece apresentar alguns benefícios na terapia da
hipertensão em pacientes mais idosos. A principal vantagem da
reserpina prende-se com o seu baixo custo, de tal modo que este
fármaco continua a ser amplamente usado nos países
subdesenvolvidos.

Metiltirosina
A α-metiltirosina inibe a hidroxílase da tirosina, que é a enzima
responsável pela conversão da tirosina em DOPA. Assim, este fármaco
diminui a biossíntese de catecolaminas, revelando-se particularmente
útil na terapia de pacientes com feocromocitomas. Note-se, contudo,
que o decréscimo máximo da síntese de catecolaminas apenas se
verifica passados alguns dias após início da terapia com metiltirosina.

No tratamento do feocromocitoma e na preparação pré-operativa de


ressecção de um feocromocitoma, a metiltirosina é usada como um
adjuvante da fenoxibenzamina e de outros antagonistas dos receptores
α-adrenérgicos. Contudo, o uso de metiltirosina está associado a um
maior risco de desenvolvimento de cristalúria (o qual pode ser
minimizado pelo aumento do volume urinário), hipotensão ortostática,
sedação, sinais extra-piramidais, diarreia, ansiedade e perturbações
psicóticas.
Antagonistas dos canais de cálcio
Os antagonistas dos canais de cálcio constituem um importante
grupo de fármacos usados na terapia da hipertensão. De facto, ao
bloquearem os canais de cálcio das células musculares lisas
vasculares, estes fármacos inibem a contracção destas células. Assim,
os antagonistas dos canais de cálcio promovem o relaxamento das
células musculares lisas vasculares, o que se traduz pela ocorrência de
vasodilatação – ora, este fenómeno induz uma redução da resistência
vascular periférica, o que contribui para a diminuição da pressão
arterial.

Contudo, ao diminuírem a resistência vascular periférica, os


antagonistas dos canais de cálcio despoletam a activação reflexa do
sistema nervoso simpático. De facto, aquando do uso de di-
hidropiridinas pode se desenvolver taquicardia secundária à
estimulação adrenérgica do nó sinusal – esta resposta revela-se
relativamente modesta, excepto quando estes fármacos são
administrados rapidamente. Contrariamente ao que se verifica com o
uso de di-hidropiridinas, o uso de verapamil ou diltiazem não está
associado ao desenvolvimento de taquicardia, na medida em que estes
dois fármacos exercem um efeito cronotrópico negativo directo. Os β-
bloqueadores também apresentam um efeito cronotrópico negativo, de
tal que estes fármacos não devem ser co-administrados com o
verapamil ou com o diltiazem, sob pena de se desenvolver bloqueio
cardíaco.

Antigamente, as di-hidropiridinas com curtos períodos de semi-vida


(tais como a nifedipina) eram administradas (por via oral ou sublingual)
com o objectivo de reduzir rapidamente a pressão arterial. Todavia, de
acordo com dados recentes, a redução rápida da pressão arterial não
se revela vantajosa, de tal modo que as di-hidropiridinas com curtos
períodos de semi-vida deixaram de praticamente ser utlizadas na
terapia da hipertensão. Apesar disso, a administração parentérica da
clevidipina (uma di-hidropiridina recente) pode se revelar benéfica no
tratamento da hipertensão grave ou peri-operatória.
Comparativamente a outras classes de agentes anti-hipertensores, os
bloqueadores dos canais de cálcio parecem ser mais eficazes no
controlo da pressão arterial de indivíduos mais idosos ou de etnia
africana. De facto, os bloqueadores dos canais de cálcio diminuem não
só a pressão arterial, mas também o risco de desenvolvimento de
eventos cardiovasculares em pacientes idosos com hipertensão sistólica
isolada.

Em suma, os bloqueadores dos canais de cálcio revelam-se eficazes no


tratamento da hipertensão, quer em monoterapia, quer quando
administrados em conjunto com vários outros fármacos.

Reguladores do sistema renina-angiotensina-


aldosterona

Inibidores da enzima de conversão da angiotensina


A angiotensina II (Ang II) desempenha um papel fulcral na regulação
da função cardiovascular, de tal modo que os inibidores da enzima de
conversão da angiotensina (IECAs) revelam-se particularmente
importantes na terapia da hipertensão – esses agentes farmacológicos
incluem o captopril, enalapril, lisinopril, quinapril, ramipril,
benazepril, moexipril, fosinopril, trandolapril e perindopril. Para
além de eficazes, estes fármacos revelam-se deveras seguros, na
medida em que acarretam um baixo rol de efeitos adversos.

Os IECAs parecem ainda atrasar o desenvolvimento e progressão da


glomerulopatia diabética, o que se revela particularmente vantajoso
para os pacientes diabéticos. Para além disso, estes fármacos atrasam
a progressão de outras formas de doença renal crónica, tais como a
glomerulosclerose – assim, os IECAs constituem os fármacos de
primeira escolha na terapia dos pacientes hipertensos com doença renal
crónica. Para além disso, o uso de IECAs revela-se benéfico em
pacientes hipertensos com doença cardíaca isquémica, sendo que o
uso de IECAs no período pós-enfarte está associado a uma melhoria da
função ventricular e a uma redução da mortalidade e morbilidade.
Ao inibirem a biossíntese
de Ang II, os IECAs
promovem uma diminuição
da síntese de aldosterona.
Ora, a aldosterona opõe-se
à natriurese

induzida pelos diuréticos, de tal modo que a inibição da sua síntese


aumenta a eficácia destes últimos fármacos. Assim, os diuréticos e os
IECAs actuam de modo sinérgico, o que significa que a administração
simultânea de doses muito elevadas de IECAs e diuréticos pode induzir
uma redução excessiva da pressão arterial.

A atenuação da produção de aldosterona por parte dos IECAs também


influencia a homeostasia do potássio. Porém, quando estes fármacos
são administrados isoladamente, os níveis séricos de potássio sofrem
um aumento desprezável. Todavia, quando os IECAs são administrados
em conjunto com outros fármacos indutores da retenção de potássio
(tais como os diuréticos poupadores de potássio, os AINEs, os
suplementos de potássio ou os β-bloqueadores), o risco de
desenvolvimento de hipercalémia aumenta. Esse risco está também
aumentado em pacientes com insuficiência renal ou nefropatia diabética
(mesmo que, nestes casos, os IECAs sejam administrados
isoladamente).

O uso de IECAs potencia o desenvolvimento de alguns efeitos


adversos, de entre os quais se destaca o angioedema, uma
complicação grave e potencialmente fatal, que obriga à descontinuação
da terapia com IECAs. Para além disso, o uso de IECAs durante a
gravidez encontra-se contra-indicado, na medida em que estes
fármacos podem se revelar deletérios para o feto.

Após administração de IECAs, a maior parte dos pacientes não


manifesta qualquer alteração apreciável da sua taxa de filtração
glomerular. Contudo, em pacientes com hipertensão reno-vascular, o
uso de IECAs pode resultar numa diminuição significativa da taxa de
filtração glomerular – de facto, nestes pacientes a Ang II promove um
aumento da resistência da arteríola pós-glomerular, que se revela
responsável pela manutenção da taxa de filtração glomerular dentro de
valores normais. Assim, nestes pacientes, a supressão da Ang II por
parte de um IECA resulta na redução da fracção de filtração e da taxa
de filtração glomerular.

Em alguns pacientes, após administração da dose inicial de um IECA,


pode se registar uma queda considerável da pressão arterial.
Consequentemente, regista-se um aumento reflexo da actividade da
renina, o que contraria o efeito hipotensor dos IECAs. Assim, as
reduções graduais da pressão arterial são preferíveis às reduções
abruptas, de tal modo que, numa fase inicial da terapia, devem ser
administradas doses reduzidas de IECAs, as quais vão sendo
progressivamente aumentadas com a continuação da terapia.

De referir que, em termos populacionais, os indivíduos de etnia africana


revelam-se menos susceptíveis à acção dos IECAs, por comparação
com os indivíduos de etnia caucasiana.

Antagonistas dos receptores AT1


Como referido anteriormente, a Ang II desempenha uma acção
essencial na regulação da função cardiovascular – ora, o controlo da
actividade deste mediador pode passar pelo bloqueio dos seus
receptores, algo levado a cabo pelos antagonistas dos receptores
AT1 (ARB). De entre esses fármacos, aqueles utilizados na terapia da
hipertensão incluem o losartan, candesartan, irbesartan, valsartan,
telmisartan, olmesartan e eprosartan.

Ao antagonizarem os efeitos da Ang II, os agentes supracitados relaxam


o músculo liso (promovendo a ocorrência de vasodilatação), aumentam
a excreção de sódio e água, reduzem o volume plasmático, e diminuem
a hipertrofia celular. Para além disso, os ARB também superam várias
das desvantagens dos IECAs, na medida em que não potenciam o
aumento dos níveis de bradicinina e substância P.

Existem dois subtipos de receptores da Ang II – AT1 e AT2. Os


receptores AT1 encontram-se expressos no coração, vasos
sanguíneos, encéfalo e células da camada glomerulosa da glândula
supra-renal (as quais são responsáveis pela secreção de aldosterona).
A activação destes receptores é responsável, não só pelos efeitos
deletérios da Ang II, mas também pela supressão da secreção de
renina. Deste modo, o bloqueio dos receptores AT1 resulta num
aumento da produção de renina e, por conseguinte, de Ang II.

Por oposição, os receptores AT2 encontram-se expressos no rim,


encéfalo, e medula da glândula supra-renal. A activação destes
receptores parece despoletar uma resposta oposta à resultante da
activação dos receptores AT1, de tal modo que, aquando do bloqueio
selectivo dos receptores AT1, passa a estar disponível uma maior
quantidade de Ang II para ligação aos receptores AT2.

Efeitos adversos

Os efeitos adversos dos ARB e dos IECAs encontram-se inter-


relacionados. Ora, os IECAs exercem efeitos adversos que podem ser
dependentes ou independentes da diminuição das concentrações de
Ang II. Os efeitos adversos dependentes da diminuição dos níveis de
Ang II são comuns aos IECAs e aos ARB, sendo que estes efeitos
incluem hipotensão, hipercalémia e diminuição da função renal
(incluindo estenose das artérias renais). O risco de hipotensão é
superior nos pacientes cuja pressão arterial seja altamente dependente
da Ang II (incluindo aqueles com depleção de volume, hipertensão reno-
vascular, insuficiência cardíaca e cirrose). Por seu turno, o risco de
hipercalémia é superior em pacientes com insuficiência renal ou que
estejam a tomar outros fármacos que promovam a retenção de
potássio.

A tosse e o angioedema constituem efeitos adversos dos IECAs


independentes das concentrações de Ang II. Assim, embora sejam
característicos do uso de IECAs, estes efeitos adversos desenvolvem-
se muito raramente na sequência do uso de ARB. Note-se que os
IECAs e os ARB não devem ser administrados durante a gravidez.

Usos terapêuticos
Quando administrados em doses adequadas, os ARB revelam-se tão
eficazes como os IECAs no tratamento da hipertensão. Todavia, o uso
simultâneo de um IECA e de um ARB não é aconselhado para o
tratamento da hipertensão. De facto, caso os ARB sejam incapazes per
se de controlar a pressão arterial, deverá ser introduzido um segundo
fármaco que actue por um mecanismo diferente (tal como um diurético
ou um bloqueador dos canais de cálcio).

Inibidores da renina
O aliskiren é um inibidor da renina que é utilizado no tratamento da
hipertensão. Todavia, desconhece-se se este fármaco se revela eficaz
na prevenção de efeitos cardiovasculares adversos. Assim, a escassez
de informação envolvendo o aliskiren leva a que este seja considerado
um fármaco secundário na terapia da hipertensão.

Mecanismo de acção

Os primeiros inibidores da renina desenvolvidos consistiam em


sequências peptídicas análogas à renina. Contudo, estes fármacos
apenas eram eficazes quando administrados por via parentética. Por
oposição, o aliskiren revela-se eficaz quando administrado por via oral,
sendo que este fármaco inibe directamente e competitivamente a
actividade catalítica da renina.

Efeitos farmacológicos

Ao inibir a renina, o aliskiren diminui a produção de Ang I e, por


conseguinte, de Ang II e aldosterona, o que acarreta uma diminuição da
pressão arterial. Tal como acontece com os IECAs e com os ARB, o
aliskiren induz um aumento adaptativo das concentrações plasmáticas
de renina, embora isso não se traduza num aumento da actividade
desta molécula (note-se que o aliskiren inibe a acção da renina).

Farmacocinética

O aliskiren é fracamente absorvido, apresentando uma


biodisponibilidade inferior a 3% (que atinge valores ainda inferiores,
quando este fármaco é administrado em conjunto com os alimentos). O
tempo de semi-vida do aliskiren ronda as 24 horas, sendo que a sua
eliminação se processa maioritariamente por via hepato-biliar. De referir
que o aliskiren é parcialmente metabolizado pelo CYP3A4.

Toxicidade

O aliskiren é normalmente bem tolerado, embora possa levar ao


desenvolvimento de diarreia ou tosse. Para além disso, foram já
descritos alguns casos de angioedema associados ao uso deste
fármaco. Tal como todos os restantes fármacos que actuam no eixo
renina-angiotensina-aldosterona, o aliskiren deve ser evitado na
gravidez.

Usos terapêuticos

Quando usado isoladamente, o aliskiren revela-se eficaz no tratamento


da hipertensão, sendo que a sua acção depende da dose na qual é
administrado. Contudo, o aliskiren parece demonstrar maior eficácia,
quando co-administrado com outros agentes, tais como os IECAs, ARB,
bloqueadores dos canais de cálcio e tiazídicos. De facto, a
administração conjunta de aliskiren e hidroclorotiazida revela-se mais
eficaz que a administração isolada de cada um destes fármacos.

Vasodilatadores

Hidralazina
Mecanismo de acção

Outrora muito utilizada no tratamento da hipertensão, a hidralazina (1-


hidrazinoftalazina) desempenha actualmente um papel menor na
terapia desta patologia, devido aos seus efeitos laterais e à existência
de outros anti-hipertensores mais eficazes e seguros.

A hidralazina relaxa directamente o músculo liso arteriolar, embora os


mecanismos pelos quais actua permaneçam desconhecidos. Sabe-se,
contudo, que várias vias moleculares são influenciadas pela hidralazina,
pensando-se que este fármaco iniba a libertação de cálcio induzida pelo
IP3 (o que levaria a uma diminuição da contracção do músculo liso
vascular). Por outro lado, sabe-se que a hidralazina induz a expressão
transitória do factor induzível da hipóxia (HIF-1), embora se
desconheça o significado clínico deste achado. Por fim, a hidralazina
induz desmetilação do DNA, o que parece ser responsável por parte
dos seus efeitos adversos.

A vasodilatação induzida pela hidralazina leva a uma potente


estimulação simpática reflexa, que actua num sentido de aumentar o
cronotropismo, o inotropismo e a actividade da renina plasmática –
todos estes efeitos tendem a contrabalançar o efeito anti-hipertensor da
hidralazina. De referir que, a hidralazina não relaxa o músculo liso
venoso.

Efeitos farmacológicos

A hidralazina desempenha maioritariamente efeitos cardiovasculares,


diminuindo a resistência vascular nos leitos coronário, cerebral, renal e,
de forma menos vincada, cutâneo e muscular. Dado, actuar apenas nas
arteríolas, não exercendo qualquer efeito nas vénulas, este fármaco não
induz um aumento do risco de desenvolvimento de hipotensão postural
(ou seja, o efeito hipotensor da hidralazina é similar em indivíduos em
posição supina e ortostática).

Farmacocinética

A hidralazina é bem absorvida pelo tracto gastro-intestinal, embora


apresente reduzida biodisponibilidade. De facto, este fármaco é alvo de
um importante efeito de primeira passagem, sofrendo N-acetilação no
intestino, fígado e, provavelmente, nos tecidos extra-hepáticos – ora,
isto gera um metabolito acetilado inactivo. Apesar de a velocidade de
acetilação constituir um importante determinante da biodisponibilidade
de hidralazina, esta não influencia a eliminação sistémica deste fármaco
(que é, sobretudo, determinada pelo fluxo sanguíneo hepático). De
referir que, o tempo de semi-vida da hidralazina ronda os 60 minutos,
embora os efeitos deste fármaco possam perdurar por um período de
12 horas.

Toxicidade
O uso de hidralazina pode levar ao desenvolvimento de dois tipos de
efeitos adversos, nomeadamente efeitos resultantes das acções deste
fármaco e efeitos causados por reacções imunes desajustadas. Os
efeitos pertencentes à primeira categoria incluem cefaleias, náuseas,
rubor, hipotensão, palpitações, taquicardia, tonturas e angina de peito.
De facto, a activação simpática reflexa secundária ao uso de hidralazina
aumenta as necessidades miocárdicas de oxigénio, levando ao
desenvolvimento de isquemia do miocárdio. Assim, o uso parentérico de
hidralazina encontra-se contra-indicado em pacientes hipertensos com
doença coronária, ou que manifestem factores de risco cardiovascular
ou idade avançada.

Para além disso, quando administrada isoladamente, a hidralazina pode


induzir retenção de sódio, o que pode precipitar o desenvolvimento de
insuficiência cardíaca. Convém lembrar que este fármaco é melhor
tolerado quando co-administrado com um β-bloqueador ou com um
diurético.

Como referido anteriormente, a hidralazina também pode causar efeitos


adversos por reacções imunes. Esses efeitos incluem lúpus induzida
por fármacos, anemia hemolítica, vasculite, glomerulonefrite
rapidamente progressiva e doença do soro. Desconhecem-se os
mecanismos através dos quais se desenvolvem estas reacções auto-
imunes, embora se pense que estas se relacionam com a capacidade
da hidralazina em promover a desmetilação do DNA.

De referir que, a maioria dos pacientes com anticorpos anti-nucleares


positivos não desenvolve lúpus, de tal modo que esse achado per se
não obriga à descontinuação da terapia com hidralazina. De facto, a
descontinuação só deverá ocorrer aquando da detecção dos primeiros
sinais clínicos, os quais consistem maioritariamente em artralgia, artrite,
febre e, possivelmente, pleurite e pericardite (o que poderá causar
efusão pericárdica). Na maioria dos pacientes, a supressão da terapia
com hidralazina termina os sintomas de lúpus – todavia, em alguns
casos, pode ser necessário recorrer ao uso de corticosteróides.

A hidralazina pode ainda levar ao desenvolvimento de polineuropatia


sensível à piridoxina, algo que se parece dever à capacidade da
hidralazina se combinar com a piridoxina, formando uma hidrazona.
Usos terapêuticos

A hidralazina não constitui um fármaco de primeira escolha para o


tratamento da hipertensão, devido ao seu vasto rol de efeitos laterais.
Contudo, este fármaco continua a ser usado no tratamento da
insuficiência cardíaca (de facto, a hidralazina revela-se particularmente
útil para o tratamento da hipertensão grave associada a insuficiência
cardíaca congestiva). Para além disso, a hidralazina revela-se útil no
tratamento de crises hipertensivas em mulheres grávidas (sobretudo,
pré-eclâmpsia).

A hidralazina deve ser usada muito cautelosamente nos pacientes


idosos e nos pacientes hipertensos com doença coronária, devido à
possibilidade de precipitação de isquemia miocárdica por activação
reflexa do sistema nervoso simpático.

Abridores dos canais de potássio dependentes de


ATP (minoxidil)
Mecanismo de acção

O minoxidil é um pró-fármaco, cuja activação hepática em minoxidil


N-O sulfato depende da actividade da enzima sulfo-transferase
hepática. Note-se, contudo, que apenas uma fracção menor de
minoxidil é convertida neste metabolito.

O minoxidil N-O sulfato activa os canais de potássio modulados pelo


ATP – ao abrir os canais de potássio do músculo liso, este fármaco
promove um efluxo de potássio e, por conseguinte, causa
hiperpolarização e relaxamento muscular liso. Desta forma, o minoxidil
constitui um importante agente vasodilatador.

Efeitos farmacológicos

Tal como a hidralazina, o minoxidil promove a ocorrência de


vasodilatação arteriolar, não actuando nos vasos de capacitância.
Assim, este fármaco aumenta preferencialmente o fluxo sanguíneo para
a pele, músculo esquelético, tracto gastro-intestinal e coração. Todavia,
ao aumentar o retorno venoso, o minoxidil induz um aumento reflexo da
contractilidade miocárdica e do débito cardíaco.
Os efeitos do minoxidil no rim revelam-se complexos. De facto, o
minoxidil promove a dilatação do leito arterial renal, embora a
hipotensão sistémica produzida por este fármaco possa diminuir o fluxo
sanguíneo renal. De qualquer modo, o uso de minoxidil está associado
a uma melhoria da função renal, sobretudo em pacientes que
apresentam disfunção renal secundária à hipertensão. De referir,
contudo, que o minoxidil constitui um potente estimulador da secreção
de renina – este efeito ocorre por estimulação do sistema nervoso
simpático renal, e por activação dos mecanismos renais necessários
para a regulação da libertação de renina.

Farmacocinética

O minoxidil é bem absorvido pelo tracto gastro-intestinal, sendo que o


minoxidil absorvido é maioritariamente eliminado por via hepática
(apenas cerca de 20% é excretado de forma intacta na urina). A semi-
vida plasmática do minoxidil ronda as 3-4 horas, embora os seus efeitos
perdurem por 24 horas - pensa-se que esta discrepância se deva à
persistência do minoxidil no músculo liso vascular.

A maior parte do minoxidil forma um conjugado glicuronado na posição


N-óxido do seu anel pirimidina. Este metabolito revela-se menos activo
que o minoxidil, embora persista por um maior período de tempo. De
referir que se desconhece qual a fracção de minoxidil que é convertida
no seu metabolito activo (minoxidil N-O sulfato).

Efeitos adversos

O minoxidil pode acarretar graves efeitos laterais, os quais passam pela


retenção de sódio e água, pela perturbação da função cardiovascular e
pelo desenvolvimento de hipertricose.

A retenção de sal e água resulta do aumento da reabsorção renal


tubular proximal, o qual, por sua vez, ocorre em consequência da
redução da pressão de perfusão renal e da estimulação reflexa dos
receptores α-adrenérgicos tubulares renais. Note-se, contudo, que
outros dilatadores arteriolares (tais como a diazoxida e a hidralazina)
podem produzir semelhantes efeitos anti-natriuréticos.
Embora a administração do minoxidil aumente a secreção de renina e
aldosterona, este mecanismo não se revela particularmente importante
para explicar a retenção de sal e água subjacente. De facto, a retenção
de fluidos induzida pelo minoxidil pode ser controlada com recurso a um
diurético de ansa (nestas situações, os tiazídicos podem não se revelar
suficientemente eficazes).

O minoxidil também acarreta efeitos deletérios de natureza


cardiovascular, os quais são similares aos observados com a hidralazina,
na medida em que resultam da activação reflexa do sistema nervoso
simpático. Assim, o uso de minoxidil pode resultar num aumento da
frequência cardíaca, da contractilidade miocárdica, e do consumo
miocárdico de oxigénio. Deste modo, em pacientes com doença coronária,
o minoxidil pode causar isquemia miocárdica. Como é fácil de
compreender, tanto as respostas simpáticas supracitadas, como o
aumento da secreção de renina, são passíveis de ser atenuadas pela co-
administração de um β-bloqueador.

O aumento do débito cardíaco despoletado pelo minoxidil induz


consequências particularmente adversas nos pacientes hipertensos
com hipertrofia ventricular esquerda e disfunção diastólica. De facto, os
ventrículos destes pacientes apresentam fraca compliance e, como tal,
respondem de forma subóptima a aumentos de volume, aumentando a
sua pressão de enchimento. Ora, isto contribui para o aumento da
pressão na artéria pulmonar que é observado na sequência da terapia
com minoxidil (e hidralazina).

Em alguns pacientes, a terapia com minoxidil pode levar ao


desenvolvimento de insuficiência cardíaca – o risco de instalação desta
complicação pode ser reduzido (mas não prevenido) com o uso de
diuréticos. O minoxidil pode ainda causar efusão pericárdica, embora
este efeito seja pouco comum, observando-se maioritariamente em
pacientes com insuficiência cardíaca ou renal. Note-se, contudo, que o
desenvolvimento de efusão pericárdica assintomática não constitui uma
indicação para a descontinuação da terapia com minoxidil.

O uso inicial de minoxidil pode levar à génese de ondas T achatadas e


invertidas, as quais não têm origem em fenómenos isquémicos e podem
também ser observadas com o uso de outros fármacos activadores dos
canais de potássio. De facto, estes fármacos aceleram a repolarização
miocárdica e encurtam o período refractário, sendo que um desses
fármacos (o pinacidil) diminui o limiar da fibrilação ventricular e
aumenta a fibrilação ventricular espontânea gerada num contexto de
isquemia miocárdica.

O uso prolongado de minoxidil pode ainda levar ao desenvolvimento de


hipertricose, a qual parece resultar da activação de canais de potássio.
Esta síndrome manifesta-se através do crescimento de pêlo na face,
costas e membros, de tal modo que o minoxidil aplicado de forma tópica
pode ser usado no tratamento da calvície. Contudo, a própria aplicação
tópica de minoxidil pode despoletar vários efeitos cardiovasculares
adversos.

Por fim, o minoxidil pode induzir rash, síndrome de Stevens-Johnson,


intolerância à glicose, trombocitopenia e formação de anticorpos anti-
nucleares.

Usos terapêuticos

O minoxidil deve apenas ser administrado em situações de hipertensão


grave pouco sensível à terapia com outros fármacos anti-hipertensores
(sobretudo em indivíduos do sexo masculino com insuficiência renal).
De qualquer modo, o minoxidil nunca deve ser administrado
isoladamente – este fármaco deve ser administrado a par com um
diurético (para evitar a retenção de fluidos) e com um agente
simpatolítico (para impedir o desenvolvimento de efeitos
cardiovasculares adversos).

Nitroprussiato de sódio
Mecanismo de acção

O nitroprussiato de sódio é um
vasodilatador que promove a
libertação de NO (note-se que o NO
activa
via da guanilil cíclase-cGMP-PKG,
exercendo um efeito vasodilatador).
Assim, o nitroprussiato mimetiza a
produção de NO pelas células
endoteliais vasculares, sendo que
este mecanismo encontra-se
perturbado em vários pacientes
hipertensos. Desconhece-se ainda o
mecanismo através do qual o
nitroprussiato induz libertação de
NO, embora se pense que este
fármaco actue simultaneamente por

mecanismos enzimáticos e não-enzimáticos. De referir que, embora


seja possível desenvolver tolerância à nitroglicerina, não ocorre
desenvolvimento de tolerância ao nitroprussiato.

Efeitos farmacológicos

O nitroprussiato dilata simultaneamente as arteríolas e as vénulas,


reduzindo a impedância arterial e promovendo a acumulação de sangue
venoso. Em indivíduos com função ventricular esquerda normal, a
acumulação de sangue venoso constitui o principal factor que contribui
para a redução do débito cardíaco. Por oposição, nos pacientes cuja
função ventricular esquerda (e distensão ventricular diastólica) se
encontre gravemente perturbada, predomina o efeito de redução da
impedância arterial.

O nitroprussiato de sódio é um vasodilatador não-selectivo, afectando a


distribuição regional de sangue de modo pouco significativo. Em termos
gerais, este fármaco não induz alterações do fluxo sanguíneo renal e da
filtração glomerular, embora aumente a actividade da renina plasmática.
Contrariamente ao minoxidil, à hidralazina, à diazoxida e a outros
vasodilatadores arteriolares; o nitroprussiato de sódio normalmente
induz uma redução das necessidades miocárdicas de oxigénio,
causando apenas um ligeiro aumento da frequência cardíaca.

Farmacocinética
O nitroprussiato de sódio é uma molécula instável, que se decompõe na
presença de um pH fortemente alcalino, ou quando exposto à luz.
Assim, este fármaco deve ser protegido da acção da luz, devendo ser
administrado por infusão intra-venosa. O seu tempo de latência ronda
os 30 segundos, enquanto os seus efeitos hipotensivos máximos
atingem-se ao fim de dois minutos. Estes efeitos desaparecem ao fim
de três minutos após término da infusão deste fármaco.

O metabolismo do nitroprussiato pelo músculo liso requer a sua redução


inicial, que é seguida pela libertação de cianeto e NO. Por seu turno, o
cianeto é ulteriormente metabolizado pela rondanase hepática,
formando tiocianato, o qual é quase totalmente eliminado na urina. O
tempo de semi-vida do tiocianato ronda os três dias, sendo este período
superior nos pacientes com insuficiência renal.

Usos terapêuticos

O nitroprussiato de sódio é maioritariamente usado no tratamento das


crises hipertensivas, embora também possa ser utilizado num vasto
conjunto de outras situações em que se deseje proceder a uma redução
a curto-prazo da pré-carga e/ou da pós-carga. Assim, de entre as
situações nas quais o nitroprussiato é usado, destaque para as
seguintes:

Diminuição da pressão arterial em situações de dissecção aórtica


aguda (nesta situação, dever-se-á proceder à co-administração
de um β-bloqueador, na medida em que a administração isolada
de nitroprussiato pode agravar a propagação da dissecção).

Aumento do débito cardíaco em situações de insuficiência


cardíaca congestiva (especialmente em pacientes hipertensos
com edema pulmonar que não respondam a outras terapias)

Diminuição das exigências miocárdicas de oxigénio após enfarte do


miocárdio

Indução de hipotensão controlada, num contexto de anestesia

Em termos práticos, o nitroprussiato deve ser administrado sob a forma


de infusão contínua, sendo que os pacientes que estejam a tomar
outros fármacos anti-hipertensores necessitam de menores doses de
nitroprussiato.

Toxicidade

A hipotensão constitui o
principal efeito adverso a
curto prazo do nitroprussiato,
resultando da ocorrência de
vasodilatação excessiva.
Embora seja mais raro, o uso
de nitroprussiato também
pode levar à acumulação
tóxica de cianeto e tiocianato
(que constituem os seus
produtos de metabolismo). A
acumulação tóxica de cianeto
ocorre maioritariamente
aquando

do uso de elevadas doses de nitroprussiato, na medida em que o


metabolismo do cianeto é limitado pela biodisponibilidade de
substâncias contendo enxofre (sobretudo tiossulfato). Assim, a
administração concomitante de tiossulfato de sódio pode prevenir a
acumulação de cianeto nos pacientes que estejam a receber doses
supra-terapêuticas de nitroprussiato.

Por outro lado, o risco de intoxicação por tiocianato aumenta aquando


da administração prolongada de nitroprussiato de sódio, sobretudo em
pacientes com perturbações da função renal. Em termos clínicos, a
intoxicação por tiocianato cursa com anorexia, náusea, fadiga,
desorientação, psicose tóxica e, mais raramente, hipotiroidismo (o
tiocianato pode inibir a captação de iodeto pela glândula tiróide). De
referir que, em pacientes com insuficiência renal, o tiocianato pode ser
rapidamente removido por hemodiálise.

O nitroprussiato pode ainda agravar a hipoxémia arterial em pacientes


com doença pulmonar obstructiva crónica. De facto, este fármaco
interfere com a vasoconstrição pulmonar hipóxica, promovendo a
ocorrência de um mismatching ventilação-perfusão.

Diazoxida
No passado, a diazoxida foi usada no tratamento das crises
hipertensivas, embora tenha perdido popularidade, devido ao risco de
diminuição significativa da pressão arterial inerente à administração de
doses elevadas deste fármaco. Assim, actualmente, o controlo
parentérico da hipertensão é preferencialmente assegurado por outros
fármacos. Note-se que a diazoxida também é administrada por via oral,
para o tratamento da hipoglicemia.

Selecção de fármacos anti-hipertensores


Na maioria dos pacientes com hipertensão de grau 1, os diuréticos
constituem os fármacos de eleição para iniciar a terapia anti-
hipertensiva. Paralelamente, os pacientes podem ser tratados com
recurso a outros fármacos, tais como os β-bloqueadores, os
IECAs/ARB, e os bloqueadores dos canais de cálcio. Por outro lado,
nos pacientes com hipertensão de grau 2 é frequente administrar dois
fármacos, sendo que um desses fármacos é um diurético. Assim, à
medida que o grau da hipertensão aumenta, torna-se necessário
aumentar o número de fármacos anti-hipertensores (e respectivas
doses) empregues.

A terapia anti-hipertensiva deverá ter em conta as co-morbilidades dos


pacientes. De facto, esta terapia é diferente, caso os pacientes manifestem
outras perturbações cardiovasculares, bem como doença renal crónica ou
diabetes. A título de exemplo, um paciente hipertenso com insuficiência
cardíaca congestiva deve, idealmente, ser tratado com recurso a um
diurético, a um β-bloqueador, a um IECA/ARB e (em casos particulares) à
espironolactona – de facto, todos estes fármacos apresentam benefícios na
terapia da insuficiência cardíaca congestiva, mesmo na ausência de
hipertensão. Por outro lado, os IECAs/ARB deverão ser os fármacos de
primeira linha no tratamento de pacientes diabéticos com hipertensão, na
medida em que estes fármacos demonstram efeitos benéficos em situações
de nefropatia diabética.
Por seu turno, os pacientes hipertensos com hiperplasia benigna da
próstata beneficiam do uso de um antagonista dos receptores α1, na
medida em que estes fármacos também se eficazes no alívio
sintomático desta condição. Por outro lado, um paciente com cefaleias
recorrentes pode beneficiar do uso de um β-bloqueador, na medida em
que vários fármacos desta classe revelam-se eficazes na prevenção de
cefaleias. Já nas grávidas, é comum administrar fármacos que são
pouco utilizados noutros contextos (tais como a metildopa), em
detrimento de fármacos mais populares, mas que se revelam menos
seguros.

As considerações supracitadas aplicam-se a pacientes hipertensos que


necessitem de um tratamento da longo-prazo. De facto, os pacientes
com crises hipertensivas (situações agudas potencialmente fatais)
requerem uma abordagem farmacológica completamente diferente –
nesses pacientes, torna-se essencial diminuir rapidamente a pressão
arterial, recorrendo-se, para isso, ao uso parentérico de nitroprussiato,
enalaprilat, esmolol, fenoldapam, labetalol, clevidipina, nicardipina,
hidralazina, ou fentolamina. Todavia, este procedimento apresenta
riscos consideráveis para os pacientes, na medida em que, caso a
diminuição da pressão arterial se processe de modo muito rápido ou
extenso, pode se registar uma diminuição significativa do fluxo
sanguíneo encefálico.
Sistema da endotelina
As endotelinas (ET) são potentes peptídeos vasoconstrictores que, não
obstante o seu nome, não são apenas produzidas no endotélio. Já
foram descritas três isoformas de endotelina – ET-1, ET-2 e ET-3. Cada
isoforma é produzida a partir de um gene distinto, sendo sintetizada
como uma pré-pró-endotelina, que subsequentemente é convertida em
pré-endotelina e endotelina. Note-se que estas reacções são
catalisadas pela enzima de conversão da endotelina.

As endotelinas apresentam distribuição profusa:

A ET-1 constitui a principal endotelina secretada pelo endotélio.


Para além disso, esta isoforma é secretada pelos neurónios
centrais, astrócitos e células endometriais, mesangiais, epiteliais
mamárias e de Sertoli. A expressão do gene ET-1 é promovida
por factores de crescimento e citocinas, incluindo o TGF-β, IL-1,
angiotensina II, AVP e stress mecânico. A expressão deste gene
é inibida pelo NO, prostaciclina e ANP.

A ET-2 é produzida predominantemente nos rins e intestinos.

A ET-3 é maioritariamente produzida no encéfalo, embora


também esteja presente no tracto gastro-intestinal, pulmões e
rins.

As endotelinas estão presentes no plasma em baixas concentrações.


De facto, estes peptídeos actuam preferencialmente de modo autócrino
e parácrino, exercendo efeitos maioritariamente locais. A clearance das
endotelinas da circulação é rápida, envolvendo simultaneamente a
degradação pela NEP 24.11 e a ligação ao receptor ETB.

Efeitos fisiopatológicos das endotelinas


As endotelinas exercem um vasto conjunto de acções no organismo,
induzindo vasoconstrição (dependente da dose) na maioria dos leitos
vasculares. De facto, a administração intra-venosa de ET-1 causa um
decréscimo rápido e transitório da pressão arterial, o qual é seguido por
um aumento da pressão – a resposta depressora resulta da libertação
de prostaciclina e NO pelo endotélio vascular, enquanto o aumento da
pressão deve-se à contracção do músculo liso vascular.

Para além de actuarem como potentes vasoconstrictoras


(nomeadamente, ao nível coronário), as endotelinas também exercem
efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos directos. Estes peptídeos
actuam ainda no rim, induzindo vasoconstrição, e diminuindo a taxa de
filtração glomerular e a excreção de sódio e água. No sistema
respiratório, as endotelinas causam contracção do músculo liso
brônquico e traqueal.

As endotelinas
interagem com
vários sistemas
endócrinos,
promovendo a
secreção de
renina,
aldosterona,
vasopressina e
ANP. Para além
disso, estes
peptídeos
exercem vários
efeitos nos
sistemas
reprodutores,
nervoso, gastro-
intestinal (e
fígado),

urinário e músculo-esquelético. Note-se ainda que a ET-1 constitui um


mitogénio potente para as células musculares lisas, miócitos cardíacos
e células mesangiais glomerulares.

Os receptores da endotelina (ETA e ETB) são receptores acoplados à


proteína G que apresentam uma distribuição profusa. Os receptores
ETA apresentam elevada afinidade para a ET-1, mas baixa afinidade
para a ET-3. Estes receptores encontram-se expressos nas células
musculares lisas, onde medeiam respostas vasoconstritoras
(dependentes da activação da fosfolipase C/IP3) e potenciam a
secreção de aldosterona.

Por seu turno, os receptores ETB demonstram afinidade similar para a


ET-1 e ET-3. Existem duas classes de receptores ETB – os receptores
ETB1 são predominantes, sendo maioritariamente expressos nas
células endoteliais, onde medeiam a libertação de prostaciclina e NO.
Por oposição, os receptores ETB2 são expressos nas células
musculares lisas, mediando respostas vasoconstritoras.

Inibidores da endotelina
O sistema da endotelina pode ser inibido com recurso a antagonistas
selectivos ou não-selectivos dos receptores ETA e ETB. O bosentan é
um antagonista não-selectivo do receptor da endotelina. Este fármaco é
activo por via oral, inibindo as respostas depressora transitória (ETB) e
vasopressora prolongada (ETA) mediadas pela endotelina. Por seu
turno, o sitaxsentan e o ambrisentan demonstram maior selectividade,
pois antagonizam apenas o receptor ETA.

Por outro lado, o darusentan é um antagonista dos receptores da


endotelina (sobretudo dos receptores ET-A) derivado do ácido
propanóico e usado na terapia da hipertensão resistente. Este fármaco
exerce acções vasodilatadoras, anti-proliferativas e anti-inflamatórias,
promovendo simultaneamente a acção dos receptores ETB. Em termos
farmacocinéticos, o darusentan pode ser administrado uma vez por dia,
demonstrando eficácia ao longo de um período de 24 horas.

A inibição da enzima de conversão de endotelina também possibilita


uma supressão do sistema da endotelina, nomeadamente por bloqueio
da génese de endotelinas. Ora, o fosforamidon actua precisamente
num sentido de bloquear esta enzima (embora não seja totalmente
selectivo). Embora os inibidores da enzima de conversão da endotelina
e os antagonistas dos receptores da endotelina manifestem um perfil
terapêutico similar, estes últimos fármacos são muito mais amplamente
usados.

Os inibidores da endotelina induzem vasodilatação e diminuição da


pressão arterial, o que demonstra que a endotelina participa na
regulação do tónus vascular, mesmo em indivíduos em repouso – este
sistema apresenta maior actividade em indivíduos do sexo masculino e
mais idosos.

Várias doenças cardiovasculares cursam com um aumento da produção


de ET-1, incluindo a hipertensão, hipertrofia cardíaca, insuficiência
cardíaca, aterosclerose, doença coronária, enfarte agudo do miocárdio,
vasospasmo e fenómeno de Raynaud. Para além disso, a ET-1 também
está associada a várias doenças pulmonares (incluindo a asma e a
hipertensão pulmonar), renais e mucocutâneas (incluindo úlceras
cutâneas e esclerodermia).

No futuro, os antagonistas da endotelina poderão vir a ser usadas na


terapia destas doenças – de facto, o bosentan, o sitaxsentan e o
ambrisentan parecem ser eficazes (e bem tolerados) na terapia da
hipertensão pulmonar e das úlceras cutâneas. Para além disso, esses
fármacos poderão vir a ser usados na terapia da doença renal crónica,
doenças do tecido conjuntivo e hemorragias subaracnoides. Os ensaios
clínicos relativos ao papel destes fármacos na terapia da insuficiência
cardíaca evidenciaram resultados desapontantes.

No que concerne aos seus efeitos adversos, os antagonistas da


endotelina podem causar hipotensão sistémica, taquicardia, rubor facial,
edema ou cefaleias. Para além disso, estes fármacos podem despoletar
efeitos adversos de cariz gastro-intestinal, incluindo náusea, vómitos e
obstipação. De referir que estes fármacos exercem efeitos
teratogénicos, não devendo ser administrados na gravidez. O bosentan
demonstra ainda efeitos hepatotóxicos potencialmente fatais.
Sistema das cininas
As cininas são agentes vasodilatadores potentes com um curto período
de semi-vida. A bradicinina e a calidina constituem duas cininas
endógenas, sendo sintetizadas a nível tecidular e rapidamente
degradadas pelas cinínases (o que explica o seu curto período de
semi-vida). De referir que existem quatro grandes classes de cinínases:

Encefalínase (cinínase I)

Enzima de conversão da angiotensina (cinínase II): A enzima


de conversão da angiotensina constitui a cinínase mais
importante, sendo particularmente abundante no rim e sistema
cardiovascular.

Endopeptídase neutra

Carboxipeptídase M e N

As cininas actuam em duas classes distintas de receptores:

Receptores B1: A expressão destes receptores verifica-se apenas


após estimulação pró-

inflamatória (por parte de interleucinas e endotoxinas), motivo


pelo qual estes receptores são classificados como indutíveis. Os
receptores B1 participam, portanto, na resposta inflamatória,
aumentando a permeabilidade capilar e contribuindo para a
génese de edema e dor. Note-se que a des-Arg-bradicinina (um
metabolito da bradicinina) constitui o seu ligando preferencial.

Receptores B2: Estes receptores exercem efeitos vasodilatadores


(pois promovem a libertação de NO, PGI2 e EDHF), apresentando
uma expressão constitutiva. A sua acção é antagonizada pelo
icatibant.

Devido à sua acção vasodilatadora, as cininas desempenham um


importante papel na fisiopatologia da insuficiência cardíaca. De facto,
em situações de isquemia miocárdica, regista-se um aumento local dos
níveis de cininas, o que contribui para uma redução da área de enfarte e
para uma melhoria da função cardíaca – talvez este fenómeno explique
porque é que os IECAs parecem apresentar benefícios adicionais na
terapia da cardiopatia isquémica, por comparação aos ARBs ou aos
inibidores directos da renina.

Paralelamente, a bradicinina potencia a fibrinólise (pois promove a


libertação do activador do plasminogénio), induzindo ainda um aumento
da permeabilidade vascular. Para além disso, as cininas promovem a
acção das prostaglandinas, potenciando ainda a contracção do músculo
liso.
Sistema renina-angiotensina-
aldosterona
Componentes do sistema renina-angiotensina-
aldosterona

Renina
A renina é uma protease de aspartato, que catalisa a conversão do
angiotensinogénio em angiotensina I (Ang I), ao clivar a ligação entre os
resíduos 10 e 11 do terminal amina do angiotensinogénio.

Esta enzima é produzida e secretada pelas células justa-glomerulares


granulares, que se localizam nas paredes das arteríolas aferentes
renais. Contudo, a renina é sintetizada sob a forma de uma pró-enzima,
que é clivada, originando pró-renina. Por sua vez, a pró-renina é
proteoliticamente activada em renina, sendo esta reacção catalisada
pela pró-convertase 1 ou pela catepsina B. Para além disso, a pró-
renina também pode sofrer activação não-proteolítica, ao ligar-se ao
receptor da pró-renina/renina. Note-se que a concentração de pró-
renina em circulação é cerca de dez vezes superior à da renina activa.

Controlo da secreção de renina

A secreção de renina é maioritariamente controlada por três vias


principais:

Via da mácula densa

Via dos barorreceptores intra-renais


Via dos receptores adrenérgicos β1

Via da mácula densa

A mácula densa consiste num conjunto de células epiteliais


especializadas pertencentes à parede do ramo ascendente espesso
cortical. Estas células encontram-se adjacentes às células justa-
glomerulares, de tal modo que, uma alteração na reabsorção de sódio
pela mácula densa resulta na transmissão de sinais químicos para as
células justa-glomerulares, os quais actuam num sentido de modificar a
secreção de renina. Deste modo, aumentos no fluxo de sódio pela
mácula densa inibem a libertação de renina, enquanto decréscimos no
fluxo de sódio estimulam a libertação desta molécula.

Os peptídeos enviados pela mácula densa incluem o ATP, a adenosina


e as prostaglandinas. O ATP e a adenosina são libertados aquando de
um aumento do transporte de sódio, sendo que ambos estes
mediadores actuam nas células justa-glomerulares, inibindo a secreção
de renina (o ATP por actuação nos receptores P2Y e a adenosina por
actuação nos receptores A1).

Por oposição, as prostaglandinas (PGE2 e PGI2) são libertadas


aquando de um decréscimo do transporte de sódio, estimulando a
produção de cAMP e, por conseguinte, a libertação de renina. A
produção de prostaglandinas é estimulada pela ciclo-oxigénase 2
(COX-2) induzível e pela síntase do óxido nítrico neuronal, de tal
modo que a expressão destas duas enzimas encontra-se estimulada em
indivíduos com restrição alimentar crónica de sódio.

O transporte de sódio pela mácula densa acompanha-se do transporte


de cloreto (ambos os iões são transportados pelo simporter Na+-
K+-2Cl-), sendo que a regulação da via da mácula densa encontra-se
mais dependente da concentração luminal de cloreto que da
concentração de sódio. Ou seja, quando comparadas com as variações
nas concentrações de sódio, as variações nas concentrações de cloreto
influenciam a via da mácula densa de modo mais significativo.

Via dos barorreceptores intra-renais

As variações na pressão arterial são sentidas pelos barorreceptores


intra-renais (sitos nos vasos pré-glomerulares), os quais modulam uma
via neuronal responsável pela regulação da secreção de renina. Assim,
o aumento da pressão de perfusão renal inibe a secreção de renina,
enquanto a diminuição da pressão de perfusão acarreta o efeito oposto.
Via dos receptores adrenérgicos β1

A via dos receptores adrenérgicos conta com a participação do sistema


nervoso simpático, que actua num sentido de aumentar a secreção de
renina. De facto, os neurónios pós-ganglionares simpáticos libertam
noradrenalina, que ao activar os receptores β1 das células justa-
glomerulares, aumentam a secreção de renina.

Inibição da secreção de renina

A angiotensina II (Ang II) constitui a principal inibidora da secreção de


renina, actuando através de um mecanismo de feedback negativo. De
facto, o aumento da secreção de renina promove a formação de Ang II,
a qual estimula os receptores AT-1 das células justa-glomerulares,
inibindo a secreção de renina. Para além deste mecanismo de
feedback negativo de ansa curta, a Ang II inibe a secreção de renina
por vias de feedback negativo de ansa longa. De facto, ao induzir um
aumento da pressão arterial, a Ang II promove uma série de acções que
culminam com a inibição da secreção de renina, nomeadamente:

Activação dos barorreceptores de alta-pressão e subsequente


inibição do tónus simpático

Aumento da pressão arterial nos vasos pré-glomerulares

Diminuição da reabsorção de sódio e cloreto no túbulo proximal


(natriurese de pressão), e consequente aumento da quantidade
de sódio e cloreto sentidas pela mácula densa.

As vias fisiológicas de regulação da secreção de renina são


influenciadas pela pressão arterial, consumo diário de sal, e por vários
agentes farmacológicos. De facto, os diuréticos de ansa estimulam a
libertação de renina, na medida em que diminuem a pressão arterial e
bloqueiam a reabsorção de sódio na mácula densa. Por seu turno, os
anti-inflamatórios não-esteróides (AINEs) inibem a síntese de
prostaglandinas e, por conseguinte, diminuem a libertação de renina. Tal
como expectável, também os fármacos simpatolíticos de acção
central e os β-bloqueadores diminuem a secreção de renina. Por
oposição, os inibidores da enzima de conversão da angiotensina
(IECAs), os inibidores dos receptores da angiotensina (ARBs) e os
inibidores da renina inibem os mecanismos de feedback negativo de
ansa curta e a ansa longa, aumentando a secreção de renina.

Angiotensinogénio
O angiotensinogénio constitui o substrato da renina – de facto, a
renina cliva o terminal amina do angiotensinogénio, originando Ang I. A
síntese de angiotensinogénio ocorre maioritariamente ao nível hepático
(embora o tecido adiposo, o rim e o sistema nervoso central também
participem na síntese deste peptídeo), sendo estimulada pela
inflamação, insulina, estrogénios, glicocorticóides, hormonas tiroideias e
angiotensina II. Note-se, contudo, que o angiotensinogénio é
inicialmente secretado sob a forma de pró-enzima (pré-
angiotensinogénio).

A taxa de síntese de Ang II (e, como tal, a pressão arterial) é


determinada por alterações nos níveis de angiotensinogénio. De facto,
os contraceptivos orais contendo estrogénios aumentam os níveis de
angiotensinogénio circulante, podendo induzir hipertensão. Note-se que
um fenómeno similar é observável na gravidez. Por outro lado, existem
mutações no gene do angiotensinogénio que se correlacionam com um
aumento da sua síntese plasmática e, por conseguinte, estão
implicadas em algumas formas de hipertensão essencial e hipertensão
induzida pela gravidez.

Enzima de conversão da angiotensina (ACE, cinínase


II, carboxipeptidase dos dipeptídeos)
A ACE é uma ectoenzima (ou seja, uma enzima ancorada à membrana
celular, mas que actua no meio extracelular) constituída por dois
domínios homólogos, cada um com um local catalítico e uma região de
ligação ao zinco. A ACE endotelial constitui a principal responsável pela
conversão da Ang I em Ang II, embora esta reacção também possa
ocorrer lentamente no plasma por vias não-enzimáticas.
A ACE é uma enzima pouco específica, clivando unidades dipeptídicas
presentes em substratos com diferentes sequências aminoacídicas.
Todavia, a sua (baixa) especificidade é suficiente para que esta enzima
não degrade a Ang II. A ACE é também designada por cinínase II,
sendo a enzima responsável pela inactivação da bradicinina (entre
outros peptídeos vasodilatadores).

Como expectável, polimorfismos no gene da ACE que cursem com


aumentos dos níveis séricos desta enzima estão associados a um
aumento do risco de hipertensão, hipertrofia cardíaca, aterosclerose e
nefropatia diabética. Todavia, tais polimorfismos podem se revelar
protectores contra a doença de Alzheimer.

Enzima de conversão da angiotensina 2 (ACE2) e


Ang(1-7)
A ACE2 é uma carboxipeptidase similar à ACE, sendo responsável pela
conversão da Ang I em Ang(1-9), bem como (e, sobretudo) pela
conversão da Ang II em Ang(1-7). A importância fisiológica da ACE2
permanece desconhecida, pensando-se que esta enzima actue como
contra-reguladora dos efeitos da ACE. De facto, a ACE2 limita as
acções da Ang II, ao convertê-la em Ang(1-7), a qual se liga aos
receptores Mas (que se encontram acoplados à proteína G),
despoletando respostas vasodilatadoras, anti-proliferativas, anti-
angiogénicas, anti-trombóticos, e cardio-protectoras. Para além disso, a
Ang(1-7) promove a produção de NO, potencia os efeitos
vasodilatadores da renina e inibe a via das ERK1/2.

Assim, a diminuição da expressão da ACE2 está associada à génese de


hipertensão, defeitos da contractilidade miocárdica e aumento dos
níveis de Ang II. Em termos farmacológicos, a ACE2 não interfere com o
metabolismo da bradicinina nem é inibida pelos IECAs. De facto, os
IECAs até aumentam os níveis tecidulares e plasmáticos de Ang(1-7),
na medida em que aumentam os níveis de Ang I, desviando-a da
formação de Ang II. Para além dos IECAs, também os ARBs potenciam
a síntese de Ang(1-7) (vide infra).

De referir que, para além da ACE2, várias outras enzimas podem


produzir Ang(1-7). De facto, a Ang I e a Ang II conseguem ambas ser
convertidas em Ang(1-7), caso sejam metabolizadas, respectivamente,
por endopeptídases e pela prolilcarboxipeptídase.

Ang III e Ang IV


Quando comparada com a Ang II, a Ang I desempenha um efeito
desprezável no músculo liso, coração e córtex supra-renal.

Por seu turno, a Ang III (Ang2-8) desempenha efeitos similares à Ang
II, sendo que, embora ambas estimulem a secreção de aldosterona de
modo equipotente, a Ang III revela-se menos eficaz que a Ang II a
elevar a pressão arterial e a estimular a medula da glândula supra-renal.
Em termos bioquímicos, a Ang III pode ser formada a partir da Ang II ou
da Ang (2-10), sendo para isso necessária a acção da aminopeptídase
ou da ACE, respectivamente.

Por fim, a Ang IV (Ang3-8) é formada a partir da Ang III, através da


acção catalítica da aminopeptídase M. A Ang IV liga-se a receptores
AT-4 expressos a nível central e periférico, desempenhando importantes
efeitos na memória e cognição. De facto, a ligação da Ang IV aos
receptores AT-4 inibe a actividade catalítica dos domínios IRAP
associados, levando à acumulação de vários neuropeptídeos
associados à potenciação da memória - não admira, portanto, que
estejam a ser desenvolvidos análogos da Ang IV para uso na terapia do
Alzheimer. Já ao nível periférico, a Ang IV induz vasodilatação renal,
natriurese, diferenciação neuronal, hipertrofia, inflamação e
remodelagem da matriz extracelular.

Angiotensinases
As angiotensinases englobam um conjunto de enzimas não-
específicas responsáveis pela degradação e inactivação das
angiotensinas. Estas enzimas pertencem à família das
aminopeptídases, endopeptídases e carboxipeptídases. No que
concerne à sua expressão, as angiotensinases encontram-se expressas
na maioria dos leitos vasculares, com excepção do leito pulmonar.

Sistemas renina-angiotensina locais (tecidulares)


O sistema renina-angiotensina não constitui apenas um sistema
endócrino clássico – de facto, em vários tecidos, verifica-se a presença
de um sistema renina-angiotensina local. Esses sistemas locais, que
podem ser do tipo extrínseco ou intrínseco, resultam na produção
tecidular de angiotensina II e desempenham importantes papéis na
hipertrofia, inflamação, remodelagem e apoptose.

Sistema renina-angiotensina local extrínseco

Nos tecidos caracterizados pela existência de sistemas renina-


angiotensina extrínsecos, os elementos do sistema renina-angiotensina
são produzidos no rim e no fígado, mas desempenham efeitos
tecidulares locais (a título de exemplo, a renina circulante de origem
renal é captada pela parede arterial e por outros tecidos).

Sistema renina-angiotensina local intrínseco

Vários tecidos (tais como o encéfalo, a hipófise, os vasos sanguíneos, o


coração, a glândula supra-renal e o rim) são capazes de produzir a sua
própria renina, angiotensinogénio e/ou ACE. Assim, estes tecidos
produzem os seus próprios componentes do sistema renina-
angiotensina.

Receptor da pró-renina/renina (PRR)


O PRR constitui o receptor funcional da pró-renina e renina,
encontrando-se expresso à superfície celular, nomeadamente, ao nível
do coração, encéfalo, glândula supra-renal, placenta, tecido adiposo,
fígado e rins. Para além dos efeitos mais óbvios, este receptor parece
desempenhar um importante papel na cognição e desenvolvimento
encefálico, de tal modo que mutações no gene do PRR cursam com
atraso mental e epilepsia.

A ligação da pró-renina ao PRR induz a sua activação não-proteolítica,


e respectiva conversão em renina. Por seu turno, quando ligada ao seu
receptor, a renina catalisa a conversão do angiotensinogénio em Ang I.
Para além disso, a ligação da pró-renina/renina ao PRR também activa
várias vias de sinalização indutoras de fibrose, nefrose e danos
orgânicos. Dado serem independentes da Ang II, estas vias não são
bloqueadas pelos IECAs ou pelos ARBs.
Para além de se ligarem ao
PRR, a pró-renina e a renina
também se ligam ao
receptor da manose-6-
fosfato, o qual actua como
um receptor inactivador.

Apesar de constituir a
percursora da renina, a pró-
renina não se encontra
totalmente desprovida de
actividade. De facto, a pró-
renina revela-se capaz de
activar sistemas renina-
angiotensina locais, bem
como eventos dependentes e
independentes da Ang II que
contribuem para a ocorrência
de lesões tecidulares. Note-
se que, por comparação com
os indivíduos saudáveis, os
indivíduos

diabéticos expressam
maiores concentrações de
renina, as quais estão
associadas a um risco
superior de nefropatia,
fibrose renal e retinopatia.

Vias alternativas de biossíntese de angiotensina


O angiotensinogénio pode ser convertido directamente em Ang II, por
via da catepsina G e tonina. Para além disso, a Ang I pode ser
convertida em Ang II por via da catepsina G, enzima de síntese da
Ang II sensível à quimostatina, e químase cardíaca – esta última
enzima desempenha um papel particularmente importante no coração e
rins.
Receptores da angiotensina
A Ang II e a Ang III ligam-se a dois tipos de receptores acoplados a
proteína G – os receptores AT-1 e os receptores AT-2. A maior parte dos
efeitos biológicos da Ang II são mediados pelo receptor AT-1, de tal
modo que polimorfismos sobre-activadores deste receptor cursam com
hipertensão, cardiomiopatia hipertrófica e vasoconstrição coronária. Por
outro lado, o desenvolvimento de auto-anticorpos agonistas contra o
receptor AT-1 leva ao desenvolvimento de pré-eclâmpsia.

Por sua vez, o papel dos receptores AT-2 ainda não se encontra
totalmente conhecido. Todavia, estes receptores parecem
contrabalançar os efeitos resultantes da activação dos receptores AT-1,
ao apresentarem efeitos anti-proliferativos, pró-apoptóticos,
vasodilatadores, natriuréticos e anti-hipertensores. De acordo com a
visão clássica, o receptor AT-2 desempenha efeitos cardio-protectores.
Todavia, actualmente sabe-se que a sobre-expressão e activação
destes receptores pode contribuir para o desenvolvimento de hipertrofia
e fibrose cardíaca, de tal modo que várias doenças cardiovasculares
(tais como a insuficiência cardíaca e a doença cardíaca isquémica)
cursam com sobre-expressão dos receptores AT-2 (embora ainda se
desconheça o significado clínico deste achado). Note-se que, os
receptores AT-2 apresentam uma distribuição mais profusa no tecido
fetal, do que no tecido adulto.

Por seu turno, os efeitos da Ang(1-7) são mediados pelo receptor Mas.
De facto, a activação deste receptor desempenha um efeito cardio-
protector, vasodilatador e anti-proliferativo. Por fim, o receptor AT-4
medeia os efeitos da Ang IV, sendo co-expresso a par do transportador
de glicose GLUT4. No que concerne à sua expressão, os receptores AT-
4 encontram-se presentes no coração, vasos sanguíneos, córtex
cerebral e outras regiões do encéfalo.

Vias de sinalização activadas pela angiotensina

Os receptores AT-1 activam um vasto conjunto de sistemas de


transdução de sinal, de tal modo que os efeitos resultantes da sua
activação variam de acordo com o tipo de célula. De facto, os
receptores AT-1 podem estar acoplados a várias proteínas G, de entre
as quais se destacam as proteínas Gq, G12/13 e Gi.
Na maior parte dos tecidos, os receptores AT1 estão acoplados à
proteína Gq, activando a via da fosfolipase C/IP3 – a activação dessa
via, pode resultar na activação da PKC, fosfolipase A2 (com aumento da
produção de eicosanóides), fosfolipase D, MAPK e/ou síntase do óxido
nítrico. A activação da proteína Gq pode ainda levar a um aumento dos
níveis de cAMP, enquanto a activação da proteína Gi resulta numa
diminuição dos níveis deste segundo mensageiro. Para além disso, a
activação das proteínas Gi e G12/13 resulta na activação da via das
JAK/STAT.

De qualquer forma, estes mecanismos moleculares permitem que


angiotensina regule a expressão de vários genes relacionados com o
crescimento celular. Os receptores AT-1 também estimulam a actividade
da NAD(P)H oxidase membranar, a qual participa na génese de
espécies reactivas de oxigénio – estas moléculas regulam várias vias
moleculares, contribuindo para vários efeitos fisiológicos da Ang II. De
facto, as espécies reactivas de oxigénio desempenham efeitos agudos
na função renal, bem como efeitos crónicos na pressão arterial,
hipertrofia vascular e inflamação.

Por seu turno, os receptores AT-2 activam vias de sinalização


dependentes e independentes da proteína G. De qualquer forma, a
activação dos receptores AT-2 resulta na activação de fosfátases e de
canais de potássio, na inibição dos canais de cálcio, e num aumento da
síntese NO, cGMP e bradicinina.

Funções e acções do sistema renina-angiotensina


Os principais efeitos da Ang II no sistema cardiovascular incluem:

Aumento rápido da pressão arterial

Aumento lento da pressão arterial

Hipertrofia e remodelagem cardíaca e vascular

Resposta vasopressora rápida


Aumentos ligeiros das concentrações plasmáticas de Ang II resultam
num aumento agudo da pressão arterial, sendo que a Ang II
desempenha um efeito vasopressor mais potente que a noradrenalina.
Assim, em baixas doses, a Ang II despoleta uma resposta
vasopressora rápida e transitória, ao promover um ligeiro aumento da
resistência vascular periférica – esta resposta revela-se essencial para
manter a pressão arterial na presença de um estímulo hipotensor agudo
(tal como vasodilatação ou hemorragia). Note-se que, embora a Ang II
aumente a contractilidade e a frequência cardíaca, o rápido aumento da
pressão arterial activa o reflexo barorreceptor, que diminui o tónus
simpático e aumenta o tónus vagal. Assim, dependendo do estado
fisiológico, a Ang II, pode aumentar, diminuir, ou manter a
contractilidade cardíaca, a frequência cardíaca e o débito cardíaco. De
qualquer modo, os efeitos exercidos pela Ang II na contractilidade
cardíaca são de natureza directa (a Ang II abre os canais de cálcio
dependentes de voltagem expressos nos cardiomiócitos), enquanto os
efeitos exercidos na frequência cardíaca são de natureza indirecta,
dependendo de um aumento do tónus simpático.

Vasoconstrição directa

Ao actuar nos receptores AT-1 das células musculares lisas (activando a


via da Gq-PLC-IP3-Ca2+), a Ang II promove a contracção das arteríolas
pré-capilares e, em menor extensão, das vénulas pós-capilares.
Contudo, o efeito da Ang II não é uniforme em todos os leitos
vasculares, fazendo se preferencialmente sentir nos leitos renal e
esplâncnico. Por oposição, os leitos encefálico e coronário são menos
afectados pela acção da Ang II, embora elevadas concentrações deste
mediador possam resultar num decréscimo do fluxo sanguíneo para o
encéfalo e coração.

Aumento periférico da actividade simpática

A Ang II promove a libertação de noradrenalina a partir dos terminais


nervosos simpáticos, na medida em que inibe a recaptação de
noradrenalina para esses terminais. Para além disso, a Ang II aumenta
a resposta vascular à noradrenalina e, em elevadas concentrações,
estimula directamente os gânglios simpáticos.

Efeitos no sistema nervoso central


Ao actuar nos órgãos circum-ventriculares, a Ang II inibe o reflexo
barorreceptor e, por conseguinte, aumenta o tónus simpático, o que
contribui para a sua acção vasopressora. Todavia, nem toda a Ang II
que actua no sistema nervoso central tem origem na circulação – de
facto, o encéfalo contém todos os componentes do sistema renina-
angiotensina, o que possibilita a síntese encefálica de Ang II. De
qualquer modo, ao nível central, a Ang II não só aumenta o tónus
simpático, como também promove um aumento da sede e da libertação
neurohipofisária de vasopressina.

Libertação de catecolaminas da medula supra-renal

A Ang II despolariza as células cromafins, promovendo a libertação supra-


renal de catecolaminas.

Resposta vasopressora lenta


A Ang II também despoleta uma resposta vasopressora lenta,
ajudando a estabilizar a pressão arterial a longo-prazo. Esta resposta
lenta parece resultar do decréscimo da função excretora renal, bem
como da estimulação da síntese de endotelina-1 e superóxido. Note-se
que o efeito vasopressor lento pode ser conseguido com recurso à
administração prolongada de doses reduzidas de Ang II.

Alteração da função renal

A Ang II desempenha efeitos significativos na função renal, na medida


em que reduz a excreção renal de sódio e água, promovendo
simultaneamente a excreção de potássio. Na verdade, a Ang II actua
num sentido de estimular a reabsorção de sódio e cloreto, ao estimular
o trocador Na+/H+, e os simporter Na+/glicose e Na+-K+-2Cl-.
Curiosamente, a elevadas concentrações, a Ang II parece inibir o
transporte de sódio no túbulo proximal.

Note-se que o túbulo proximal secreta angiotensinogénio, enquanto o


túbulo conector liberta renina, de tal modo que parece existir um
sistema renina-angiotensina tubular envolvido na regulação da
reabsorção de sódio.
Estimulação da libertação de aldosterona

A Ang II actua na zona glomerulosa do córtex supra-renal, estimulando


a síntese e secreção de aldosterona, sendo este fenómeno promovido
por concentrações de Ang II inferiores às necessárias para regular
agudamente a pressão arterial. Uma vez que, ao actuar nos túbulos
distais e colectores, a aldosterona promove a retenção de sódio e a
excreção de potássio, a libertação desta molécula aumenta aquando da
presença de hiponatrémia ou hipercalémia.

Alteração da hemodinâmica renal

A Ang II reduz o fluxo sanguíneo renal e a função excretora renal,


actuando através de três mecanismos:

Contracção directa do músculo liso vascular renal

Aumento do tónus simpático renal

Estimulação da transmissão adrenérgica renal

A Ang II induz a contracção da microvasculatura pré-glomerular, sendo


que este efeito é exacerbado pela presença de adenosina endógena,
dado existirem sistemas de transdução de sinal activados
simultaneamente pelos receptores AT-1 e A1.

Assim, a Ang II influencia a taxa de filtração glomerular através de vários


mecanismos:

Contracção das arteríolas aferentes – Este fenómeno tende


reduzir a pressão intra-glomerular e, por conseguinte, a taxa de
filtração glomerular

Contracção das células mesangiais – Este mecanismo diminui


a área de superfície capilar disponível para filtração glomerular e,
por isso, tende a diminuir a taxa de filtração glomerular

Contracção das arteríolas eferentes – Este efeito tende a


aumentar a pressão intra-glomerular e, por conseguinte, a taxa de
filtração glomerular.
Assim, normalmente, a Ang II reduz ligeiramente a taxa de filtração
glomerular. Contudo, durante a hipotensão arterial renal, predominam
os efeitos da Ang II nas arteríolas eferentes, de tal modo que a Ang II
passa a aumentar a taxa de filtração glomerular. Assim, a inibição do
sistema renina-angiotensina pode despoletar insuficiência renal aguda
em pacientes com estenose bilateral da artéria renal.

Hipertrofia e remodelagem cardíaca e vascular


A Ang II promove a ocorrência de remodelagem no sistema
cardiovascular, ao induzir hiperplasia, hipertrofia, aumento da migração
celular e aumento da quantidade de matriz extracelular. Estas
alterações deletérias, que aumentam a morbilidade e a mortalidade, são
promovidas pela Ang II, na medida em que esta molécula:

Estimula a migração, proliferação e hipertrofia das células


musculares lisas vasculares

Induz hipertrofia dos cardiomiócitos

Aumenta a produção de matriz extracelular pelas células


musculares lisas vasculares e dos fibroblastos cardíacos

Efeitos nos parâmetros hemodinâmicos cardiovasculares

Para além de desempenhar efeitos directos na estrutura cardiovascular,


a Ang II induz alterações da pré-carga (por expansão do volume
secundária a retenção de sódio) e na pós-carga (por aumentos na
pressão arterial), o que contribui para a hipertrofia e remodelagem
cardíaca. A hipertensão arterial também contribui para hipertrofia e
remodelagem dos vasos sanguíneos.

Papel do sistema renina-angiotensina na manutenção


da pressão arterial
O sistema renina-angiotensina desempenha um papel essencial na
manutenção a longo prazo da pressão arterial, não obstante variações
extremas do consumo de sódio. Assim, aquando de um baixo consumo
de sódio, ocorre estimulação da libertação de renina e, por conseguinte,
a retenção de sódio aumenta. Por oposição, aquando de um elevado
consumo de sódio, ocorre inibição da libertação de renina e, por
conseguinte, a excreção de sódio aumenta. Deste modo, não admira
que, aquando da inibição farmacológica do sistema renina-angiotensina,
as alterações do consumo de sal passam se a repercutir de modo mais
significativo na pressão arterial.

Outros efeitos do sistema renina-angiotensina


A expressão do sistema renina-angiotensina é necessária para o
desenvolvimento da normal morfologia renal (sobretudo para a
maturação das papilas renais). Para além disso, a Ang II desempenha
um importante efeito anorexiante, de tal modo que níveis elevados
desta molécula parecem contribuir para a anorexia, perda de peso e
caquexia associadas à insuficiência cardíaca.

Inibidores do sistema renina-angiotensina


Actualmente, são utilizados três tipos de inibidores do sistema renina-
angiotensina, nomeadamente:

Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECAs)

Bloqueadores dos receptores da angiotensina (ARBs)

Inibidores directos da renina

Inibidores da enzima de conversão da angiotensina


Os IECAs actuam num
sentido de inibir a conversão
da Ang I em Ang II, sendo que
a inibição da produção de Ang
II está associada a uma
diminuição da pressão arterial
e a um aumento da natriurese.
Contudo, a ACE apresenta
vários substratos, de tal modo
que a inibição desta enzima
pode produzir efeitos não-
relacionados com a redução
dos níveis de Ang II. A título
de exemplo, os IECAs
aumentam os níveis de
bradicinina, sendo que esta
molécula estimula a
biossíntese de
prostaglandinas. Por outro
lado, os IECAs aumentam os
níveis circulantes do regulador
das stem cells N-acetil-seril-
aspartil-lisil-prolina, o que
poderá contribuir para os
efeitos cardio-protectores
destes fármacos.

Para além disso, os IECAs aumentam a secreção de renina e a taxa de


formação da Ang I, ao interferirem com as vias de feedback de ansa
longa e ansa curta. Contudo, a Ang I em excesso é desviada para vias
metabólicas alternativas, levando à génese de maior quantidade de
peptídeos vasodilatadores, tais como a Ang(1-7).

Em indivíduos saudáveis, uma única dose oral de IECAs apresenta


efeitos desprezáveis na pressão arterial sistémica, embora a
administração de doses repetidas durante um longo período de tempo
resulte numa pequena queda da pressão arterial. Por oposição, em
indivíduos com défice de sódio, mesmo uma única dose desses
inibidores resulta numa diminuição significativa da pressão arterial.

Farmacologia clínica

Os IECAs podem ser classificados em três grupos, de acordo com a sua


estrutura química:
IECAs contendo sulfidril: Captopril

IECAs contendo dicarboxil: enalapril, lisinopril, benazepril,


quinapril, moexipril, ramipril, trandolapril e perindopril (todos estes
fármacos são estruturalmente semelhantes ao enalapril)

IECAs contendo fósforo: Fosinopril

Com excepção do captopril e lisinopril, os IECAs consistem em pró-


fármacos (contendo ligações éster), sendo menos potentes, mas
apresentando maior biodisponibilidade oral que as respectivas
moléculas activas. Com excepção do fosinopril e do espirapril (que são,
quase equitativamente, eliminados pelo fígado e rim), os IECAs são
predominantemente excretados por via renal. Deste modo, em
indivíduos com insuficiência renal, deve-se proceder a ajustes das
doses administradas destes fármacos.

A presença de elevada actividade de renina plasmática torna os


pacientes hipersensíveis à hipotensão induzida pelos IECAs, de tal
modo que as doses iniciais dos IECAs deverão ser mais reduzidas em
pacientes com elevados níveis plasmáticos de renina (por exemplo,
indivíduos com insuficiência cardíaca).

Todos os IECAs bloqueiam a conversão da Ang I em Ang II,


apresentando as mesmas indicações terapêuticas, efeitos adversos e
contra-indicações. Assim, as diferenças entre os IECAs são,
maioritariamente, de natureza farmacocinética - a título de exemplo, os
IECAs diferem amplamente na sua distribuição tecidular. Para além
disso, apesar do captopril e o enalapril apresentarem eficácia e
segurança similares, o captopril parece ter um efeito mais favorável na
qualidade de vida.

Captopril

O captopril é um potente IECA, que, em termos estruturais, contém um


grupo sulfidril. Quando administrado por via oral, o captopril é
rapidamente absorvido e apresenta uma biodisponibilidade próxima dos
75% (este valor é menor na presença de alimentos). Este fármaco
apresenta um período de semi-vida de duas horas, sendo
maioritariamente eliminado por via renal - cerca de metade é eliminado
de forma intacta, enquanto o resto é eliminado sob a forma de dímeros
de dissulfido de captopril ou de dissulfido de captopril-cisteína.

Enalapril e enalaprilat

O maleato de enalapril é um pró-fármaco cuja conversão no seu


metabolito activo (enalaprilat) requer a acção hidrolítica de esterases
hepáticas. O enalaprilat é um potente IECA, diferindo do captopril pelo
facto de ser um análogo de um tripeptídeo, e não um análogo de um
dipeptídeo. Note-se que, por oposição ao enalapril, o enalaprilat não
sofre absorção por via oral, mas pode ser administrado por via intra-
venosa.

Em termos farmacocinéticos, quando administrado por via oral, o


enalapril é rapidamente absorvido, apresentando uma biodisponibilidade
próxima de 60%. O seu tempo de semi-vida de jure ronda a 1-2 horas,
todavia, o enalapril liga-se fortemente à ACE, de tal modo que o seu
tempo de semi-vida plasmático de facto ronda as 11 horas. No que
concerne à sua eliminação, a maior parte deste fármaco é eliminada por
via renal, quer sob a forma de enalapril, quer sob a forma de enalaprilat.

Lisinopril

O lisinopril constitui o análogo de lisina do enalaprilat - contudo,


contrariamente ao enalapril, o lisinopril revela-se activo per se. Quando
administrado por via oral, o lisinopril sofre uma absorção lenta, variável
e incompleta. Este fármaco é eliminado por via renal de forma intacta,
sendo que o seu período de semi-vida ronda as 12 horas. De referir que
o lisinopril não sofre acumulação tecidular.

Benazepril

benazepril é um pró-fármaco, cuja conversão no seu metabolito activo


(benazeprilat) requer a acção hidrolítica de esterases hepáticas. Por
sua vez, o benazeprilat é um IECA mais potente que o captopril,
enalaprilat ou lisinopril.

Em termos farmacocinéticos, quando administrado por via oral, o


benazepril sofre absorção rápida, mas incompleta (a biodisponibilidade
é pouco afectada pelos alimentos). Ao nível hepático, o benazepril é
quase completamente metabolizado em benazeprilat e em conjugados
glicuronados, os quais são excretados por via urinária e biliar. Este
fármaco apresenta um tempo de semi-vida plasmático de 10-11 horas,
não sofrendo acumulação tecidular, excepto ao nível dos pulmões.

Fosinopril

O fosinopril é um IECA que, em termos estruturais, apresenta um


grupo fosfinato capaz de se ligar ao centro activo da ACE. O fosinopril
é um pró-fármaco cuja conversão no seu metabolito activo
(fosinoprilat) requer a acção hidrolítica de esterases hepáticas. Por seu
turno, o fosinoprilat revela-se mais potente que o captopril, mas menos
potente que o enalaprilat.

Em termos farmacocinéticos, quando administrado por via oral, o


fosinopril é absorvido de forma lenta e incompleta (embora,
quantitativamente, a sua absorção não seja afectada pelos alimentos).
O fosinopril é altamente metabolizado em fosinoprilat e no respectivo
conjugado glicuronado, sendo que ambos os metabolitos são
eliminados por via renal ou biliar. Este fármaco apresenta um tempo de
semi-vida de 11,5 horas, o qual não é significativamente afectado pela
presença de insuficiência renal.

Trandolapril

O trandolapril pode ser administrado por via oral, sendo que a sua
absorção não é afectada pela presença de alimentos. O trandolapril é
um pró-fármaco que, ao nível hepático, é metabolizado em
trandolaprilat (o seu composto activo) e em metabolitos inactivos
(nomeadamente glicuronatos) – esses metabolitos sofrem excreção por
via renal e biliar. O trandolapril apresenta um longo período de semi-
vida (fruto da sua lenta dissociação da ACE), o qual aumenta em
pacientes com insuficiência renal ou hepática.

Quinapril
O quinapril é um pró-fármaco cuja conversão no seu metabolito activo
(quinaprilat) requer a acção hidrolítica de esterases hepáticas (essa
conversão encontra-se diminuída em pacientes com insuficiência
hepática). Por seu turno, o quinaprilat é tão potente como o
benazeprilat.

Quando administrado por via oral, o quinapril é rapidamente absorvido,


sendo que a sua velocidade de absorção diminui na presença de
alimentos. O quinaprilat e os restantes metabolitos do quinapril são
maioritariamente excretados na urina, embora uma fracção significativa
seja excretada nas fezes. O quinapril apresenta um longo período de
semi-vida (que ronda as 25 horas), fruto da sua lenta dissociação da
ACE.

Ramipril

O ramipril é um pró-fármaco cuja conversão no seu metabolito activo


(ramiprilat) requer a acção hidrolítica de esterases hepáticas. Por seu
turno, o ramiprilat é tão potente como o benazeprilat.

Quando administrado por via oral, o ramipril é rapidamente absorvido,


sendo que a sua velocidade de absorção diminui na presença de
alimentos. O ramipril é metabolizado, não só, em ramiprilat, mas
também em metabolitos inactivos (nomeadamente glicuronatos), os
quais são maioritariamente excretados por via renal. No que concerne à
sua eliminação, o ramiprilat é excretado de modo trifásico, o que reflecte
a ocorrência sequencial de distribuição tecidular, remoção de ramiprilat
livre do plasma, e dissociação de ramiprilat da ACE tecidular (a duração
deste último processo pode superar as 50 horas).

Cilazapril

cilazapril é o pró-fármaco do cliazaprilat. Este fármaco apresenta um


longo período de semi-vida, que permite uma única administração
diária. O cilazapril é usado na terapia da hipertensão, pois diminui a
resistência vascular periférica, a resistência capilar pulmonar e a massa
ventricular esquerda. Para além disso, este fármaco parece
desempenhar um efeito protector na circulação cerebral, bem como
aumentar a tolerância à glicose e a sensibilidade à insulina em
pacientes não-diabéticos. Todavia, já foram descritos casos de efusão
pleural na sequência do uso deste fármaco.

Imidapril

O imidapril é o pró-fármaco do imidaprilat, que não só se revela eficaz


na terapia da hipertensão essencial, como também aumenta a
capacidade de realização de esforços em pacientes com insuficiência
cardíaca. Para além disso, este fármaco acarreta benefícios de cariz
renal nos pacientes com diabetes tipo I. Este fármaco é bem tolerado,
apresentando menor frequência de efeitos adversos, quando
comparado com o enalapril ou o benazepril.

Zofenopril

O zofenopril é o pró-fármaco do zofenoprilat, que se revela altamente


eficaz em pacientes com doença coronária e enfarte do miocárdio. De
facto, este fármaco apresenta um efeito anti-isquémico e actua num
sentido de reduzir a pressão arterial e aumentar a função ventricular
esquerda. Assim, as suas propriedades cardio-protectoras tornam este
fármaco adequado para uso em pacientes com doença cardiovascular.

Moexipril

O moexipril é um pró-fármaco cuja acção anti-hipertensora é mediada


pelo seu metabolito desterificado (moexiprilat). Quando administrado
por via oral, o moexipril sofre incompleta absorção, apresentando baixa
biodisponibilidade (a qual diminui significativamente na presença de
alimentos). O seu tempo de semi-vida varia entre as duas e as doze
horas.

Perindopril

A erbumina de perindopril é um pró-fármaco cuja conversão no seu


metabolito activo (perindoprilat) requer a acção hidrolítica de esterases
hepáticas. Note-se que, embora não afectem a biodisponibilidade oral
do perindopril, os alimentos reduzem a biodisponibilidade oral do
perindoprilat. Ao nível hepático, o perindopril é, não só convertido em
perindoprilat, mas também em metabolitos inactivos (nomeadamente
glicuronatos), os quais são maioritariamente excretados por via renal. O
perindoprilat é maioritariamente excretado por via renal, apresentando
um padrão de eliminação bifásico, em parte devido à sua lenta
dissociação da ACE tecidular.

Aplicações terapêuticas

Hipertensão arterial

A inibição da ACE reduz a resistência vascular sistémica e, por


conseguinte, as pressões arteriais média, sistólica e diastólica. Não
admira, portanto, que os IECAs sejam utilizados no tratamento de vários
estados hipertensivos, com excepção da hipertensão por
aldosteronismo sistémico.

A acção inicial dos IECAs na pressão arterial depende dos níveis pré-
tratamento de renina e Ang II plasmática. Por outro lado, a diminuição a
longo prazo da pressão arterial resulta de um aumento da excreção de
sódio e água, bem como de uma redução da resistência periférica total.
Os vasos renais revelam-se particularmente sensíveis às acções
vasoconstrictoras da Ang II, de tal modo que os IECAs aumentam o
fluxo sanguíneo renal, ao induzirem vasodilatação das arteríolas
aferente e eferente. Ora, uma vez que esse aumento do fluxo renal não
se acompanha por um aumento da taxa de filtração glomerular, verifica-
se uma diminuição da fracção de filtração (que corresponde ao rácio
entre a taxa de filtração glomerular e o fluxo plasmático renal).

Os IECAs causam dilatação arteriolar sistémica e aumentam a


compliance das grandes artérias, o que contribui para uma redução da
pressão sistólica. Por oposição, a função cardíaca dos pacientes com
hipertensão não-complicada mantém-se praticamente inalterada,
embora o volume de ejecção e o débito cardíaco possam aumentar
ligeiramente em situações de tratamento sustentado. Por outro lado, os
IECAs não comprometem os reflexos barorreceptor e cardiovascular,
nem as respostas às alterações posturais e ao exercício.

Para além disso, os IECAs levam a uma diminuição (não muito


acentuada) da secreção de aldosterona. De facto, aquando do uso de
IECAs, a secreção de aldosterona é mantida em níveis adequados por
parte de outros estímulos esteroidogénicos, tais como a ACTH e o
potássio – note-se que a actividade destes secretagogos no córtex
supra-renal requer a presença de quantidades muito pequenas de Ang
II, as quais encontram-se sempre presentes, na medida em que a
inibição da ACE nunca se revela completa. De qualquer modo, ocorre
sempre diminuição da secreção de aldosterona, de tal modo que os
pacientes que estejam simultaneamente a tomar fármacos que reduzam
a excreção de potássio podem desenvolver hipercalémia.

De referir que os diuréticos (nomeadamente os tiazídicos) aumentam a


resposta anti-hipertensora dos IECAs, de tal modo que estes fármacos
são frequentemente co-administrados.

Disfunção sistólica ventricular esquerda

A menos que se encontrem contra-indicados, os IECAs devem ser


administrados a todos os pacientes com disfunção sistólica ventricular
esquerda (mesmo que não manifestem sintomas de insuficiência
cardíaca). De facto, o uso de IECAs em pacientes com disfunção
sistólica previne ou atrasa a progressão da insuficiência cardíaca,
diminui a incidência de morte súbita e enfarte do miocárdio, diminui o
número de hospitalizações e melhora a qualidade de vida. Deste modo,
não admira que quanto maior for a disfunção sistólica, maior o benefício
resultante da acção dos IECAs.

Em termos hemodinâmicos, os IECAs diminuem a pós-carga e o stress


de parede sistólico, aumentando simultaneamente o débito cardíaco, o
volume de ejecção e o índice cardíaco. Por outro lado, estes fármacos
revertem o decréscimo na compliance arterial induzido pela Ang II. Para
além disso, nos pacientes com disfunção sistólica, os IECAs tendem a
reduzir a frequência cardíaca, a pressão arterial sistémica e a
resistência vascular renal.

Os IECAs induzem queda abrupta da resistência reno-vascular e da


diminuição da secreção de aldosterona, o que possibilita um aumento
do fluxo sanguíneo renal e da natriurese. Assim, o uso destes fármacos
está associado a uma diminuição do (excessivo) volume de fluidos
corporais, o que resulta numa diminuição do retorno venoso para o
coração direito e, por conseguinte, numa redução da pré-carga.
Apesar de a Ang II apresentar reduzida actividade venoconstrictora, a
exposição prolongada a este peptídeo aumenta o tónus venoso. Assim,
não admira que os IECAs possam exercer um efeito venodilatador. Para
além disso, estes fármacos diminuem a pressão arterial pulmonar, a
pressão capilar pulmonar e as pressões (e volumes) de enchimento no
coração esquerdo. Consequentemente, estes fármacos induzem um
decréscimo da pré-carga e do stress de parede diastólico – ora, esse
melhor desempenho hemodinâmico resulta num aumento da tolerância
ao exercício e na supressão da actividade simpática.

Em pacientes com insuficiência cardíaca, os IECAs reduzem a dilatação


ventricular e tendem a reestabelecer a normal forma elíptica cardíaca.
Assim, estes fármacos actuam num sentido de reverter a remodelagem
ventricular, ao induzirem alterações na pré-carga e na pós-carga,
através da prevenção dos efeitos proliferativos da Ang II nos miócitos, e
através da atenuação da fibrose cardíaca induzida pela Ang II e
aldosterona.

Enfarte agudo do miocárdio

O uso de IECAs no enfarte agudo do miocárdio revela-se benéfico,


sobretudo em pacientes hipertensos e diabéticos. De facto, a menos
que se encontrem contra-indicados (tal como numa situação de choque
cardiogénico ou hipotensão grave), os IECAs devem ser imediatamente
administrados durante a fase aguda de um enfarte agudo do miocárdio,
podendo ser co-administrados com β-bloqueadores, aspirina, ou
trombolíticos.

Em pacientes de elevado risco de desenvolvimento de eventos


cardiovasculares, os IECAs devem ser utilizados a longo prazo. De
facto, o uso de IECAs induz um decréscimo significativo do risco de
enfarte do miocárdio, AVC, e morte por eventos cardiovasculares em
pacientes com doença coronária, diabetes, ou qualquer outro factor de
risco cardiovascular.

Diabetes mellitus e insuficiência renal

A diabetes mellitus constitui a principal causa de doença renal, sendo


que em pacientes com diabetes mellitus tipo I e nefropatia diabética, o
captopril e o lisinopril previnem ou atrasam a progressão de doença
renal. De facto, os IECAs medeiam efeitos protectores renais, os quais
são parcialmente independentes da sua acção hipotensora, de tal modo
que estes fármacos também atenuam a progressão da insuficiência
renal em pacientes não-diabéticos com várias nefropatias. Para além
disso, os IECAs podem diminuir a progressão de retinopatia em doentes
com diabetes tipo I.

A acção protectora renal dos IECAs parece depender de vários


mecanismos. A título de exemplo, estes fármacos diminuem a pressão
capilar glomerular, o que reduz as lesões infligidas aos capilares
glomerulares. Por outro lado, estes fármacos aumentam a selectividade
da membrana de filtração glomerular, diminuindo a exposição aos
factores proteináceos que podem contribuir para a expansão do
mesângio na nefropatia diabética. Por fim, uma vez que a Ang II
constitui um factor de crescimento, a diminuição dos seus níveis intra-
renais acarreta uma ulterior diminuição do crescimento celular e da
produção de matriz extracelular.

De referir que, em termos de patologia renal, o uso de IECAs aumenta


consideravelmente a sobrevida dos pacientes com crise renal
esclerodérmica.

Efeitos adversos

No cômputo geral, os IECAs são bem tolerados, apresentando uma


reduzida frequência de efeitos adversos. De facto, para além de não
alterarem as concentrações plasmáticas de ácido úrico ou cálcio, estes
fármacos até podem aumentar a sensibilidade à insulina em pacientes
resistentes, bem como diminuir os níveis de colesterol e lipoproteínas
em pacientes com doença renal proteinúrica.

Hipotensão

Após administração da primeira dose de um IECA a pacientes com


elevada actividade da renina plasmática, pode se registar uma queda
abrupta da pressão arterial. Assim, de modo a evitar a génese de crises
hipotensivas, deverá haver um cuidado especial em pacientes com
défice de sal, que estejam a usar múltiplos fármacos anti-hipertensores,
ou que apresentem insuficiência cardíaca.
Tosse

Os IECAs podem induzir uma tosse seca, resultante da acumulação


pulmonar de bradicinina, substância P e/ou prostaglandinas. A tosse
induzida pelos IECAs é atenuada pelos antagonistas do tromboxano,
aspirina e suplementos de ferro. Contudo, em algumas situações, torna-
se necessário reduzir a dose administrada de IECA, ou proceder à
substituição por um ARB.

Hipercalémia

Em pacientes com normal função renal, o desenvolvimento de


hipercalémia é raro, embora tal fenómeno seja algo mais frequente em
diabéticos, pacientes com insuficiência renal, ou pacientes que estejam
a tomar diuréticos poupadores de potássio, suplementos de potássio, β-
bloqueadores e AINEs.

Insuficiência renal aguda

Em situações de baixa perfusão renal, a Ang II induz contracção das


arteríolas eferentes, contribuindo assim para a manutenção da normal
filtração glomerular. Ora, a inibição da ACE pode induzir insuficiência
renal aguda em pacientes com estenose arterial renal bilateral,
insuficiência cardíaca, ou depleção de volume secundária a diarreia ou
ao uso de diuréticos.

Efeitos deletérios no feto

Os IECAs podem ser deletérios para o feto, na medida em que podem


induzir hipotensão fetal. Assim, os IECAs não deverão ser
administrados durante a gravidez.

Rash cutâneo

Os IECAs podem causar um rash maculo-papular que pode cursar com


prurido. Este rash (de resto, transitório) está frequentemente associado
ao uso de captopril, embora também possa ser despoletado na
sequência do uso de outros IECAs.
Angioedema

Numa pequena fracção de pacientes, os IECAs induzem o


desenvolvimento de angioedema, caracterizado por uma rápida
edemaciação do nariz, cavidade oral, glote, laringe, lábios e/ou língua
(embora mais raro, pode se ainda desenvolver angioedema intestinal,
caracterizado pela presença de emese, diarreia aquosa e dor
abdominal). Todavia, aquando da descontinuação do uso de IECAs, o
angioedema desaparece num período de horas. Caso o angioedema
coloque em perigo as vias aéreas do paciente, deverão ser
administradas adrenalina, anti-histamínicos e/ou glicocorticóides.

Outros efeitos laterais

Para além dos efeitos laterais supracitados, os IECAs podem induzir


disgeusia (alteração ou perda do paladar), neutropenia, proteinúria,
glicosúria e hepatotoxicidade. Apesar de extremamente raros, todos
estes efeitos são reversíveis.

Interacções farmacológicas

As principais interacções farmacológicas dos IECAs são as seguintes:

Anti-ácidos: Podem reduzir a biodisponibilidade dos IECAs

Capsaicina: Pode agravar a tosse induzida pelos IECAs.

AINEs (incluindo a aspirina): Podem reduzir a resposta anti-


hipertensora dos IECAs

Diuréticos poupadores de potássio e suplementos de


potássio: Podem exacerbar a hipercalémia induzida pelos IECAs.

Os IECAs podem aumentar os níveis plasmáticos de digoxina e


lítio, podendo ainda exacerbar as reacções de hipersensibilidade
ao alopurinol

Antagonistas não-peptídicos dos receptores da


angiotensina II
Efeitos farmacológicos

Os bloqueadores dos receptores da Ang II (ARBs) ligam-se aos


receptores AT-1 com elevada afinidade e selectividade. Todavia, os
ARBs não se ligam todos aos receptores AT-1 com a mesma afinidade,
sendo que o candesartan e olmesartan constituem os ARBs com
maior afinidade, enquanto o losartan se destaca como sendo o ARB
com menor afinidade.

Apesar de os ARBs se ligarem aos receptores AT-1 de modo


competitivo, a resposta máxima destes receptores à Ang II não é
passível de ser restabelecida na presença de um ARB,
independentemente da concentração de Ang II adicionada à preparação
experimental. Ora, este fenómeno parece se dever não só à lenta
velocidade de dissociação dos complexos ARB-AT-1, mas também à
internalização de receptores AT-1 induzida pelos ARBs.

De referir que, em termos farmacocinéticos, os ARBs apresentam baixa


biodisponibilidade (com excepção do irbesartan, todos os restantes
ARBs apresentam uma biodisponibilidade inferior a 50%), mas uma
elevada capacidade de ligação às proteínas plasmáticas (>90%).

Os ARBs inibem a maior parte dos efeitos biológicos da Ang II de modo


potente e selectivo. De facto, os seguintes efeitos são promovidos pela
Ang II e inibidos pelos ARB:

Contracção do músculo liso vascular

Resposta vasopressora rápida

Resposta vasopressora lenta

Sede
Libertação de vasopressina

Secreção de aldosterona

Libertação de catecolaminas supra-renais

Aumento da neurotransmissão noradrenérgica


Aumento do tónus simpático

Alterações da função renal

Hiperplasia e hipertrofia celular

Assim, tal como os IECAs, os ARBs reduzem a pressão arterial em


indivíduos com elevados níveis de renina plasmática, mas
desempenham um efeito reduzido na pressão arterial de indivíduos com
hipertensão associada a baixos níveis de renina.

Apesar de tanto os ARBs como os IECAs bloquearem o sistema renina-


angiotensina, estas duas classes de fármacos diferem em vários
parâmetros importantes:

Os ARBs reduzem a activação dos receptores AT-1 de modo mais


eficaz que os IECAs. De facto, ao actuarem na ACE, os IECAs
reduzem a biossíntese de Ang II, mas não inibem as vias
alternativas de génese de Ang II (mecanismo de “escape da Ang
II”). Por seu turno, ao actuarem nos receptores AT-1, os ARBs
inibem as acções da Ang II, independentemente da via bioquímica
responsável pela génese deste mediador.

Por oposição aos IECAs, os ARBs possibilitam a activação dos


receptores AT-2. Na verdade, os ARBs estimulam a secreção de
renina, o que resulta num aumento dos níveis de Ang II. Ora, uma
vez que os receptores AT-1 são bloqueados pelos ARBs, a Ang II
“vê-se obrigada a ligar-se” aos receptores AT-2.

Por comparação com os ARBs, os IECAs podem aumentar os


níveis de Ang(1-7) de modo mais significativo. De facto, a ACE
encontra-se envolvida na clearance de Ang(1-7), de tal modo que
a inibição desta enzima resulta na génese de níveis superiores de
Ang(1-7).

Os IECAs aumentam os níveis de vários substratos da ACE,


incluindo a bradicinina e a Ac-SDKP.
Contudo, não obstante as diferenças supracitadas, desconhece-se se o
uso de ARBs ou IECAs resulta em diferenças significativas no que
concerne aos seus outcomes terapêuticos.

Cilexetil de candesartan

O cilexetil de candesartan é um pró-fármaco, sendo completamente


hidrolisado na sua forma activa (candesartan), aquando da sua
absorção pelo tracto gastro-intestinal. O seu período de semi-vida ronda
as nove horas, sendo que a sua eliminação ocorre maioritariamente por
via biliar (embora uma fracção significativa seja eliminada por via renal).
A clearance plasmática do candesartan é afectada pela insuficiência
renal, mas não pela insuficiência hepática ligeira/moderada.

Eprosartan

O eprosartan apresenta um período de semi-vida plasmática de 5-9


horas, sendo eliminado por via renal e biliar - deste modo, a sua
clearance plasmática é afectada pela presença de insuficiência renal ou
hepática. Ao nível hepático, o eprosartan é parcialmente metabolizado
num conjugado glicuronado.

Irbesartan

irbesartan apresenta um período de semi-vida plasmática de 1,5-2


horas, sendo maioritariamente eliminado por via biliar (embora uma
fracção significativa seja eliminada por via renal). Note-se, contudo, que
a clearance plasmática de irbesartan não é afectada pela presença de
insuficiência renal nem de insuficiência hepática ligeira/moderada. De
referir que, ao nível hepático, este fármaco é parcialmente metabolizado
num conjugado glicuronado.

Losartan

Cerca de 14% do losartan administrado por via oral é convertido no


metabolito EXP3174 (um metabolito de ácido 5-carboxílico), o qual
bloqueia os receptores AT1 de modo mais potente que o losartan. A
biotransformação do losartan (tanto em EXP3174 como em metabolitos
inactivos) ocorre ao nível hepático, sendo mediada pelo CYP2C9 e pelo
CYP3A4.
O EXP3174 apresenta um período de semi-vida superior ao do losartan,
sendo que ambos estes compostos são eliminados por via renal e biliar
– todavia, a clearance plasmática destas moléculas é afectada pela
presença de insuficiência hepática, mas não pela presença de
insuficiência renal.

Para além de actuar como um ARB, o losartan constitui um antagonista


competitivo do receptor do tromboxano A2, inibindo a agregação
plaquetária. Por seu turno, o EXP3179 (um metabolito do losartan
incapaz bloquear os receptores AT-1) inibe a síntese de COX-2 e, por
conseguinte, a génese de prostaglandinas.

Medoxomil de olmesartan

O medoxomil de olmesartan é um pró-fármaco, sendo completamente


hidrolisado na sua forma activa (olmesartan) aquando da sua absorção
pelo tracto gastro-intestinal. O seu tempo de semi-vida ronda as 10-15
horas, sendo que a sua eliminação se processa por via renal e biliar.
Embora, a disfunção renal e hepática diminuam a clearance plasmática
de olmesartan, não são necessários ajustes posológicos em pacientes
com perturbações hepáticas ou renais ligeiras/moderadas.

Telmisartan

O tempo de semi-vida do telmisartan ronda as 24 horas, sendo que


este fármaco é maioritariamente excretado por via biliar e sob a forma
intacta – deste modo, a clearance plasmática do telmisartan encontra-se
perturbada em pacientes com insuficiência hepática, mas não com
insuficiência renal.

Valsartan

O valsartan é absorvido por via oral, sendo que a sua


biodisponibilidade encontra-se reduzida na presença de alimentos. Este
fármaco é excretado por via hepática, sendo que a sua clearance
plasmática encontra-se perturbada em pacientes com insuficiência
hepática, mas não com insuficiência renal.

Usos terapêuticos
Todos os ARBs podem ser usados no tratamento da hipertensão, na
medida em que estes fármacos revelam-se tão eficazes como os
IECAs, mas mais seguros. Para além disso, o irbesartan e o losartan
podem ser usados no tratamento da nefropatia diabética, sendo que o
losartan pode ainda ser usado na profilaxia do AVC. Por seu turno, o
valsartan pode ser usado na terapia da insuficiência cardíaca, podendo
ainda ser usado em pacientes estáveis com disfunção ventricular
esquerda pós-enfarte do miocárdio.

Em pacientes com insuficiência cardíaca, o losartan aumenta a


capacidade de realização de esforços, de modo similar ao enalapril. Por
seu turno, tanto o candesartan como o valsartan estão associados a
uma redução da morbilidade e mortalidade dos pacientes com
insuficiência cardíaca – de facto, o valsartan revela-se tão eficaz como o
captopril na redução da mortalidade dos pacientes com enfarte do
miocárdio complicado por disfunção sistólica ventricular esquerda.

De qualquer modo, os IECAs constituem os agentes de primeira linha


para o tratamento da insuficiência cardíaca, enquanto os ARBs devem
apenas ser usados em pacientes incapazes de tolerar os IECAs, ou que
demonstrem uma resposta insatisfatória a estes fármacos. Contudo, de
acordo com alguns estudos, o uso combinado de um ARB e um IECA
poder-se-á revelar adicionalmente benéfico na redução da mortalidade
dos pacientes com insuficiência cardíaca.

Em pacientes com diabetes mellitus tipo II, os ARBs desempenham


uma acção protectora renal, em parte através de mecanismos
independentes da redução da pressão arterial. Para além disso, em
pacientes hipertensos com hipertrofia ventricular esquerda, os ARBs
parecem ser mais eficazes que os β-bloqueadores na redução do risco
de AVC. Por seu turno, o irbesartan parece manter o ritmo sinusal em
pacientes com fibrilação auricular persistente. Por fim, o losartan
revela-se seguro e eficaz no tratamento da hipertensão portal em
pacientes com cirrose e sem função renal compensatória.

Efeitos adversos

Os ARBs são geralmente bem tolerados, sendo que, quando


comparados com os IECAs, estes fármacos induzem um risco
significativamente menor de desenvolvimento de angioedema e tosse.
Contudo, tal como os IECAs, os ARBs apresentam um potencial
teratogénico, devendo ser descontinuados durante a gravidez. Para
além disso, em pacientes cuja pressão arterial ou função renal seja
maioritariamente assegurada pelo sistema renina-angiotensina
(incluindo pacientes com estenose renal), os ARBs podem causar
hipotensão, oligúria, azotemia progressiva, ou insuficiência renal aguda.

Em pacientes com insuficiência renal, ou que também estejam a tomar


diuréticos poupadores de potássio, os ARBs podem causar
hipercalémia. Para além disso, os ARBs aumentam o efeito hipotensor
de outros fármacos anti-hipertensores – esse efeito, embora desejável,
pode obrigar a um ajuste da dose administrada destes fármacos. De
referir que, associado ao uso de ARBs, já foram descritos casos de
anafilaxia, disfunção hepática, hepatite, neutropenia, leucopenia,
agranulocitose, prurido, urticária, hiponatrémia, alopécia e vasculite.

Embora os ARBs actuem num sentido de reduzir a síntese de


aldosterona, estes fármacos revelam-se incapazes de suprimir
completamente a síntese deste mediador. Assim, tal como se verifica
com os IECAs, o uso de ARBs acompanha-se por um fenómeno de
escape de aldosterona, o qual parece estar dependente da activação de
receptores AT-2.

Antagonistas peptídicos dos receptores da


angiotensina II
Os antagonistas peptídicos dos receptores da angiotensina II incluem a
saralasina, a angiotensina 8-isoleucina-1-sarcosina e as
angiotensinas 8-substituídas. No caso concreto da saralasina, este
fármaco constitui um agonista parcial dos receptores da angiotensina II,
ligando-se com igual afinidade aos receptores AT1 e AT2. Os efeitos da
saralasina dependem dos níveis prévios de angiotensina II – na
presença de uma grande concentração de angiotensina II, a saralasina
impede a ligação deste peptídeo aos seus receptores, diminuindo a
pressão arterial. Por oposição, na presença de níveis baixos/normais de
angiotensina II, a saralasina exerce um efeito vasopressor, aumentando
a pressão arterial. Em termos farmacocinéticos, este fármaco é
administrado por via intra-venosa, sendo apenas utilizado para
investigação da hipertensão dependente da renina.
Inibidores directos da renina
Os inibidores directos da renina (DRIs) são fármacos anti-
hipertensores que actuam por inibição da acção da renina (inibindo a
conversão do angiotensinogénio em Ang I). Actualmente, o aliskiren
constitui o único DRI comercializado.

Efeitos farmacológicos

O aliskiren é um inibidor competitivo da renina não-peptídico e de baixo


peso molecular. Este fármaco liga-se ao local activo da renina,
impedindo a conversão do angiotensinogénio em Ang I e, por
conseguinte, reduzindo a produção subsequente de Ang II.

O aliskiren induz uma diminuição da pressão arterial dependente da


dose e, embora reduza os níveis plasmáticos de Ang I e Ang II,
aumenta significativamente a concentração plasmática de renina,
devido à perda da via de feedback negativo de ansa curta. Para além
disso, o aliskiren diminui os níveis plasmáticos e urinários de
aldosterona, aumentando a natriurese.

Farmacocinética

O aliskiren apresenta uma baixa biodisponibilidade (próxima dos 2,5%),


a qual é compensada pela sua elevada afinidade e potência. De facto, o
aliskiren constitui um substrato da P-glicoproteína, o que explica a sua
fraca absorção oral (que é prejudicada pela presença de alimentos
lipídicos).

Este fármaco apresenta um tempo de semi-vida na ordem das 20-45


horas, sendo que a sua capacidade de ligação às proteínas plasmáticas
ronda os 50%. Apenas uma fracção desprezável deste fármaco sofre
biotransformação hepática, de tal modo que o aliskiren é
maioritariamente eliminado de forma intacta e por via fecal (embora uma
fracção significativa seja eliminada por via renal). De referir que o
aliskiren é bem tolerado em idosos e em pacientes com doença
hepática, insuficiência renal ou diabetes tipo II.
Usos terapêuticos

Hipertensão arterial

O aliskiren é um agente anti-hipertensor eficaz que induz diminuições


significativas da pressão arterial, as quais são dependentes da dose. De
facto, em pacientes com hipertensão ligeira/moderada, o efeito
hipotensor do aliskiren é similar ao dos IECAs, ARBs e hidroclorotiazida.
Para além disso, em pacientes com hipertensão grave, este fármaco
desempenha um efeito hipotensor comparável ao do lisinopril. De facto,
o longo período de semi-vida do aliskiren permite que os seus efeitos
hipotensores perdurem por vários dias, após término da terapia.

De acordo com vários estudos, o efeito hipotensor do aliskiren é aditivo


ao dos IECAs, ARBs e hidroclorotiazida. De facto, o uso combinado de
aliskiren com algum destes fármacos possibilita um decréscimo mais
amplo da pressão arterial, do que o obtido através do uso isolado de
cada um destes fármacos. Isto é passível de ser explicado pelo facto de
o aliskiren inibir a renina plasmática, cujos níveis aumentam
significativamente aquando da administração de IECAs, ARBs ou
hidroclorotiazida (note-se que os níveis plasmáticos de renina
correlacionam-se com a capacidade em gerar Ang II).

Lesões dos órgãos terminais

Como referido anteriormente, o aliskiren diminui a actividade da renina


plasmática, cujos níveis aumentam significativamente com o uso de
outros anti-hipertensores – assim, o aliskiren parece limitar

activação dos sistemas renina-angiotensina locais, o que poder-se-á


revelar protector contra o desenvolvimento de lesões nos órgãos
terminais, em situações de doença renal ou cardiovascular.

De qualquer modo, apesar de tanto o losartan como o aliskiren


diminuírem per se a pressão arterial e a massa ventricular esquerda, o
uso combinado destes fármacos não resulta numa diminuição adicional
da massa ventricular esquerda. Contudo, o uso combinado de aliskiren
e IECAs revela-se benéfico na terapia da insuficiência cardíaca. De
facto, em pacientes com esta patologia, o uso de aliskiren está
associado a uma redução dos níveis de aldosterona, bem como dos
níveis plasmáticos e urinários de BNP.

Para além disso, o aliskiren desempenha um efeito protector renal em


pacientes com hipertensão e diabetes tipo II, sendo que esse efeito
reno-protector revela-se independente dos seus efeitos hipotensores.

Em suma, o aliskiren constitui um agente anti-hipertensor eficaz que é


bem tolerado em monoterapia e em terapia combinada. Este fármaco
desempenha efeitos cardio-protectores e reno-protectores, quando
administrado em terapia combinada, embora ainda se desconheçam as
suas vantagens a longo-prazo. Em termos clínicos, o aliskiren encontra-
se recomendado para pacientes intolerantes a outras terapias anti-
hipertensoras, ou para uso combinado com outros fármacos
hipotensores.

Efeitos adversos

O aliskiren é um fármaco bem tolerado, apresentando poucos efeitos


adversos. De qualquer modo, os seus efeitos laterais incluem diarreia,
dor abdominal, dispepsia, refluxo gastro-esofágico, cefaleias,
nasofaringite, tonturas, fadiga, infecções do tracto respiratório superior,
lombalgias, angioedema e tosse (a qual se revela muito menos comum,
do que aquando do uso de IECAs). Para além disso, já foram descritos
casos de rash, hipotensão, hipercalémia, cálculos renais, hiperuricémia
e gota. Tal como outros inibidores do sistema renina-angiotensina, o
aliskiren não deve ser usado na gravidez.

Interacções farmacológicas

Embora não interaja com os fármacos metabolizados pelas enzimas da


família CYP, o aliskiren reduz a absorção da furosamida. Por outro lado,
o irbesartan reduz as concentrações máximas de aliskiren, enquanto os
fármacos que inibem a P-glicoproteína (tais como o cetoconazole, o
atorvastatin e a ciclosporina) desempenham o efeito oposto.

Inibidores das vasopeptídases


Os inibidores das vasopeptídases são inibidores da enzima de
conversão da angiotensina e da endopeptídase neutral (NEP),
actuando num sentido de aumentar os níveis de peptídeos natriuréticos
e de diminuir a génese de angiotensina II. Assim, estes fármacos
promovem a ocorrência de vasodilatação e natriurese, reduzindo a
resistência vascular periférica e a pressão sanguínea. De entre os
inibidores da vasopeptídase, destaque para o omapatrilat, sampatrilat
e fasidotrilat.

O omapatrilat diminui a pressão arterial em indivíduos hipertensos,


melhorando a função cardíaca em pacientes com insuficiência cardíaca.
Todavia, este fármaco potencia a ocorrência de angioedema e tosse,
não sendo usado na prática clínica. O sampatrilat também foi pensado
para uso da terapia da hipertensão arterial e insuficiência cardíaca,
estando associado a uma diminuição da remodelagem cardíaca.
Diuréticos
Introdução
Por definição, os diuréticos são fármacos que aumentam o fluxo
urinário, embora um diurético clinicamente útil também deva aumentar a
excreção de sódio (natriurese) e de um outro ião (normalmente o
cloreto). De facto, os diuréticos são maioritariamente usados com o
objectivo de reduzir o volume do fluido extracelular, algo que é possível
com recurso a uma diminuição dos níveis de cloreto de sódio (note-se
que o cloreto de sódio constitui o principal determinante da volémia).

Para além de alterarem a excreção de sódio, os diuréticos podem


modificar a excreção renal de outros iões (tais como o potássio, cálcio,
magnésio, cloreto, bicarbonato e fosfato) e de ácido úrico. Para além
disso, os diuréticos podem induzir alterações indirectas da
hemodinâmica renal.

A existência de desequilíbrios sustentados entre o consumo e a


excreção de sódio revela-se incompatível com a vida. De facto,
enquanto um balanço positivo de sódio resulta numa sobrecarga de
volume com edema pulmonar, um balanço negativo de sódio resulta
numa depleção de volume e em colapso cardiovascular. Ora, embora a
administração contínua de um diurético cause um défice sustentado de
sódio, este é compensado por mecanismos compensatórios renais, os
quais atenuam a natriurese induzida por estes fármacos (fenómeno de
diuretic braking). Estes mecanismos compensatórios incluem os
seguintes:

Activação do sistema nervoso simpático

Activação do sistema renina-angiotensina-aldosterona

Diminuição da pressão arterial (este fenómeno reduz a natriurese


de pressão)

Hipertrofia das células epiteliais renais

Aumento da expressão de transportadores epiteliais renais


Possíveis alterações dos níveis de hormonas natriuréticas

Inibidores da anídrase carbónica


A acetazolamida, a diclorofenamida e a metazolamida constituem os
três inibidores da anídrase carbónica passíveis de serem
administrados por via oral. Em termos químicos, estes fármacos
pertencem à classe das sulfonamidas, revelando reduzida utilidade
clínica.

Mecanismo de acção
As células epiteliais do túbulo proximal expressam elevadas
quantidades de anídrase carbónica, tanto ao nível das membranas
basolateral e luminal (anídrase carbónica do tipo IV), como ao nível
do citoplasma (anídrase carbónica do tipo II).

No túbulo proximal, o gradiente criado pela bomba de sódio e potássio


“alimenta” um antiporter Na+/H+ (transportador NHE). Este
transportador transporta simultaneamente H+ para o lúmen tubular e
Na+ para o interior das células renais. No lúmen tubular, o H+ reage
com o HCO3- filtrado, originando H2CO3, o qual sofre a acção da
anídrase carbónica membranar, sendo rapidamente decomposto em
CO2 e H2O. Por seu turno, o CO2 difunde-se rapidamente para o interior
das células epiteliais, onde reage com a água, formando H2CO3- (note-
se que esta reacção é catalisada pela anídrase carbónica
citoplasmática), o qual se decompõe espontaneamente em HCO3- e H+.

Ora, enquanto o H+ é excretado pelos mecanismos supracitados, o


HCO3- abandona as células renais por via de um simporter Na+/HCO3-
expresso ao nível da membrana basolateral. Assim, passa a ocorrer
transporte de NaHCO3 desde o lúmen tubular para o espaço intersticial,
o que acarreta um movimento de água (e cloreto) no mesmo sentido
(reabsorção isotónica).
Os inibidores da anídrase
carbónica inibem
simultaneamente as
formas membranares e
citoplasmática da
anídrase carbónica,
induzindo uma supressão
quase total da reabsorção
de NaHCO3 no túbulo
proximal. Devido ao
grande excesso de
anídrase carbónica nos
túbulos proximais, deverá
ocorrer inibição de um
elevado conjunto destas
enzimas para que ocorra
uma modificação da
excreção de electrólitos.
Embora o túbulo proximal
constitua o principal

local de acção dos inibidores da anídrase carbónica, esta enzima


encontra-se também envolvida na secreção de ácido titulável no
sistema tubular colector, de tal modo que este constitui um local
secundário de actuação destes diuréticos.

Efeitos na excreção urinária


A inibição da anídrase carbónica resulta num rápido aumento da
excreção urinária de HCO3-, o que induz um aumento do pH urinário e
potencia o risco de desenvolvimento de acidose metabólica. Todavia,
mesmo na presença de uma extensa inibição da anídrase carbónica,
cerca de 65% do HCO3- é “salvo da excreção”, por mecanismos ainda
pouco conhecidos.

A acção dos inibidores da anídrase carbónica resulta num aumento do


transporte de sódio e cloreto até à ansa de Henle, a qual apresenta uma
grande capacidade de reabsorção, capturando a maior parte do cloreto (e
uma pequena porção do sódio). Deste modo, o uso destes diuréticos induz
um aumento apenas ligeiro da excreção de cloreto, mas um aumento
significativo da excreção de HCO3-. Para além disso, regista-se um aumento
ligeiro da excreção de sódio, e um aumento significativo da excreção de
potássio. Esse aumento da excreção de potássio resulta do aumento do
transporte de sódio para as porções distais do nefrónio (vide infra), bem
como da activação de outros mecanismos caliuréticos (tais como o sistema
renina-angiotensina-aldosterona). Para além disso, os inibidores da anídrase
carbónica aumentam a excreção de fosfato, mas não exercem qualquer
efeito na excreção de cálcio ou magnésio.

Os efeitos dos inibidores da anídrase carbónica na excreção renal são


auto-limitados, provavelmente porque a acidose metabólica resultante
diminui a quantidade de HCO3- filtrada. Para além disso, de acordo com
estudos recentes, a acidose induz uma alteração na estrutura da
anídrase carbónica, tornando-a menos sensível à acção dos seus
inibidores.

Efeitos hemodinâmicos renais


Ao inibirem a reabsorção proximal, os inibidores da anídrase carbónica
aumentam a quantidade de solutos que contacta com a mácula densa.
Ora, isto aumenta o feedback tubulo-glomerular, o qual aumenta a
resistência arteriolar aferente e reduz o fluxo sanguíneo renal e a taxa
de filtração glomerular.

Outras acções
A anídrase carbónica encontra-se presente em vários tecidos extra-
renais, incluindo o olho, a mucosa gástrica, o pâncreas, o sistema
nervoso central e os eritrócitos. Ao nível ocular, a anídrase carbónica
catalisa a formação de grandes quantidades de HCO3- no humor
aquoso, de tal modo que a sua inibição resulta num decréscimo da
formação de humor aquoso, o que se traduz por uma redução da
pressão intra-ocular.

Por outro lado, ao actuar no sistema nervoso central, a acetazolamida


causa frequentemente parestesias e sonolência. Para além disso, este
fármaco dispõe propriedades anti-convulsionantes directas que, a par
da sua capacidade em induzir acidose metabólica, podem se revelar
úteis na terapia da epilepsia.
Ao actuar nos eritrócitos, os inibidores da anídrase carbónica aumentam
os níveis de CO2 nos tecidos periféricos, diminuindo os níveis de CO2
no ar expirado. Para além disso, doses elevadas destes fármacos
revelam-se capazes de inibir a secreção gástrica, embora este achado
não apresente qualquer aplicação terapêutica. Por fim, a acetazolamida
causa vasodilatação, ao abrir canais de potássios activados por cálcio –
todavia, desconhece-se ainda o significado clínico deste efeito.

Farmacocinética
Os inibidores da anídrase carbónica ligam-se avidamente à anídrase
carbónica, de tal modo que os tecidos ricos nesta enzima concentram
quantidades mais elevadas destes fármacos.

Toxicidade e efeitos adversos


Embora o desenvolvimento de reacções adversas graves seja pouco
frequente, os inibidores da anídrase carbónica podem causar depressão
da medula óssea, toxicidade cutânea, lesões renais e reacções
alérgicas. Note-se que o desenvolvimento destes efeitos adversos não é
exclusivo dos inibidores da anídrase carbónica, sendo comum a outras
sulfonamidas.

Quando administrados em doses elevadas, estes fármacos podem


induzir sonolência e parestesias. Para além disso, os inibidores da
anídrase carbónica podem causar acidose metabólica ou alcalinização
urinária, o que pode resultar em vários efeitos adversos,
nomeadamente:

Desvio da amónia de origem renal para a circulação


sistémica: Este processo pode induzir (ou exacerbar)
encefalopatia hepática, de tal modo que os inibidores da anídrase
carbónica encontram-se contra-indicados em pacientes com
cirrose hepática.
Formação de cálculos e cólicas uretrais, devido à precipitação
de sais de fosfato de cálcio na urina alcalina.

Exacerbação de um quadro de acidose metabólica ou


respiratória: Estes fármacos encontram-se contra-indicados em
pacientes com acidose hiperclorémica ou doença pulmonar
obstructiva crónica grave.

Redução da taxa de excreção urinária de bases orgânicas


fracas

Usos terapêuticos
Embora a acetazolamida seja usada no tratamento do edema, a
administração isolada de inibidores da anídrase carbónica revela-se
pouco eficaz, de tal modo que estes fármacos não são frequentemente
administrados em monoterapia. Por oposição, em pacientes com baixa
excreção funcional basal de sódio, a co-administração de acetazolamida
com outros diuréticos bloqueadores da reabsorção de sódio resulta
numa resposta natriurética significativa. De qualquer modo, a utilidade a
longo prazo dos inibidores da anídrase carbónica é limitada pela
possibilidade de desenvolvimento de acidose metabólica.

A terapia do glaucoma de ângulo aberto constitui a principal indicação


para uso dos inibidores da anídrase carbónica – nessa situação,
procede se à aplicação tópica ocular de dorzolamida e brinzolamida.
Para além disso, os inibidores da anídrase carbónica podem ser
utilizados no tratamento do glaucoma secundário, bem como na
preparação pré-operatória do glaucoma de ângulo fechado. A
acetazolamida é ainda usada no tratamento da epilepsia, embora o
rápido desenvolvimento de tolerância constitua um obstáculo à sua
utilização.

A acetazolamida assegura um alívio sintomático a pacientes com


“doença das montanhas” (resultante da exposição a altitudes elevadas),
embora deva ser administrada de modo profilático. Para além disso,
este fármaco revela-se eficaz em pacientes com paralisia periódica
familiar, bem como no tratamento de ectasia dural em pacientes com
síndrome de Marfan. A acetazolamida pode ainda ser usada da terapia
da apneia do sono, da hipertensão intra-craniana idiopática, da
nefrolitíase por ácido úrico e da alcalose metabólica (especialmente se
esta estiver relacionada com aumentos na excreção de H+ induzidos
por diuréticos).

Diuréticos osmóticos
Os diuréticos osmóticos são agentes que são livremente filtrados no
glomérulo, sofrem reabsorção tubular renal, e são relativamente inertes
sob o ponto de vista farmacológico. Estes fármacos actuam num sentido
de aumentar a osmolalidade do plasma e do fluido tubular, acarretando
maior excreção de água. Assim, estes fármacos demonstram um
intenso efeito diurético, mas um efeito natriurético modesto.
Actualmente, são usados quatro diuréticos osmóticos – glicerina,
isosorbida, manitol e ureia.

Mecanismo de acção
Os diuréticos osmóticos actuam no túbulo proximal e, sobretudo, na
ansa de Henle. Como são substâncias osmoticamente activas, quando
presentes no lúmen tubular, estes fármacos impedem a reabsorção de
água e, secundariamente, a reabsorção de sódio.

Por seu turno, no meio interno, estes fármacos promovem a saída de


água desde o compartimento intracelular. Assim, os diuréticos
osmóticos induzem expansão do volume extracelular, diminuição da
viscosidade do sangue, e inibição da libertação de renina. Estas acções
resultam num aumento do fluxo plasmático renal, o que potencia a
remoção de NaCl e ureia a partir da medula renal.

Consequentemente, ocorre redução da tonicidade medular, o que


também prejudica a reabsorção de água ao nível da porção
descendente da ansa de Henle.

Os diuréticos osmóticos revelam-se ainda particularmente capazes de


inibir a reabsorção de magnésio, o que sugere que estes fármacos
também interferem com alguns processos de transporte ocorridos no
ramo ascendente espesso da ansa de Henle (onde este ião é
maioritariamente absorvido). Desconhece-se, contudo, o significado
clínico desta acção.

Efeitos na excreção urinária


Os diuréticos osmóticos aumentam a excreção renal de quase todos os
electrólitos, incluindo o sódio, potássio, cálcio, magnésio, cloreto,
bicarbonato e fosfato.
Efeitos na hemodinâmica renal
Os diuréticos osmóticos aumentam o fluxo plasmático renal através de
vários mecanismos. De facto, estes fármacos induzem dilatação das
arteríolas aferentes, aumentando a pressão hidrostática dos capilares
glomerulares e diluindo o plasma, o que resulta num decréscimo da
pressão oncótica capilar. Contudo, os diuréticos osmóticos aumentam
simultaneamente a pressão hidrostática no espaço de Bowman, de tal
modo que a taxa de filtração glomerular permanece inalterada.

Toxicidade e efeitos adversos


Ao aumentarem a osmolalidade extracelular, os diuréticos osmóticos
promovem a saída de água (desde o compartimento intracelular) para o
compartimento extracelular e, por conseguinte, potenciam a expansão
do volume extracelular. Ora, em pacientes com insuficiência cardíaca ou
congestão pulmonar, este fenómeno pode resultar no desenvolvimento
de edema pulmonar.

Para além disso, este fluxo de água também causa hiponatrémia, o que
pode explicar alguns efeitos adversos comuns destes fármacos,
incluindo cefaleias, náuseas e vómitos. Por outro lado, na presença de
um excesso de electrólitos, a perda de água pode causar hipernatrémia
e desidratação. De referir que os diuréticos osmóticos também
potenciam o risco de acidose metabólica.

Os diuréticos osmóticos encontram-se contra-indicados em pacientes


anúricos por doença renal grave. Por outro lado, a ureia não deve ser
administrada a pacientes com insuficiência hepática, dado potenciar a
elevação dos níveis plasmáticos de amónia. Tanto o manitol como a
ureia encontram-se contra-indicados em pacientes com hemorragia
craniana activa. Por seu turno, quando metabolizada, a glicerina pode
causar hiperglicemia.

Usos terapêuticos
O manitol pode ser utilizado no tratamento dos desequilíbrios
electrolíticos resultantes da diálise. De facto, na hemodiálise, os solutos
podem ser removidos de modo tão rápido, que se passe a registar uma
redução da osmolalidade do fluido extracelular. Consequentemente,
ocorre um movimento da água desde o compartimento extracelular para o
compartimento intracelular, o que causa hipotensão, cefaleias, náuseas,
inquietude, depressão do sistema nervoso central, e convulsões. Ora, ao
aumentarem a osmolalidade do compartimento extracelular, os diuréticos
osmóticos “obrigam” a que a água regresse ao compartimento
extracelular.

Ao aumentarem a pressão osmótica do plasma, os diuréticos osmóticos


extraem água proveniente do olho e encéfalo. Assim, todos os
diuréticos osmóticos são usados com o objectivo de controlar a pressão
intra-ocular durante episódios agudos de glaucoma. Para além disso,
estes fármacos podem ser utilizados para induzir reduções a curto-
prazo na pressão intra-ocular em pacientes indicados para cirurgia
ocular, sendo aplicados tanto no período pré-operatório como no
período pós-operatório. Por fim, o manitol e a ureia são administrados
com o objectivo de reduzir o edema cerebral e a massa encefálica,
antes e após ocorrência de neurocirurgia.

Por fim, em termos renais, os diuréticos osmóticos podem ser usados


na profilaxia da insuficiência renal, pois, ao induzirem um aumento da
taxa de filtração glomerular e fluxo sanguíneo renal, revelam-se
capazes de prevenir a necrose tubular aguda subjacente a várias
condições, tais como a mioglobinúria.

De referir que, a glicerina e a isosorbida podem ser administrados por


via oral, enquanto o manitol e a ureia devem ser administrados por via
intra-venosa.

Inibidores do simporter Na+-K+-2Cl- (diuréticos de


ansa)

Os diuréticos de ansa inibem a actividade do simporter Na+-K+-2Cl-,


o qual é expresso no ramo ascendente espesso da ansa de Henle.
Embora o túbulo proximal reabsorva cerca de 65% do sódio filtrado, os
diuréticos que actuam apenas no túbulo proximal apresentam uma
eficácia limitada, na medida em que o seu efeito é passível de ser
anulado pela elevada capacidade reabsorptiva do ramo ascendente
espesso. Por outro lado, os diuréticos que actuam distalmente ao ramo
ascendente espesso também apresentam uma eficácia limitada, na
medida em que apenas uma pequena percentagem do sódio filtrado
chega a esses locais mais distais.

Por oposição, os inibidores do simporter Na+-K+-2Cl- superam as duas


limitações supracitadas. Assim, se tomarmos em conta os factos abaixo
descritos, torna-se fácil compreender porque é que estes fármacos se
revelam tão eficazes:

Uma fracção significativa (cerca de 25%) da quantidade filtrada


de sódio sofre reabsorção no ramo ascendente espesso.

Os segmentos distais ao ramo ascendente espesso não


apresentam uma capacidade reabsorptiva elevada, não sendo
capazes de anular o efeito dos diuréticos de ansa.

Estrutura química
De acordo com a sua estrutura química, é possível agrupar os inibidores
dos simporter Na+-K+-2Cl- em três classes:

Sulfonamidas: Furosemida e bumetanida

Derivados do ácido fenoxiacético: Ácido etacrínico

Sulfonilureias: Torsemida

Mecanismo e local de acção


Os inibidores do simporter
Na+-K+-2Cl-actuam
maioritariamente no ramo
ascendente espesso da ansa
de Henle. Para além disso,
alguns destes fármacos
parecem desempenhar efeitos
adicionais no túbulo proximal,
embora o significado clínico
desses efeitos permaneça
desconhecido.

simporter Na+-K+-2Cl-
transporta Na+, K+ e Cl- desde
o lúmen tubular até ao interior
das células epiteliais renais, de
tal modo que a inibição deste
transportador resulta num
aumento da excreção destes
iões. Desconhecem-se ainda
os mecanismos moleculares
através dos quais os diuréticos
de ansa actuam, embora se
pense que estes fármacos se
liguem ao local de ligação do
cloreto sito no domínio
transmembranar do simporter.

Após serem captados pelas células do ramo ascendente espesso da


ansa de Henle, o potássio e cloreto sofrem diferentes processos de
extrusão – ora, isto gera uma diferença de potencial transepitelial que
favorece o transporte paracelular de cálcio e magnésio para o fluido
intersticial. Ora, ao inibirem a reabsorção de potássio e cloreto, os
diuréticos de ansa suprimem a diferença de potencial supracitada,
inibindo a reabsorção de cálcio e magnésio no ramo ascendente
espesso.

Efeitos na excreção urinária

Ao bloquearem o simporter Na+-K+-2Cl-, os diuréticos de ansa


aumentam significativamente a excreção de sódio e cloreto, bem como
a excreção de cálcio e magnésio. Assim, quando administrados em
doses excessivas, estes fármacos podem induzir desidratação e
depleção de electrólitos.

Alguns diuréticos de ansa pertencentes ao grupo das sulfonamidas


podem ainda actuar como inibidores fracos da anídrase carbónica – de
facto, este efeito é observável com o uso de furosemida, mas não com o
uso de bumetanida. Como referido anteriormente, os diuréticos capazes
de inibir a anídrase carbónica aumentam a excreção renal de HCO3- e
fosfato.

Todos os inibidores do simporter Na+-K+-2Cl- aumentam a excreção de


potássio e ácido titulável, o que pode ser parcialmente devido a um
aumento do transporte de sódio para o túbulo distal (vide infra). Para
além disso, estes fármacos activam outros mecanismos que potenciam
a excreção de potássio e H+, tais como o sistema renina-angiotensina-
aldosterona e a secreção não-osmótica de vasopressina.

A administração crónica de diuréticos de ansa resulta numa diminuição


da excreção de ácido úrico (não obstante o facto de, agudamente, estes
fármacos aumentarem a excreção de ácido úrico). Assim, o uso destes
fármacos leva frequentemente ao desenvolvimento de hiperuricemia
assintomática, embora a ocorrência de gota constitua um fenómeno
raro.
Ao bloquearem a reabsorção activa de NaCl, os inibidores do simporter
Na+-K+-2Cl- interferem de modo crítico com a produção de um
interstício medular hipertónico. Assim, os diuréticos de ansa diminuem a
capacidade renal de concentrar urina. Por outro lado, o ramo
ascendente espesso pertence ao segmento diluidor, de tal modo que os
inibidores do simporter Na+-K+-2Cl- diminuem a capacidade renal de
excretar urina diluída.

Efeitos hemodinâmicos renais


Os diuréticos de ansa apresentam efeitos variáveis no fluxo plasmático
renal. De qualquer forma, na maior parte dos casos, estes fármacos
aumentam o fluxo plasmático renal total, redistribuindo-o para o córtex
médio. O mecanismo através do qual este aumento se processa não é
conhecido, parecendo envolver a acção de prostaglandinas. Este
argumento baseia-se no facto de que os anti-inflamatórios não-
esteróides (AINEs), que inibem a síntese de prostaglandinas, atenuam
a acção diurética dos inibidores do simporter Na+-K+-2Cl-.

Para além disso, os diuréticos de ansa diminuem a taxa de filtração


glomerular, ao inibirem o transporte de NaCl para a mácula densa. Por
outro lado, ao interferirem com o transporte de NaCl para a mácula
densa, os diuréticos de ansa estimulam a síntese de renina.

Outras acções
Os diuréticos de ansa, sobretudo a furosemida, aumentam agudamente
a capacitância venosa sistémica e, por conseguinte, diminuem a
pressão de enchimento ventricular esquerda. Este efeito, que parece
ser mediado por prostaglandinas, revela-se benéfico em pacientes
com edema pulmonar.

Doses elevadas de diuréticos de ansa podem inibir o transporte de


electrólitos em vários tecidos extra-renais – este efeito apenas se revela
clinicamente relevante no ouvido interno, onde alterações na
composição electrolítica da endolinfa podem contribuir para a
ototoxicidade induzida por estes fármacos. Note-se que a ototoxicidade
irreversível ocorre mais frequentemente em pacientes submetidos a
doses mais elevadas destes diuréticos, ou que estejam
concomitantemente a tomar outros fármacos ototóxicos.

A furosemida e o ácido etacrínico revelam-se capazes de inibir a bomba


de sódio e potássio, a glicólise, a respiração mitocondrial, a bomba de
cálcio microssomal, a adenil cíclase, a fosfodiesterase e a
desidrogénase das prostaglandinas – todavia, estes efeitos não
apresentam quaisquer implicações terapêuticas.

Farmacocinética
Todos os diuréticos de ansa (com excepção da torsemida) podem ser
administrados por via oral e injectável. A furosemida, a bumetanida, o
ácido etacrínico e a torsemida apresentam uma elevada capacidade de
ligação às proteínas plasmáticas, de tal modo que estes fármacos são
maioritariamente transportados para o lúmen tubular por secreção
tubular (e não por filtração glomerular). O probenecid inibe
competitivamente a secreção de furosemida, motivo pelo qual desloca a
curva de concentração-resposta da furosemida para a direita.

Cerca de 65% da furosemida é excretada na urina de forma intacta,


enquanto a restante fracção é excretada sob a forma de um conjugado
glicuronado. Desta forma, o período de semi-vida deste fármaco
encontra-se prolongado em pacientes com insuficiência renal, mas não
em pacientes com insuficiência hepática. Por oposição, a bumetanida e
a torsemida sofrem uma extensa metabolização hepática, de tal modo
que o período de semi-vida destes fármacos encontra-se prolongado
em pacientes com insuficiência hepática, mas não em pacientes com
insuficiência renal.

Em média, a furosemida apresenta uma biodisponibilidade oral próxima


dos 60%, embora esse valor seja altamente variável. Por seu turno, a
bumetanida e a torsemida apresentam uma biodisponibilidade oral
relativamente elevada. De facto, as diferenças na absorção parecem
explicar porque é que os pacientes com insuficiência cardíaca
demonstram maior qualidade de vida quando medicados com
torsemida, do que quando medicados com furosemida.

Os diuréticos de ansa apresentam um curto tempo de semi-vida,


embora a torsemida apresente um período de semi-vida superior aos
restantes fármacos da sua classe. Ora, à medida que diminui a
concentração tubular dos diuréticos de ansa, os nefrónios começam a
absorver uma grande quantidade de sódio, o que anula frequentemente
o efeito dos diuréticos de ansa. Este fenómeno de “retenção de sódio
pós-diurética” pode ser evitado através da restrição da ingestão
alimentar de sódio, ou através do aumento da frequência de
administração dos diuréticos de ansa.

Toxicidade
A maior parte dos efeitos adversos associados ao uso de diuréticos de
ansa resulta de anomalias no equilíbrio de fluido e electrólitos. De facto,
a sobredosagem de diuréticos de ansa pode resultar numa grave
depleção de sódio.
Para além de poderem causar hiponatrémia, estes fármacos podem
induzir depleção do volume extracelular, o que pode condicionar um
quadro de hipotensão, diminuição da taxa de filtração glomerular,
colapso circulatório, episódios tromboembólicos e, em pacientes com
doença hepática, encefalopatia hepática.

O aumento do transporte de sódio para o túbulo distal (sobretudo em


situações que cursam com activação do sistema renina-angiotensina)
leva a um aumento da excreção renal de potássio e H+, causando
alcalose hipoclorémica. Caso a ingestão de potássio não seja suficiente
para compensar a sua maior excreção, pode se desenvolver
hipocalémia, o que pode resultar na génese de arritmias. Note-se que
este efeito encontra-se exacerbado em pacientes que também estejam
a tomar glicosídeos cardíacos.

Por outro lado, os diuréticos de ansa potenciam a excreção de


magnésio e cálcio, o que pode resultar no desenvolvimento de
hipomagnesemia (o que constitui um factor de risco para a génese de
arritmias cardíacas) e hipocalcémia. De facto, pensa-se que estes
fármacos devam ser evitados nas mulheres pós-menopáusicas, na
medida em que o aumento da excreção de cálcio pode se revelar
deletério no metabolismo ósseo destas mulheres.

Os diuréticos de ansa podem causar ototoxicidade, a qual se manifesta


pela presença de tinito, vertigens e hipoacusia/surdez (sendo este
fenómeno normalmente reversível). Note-se que a ototoxicidade resulta
frequentemente da administração intra-venosa rápida destes diuréticos.
De referir que, o ácido etacrínico parece ser o diurético de ansa mais
frequentemente associado ao desenvolvimento de ototoxicidade, de tal
modo que apenas deve ser administrado a pacientes incapazes de
tolerar outros diuréticos de ansa.

Estes fármacos podem ainda causar hiperuricemia e hiperglicemia,


podendo também aumentar os níveis de colesterol LDL e
triacilglicerídeos (diminuindo os níveis de colesterol HDL). Por fim, estes
fármacos podem induzir rash cutâneo, fotossensibilidade, parestesias,
depressão da medula óssea e perturbações do tracto gastro-intestinal.

As contra-indicações ao uso de diuréticos de ansa incluem depleção


grave de sódio e volume, hipersensibilidade às sulfonamidas, e anúria
insensível a estes diuréticos. Para além disso, estes fármacos não
devem ser administrados a grávidas, pois potenciam o risco de patência
do ducto arterioso.

Podem se registar interacções farmacológicas, quando os diuréticos de


ansa são co-administrados com:

Fármacos ototóxicos, tais como os aminoglicosídeos, a


carboplatina, a cisplatina e o paclitaxel

Fármacos anti-coagulantes (por exacerbação da actividade anti-


coagulante)

Glicosídeos digitálicos (por potenciação das arritmias induzidas


pelos digitálicos)

Lítio e propranolol (por aumento dos níveis plasmáticos destes


fármacos)

Sulfonilureias (por exacerbação do risco de hiperglicemia)

AINEs e probenecid (condicionam menor resposta aos diuréticos


de ansa)

Diuréticos tiazídicos (por exacerbação dos efeitos diuréticos e


aumento do risco de diurese excessiva)

Anfotericina B (por aumento do potencial nefrotóxico e


exacerbação dos desequilíbrios electrolíticos)

Usos terapêuticos
A terapia do edema pulmonar agudo constitui uma das principais
aplicações terapêuticas dos diuréticos de ansa. De facto, ao
aumentarem a capacitância venosa e ao induzirem natriurese, estes
fármacos reduzem a pressão de enchimento ventricular esquerda,
aliviando rapidamente o edema pulmonar.

Os diuréticos de ansa são também amplamente utilizados no tratamento


da insuficiência cardíaca congestiva crónica, dado que nesta situação
torna-se desejável proceder à diminuição do volume extracelular. De
facto, o uso de diuréticos está associado a uma redução significativa da
mortalidade e do risco de exacerbação da insuficiência cardíaca.

Os diuréticos de ansa podem ser utilizados no tratamento da


hipertensão arterial, embora o seu uso não esteja associado a uma
redução da morbilidade e mortalidade cardiovascular (contrariamente ao
que se verifica com os tiazídicos). Para além disso, por comparação
com os tiazídicos, estes fármacos apresentam menor potência e menor
período de semi-vida, de tal modo que se revelam menos úteis para o
tratamento da hipertensão. De qualquer modo, os diuréticos de ansa
exercem efeitos menos deletérios no perfil lipídico.

Os diuréticos de ansa parecem ser os únicos fármacos capazes de


reduzir o maciço edema associado à síndrome nefrótica. Para além
disso, os diuréticos de ansa também são utilizados no tratamento do
edema e ascite da cirrose hepática. De qualquer modo, estes fármacos
devem ser cautelosamente administrados, para evitar a ocorrência de
hipovolémia.

Em pacientes com intoxicação por fármacos, os diuréticos de ansa


podem ser utilizados para induzir uma diurese forçada, facilitando uma
eliminação mais rápida dos fármacos em excesso. Para além disso, os
diuréticos de ansa podem ser utilizados no tratamento da hipercalcémia
(devendo, ser co-administrados com uma solução salina isotónica, de
modo a evitar a ocorrência de depleções do volume). Os diuréticos de
ansa interferem ainda com a capacidade renal de concentrar urina,
podendo ser utilizados na terapia da hiponatrémia grave (devendo aí,
ser co-administrados com uma solução salina hipertónica). Por fim, os
diuréticos de ansa são utilizados para tratar o edema associado a
doença renal crónica.

Inibidores do simporter Na+/Cl- (tiazídicos e


diuréticos do tipo tiazídico)

Estrutura química

Os inibidores do simporter Na+-Cl- pertencem à classe das


sulfonamidas, sendo que muitos destes fármacos constituem análogos
do 1,1-dióxido de 1,2,4-benzotiadiazina. Os primeiros inibidores do
simporter Na+-Cl- eram derivados da benzotiadiazina, o que explica
porque é que estes diuréticos também são designados por tiazídicos.
Num sentido estrito, os diuréticos tiazídicos podem ser distinguidos dos
diuréticos do tipo tiazídico, que partilham das suas propriedades
farmacológicas, mas não das suas propriedades estruturais. Todavia,
num sentido mais lato, os diuréticos tiazídicos englobam todos os
inibidores do simporter Na+-Cl-.

Mecanismo e local de acção


Os diuréticos tiazídicos actuam no túbulo contornado distal, inibindo o
simporter Na+-Cl-. Este simporter transporta simultaneamente Na+ (a
favor do seu gradiente electroquímico) e Cl- (contra o seu gradiente
electroquímico) desde o lúmen tubular até ao interior das células
epiteliais renais. A expressão do simporter Na+-Cl- é passível de ser
regulada pela aldosterona, sendo que mutações neste transportador
podem resultar numa forma de alcalose hipocalémica designada por
síndrome de Gitelman.

Note-se que, para além de inibirem o simporter Na+-Cl-, os diuréticos


tiazídicos parecem actuar secundariamente no túbulo proximal.

Efeitos na excreção urinária


Como seria expectável, os
diuréticos tiazídicos
aumentam a excreção renal
de Na+ e Cl-. Todavia, a
eficácia dos tiazídicos é
moderada, uma vez que
cerca de 90% da
reabsorção do sódio filtrado
ocorre proximalmente ao
túbulo contornado distal.
Assim, estes fármacos
apenas conseguem
promover a excreção de até
5% do sódio filtrado.
Alguns diuréticos tiazídicos
constituem também fracos
inibidores da anídrase
carbónica, promovendo a
excreção de fosfato e
bicarbonato. Tal como os
inibidores do simporter Na+-
K+-2Cl-, os tiazídicos
aumentam a excreção de

potássio e de ácido titulável, actuando por mecanismos similares aos


dos diuréticos de ansa. Para além disso, quando administrados
cronicamente, os diuréticos tiazídicos diminuem excreção de ácido úrico
(embora, em termos agudos, estes diuréticos promovam um aumento
da excreção de ácido úrico).

Em termos agudos, os diuréticos tiazídicos exercem efeitos variáveis na


excreção de cálcio. Todavia, quando administrados cronicamente, estes
fármacos diminuem a excreção de cálcio – de facto, os tiazídicos não só
estimulam directamente a reabsorção de cálcio no túbulo contornado
distal, como também potenciam a reabsorção proximal deste ião, ao
induzirem uma depleção de volume. Em termos moleculares, isto é
passível de ser explicado por um aumento da troca sódio/cálcio
secundária à inibição da reabsorção de cloreto.

Os diuréticos tiazídicos podem ainda causar uma ligeira magnesúria,


através de mecanismos ainda pouco conhecidos. De qualquer modo,
sabe-se que o uso destes diuréticos correlaciona-se com a possibilidade
de desenvolvimento de défices de magnésio, sobretudo nos indivíduos
idosos.

Os tiazídicos inibem o transporte no segmento diluidor cortical, de tal


modo que estes diuréticos diminuem a capacidade renal de excretar
urina diluída. Todavia, uma vez que o túbulo contornado distal não
participa no mecanismo de concentração da urina, os diuréticos
tiazídicos não alteram a capacidade renal de excretar urina
concentrada.
Efeitos na hemodinâmica renal

Em geral, os inibidores do simporter Na+-Cl- não afectam o fluxo


plasmático renal e apenas reduzem a taxa de filtração glomerular
secundariamente a aumentos da pressão intra-tubular. Uma vez que os
tiazídicos actuam distalmente à mácula densa, estes fármacos exercem
uma influência desprezável no feedback túbulo-glomerular.

Outras acções
Os diuréticos tiazídicos parecem inibir as fosfodiesterases dos
nucleotídeos cíclicos, o consumo mitocondrial de oxigénio e a captação
renal de ácidos gordos. Todavia, estes efeitos não se revelam
clinicamente importantes.

Farmacocinética
Os tiazídicos são transportados para o lúmen tubular simultaneamente
por filtração glomerular e secreção. A fracção que sofre filtração
glomerular varia entre os diferentes tiazídicos, dependendo da
capacidade de ligação às proteínas plasmáticas de cada fármaco. Por
outro lado, o transporte por secreção é competitivamente inibido pelo
probenecid, de tal modo que este fármaco pode atenuar a acção
diurética dos tiazídicos.

Efeitos adversos
O uso de tiazídicos está associado a uma baixa frequência de efeitos
adversos, embora estes possam ocorrer em vários sistemas de órgãos,
nomeadamente:

Sistema nervoso central: Vertigens, cefaleias, parestesias,


xantopsia e fraqueza

Sistema gastro-intestinal: Anorexia, náusea, vómitos, cólicas,


diarreia, obstipação, colecistite e pancreatite.

Sistema hematológico: Discrasias sanguíneas


Pele: Fotossensibilidade e rash cutâneo

Sistema genital masculino: Disfunção eréctil (os tiazídicos


destacam-se como sendo os anti-hipertensores mais
frequentemente associados ao desenvolvimento desta condição).

Tal como ocorre com os diuréticos de ansa, os desequilíbrios hidro-


electrolíticos constituem os efeitos adversos mais graves resultantes do
uso de diuréticos tiazídicos. Estes desequilíbrios incluem depleção do
volume extracelular, hipotensão, hipocalémia, hiponatrémia,
hipoclorémia, alcalose metabólica, hipomagnesemia, hipercalcémia e
hiperuricemia. Estão, inclusive, descritos casos de hiponatrémia fatal
associados ao uso de tiazídicos.

Os diuréticos tiazídicos também diminuem a tolerância à glicose,


podendo “desmascarar” a existência de diabetes latentes. De facto, por
comparação com outros anti-hipertensores, o uso destes diuréticos
parece estar mais frequentemente associado ao desenvolvimento de
diabetes mellitus tipo II. Desconhecem-se os mecanismos através dos
quais os tiazídicos interferem com a tolerância à glicose, mas pensa-se
que estes fármacos interfiram com o metabolismo da glicose e com a
secreção de insulina.

De qualquer modo, este efeito hiperglicémico é atenuado pela co-


administração de potássio. Note-se que, para além de contribuir para o
desenvolvimento de hiperglicemia, a hipocalémia induzida pelos
tiazídicos perturba o seu efeito anti-hipertensor e cardio-protector. Os
diuréticos tiazídicos podem ainda aumentar os níveis de colesterol LDL,
colesterol total e triacilglicerídeos. De referir que estes fármacos
encontram-se contra-indicados para indivíduos hipersensíveis às
sulfonamidas.

No que concerne às suas interacções farmacológicas, os tiazídicos


podem diminuir os efeitos dos anti-coagulantes, uricosúricos (fármacos
usados no tratamento da gota), sulfonilureias e insulina. Por outro lado,
estes fármacos podem aumentar os efeitos dos anestésicos, diazoxida,
digitálicos, lítio, diuréticos de ansa e vitamina D.
A eficácia dos diuréticos tiazídicos pode ser diminuída pelos AINEs,
inibidores da COX-2 (selectivos e não-selectivos), e pelos
sequestradores dos sais biliares. Por seu turno, a anfotericina B e os
corticosteróides aumentam o risco de hipocalémia induzida pelos
tiazídicos.

De destacar que a interacção farmacológica entre os tiazídicos e a


quinidina pode-se revelar potencialmente fatal. De facto, a quinidina
prolonga o intervalo QT, o que pode levar ao desenvolvimento de
torsades de pointes e, por conseguinte, fibrilação ventricular. Ora, a
hipocalémia aumenta o risco de torsades de pointes induzidas pela
quinidina, de tal modo que a hipocalémia induzida pelos tiazídicos pode
contribuir para o desenvolvimento de torsades de pointes. Por outro
lado, a alcalinização da urina pelos tiazídicos inibe a eliminação da
quinidina, exacerbando a acção deste fármaco.

Usos terapêuticos
Os tiazídicos são utilizados no tratamento do edema resultante de
doença cardíaca, hepática e renal (ou seja, são usados na terapia do
edema da insuficiência cardíaca, cirrose hepática, síndrome nefrótica,
insuficiência renal crónica e glomerulonefrite aguda). Com excepção da
metolazona e indapamida, a maior parte dos diuréticos tiazídicos
revela-se ineficaz perante taxas de filtração glomerular inferiores a 30-
40 mL/minuto.

Os diuréticos tiazídicos podem ser usados na terapia da hipertensão,


tanto isoladamente como em combinação com outros fármacos anti-
hipertensores (com os quais actuam de modo sinérgico ou aditivo).
Note-se que, para além de serem eficazes, os tiazídicos revelam-se
seguros e baratos. De referir que, a resposta anti-hipertensora aos
tiazídicos é influenciada por polimorfismos nos genes que codificam
para a enzima de conversão da angiotensina e aducinas.

Dado reduzirem a excreção renal de cálcio, os diuréticos tiazídicos


podem ser usados no tratamento da nefrolitíase de cálcio, bem como na
terapia da osteoporose. Estes fármacos constituem ainda a opção de
primeira escolha para o tratamento da diabetes insipida nefrogénica,
dado serem capazes de reduzir a capacidade renal de excretar água
livre. De facto, os tiazídicos aumentam indirectamente a reabsorção de
água no túbulo proximal (este efeito é secundário à contracção de
volume) e bloqueiam a capacidade do túbulo contornado distal formar
urina diluída. De referir ainda que os tiazídicos parecem ser úteis na
terapia da intoxicação por brometo e da acidose tubular do tipo II.

Inibidores dos canais de sódio epiteliais (diuréticos


poupadores de potássio)
Os inibidores dos canais de sódio epiteliais incluem o triamtereno e
a amilorida, dois fármacos capazes de aumentar ligeiramente a
excreção de NaCl e que, devido às suas acções anti-caliuréticas, são
normalmente utilizados para contrariar os efeitos caliuréticos (efeitos
promotores da excreção de potássio) de outros diuréticos. Assim, a par
com os antagonistas dos mineralocorticóides, o triamtereno e a
amilorida são classificados como diuréticos poupadores de potássio.

Estrutura química
A amilorida é um derivado da pirazinoilguanidina, enquanto o
triamtereno é uma pteridina. Estes dois fármacos são bases
orgânicas, sendo transportados para o lúmen tubular por processos de
secreção.

Mecanismo de acção
O triamtereno e a
amilorida actuam por
mecanismos similares,
sendo que estes dois
fármacos inibem os
ENaCs (canais epiteliais
de sódio expressos nas
membranas luminais das
células do túbulo distal e
ducto colector). Os
ENaCs permitem a
entrada de sódio para o
interior das células
epiteliais, de tal modo
que a sua inibição resulta
num aumento da
excreção de sódio.

Por outro lado, a entrada


de sódio para o interior
das células tubulares
renais resulta numa
despolarização da
membrana luminal (mas
não da membrana
basolateral), o que cria
uma diferença de
potencial transepitelial
luminal negativa, a qual
promove a secreção de
potássio para o lúmen
tubular (através dos
canais ROMK). Assim, ao
bloquearem esta
diferença de potencial, os
inibidores dos ENaCs
promovem uma
diminuição da excreção
de potássio.

Os inibidores da anídrase carbónica, os diuréticos de ansa, e os


tiazídicos aumentam o transporte de sódio para o túbulo distal e ducto
colector, o que resulta num aumento da excreção de potássio e H+. De
facto, ao aumentarem a concentração luminal de sódio no nefrónio
distal, esses fármacos promovem a despolarização da membrana
luminal, potenciando a excreção de potássio.

Para além de células principais, o ducto colector também contém


células intercaladas do tipo A, as quais medeiam a secreção de H+ para
o lúmen tubular. Esta secreção é mediada por uma bomba de protões,
cuja acção é promovida pela despolarização da membrana luminal.
Assim, ao aumentarem a concentração luminal de sódio no nefrónio
distal, os diuréticos supracitados promovem a despolarização da
membrana luminal e, por conseguinte, a excreção de H+.

Efeitos na excreção urinária


O túbulo distal e o túbulo colector apresentam uma reduzida capacidade
de reabsorção de solutos, de tal modo que o bloqueio dos canais de
sódio expressos nesta região acarreta apenas um ligeiro aumento da
excreção de sódio e cloreto.

Como referido anteriormente, os inibidores dos ENaCs hiperpolarizam a


membrana luminal, reduzindo a voltagem transepitelial luminal negativa
e, por conseguinte, diminuindo a taxa de excreção dos catiões K+, H+,
Ca2+ e Mg2+. A contracção do volume pode induzir um aumento da
reabsorção de ácido úrico no túbulo proximal, de tal modo que a
administração crónica de amilorida e triamtereno pode diminuir a
excreção de ácido úrico.

Efeitos na hemodinâmica renal


A amilorida e o triamtereno apresentam efeitos desprezáveis na
hemodinâmica renal, não alterando o feedback tubulo-glomerular.

Outras acções
Quando administrada a concentrações supra-terapêuticas, a amilorida
também bloqueia os antiporters Na+-H+ e Na+-Ca2+, bem como a
ATPase de sódio e potássio.

Farmacocinética
A amilorida é maioritariamente eliminada por via renal e sob a forma
intacta. Por oposição, o triamtereno é amplamente convertido num
metabolito activo (sulfato de 4-hidroxitriametereno), o qual é
excretado na urina. A actividade farmacológica do sulfato de 4-
hidroxitriametereno é comparável à do triamtereno, de tal modo que a
toxicidade deste último composto é exacerbada pela insuficiência
hepática (em que há menor metabolismo do triamtereno) e pela
insuficiência renal (em que há menor excreção renal do sulfato de 4-
hidroxitriametereno).

Toxicidade e efeitos adversos


A hipercalémia constitui o efeito adverso mais grave (quiçá
potencialmente fatal) resultante do uso de inibidores dos ENaCs.
Consequentemente, a amilorida e o triamtereno encontram-se contra-
indicados em pacientes com hipercalémia (ou em elevado risco de
desenvolvimento de hipercalémia), tais como pacientes com
insuficiência renal e pacientes a usar IECAs, AINEs, ou outros diuréticos
poupadores de potássio.

De referir que a pentamidina e a trimetoprima, que são utilizadas no


tratamento da pneumonia por Pneumocystis jirovecii, constituem dois
inibidores fracos dos ENaCs, de tal modo que podem causar
hipercalémia.

Usos terapêuticos
Os inibidores dos ENaCs causam apenas natriurese ligeira, de tal modo
que é raro o uso isolado destes fármacos são no tratamento do edema
ou hipertensão.

Na verdade, os inibidores dos ENaCs são normalmente administrados


em conjunto com outros fármacos. De facto, os inibidores dos ENaCs
aumentam a resposta diurética e anti-hipertensora dos tiazídicos e
diuréticos de ansa. Para além disso, os inibidores dos ENaCs são
capazes de reduzir a excreção de potássio, o que tende a anular os
efeitos caliuréticos dos tiazídicos e diuréticos de ansa. Assim, a
combinação de um inibidor dos ENaCs e de um tiazídico ou diurético de
ansa assegura um eficaz efeito anti-hipertensor, o qual não é
acompanhado por alterações do balanço de potássio.

Os inibidores dos canais de sódio revelam-se ainda eficazes no


tratamento da síndrome de Liddle, uma condição autossómica
dominante resultante de um aumento da actividade dos ENaCs basais
(secundário a mutações nas subunidades β e γ) e, por conseguinte,
pela ocorrência de hipertensão por aumento de volume. Para além
disso, estes diuréticos são usados na terapia de pacientes com o
polimorfismo T594M na subunidade β dos ENaCs, bem como no
controlo da hipocalémia em pacientes com síndrome de Barter, uma
condição resultante de uma mutação no transportador Na+-K+-2Cl-.

Por outro lado, quando administrada sob a forma de aerossol, a


amilorida melhora a clearance muco-ciliar dos pacientes com fibrose
cística. De facto, ao inibir a absorção de sódio por parte das células
epiteliais das vias aéreas, a amilorida aumenta a hidratação das
secreções respiratórias, melhorando assim a clearance muco-ciliar. Por
fim, a amilorida revela-se útil na terapia da diabetes insipida
nefrogénica, na medida em que bloqueia o transporte de lítio para as
células do túbulo colector.

Antagonistas dos receptores dos mineralocorticóides


(antagonistas da aldosterona)
Os mineralocorticóides (nomeadamente, a aldosterona) promovem a
retenção de sódio e água, e aumentam a excreção de potássio e H+.
Ora, estes efeitos são contrariados pela acção da espironolactona e
eplerenona, que constituem dois antagonistas dos receptores dos
mineralocorticóides.

Mecanismo de acção
Os receptores dos mineralocorticóides (MR) encontram-se
expressos no citosol das células epiteliais do túbulo distal. Estes
receptores pertencem à superfamília dos receptores das hormonas
esteróides, apresentando elevada afinidade para a aldosterona. De
facto, a ligação da aldosterona aos MR leva à formação de um
complexo, o qual migra para o núcleo, onde regula a expressão de
vários genes - dessa acção resulta um aumento da expressão de
ENaCs e, por conseguinte, um aumento do transporte transepitelial de
NaCl. Por outro lado, o aumento do transporte de sódio aumenta a
voltagem transepitelial luminal negativa, a qual promove a secreção de
potássio e H+ para o lúmen tubular.
A espironolactona e a eplerenona inibem competitivamente a ligação da
aldosterona aos MR, sendo que, contrariamente ao complexo MR-
aldosterona, o complexo MR-espironolactona não se revela capaz de
regular a transcrição génica. Assim, a espironolactona e a eplerenona
bloqueiam os efeitos biológicos da aldosterona, atenuando a reabsorção
de sódio e água.

De referir que os antagonistas dos MR constituem os únicos diuréticos


que não necessitam de passar para o lúmen tubular para exercerem os
seus efeitos.

Efeitos na excreção urinária


Os efeitos dos antagonistas dos MR na excreção urinária são
semelhantes aos induzidos pelos inibidores dos ENaCs. Todavia,
contrariamente ao que se verifica com os inibidores dos ENaCs, a
eficácia clínica dos antagonistas dos MR depende dos níveis
endógenos de aldosterona – quanto maiores os níveis endógenos de
aldosterona, maiores os efeitos diuréticos dos antagonistas dos MR.

Efeitos hemodinâmicos renais


Os antagonistas dos MR exercem efeitos desprezáveis na
hemodinâmica renal, não alterando o feedback tubulo-glomerular.

Outros efeitos
A espironolactona apresenta alguma afinidade para os receptores da
progesterona e dos androgénios, de tal modo que pode induzir
ginecomastia, impotência sexual e irregularidades menstruais – assim,
este fármaco pode ser usado na terapia de pacientes com excesso de
androgénios. Por oposição, dado apresentar um grupo 9,11-epóxido, a
eplerenona apresenta uma afinidade mais reduzida para os receptores
da progesterona e androgénios.

Para além disso, quando administrada em concentrações elevadas, a


espironolactona inibe várias hidroxílases envolvidas na biossíntese dos
esteróides. Todavia, este achado carece de significado clínico.

Farmacocinética
A espironolactona sofre absorção parcial, apresentando uma elevada
capacidade de ligação às proteínas plasmáticas, mas um curto período
de semi-vida (1,6 horas). Este fármaco sofre ampla metabolização
hepática por desacetilação e detioacetilação - de entre os metabolitos
gerados, destaque para a 7α-tiometil espironolactona, um metabolito
activo cujo período de semi-vida é superior ao da própria
espironolactona. A espironolactona é eliminada por via biliar, de tal
modo que o seu tempo de semi-vida encontra-se aumentado em
pacientes com cirrose hepática.

Por seu turno, a eplerenona (cujo período de semi-vida ronda as 5


horas) apresenta boa disponibilidade oral, sendo metabolizada pelo
CYP3A4 em metabolitos inactivos. Por fim, o canreonato é um pró-
fármaco, cuja actividade depende da sua conversão em canrenona, a
qual actua como antagonista dos MR.

Toxicidade e efeitos adversos


Tal como se verifica com os restantes diuréticos poupadores de
potássio, os antagonistas dos MR podem induzir hipercalémia, a qual
pode se pode revelar potencialmente fatal. Deste modo, estes fármacos
encontram-se contra-indicados para pacientes com hipercalémia ou que
manifestem um elevado risco de desenvolver hipercalémia. Para além
disso, em pacientes com cirrose, os antagonistas dos MR podem induzir
acidose metabólica.

Os efeitos adversos da espironolactona podem ser sentidos em


diferentes sistemas de órgãos, nomeadamente:

Sistema endócrino: Devido à sua capacidade de ligação a


outros receptores de hormonas esteróides, a espironolactona
pode causar ginecomastia, impotência sexual, diminuição da
líbido, hirsutismo e irregularidades menstruais.
Sistema gastro-intestinal: A espironolactona pode causar
diarreia, gastrite, hemorragia gástrica e úlceras pépticas (este
fármaco encontra-se contra-indicado em pacientes com úlceras
pépticas).

Sistema nervoso central: A nível central, a espironolactona


pode causar letargia, ataxia, confusão e cefaleias.

Pele e sangue: A espironolactona pode causar rash cutâneo e


discrasias sanguíneas.

Para além disso, parece existir uma associação entre o uso crónico de
antagonistas da aldosterona e o desenvolvimento de alguns tumores
(tais como o cancro da mama), embora não esteja estabelecida
qualquer relação de causa-efeito.

A eplerenona revela-se mais segura que a espironolactona, sendo que


a hipercalémia e as perturbações gastro-intestinais constituem os seus
únicos efeitos adversos. Note-se que os inibidores do CYP3A4 podem
aumentar os níveis plasmáticos de eplerenona, de tal modo que estes
fármacos não devem ser co-administrados com a eplerenona.

No que concerne a interacções farmacológicas, os salicilados podem


reduzir a secreção tubular de canrenona e diminuir a eficácia da
espironolactona. Por seu turno, a espironolactona pode alterar a
clearance dos glicosídeos digitálicos.

Usos terapêuticos
Tal como acontece com outros diuréticos poupadores de potássio, a
espironolactona é frequentemente co-administrada com tiazídicos ou
com diuréticos de ansa, sendo utilizada no tratamento do edema e
hipertensão. De facto, estas combinações aumentam a excreção de
fluidos, sem perturbar significativamente o balanço de potássio.

A espironolactona revela-se particularmente útil no tratamento da


hipertensão por hiperaldosteronismo primário (esta condição pode
resultar da presença de adenomas da glândula supra-renal ou de
hiperplasia supra-renal bilateral). Para além disso, este fármaco pode
ser usado no tratamento do edema refractário associado a
aldosteronismo secundário (esta condição verifica-se em indivíduos com
insuficiência cardíaca, cirrose hepática, síndrome nefrótica e ascite
grave). De facto, em pacientes com cirrose hepática, a espironolactona
é considerado o diurético de primeira escolha. Por outro lado, o uso
deste fármaco está associado a uma redução da mortalidade e
morbilidade dos pacientes com insuficiência renal.

A eplerenona parece ser um fármaco anti-hipertensor seguro e eficaz,


algo que parcialmente se deve à sua maior especificidade para os MR.
Para além disso, a administração de eplerenona está associada a uma
redução da morbilidade e mortalidade dos pacientes com enfarte agudo
do miocárdio e disfunção sistólica ventricular esquerda.

Inibidores dos canais catiónicos não-específicos


(peptídeos natriuréticos)
O ducto colector medular interno (DCMI) constitui o principal local de
acção dos peptídeos natriuréticos. Embora existam cinco peptídeos
natriuréticos distintos, apenas quatro revelam-se importantes num
contexto fisiológico, nomeadamente o peptídeo natriurético auricular
(ANP), o peptídeo natriurético cerebral (BNP), o peptídeo
natriurético do tipo C (CNP) e a urodilatina. Enquanto o ANP e o
BNP são produzidos pelo coração em resposta ao estiramento, o CNP é
produzido pelas células endoteliais e renais. Por fim, a urodilatina
encontra-se presente na urina, actuando como um regulador parácrino
do transporte de sódio.

Na prática clínica, existem já fármacos que tiram partido das


propriedades dos peptídeos natriuréticos, nomeadamente o carperitide
(ANP recombinante), o nesiritide (BNP recombinante) e o ularitide
(urodilatina recombinante). Todavia, neste texto, será dado enfoque ao
nesiritide, dado ser o fármaco mais abundantemente utilizado.

Mecanismo de acção
O DCMI constitui o local mais distal do nefrónio onde ocorre reabsorção
de sódio - de facto, até 5% do sódio filtrado sofre reabsorção nesse
local. Ao nível do DCMI, o sódio entra para as células epiteliais por via
de canais de sódio do tipo CNG ou ENaC, os quais diferem nas suas
características:

Os canais CNG (cyclic nucleotide gated cation channel) são


altamente selectivos para catiões, apresentando igual
permeabilidade para o Na+ e para o K+. Este canal, que é
praticamente expresso em todos os segmentos do nefrónio, é
inibido pelo cGMP, PKG, PKC, ATP e peptídeos natriuréticos (os
quais promovem um aumento dos níveis de cGMP).

Os ENaCs são canais selectivos de sódio, desempenhando um


papel secundário na reabsorção de sódio no DCMI.

O ANP é produzido
nas aurículas em
resposta ao
estiramento da
parede cardíaca.
Este peptídeo liga-
se ao receptor
NPR-A,
aumentando os
níveis intracelulares
de cGMP e, por
conseguinte,
inibindo o canal
CNG e
promovendo a
ocorrência de
natriurese. Para
além disso, o ANP
inibe a produção de
renina e
aldosterona.

Por seu turno, o


BNP é produzido
nos ventrículos.
Este peptídeo
também se

liga ao receptor NPR-A, actuando de modo similar ao ANP. Já o CNP


liga-se ao receptor NPR-B, aumentando os níveis de cGMP no músculo
liso vascular e mediando a ocorrência de vasodilatação. Por fim, a
urodilatina é gerada a partir da mesma molécula percursora do ANP,
ligando-se aos receptores NPR-B e exercendo efeitos nos glomérulos e
DCMI.

Devido aos seus efeitos, os peptídeos natriuréticos têm sido usados na


terapia da insuficiência cardíaca congestiva. No que concerne aos seus
mecanismos de acção, o nesiritide potencia a excreção renal de sódio,
ao inibir o canal CNG, o sistema renina-angiotensina-aldosterona e a
produção de endotelina.

Efeitos na excreção urinária


O nesiritide inibe o transporte de sódio tanto ao nível do nefrónio
proximal como ao nível do nefrónio distal (embora os seus efeitos sejam
maioritariamente sentidos no DCMI). Embora este fármaco aumente a
excreção de sódio, os seus efeitos podem ser atenuados pela up-
regulation da reabsorção de sódio nos segmentos mais proximais do
nefrónio.

Efeitos na hemodinâmica renal


Em pacientes normais, a administração de nesiritide resulta num
aumento da taxa de filtração glomerular. Contudo, em pacientes com
insuficiência cardíaca congestiva, este fármaco exerce efeitos variáveis
na taxa de filtração glomerular, podendo aumentá-la, diminuí-la ou
mantê-la.

Outros efeitos
A administração de nesiritide diminui as resistências vasculares
pulmonar e sistémica, bem como a pressão de enchimento ventricular
esquerda, induzindo um aumento secundário do débito cardíaco. Note-
se, contudo, que a intensidade do efeito anti-hipertensor do nesiritide
depende da dose em que este fármaco é administrado.

Farmacocinética
Os peptídeos natriuréticos são administrados por via intra-venosa,
apresentando um curto período de semi-vida (na ordem dos minutos).
Existem três mecanismos que explicam o curto período de semi-vida do
nesiritide:

Ligação ao receptor C-NPR

Degradação mediada por uma endopeptídase neutral

Excreção renal

Assim, em pacientes com insuficiência renal, não é necessário proceder


a ajustes posológicos deste fármaco.

Toxicidade e efeitos adversos


O uso de nesiritide está associado à génese de efeitos deletérios renais,
bem como a um aumento da mortalidade a curto-prazo. De facto, o
nesiritide aumenta o risco de hipotensão associado ao uso de IECAs ou
outros diuréticos.

Usos terapêuticos
O nesiritide deve ser apenas usado em pacientes com insuficiência
cardíaca congestiva agudamente descompensada e com dispneia em
repouso. De facto, este fármaco reduz os sintomas e melhora os
parâmetros hemodinâmicos dos pacientes não-hipotensos e com
dispneia em repouso. De qualquer modo, o nesiritide não deve ser
administrado em substituição dos diuréticos.

Agentes anti-diuréticos
A vasopressina e seus análogos apresentam propriedades anti-
diuréticas, sendo usados na terapia da diabetes insípida. De entre os
análogos da vasopressina, destaque para a desmopressina, que
apresenta o dobro da acção anti-diurética mas ausência de efeito
vasopressor. Para além disso, a desmopressina demonstra maior
duração de acção que a vasopressina e maior resistência à
biotransformação. A desmopressina é usada na terapia da diabetes
insípida neurogénica, actuando em receptores V1 e V2. As suas
principais acções adversas incluem toxicidade cardiovascular,
perturbações gastro-intestinais, contracções uterinas e reacções
alérgicas.
Fármacos que interferem com a
hemóstase
Mecanismos anti-coagulantes naturais
A activação plaquetária e a coagulação não ocorrem normalmente ao
nível dos vasos sanguíneos intactos, uma vez que a trombogénese é
prevenida por vários mecanismos reguladores que requerem a
presença de um endotélio vascular íntegro. De facto, as células
endoteliais secretam NO e prostaciclina (PGI2) – duas substâncias que
induzem vasodilatação e inibem a activação e agregação plaquetária.

A anti-trombina é uma proteína plasmática que inibe as enzimas de


coagulação das vias intrínseca e comum. A actividade desta proteína é
aumentada pelos proteoglicanos de sulfato de heparano, os quais são
sintetizados pelas células endoteliais.

Por seu turno, a proteína C é um zimogénio plasmático que apresenta


homologia com os factores II, VII, IX e X. A proteína C é activada pela
trombina, sendo que a eficácia desta reacção aumenta aquando da
ligação da trombina ao seu receptor endotelial (trombomodulina).
Concomitantemente, a proteína C liga-se a outro receptor endotelial – o
receptor endotelial da proteína C (EPCR) – ficando exposta para
activação pelo complexo trombina-trombomodulina. Subsequentemente,
a proteína C activada dissocia-se do EPCR e, em combinação com a
proteína S (que constitui o seu co-factor), degrada os factores Va e
VIIIa, o que resulta numa diminuição da activação da pró-trombina e
factor X. Assim, a proteína C inibe a génese de trombina, de tal modo
que os défices de proteína C ou proteína S estão associados a um
maior risco de formação de trombos.

Apenas se verifica actividade total da anti-trombina na presença de


sulfato de heparano, tal como a activação da proteína C requer a
presença de complexos trombina-trombomodulina. Assim, estes anti-
coagulantes naturais exercem um efeito localizado, restrito aos locais
próximos das células endoteliais intactas.
O inibidor da via do factor tecidular (TFPI), um anti-coagulante
presente na fracção lipoproteica do plasma, também regula a génese de
trombina, ao inibir o factor VIIa ligado ao factor tecidular. De facto, o
TFPI liga-se inicialmente ao factor Xa, inibindo-o e formando um
complexo que inibe o factor VIIa. Para além de circular no plasma, o
TFPI também se pode localizar à superfície das células endoteliais, ao
ligar-se aos proteoglicanos de sulfato de heparano.

Anti-coagulantes parentéricos

Heparina e seus derivados


Estrutura química

A heparina é um glicosaminoglicano expresso nos grânulos secretores


dos mastócitos. Esta substância é sintetizada a partir de percursores
UDP-glicídeo, que inicialmente formam um proteoglicano (estrutura
constituída por cadeias de glicosaminoglicanos ligadas a uma proteína
central). Após sofrer várias modificações, esse proteoglicano é enviado
para os grânulos dos mastócitos, onde uma endo-glicuronidase remove
os seus glicosaminoglicanos, gerando heparina.

Derivados da heparina

Os derivados da heparina actualmente usados incluem as heparinas de


baixo peso molecular (LMWH) e o fondaparinux. Embora sejam
comercializadas várias preparações LMWH (tais como a daltaparina, a
enoxaparina e a tinzaparina), todas elas constituem fragmentos de
heparina com um peso molecular sito entre 1 e 10 kDa. De resto, as
preparações LWMH diferem da heparina (e entre si) nas suas
propriedades farmacocinéticas.

Contrariamente à heparina e LMWHs (que têm origem animal), o


fondaparinux é um pentassacarídeo sintético análogo de uma sequência
pentassacarídica presente na heparina e LMWHs (mais concretamente,
da sequência necessária para ligação da heparina à anti-trombina). O
fondaparinux apresenta propriedades farmacocinéticas únicas, que o
distinguem das LMWHs.
A título de curiosidade, para além da heparina, existem várias outras
substâncias endógenas estruturalmente e funcionalmente relacionadas
(por exemplo, capazes de activar a anti-trombina) – de entre essas
substâncias (que são colectivamente designadas por heparinóides),
destaque para o dermatanossulfato, heparanossulfato e
condrotinossulfato.

Mecanismo de acção

A heparina, as LMWHs e o fondaparinux não apresentam actividade


anti-coagulante intrínseca. De facto, estes agentes ligam-se à anti-
trombina, aumentando a velocidade com que esta substância inibe
várias proteases da coagulação.

A heparina liga-se à anti-trombina através de uma sequência


pentassacarídica específica contendo um resíduo de glicosamina O-
sulfatada. A ligação dessa sequência à anti-trombina induz uma
alteração conformacional na anti-trombina que torna o seu local activo
mais acessível às proteases da coagulação.

Ora, esta alteração acelera a taxa de inibição do factor Xa, embora não
exerça qualquer efeito na taxa de inibição da trombina. De facto, para
aumentar a taxa de inibição da trombina pela anti-trombina, a heparina
deve actuar como uma ponte catalítica, à qual tanto a anti-trombina
como a trombina se ligam (note-se que apenas moléculas de heparina
compostas por, pelo menos, 18 unidades sacarídicas conseguem
exercer esta acção). Note-se que, para além de inibir o factor Xa e a
trombina, a anti-trombina inibe a fibrina e os factores XIIa, IXa e VIIa.

Assim, por definição, a heparina aumenta de modo similar a velocidade


de inibição do factor Xa e trombina. Por oposição, na sua maioria, as
moléculas LMHW revelam-se demasiado pequenas para actuar como
uma ponte entre a trombina e a anti-trombina, de tal modo que não
desempenham qualquer efeito na inibição da trombina pela anti-
trombina. Assim, as LMHW apresentam maior actividade anti-factor Xa
(a qual é mais potente que a da própria heparina) do que anti-trombina.
Por fim, o fondaparinux apenas apresenta actividade anti-factor Xa,
dado ser demasiado pequeno para promover a ligação entre a trombina
e a anti-trombina.
A heparina, as LMWHs e o fondaparinux actuam de modo catalítico.
Após se ligarem à anti-trombina e promoverem a formação de
complexos covalentes entre a anti-trombina e as proteases-alvo, estes
fármacos dissociam-se dos respectivos complexos, passando a actuar
em outras moléculas de anti-trombina.

Quando se encontram, respectivamente, ligados ao complexo pró-


trombinase e à fibrina, o factor Xa e a trombina encontram-se protegidos
da acção da anti-trombina. Assim, a heparina e as LMWHs apenas
inibem o factor Xa e a trombina, após ter ocorrido separação destes
últimos factores dos seus locais de dissociação.

O factor plaquetário 4 (uma proteína catiónica libertada a partir dos


grânulos α, aquando da activação plaquetária) liga-se à heparina,
prevenindo a sua interacção com a anti-trombina – ora, este fenómeno
parece limitar a actividade da heparina em locais ricos em plaquetas
(tais como nas regiões dos trombos). Por seu turno, as LMWH e o
fondaparinux apresentam menor afinidade para o factor plaquetário 4,
de tal modo que, por comparação com a heparina, estes fármacos
mantêm maior actividade nas proximidades dos trombos.

Efeitos farmacológicos

A acção da heparina prolonga simultaneamente o aPTT e o tempo de


trombina, enquanto o PT sofre aumentos mais ligeiros. Elevadas doses
de heparina podem interferir com a agregação plaquetária, prolongando
o tempo de hemorragia. Por oposição, as LMWHs e o fondaparinux
apresentam efeitos desprezáveis nas plaquetas.

A heparina promove a libertação de lípase das lipoproteínas para a


circulação, induzindo assim a degradação dos lipídeos plasmáticos
(note-se que a lípase das lipoproteínas hidrolisa os triacilglicerídeos em
glicerol e ácidos gordos livres) – este fenómeno pode se registar a
concentrações de heparina inferiores às necessárias para gerar um
efeito anti-coagulante. Note-se que após término da administração de
heparina, pode-se registar um fenómeno de hiperlipidemia rebound.

Uso terapêutico
A heparina, as LMWH e o fondaparinux podem ser usados no início da
terapia das tromboses venosas e embolias pulmonares, devido ao seu
rápido início de acção. Nestas situações, estes fármacos são
normalmente administrados juntamente com um antagonista oral da
vitamina K (tal como a varfarina). A heparina, a LMWH e o fondaparinux
podem ainda ser utilizados na terapia inicial dos pacientes com angina
instável ou enfarte agudo do miocárdio.

Em termos clínicos, as LMWHs e o fondaparinux têm vindo a substituir a


heparina, dado que os dois primeiros fármacos apresentam
consideráveis vantagens farmacocinéticas. De facto, enquanto as
LMWHs e o fondaparinux podem ser administrados por via subcutânea,
a heparina deverá ser administrada de forma contínua e por via intra-
venosa, sendo necessário avaliar constantemente o aPTT para
assegurar que está a ser atingido um nível terapêutico de anti-
coagulantes. Por oposição, o uso de LMWHs ou fondaparinux não
requer monitorização sistemática, de tal modo que estes fármacos
podem ser utilizados fora do contexto hospitalar.

Em pacientes com trombose venosa ou embolismo pulmonar


secundário a cancro, as LMWH de longo prazo deverão ser utilizadas,
em detrimento da varfarina. De facto, a terapia com varfarina é
complicada pelas náuseas e vómitos resultantes da quimioterapia, bem
como pelo reduzido acesso venoso e pelo envolvimento do fígado no
cancro.

A heparina e as LMWHs são usadas durante a angioplastia coronária


para prevenir a ocorrência de trombose. Por seu turno, o fondaparinux
não é usado neste contexto, devido ao risco inerente de trombose de
cateter, uma complicação causada pela activação (induzida pelos
cateteres) do factor XII – note-se que as moléculas de heparina de
maiores dimensões são melhores que as de menores dimensões para
bloquear este processo.

Os bypasses cardio-pulmonares também activam o factor XII, sendo


que a heparina constitui o agente de primeira escolha em cirurgias que
requeiram o uso destes bypasses. Para além disso, a heparina é
utilizada no tratamento de alguns pacientes com coagulação intra-
vascular disseminada.
Embora as LMWHs e o fondaparinux se revelem eficazes, a
administração subcutânea de baixas doses de heparina constitui a
terapia aconselhada para a prevenção da trombose venosa profunda
pós-operatória e do embolismo pulmonar em pacientes submetidos a
cirurgia abdomino-torácica ou em risco de desenvolver doença
tromboembólica.

Contrariamente à varfarina; a heparina, as LMHWs e o fondaparinux


não atravessam a placenta, de tal modo que o seu uso não está
associado ao desenvolvimento de morte ou malformações fetais –
assim, em pacientes grávidas, a heparina e os seus derivados
constituem os fármacos de primeira escolha. As LMWHs e o
fondaparinux são os fármacos mais frequentemente utilizados em
pacientes grávidas, não só pelas suas propriedades farmacocinéticas,
mas também por induzirem menor risco de trombocitopenia ou
osteoporose. Note-se que estes fármacos devem ser descontinuados 24
horas antes do parto, de modo a minimizar o risco de hemorragia pós-
parto.

Farmacocinética

A heparina, as LMWHs e o fondaparinux não são absorvidos pela mucosa


do tracto gastro-intestinal,

devendo ser administrados por via parentérica. A heparina é administrada


por via intra-venosa (quer continuamente, quer de forma intermitente) ou
por via subcutânea – quando este fármaco é administrado por via intra-
venosa, as suas acções fazem se sentir imediatamente. Por outro lado, a
administração de heparina por via subcutânea é alvo de significativas
variações, não estando associada a uma génese imediata de efeitos (por
outro lado, a heparina também não deve ser administrada por via intra-
muscular, devido ao risco de hematoma). Por oposição, as LMWHs e o
fondaparinux são absorvidos por via subcutânea de modo mais uniforme.

O tempo de semi-vida da heparina depende da dose administrada,


sendo que este fármaco parece ser maioritariamente metabolizado pelo
sistema retículo-endotelial (apesar disso, uma pequena fracção de
heparina é excretada na urina de forma intacta). As LMWHs e,
sobretudo, o fondaparinux apresentam maiores períodos de semi-vida
que a heparina, sendo maioritariamente excretados por via renal. Assim,
estes fármacos encontram-se contra-indicados em pacientes com
insuficiência renal, onde a sua acumulação potencia a ocorrência de
hemorragias. Para além disso, o fondaparinux encontra-se contra-
indicado em pacientes com baixo peso (<50 kg), ou submetidos a
cirurgia abdominal ou do membro inferior.

Apesar de o idraparinux (uma versão hipermetilada do fondaparinux)


estar ainda a ser alvo de estudos, sabe-se já que este fármaco
apresenta um elevado tempo de semi-vida (cerca de 80 horas),
podendo ser administrado por via subcutânea. Este fármaco é
normalmente administrado sob a forma de idrabiotaparinux (ou seja,
num meio com biotina), o qual pode ser neutralizado com recurso à
avidina.

Resistência à heparina

Várias proteínas plasmáticas revelam-se capazes de se ligar à


heparina, inibindo competitivamente a sua ligação à anti-trombina –
entre essas proteínas, destaque para as glicoproteínas ricas em
histidina, vitronectina, factor de von Willebrand e factor plaquetário 4.
Deste modo, alguns pacientes não atingem resultados terapêuticos,
excepto aquando da administração de doses muito elevadas de
heparina. Existem ainda outros pacientes que podem apresentar
“resistência à heparina” por aumentos da clearance deste fármaco (tal
como em situações de embolismo pulmonar maciço).

Os pacientes com défice hereditário de anti-trombina respondem


normalmente à heparina intra-venosa, uma vez que apresentam
expressão parcial de anti-trombina. Contudo, os pacientes com défice
adquirido de anti-trombina (que apresentam expressão muito reduzida
desta molécula) respondem à heparina de forma deficitária.

Por comparação com a anti-trombina, os LMHWs e o fondaparinux


apresentam menor capacidade de ligação às proteínas plasmáticas, de
tal modo que estes fármacos induzem baixa resistência. Apesar disso,
em alguns casos (nomeadamente em pacientes com cancro), a
administração de doses terapêuticas de LMWH não se revela eficaz,
continuando a ocorrer tromboses de repetição. Nesses pacientes, pode
ser necessário proceder a um aumento das doses de LMWH.

Toxicidade e eventos adversos

Hemorragia

As hemorragias constituem os principais efeitos adversos resultantes


do uso da heparina e seus derivados. Note-se que, por comparação
com a heparina, as LMWHs comportam um menor risco de hemorragia.

Apesar de o risco de hemorragia parecer aumentar aquando da


administração de doses mais elevadas de heparina, esta relação não
está bem estabelecida. De referir que, normalmente, as hemorragias
são despoletadas por um evento precipitante, tal como uma cirurgia, um
trauma ou a presença de uma úlcera péptica.

O efeito anti-coagulante da heparina desaparece algumas horas após


descontinuação deste fármaco. Para além disso, a administração de um
antagonista da heparina reverte a hemorragia induzida por este
fármaco. De facto, na presença de hemorragia potencialmente fatal, o
efeito da heparina pode ser rapidamente antagonizado com recurso à
administração intra-venosa de sulfato de protamina. De facto, a
protamina liga-se fortemente à heparina, neutralizando o seu efeito anti-
coagulante. Para além disso, a protamina também interage com as
plaquetas, com o fibrinogénio e com outras proteínas plasmáticas que
possam apresentar um efeito anti-coagulante.

A protamina é frequentemente utilizada após uma cirurgia cardíaca (ou


outros procedimentos vasculares) para suprimir o efeito anti-coagulante
da heparina. Note-se, contudo, que os pacientes diabéticos que estejam
a receber insulina NPH (insulina contendo protamina) revelam-se
particularmente susceptíveis ao desenvolvimento de reacções
anafiláticas à protamina. Para além disso, após administração de
protamina, pode se gerar uma síndrome caracterizada por
vasoconstrição pulmonar, disfunção ventricular direita, hipotensão
sistémica e neutropenia transitória.

A protamina apenas se liga a moléculas de heparina de grandes


dimensões, de tal modo que este fármaco apenas anula parcialmente a
actividade anti-coagulante das LMHWs – de facto, a protamina
antagoniza completamente a actividade anti-factor IIa das LMWHs (que
é mediada pelas moléculas de maiores dimensões), revertendo apenas
parcialmente a actividade anti-factor Xa (que é mediada pelas
moléculas de menores dimensões). Por outro lado, a protamina não
exerce qualquer influência na actividade anti-coagulante do
fondaparinux, de tal modo que este fármaco carece de um antídoto
específico.

Trombocitopenia induzida pela heparina

O uso de heparina (e, em menor extensão, dos seus derivados) pode


induzir trombocitopenia. As complicações trombóticas potencialmente
fatais ou que levem a amputação constituem factores de risco para o
desenvolvimento de trombocitopenia.

A trombocitopenia induzida pela heparina é frequentemente


acompanhada por hemorragia supra-renal bilateral, lesões cutâneas no
local de injecção da heparina, bem como por várias outras reacções
sistémicas. Note-se que estas reacções parecem resultar do
desenvolvimento de anticorpos IgG contra os complexos heparina-factor
plaquetário 4.

Caso se registe ocorrência de trombocitopenia, deve ocorrer


descontinuação imediata da heparina e seus derivados. Todavia,
mesmo após descontinuação da terapia supracitada, podem ocorrer
complicações terapêuticas, de tal modo que se deve proceder à
administração de um anti-coagulante alternativo, tal como a lepirudina
ou o argatroban. Por seu turno, as preparações de LMWHs devem ser
evitadas nestes pacientes, uma vez que estes fármacos podem reagir
com a heparina. Por oposição, o fondaparinux não intervém em
reacções cruzadas com a heparina, de tal modo que pode ser
administrado a pacientes com trombocitopenia induzida pela heparina.

Por fim, em pacientes com trombocitopenia induzida pela heparina, a


varfarina pode precipitar gangrena venosa dos membros ou necrose
cutânea multicêntrica, de tal modo que este fármaco não deve ser
usado em pacientes com trombocitopenia.

Outros efeitos adversos


A heparina e as LMWHs induzem frequentemente anomalias dos testes
de função hepática. Para além disso, estes fármacos também podem
induzir osteoporose, a qual acarreta fracturas vertebrais espontâneas –
a frequência deste evento é muito reduzida, sendo o risco inferior
aquando da administração de LMWHs ou fondaparinux. A heparina
pode ainda inibir a síntese supra-renal de aldosterona, podendo causar
hipercalémia. O desenvolvimento de reacções alérgicas é raro.

De entre as contra-indicações para o uso de heparina, destaque para a


presença de lesões susceptíveis de hemorragia, tais como o AVC, a
úlcera péptica e o aneurisma da aorta. Para além disso, a heparina não
deve ser usada em pacientes com discrasias sanguíneas, hipertensão
arterial grave, endocardite infecciosa, tuberculose activa, carcinoma
visceral, choque, insuficiência hepática e insuficiência renal.

Outros agentes anti-coagulantes parentéricos


Lepirudina

A lepirudina é um derivado recombinante da hirudina (um inibidor


directo da trombina presente nas sanguessugas) que se liga
simultaneamente ao local de reconhecimento de substratos e ao local
catalítico da trombina.

A lepirudina é administrada por via intra-venosa, apresentando um


tempo de semi-vida de 1,3 horas. Este fármaco é excretado por via
renal, devendo ser cautelosamente administrado a pacientes com
insuficiência renal, uma vez que a sua acumulação pode resultar na
génese de hemorragias. Os pacientes a usar lepirudina podem
desenvolver anticorpos contra este composto, os quais podem
prolongar o seu tempo de semi-vida e, por conseguinte, causar um
aumento paradoxal do aPTT (de referir que o aPTT deve ser
diariamente monitorizado nestes pacientes). De referir que não existe
qualquer antídoto para a lepirudina.

Desirudina
A desirudina é um derivado recombinante da hirudina que está
indicado para a profilaxia da trombose venosa profunda em pacientes
submetidos a cirurgia de substituição da anca. Este fármaco é
administrado por via subcutânea, apresentando um período de semi-
vida de duas horas. A desirudina é excretada por via renal, devendo ser
cautelosamente administrada a pacientes com insuficiência renal. Deve-
se proceder à monitorização diária da creatinina sérica e aPTT.

Bivalirudina

A bivalirudina é um polipeptídeo sintético que inibe directamente a


trombina através de um mecanismo similar ao da lepirudina. De facto, a
bivalirudina ocupa simultaneamente o local catalítico da trombina e o
local de ligação dos substratos.

A bivalirudina é administrada por via intra-venosa, sendo utilizada como


uma alternativa à heparina em pacientes submetidos a angioplastia
coronária ou cirurgia de bypass cardio-pulmonar. Para além disso, este
fármaco também pode ser administrado a pacientes com
trombocitopenia induzida pela heparina, aquando da ocorrência de
angioplastia coronária.

Em termos farmacocinéticos, a bivalirudina apresenta um período de


semi-vida de 25 minutos. As doses administradas deste fármaco devem
ser reduzidas em pacientes com insuficiência renal.

Argatroban

O argatroban é um composto sintético que se liga reversivelmente ao


local catalítico da trombina. Este fármaco é administrado por via intra-
venosa, induzindo efeitos imediatos. O tempo de semi-vida do
argatroban ronda os 40-50 minutos, sendo que este fármaco é
metabolizado pelas enzimas hepáticas da família do citocromo P450. A
excreção deste fármaco processa-se por via biliar.

O argatroban pode ser usado como uma alternativa à lepirudina na


profilaxia ou tratamento de pacientes com (ou em risco de desenvolver)
trombocitopenia. Para além de prolongar o aPTT, o argatroban também
prolonga o PT.
Drotrecogin Alfa

O drotrecogin alfa constitui a forma recombinante da proteína C activa


humana. Para além de efeitos anti-coagulantes, este fármaco
desempenha efeitos anti-inflamatórios, estando associado a uma
diminuição da mortalidade por sepsis grave. As hemorragias constituem
os principais efeitos adversos do drotrecogin alfa.

Anti-trombina

Já foi desenvolvida anti-trombina recombinante, a qual pode ser


usada como um anti-coagulante em pacientes com défice hereditário de
anti-trombina submetidos a cirurgia.

Anti-coagulantes orais

Varfarina
Estrutura química

Os anti-coagulantes orais mais frequentemente usados na prática


clínica pertencem à classe dos derivados cumarínicos (derivados da
4-hidroxicumarina), os quais apresentam um carbono não-polar na
posição 3. De entre os derivados cumarínicos usados na prática clínica,
destaque para a varfarina, fenprocoumon e acenocoumarol.

Os derivados cumarínicos são comercializados sob a forma de misturas


racémicas, sendo que os seus enantiómeros R- e S- diferem na sua
potência anti-coagulante, metabolismo, eliminação e interacções com
outros fármacos.

De referir que, para além dos derivados cumarínicos, a classe dos anti-
coagulantes orais inclui ainda os derivados da 1,3-inandiona.

Mecanismo de acção

Os anti-coagulantes orais são antagonistas da vitamina K. De facto, os


factores de coagulação II, VII, IX e X (bem como as proteínas anti-
coagulantes C e S) são maioritariamente sintetizados no fígado sob a
forma de moléculas percursoras, as quais deverão sofrer uma reacção
de carboxilação mediada pela γ-glutamil carboxílase. Todavia, esta
reacção de carboxilação acompanha-se pela oxidação da vitamina K na
sua forma epóxido correspondente.

Assim, de modo a ocorrer uma carboxilação sustentada dos factores de


coagulação, a vitamina K deverá ser constantemente regenerada a
partir da sua forma epóxido. Ora, a varfarina inibe a enzima responsável
por esta regeneração (redútase do epóxido da vitamina K).

Contrariamente ao epóxido de vitamina K, a vitamina K também pode


ser convertida na hidroquinona correspondente por parte de uma
segunda redútase (a diaforase DT). Esta enzima apenas actua na
presença de concentrações elevadas vitamina K, sendo pouco sensível
à acção dos fármacos cumarínicos. Ora, isto pode explicar porque é que
a administração de doses relativamente modestas de vitamina K pode
contrariar o efeito de doses deveras elevadas de anti-coagulantes orais.

Doses terapêuticas de varfarina resultam numa diminuição de 30-50%


da produção hepática de factores da coagulação dependentes da
vitamina K. Contudo, para além de afectar a quantidade de factores da
coagulação produzidos, a varfarina também afecta a sua qualidade, pois
potencia a síntese de factores sub-carboxilados, ou seja, com menor
actividade biológica.

Os antagonistas da vitamina K não exercem qualquer efeito na


actividade dos factores carboxilados já presentes em circulação. Deste
modo, o tempo necessário que os efeitos destes fármacos se façam
sentir depende da clearance de cada factor da coagulação. Ora, alguns
factores (nomeadamente, o factor II) apresentam um período de semi-
vida particularmente longo, de tal modo que o efeito anti-trombótico
máximo da varfarina apenas se faz sentir alguns dias após início da
terapia com este fármaco.

Farmacocinética
A varfarina é frequentemente administrada por via oral, embora também
possa ser administrada por via intra-venosa. A administração deste
fármaco por via intra-muscular não se encontra recomendada, devido
ao risco subjacente de formação de hematomas. A varfarina apresenta
uma biodisponibilidade quase completa, quer seja administrada por via
oral, intra-venosa ou rectal. Note-se, contudo, que os alimentos
diminuem a taxa de absorção deste fármaco.

Quase toda a varfarina (99%) circula ligada às proteínas plasmáticas


(sobretudo à albumina), de tal modo que este fármaco se distribui
rapidamente para um volume equivalente ao da albumina. A varfarina
atravessa a placenta, mas não se encontra presente no leite materno
(contrariamente a outros cumarínicos e indandionas), de tal modo que
pode ser administrada a mulheres em amamentação.

A varfarina é administrada sob a forma de uma mistura racémica, sendo


que a S-varfarina (que é maioritariamente metabolizada pelo CYP2C9)
revela-se mais potente que a R-varfarina. A varfarina apresenta um
tempo de semi-vida variável, mas uma duração de acção de 2-5 horas.
Este fármaco é excretado sob a forma de metabolitos inactivos, por via
urinária e fecal.

A variabilidade de resposta à varfarina depende maioritariamente da


existência de polimorfismos em dois genes, nomeadamente no gene do
CYP2C9 e no gene VKORC1 (que codifica para a subunidade 1 da
redútase do epóxido da vitamina K). Enquanto as alterações do
CYP2C9 interferem com a farmacocinética da varfarina, as alterações
do VKORC1 interferem com a farmacodinamia.

Embora se conheça pouco acerca da sua relevância clínica, sabe-se


que esses polimorfismos podem condicionar maior risco de hemorragia.
Assim, em pacientes com alterações dos genes CYP2C9 e VKORC1,
devem ser administradas doses inferiores de varfarina.

Interacções farmacológicas

Para que um fármaco se revele capaz de afectar a acção dos anti-


coagulantes orais (e um vasto conjunto de fármacos consegue fazê-lo),
basta que este seja capaz de alterar:
A captação ou metabolismo da vitamina K ou do anti-coagulante
oral em questão

A síntese, função ou clearance de qualquer célula ou factor


envolvido na hemóstase ou fibrinólise

A integridade da superfície epitelial

Deste modo, de entre os factores que mais frequentemente atenuam o


efeito dos anti-coagulantes orais, destaque para os seguintes:

Redução da absorção dos fármacos secundária a ligação à


colestiramina no tracto gastro-intestinal

Aumento do volume de distribuição e diminuição do tempo de


semi-vida por hipoproteinemia (tal como acontece na síndrome
nefrótica)

Co-administração de fármacos indutores do CYP2C9, tais como


os barbitúricos, a carbamazepina ou a rifampina

Ingestão de grandes quantidades de alimentos ricos em vitamina


K (algo deveras comum nos vegetarianos)

Aumento dos níveis de factores de coagulação durante a gravidez

Por oposição, de entre os factores que potenciam o efeito dos anti-


coagulantes orais (e, como tal, a ocorrência de hemorragia), destaque
para os seguintes:

Co-administração de fármacos inibidores do CYP2C9, tais como


a amiodarona, anti-fúngicos azoles, cimetidina, clopidogrel,
cotrimoxazole, dissulfiram, fluoxetina, isoniazida, metronidazole,
sulfinpirazona, tolcapone ou zafirlukast

Existência de défices congénitos das proteínas pró-coagulantes

Para além disso, os défices relativos de vitamina K podem resultar de


uma alimentação inadequada, especialmente quando acoplada com a
eliminação da flora intestinal por agentes anti-microbianos. De facto, as
bactérias intestinais sintetizam vitamina K, constituindo uma importante
fonte desta vitamina, de tal modo que os antibióticos revelam-se
capazes de causar um prolongamento excessivo do PT em pacientes
medicados com varfarina.

Baixas concentrações dos factores de coagulação podem resultar de


uma diminuição da função hepática, bem como da presença de
insuficiência cardíaca congestiva ou estados hipermetabólicos (tais
como hipertiroidismo). Assim, normalmente, estas condições resultam
num prolongamento do PT.

Existem contudo, algumas interacções graves que não resultam num


aumento do PT, tais como a inibição da função plaquetária (induzida por
agentes como a aspirina) e a gastrite ou ulceração gástrica (que pode
ser induzida por agentes anti-inflamatórios). Note-se que os idosos
encontram-se mais sensíveis à acção dos anti-coagulantes orais.

Resistência e sensibilidade à varfarina

Para obter resultados terapêuticos, alguns pacientes necessitam de


doses superiores de varfarina (resistentes à varfarina), enquanto outros
requerem doses inferiores (sensíveis à varfarina). Normalmente, a
“resistência à varfarina” resulta do consumo excessivo de vitamina K,
embora também possa resultar de mutações hereditárias. Por seu turno,
a “sensibilidade à varfarina” resulta normalmente da presença de
polimorfismos dos alelos CYP2C9 ou VKORC1 (vide supra).

Toxicidade

Hemorragias

As hemorragias constituem os principais efeitos adversos da varfarina.


O risco de hemorragia aumenta com a intensidade e duração da terapia
anti-coagulante, bem como com o uso de outros fármacos que interfiram
com a hemóstase. Em alguns casos, as hemorragias podem se revelar
particularmente graves, nomeadamente quando ocorrem em locais
onde as perdas maciças de sangue não são rapidamente
diagnosticadas (nomeadamente no tracto gastro-intestinal, ou nos locais
intra-peritoneal e retro-peritoneal), ou onde a compressão de estruturas
vitais pode resultar na ocorrência de danos irreversíveis (tal como ao
nível intra-craniano, pericárdico ou espinhal). Não admira, portanto, que
se pense que Iosif Stalin tenha morrido por hemorragia cerebral
secundária a envenenamento por varfarina.

Defeitos congénitos

A administração de varfarina durante a gravidez resulta na ocorrência


de defeitos congénitos, podendo inclusive levar a abortamento. De
facto, a ingestão de varfarina durante o primeiro trimestre de gravidez
pode levar a que o produto da concepção passe a apresentar uma
síndrome caracterizada por hipoplasia nasal e calcificações epifisárias
pontuais. Por outro lado, a ingestão de varfarina durante o segundo e
terceiro trimestres de gestação pode resultar no desenvolvimento de
anomalias do sistema nervoso central. Para além disso, pode ocorrer
ainda hemorragia fetal ou neonatal, bem como morte intra-uterina.

Assim, os antagonistas da vitamina K não devem ser usados na


gravidez, contrariamente à heparina e seus derivados (vide supra).

Necrose cutânea

Embora seja raro, a varfarina pode induzir necrose cutânea, sobretudo


ao nível das extremidades (embora também se possam registar lesões
necróticas no tecido adiposo, pénis e mama). De facto, a varfarina pode
induzir lesões por trombose profusa microvascular, as quais se podem
alastrar rapidamente e tornar necróticas.

A proteína C apresenta um tempo de semi-vida inferior ao dos factores


da coagulação dependentes da vitamina K, de tal modo que a sua
actividade funcional diminui mais rapidamente aquando da
administração de um antagonista da vitamina K. Assim, pensa-se que a
necrose dérmica induzida pela varfarina resulte de um desequilíbrio
provisório entre os níveis de proteína C e os dos restantes factores da
coagulação. Note-se que este desequilíbrio encontra-se potenciado em
pacientes que apresentem défices parciais de proteína C ou proteína S,
os quais apresentam maior risco de desenvolvimento de necrose.
Lesões similares sob o ponto de vista morfológico podem também
ocorrer em pacientes com défice de vitamina K.
Outros efeitos adversos

Algumas semanas após início da terapia com varfarina, pode se


verificar uma descoloração azulada reversível (e, por vezes, dolorosa)
das superfícies plantares laterais dos dedos dos pés (síndrome do
dedo do pé roxo). Pensa-se que esta síndrome resulte da libertação de
êmbolos de colesterol a partir de placas de ateroma.

A varfarina pode ainda causar alopécia, urticária, dermatite, febre,


náuseas, diarreia, cólicas abdominais e anorexia. Já quando
administrada a pacientes com trombocitopenia induzida pela heparina, a
varfarina pode precipitar gangrena venosa dos membros inferiores e
necrose cutânea.

De entre as contra-indicações absolutas para o uso de varfarina,


destaque para a gravidez, hemorragia cerebral/intra-ocular, hipertensão
arterial grave, úlcera péptica, pericardite e varizes esofágicas. Por seu
turno, as contra-indicações relativas incluem interacções
medicamentosas, alterações da hemóstase, trombocitopenia, doença
hepato-biliar, insuficiência renal e défices de vitamina K.

Uso terapêutico

Os antagonistas da vitamina K são usados (após uma administração


inicial de heparina) na prevenção da progressão ou recorrência da
trombose venosa profunda ou embolia pulmonar. Para além disso, estes
fármacos revelam-se eficazes na prevenção de várias condições,
incluindo:

Tromboembolismo venoso em pacientes submetidos a cirurgia


ortopédica ou ginecológica

Isquemia coronária recorrente em pacientes com enfarte agudo do


miocárdio

Embolização sistémica em pacientes com válvulas cardíacas de


prótese ou fibrilação auricular crónica.

Outros antagonistas da vitamina K


Fenprocoumon e acenocoumarol

O fenprocoumon apresenta um maior período de semi-vida que a


varfarina, bem como uma duração de acção mais longa. Por oposição, o
acenocoumarol apresenta um tempo de semi-vida inferior, um efeito
mais rápido no PT e uma duração de acção mais curta.

Derivados da indandiona

A anisindiona apresenta propriedades farmacocinéticas similares às da


varfarina, embora esteja associada a uma maior frequência de efeitos
adversos. Por seu turno, a fenindiona está associada ao
desenvolvimento de reacções graves de hipersensibilidade
(potencialmente fatais), de tal modo que o seu uso não é aconselhado.

Rodenticidas

A bromadiolona, o brodifacoum, a difenadiona, a clorofacinona e a


pindona são agentes de acção prolongada (os seus efeitos podem
perdurar por semanas), podendo ser utilizados no envenenamento
acidental ou intencional. Num quadro de envenenamento por estes
agentes, dever-se-á proceder à administração de doses muito elevadas
de vitamina K durante semanas ou meses.

Outros anti-coagulantes orais


Etexilato de dabigatran

O etexilato de dabigatran é um pró-fármaco que, quando convertido


em dabigatran, bloqueia reversivelmente o local activo da trombina. A
biodisponibilidade oral deste fármaco ronda os 6%, enquanto o seu
tempo de semi-vida ronda as 12-14 horas. Quando administrado em
doses definidas, o etexilato de dabigatran produz sempre uma resposta
anti-coagulante previsível, não sendo necessário proceder à
monitorização de rotina da actividade hemostática.

Este fármaco é utilizado na prevenção do tromboembolismo venoso


após cirurgia de substituição à anca ou joelho, parecendo constituir uma
alternativa credível à varfarina em pacientes que necessitem de terapia
anti-hemostática a longo prazo. Para além disso, este fármaco é usado
na prevenção de eventos trombóticos em doentes com flutter ou
fibrilação auricular.

Rivaroxaban

O rivaroxaban é um inibidor oral do factor Xa. Este fármaco apresenta


uma biodisponibilidade oral de 80% e um período de semi-vida de 7-11
horas. Cerca de um terço deste fármaco é excretado de forma inacta na
urina, enquanto a restante fracção é convertida em metabolitos
inactivos, sofrendo subsequente excreção urinária ou fecal. O
rivaroxaban apresenta indicações terapêuticas similares às do etexilato
de dabigatran e, tal como este último fármaco, o seu uso não requer a
realização de monitorização da hemóstase.

Para além do rivaroxaban, estão a ser desenvolvidos outros inibidores


orais do factor Xa, de entre os quais se destacam o apixaban,
edoxaban e betrixaban.

Fármacos fibrinolíticos

Plasminogénio, plasmina e anti-plasmina


O plasminogénio é uma glicoproteína de cadeia única, sendo
convertido em plasmina (uma protease activa) por clivagem num
resíduo de arginina. O plasminogénio apresenta cinco domínios kringle,
os quais medeiam a sua ligação a resíduos de lisina da fibrina,
aumentando assim a fibrinólise. Por oposição, o TAFI (thrombin-
activatable fibrinolysis inhibitor) revela-se capaz de remover esses
resíduos de lisina, atenuando a fibrinólise. De referir que, por
comparação com o plasminogénio intacto, o lis-plaminogénio (uma
forma de plasminogénio degradada pela plasmina) revela-se capaz de
se ligar à fibrina com maior afinidade.

A α2-anti-plasmina
liga-se à plasmina
(quando esta se
encontra ligada à
fibrina), inactivando-a. A
acção da α2-anti-
plasmina ocorre a
baixas concentrações e
de modo quase
imediato, desde que a
primeira kringle da
plasmina não se
encontre ocupada pela
fibrina ou por outros
antagonistas (tais como
o ácido aminocapróico).

A activação maciça do
plasminogénio resulta
na depleção da α2-anti-
plasmina, de tal modo
que a plasmina livre
passa a estabelecer um
“estado lítico

sistémico”, caracterizado por uma inibição da hemóstase. Neste


estado, o fibrinogénio é metabolizado em produtos de degradação do
fibrinogénio, os quais inibem a polimerização da fibrina e, por
conseguinte, aumentam as hemorragias resultantes dos ferimentos.

Estreptocínase
A estreptocínase é uma proteína produzida pelos Streptococcus β-
hemolíticos. Embora não apresente actividade enzimática intrínseca,
esta proteína forma um complexo estável (não-covalente) com o
plasminogénio. Subsequentemente, ocorre uma alteração
conformacional no plasminogénio, a qual promove a sua conversão em
plasmina.

A estreptocínase é muito raramente utilizada na prática clínica, algo que


se deve parcialmente ao facto de ser antigénica. Em termos
farmacocinéticos, este fármaco é administrado por via intra-venosa ou
intra-tecal, sendo excretado por via renal. A sua semi-vida ronda os 10-
20 minutos.
Activador do plasminogénio tecidular (t-PA)
O t-PA é um activador do plasminogénio, embora apresente reduzida
actividade na ausência de fibrina. De facto, o t-PA é capaz de se ligar
simultaneamente à fibrina e ao plasminogénio, activando o
plasminogénio ligado à fibrina de forma altamente eficaz.

Quando administrado em baixas doses, o t-PA não induz formação


sistémica de plasmina. Contudo, quando o t-PA é administrado de forma
contínua, podem ser atingidas concentrações de tal modo elevadas, que
se pode estabelecer um estado lítico sistémico.

O t-PA sofre um extenso metabolismo hepático, apresentando um


período de semi-vida próximo dos cinco minutos. Em termos clínicos, o
t-PA revela-se particularmente eficaz na lise de trombos em situações
de enfarte agudo do miocárdio ou de AVC isquémico.

De referir que o t-PA utilizado na prática clínica (alteplase) é produzido


com recurso a técnicas de DNA recombinante. Foram ainda
desenvolvidas variações recombinantes do t-PA (nomeadamente,
reteplase e tenecteplase), as quais diferem do t-PA pelo facto de
apresentarem um período de semi-vida superior. Contrariamente ao t-
PA e à reteplase, a tenecteplase revela-se relativamente resistente à
inibição mediada pelo PAI-1.

Toxicidade hemorrágica da terapia trombolítica


As hemorragias constituem os principais efeitos adversos associados ao
uso de agentes trombolíticos e resultam da ocorrência de dois factores:

Lise da fibrina presente nos coágulos hemostáticos formados nos


locais de lesão vascular

Estabelecimento de um estado lítico sistémico, resultante da


génese sistémica de plasmina

Observa-se um risco particularmente elevado de hemorragia grave em


pacientes que usem simultaneamente heparina e t-PA. O
estabelecimento de hemorragia intra-craniana revela-se particularmente
perigoso, sendo que o uso de t-PA (sobretudo, quando co-administrado
com a heparina) aumenta o risco de AVC hemorrágico.

Actualmente, o uso da terapia fibrinolítica tem vindo a perder


importância, em detrimento da angioplastia coronária. Contudo, a
terapia fibrinolítica continua a constituir o tratamento de primeira escolha
em pacientes com AVC isquémico ocorrido num período inferior a três
horas.

Inibidores da fibrinólise

Ácido aminocapróico
O ácido aminocapróico é um análogo da lisina capaz de competir com
os resíduos de lisina da fibrina pela ligação ao plasminogénio e
plasmina. Assim, o ácido aminocapróico liga-se ao plasminogénio e à
plasmina, impedindo a sua interacção com a fibrina. Deste modo, o
ácido aminocapróico constitui um importante inibidor da fibrinólise,
revelando-se capaz de reverter estados caracterizados por um excesso
de fibrinólise.

Contudo, os trombos formados durante o período de uso de ácido


aminocapróico não sofrem lise, o que constitui uma limitação deste
fármaco. A título de exemplo, em pacientes com hematúria, o uso de
ácido aminocapróico pode levar à formação de coágulos, os quais
podem induzir obstrução uretral e, por conseguinte, insuficiência renal.

O ácido aminocapróico é utilizado para reduzir as hemorragias


subsequentes à cirurgia prostática ou às extracções de dentes em
indivíduos hemofílicos. Todavia, o uso deste fármaco no tratamento de
várias outras perturbações hemorrágicas tem fracassado.

Em termos farmacocinéticos, o ácido aminocapróico é rapidamente


absorvido após administração oral, sendo que 50% deste fármaco é
excretado de forma intacta na urina. Para além disso, este fármaco
pode ser administrado por via intra-venosa. De entre as suas acções
adversas, destaque para a miopatia e necrose muscular.
Ácido tranexâmico
O ácido tranexâmico é um análogo da lisina cujo mecanismo de acção
e indicações terapêuticas são similares às do ácido aminocapróico. O
ácido tranexâmico pode ser administrado por via oral ou intra-venosa,
sendo excretado por via renal (de tal modo que são necessários ajustes
posológicos em indivíduos com insuficiência renal). Na prática clínica,
este fármaco é ainda frequentemente utilizado na terapia da hemorragia
menstrual abundante.

Fármacos anti-plaquetários

As plaquetas constituem
elementos essenciais da
coagulação, de tal modo
que os anti-plaquetários
podem apresentar uma
importante função anti-
hemostática. Os anti-
plaquetários podem actuar
por mecanismos distintos,
de tal modo que a sua co-
administração pode gerar
efeitos aditivos ou até
sinérgicos.

Aspirina
Os eicosanóides são
metabolitos do ácido
araquidónico que participam
na trombose, inflamação,
regeneração de feridas e
alergias. Assim, a via de
síntese dos eicosanóides
constitui um alvo de vários
agentes terapêuticos,
incluindo alguns
analgésicos, fármacos anti-
inflamatórios e agentes anti-
trombóticos.

Nas plaquetas, o
tromboxano A2 constitui o
principal produto resultante
da acção da ciclo-
oxigénase. Este

metabolito potencia a agregação plaquetária, sendo também um


poderoso vasoconstrictor. Ora, a aspirina inibe a enzima ciclo-
oxigénase-1 (COX-1), bloqueando a produção de tromboxano A2 de
modo irreversível (note-se que as plaquetas não são capazes de
sintetizar novas proteínas, de tal modo que a aspirina exerce efeitos
irreversíveis na COX-1 plaquetária). Deste modo, a administração de
doses repetidas de aspirina exerce um efeito cumulativo na função
plaquetária.

As doses de aspirina necessárias para obter um efeito anti-plaquetário


são inferiores às doses necessárias para a obtenção de outros efeitos.
De facto, a administração de doses mais elevadas de aspirina pode até
ser contraproducente, na medida em que pode resultar na inibição da
produção de prostaciclina. Para além disso, a administração de doses
elevadas de aspirina acarreta maior toxicidade, induzindo maior risco de
hemorragias.

De entre os inibidores da COX-1, destaque ainda para o indabuteno,


que potencia uma diminuição dos níveis de tromboxano A2, sendo
usado na revascularização miocárdica.

Dipiridamole
O dipiridamole interfere com a função plaquetária, ao aumentar a
concentração celular de cAMP, sendo que este efeito é mediado pela
inibição de fosfodiesterases de nucleotídeos cíclicos e/ou pelo bloqueio
da captação de adenosina (a qual actua nos receptores A2, estimulando
a cíclase do adenilato plaquetária e, por conseguinte, o cAMP). O
dipiridamole actua ainda como vasodilatador, sendo que, quando co-
administrado com a varfarina, este fármaco inibe a embolização
proveniente de válvulas de próteses. Apesar disso, o dipiridamole não
apresenta qualquer benefício como agente anti-trombótico, de tal modo
que ainda não se sabe até que ponto a adição deste fármaco assegura
algum benefício aos pacientes que estejam já a tomar aspirina ou
clopidogrel.

Ticlopidina
As plaquetas expressam dois receptores purinérgicos (P2Y1 e
P2Y12), aos quais se liga o ADP. A ligação do ADP ao receptor P2Y1
resulta na activação da via Gq-fosfolípase C-IP3-cálcio, o que induz
uma alteração na forma e agregação plaquetária. Por outro lado, a
ligação do ADP ao receptor P2Y12 resulta na activação da proteína Gi,
o que reduz a inibição plaquetária mediada pelo cAMP. Note-se que a
activação plaquetária requer a estimulação simultânea dos receptores
P2Y1 e P2Y12, sendo que a inibição de qualquer um destes receptores
é suficiente para bloquear a activação plaquetária.

A ticlopidina é um pró-fármaco pertencente à classe das tienopiridinas


que actua por inibição do receptor P2Y12. Esta molécula é convertida no
seu metabolito tiol activo por parte de uma enzima hepática da família
do citocromo P450. A ticlopidina é rapidamente absorvida,
apresentando uma elevada biodisponibilidade.

Este fármaco inibe o receptor P2Y12 de modo irreversível, apresentando


um efeito prolongado. Assim, tal como a aspirina, a ticlopidina apresenta
um curto período de semi-vida, mas uma longa duração de acção (efeito
“hit-and-run”) – de facto, a inibição da agregação plaquetária persiste
por alguns dias após descontinuação deste fármaco.

Efeitos adversos

Os efeitos adversos mais comuns incluem náusea, vómitos, diarreia e


neutropenia (que constitui o efeito lateral mais grave resultante do uso
de ticlopidina). Para além disso, este fármaco pode induzir
agranulocitose fatal com trombocitopenia, tendo ainda sido descritos
casos isolados (mas reversíveis) de púrpura trombocitopénica
trombótica/síndrome urémica hemolítica. Assim, o uso de ticlopidina
obriga à realização frequente de hemogramas.

Usos terapêuticos

A ticlopidina tem sido usada na prevenção de eventos cerebro-


vasculares, apresentando uma eficácia similar à da aspirina na
prevenção secundária do AVC. Contudo, devido aos seus efeitos
adversos (alguns dos quais potencialmente fatais), este fármaco foi
maioritariamente substituído pelo clopidogrel, sendo apenas utilizado
em pacientes com isquemia cerebral e refractários/intolerantes à
aspirina.

Clopidogrel
Tal como a ticlopidina, o clopidogrel é um inibidor irreversível dos
receptores plaquetários P2Y12, embora apresente maior potência e
menor toxicidade. De facto, este fármaco induz uma menor frequência
de leucopenia e trombocitopenia, embora apresente maior risco de
hemorragia gastro-intestinal.

O clopidogrel é utilizado para reduzir a frequência de AVC e enfartes do


miocárdio em pacientes com (1) enfartes ou AVC recorrentes, (2)
doença arterial periférica ou (3) síndrome coronária aguda. Este
fármaco revela-se ligeiramente mais eficaz que a aspirina na prevenção
secundária do AVC, sendo que estes dois fármacos parecem apresentar
efeitos sinérgicos. De facto, a co-administração do clopidogrel com
aspirina revela-se mais eficaz que a administração isolada de aspirina
na prevenção da isquemia recorrente em pacientes com angina instável.
Para além disso, o clopidogrel e a aspirina são simultaneamente
administrados após angioplastia ou implantação de stents coronários.

Tal como a ticlopidina, o clopidogrel é um pró-fármaco, sendo que os


seus efeitos instalam-se lentamente. A biotransformação deste fármaco
é mediada por enzimas da família do citocromo P450, de entre as
quais o CYP2C19 constitui o elemento mais importante. Assim, os
polimorfismos nestas enzimas estão na base da elevada variabilidade
inter-individual ao clopidogrel – de facto, alguns pacientes são inclusive
considerados resistentes aos efeitos anti-plaquetários deste fármaco.
Por outro lado, a administração de inibidores da bomba de portões (que
inibem o CYP2C19) resulta numa pequena redução dos efeitos anti-
plaquetários do clopidogrel. De referir que, embora o CYP3A4 também
contribua para a activação metabólica do clopidogrel, os polimorfismos
nesta enzima não parecem influenciar a resposta ao clopidogrel.

Prasugrel
O prasugrel também é um pró-fármaco pertencente à classe das
tienopiridinas. Todavia, por comparação com a ticlopidina e clopidogrel,
os efeitos do prasugrel instalam-se mais rapidamente. Para além disso,
o prasugrel apresenta uma acção mais potente e menos variável.

Ora, estas características resultam do facto de o prasugrel ser


rapidamente e completamente absorvido a partir do tracto gastro-
intestinal. Para além disso, quase todo o prasugrel absorvido sofre
activação metabólica (contra apenas 15% do clopidogrel absorvido), o
que explica a sua maior eficácia.

Os metabolitos activos do prasugrel e das restantes tienopiridinas ligam-


se irreversivelmente ao receptor P2Y12, de tal modo que estes fármacos
apresentam um efeito prolongado após descontinuação. Ora, isto pode
se revelar problemático, caso os pacientes necessitem de ser
submetidos a uma cirurgia urgente. De facto, a não ser que as
tienopiridinas sejam descontinuadas com pelo menos cinco dias de
antecedência, os pacientes que estejam a tomar estes fármacos
apresentam um risco superior de hemorragias.

Em pacientes com síndrome coronária aguda, o prasugrel revela-se


mais eficaz que o clopidogrel, estando associado a uma menor
incidência de morte por eventos cardiovasculares. Para além disso, o
prasugrel induz menor incidência de trombose associada a stents.
Contudo, o prasugrel acarreta um risco superior de hemorragia
potencialmente fatal, de tal modo que este fármaco encontra-se contra-
indicado em pacientes com história prévia de AVC ou ataque isquémico
transitório (os quais apresentam um risco superior de hemorragias).
Contrariamente ao que ocorre com o clopidogrel, os polimorfismos do
CYP2C19 constituem determinantes pouco importantes da activação do
prasugrel. Assim, este fármaco pode constituir uma alternativa viável em
pacientes resistentes ao clopidogrel.

Cangrelor
O cangrelor é um análogo da adenosina que se liga reversivelmente
aos receptores P2Y12, inibindo a sua actividade. O cangrelor apresenta
um período de semi-vida de 3-6 minutos, sendo que, após
descontinuação deste fármaco, a função plaquetária regressa aos
valores basais num período de 60 minutos. Em termos clínicos, o
cangrelor é administrado por via intra-venosa, não parecendo
demonstrar maior eficácia que o clopidogrel.

Ticagrelor
O ticagrelor é um inibidor reversível do P2Y12 que pode ser
administrado por via oral. Este fármaco revela-se mais eficaz que o
clopidogrel, estando sujeito a menor variabilidade. Para além disso, os
efeitos do ticagrelor instalam-se (e terminam) mais rapidamente.

Em pacientes com síndrome coronária aguda, o ticagrelor revela-se


mais eficaz que o clopidogrel, estando associado a uma redução mais
acentuada da frequência de eventos cardiovasculares e, por
conseguinte, da mortalidade. Contudo, por comparação com o
clopidogrel, o ticagrelor induz um risco superior de hemorragia.

Inibidores da glicoproteína IIb/IIIa


A glicoproteína IIb/IIIa é uma integrina expressa à superfície das
plaquetas, encontrando-se apenas funcional nas plaquetas activadas. A
glicoproteína IIb/IIIa activada é capaz de se ligar ao fibrinogénio e ao
factor de von Willebrand, sendo que esta ligação permite a adesão
plaquetária a superfícies ectópicas ou a outras plaquetas. Deste modo,
a activação da glicoproteína IIb/IIIa revela-se fundamental para a
ocorrência de agregação plaquetária, de tal modo que, ao bloquearem a
agregação plaquetária, os inibidores desta glicoproteína constituem
poderosos agentes anti-plaquetários

Abciximab

O abciximab é o fragmento Fab do anticorpo monoclonal humanizado


dirigido contra a glicoproteína IIb/IIIa. Para além disso, o abciximab
também é capaz de se ligar ao receptor da vitronectina, o qual se
encontra expresso nas células endoteliais vasculares e células
musculares lisas.

Este anticorpo é administrado a pacientes submetidos a angioplastia


percutânea para tromboses coronárias. Para além disso, quando co-
administrado com a aspirina e heparina, o abciximab revela-se eficaz na
prevenção de re-estenoses e enfarte agudo do miocárdio. Em termos
farmacocinéticos, este fármaco apresenta um período de semi-vida
plasmático de 30 minutos, embora os seus efeitos perdurem por 24
horas (de entre todos os inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, o abciximab
é aquele que apresenta maior período de semi-vida).

As hemorragias constituem os principais efeitos adversos do abciximab,


de tal modo que as contra-indicações deste fármaco são similares às
dos agentes fibrinolíticos. Para além disso, o abciximab aumenta o risco
de trombocitopenia.

Eptifibatide

O eptifibatide é um inibidor cíclico da agregação plaquetária, actuando


por inibição do local de ligação ao fibrinogénio da glicoproteína IIb/IIIa.
Em termos farmacocinéticos, este fármaco é administrado por via intra-
venosa, sendo que as suas acções apresentam uma duração
relativamente curta.

Este fármaco é utilizado no tratamento da síndrome coronária aguda,


bem como aquando de intervenções coronárias angioplásticas (estando
associado a uma redução significativa do risco de enfarte do miocárdio).
Apesar disso, o eptifibatide parece ser ligeiramente menos eficaz que o
abciximab, provavelmente, por não reagir com o receptor da
vitronectina.

As hemorragias constituem os principais efeitos adversos do


eptifibatide. Para além disso, este fármaco pode induzir
trombocitopenia.

Tirofiban

O tirofiban é um inibidor não-peptídico da glicoproteína IIb/IIIa,


parecendo actuar por mecanismos similares aos do eptifibatide. O
tirofiban apresenta uma curta duração de acção, sendo eficaz em
situações de enfarte do miocárdio e angina instável.

A eficácia e os efeitos laterais do tirofiban são similares aos do


eptifibatide. De facto, tal como o eptifibatide, o tirofiban não interage
com o receptor da vitronectina, actuando especificamente na
glicoproteína IIb/IIIa. Em termos farmacocinéticos, o tirofiban é
ministrado por via intra-venosa, sendo frequentemente co-administrado
com a heparina.

Vitamina K
A vitamina K é um co-factor essencial para a γ-carboxilação de vários
factores da coagulação e proteínas anti-coagulantes. Assim, os
antagonistas da vitamina K inibem a formação de resíduos de γ-
carboxiglutamato (resíduos Gla) e, por conseguinte, a coagulação. Por
oposição, o excesso de vitamina K1 pode reverter os efeitos destes anti-
coagulantes orais.

Existem duas subformas de vitamina K, nomeadamente a vitamina K1


e a vitamina K2. A vitamina K1 (também chamada de fitonadiona ou
fitoquinona) encontra-se presente nas plantas, constituindo a única
forma natural de vitamina K administrada na prática clínica. Por
oposição a vitamina K2 inclui um conjunto de compostos (designados
genericamente por menaquinonas) em que a cadeia lateral fitil da
fitonadiona foi substituída por uma cadeia lateral constituída por
unidades prenil.
Acções farmacológicas
forma reduzida da vitamina K constitui um co-factor essencial da γ-
glutamil carboxílase, a qual medeia a biossíntese das formas
carboxiladas das seguintes proteínas:

Factores II (pró-trombina), VII, IX e X da coagulação

Proteínas anti-coagulantes C e S

Proteína Z (co-factor do inibidor do factor Xa)

Osteocalcina e proteínas matriciais

Contudo, a actividade desta enzima ocorre com concomitante oxidação


da vitamina K na sua forma 2,3-epóxido. Ora, para que esta forma
epóxido seja novamente regenerada em vitamina K reduzida, deverá
ocorrer acção da redútase dos epóxidos, que é a enzima inibida pelos
fármacos cumarínicos.

Assim, na ausência de vitamina K (ou na presença de um derivado


cumarínico), os factores da coagulação recém-sintetizados carecem de
resíduos de glutamato carboxilados e, como tal, não exercem qualquer
actividade. De referir que, a γ-carboxilação do glutamato ocorre em
vários tecidos, nos quais se incluem o fígado, o pulmão e o osso -
todavia, os factores da coagulação apenas sofrem carboxilação ao nível
hepático.

Défice de vitamina K
Os défices de vitamina K aumentam o risco de hemorragias, as quais se
manifestam através da ocorrência de equimoses, epistáxis, hematúria,
hemorragia gastro-intestinal, hemorragia pós-operatória e,
eventualmente, hemorragia intra-craniana. Todavia, a ocorrência de
hemoptises é rara.

Todavia, os efeitos dos défices de vitamina K não se restringem apenas


ao sistema hematológico. De facto, no osso, existe uma proteína
dependente de vitamina K, de tal modo que os défices nesta vitamina
parecem ser responsáveis pelas anomalias ósseas fetais associadas à
administração de anti-coagulantes orais durante o primeiro trimestre de
gravidez. Para além disso, nos indivíduos adultos, a vitamina K parece
desempenhar um importante papel na manutenção da massa óssea e
na prevenção da osteoporose. De facto, baixas doses desta vitamina
resultam numa diminuição da densidade mineral óssea e num aumento
do risco de fracturas. Por oposição, a suplementação com vitamina K
aumenta o estado de carboxilação da osteocalcina, aumentando a
densidade mineral óssea. Apesar disso, a administração de
antagonistas da vitamina K não afecta a densidade mineral óssea dos
indivíduos adultos, embora possa comprometer a neoformação óssea.

Toxicidade
A fitonadiona e as menaquinonas não são tóxicas. Todavia, a
menadiona e os seus derivados (formas sintéticas de vitamina K)
podem induzir anemia hemolítica e kernicterus em recém-nascidos
(sobretudo, em prematuros). Deste modo, a menadiona não deve ser
administrada como forma terapêutica da vitamina K.

Farmacocinética
O mecanismo de absorção intestinal dos compostos com actividade de
vitamina K varia de acordo com a solubilidade dos mesmos. Na
presença de sais biliares, a fitonadiona e menaquinonas são quase
completamente absorvidas pelo intestino por via linfática. A fitonadiona
é absorvida através de um processo de transporte activo ao nível do
intestino delgado proximal. Por seu turno, as menaquinonas são
absorvidas por difusão nas porções distais do intestino delgado e no
cólon.

Após absorção, a fitonadiona e as menaquinonas são concentradas no


fígado, sendo que os níveis plasmáticos de fitonadiona diminuem
rapidamente. De facto, a fitonadiona é rapidamente biotransformada em
metabolitos mais polares, os quais são excretados na bílis e na urina.
Note-se que as menaquinonas, que são produzidas nas porções distais
do intestino, revelam-se biologicamente menos activas que a
fitonadiona (devido às suas longas cadeias laterais).
O organismo não parece constituir grandes reservas de vitamina K.
Assim, em situações em que a falta de bílis interfira com a absorção de
vitamina K, verifica-se um desenvolvimento lento de
hipoprotrombinemia.

Usos terapêuticos
A vitamina K é clinicamente utilizada para correcção da tendência
hemorrágica ou das hemorragias resultantes do seu défice. Por seu
turno, os défices de vitamina K podem resultar de uma ingestão,
absorção ou utilização inadequadas, bem como da acção de um
antagonista desta vitamina.

A fitonadiona deve ser administrada por via oral ou subcutânea. De


facto, este fármaco não deve ser administrado por via intra-venosa, sob
pena de se poderem desenvolver reacções graves do tipo anafilático.

Ingestão inadequada

Após a infância, a hipoprotrombinemia por défice alimentar de vitamina


K constitui um quadro extremamente raro, dado que esta vitamina não
só se encontra presente em vários alimentos, como também é
sintetizada por bactérias intestinais. Contudo, pode-se desenvolver
hipoprotrombinemia em pacientes que tenham tomado um antibiótico de
largo espectro ou que estejam a receber alimentação intra-venosa
prolongada – nesses casos, a administração de fitonadiona encontra-se
recomendada.

Hipoprotrombinemia do recém-nascido

Nos primeiros dias após o nascimento, os recém-nascidos apresentam


menores níveis plasmáticos de factores da coagulação dependentes da
vitamina K, fruto do seu défice nesta vitamina. Não admira, portanto,
que nos recém-nascidos prematuros ou com doença hemorrágica, os
níveis dos factores da coagulação encontrem-se particularmente
reduzidos.

Embora a doença hemorrágica do recém-nascido nem sempre resulte


de um défice de vitamina K, a administração desta vitamina aumenta a
concentração dos factores de coagulação em falta, diminuindo a
tendência hemorrágica.

Absorção inadequada

Na ausência de bílis, a vitamina K é mal absorvida. Deste modo, a


hipoprotrombinemia pode resultar da presença de obstrução biliar (intra-
hepática ou extra-hepática) ou de um defeito grave na absorção
intestinal de lipídeos.

Fístulas ou obstrução biliar

A administração de vitamina K revela-se eficaz aquando da presença de


hemorragias associadas a icterícia obstructiva ou fístulas biliares. De
facto, a fitonadiona oral com sais biliares revela-se segura e eficaz,
devendo ser usada na terapia dos pacientes ictéricos, tanto no período
pré-operatório como no período pós-operatório. Todavia, a
administração de vitamina K apenas se revela eficaz na ausência de
doença hepatocelular. De facto, caso a obstrução biliar tenha causado
lesão hepática, pode ser despoletada uma resposta fraca à vitamina K.

Síndromes de má-absorção

Entre as perturbações que resultam numa absorção intestinal


inadequada de vitamina K, destaque para a fibrose cística, doença
celíaca, doença de Crohn, enterocolite, colite ulcerosa, disenteria e
exérese intestinal. Para além disso, na terapia destas perturbações, é
frequente o uso de fármacos que reduzem significativamente a
população bacteriana intestinal, o que contribui para uma redução
ulterior da biodisponibilidade de vitamina K. Por fim, as restrições
alimentares também podem limitar a biodisponibilidade desta vitamina.
Assim, perante um doente com síndrome de má-absorção e défice de
vitamina K, deve-se proceder à administração parentérica desta
vitamina.

Administração de doses excessivas de vitamina K

A administração de elevadas doses de vitamina K (ou dos seus


análogos) para correcção da hipoprotrombinemia associada a cirrose ou
hepatite grave pode resultar numa diminuição ulterior da concentração
de pró-trombina. Contudo, desconhece-se o mecanismo subjacente a
este fenómeno.

Hipoprotrombinemia induzida por venenos

A vitamina K pode se revelar eficaz no combate às hemorragias e


hipoprotrombinemia que se instalam após mordedura de algumas
serpentes cujo veneno destrói ou inactiva a pró-trombina.

Sumário clínico
Em termos clínicos, a heparina e as LMWHs são normalmente
utilizadas no tratamento do tromboembolismo venoso, angina instável e
enfarte agudo do miocárdio. Para além disso, esses agentes são
utilizados na prevenção da trombose, bem como aquando de uma
angioplastia coronária ou de outras indicações de alto-risco. Os
principais efeitos adversos da heparina incluem hemorragias e síndrome
da trombocitopenia induzida pela heparina, a qual pode precipitar a
ocorrência de trombose venosa ou arterial. Contudo, em pacientes com
trombocitopenia induzida pela heparina, podem ser administrados
inibidores directos da trombina, tais como a lepirudina, a
bivalirudina e o argatroban.

A varfarina e os outros antagonistas da vitamina K são usados na


prevenção da progressão ou recorrência do tromboembolismo venoso
agudo. Para além disso, estes fármacos diminuem a incidência de
embolização sistémica em pacientes com fibrilação auricular ou válvulas
de prótese. A varfarina apresenta uma reduzida janela terapêutica,
estando associada a várias interacções farmacológicas e alimentares.
Para além disso, a sobredosagem e a sob-dosagem deste fármaco
estão associadas a graves consequências, incluindo trombose ou
hemorragias graves num vasto número de pacientes. Note-se ainda
que, quando administrada durante a gravidez, a varfarina potencia o
desenvolvimento de anomalias fetais. No futuro, a varfarina poderá vir a
ser substituída por novos anti-coagulantes orais que inibam a trombina
ou o factor Xa.
Por seu turno, os agentes fibrinolíticos (tais como o subjacente ao
enfarte agudo do miocárdio, sendo proceder a angioplastia coronária.
Para além disso, a t-PA ou os seus derivados) reduzem a mortalidade
usados em situações em que não seja possível terapia fibrinolítica
também é usada em pacientes com AVC isquémico.
Os agentes anti-plaquetários incluem a aspirina, clopidogrel,
prasugrel e inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, sendo que estes
fármacos são usados para prevenir a ocorrência de trombose após
angioplastia coronária, bem como na prevenção secundária do enfarte
do miocárdio e do AVC. As hemorragias constituem os principais efeitos
adversos destes fármacos. De referir que, estão a ser desenvolvidos
novos fármacos anti-plaquetários mais potentes, mas que induzem
maior risco de hemorragias, o que evidencia a relação directa entre a
eficácia e a toxicidade dos fármacos anti-trombóticos.
Corticosteróides
Corticosteróides endógenos

Cortisol

Os corticosteróides
são usados no
diagnóstico e terapia
de perturbações da
função supra-renal,
bem como no
tratamento de várias
doenças
imunológicas e

inflamatórias. O
cortisol
(hidrocortisona)
constitui o principal
corticosteróide
endógeno, sendo
produzido pelo córtex
da glândula supra-
renal a partir do
colesterol. Este
composto exerce
vários efeitos
fisiológicos, actuando
num sentido de
regular o
metabolismo, o
crescimento, a função
imunitária e a função
cardiovascular.
A síntese de cortisol é
estimulada pela
corticotropina
(ACTH), uma
hormona hipofisária
que pode ser usada
como um agente anti-
inflamatório, bem
como no diagnóstico
da função supra-
renal. Por seu turno,
o cortisol e os
glicocorticóides
sintéticos inibem a
síntese ACTH,
exercendo assim um
efeito de feedback
negativo. Num
indivíduo normal, a
secreção de cortisol
segue um padrão
circadiano, o qual é
determinado pelos
pulsos de ACTH que
atingem o seu valor
máximo de
madrugada e após as
refeições.

Cerca de 90% do cortisol plasmático circula ligado à globulina de


ligação aos corticosteróides (CBG), enquanto a restante fracção
deste esteróide circula livre ou ligada à albumina. O hipertiroidismo, a
gravidez e o uso de estrogénios associam-se a níveis superiores de
CBG. Por oposição, o hipotiroidismo e alguns defeitos genéticos
associam-se a níveis inferiores desta proteína.

A albumina apresenta uma elevada capacidade, mas uma baixa


afinidade de ligação ao cortisol, de tal modo que, em termos práticos, o
cortisol ligado à albumina é considerado livre. Note-se, contudo, que os
corticosteróides sintéticos (tais como a dexametasona) circulam
maioritariamente ligados à albumina e não à CBG.

O período de semi-vida plasmática do cortisol ronda os 60-90 minutos,


sendo estes valores superiores aquando da administração de grandes
quantidades de hidrocortisona (preparação farmacêutica de cortisol),
ou aquando da presença de stress, hipotiroidismo e doença hepática.

A maioria do cortisol sofre metabolização hepática, gerando metabolitos


que podem ser conjugados com o ácido glicurónico ou com o sulfato em
C3 e C21, respectivamente. Tanto os conjugados como os restantes
metabolitos do cortisol são excretados por via renal – cerca de um terço
do cortisol produzido diariamente é excretado sob a forma de
metabolitos cetónicos dihidroxil, enquanto cerca de um quinto

excretado sob a forma de cortisona (a conversão do cortisol em


cortisona é mediada pela desidrogénase dos 11-hidroxiestéroides,
ocorrendo em tecidos que expressam receptores dos
mineralocorticóides). Por fim, apenas 1% do cortisol é excretado na
urina de modo intacto.

Mecanismo de acção

Na sua maioria, os efeitos dos


glicocorticóides são mediados pelos
receptores dos glicocorticóides, que
constituem proteínas nucleares com uma
ampla distribuição. Estes receptores
interagem com promotores génicos,
regulando a transcrição de genes-alvo.

Na ausência dos seus ligandos, os


receptores dos glicocorticóides
encontram-se predominantemente no
citoplasma, formando complexos
oligoméricos com heat shock proteins
(Hsp), de entre as quais se destaca a
Hsp90. Ora, a ligação dos
glicocorticóides aos seus receptores
resulta na sua dissociação das Hsp e
subsequente formação de um complexo
ligando-receptor, o qual migra para o
núcleo, onde interage com o DNA e com
as proteínas nucleares. Após formar um
homodímero, este complexo liga-se a
promotores génicos específicos
designados por elementos dos
receptores glicocorticóides (GRE),
influenciando a transcrição génica. Para
além disso, os complexos ligando-
receptor também se ligam a vários outros
factores de transcrição, (tais como o AP1
e o NF-κB), os quais actuam em
promotores génicos diferentes dos GRE.
Assim,

os corticóides potenciam directa ou indirectamente a acção do IκB,


anexina 1 e MAPK fosfátase; diminuindo a actividade do NF-κB, GM-
CSF, c-Jun e Fos.

O receptor dos glicocorticóides é constituído por 800 aminoácidos,


sendo formado por três domínios funcionais – (1) um domínio de ligação
aos glicocorticóides sito na extremidade carboxilo, (2) um domínio de
ligação ao DNA com uma configuração de zinc finger, e (3) um domínio
terminal amina que aumenta a especificidade deste receptor. Note-se
que os receptores dos glicocorticóides podem assumir duas isoformas
homólogas, as quais são formadas por processos de alternative
splicing:

A isoforma hGR-α constitui o receptor dos glicocorticóides


“clássico” activado por ligando.

Assim, após se ligar aos glicocorticóides, esta isoforma actua


num sentido de modular a expressão de genes-alvo.

A isoforma hGR-β não se liga aos glicocorticóides, sendo


transcricionalmente inactiva. Todavia, o hGR-β é capaz de inibir
os efeitos do complexo hGR-α-ligando nos seus genes-alvo,
actuando como um inibidor endógeno da acção dos
glicocorticóides.

A interacção do receptor dos glicocorticóides com os GRE ou com


outros factores transcricionais é facilitada ou inibida por vários co-
activadores e co-repressores, os quais podem formar pontes entre os
receptores e outras proteínas nucleares, ou exercer actividade
enzimática (nomeadamente de acetilasse ou desacetilase), alterando a
conformação dos nucleossomas e a possibilidade de transcrição génica.

Cerca de 10-20% dos genes expressos por uma célula são passíveis de
ser regulados pelos glicocorticóides. Assim, a especificidade das
acções dos glicocorticóides nas diferentes células é determinada pelo
número e afinidade dos receptores para estas hormonas, bem como
pela expressão de factores de transcrição e co-reguladores, e pela
ocorrência de eventos pós-transcricionais.

Alguns dos efeitos dos glicocorticóides resultam da sua ligação aos


receptores dos mineralocorticóides, os quais apresentam afinidade
similar para a aldosterona e cortisol. Contudo, em alguns tecidos, a
actividade mineralocorticóide do cortisol é suprimida pela enzima
desidrogénase dos 11 α-hidroxisteróides II, que converte esta
hormona num derivado 11-ceto inactivo (cortisona).

Alguns efeitos do cortisol (tais como a supressão da síntese hipofisária


de ACTH) ocorrem num período de minutos, de tal modo que não
podem ser explicados com base em alterações da transcrição génica e
da síntese proteica. Desconhecem-se, assim, quais os mecanismos de
acção subjacentes a estes efeitos, embora se pense que estes possam
passar por uma acção directa em receptores membranares.

Efeitos fisiológicos

Dado influenciarem a função da maioria das células do organismo, os


glicocorticóides desempenham um vasto conjunto de efeitos, alguns dos
quais indirectos e mediados pela insulina e glicagina. Na sua maioria,
os efeitos dos glicocorticóides reflectem as suas concentrações, sendo
exacerbados pela administração de elevadas quantidades destes
compostos. Note-se, contudo, que alguns destes efeitos (efeitos
permissivos) revelam-se essenciais para assegurar a ocorrência das
normais funções celulares.

Efeitos metabólicos

Os glicocorticóides exercem importantes efeitos no metabolismo


glicídico, proteico e lipídico. De facto, em pacientes em jejum, estes
compostos promovem a gliconeogénese e a síntese de glicose. Para
além disso, os glicocorticóides estimulam a carboxicínase do
fosfoenolpiruvato, a glicose-6-fosfátase, a síntase de glicogénio e a
libertação muscular de aminoácidos.

As acções supracitadas resultam num aumento dos níveis séricos de


glicose, o que acarreta uma diminuição da captação deste glicídeo por
parte das células musculares. Paralelamente, ocorre estimulação da
lípase hormono-sensível (e, por conseguinte, da lipólise) e aumento da
libertação de insulina, a qual actua num sentido de estimular a
lipogénese. Assim, no cômputo geral, os glicocorticóides potenciam a
deposição de tecido adiposo, embora também promovam a libertação
de glicerol e ácidos gordos para a circulação.

Estas acções são mais evidentes em situações de jejum, na medida em


que contribuem para assegurar uma distribuição adequada de glicose
para o encéfalo. Note-se, contudo, que, aquando da administração
terapêutica de glicocorticóides, estes efeitos encontram-se
exacerbados, podendo se revelar deletérios.

Efeitos catabólicos

Os glicocorticóides desempenham efeitos catabólicos e anti-anabólicos


no músculo, tecido adiposo, pele, tecido linfóide e tecido conjuntivo.
Assim, a administração de doses supra-fisiológicas destes compostos
resulta numa diminuição da massa muscular e da espessura da pele.
Por outro lado, os efeitos catabólicos ósseos dos glicocorticóides
limitam o seu uso terapêutico a longo-prazo, pois potenciam a
ocorrência de osteoporose. Em crianças, os glicocorticóides reduzem o
crescimento, motivo pelo qual devem ser co-administrados com
elevadas doses de hormona do crescimento.
Note-se que, não obstante as acções catabólicas supracitadas, os
glicocorticóides desempenham efeitos anabólicos no fígado, onde
estimulam a síntese proteica.

Efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores

Os glicocorticóides desempenham importantes acções anti-


inflamatórias, na medida em que suprimem os efeitos das citocinas e
quimiocinas inflamatórias e interferem com a concentração, distribuição
e função dos leucócitos periféricos.

Na inflamação, ocorre extravasamento de leucócitos e subsequente


infiltração no tecido lesado. Estes eventos dependem de um conjunto
de interacções estabelecidas entre as células endoteliais e as
moléculas de adesão leucocitárias, sendo estes processos inibidos
pelos glicocorticóides. De facto, após administração de uma única dose
de um glicocorticóide de curta duração, verifica-se um aumento da
concentração de neutrófilos em circulação, mas uma diminuição dos
níveis de linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos. Este aumento
dos neutrófilos deve-se maioritariamente a uma diminuição do
extravasamento vascular destas células, o que acarreta uma redução
do seu número no local de inflamação. Por outro lado, a redução dos
níveis de linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos circulantes resulta
maioritariamente da sua passagem para o tecido linfóide.

Os glicocorticóides também inibem as funções dos macrófagos


tecidulares e de outras células apresentadoras de antigénios,
diminuindo a sua capacidade de resposta a antigénios e mitogénios.
Para além disso, os glicocorticóides reduzem várias outras acções
macrofágicas, incluindo a capacidade de fagocitose, a destruição de
microorganismos e a produção de TNF-α, IL-1, metaloproteinases e
activador de plasminogénio. Adicionalmente, tanto os macrófagos como
os linfócitos passam a produzir menor quantidade de IL-12 e IFN-γ, que
constituem dois importantes indutores da actividade TH1 e da
imunidade celular.

Os glicocorticóides interferem ainda com a síntese de vários outros


mediadores inflamatórios, tais como as prostaglandinas, leucotrienos e
PAF. Para além disso, os glicocorticóides reduzem a expressão da ciclo-
oxigénase 2 nas células inflamatórias, o que contribui para uma
diminuição da síntese de prostaglandinas.

Quando administrados directamente na pele, os glicocorticóides podem


causar vasoconstrição, provavelmente por supressão da desgranulação
mastocitária. Para além disso, estes compostos também diminuem a
permeabilidade capilar, pois reduzem a quantidade de histamina
libertada pelos basófilos e mastócitos.

Os efeitos supracitados constituem a base da maioria dos efeitos


imunossupressores e anti-inflamatórios dos glicocorticóides. Note-se
ainda que, embora não interfiram com a activação do sistema de
complemento, estes fármacos inibem os seus efeitos. Para além disso,
quando administrados em elevadas doses, os glicocorticóides podem
ainda reduzir a produção de anticorpos. De referir que, embora úteis
sob o ponto de vista terapêutico, estes efeitos anti-inflamatórios e
imunossupressores são responsáveis por vários efeitos adversos
graves dos glicocorticóides.

Efeitos no sistema nervoso central

Os glicocorticóides desempenham importantes efeitos no sistema


nervoso central, de tal modo que, quando administrados em elevadas
quantidades, estes compostos podem causar perturbações
comportamentais (inicialmente, regista-se insónia e euforia, ocorrendo
subsequentemente depressão) e aumento da pressão intra-craniana
(pseudo-tumor cerebral). Por oposição, a insuficiência supra-renal cursa
com lentificação significativa do ritmo α do electroencefalograma,
estando associada à ocorrência de depressão.

Outros efeitos

Os glicocorticóides actuam ainda numa série de outros tecidos, exercendo


efeitos distintos:

Hipófise: Quando administrados cronicamente, os


glicocorticóides suprimem a libertação hipofisária de ACTH, GH,
TSH e LH.
Estômago: A administração de elevadas doses de
glicocorticóides aumenta o risco de úlcera péptica, provavelmente
por supressão da resposta imune local contra a Helicobacter
pylori.

Tecido adiposo: Os glicocorticóides promovem a redistribuição


corporal de tecido adiposo, aumentando a deposição adiposa
visceral, facial e nucal.

Rim: O défice de cortisol cursa com perturbações da função renal


(nomeadamente da filtração glomerular), aumento da secreção de
vasopressina, e diminuição da capacidade de excretar maiores
volumes de água.

Sistema hematopoiético e cardiovascular: Os glicocorticóides


aumentam o número de plaquetas e eritrócitos. Para além disso,
estes fármacos potenciam a resposta aos vasoconstritores.

Metabolismo fosfo-cálcio: Os compostos parecem antagonizar


o efeito da vitamina D na absorção de cálcio, potenciando
simultaneamente a excreção renal de cálcio e favorecendo,
assim, o desenvolvimento de hiperparatiroidismo e osteoporose.

Desenvolvimento fetal: Os glicocorticóides desempenham


importantes efeitos no desenvolvimento dos pulmões fetais,
sendo responsáveis pela maioria das alterações estruturais e
funcionais ocorridas nos pulmões pré-parto, incluindo a produção
de surfactante.

Glicocorticóides sintéticos

Farmacocinética
Os glicocorticóides sintéticos são maioritariamente sintetizados a partir
do ácido cólico. Quando administrados por via oral, estes fármacos são
absorvidos de forma rápida e completa. Não obstante as diferenças
existentes, os corticosteróides sintéticos e os corticosteróides
endógenos são transportados e metabolizados de modo similar.
Os esteróides sintéticos ligam-se aos receptores dos glicocorticóides,
exercendo efeitos similares aos do cortisol. Contudo, estes compostos
apresentam diferentes potências de ligação a estes receptores.

As diferenças estruturais dos glicocorticóides sintéticos explicam as


suas diferentes propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas. A
título de exemplo, a halogenação na posição nove, a dessaturação da
ligação 1-2 do anel A, e a metilação na posição 2 ou 16 prolongam a
semi-vida dos corticosteróides em mais de 50%. Note-se, contudo, que
alguns corticosteróides são administrados sob a forma de pró-fármacos
– a título de exemplo, a prednisona é o pró-fármaco da prednisolona,
que constitui o seu metabolito activo.

Usos terapêuticos
Perturbações da função da glândula supra-renal

Insuficiência adreno-cortical crónica (doença de Addison)

A doença de Addison caracteriza-se por fraqueza, fadiga, perda de


peso, hipotensão, hiperpigmentação, e incapacidade de manutenção
dos níveis de glicemia em jejum. Nos indivíduos com esta síndrome,
estímulos nóxicos, traumáticos ou infecciosos minor podem despoletar
insuficiência adrenal aguda, a qual pode ser potencialmente fatal.

Assim, em pacientes com doença de Addison, deve-se proceder à


administração diária de hidrocortisona, devendo ser administradas
doses superiores em situações de stress. Não obstante a sua actividade
mineralocorticóide, a hidrocortisona deverá ser co-administrada com um
fármaco que potencie a retenção de sódio (tal como a fludrocortisona).
Por oposição, os glicocorticóides sintéticos que não promovem a
retenção de sal não devem ser administrados a esses pacientes.
Insuficiência adreno-cortical aguda

Em pacientes com insuficiência adreno-cortical aguda, deve-se


proceder à administração imediata de grandes quantidades de
hidrocortisona parentérica. Paralelamente, deve-se proceder à
correcção das anomalias hidro-electrolíticas subjacentes, bem como à
terapia dos factores precipitantes.

Hiperplasia adrenal congénita

A hiperplasia adrenal congénita resulta de defeitos enzimáticos na via


de síntese do cortisol. De facto, a diminuição da síntese de cortisol é
compensada por um aumento da produção de ACTH, a qual estimula a
glândula supra-renal, promovendo a sua hiperplasia. A acção da ACTH
resulta na síntese de quantidades anormalmente elevadas de
percursores dos corticóides, os quais podem acarretar diferentes
consequências.

Os défices da 21α-hidroxílase são


relativamente comuns, cursando com
virilização e anomalias genitais em
fetos do sexo feminino, o que é
passível de ser explicado pelo facto
de os percursores dos corticóides
formados nesta situação seguirem a
via dos androgénios. Assim, em
gestações com elevado risco de
hiperplasia adrenal congénita, deve-
se proceder à administração de
dexametasona, a qual protege o feto
de anomalias genitais.

Nos pacientes com défice da 21α-


hidroxílase, ocorre sobreprodução de
17-hidroxiprogesterona, cuja
metabolização hepática resulta na
produção de pregnanetriol. Este
metabolito é excretado na urina em
grandes quantidades, de tal modo
que a avaliação

dos seus níveis urinários permite diagnosticar esta perturbação e


monitorizar a eficácia da terapia com glicocorticóides. Todavia, a
avaliação da resposta da 17-hidroxiprogesterona plasmática à
estimulação pela ACTH constitui um método mais fiável de diagnóstico.

Por seu turno, os défices da 11-hidroxilação resultam na produção de


grandes quantidades de deoxicorticosterona, a qual apresenta
importante actividade mineralocorticóide, induzindo hipertensão com ou
sem alcalose hipocalémica. Os níveis de deoxicorticosterona também
se encontram aumentados em pacientes com defeitos da 17-
hidroxilação. Assim, para além de hipogonadismo, estes pacientes
manifestam hipertensão e hipocalémia.

Caso não sejam devidamente medicados, os pacientes com hiperplasia


adrenal congénita podem desenvolver insuficiência adreno-cortical
aguda, a qual deverá ser tratada com recurso à hidrocortisona.
Todavia, após estabilização, estes pacientes devem ser tratados com
recurso ao uso alternado de hidrocortisona e prednisona – este
esquema terapêutico assegura uma maior supressão de ACTH, sem
comprometer o crescimento (note-se que a hiperplasia adrenal
congénita é maioritariamente detectada em pacientes pediátricos,
sendo fundamental assegurar um normal crescimento).
Simultaneamente, deve-se proceder à co-administração de
fludrocortisona, a qual potencia a retenção de sódio, estabilizando a
pressão arterial, a actividade da renina plasmática e os níveis de
electrólitos.

Síndrome de Itsenko-Cushing

A síndrome de Itsenko-Cushing cursa com elevados níveis de


glicocorticóides, podendo ter várias etiologias, nomeadamente:

Hiperplasia adrenal benigna secundária a adenoma hipofisário


secretor de ACTH (doença de Cushing): Esta constitui a
etiologia mais frequente da síndrome de Cushing

Neoplasias (ou hiperplasia nodular) da glândula supra-renal


Produção ectópica de ACTH por parte de outras neoplasias

As manifestações desta síndrome traduzem a exposição crónica a


elevadas doses de glicocorticóides, pois incluem obesidade central,
cara em lua-cheia, perda de massa muscular, estrias purpúricas, lesões
cutâneas fáceis, fraca capacidade de regeneração de lesões,
osteoporose e, eventualmente, perturbações mentais, hipertensão e
diabetes.

Embora esta perturbação seja maioritariamente corrigida com base


cirúrgica (remoção cirúrgica do tumor produtor de ACTH/cortisol,
irradiação do tumor hipofisário, ou ressecção adrenal), dever-se-á
proceder à administração de elevadas doses de cortisol
(nomeadamente, sob a forma de infusões intra-venosas de
hidrocortisona) durante e após a cirurgia.

Aldosteronismo

O aldosteronismo primário resulta da produção excessiva de


aldosterona, a qual induz perda contínua de potássio e, por
conseguinte, hipocalémia, alcalose e aumento dos níveis séricos de
sódio. Assim, não admira que os pacientes com hiperaldosteronismo
primário manifestem hipertensão, fraqueza e tetanismo. Note-se que,
nesta síndrome, as principais fontes de aldosterona são os adenomas
supra-renais, as glândulas hiperplásicas, ou as neoplasias malignas.

O aldosteronismo primário também pode ocorrer num contexto de


perturbações da biossíntese de esteróides supra-renais,
nomeadamente por excesso de secreção de deoxicorticosterona,
corticosterona e 18-hidroxicorticosterona. De facto, todos estes
compostos apresentam actividade mineralocorticóide intrínseca.

Usos terapêuticos em doenças não-endócrinas

Doenças reumáticas

Os glicocorticóides
são frequentemente
usados na terapia de
várias doenças
reumáticas, sendo
que os
glicocorticóides de
acção intermédia
(tais como a

prednisona e a
metilprednisolona)
constituem os
fármacos de primeira
escolha na terapia
das doenças
reumáticas
inflamatórias graves,
tais como a lúpus
eritematosa sistémica
e várias vasculites
(incluindo a poliartrite
nodosa, a
granulomatose de
Wegener, a síndrome
de Churg-Strauss e a
arterite de células
gigantes). No caso
destas doenças mais

graves, deve-se proceder à administração de uma dose de


glicocorticóides suficientemente elevada para suprimir rapidamente a
doença e minimizar as lesões tecidulares subjacentes.

Embora sejam importantes na terapia das doenças reumáticas, os


glicocorticóides são ocasionalmente co-administrados com outros
agentes imunossupressores (tais como o metotrexato e a
ciclofosfamida), os quais asseguram um maior controlo a longo-prazo. A
arterite de células gigantes constitui, contudo, uma notável excepção.
De facto, por comparação com os restantes agentes, os glicocorticóides
demonstram maior eficácia na terapia desta perturbação.
Os glicocorticóides devem ser cautelosamente administrados a
pacientes com vasculite possivelmente associada a infecções pelos
vírus da hepatite. De facto, embora os glicocorticóides devam ser
usados nesses casos, teme-se que estes possam complicar a infecção
viral ao suprimir a função imunitária.

O uso crónico de glicocorticóides acarreta vários efeitos laterais graves


e debilitantes. Assim, estes fármacos deverão ser evitados na terapia
da artrite reumatóide, devendo apenas ser usados em casos
progressivos e refractários aos fármacos de primeira-linha (tais como os
AINEs). Neste caso, procede-se ao uso de prednisona, a qual
assegura um alívio sintomático parcial. Alternativamente, em pacientes
cuja sintomatologia esteja confiada a um reduzido número de
articulações, pode-se proceder à administração intra-articular de
triamcinolona e acetonida. Note-se contudo que a injecção intra-
articular crónica de esteróides aumenta o risco de destruição articular
indolor, de tal modo que estas injecções deverão ser realizadas com um
intervalo mínimo de três meses.

Algumas doenças articulares degenerativas não-inflamatórias (tais


como a osteoartrite) e síndromes de dor regional (tais como a tendinite
ou a bursite) podem ser tratadas com recurso à injecção local de
glicocorticóides. Neste caso, é importante usar fármacos que não
necessitem de bioactivação – a título de exemplo, a prednisolona
deverá ser administrada em detrimento da prednisona.

Doenças renais

Os pacientes com síndrome nefrótico secundário a doença das lesões


mínimas normalmente respondem bem à terapia com glicocorticóides
(nomeadamente prednisona), os quais constituem os fármacos de
primeira escolha em crianças e adultos. Apesar disso, a cessação do
uso de glicocorticóides resulta frequentemente numa recidiva desta
doença, a qual se manifesta através da ocorrência de proteinúria
recorrente. Os pacientes que sofrem recidivas repetidas designam-se
por “resistentes aos esteróides”, sendo normalmente tratados com
recurso a outros fármacos imunossupressores, tais como a azatioprina
ou a ciclofosfamida.
Por outro lado, o uso de glicocorticóides na terapia de outras formas de
doença renal (tais como a glomerulonefrite membrano-proliferativa e a
glomerulosclerose focal) permanece discutível.

Doenças alérgicas

Os glicocorticóides podem ser usados como adjuvantes terapêuticos em


situações de doenças alérgicas de duração limitada, incluindo rinite
alérgica, doença sérica, urticária, dermatite de contacto, reacções de
hipersensibilidade a fármacos, picadas de himenópteros e edema
angioneurótico.

Para além disso, os esteróides intra-nasais constituem os fármacos de


primeira escolha para terapia da rinite alérgica. De entre os fármacos
utilizados, destaque para o dipropionato de beclometasona,
triamcinolona, acetonida, budesonida, flunidolida, fluticasona e
fluorato de mometasona. Ao serem aplicados por via tópica nasal,
estes fármacos não influenciam a função supra-renal nem exercem
quaisquer outros efeitos sistémicos.

Em situações de doença alérgica grave, deve-se proceder à


administração intra-venosa de glicocorticóides (nomeadamente,
metilprednisolona). Todavia, estes fármacos apresentam um elevado
tempo de latência, de tal modo que o seu uso não dispensa a
administração de adrenalina.

Asma brônquica e outras condições pulmonares

Os corticosteróides são frequentemente utilizados na terapia da asma


brônquica, desconhecendo-se, contudo, se são benéficos na terapia da
doença pulmonar obstructiva crónica.

Aquando de uma crise (exacerbação aguda) grave de asma, dever-se-á


proceder à administração parentérica de elevadas doses de
metilprednisolona. Embora assegure um rápido alívio sintomático,
este fármaco apenas induz uma resposta sustentada ao fim de 6-12
horas.

Por outro lado, as crises de asma menos graves podem ser tratadas
com recurso à administração de glicocorticóides orais (nomeadamente
prednisona) por curtos períodos de tempo. Após resolução dessas
exacerbações agudas, as doses de glicocorticóides podem ser
rapidamente reduzidas sem que isso se acompanhe por efeitos
deletérios significativos.

A fluticasona constitui um dos corticóides mais comunmente usados no


controlo da asma, sendo frequentemente co-administrada com o
salmeterol. De facto, ambos os fármacos são aplicados por via
inalatória, sendo que a fluticasona é alvo de um efeito de primeira
passagem hepática significativo, motivo pelo qual apresenta um baixo
rol de efeitos adversos.

Na terapia da asma brônquica crónica refractária a outros fármacos,


pode ser necessário proceder à administração a longo prazo de
glicocorticóides. Neste caso, deve-se proceder à administração da
menor dose eficaz possível, devendo existir cuidados especiais
aquando da descontinuação destes fármacos.

Num vasto conjunto de pacientes asmáticos, os esteróides inalatórios


podem reduzir ou suprimir a necessidade de corticosteróides orais. Ora,
isso revela-se benéfico, na medida em que os glicocorticóides
inalatórios apresentam menor risco de supressão da função supra-
renal. Para além disso, em crianças com asma moderadamente grave,
vários clínicos preferem usar glicocorticóides inalatórios em detrimento
de teofilina, devido à toxicidade comportamental inerente ao uso crónico
deste último fármaco.

Note-se, contudo, que os glicocorticóides inalatórios podem induzir


disfonia ou candidose orofaríngea, embora o risco destes efeitos
laterais possa ser reduzido pela adopção de procedimentos que
impeçam a deposição destes fármacos na cavidade oral. Um desses
procedimentos passa pela adopção de corticosteróides com fraca
biodisponibilidade oral, de entre os quais se destacam a ciclesonida e
o dipropionato de beclometasona – de facto, estes compostos são
inactivos na cavidade oral, sendo que a sua activação depende da
acção de esterases pulmonares.

A maturação pulmonar fetal é regulada pela secreção fetal de cortisol.


Assim, em mulheres com elevado risco de parto prematuro (entre as 26
e as 34 semanas de gestação), deve-se proceder à administração de
glicocorticóides, na medida em que estes fármacos diminuem o risco de
síndrome de distress respiratório e hemorragia intra-ventricular.
Contudo, apenas se deve proceder à administração de uma dose
destes fármacos, na medida em que estes aumentam o risco de
supressão adrenal do recém-nascido.

A betametasona e dexametasona constituem os glicocorticóides mais


frequentemente usados neste contexto. O uso de betametasona é
preferível em detrimento do de cortisol, na medida em que este primeiro
corticosteróide é mais facilmente transportado para o feto por via trans-
placentária.

Doenças infecciosas

Embora pareça paradoxal, os glicocorticóides imunossupressores


podem ser usados na terapia de algumas doenças infecciosas
específicas. De facto, em pacientes seropositivos e com pneumonia por
Pneumocystis jirovecii e hipóxia moderada-grave, o uso de
glicocorticóides aumenta a oxigenação e diminui o risco de insuficiência
respiratória. Para além disso, os glicocorticóides diminuem a incidência
de perturbações neurológicas a longo-prazo associadas à meningite por
Haemophilus influenzae.

O uso de glicocorticóides no choque séptico permanece controverso.


De facto, se por um lado a administração de doses supra-fisiológicas
destes compostos está associada a um aumento da mortalidade, por
outro, a administração precoce de doses mais reduzidas parece revelar-
se benéfica em pacientes com choque séptico e insuficiência adreno-
cortical. Assim, de acordo com as guidelines actuais, a administração
de glicocorticóides (nomeadamente, hidrocortisona) num contexto de
choque séptico dever-se-á restringir a pacientes cuja pressão arterial
seja incapaz de responder adequadamente a fluidos e vasopressores.

Doenças oculares

Os glicocorticóides são frequentemente utilizados para suprimir a


inflamação ocular. Em pacientes com doenças da camada externa do
olho e câmara anterior, estes fármacos podem ser administrados de
forma tópica, atingindo concentrações terapêuticas no humor aquoso
após aplicação no saco conjuntival. Note-se que a dexametasona
constitui o glicocorticóide mais frequentemente administrado por via
ocular tópica. Por seu turno, em pacientes com doenças da câmara
posterior, é necessário proceder à injecção intra-ocular ou sistémica de
prednisona ou outros glicocorticóides.

Em olhos normais, o uso tópico de glicocorticóides aumenta


frequentemente a pressão intra-ocular, exacerbando a hipertensão intra-
ocular em pacientes com glaucoma. Note-se que o glaucoma não é
sempre reversível após cessação do uso de glicocorticóides, de tal
modo que o uso a longo prazo destes compostos obriga a uma
monitorização da pressão intra-ocular.

Em pacientes com conjuntivite bacteriana, vírica ou fúngica, a


administração tópica de glicocorticóides pode mascarar a progressão da
infecção, colocando em risco a visão. Assim, o uso tópico de
glicocorticóides encontra-se contra-indicado em pacientes com queratite
por herpes simplex. Para além disso, estes fármacos não deverão ser
usados na terapia das lacerações e abrasões mecânicas do olho, dado
atrasarem a regeneração e promoverem o desenvolvimento e
proliferação de infecções.

Doenças cutâneas

Os glicocorticóides tópicos são eficazes na terapia de um vasto


conjunto de dermatoses inflamatórias - a título de exemplo, as pomadas
com hidrocortisona ou fluticasona podem ser usadas na terapia das
erupções eczematosas ou da psoríase. Para além disso, os
glicocorticóides sistémicos (nomeadamente a prednisona) podem ser
usados na terapia de doenças dermatológicas agudas (ou de
exacerbações agudas de doenças crónicas), podendo salvar a vida dos
pacientes com pênfigo.

Doenças gastro-intestinais

Os glicocorticóides podem ser administrados a pacientes com doença


inflamatória intestinal (colite ulcerosa e doença de Crohn),
nomeadamente quando estes não respondem a outros fármacos ou
quando se regista uma exacerbação aguda destas doenças. Assim, em
situações de colite ulcerosa moderada, procede-se à administração de
hidrocortisona por via rectal, enquanto crises graves desta doença são
tratadas com recurso a prednisona administrada por via oral.

A budesonida também é frequentemente usada na terapia da doença


inflamatória intestinal. De facto, quando administrado por via oral, este
potente glicocorticóide exerce sobretudo efeitos locais no íleo e cólon
ascendente, apresentando poucos efeitos laterais sistémicos – ora, isto
deve-se ao facto de a maioria da budesonida administrada sofrer
inactivação aquando da sua primeira passagem hepática. De referir
que, este fármaco pode também ser usado por via rectal na terapia da
colite ulcerosa.

Note-se que os glicocorticóides não evitam sempre a ocorrência das


complicações graves da colite ulcerosa e doença de Crohn (tais como
perfuração intestinal e peritonite), embora possam mascarar os sinais e
sintomas dessas complicações.

Doenças hepáticas

Embora os corticosteróides se revelem benéficos em pacientes com


hepatite auto-imune, desconhece-se até que ponto estes fármacos são
eficazes na terapia de outras patologias hepáticas, tais como a doença
hepática alcoólica. De qualquer modo, em pacientes com doença
hepática grave, a prednisolona deve ser usada em detrimento da
prednisona, na medida em que a actividade deste último fármaco
depende da ocorrência de metabolização hepática.

Neoplasias

Os glicocorticóides exercem várias acções anti-linfocíticas, de tal modo


que podem ser usados na quimioterapia da leucemia linfocítica aguda e
linfomas. No passado, estes fármacos foram ainda usados em
situações de hipercalcémia secundária a malignidade, embora o seu
uso tenha sido substituído pelo de agentes mais eficazes (tais como os
bifosfonados).

Edema cerebral
Os corticosteróides revelam-se eficazes na redução ou prevenção do
edema cerebral associado a parasitas e neoplasias. Note-se que,
embora frequente, o uso de glicocorticóides na terapia do edema
cerebral causado por lesões ou acidentes cérebro-vasculares não se
encontra ainda validado.

Sarcoidose

Os corticosteróides constituem os fármacos de primeira escolha na


terapia de pacientes com formas de sarcoidose debilitantes ou
potencialmente fatais. De facto, os pacientes com sarcoidose são
submetidos a doses supra-fisiológicas de glicocorticóides
(nomeadamente prednisona) durante longos períodos de tempo,
encontrando-se, por isso, em maior risco de desenvolver tuberculose
secundária. Assim, os pacientes com sarcoidose medicados com
glicocorticóides e com evidência de tuberculose deverão receber terapia
profilática anti-tuberculosa.

Trombocitopenia e destruição auto-imune dos eritrócitos

A prednisona é usada em pacientes com trombocitopenia e condições


auto-imunes de destruição dos eritrócitos (tais como anemia
hemolítica).

Transplante de órgãos

Aquando da realização de cirurgias de transplante, a prednisona deve


ser co-administrada com outros agentes imunossupressores. Note-se
que, dependendo do órgão transplantado, os glicocorticóides podem ou
não ser continuados (embora em baixas doses) após cirurgia.

Uso de glicocorticóides com fins diagnósticos

A supressão da produção de ACTH apresenta um importante valor


diagnóstico, pois permite identificar a fonte produtora de uma dada
hormona/corticóide, bem como averiguar se a sua produção é
influenciada pela secreção de ACTH. Ora, para induzir essa supressão,
dever-se-á proceder ao uso de pequenas quantidades de um corticóide
muito potente (tal como a dexametasona) – de facto, a administração
dessas doses reduzidas reduz a possibilidade de confusão na
interpretação dos resultados do teste.

O teste de supressão da dexametasona é usado no diagnóstico da


síndrome de Cushing, bem como no diagnóstico diferencial com outros
estados depressores. Este teste consiste na administração oral de uma
dose de dexametasona e subsequente avaliação dos níveis plasmáticos
de cortisol, sendo que a obtenção de níveis elevados permite
estabelecer o diagnóstico de síndrome de Cushing. Note-se, contudo,
que estes resultados não são válidos em pacientes sob stress nem com
ansiedade ou depressão. Para além disso, este teste não é válido em
pacientes submetidos a terapia com fármacos potenciadores do
metabolismo hepático da dexametasona.

Para diferenciar entre síndrome de Cushing e pseudo-síndrome de


Cushing (hipercortisolismo secundário a ansiedade, depressão e
alcoolismo), pode-se proceder à administração sequencial de
dexametasona e hormona de libertação de corticotropina (CRH).

Em pacientes com síndrome de Cushing, a administração de doses


elevadas de dexametasona permite ainda diagnosticar a etiologia desta
perturbação. De facto, em pacientes com síndrome de Cushing
secundária a adenoma hipofisário (doença de Cushing), a
dexametasona reduz normalmente os níveis hormonais em 50%. Por
outro lado, em pacientes com síndrome de Cushing de outras etiologias
(vide supra), registam-se níveis baixos de ACTH na presença de um
tumor adrenal produtor de cortisol, mas níveis elevados em pacientes
com tumores produtores de ACTH ectópica.

Efeitos adversos
Os glicocorticóides exercem vários efeitos adversos, os quais versam
diferentes órgãos e sistemas. Todavia, os seus principais efeitos
adversos resultam das suas acções hormonais, as quais podem
despoletar uma síndrome de Cushing iatrogénica.
Quando os glicocorticóides são usados por curtos períodos de tempo
(menos de duas semanas), o desenvolvimento de efeitos adversos
graves constitui um fenómeno raro, mesmo aquando da administração
de doses relativamente elevadas. Contudo, o desenvolvimento de
úlceras pépticas agudas, pancreatite aguda, alterações
comportamentais (sobretudo hipomania) e insónia pode-se registar
apenas num período de alguns dias após início da terapia.

Efeitos metabólicos

A maioria dos pacientes submetidos a terapia crónica com glicocorticóides


desenvolve síndrome de Cushing iatrogénica. Esta síndrome cursa com
um vasto conjunto de alterações metabólicas, incluindo:

Acne e aumento da distribuição pilosa na cara, coxas e tronco

Redistribuição do tecido adiposo das extremidades para o tronco e


rosto (“cara em lua cheia”)

Insónia

Aumento do apetite

As alterações supracitadas per se podem não obrigar à descontinuação


do uso de glicocorticóides, sobretudo quando estes fármacos são
usados na terapia de doenças perigosas ou debilitantes. Contudo, estas
alterações podem se fazer acompanhar de outras perturbações
metabólicas mais graves.

De facto, ao estimularem o catabolismo proteico, os glicocorticóides


potenciam a libertação de aminoácidos, os quais são utilizados para a
síntese de glicose. Por conseguinte, regista-se um incremento dos
níveis de glicemia, o que aumenta as necessidades de insulina. Assim,
estabelece-se um quadro metabólico que cursa simultaneamente com
hiperglicemia, miopatia, perda de massa muscular, aumento de peso,
deposição de gordura visceral e, eventualmente, diabetes. Esta última
condição deve ser tratada com recurso à insulina, embora estes
pacientes sejam frequentemente resistentes à acção desta hormona (o
desenvolvimento de acidose constitui, contudo, um fenómeno raro). De
qualquer modo, os pacientes tratados com corticosteróides deverão ser
submetidos a uma dieta rica em proteínas e potássio.

Paralelamente, ocorre diminuição da espessura da pele, aparecimento


de estrias e lesões cutâneas, e redução da capacidade de regeneração
de lesões. Para além disso, pode se registar osteoporose e necrose
asséptica da anca.

Supressão da função supra-renal

Quando os corticosteróides são administrados por um período superior


a duas semanas, pode se registar supressão da função supra-renal, ou
seja, a glândula supra-renal deixa de ser capaz de assegurar uma
normal produção de corticosteróides.

Assim, caso os glicocorticóides sejam administrados por um período de


semanas ou meses, dever-se-á proceder à administração de uma dose
suplementar destes fármacos aquando de situações de stress minor ou
major.

Por outro lado, caso se procure reduzir a dose de corticosteróides, ou


suprimir a administração destes fármacos, dever-se-á proceder a
ajustes lentos e graduais. De facto, pode demorar entre 2-12 meses
para que o eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal volte a demonstrar uma
acção aceitável, embora possam ser necessários mais 6-9 meses para
que os níveis de cortisol voltem aos valores normais. Note-se que a
supressão induzida pelos glicocorticóides não afecta a hipófise, de tal
modo que a administração de ACTH não reduz o tempo necessário
para recuperação da normal função adrenal.

Caso se proceda a uma redução rápida da dose de glicocorticóides,


podem-se registar recidivas das doenças para as quais estes estavam a
ser empregues. Contudo, nos pacientes sem perturbações subjacentes
(tais como pacientes previamente submetidos a cirurgia), a rápida
redução da dose de glicocorticóides também despoleta vários sintomas,
incluindo anorexia, náusea, vómitos, perda de peso, letargia, cefaleias,
febre, mialgias, artralgias e hipotensão postural. Embora vários destes
sintomas resultem de um verdadeiro défice de glicocorticóides, estes
também podem ocorrer na presença de níveis normais ou aumentados
de cortisol, o que sugere a existência de mecanismos de dependência.
Outras complicações

Em termos psiquiátricos, os glicocorticóides podem induzir hipomania


ou psicose aguda, sobretudo em pacientes submetidos a elevadas
doses destes fármacos. Para além disso, quando usados cronicamente,
estes fármacos também podem causar depressão.

Os glicocorticóides exercem vários efeitos de cariz ocular. De facto, o


uso prolongado de esteróides de acção longa e intermédia está
associado ao desenvolvimento de cataratas subcapsulares posteriores.
Para além disso, estes fármacos induzem um aumento da pressão
intra-craniana e intra-ocular, podendo despoletar glaucoma.

Em crianças, a administração de elevadas doses de glicocorticóides


pode prejudicar o crescimento, sendo que os glicocorticóides de acção
longa ou intermédia apresentam maior potência supressora do
crescimento que os esteróides naturais.

Os glicocorticóides de acção prolongada podem ainda induzir miopatia


grave, náusea, tonturas e perda de peso. Aquando da detecção destes
sinais, deve-se proceder a ajustes posológicos ou alteração dos
fármacos usados, bem como a um aumento do consumo de potássio e
proteínas.

Os corticosteróides podem ainda causar úlceras pépticas. Para além


disso, estes fármacos podem mascarar vários achados clínicos
característicos de certas doenças, incluindo, infecções fúngicas e
bacterianas. Assim, os pacientes submetidos a terapia com estes
compostos deverão ser cautelosamente monitorizados para a presença
de infecções ocultas.

Quando administrados em doses supra-fisiológicas, os glicocorticóides


com efeitos mineralocorticóides (tais como a cortisona e a
hidrocortisona) causam perda de potássio e retenção de sódio e água.
Em pacientes com normal função renal e cardiovascular, estes efeitos
resultam em hipertensão e alcalose hipoclorémica e hipocalémica,
sendo que os pacientes com hipoproteinémia, doença hepática ou
doença renal podem também registar edema. Por outro lado, em
pacientes com doença cardíaca, mesmo pequenos aumentos da
retenção de sódio podem despoletar insuficiência cardíaca.

Contra-indicações e precauções
Os glicocorticóides devem ser cautelosamente usados em pacientes
com úlcera péptica, doença cardíaca, hipertensão com insuficiência
cardíaca, psicose, diabetes, osteoporose, glaucoma, e algumas
doenças infecciosas, tais como varicela e tuberculose.

De qualquer modo, os glicocorticóides deverão ser administrados nas


doses mínimas eficazes e, sempre que possível, de modo intermitente
(por exemplo, em dias alternados). Contudo, os pacientes submetidos a
doses relativamente baixas de corticosteróides podem requerer a
implementação de uma terapia suplementar, aquando de situações de
stress.

Os pacientes a usar glicocorticóides deverão ser cautelosamente


monitorizados relativamente ao desenvolvimento de hiperglicemia,
glicosúria, retenção de sódio com edema ou hipertensão, hipocalémia,
úlcera péptica, osteoporose e infecções ocultas.

ACTH
No passado, a ACTH foi usada para induzir a produção endógena de
cortisol em pacientes com glândulas supra-renais normais. Contudo,
esta hormona já não é clinicamente utilizada, excepto quando se
procura aumentar os níveis de androgénios.

Inibidores da biossíntese e acção dos esteróides


adreno-corticais
A cirurgia constitui a terapia de primeira escolha para o
hipercortisolismo. Contudo, esta nem sempre se revela eficaz, sendo
por vezes necessário recorrer ao uso de inibidores da esteroidogénese,
tais como o cetoconazole, a metirapona, o etomidato e o mitotano.
Todos estes agentes aumentam o risco de precipitação de insuficiência
supra-renal aguda, de tal modo que o seu uso obriga a uma
monitorização cautelosa da função do eixo hipotálamo-hipófise-supra-
renal.

Cetoconazole
O cetoconazole é um agente anti-fúngico que, quando administrado
em doses superiores às empregues na terapia anti-fúngica, constitui um
inibidor eficaz da esteroidogénese supra-renal e gonadal, sobretudo
devido à sua capacidade de inibição da 17 α-hidroxílase (CYP17).
Para além disso, quando administrado em doses ainda superiores, este
fármaco também inibe o CYP11A1, bloqueando eficazmente a
esteroidogénese em todos os tecidos esteroidogénicos primários.

Em pacientes com hipercortisolismo, o cetoconazole constitui o agente


melhor tolerado e mais eficaz. Os seus principais efeitos adversos
incluem disfunção hepática e interacções farmacológicas (com
isoformas da família da CYP).

Etomidato
Quando administrado em doses sub-hipnóticas, o etomidato (um
imidazol maioritariamente usado como anestésico e sedativo) inibe a
secreção de cortisol, sobretudo por inibição da actividade da CYP11B1.
Este fármaco é administrado por via intra-venosa, sendo usado na
terapia do hipercortisolismo, nomeadamente aquando da necessidade
de um controlo rápido de pacientes que não possam ser submetidos a
terapia oral.

Mitotano
O mitotano é um agente adreno-corticolítico usado na terapia de
carcinomas adreno-corticais inoperáveis. A sua acção citolítica resulta
da sua conversão num metabolito cloreto acil reactivo (sendo essa
reacção mediada pelas CYPs mitocondriais supra-renais), o qual reage
com proteínas celulares.
O mitotano pode ser usado na terapia a longo-prazo do
hipercortisolismo, sendo que o seu período de latência dura semanas
ou meses. Os seus principais efeitos adversos incluem perturbações
gastro-intestinais e ataxia.

Anti-glicocorticóides
Quando administrada em elevadas doses, a mifepristona (um
antagonista do receptor dos progestagénios usado com fins abortivos)
revela-se capaz de inibir o receptor dos glicocorticóides, bloqueando a
regulação do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal e aumentando
secundariamente os níveis endógenos de ACTH e cortisol.

Actualmente, a mifepristona é apenas administrada a pacientes com


hipercortisolismo inoperável e refractário a outros fármacos. Todavia,
dada a sua capacidade em inibir a acção dos glicocorticóides, este
fármaco poderá vir a ser usado de modo mais abrangente.
Anti-inflamatórios não-esteróides
Embora demonstrem uma grande heterogeneidade química, todos os
anti-inflamatórios não-esteróides (AINEs) exercem efeitos anti-
inflamatórios, analgésicos e anti-piréticos, apresentando acções
terapêuticas e efeitos adversos similares.

Os AINEs actuam por inibição competitiva e reversível da enzima ciclo-


oxigénase (COX). A aspirina constitui uma notável excepção, na
medida em que actua por inibição irreversível desta enzima. Por outro
lado, embora apresente propriedades anti-piréticas e analgésicas, o
acetaminofeno é desprovido de actividade anti-inflamatória.

Mecanismos de acção
As prostaglandinas constituem importantes mediadores inflamatórios,
sendo libertadas aquando da ocorrência de danos celulares. Ora, ao
actuarem na COX, a aspirina e os AINEs tradicionais (tAINEs) inibem
a biossíntese de prostaglandinas em todos os tipos de células, não
interferindo directamente com a formação de outros mediadores
inflamatórios.

Quando administrados em doses mais elevadas, os AINEs revelam-se


ainda capazes de desempenhar outras acções anti-inflamatórias,
nomeadamente:

Redução da produção de superóxido e de óxido nítrico

Indução da apoptose

Inibição da expressão de moléculas de adesão

Diminuição dos níveis de citocinas pró-inflamatórias

Modificação da actividade linfocitária e das funções da membrana


celular

Todavia, desconhece-se até que ponto essas acções contribuem para a


actividade anti-inflamatória dos AINEs, aquando da sua administração
em doses terapêuticas.

Inibição da biossíntese de prostaglandinas


A COX (síntase das prostaglandinas G/H) constitui a primeira enzima
participante na via de síntese das prostaglandinas. Esta enzima
converte o ácido araquidónico (AA) em PGG2 e PGH2, os quais são
subsequentemente convertidos em tromboxano A2 (TXA2) e num
vasto rol de prostaglandinas.

Existem duas isoformas de COX – COX-1 e COX-2. A COX-1 constitui a


isoforma constitutiva, sendo expressa na maior parte das células e
tecidos. Assim, a COX-1 constitui a isoforma predominante nas células
epiteliais gástricas, sendo a principal responsável pela formação de
prostaglandinas protectoras da mucosa. Assim, a inibição da COX-1
gástrica explica vários dos efeitos adversos resultantes do uso dos
tAINEs.

Por seu turno, a expressão de COX-2 é maioritariamente induzida por


citocinas e mediadores inflamatórios, não obstante a presença
constitutiva desta isoforma em algumas regiões do rim e encéfalo.

Ora, quando administrados em doses terapêuticas, a aspirina e os


restantes AINEs bloqueiam a COX, reduzindo a biossíntese de
prostaglandinas. Assim, não admira que a potência de inibição da COX
esteja co-relacionada com a actividade anti-inflamatória destes
fármacos. Como referido anteriormente, não obstante inibirem a síntese
de prostaglandinas, a aspirina e os AINEs não suprimem a formação de
leucotrienos, dado que estes mediadores resultam da acção da lipo-
oxigénase.

A aspirina modifica covalentemente a COX-1 e a COX-2, inibindo


irreversivelmente a actividade desta enzima. Por oposição, os restantes
AINEs inibem a actividade da COX de modo reversível e competitivo.
Assim, enquanto a duração dos efeitos da aspirina relaciona-se com a
taxa de turn-over da COX nos diferentes tecidos-alvo, a duração dos
efeitos dos restantes AINEs está mais associada com a disponibilidade
destes fármacos.
A importância do turn-over enzimático na duração dos efeitos da
aspirina revela-se particularmente importante nas plaquetas. De facto,
dado serem anucleadas, estas células apresentam uma capacidade
limitada de síntese proteica, de tal modo que as consequências da
inibição da COX-1 perduram durante toda a sua “vida”. Assim, a inibição
da formação plaquetária de TXA2 (processo este que é dependente da
COX-1) é, deste modo, cumulativa com a administração de doses
repetidas de aspirina.

Mecanismos subjacentes aos efeitos analgésicos


Os AINEs são normalmente considerados analgésicos ligeiros, embora
a sua eficácia analgésica dependa do tipo e da intensidade da dor em
questão. Estes fármacos revelam-se particularmente eficazes no alívio
da dor associada à inflamação e lesão tecidular, a qual cursa com uma
sensibilização dos receptores nóxicos para estímulos normalmente
indolores. De facto, em termos moleculares, a hiperalgesia e a dor
subjacente à inflamação têm por base a acção da bradicinina e de
algumas citocinas, as quais actuam num sentido de promover a
libertação de prostaglandinas. Assim, ao inibirem a síntese de
prostaglandinas, os AINEs desempenham um importante efeito
analgésico.

A capacidade das prostaglandinas sensibilizarem os receptores nóxicos


para estímulos mecânicos e químicos parece resultar de uma
diminuição do limiar dos nociceptores polimodais das fibras C. Em
termos gerais, os AINEs não afectam a hiperalgesia ou a dor causada
pela acção directa das prostaglandinas, o que é consistente com a
noção de que os efeitos analgésicos destes fármacos são devidos à
inibição da síntese de prostaglandinas, e não devidos a alterações da
percepção da dor.

Mecanismos subjacentes aos efeitos anti-piréticos


O hipotálamo é o responsável pela regulação do set point térmico, o
qual constitui como que um “valor de referência” no qual a temperatura
corporal deverá ser mantida. Ora, na febre, ocorre um aumento deste
valor de set point, algo que resulta da acção de várias citocinas, tais
como a IL-1β, a IL-6, os interferões e o TNF-α. De facto, estas citocinas
actuam nos órgãos circum-ventriculares e nas regiões adjacentes à
área hipotalâmica pré-óptica, promovendo a síntese de PGE2. Por seu
turno, esta prostaglandina aumenta os níveis de cAMP, “levando” o
hipotálamo a aumentar a temperatura corporal.

Assim, ao inibirem a síntese de PGE2, os AINEs desempenham um


importante papel anti-pirético, embora não interfiram com as variações
da temperatura corporal induzidas pelo exercício ou pela temperatura
ambiente.

Efeitos terapêuticos

Inflamação, dor e febre


Todos os AINEs, incluindo os inibidores selectivos da COX-2,
desempenham acções anti-piréticas, analgésicas e anti-inflamatórias. O
acetaminofeno constitui, contudo, uma notável excepção, na medida
em que, embora exerça efeitos anti-piréticos e analgésicos, encontra-se
desprovido de actividade anti-inflamatória.

Quando administrados como analgésicos, os AINEs revelam-se


particularmente eficazes no alívio de dores de intensidade
baixa/moderada (tais como a dor dentária), bem como no controlo da
dor pós-operatória crónica ou associada a inflamação. Por oposição,
estes fármacos não atenuam a dor visceral, nem alteram a percepção
de outras modalidades sensoriais para além da dor.

Assim, embora evidenciem menor eficácia analgésica máxima que os


opióides, os AINEs apresentam a vantagem de não induzirem
depressão respiratória nem dependência física.

A síndrome de Reye caracteriza-se pelo despoletar agudo de


encefalopatia, disfunção hepática e infiltração lipídica do fígado e outras
vísceras. A etiologia e fisiopatologia desta síndrome ainda não se
encontram totalmente esclarecidas, mas sabe-se que esta está
particularmente associada ao uso de aspirina em crianças. Assim,
devido à sua associação com a síndrome de Reye, a aspirina e
restantes salicilados encontram-se contra-indicados para crianças e
jovens adultos com febre associada a doença vírica. Por oposição, o
acetaminofeno não está implicado na génese de síndrome de Reye,
constituindo o anti-pirético de primeira escolha em crianças e
adolescentes.

Os AINEs são bastante utilizados como anti-inflamatórios,


nomeadamente na terapia de perturbações articulares e músculo-
esqueléticas, tais como a artrite reumatóide, osteoartrite, espondilite
anquilosante e gota. Normalmente, os AINEs apenas asseguram um
alívio sintomático da dor e inflamação associadas a estas doenças, não
atrasando a progressão e lesões patológicas tecidulares subjacentes.

O uso de AINEs normalmente revela-se apenas eficaz na terapia das


artropatias ligeiras, de tal modo que os pacientes com situações mais
debilitantes podem não responder adequadamente a estes fármacos,
necessitando de ser submetidos a uma terapia agressiva com agentes
de segunda-linha. Por seu turno, nas crianças com artrite reumatóide,
recorre-se frequentemente ao uso de naproxeno, tolmetina e (de
modo mais cauteloso) aspirina.

As prostaglandinas são responsáveis pela patência do ducto arterioso,


de tal modo que a indometacina (entre outros tAINEs) tem sido usada
nos recém-nascidos para promover o fecho do ducto arterioso patente.
Para além disso, os AINEs podem ser usados na terapia de formas de
síndrome de Bartter caracterizadas por um excesso de
prostaglandinas no rim.

Mastocitose sistémica
A mastocitose sistémica é uma condição caracterizada pela presença
de um excesso de mastócitos na medula óssea, sistema retículo-
endotelial, sistema gastro-intestinal, ossos e pele. Ora, em pacientes
com esta condição, ocorre libertação de grandes quantidades de PGD2,
a qual induz um forte efeito vasodilatador e hipotensor, que pode ser
contrariado pelos AINEs (sobretudo pelo cetoprofeno). Contudo, a
aspirina e os tAINEs podem simultaneamente despoletar desgranulação
dos mastócitos, o que cursa com a libertação de grandes quantidades
de histamina. Assim, num contexto de mastocitose sistémica, antes de
iniciar uma terapia com AINEs, deve-se proceder ao bloqueio dos
receptores histaminérgicos H1 e H2.

Quimioprofilaxia do cancro
De acordo com estudos epidemiológicos, o uso frequente de aspirina
diminui o risco de vários tipos de neoplasias, tais como o cancro do
cólon. De facto, os AINEs têm sido usados na terapia de pacientes com
polipose adenomatosa familiar.

Tolerabilidade à niacina
Quando administrada em doses elevadas, a niacina (ácido nicotínico)
diminui os níveis séricos de colesterol e LDL, aumentando os níveis de
HDL. Todavia, a niacina é mal tolerada, dado induzir rubor intenso. Ora,
este rubor é mediado pela libertação cutânea de prostaglandina D2,
cuja síntese pode ser inibida pelo uso de aspirina.

Efeitos adversos

Sistema gastro-intestinal
Os AINEs podem induzir vários efeitos adversos de cariz gastro-
intestinal, incluindo anorexia, náusea, dispepsia, dor abdominal e
diarreia. Estes sintomas podem estar relacionados com a presença de
úlceras gástricas ou intestinais, cuja génese é potenciada pelo uso de
AINEs. Estas úlceras podem assumir diferentes dimensões – desde
pequenas erosões superficiais até ulcerações envolvendo a perfuração
de toda a espessura da muscular da mucosa. Para além disso, as
ulcerações podem ser múltiplas, podendo cursar com uma perda
gradual de sangue (levando a anemia) ou com hemorragia
potencialmente fatal.

A génese de ulcerações é potenciada pelo elevado consumo de álcool,


pelo uso concomitante de glicocorticóides ou pela presença de infecção
por H. pylori. De salientar que, comparativamente aos tAINEs, os
inibidores selectivos da COX-2 parecem apresentar menor risco de
induzir úlceras gástricas.

Sistema cardiovascular
Contrariamente à aspirina, os tAINEs não
parecem exercer efeitos cardio-
protectores, o que se deve aos seus
curtos períodos de semi-vida. Por seu
turno, os inibidores selectivos da COX-2
parecem desempenhar efeitos
cardiovasculares deletérios, pois inibem a
síntese endotelial de prostaciclina (PGI2)
sem concomitantemente inibirem a
síntese plaquetária de TXA2.

De facto, a PGI2 restringe os efeitos


cardiovasculares do TXA2, de tal modo
que alguns inibidores selectivos da COX-
2 até podem aumentar o risco de
trombose. De entre esses fármacos,
destaque para o rofecoxib, valdecoxib
ou celecoxib, cujo uso aumenta o risco
de enfarte do miocárdio e AVC – ora, isto
revela-se particularmente importante nos
indivíduos com maior risco de eventos
cardiovasculares, tais como os pacientes
com artrite reumatóide.

Sistema genito-urinário
nefropatia analgésica caracteriza-se
pela ocorrência de piúria estéril,
insuficiência renal lenta e progressiva, e
diminuição da capacidade tubular renal
em concentrar urina. Ora, esta condição é
potenciada pelo uso crónico de doses
elevadas de AINEs, de tal modo que a
descontinuação precoce destes fármacos
possibilita a recuperação da função renal.

Por outro lado, a inibição da COX-2 renal


cursa com vasoconstrição renal, o que
potencia a retenção de sódio e água.
Gravidez e lactação
Durante o parto, ocorre um aumento da
expressão da COX-2 miometrial, bem
como dos níveis de PGE2 e PGF2a.
Apesar disso, os AINEs não são usados
com fins tocolíticos (ou seja,

para impedir as contracções uterinas e prolongar a gestação), dado


induzirem o fecho in utero do canal arterioso e, por conseguinte,
acarretarem perturbações da circulação fetal. O uso de AINEs nas fases
tardias da gravidez pode ainda aumentar o risco de hemorragia pós-
parto, de tal modo que a gravidez (especialmente, no período pré-parto)
constitui uma contra-indicação relativa para o uso destes fármacos.

Hipersensibilidade
Alguns indivíduos evidenciam hipersensibilidade à aspirina e restantes
AINEs, a qual cursa com vários sintomas, incluindo rinite vasomotora,
angioedema, urticária generalizada, asma brônquica, edema laríngeo,
broncoconstrição , rubor, hipotensão e choque. Em pacientes com
intolerância à aspirina, não se deve proceder à administração de
qualquer outro AINE, sob pena de se registar uma reacção
potencialmente fatal por mecanismos de sensibilidade cruzada.

A hipersensibilidade aos AINEs é menos comum em crianças, mas mais


frequente em pacientes com asma, pólipos nasais ou urticária crónica.
Note-se que a hipersensibilidade à aspirina está associada a um
aumento da biossíntese de leucotrienos, o que parece reflectir um
“desvio” do ácido araquidónico para a via da lipo-oxigénase.

Interacções farmacológicas
A aspirina não deve ser co-administrada com os tAINEs ou com os
inibidores da COX-2, na medida em que essa combinação aumenta
significativamente o risco de eventos adversos gastro-intestinais. Por
outro lado, a co-administração de AINEs e glicocorticóides aumenta o
risco e a gravidade de ulceração gastrointestinal, enquanto a co-
administração de AINEs e varfarina potencia o risco de hemorragia.
Os efeitos dos IECAs devem-se parcialmente à estimulação da
produção de cininas vasodilatadoras e natriuréticas. Ora, ao inibirem a
génese de prostaglandinas (que constituem mediadoras da acção das
cininas, vide supra), os AINEs atenuam a eficácia dos IECAs. Para além
disso, a co-administração de AINEs e IECAs pode induzir hipercalémia,
sendo que o aumento dos níveis de potássio potencia o risco de
bradicardia e síncope. Note-se que, estes efeitos adversos revelam-se
particularmente comuns em idosos e pacientes com hipertensão,
diabetes mellitus ou doença cardíaca isquémica.

Vários AINEs circulam amplamente ligados às proteínas plasmáticas,


competindo com outros fármacos pela ligação a essas proteínas. Estas
interacções podem ser observadas em pacientes simultaneamente
submetidos a AINEs e varfarina, sulfonilureias ou metotrexato – de
facto, as doses destes últimos agentes deverão ser alvo de ajustes
posológicos, sob pena de se registarem efeitos tóxicos por aumento da
sua fracção livre.

De salientar, mais uma vez, que a co-administração de AINEs e


varfarina pode se revelar deveras problemática, devendo ser evitada.
De facto, os AINEs potenciam o efeito anti-hemorrágico da varfarina,
pois suprimem a normal função plaquetária e inibem a metabolização
da varfarina, aumentando os níveis deste último fármaco.

Farmacocinética
Os AINEs são ácidos fracos, sendo a maioria absorvida pelo tracto
gastro-intestinal de modo rápido e completo, atingindo as suas
concentrações plasmáticas máximas ao fim de 1-4 horas. Os alimentos
tendem a atrasar a absorção destes fármacos, embora não reduzam a
sua biodisponibilidade oral. A maioria dos AINEs apresenta uma
elevada capacidade de ligação às proteínas plasmáticas (95%-99%),
sendo alvo de metabolização hepática e excreção renal. Assim, na sua
maioria, os AINEs não devem ser administrados a pacientes com
insuficiência renal ou insuficiência hepática avançada.
Considerações terapêuticas
Em termos clínicos, os AINEs cujos efeitos se fazem sentir mais
rapidamente (mas que apresentam uma duração mais curta) são
preferencialmente usados na terapia da febre associada a infecções
víricas minor ou da dor associada a lesões músculo-esqueléticas minor.
Por oposição, os AINEs com maior duração de acção são
preferencialmente usados no alívio da dor pós-operatória.

A escolha do tAINE a ser usado na terapia das condições artríticas


crónicas é, de grosso modo, empírica. De facto, após se proceder à
escolha de um AINE, este é testado quanto à sua eficácia e segurança
por um período de duas semanas. Subsequentemente, procede-se ao
ajuste das doses do AINE em questão, ou, alternativamente, à sua
descontinuação e substituição por outro AINE. Note-se que o uso de
terapias combinadas envolvendo mais que um AINE deverá ser evitado,
na medida em que não acarreta benefícios terapêuticos para o
paciente, mas potencia o risco de efeitos adversos.

Os inibidores selectivos da COX-2 (rofecoxib, valdecoxib e celecoxib)


acarretam um maior risco de enfarte do miocárdio e AVC, sendo esse
risco superior aquando da administração crónica destes fármacos. Ora,
esse aumento do risco de eventos cardiovasculares resulta de uma
aceleração da aterogénese, a qual se pode dever à inibição directa da
PGI2, ou ao aumento da pressão arterial (também subsequente à
inibição da PGE2 e PGI2). Note-se que alguns tAINEs (incluindo o
meloxicam e o diclofenac) também demonstram alguma selectividade
para a COX-2, pensando-se que também possam potenciar o risco de
eventos adversos cardiovasculares.

Assim, os inibidores selectivos da COX-2 deverão ser usados nas


doses mínimas possíveis, e durante o menor período de tempo
possível. Para além disso, os pacientes com maior risco de eventos
cardiovasculares não deverão ser submetidos a terapia com estes
fármacos.

Nas crianças, a escolha de um AINE requer cuidados especiais, sendo


que apenas devem ser usados fármacos já amplamente testados em
pacientes pediátricos – de entre esses fármacos, destaque para o
naproxeno e ibuprofeno.
Salicilados
O ácido salicílico é apenas usado externamente, de tal modo que já
foram sintetizados vários derivados deste ácido para uso sistémico. Em
termos químicos, estes derivados classificam-se em três classes:

Ésteres de ácido salicílico: Resultam da alteração do grupo


carboxílico do ácido salicílico.

Ésteres salicilados de ácidos orgânicos: Resultam da alteração


do grupo hidroxilo do salicilato.

Sais de ácido salicílico

Efeitos fisiológicos
Efeitos analgésicos

Os salicilados são amplamente usados no alívio da dor, revelando-se


particularmente eficazes em situações de dor somática de baixa
intensidade, mas pouco eficazes no alívio da dor visceral.

Efeitos anti-piréticos

Normalmente, os salicilados desempenham efeitos anti-piréticos rápidos


e eficazes. Todavia, os salicilados também aumentam o consumo de
oxigénio e a taxa metabólica, exercendo um efeito pirético paradoxal
quando administrados em doses tóxicas – essa hipertermia induz
sudação, a qual exacerba a desidratação ocorrida na intoxicação por
salicilados (vide infra).

Efeitos respiratórios

Quando administrados em doses terapêuticas, os salicilados promovem


um desacoplamento da fosforilação oxidativa, aumentando o consumo
de O2 e a produção de CO2 (sobretudo no músculo esquelético). Ora, o
aumento da produção de CO2 induz um aumento compensatório da
ventilação alveolar (por aumento da profundidade respiratória), de tal
modo que no cômputo geral os níveis de CO2 permanecem inalterados.

Efeitos renais e electrolíticos

Quando administrados em doses terapêuticas, os salicilados interferem


com o equilíbrio ácido-base e electrolítico. De facto, estes fármacos
induzem alcalose respiratória, a qual é compensada por um aumento da
excreção renal de bicarbonato, o que, por seu turno, acarreta um
aumento da excreção renal de sódio e potássio. Apesar disso, os
salicilados podem causar retenção de sódio e água.

Quando usados isoladamente (mesmo que cronicamente), os


salicilados apresentam um baixo risco de nefrotoxicidade. Contudo,
estes fármacos podem causar uma redução aguda da função renal em
pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, doença renal ou
hipovolémia. Por outro lado, as misturas analgésicas contendo
salicilados combinados com outros compostos estão frequentemente
associadas à génese de necrose papilar e nefrite intersticial, sobretudo
se usadas de modo excessivo e prolongado.

Efeitos cardiovasculares

Quando administrada em baixas doses, a aspirina exerce efeitos cardio-


protectores. Contudo, quando administrada em doses mais elevadas,
este fármaco pode induzir retenção de sal e água, o que pode potenciar
um aumento do volume plasmático efectivo e um decréscimo do
hematócrito (efeito dilucional). Para além disso, a aspirina induz
vasodilatação periférica (por acção directa no músculo liso vascular),
bem como um aumento do trabalho e do débito cardíaco. Ora, isto
revela-se particularmente deletério nos pacientes com cardite ou
comprometimento da função cardíaca, nos quais a reserva coronária
pode não ser suficiente para compensar o aumento das necessidades
miocárdicas de oxigénio (consequentemente, isto poderá resultar em
insuficiência cardíaca congestiva e edema pulmonar).

Note-se que a administração de elevadas doses de salicilados pode


também induzir edema pulmonar não-cardiogénico, sobretudo em
pacientes idosos submetidos ao uso prolongado destes fármacos.
Efeitos gastro-intestinais

A ingestão de salicilados pode induzir distress epigástrico, náusea e


vómitos. Para além disso, os salicilados podem causar ulceração
gástrica (e exacerbação dos sintomas associados), hemorragias gastro-
intestinais, e gastrite erosiva. Note-se que as hemorragias gástricas
podem ser indolores, podendo inclusive levar a anemia ferropénica caso
não sejam detectadas atempadamente.

De entre os vários salicilados, a aspirina é aquele que está mais


frequentemente associado à ocorrência de efeitos adversos gastro-
intestinais. Por seu turno, os salicilados não-acetilados apresentam
acções adversas mais fracas, pois revelam-se incapazes de inibir
irreversivelmente a acção da COX.

Efeitos hepáticos

Quando administrados em doses elevadas, os salicilados causam


lesões hepáticas, as quais tendem a observar-se apenas alguns meses
após início da terapia, sendo particularmente frequentes em pacientes
com doenças do tecido conjuntivo. Normalmente, essas lesões
hepáticas são assintomáticas, embora alguns pacientes possam sentir
desconforto e dor no quadrante abdominal superior direito. Note-se,
contudo, que a ocorrência de icterícia constitui um fenómeno raro.

A descontinuação do uso de salicilados permite reverter as lesões


hepáticas. De qualquer modo, estes fármacos encontram-se contra-
indicados para pacientes com doença hepática crónica.

Efeitos uricosúricos

Quando administrados em baixas doses (<2g), os salicilados induzem


uma diminuição da excreção de ácido úrico, aumentando os níveis
plasmáticos desta substância. Para além disso, quando administrados
em baixas doses, os salicilados podem bloquear os efeitos do
probenecid e de vários outros agentes que actuam por inibição da
reabsorção tubular de ácido úrico (ou seja, em baixas doses, os
salicilados diminuem a eficácia de alguns fármacos uricosúricos).
Por oposição, quando administrados em doses elevadas (>5 g), estes
fármacos podem induzir uricosúria, diminuindo os níveis plasmáticos de
ácido úrico. Embora esses efeitos uricosúricos apresentem interesse na
terapia da gota, os salicilados não são frequentemente usados com
esses fins, na medida em que a administração de doses muito elevadas
é mal tolerada.

Efeitos pró-hemorrágicos

A aspirina aumenta em alguns dias o tempo de hemorragia, sendo


usada na profilaxia do enfarte do miocárdio trombogénico. De facto, em
termos moleculares, este fármaco acetila irreversivelmente a COX
plaquetária, de tal modo que a síntese de TXA2 passa a estar
dependente da produção de novas plaquetas.

Dado aumentar o risco de hemorragia, a aspirina deverá ser evitada em


pacientes com lesões hepáticas graves, hipoprotrombinemia, défices de
vitamina K, ou hemofilia. Para além disso, o uso de aspirina deverá, se
possível, ser interrompido uma semana antes da ocorrência de uma
cirurgia. Os pacientes submetidos simultaneamente a terapia com
aspirina e anti-coagulantes orais deverão ser alvo de vigilância especial,
dada a maior gravidade inerente a uma possível hemorragia gástrica.

Efeitos metabólicos

Quando administrados em doses elevadas (tais como aquelas usadas


na terapia da artrite reumatóide), os salicilados induzem
desacoplamento da fosforilação oxidativa. Para além disso, estes
fármacos aumentam a captação de O2 e a produção de CO2, podendo,
em doses tóxicas, diminuir o metabolismo aeróbio e aumentar a
produção de ácidos orgânicos fortes. Quando administrados em doses
elevadas, os salicilados podem ainda causar hiperglicemia e glicosúria,
e depletar os níveis hepáticos e musculares de glicogénio.

A administração crónica de salicilados resulta na diminuição da


captação tiroideia de iodo, embora potencie a remoção de T3 e T4 da
circulação. Ora, estes efeitos podem ser causados pela competição
estabelecida entre os salicilatos e as hormonas tiroideias pela ligação
às proteínas plasmáticas.
Efeitos irritantes locais

O ácido salicílico desempenha uma acção irritante para a pele e


mucosa, destruindo as células epiteliais (após terapia com salicilato, as
células edemaciam, perdem consistência e descamam). Contudo, a
acção queratolítica deste ácido pode ser aproveitada para tratamento
local de verrugas, calos, infecções fúngicas, e alguns tipos de dermatite
eczematosa.

Note-se que o metilsalicilato (óleo de gaultéria) é aplicado topicamente


como contra-irritante para o alívio de dores músculo-esqueléticas
moderadas.

Farmacocinética
Quando administrados por via oral, os salicilados são rapidamente
absorvidos, sobretudo pelo intestino delgado proximal. Note-se,
contudo, que a presença de alimentos atrasa a absorção destes
fármacos. Por seu turno, a absorção rectal de salicilados é,
normalmente, lenta, incompleta e inconsistente. Por oposição, quando
aplicados na pele, os salicilados são rapidamente absorvidos, podendo
inclusive revelar-se tóxicos caso sejam colocados sobre grandes áreas
cutâneas.

Após serem absorvidos, os salicilados distribuem-se para a maior parte


dos tecidos e fluidos transcelulares corporais (incluindo para a
placenta), sobretudo por processos passivos dependentes do pH.
Contudo, a sua saída do fluido cefalo-raquidiano é mediada por um
sistema saturável de transporte activo.

Cerca de 80-90% dos salicilados circulam ligados às proteínas


plasmáticas (sobretudo à albumina), sendo que, à medida que as
concentrações plasmáticas destes fármacos aumentam, a fracção que
circula ligada às proteínas plasmáticas diminui. Como referido
anteriormente, os salicilados competem com um vasto conjunto de
substâncias pela ligação às proteínas plasmáticas – de entre esses
compostos, destaque para as hormonas tiroideias, penicilina, fenitoína,
sulfinpirazona, bilirrubina, ácido úrico, e outros AINEs (tais como o
naproxeno).
A aspirina apenas é
detectada no plasma
por curtos períodos
de tempo, dado
sofrer uma hidrólise
rápida no plasma,
fígado e eritrócitos.
De facto, a
biotransformação dos
salicilados ocorre em
vários tecidos, com
especial destaque
para o fígado.

Dessa
biotransformação
resultam três
metabolitos
principais,
nomeadamente o
ácido salicilúrico, o
glicuronido fenólico
e o acil glicuronido.

A aspirina apresenta um período de semi-vida de 20 minutos, enquanto


o período de semi-vida do salicilato varia com as doses administradas
deste fármaco (rondando as 2-3 horas aquando da administração de
doses anti-plaquetárias, mas ascendendo a 10 horas aquando da
administração de doses anti-inflamatórias). Esta eliminação dependente
da dose resulta da capacidade limitada de biotransformação hepática,
de tal modo que, quando o salicilado é administrado em doses mais
elevadas, uma maior fracção deste fármaco é excretada de forma
intacta.

A excreção de salicilados faz-se simultaneamente por filtração


glomerular e secreção tubular, de tal modo que tanto a presença de
insuficiência renal como a co-administração de probenecid resultam
numa diminuição da eliminação destes fármacos e num aumento
subsequente dos seus níveis plasmáticos. As alterações do pH urinário
também podem exercer efeitos significativos na excreção de salicilados,
sendo que o pH alcalino favorece a clearance destes fármacos. Por fim,
o elevado fluxo urinário cursa com uma diminuição da reabsorção
tubular de salicilados, enquanto a oligúria cursa com o efeito oposto.

Usos terapêuticos
A aspirina (ácido acetilsalicílico) e o salicilato de sódio constituem
os dois salicilados mais frequentemente utilizados com fins sistémicos.
Contudo, vários outros salicilados podem ser usados com esses fins,
incluindo o tiosalicilato, o salicilato de colina, o salicilato de
magnésio, e o salsalato (ácido salilsalicílico) – este último fármaco é
hidrolisado em ácido salicílico aquando e após a sua absorção.

Febre

Os salicilados são administrados com fins anti-piréticos, nomeadamente


quando a febre se revela deletéria, ou quando o paciente sente um
alívio considerável com a diminuição da temperatura. De facto, os
salicilados não devem ser usados sempre que o paciente sinta febre,
pois ao fazê-lo podem estar a mascarar a verdadeira evolução da
doença subjacente.

Analgesia

Os salicilados são úteis no alívio não-específico de dores ligeiras,


incluindo cefaleias, artrite, dismenorreia, neuralgia e mialgias.

Artrite reumatóide

Não obstante a eficácia da aspirina, vários clínicos preferem usar outros


AINEs na terapia da artrite reumatóide, uma vez que estes parecem
demonstrar melhor tolerabilidade gastro-intestinal. De qualquer modo,
os efeitos analgésicos dos salicilados possibilitam a realização de
movimentos mais eficazes, facilitando a terapia física dos pacientes
com artrite reumatóide e osteoartrite. Para além disso, o uso de aspirina
cursa com um aumento do apetite, com uma sensação de bem-estar, e
com uma redução da inflamação dos tecidos articulares e estruturas
próximas.
Doença inflamatória intestinal

A mesalamina (messalazaina; ácido 5-aminosalicílico; 5-ASA) é um


salicilado usado na terapia local da doença inflamatória intestinal,
podendo ser administrada por via oral ou rectal. De facto, quando
administrado por via oral, este fármaco revela-se particularmente eficaz
no tratamento da colite ulcerosa. Por outro lado, quando aplicado sob a
forma de supositório ou enema de suspensão rectal, este fármaco é
usado na terapia da procto-sigmoidite, colite ulcerativa distal, ou
proctite. Dependendo do local pretendido de actuação, existem várias
preparações distintas de mesalamina, nomeadamente:

Microgrânulos de etilcelulose: Possibilitam a libertação contínua


de mesalamina.

Eudragil S: Actua a pH=7, estando particularmente indicado para


uso de patologia do cólon.

Eudragil S/L: Actua a pH<7

Eudragil L: Actua a pH>6, estando particularmente indicado para


uso em pacientes com patologia do intestino delgado proximal
(duodeno e jejuno).

sulfassalazina (salicilazosulfapiridina)
resulta do estabelecimento de uma ligação
covalente entre a mesalamina e a
sulfapiridina (um composto lipofílico).
Quando administrado por via oral, este
fármaco é mal absorvido, sendo clivado
pelas

bactérias do cólon nos seus componentes activos. Assim, a


sulfassalazina revela-se eficaz na terapia da doença inflamatória
intestinal e da artrite reumatóide, sobretudo devido aos efeitos locais
desempenhados pela mesalamina libertada.
Em termos moleculares, a administração de sulfassalazina resulta numa
diminuição dos níveis de leucotrieno B4, PGE2, IFN-γ, IL-1, IL-2, IL-6,
TNF e espécies reactivas de oxigénio. Por outro lado, os efeitos
adversos deste fármaco incluem febre, diarreia, rash e anemia.

Para além da sulfassalazina, existem outras fórmulas de libertação de


mesalamina, nomeadamente:

Balsalazida: Composto contendo mesalamina ligada ao


transportador inerte β-alanina de 4 aminobenzoil. Este fármaco
é mal absorvido por via oral, sendo clivado no seu composto
activo por bactérias do cólon e cego, onde actua.

Olsalazina: Dímero de mesalamina com acção no cego e cólon.

Intoxicação por salicilados


A intoxicação grave por salicilados cursa com coma, convulsões e
colapso cardiovascular, podendo se revelar fatal. Esta intoxicação
regista-se mais frequentemente nas crianças, ocorrendo mais
facilmente com o uso de salicilato de sódio do que com o uso de
metilsalicilato.

Por seu turno, a intoxicação ligeira por salicilados (salicilismo) cursa


com cefaleias, tonturas, tinito, hipoacusia, perda da acuidade visual,
confusão mental, letargia, sudorese, sede, hiperventilação, náusea,
vómitos e, ocasionalmente, diarreia.

Efeitos neurológicos

Quando administrados em elevadas doses, os salicilados exercem


efeitos centrais tóxicos, os quais passam por estimulação (incluindo
convulsões) seguida de depressão. Pode se ainda registar confusão,
tonturas, delírio, psicose, estupor, coma, tinito e perda de audição.
Desconhece-se se estes dois últimos efeitos resultam de um aumento
da pressão no ouvido interno, ou de alterações nas células em cabeleira
secundárias a vasoconstrição da microvasculatura auditiva.
Em pacientes com audição normal, a presença de tinito constitui um
indicador fiável da presença de concentrações excessivas de
salicilados. Todavia, este indicador não pode ser utilizado em doentes
com hipoacusia prévia.

Efeitos respiratórios

Os efeitos respiratórios dos salicilados contribuem para os graves


distúrbios ácido-base que caracterizam a intoxicação por estes
fármacos. De facto, em doses moderadas/elevadas, os salicilados
estimulam a respiração de modo directo e indirecto. Já em doses
tóxicas, estes fármacos induzem depressão respiratória.

Os salicilados promovem o desacoplamento da fosforilação oxidativa, o


que resulta num aumento da produção periférica de CO2. Por
conseguinte, a ventilação pulmonar é alvo de um aumento
compensatório, o que impede a ocorrência de alterações da PCO2. O
desacoplamento da fosforilação oxidativa induz ainda um aumento da
produção de calor, de tal modo que a intoxicação por salicilados cursa
com hipertermia e hipersudorese (sobretudo em crianças).

Paralelamente, os salicilados estimulam directamente o centro


respiratório (sito no bolbo raquidiano), promovendo um aumento da
profundidade e da frequência respiratória. Por oposição, os barbitúricos
e os opióides induzem depressão respiratória central, de tal modo que,
quando co-administrados com os salicilados, estes fármacos impedem
a ocorrência de hiperventilação compensatória, levando a aumento
significativo dos níveis plasmáticos de CO2 (pois regista-se
simultaneamente exacerbação da produção e inibição da eliminação
deste gás).

A exposição prolongada a doses tóxicas de salicilados resulta num


quadro similar, pois cursa com depressão do bolbo raquidiano. De facto,
em condições tóxicas, verifica-se a ocorrência de depressão respiratória
central e colapso circulatório secundário a depressão vasomotora – ora,
isto acarreta um aumento dos níveis plasmáticos de CO2, o que resulta
na génese de um quadro de acidose respiratória. Assim, a insuficiência
respiratória constitui a mais frequente causa de morte nos casos fatais
de intoxicação por salicilados.
Equilíbrio ácido-base e electrolítico

Como descrito anteriormente, quando administrados em doses


terapêuticas elevadas, os salicilados induzem alcalose respiratória
primária, a qual é compensada pela ocorrência de acidose metabólica.
Contudo, quando administrados em doses tóxicas (sobretudo em
crianças), estes fármacos podem induzir ulteriores perturbações do
equilíbrio ácido-base.

De facto, os quadros de intoxicação por salicilados cursam


simultaneamente com acidose respiratória e acidose metabólica,
caracterizando-se pela presença de baixo pH plasmático e baixos níveis
de bicarbonato.

A acidose respiratória resulta da depressão respiratória induzida por


doses tóxicas de salicilados, a qual impede que o aumento da síntese
periférica de CO2 seja compensado pela ocorrência de hiperventilação
(vide supra). Por seu turno, a acidose metabólica resulta da acumulação
de ácidos, a qual se deve à co-existência de três fenómenos:

As concentrações tóxicas de salicilados deslocam 2-3 mEq/L de


bicarbonato plasmático.

Em doses tóxicas, os salicilados induzem depressão vasomotora.


Ora, isto resulta numa perturbação da função renal, com
subsequente acumulação de ácido sulfúrico e fosfórico.

Em doses tóxicas, os salicilados podem inibir várias enzimas,


diminuindo o metabolismo aeróbio e potenciando a acumulação
de ácidos orgânicos.

Concomitantemente, ocorre uma diminuição da reabsorção tubular de


bicarbonato, a qual é acompanhada por um aumento da excreção renal
de sódio, potássio e água. De referir que, uma vez que

perdida maior quantidade de água que de electrólitos, a desidratação


induzida pelos salicilados cursa com hipernatrémia.

Terapia
A intoxicação por salicilatos constitui uma emergência médica
potencialmente fatal para a qual não existe nenhum antídoto específico.
De qualquer modo, deve-se proceder à administração de carvão
vegetal activo, na medida em que esta substância impede a ulterior
absorção gastro-intestinal de salicilados.

A intoxicação por aspirina induz vasodilatação, a qual é exacerbada


pela depleção de volume e pela acidose concomitante. Assim, aquando
de uma intoxicação por salicilados, deve se proceder a uma repleção
intra-venosa agressiva de fluidos, de modo a assegurar uma ampla
diurese que optimize a eliminação de salicilados. Caso seja necessário,
pode se recorrer ainda à administração de agentes vasopressores, tais
como a noradrenalina e a fenilefrina.

Nos pacientes com intoxicação por salicilados, revela-se essencial


assegurar um quadro de alcalose respiratória (para compensar a
acidose metabólica subjacente), de tal modo que o recurso à intubação
deverá ser evitado, a menos que o paciente evidencie hipoventilação ou
obtundação.

Perante um quadro de intoxicação, deve se procurar manter o pH


plasmático entre 7,5 e 7,55 e assegurar um pH urinário superior a 8 (a
diurese alcalina forçada maximiza a eliminação de salicilados) – estes
objectivos podem ser conseguidos com recurso à administração de
bicarbonato de sódio. Por vezes, pode ainda ser necessário recorrer a
hemodiálise, nomeadamente se as medidas supracitadas se revelarem
insuficientes. Para além disso, em pacientes com alterações do estado
mental, deve-se proceder à administração suplementar de glicose
(independentemente dos valores de glicemia), de modo a evitar uma
redução dos seus níveis centrais.

Diflunisal
O diflunisal é um derivado difluorofenil do ácido salicílico. Após
administração oral, este fármaco é quase completamente absorvido,
apresentando uma elevada capacidade de ligação à albumina
plasmática (99%). Cerca de 90% deste fármaco é excretado sob a
forma de conjugados glicuronados, sendo a taxa de eliminação
dependente da dose administrada. A sua semi-vida ronda as 8-12
horas.
O diflunisal é usado como analgésico na terapia da osteoartrite,
contracturas e entorse. Para além de ser mais potente que a aspirina,
este fármaco está associado a um menor risco de efeitos anti-
plaquetários e gastro-intestinais. Contudo, o diflunisal exerce apenas
um fraco efeito anti-pirético. No que concerne aos seus efeitos
adversos, este fármaco não execre efeitos adversos de cariz auditivo,
embora sofra distribuição para as secreções mamárias.

Derivados do para-aminofenol
A fenacetina foi o primeiro derivado do para-aminofenol usado na
prática clínica. Contudo, embora este fármaco se revelasse eficaz como
analgésico, o seu uso foi descontinuado devido ao risco subjacente de
nefropatia, anemia hemolítica e cancro da bexiga. Assim, o uso de
fenacetina foi substituído pelo do seu metabolito activo, o qual se
designa por acetaminofeno.

Acetaminofeno
Embora exerça importantes efeitos analgésicos e anti-
piréticos, o acetaminofeno (paracetamol; N-acetil-p-
aminofenol) carece praticamente de efeitos anti-
inflamatórios. Assim, embora possa ser usado no alívio
da dor associada à osteoartrite não-inflamatória, este
fármaco não deverá ser administrado na terapia de
condições inflamatórias crónicas (tais como a artrite
reumatóide).

O acetaminofeno é bem tolerado, apresentando um baixo risco de


efeitos adversos de cariz gastro-intestinal. De qualquer modo, a
sobredosagem aguda deste fármaco pode se revelar hepatotóxica.

Propriedades farmacológicas

O acetaminofeno apresenta uma reduzida acção anti-inflamatória, algo


que se parece dever à sua baixa capacidade em inibir a COX na
presença de elevadas concentrações de peróxidos. Não obstante, o
acetaminofeno exerce importantes efeitos no sistema nervoso central.

Quando administrado em doses terapêuticas, o acetaminofeno não


interfere com a função respiratória, cardiovascular, plaquetária e
hemostática. Para além disso, este fármaco não induz alterações do
perfil ácido-base nem produz irritação, erosão ou hemorragia gástrica.
Note-se ainda que o acetaminofeno não exerce efeitos uricosúricos.

Farmacocinética

Quando administrado por


via oral, o acetaminofeno
apresenta uma elevada
biodisponibilidade. O seu
período de semi-vida ronda
as duas horas, enquanto a
sua capacidade de ligação
às proteínas plasmáticas é
inferior à de outros AINEs.

O acetaminofeno é
maioritariamente excretado
por via renal, sobretudo sob
a forma de metabolitos
conjugados com o
glicuronato, sulfato e
cisteína. Uma fracção
menor deste fármaco é alvo
de outros processos de
biotransformação, incluindo
desacetilação e N-
hidroxilação. Este último
processo é mediado pelas
CYPs e origina N-acetil-
p-benzoquinonimina
(NAPQI), que constitui um
metabolito tóxico e
altamente reactivo.
Usos terapêuticos

O acetaminofeno é administrado com fins analgésicos e anti-piréticos,


podendo ser usado como alternativa à aspirina em pacientes para os
quais este último fármaco se encontre contra-indicado (nomeadamente
crianças com febre ou pacientes com úlcera péptica ou
hipersensibilidade à aspirina).

Efeitos adversos

O acetaminofeno é normalmente bem tolerado, embora possa induzir


rash eritematoso ou urticarial, o qual pode ser acompanhado por febre e
lesões mucosas. De qualquer modo, os pacientes com
hipersensibilidade aos salicilados raramente manifestam alergia ao
acetaminofeno.

O acetaminofeno pode ainda induzir necrose hepática aguda


(potencialmente fatal), necrose tubular renal, coma hipoglicémico,
anemia hemolítica e meta-hemoglobinemia (este último efeito verifica-
se, sobretudo, em pacientes com défice de glicose 6-fosfato). Os efeitos
hepatotóxicos do acetaminofeno são mediados pelo NAPQI, o qual se
forma aquando da saturação das vias de conjugação com o glicuronato
e sulfato. Ora, em condições normais, o NAPQI é rapidamente
eliminado em conjugação com a GSH, sendo ulteriormente
metabolizado em ácido mercaptúrico e excretado por via renal.
Contudo, em situações de overdose de acetaminofeno, ocorre uma
depleção dos níveis hepatocelulares de GSH, de tal modo que o NAPQI
(que é altamente reactivo) passa se a ligar covalentemente a
macromoléculas hepatocitárias, induzindo disfunção enzimática e
estrutural. Para além disso, a depleção dos níveis intracelulares de
GSH torna os hepatócitos altamente susceptíveis ao stress oxidativo e à
apoptose.

Intoxicação por acetaminofeno

A intoxicação por acetaminofeno constitui uma emergência médica,


dado induzir risco de morte por insuficiência hepática. Caso seja
administrado nas primeiras quatro horas após ingestão de
acetaminofeno, o carvão vegetal diminui a absorção deste fármaco em
50-90%, possibilitando assim uma descontaminação gástrica. A
realização de lavagens gástricas não se encontra recomendada.

A N-acetilcisteína (NAC) encontra-se indicada para pacientes em risco


de lesão hepática, devendo ser precocemente administrada aquando de
suspeitas de intoxicação por acetaminofeno. No que concerne ao seu
mecanismo de acção, a NAC conjuga-se directamente com o NAPQI,
actuando assim como substituta da GSH. Assim, a NAC não só suprime
directamente a acção do NAPQI, como também permite a regeneração
dos níveis de GSH.

Mesmo na presença de carvão vegetal, a NAC sofre uma ampla


absorção, não se registando interacções entre esses dois fármacos. De
qualquer modo, a NAC pode induzir rash (incluindo urticária, a qual não
obriga à descontinuação deste fármaco), náusea, vómitos, diarreia e
reacções anafilactóides.

Derivados do ácido acético

Indometacina
Propriedades farmacológicas

Tal como os salicilados, a indometacina


desempenha importantes efeitos anti-
inflamatórios, analgésicos e anti-piréticos.
Embora iniba a COX de modo mais potente que
a aspirina, a indometacina é quase
exclusivamente usada a curto-prazo, devido à
sua baixa tolerância e elevado risco de efeitos
adversos.

Para além de inibir a COX (tal como os restantes AINEs), a


indometacina inibe a motilidade dos polimorfonucleares e exerce um
potente efeito vasoconstritor, o qual é independente da sua acção na
ciclo-oxigénase.
Farmacocinética

Quando administrada por via oral, a indometacina apresenta uma


elevada biodisponibilidade. Este fármaco circula amplamente ligado às
proteínas plasmáticas e tecidulares, atingindo baixas concentrações no
fluido cefalo-raquidiano. Por oposição, as suas concentrações sinoviais
são similares às plasmáticas.

Uma fracção significativa de indometacina (10-20%) é excretada por via


renal e de forma intacta. Contudo, na sua maioria, este fármaco é
biotransformado em metabolitos inactivos, os quais se formam por
processos de O-desmetilação, glicurono-conjugação ou N-
desacetilação. Estes metabolitos são eliminados por via renal, biliar e
fecal, sendo que alguns conjugados são alvo de reabsorção entero-
hepática – ora, isto poderá explicar porque é que a indometacina
apresenta um período de semi-vida variável.

Interacções farmacológicas

Embora não modifique directamente o efeito da varfarina, a


indometacina não deve ser co-administrada com este fármaco, sob
pena de se registar um elevado risco de hemorragia gástrica. Para além
disso, a indometacina antagoniza os efeitos natriuréticos e anti-
hipertensores da furosemida e tiazídicos, atenuando ainda os efeitos
anti-hipertensores dos β-bloqueadores, IECAs e ARBs.

Usos terapêuticos

A indometacina é eficaz no alívio da dor e edema articular, aumentando


a força de preensão e diminuindo a duração da rigidez matinal
subjacente. De facto, nestas situações, a indometacina revela-se cerca
de vinte vezes mais potente que a aspirina.

Caso seja bem tolerada, a indometacina pode se revelar mais eficaz


que a aspirina na terapia da espondilite anquilosante e da osteoartrite.
Para além disso, este fármaco revela-se deveras eficaz na terapia da
dor gotosa aguda, não obstante carecer de efeitos uricosúricos.

A indometacina pode ser usada para promover o fecho do ducto


arterioso patente, sobretudo em recém-nascidos com ducto arterioso
patente hemodinamicamente significativo e em que outras manobras de
suporte tenham sido tentadas. Curiosamente, em recém-nascidos
prematuros, o uso de indometacina pode também diminuir a incidência
e gravidade da hemorragia intra-ventricular.

Note-se, contudo, que a nefrotoxicidade constitui a principal limitação


inerente ao uso de indometacina em recém-nascidos. Assim, este
fármaco não deve ser administrado a pacientes com insuficiência renal,
enterocolite, trombocitopenia ou hiperbilirrubinemia.

Efeitos adversos

O uso de indometacina está frequentemente associado à génese de


efeitos adversos, de tal modo que uma percentagem significativa de
pacientes acaba por proceder à descontinuação deste fármaco. Note-se
que, na sua maioria, a ocorrência destes efeitos adversos constitui um
fenómeno dose-dependente.

Os efeitos gastro-intestinais são particularmente frequentes e, por


vezes, deveras graves. De facto, a indometacina pode induzir diarreia, a
qual pode estar associada a lesões intestinais ulcerativas (isto explica
porque é que a presença de úlceras pépticas constitui uma contra-
indicação ao uso deste fármaco). Para além disso, já foram registados
casos isolados de hepatite e pancreatite.

As cefaleias frontais constituem os efeitos adversos mais


frequentemente associados ao uso de indometacina. Contudo, este
fármaco pode também causar vários outros efeitos centrais, incluindo
tonturas, vertigens, confusão mental e, mais raramente, convulsões,
depressão grave, psicose, alucinações e suicídio. Assim, a
indometacina deve ser cautelosamente administrada a idosos e
pacientes com epilepsia, doenças psiquiátricas ou doença de
Parkinson.

Por fim, a indometacina pode exercer efeitos hematológicos, incluindo


neutropenia, trombocitopenia e, mais raramente, anemia aplástica
(existe, pois, um risco de pancitopenia). Tal como se verifica com outros
tAINEs, a indometacina diminui temporariamente a função plaquetária.

Sulindac
sulindac constitui um pró-fármaco cuja actividade
anti-inflamatória é mediada pelo seu metabolito
sulfito. Assim, enquanto o sulindac não-
metabolizado apresenta metade da potência da
indometacina, o seu principal metabolito activo
revela-se cerca de 500 vezes mais potente. Este
fármaco exerce efeitos analgésicos e anti-
inflamatórios (os quais são similares aos da
aspirina), o que possibilita o seu uso na terapia da
artrite reumatóide, osteoartrite, espondilite
anquilosante e gota aguda.

Farmacocinética

Quando administrado por via oral, o sulindac é amplamente absorvido,


sendo que as concentrações plasmáticas máximas do seu metabolito
sulfito activo observam-se cerca de oito horas após administração
deste fármaco. Note-se que, embora reduza o desconforto gástrico
subjacente, a co-administração de sulindac com os alimentos atrasa a
absorção deste fármaco e resulta numa diminuição dos seus níveis
plasmáticos.

sulindac apresenta um período de semi-vida de 7 horas, enquanto a


semi-vida do seu sulfito activo ronda as 18 horas. Note-se que o
sulindac e os seus metabolitos sofrem uma ampla circulação entero-
hepática – este processo permite que alguns metabolitos inactivos (tal
como a sulfona de sulindac) possam ser reconvertidos em metabolitos
activos.

O sulindac e seus metabolitos circulam amplamente ligados às


proteínas plasmáticas, sendo excretados por via fecal e renal. Apenas
uma pequena fracção do sulfito de sulindac (ou dos seus conjugados) é
excretada por via renal, de tal modo que a sulfona e os seus
conjugados constituem os principais metabolitos excretados na urina.

Efeitos adversos
O uso de sulindac está frequentemente associado à génese de efeitos
adversos de cariz gastro-intestinal, hepático e central, bem como de
rash e prurido. Apesar disso, quando comparado com a indometacina, o
sulindac apresenta um menor risco de efeitos adversos. De qualquer
modo, tal como se verifica com os restantes AINEs, este fármaco deve
ser cautelosamente administrado a pacientes com patologia gástrica ou
renal.

Etodolac
O etodolac é um derivado do ácido acético que apresenta alguma
selectividade para a COX-2. Assim, quando administrado em doses
anti-inflamatórias, o etodolac induz menor risco de irritação gástrica que
os restantes tAINEs.

Em termos clínicos, o etodolac pode ser usado como analgésico pós-


operatório, sendo ainda eficaz na terapia da osteoartrite e artrite
reumatóide (até porque este fármaco parece ser uricosúrico).

Farmacocinética

Quando administrado por via oral, o etodolac é amplamente e


rapidamente absorvido. Este fármaco apresenta uma elevada
capacidade de ligação às proteínas plasmáticas, sendo alvo de
metabolização hepática, excreção renal e, ocasionalmente, circulação
entero-hepática.

O tempo de semi-vida plasmática do etodolac ronda as sete horas.


Contudo, já foram desenvolvidas preparações de libertação sustentada,
as quais permitem que este fármaco seja administrado apenas uma
única vez por dia.

Efeitos adversos

O etodolac parece ser relativamente bem tolerado, embora uma fracção


significativa de pacientes experiencie efeitos adversos que obrigam à
descontinuação deste fármaco. Estes efeitos incluem intolerância
gastro-intestinal, rash, e efeitos de cariz central.
Derivados heteroaril do ácido acético e derivados do
ácido fenilacético
A tolmetina e o cetorolac são derivados heteroaril do ácido acético
estruturalmente semelhantes, mas com diferentes propriedades
farmacológicas. Por seu turno, o diclofenac é um derivado do ácido
fenilacético usado especificamente como anti-inflamatório.

Tolmetina
A tolmetina exerce efeitos anti-inflamatórios, analgésicos e anti-
piréticos. As suas propriedades farmacológicas, eficácia terapêutica e
efeitos laterais são similares às dos restantes tAINEs.

Farmacocinética

A tolmetina é rapidamente e completamente absorvida, apresentando


uma elevada capacidade de ligação às proteínas plasmáticas e um
curto período de semi-vida. Este fármaco sofre uma ampla
biotransformação hepática (sobretudo por oxidação do seu grupo para-
metil), sendo excretado por via renal. A tolmetina sofre acumulação no
fluido sinovial, onde persiste por um período que pode ascender a oito
horas.

De referir que a tolmetina não deve ser co-administrada com os


alimentos, sob pena de se registar uma redução da sua
biodisponibilidade.

Usos terapêuticos

A tolmetina é usada na terapia da osteoartrite, artrite reumatóide, artrite


reumatóide juvenil e espondilite anquilosante. Este fármaco é muito
frequentemente usado nas crianças.

Efeitos adversos

O uso de tolmetina está frequentemente associado à génese de efeitos


adversos, os quais obrigam à descontinuação deste fármaco numa
fracção significativa de pacientes. Os efeitos gastro-intestinais são
deveras comuns, podendo cursar com ulceração péptica. Por seu turno,
os efeitos centrais são similares aos registados após uso de
indometacina e aspirina, embora sejam mais raros e menos graves.

Cetorolac

O cetorolac apresenta elevada potência


analgésica, mas moderada acção anti-
inflamatória. Tal como outros tAINEs, este
fármaco inibe a agregação plaquetária e
potencia a ocorrência de ulcerações gástricas.
Para além disso, quando administrado no olho,
o cetorolac exerce importantes efeitos anti-
inflamatórios. Note-se ainda que este

fármaco constitui um dos poucos AINEs passíveis de ser administrados


por via parentérica.

Farmacocinética

Embora os efeitos do cetorolac façam se sentir rapidamente, estes


apresentam uma curta duração. Este fármaco apresenta uma elevada
biodisponibilidade oral, ligando-se amplamente às proteínas
plasmáticas. A excreção do cetorolac processa-se por via renal
(sobretudo sob a forma de conjugados glicuronados), encontrando-se
diminuída em idosos e pacientes com insuficiência renal.

Usos terapêuticos

O cetorolac é usado no alívio da dor moderada/grave, constituindo uma


alternativa de curto-prazo (< 5 dias) ao uso de opióides. Contudo,
contrariamente ao que se verifica com os opióides, o cetorolac não
induz tolerância, síndrome de abstinência ou depressão respiratória.

O cetorolac pode ser administrado por via oral, intra-muscular, ou intra-


venosa, sendo frequentemente usado no período pós-operatório. Este
fármaco encontra-se contra-indicado para pacientes com
hipersensibilidade à aspirina, não devendo ainda ser usado
rotineiramente como analgésico obstétrico.
De referir que, quando aplicado por via tópica (oftálmica), o cetorolac
pode ser usado na terapia da conjuntivite alérgica sazonal e da
inflamação ocular pós-operatória decorrente da remoção de cataratas.

Efeitos adversos

Os principais efeitos adversos do cetorolac incluem sonolência,


tonturas, cefaleias, dor gastro-intestinal, dispepsia, náusea e dor no
local de injecção.

Diclofenac
O diclofenac é um tAINE com propriedades
analgésicas, anti-piréticas e anti-inflamatórias. Para
além de inibir a COX, este fármaco actua nos
leucócitos, promovendo uma redução dos seus níveis
intracelulares de ácido araquidónico.

O diclofenac demonstra alguma selectividade para a


COX-2, embora seja menos selectivo que o seu
análogo lumiracoxib. De qualquer modo, o uso crónico
de qualquer um destes dois fármacos parece estar
associado a um maior risco de efeitos adversos de
cariz cardiovascular.

Farmacocinética

O diclofenac sofre uma rápida absorção, apresentando uma elevada


capacidade de ligação às proteínas plasmáticas e um curto período de
semi-vida. Após administração oral, o diclofenac acumula-se no fluido
sinovial, o que explica porque é que a duração dos seus efeitos
terapêuticos é substancialmente superior ao seu período de semi-vida
plasmática.

O diclofenac sofre um importante efeito de primeira passagem, o qual


reduz a sua biodisponibilidade sistémica em 50%. De facto, ao nível
hepático, este fármaco é biotransformado por acção do CYP2C,
originando vários metabolitos hidroxilados, de entre os quais se destaca
o 4-hidroxidiclofenac. Após sofrerem ulterior glicuronidação e
sulfatação, esses metabolitos são excretados por via renal e biliar.

Usos terapêuticos

O diclofenac é usado na terapia sintomática a longo prazo da artrite


reumatóide, osteoartrite, e espondilite anquilosante, revelando-se mais
potente que a aspirina. Para além disso, este fármaco é usado na
terapia a curto-prazo da dismenorreia, dor músculo-esquelética aguda,
e dor pós-operatória.

Por outro lado, quando aplicado por via oftálmica, o diclofenac pode ser
usado na terapia da inflamação pós-operatória subsequente à extracção
de cataratas.

Efeitos adversos

Os efeitos adversos do diclofenac são deveras frequentes (sendo


sentidos por cerca de um quinto dos seus utilizadores), versando
sobretudo o sistema gastro-intestinal e o sistema nervoso central. Para
além disso, este fármaco pode induzir elevação das transaminases
hepáticas, rash, reacções alérgicas, retenção de fluidos, edema e
perturbações renais.

O diclofenac não deve ser administrado a crianças, grávidas, ou


mulheres a amamentar. Para além disso, devido à sua maior
selectividade para a COX-2, este fármaco deve ser evitado em
pacientes com elevado risco cardiovascular ou cerebro-vascular. Essa
maior selectividade explica também porque é que o diclofenac
(contrariamente ao ibuprofeno) não interfere com o efeito anti-
plaquetário da aspirina.

Derivados do ácido propiónico


Os derivados do ácido propiónico incluem o ibuprofeno, o
naproxeno, o cetoprofeno, o fenoprofeno, o flurbiprofeno e a
oxaprozina. Este último fármaco apresenta um longo período de semi-
vida, podendo ser administrado apenas uma vez por dia. Por seu turno,
embora relativamente longo, o período de semi-vida do naproxeno é
variável.

Os derivados do ácido propiónico são maioritariamente usados na


terapia sintomática da artrite reumatóide, osteoartrite, espondilite
anquilosante e artrite gotosa aguda. Para além disso, estes fármacos
são usados como analgésicos, nomeadamente, na terapia da tendinite
e bursite aguda. No caso particular do flurbiprofeno, este fármaco
pode também ser administrado por via oftálmica, sendo usado para
terapia da miosite intra-operatória. De referir que, por comparação com
a aspirina, os derivados do ácido propiónico apresentam uma eficácia
similar no alívio dos sintomas da artrite reumatóide e osteoartrite,
embora sejam melhor tolerados.

Propriedades farmacológicas
Os derivados do ácido propiónico apresentam propriedades
farmacodinâmicas similares, na medida em que todos estes fármacos
constituem inibidores não-selectivos da COX. Assim, os efeitos
(terapêuticos e adversos) destes fármacos assemelham-se aos dos
restantes tAINEs.

Alguns derivados do ácido propiónico demonstram ainda importantes


efeitos inibitórios da função leucocitária – estes efeitos são
particularmente observados com o uso de naproxeno, que, por
comparação com os restantes fármacos da sua classe, demonstra
maior eficácia analgésica e maior capacidade de alívio da rigidez
matinal. Note-se ainda que, contrariamente ao ibuprofeno, o naproxeno
reduz o risco de enfarte do miocárdio, embora não de forma tão ampla
como a aspirina.

Interacções farmacológicas
Tal como se verifica com outros AINEs, os derivados do ácido
propiónico podem interferir com a acção dos anti-hipertensores e
diuréticos. Para além disso, estes fármacos potenciam o risco
hemorrágico subjacente ao uso de varfarina, bem como o risco de
supressão medular inerente ao uso de metotrexato. Por seu turno, o
ibuprofeno interfere com os efeitos anti-plaquetários da aspirina.
Ibuprofeno
Farmacocinética

O ibuprofeno sofre uma rápida absorção e liga-se avidamente às


proteínas plasmáticas. Este fármaco é metabolizado a nível hepático,
originando metabolitos que são excretados por via renal. Embora o seu
período de semi-vida plasmática ronde as duas horas, os seus efeitos
anti-artríticos podem perdurar por um período de tempo superior.

Efeitos adversos

O uso de ibuprofeno está frequentemente associado à ocorrência de


efeitos adversos de cariz gastro-intestinal. Apesar disso, este fármaco
parece ser melhor tolerado que a aspirina e indometacina, podendo ser
usado em pacientes com história de intolerância gastro-intestinal a
outros AINEs.

Para além disso, o ibuprofeno pode induzir trombocitopenia, rash,


cefaleias, tonturas, visão desfocada e, mais raramente, ambliopia
tóxica, retenção de fluidos, e edema. Note-se que o desenvolvimento de
perturbações oculares obriga à descontinuação do uso deste fármaco.

O ibuprofeno pode ser ocasionalmente usado na gravidez, não obstante


o risco de efeitos adversos no terceiro trimestre. Este fármaco está
presente nas secreções mamárias em quantidades mínimas, de tal
modo que pode ser usado (embora cautelosamente) por mulheres a
amamentar.

Naproxeno
Quando administrado por via oral, o naproxeno sofre absorção
completa, a qual é acelerada pela co-administração de bicarbonato de
sódio, mas atrasada pela presença de alimentos, óxido de magnésio ou
hidróxido de alumínio. Por seu turno, a absorção rectal deste fármaco é
deveras lenta.
O tempo de semi-vida do naproxeno ronda as 14 horas, sendo esse
valor superior nos pacientes idosos, devido à diminuição da função
renal característica da idade avançada. Este fármaco circula
amplamente ligado às proteínas plasmáticas, revelando-se capaz de
atravessar a placenta e de se distribuir para as secreções mamárias. Ao
nível hepático, o naproxeno é alvo de processos de 6-desmetilação e,
sobretudo, glicurono-conjugação, gerando metabolitos que são
maioritariamente excretados por via renal.

Em termos terapêuticos, o naproxeno revela-se capaz de reduzir a


função leucocitária, motivo pelo qual diminui o risco de eventos
coronários. Note-se, contudo, que a sua acção anti-inflamatória máxima
apenas é atingida ao fim de 2-4 semanas.

Efeitos adversos

Por comparação com a indometacina, o naproxeno induz efeitos gastro-


intestinais de menor gravidade. Por outro lado, este fármaco induz
vários efeitos de cariz central, incluindo cefaleias, letargia, tonturas,
fadiga, depressão, e ototoxicidade. Foram ainda descritos casos de
prurido, icterícia, perturbações da função renal, angioedema,
trombocitopenia e agranulocitose.

Cetoprofeno
Para além dos usos clínicos “tradicionais”, o cetoprofeno pode ser
usado na terapia da mastocitose sistémica. De facto, no que concerne
ao seu mecanismo de acção, para além de inibir a COX, o cetoprofeno
parece estabilizar as membranas lisossomais, antagonizando os efeitos
da bradicinina (desconhece-se, contudo, a relevância clínica destes
efeitos). Os seus principais efeitos adversos são de cariz gastro-
intestinal, sendo atenuados pela administração deste fármaco com os
alimentos ou anti-ácidos. Em termos farmacocinéticos, a metabolização
deste fármaco passa pela sua conjugação com o ácido glicurónico, com
subsequente génese de um produto que é excretado na urina.

Fenamatos
Os fenamatos incluem os ácidos mefenâmico, meclofenâmico e
flufenâmico. Em termos estruturais, o ácido mefenâmico e o
meclofenamato de sódio são dois ácidos fenilantranílicos N-
substituídos.

Na prática clínica, estes fármacos são maioritariamente usados na


terapia a curto-prazo da artrite reumatóide, osteoartrite, dismenorreia e
dor associada a lesões dos tecidos moles. De qualquer modo, os
fenamatos não apresentam grande utilidade clínica, na medida em que,
para além de não apresentarem vantagens terapêuticas em relação aos
restantes tAINEs, estão frequentemente associados à ocorrência de
efeitos adversos de cariz gastro-intestinal e hematológico (anemia
hemolítica). Para além disso, estes fármacos não devem ser usados em
crianças e grávidas.

Mecanismos de acção
O ácido mefenâmico exerce acções centrais e periféricas, enquanto o
ácido meclofenâmico parece antagonizar directamente alguns efeitos
das prostaglandinas. Todavia, desconhece-se se este fármaco bloqueia
os receptores das prostaglandinas, quando administrado em doses
terapêuticas.

Farmacocinética
Os fenamatos são rapidamente absorvidos, exercendo acções de curta
duração. Cerca de metade da dose administrada de ácido mefenâmico
é excretada por via renal, sobretudo sob a forma dos metabolitos 3-
hidroximetil e 3-carboxil e dos respectivos conjugados. Uma fracção
significativa deste fármaco é excretada por via fecal, sobretudo sob a
forma de um metabolito 3-carboxil não-conjugado.

No caso concreto do etofenamato, este fármaco é aplicado por via


tópica, sendo usado na terapia do reumatismo, mialigias,
tendossinovite, artrite e câibras. Este fármaco demonstra tanta eficácia
como os AINEs administrados por via oral, mas maior segurança – de
facto, os seus principais efeitos adversos incluem dermatite de contacto
e outras reacções alérgicas locais.

Efeitos adversos
O uso de fenamatos está frequentemente associado à génese de
efeitos adversos de cariz gastro-intestinal. De entre esses efeitos,
destaque para a diarreia, que pode ser acompanhada por esteatorreia

inflamação intestinal. Assim, estes fármacos encontram-se contra-


indicados para pacientes com história de doença gastro-intestinal,
devendo ser descontinuados caso ocorra diarreia.

Os fenamatos podem ainda induzir anemia hemolítica auto-imune, que


constitui um efeito lateral raro, mas grave. Assim, caso ocorra rash,
deve se proceder à descontinuação destes fármacos.

Ácidos enólicos (oxicamos)


Os derivados do oxicamo consistem em ácidos enólicos capazes de
inibir a COX-1 e a COX-2 de modo não-selectivo. O meloxicam
constitui, contudo, uma notável excepção, dado apresentar alguma
selectividade para a COX-2.

Os derivados do oxicamo exercem acções anti-inflamatórias,


analgésicas e anti-piréticas, sendo usados na terapia a longo-prazo da
artrite reumatóide e osteoartrite. Comparativamente à aspirina,
indometacina ou naproxeno; os derivados do oxicamo apresentam uma
eficácia similar, mas um maior período de semi-vida, o que se revela
vantajoso na medida em que possibilita a administração de uma única
dose diária.

Piroxicam
Para além de inibir a COX, o piroxicam revela-se capaz de suprimir a
activação neutrofílica, de tal modo que este fármaco demonstra
propriedades anti-inflamatórias significativas.

Farmacocinética

Quando administrado por via oral, o piroxicam sofre absorção completa,


a qual é atrasada pela presença de alimentos. Este fármaco circula
amplamente ligado às proteínas plasmáticas, atingindo concentrações
sinoviais similares às plasmáticas. Embora variável, o seu período de
semi-vida ronda as 50 horas.

Ao nível hepático, o piroxicam é alvo de uma intensa biotransformação,


sendo convertido num metabolito hidroxilado inactivo (pelas CYP) e no
seu conjugado glicuronado. Não admira, portanto, que apenas uma
pequena fracção deste fármaco seja excretada na urina de forma
intacta. De referir que o piroxicam revela-se capaz de reduzir a
excreção renal de lítio de modo significativo.

Usos terapêuticos

O piroxicam é usado na terapia da artrite reumatóide e osteoartrite. Este


fármaco apresenta um elevado “período de latência”, de tal modo que
não é adequado para situações em que seja necessário um efeito
analgésico agudo. Apesar disso, este fármaco é utilizado na terapia da
gota aguda.

Meloxicam
O meloxicam é usado na terapia da osteoartrite e artrite reumatóide.
Este fármaco demonstra alguma selectividade para a COX-2, de tal
modo que, quando administrado em doses reduzidas, induz menor risco
de lesão gástrica que o piroxicam. Em pacientes com maior risco de
enfarte do miocárdio ou AVC, o meloxicam não constitui uma alternativa
adequada aos inibidores da COX-2.

Tenoxicam
O tenoxicam é usado na terapia da osteoartrite e controlo da dor
aguda. Este fármaco é rapidamente e completamente absorvido por via
oral, sendo metabolizado no fígado em vários metabolitos
farmacologicamente inactivos.

Nabumetona
A nabumetona é um agente anti-inflamatório
usado na terapia da artrite reumatóide,
osteoartrite e lesões dos tecidos moles. Este
fármaco revela-se relativamente seguro,
induzindo um baixo rol de efeitos adversos.

Farmacocinética

A nabumetona (que, contrariamente aos restantes AINEs, não


apresenta propriedades ácidas) é rapidamente absorvida, sendo
convertida no fígado em vários metabolitos activos, de entre os quais se
destaca o ácido 6-metoxi-2-naftilacético. Este metabolito, que
constitui um potente inibidor não-selectivo da COX, é ulteriormente
inactivado ao nível hepático (por processos de O-desmetilação e
conjugação), apresentando um período de semi-vida próximo das 24
horas.

Efeitos adversos

A nabumetona pode causar dores abdominais (do tipo cólica) e diarreia,


embora induza menor risco de ulcerações gastro-intestinais que os
outros tAINEs. Para além disso, este fármaco pode induzir rash,
cefaleias, tonturas, tinito e prurido.

Derivados da priazolona
Actualmente, os derivados da priazolona são pouco utilizados na
prática clínica, devido ao possível risco subjacente de agranulocitose
irreversível. No caso concreto da dipirona (metamizole), a relação
entre o uso deste fármaco e o desenvolvimento de agranulocitose ainda
não foi validada por estudos epidemiológicos, de tal modo que, após um
longo período de interdição, este fármaco voltou a ser usado (de modo
limitado) na Europa.

Por oposição, o uso de fenilbutazona permanece interdito devido aos


riscos hematológicos subjacentes. Apesar disso, este fármaco
demonstra um marcado efeito anti-inflamatório e uricosúrico. Já a
sulfinpirazona, embora constitua um derivado da priazolona com
propriedades uricosúricas, não manifesta actividade anti-inflamatória,
sendo apenas usada na terapia da gota.
Inibidores selectivos da COX-2
A COX-2 apresenta um elevado grau de homologia com a COX-1, o que
explica porque é que a maioria dos tAINEs inibe estas duas isoformas
enzimáticas de modo não-selectivo. De facto, a principal diferença
estrutural entre a COX-1 e a COX-2 versa um canal hidrofóbico de
acesso ao centro activo enzimático, o qual confere maior especificidade
de substratos à COX-2.

A expressão da COX-2 é induzida por citocinas e mitogénios, de tal


modo que se pensava que esta isoforma enzimática era a principal
responsável pela génese de prostaglandinas num contexto de
inflamação e cancro. Por oposição, a COX-1 (constitutiva) era
identificada como sendo a principal responsável pela génese das
prostaglandinas protectoras produzidas pelo epitélio gastro-intestinal.
Deste modo, procedeu-se ao desenvolvimento de inibidores selectivos
da COX-2, acreditando-se que estes fármacos demonstrariam uma
eficácia similar à dos tAINEs, mas melhor tolerabilidade.

Os fármacos que actuam por inibição selectiva da COX-2 designam-se


por coxibs. Embora tenham sido já desenvolvidos vários coxibs (tais
como o celecoxib, rofecoxib, valdecoxib e lumiracoxib), apenas o
celecoxib é usado na prática clínica, na medida em que os restantes
fármacos induzem um risco inaceitavelmente elevado de eventos
cardiovasculares.

Tal como os inibidores não-selectivos da COX, o celecoxib induz


hipertensão e edema, sendo que estes efeitos adversos resultam da
inibição renal da síntese de prostaglandinas. De facto o risco de
hipertensão induzida pelos AINEs é condicionado pelo grau de inibição
da COX-2, bem como pela selectividade com que esta enzima é inibida.
Assim, os coxibs exercem um efeito pró-aterogénico e acarretam um
elevado risco de trombose e hipertensão, de tal modo que estes
fármacos devem ser evitados em pacientes com elevado risco de
doença cardiovascular ou cerebro-vascular.
De referir que, nenhum dos coxibs demonstra maior eficácia clínica que
os tAINEs, desconhecendo-se ainda se estes fármacos podem ser
usados em pacientes com hipersensibilidade à aspirina.

Celecoxib

Em termos clínicos, o celecoxib é usado na


terapia da osteoartrite e artrite reumatóide.
Devido ao risco inerente de eventos
cardiovasculares, este fármaco não constitui
um AINE de primeira escolha, devendo
apenas ser administrado em doses
reduzidas e durante um curto período de
tempo.

Farmacocinética

Desconhece-se a biodisponibilidade oral do celecoxib, embora se saiba


que este fármaco apresenta uma elevada capacidade de ligação às
proteínas plasmáticas. O período de semi-vida deste fármaco ronda as
onze horas, o que possibilita a administração de uma única dose diária.

Apenas uma pequena fracção de celecoxib é excretada de modo intacto


– de facto, este fármaco é maioritariamente eliminado (nas fezes e
urina) sob a forma de metabolitos carboxilados e glicuronados. Assim,
em pacientes com insuficiência hepática, deve-se proceder a ajustes
posológicos das doses administradas deste fármaco, sob pena de se
registar um grande aumento dos seus níveis plasmáticos.

O celecoxib interage com o fluconazole e com o lítio, mas não com o


cetoconazole nem com o metotrexato. Embora seja maioritariamente
metabolizado pela CYP2C9, este fármaco constitui um inibidor da
CYP2D6. Assim, o celecoxib pode interagir com fármacos capazes de
inibir o CYP2C9 ou passíveis de serem metabolizados pelo CYP2D6.

Etoricoxib
O etoricoxib é um coxib com um grupo metilsulfonil que parece não
induzir hipersensibilidade às sulfonamidas. Em termos estruturais, este
fármaco é uma biperidina com um grupo monoaril de substituição,
sendo que a sua selectividade para a COX-2 fica apenas aquém da do
lumiracoxib.

No que concerne aos seus usos terapêuticos, o etoricoxib é usado na


terapia sintomática da osteoartrite, artrite reumatóide, artrite gotosa
aguda, dor musculo-esquelética, dor pós-operatória e dismenorreia
primária. Tal como os restantes coxibs, este fármaco aumenta o risco de
enfarte agudo do miocárdio e AVC.

Em termos farmacocinéticos, este fármaco sofre absorção incompleta,


apresentando um longo período de semi-vida e sendo alvo de intensa
metabolização. Os pacientes com insuficiência hepática deverão ser
alvo de ajustes posológicos, contrariamente aos pacientes com
insuficiência renal.

Parecoxib e valdecoxib
O parecoxib é o único coxib passível de ser administrado por via
injectável, sendo eficaz como analgésico peri-operatório quando os
pacientes são incapazes de ser submetidos a terapia oral.

Em termos farmacocinéticos, este fármaco é rapidamente absorvido e


convertido em valdecoxib, que constitui o seu metabolito activo. Por
seu turno, este último composto sofre ampla metabolização por acção
das CYP3A4 e CYP2C9, constituindo um fraco inibidor da CYP2C9 e
CYP2C19. Tal como os restantes coxibs, o parecoxib e o valdecoxib
aumentam o risco de efeitos adversos de cariz cardiovascular, estando
ainda associados à génese de reacções de hipersensibilidade
potencialmente fatais (tais como síndrome de Stevens-Johnson e
necrólise epidermal tóxica).

Outros anti-inflamatórios não-esteróides

Apazona (azapropazona)
A apazona é um tAINE com propriedades anti-inflamatórias,
analgésicas, anti-piréticas e uricosúricas. Para além de inibir a COX (de
modo não selectivo), este fármaco inibe a migração e desgranulação
neutrofílica, e atenua a produção de superóxido. A apazona é usada na
terapia da artrite reumatóide, osteoartrite, espondilite anquilosante, e
gota; embora seja apenas administrada quando o uso de outros tAINEs
não se revela eficaz.

A apazona é relativamente bem tolerada, embora possa induzir rash e


efeitos adversos de cariz gastro-intestinal (incluindo náusea, dispepsia,
e dor epigástrica) e central (cefaleias e vertigens). As precauções
registadas com outros inibidores não-selectivos da COX também se
aplicam ao uso de apazona.

Nimesulide
O nimesulide é uma sulfonanilida com propriedades anti-inflamatórias,
analgésicas e anti-piréticas. Para além de inibir selectivamente a COX-
2, este fármaco inibe a activação neutrofílica e a fosfolipase A2, diminui
a produção de citocinas, e parece activar os receptores dos
glicocorticóides.

O nimesulide demonstra selectividade para a COX-2, de tal modo que,


em pacientes com elevado risco de eventos cardiovasculares ou
cérebro-vasculares, este fármaco não constitui uma alternativa
adequada aos coxibs. De qualquer modo, o nimesulide exerce um baixo
rol de efeitos adversos de cariz gastro-intestinal. De referir que, em
termos farmacocinéticos, o nimesulide apresenta um curto período de
semi-vida.
Análogos das prostaglandinas e
antagonistas dos leucotrienos
Análogos da PGE1

O alprostadil é uma forma de PGE1 usada na terapia da disfunção


eréctil (sendo administrado por injecção intra-cavernosa) e para manter
patente o canal arterioso de alguns recém-nascidos com doença
cardíaca congénita (embora esteja associado a um risco significativo de
apneia, sobretudo em prematuros).

Por seu turno, o misoprostol é um análogo da PGE1 modificado (o seu


grupo éster metil no primeiro carbono aumenta a sua potência e
duração de acção) que é utilizado para diminuir os danos na mucosa
gástrica induzidos pelos AINEs. Os seus principais efeitos adversos
incluem diarreia, dor abdominal, cólicas e exacerbação da doença
inflamatória intestinal. Para além disso, este fármaco aumenta a
contractilidade uterina, encontrando-se contra-indicado na gravidez. Em
termos farmacocinéticos, este fármaco é rapidamente absorvido por via
oral, sendo amplamente convertido em ácido misoprostólico (o seu
metabolito activo), o qual é excretado por via renal. Este fármaco deve
ser administrado quatro vezes por dia.

Análogos da PGF2α

O carboprost é um análogo da PGF2α usado para induzir aborto no


segundo trimestre e para controlar a hemorragia pós-parto refractária a
métodos convencionais.

Por seu turno, o latanoprost é um derivado da PGF2α de longa duração


usado na terapia do glaucoma sob a forma de gotas oftálmicas. Vários
análogos similares a este fármaco foram já desenvolvidos com o
mesmo fim, incluindo o bimatoprost e o travoprost.

Análogos da PGI2
O epoprostenol é uma forma de PGI2 usada na terapia da hipertensão
pulmonar primária, sendo administrado sob a forma de infusão intra-
venosa contínua. Para além disso, este fármaco é usado na terapia da
hipertensão porto-pulmonar (uma condição secundária a doença
hepática). Em ambos os casos, este fármaco facilita ou atrasa a
necessidade de transplante pulmonar. Análogos similares incluem o
iloprost e trprostinil.

Antagonisas dos leucotrienos


O montelucast e o
zafirlucast são
antagonistas do
receptor cis-LT1
(receptor dos
leucotrienos de
cisteinil) usados na
terapia da asma
ligeira/moderada.
Estes fármacos
inibem o efeito
broncoconstritor
mediado pelos
leucotrienos,
exercendo efeitos
broncodilatadores
benéficos nos
pacientes asmáticos.
Os seus principais
efeitos adversos
incluem disfunção
hepática (o que
obriga à
monitorização dos
níveis de enzimas
hepáticas) e
síndrome de Chrug-Strauss (um tipo de vasculite que exacerba a
condição asmática).

Por seu turno, o zileuton é um inibidor da 5-lipo-oxigénase (5-LOX)


usado na terapia da asma ligeira/moderada. Embora apresente efeitos
terapêuticos similares aos do montelucast e zafirlucast, o zileuton
poder-se-á revelar benéfico na redução da inflamação subjacente à
DPOC, pois inibe a síntese de leucotrieno B4, um marcador cujos
níveis estão aumentados nessa patologia. De entre os principais efeitos
adversos do zileuton, destaque para a disfunção hepática.
Farmacoterapia da gota
A gota resulta da precipitação de cristais de urato nos tecidos, os quais
despoletam uma subsequente resposta inflamatória. A gota aguda
normalmente causa uma monoartrite distal dolorosa, embora também
possa causar destruição articular, formação de depósitos subcutâneos
(tofos) e precipitação de cálculos renais.

A fisiopatologia da gota ainda não se encontra completamente


compreendida. De facto, a hiperuricémia não cursa sempre com gota,
embora todos os indivíduos com gota apresentem hiperuricémia. De
qualquer modo, a hiperuricémia resulta da acumulação de ácido úrico, o
qual constitui o produto terminal do metabolismo das purinas. Este
composto é relativamente insolúvel (nomeadamente quando comparado
com a xantina e hipoxantina, que constituem os seus percursores),
sendo que na maior parte dos pacientes com gota, a hiperuricémia tem
por base a sob-excreção e não a sobreprodução de ácido úrico.

O urato tende a precipitar


sob a forma de cristais de
monossódio, os quais
activam os Toll-like
receptors de monócitos e
macrófagos, montando
uma resposta imune inata
que cursa com a libertação
de IL-1β e TNF-α, bem
como com a activação
endotelial e atracção de
neutrófilos para o local de
inflamação. Por seu turno,
os neutrófilos secretam
mediadores inflamatórios,
os quais diminuem o pH
local, exacerbando a
precipitação de urato.
Assim, a farmacoterapia da gota procura não só diminuir os sintomas
associados a um ataque agudo, mas também diminuir o risco de
ataques recorrentes e reduzir os níveis séricos de urato. Para isso, são
utilizados fármacos que actuam através de quatro mecanismos
distintos, nomeadamente:

Fármacos que aliviam a inflamação e a dor: AINEs, colquicina e


glicocorticóides

Fármacos que previnem as respostas inflamatórias aos cristais de


urato: AINEs e colquicina

Fármacos que actuam por inibição da formação de urato: Alopurinol


e febuxostat

Fármacos que promovem a excreção de urato: Probenecid e


benzbromarona

Os AINEs e os glicocorticóides já foram alvo de discussão em outros


textos, de tal modo que neste texto será apenas dado enfoque à
colquicina, alopurinol, febuxostat, probenecid e benzbromarona.

Colquicina

A colquicina constitui um fármaco de segunda


linha para a terapia da gota, apresentando uma
reduzida janela terapêutica e um elevado risco de
efeitos adversos. No passado, este fármaco foi
usado na terapia da cirrose biliar primária,
psoríase e doença de Behçet.

Mecanismo de acção
A colquicina exerce vários efeitos farmacológicos, embora se
desconheça de que modo é que estes se correlacionam com a sua
actividade anti-gotosa. De facto, este fármaco exerce acções anti-
mitóticas, pois interfere com a formação dos microtúbulos e do fuso
mitótico, parando a divisão celular em G1 - este efeito é superior nas
células com elevado turn-over, de entre as quais se destacam os
neutrófilos. Para além disso, a colquicina parece interferir com outras
funções neutrofílicas, tais como a mobilidade, adesão endotelial, e
capacidade de produção de superóxido e factores quimiotáticos.
Quando administrada em elevadas concentrações, a colquicina parece
ainda inibir o processamento e libertação neutrofílica de IL-1β.

A colquicina inibe a libertação mastocitária de histamina, a secreção


pancreática de insulina, e o movimento dos grânulos de melanina dos
melanóforos. Desconhece-se, contudo, se estes processos ocorrem
aquando da administração de doses terapêuticas deste fármaco.

A colquicina exerce ainda vários outros efeitos farmacológicos, tais


como diminuição da temperatura corporal, aumento da sensibilidade a
depressores centrais, depressão do centro respiratório, aumento da
resposta a agente simpatomiméticos, vasoconstrição, hipertensão e
alteração da função neuro-muscular. Ao nível gastro-intestinal, este
fármaco exerce um efeito ambivalente, pois o seu efeito depressor
directo é contrabalançado pela estimulação neurogénica subjacente.

Farmacocinética
Quando administrada por via oral, a colquicina é absorvida de modo
rápido, mas variável. Este fármaco apresenta um amplo volume de
distribuição, dado formar complexos colquicina-tubulina em vários
tecidos. A sua capacidade de ligação às proteínas plasmáticas ronda os
50%.

A colquicina parece ser biotransformada por desmetilação oxidativa


mediada pelo CYP3A4. De facto, a co-administração de outros
substratos do CYP3A4 (tais como a cimetidina) parece aumentar o
período de semi-vida da colquicina, o que pode acarretar efeitos
tóxicos. Assim, este fármaco encontra-se contra-indicado em pacientes
com insuficiência renal ou hepática que estejam a usar inibidores da
CYP3A4 ou da P-glicoproteína.

colquicina é alvo de circulação entero-hepática significativa. Apenas


10-20% da colquicina administrada é excretada na urina, sendo este
valor superior em pacientes com doença hepática. O fígado, o rim e o
baço acumulam elevadas concentrações deste fármaco, contrariamente
ao coração, músculo esquelético e encéfalo. O período de semi-vida da
colquicina ronda as nove horas, embora este fármaco seja detectado
nos leucócitos e na urina durante, pelo menos, nove dias após
administração de uma única dose intra-venosa.

Os pacientes com doença hepática e renal devem ser submetidos a


doses inferiores de colquicina. Para além disso, em pacientes idosos, a
administração deste fármaco deverá ocorrer de modo cauteloso. Em
pacientes com doença cardíaca, renal, hepática, ou gastro-intestinal, é
preferível recorrer ao uso de AINEs ou glicocorticóides.

Usos terapêuticos
Gota aguda

A colquicina alivia os ataques agudos de gota, sendo mais eficaz


quando administrada durante as primeiras 24 horas após início de um
ataque. Este fármaco suprime completamente a dor, edema e rubor
num período de 48-72 horas; embora assegure um alívio sintomático
num período de 12 horas.

Para além de poder ser usada na terapia dos ataques de gota, a


colquicina pode ser usada na prevenção da gota recorrente,
nomeadamente nas fases precoces da terapia anti-uricémica.

Febre mediterrânica familiar

A administração diária de colquicina revela-se eficaz na prevenção dos


ataques de febre mediterrânica familiar, bem como na prevenção da
amiloidose.

Efeitos adversos
O tracto gastro-intestinal encontra-se particularmente susceptível aos
efeitos tóxicos da colquicina, o que se deve não só à extensa exposição
aos metabolitos deste fármaco (que sofrem circulação entero-hepática),
mas também ao elevado turn-over da mucosa intestinal. Assim, os
principais efeitos adversos da colquicina incluem náusea, vómitos,
diarreia e dor abdominal – a ocorrência destes sintomas obriga a uma
descontinuação deste fármaco, dado que estes constituem os
indicadores mais precoces de um quadro de intoxicação. Note-se que a
intoxicação por colquicina revela-se deveras perigosa, dado cursar com
gastropatia hemorrágica.

No passado, a administração intra-venosa de colquicina foi usada na


terapia da artrite gotosa aguda – de facto, embora diminua os efeitos
laterais gastro-intestinais, a administração intra-venosa de colquicina
potencia o risco de toxicidade sistémica, encontrando-se por isso
interdita. A colquicina pode ainda induzir supressão medular,
leucopenia, granulocitopenia, trombocitopenia, anemia aplástica, e
rabdomiólise. A co-administração de colquicina com inibidores da P-
glicoproteína ou do CYP3A4 pode despoletar um efeito tóxico
potencialmente fatal.

Os efeitos adversos supracitados são, maioritariamente, de cariz agudo.


Todavia, o uso crónico de colquicina não se encontra desprovido de
efeitos adversos – de facto, o uso crónico este fármaco potencia a
ocorrência de azoospermia e miopatia proximal.

Alopurinol

A oxídase da xantina é responsável pela conversão da


hipoxantina em xantina, bem como pela conversão da
xantina em ácido úrico. Ora, o alopurinol inibe a oxídase da
xantina, bloqueando assim a síntese de urato. Este
fármaco constitui um análogo estrutural da hipoxantina,
enquanto o seu metabolito activo (oxipurinol) constitui um
análogo da xantina.

O alopurinol revela-se eficaz na terapia da gota, não obstante a maioria


dos pacientes não apresentar sobreprodução de urato (mas sim, sob-
excreção). Para além de ser usado na terapia da gota, o alopurinol é
usado na prevenção da hiperuricémia secundária à quimioterapia anti-
neoplásica (síndrome da lise tumoral aguda).

Mecanismo de acção
O alopurinol e o oxipurinol (aloxantina) actuam por inibição da oxídase
da xantina, reduzindo a síntese de urato. O alopurinol inibe a oxídase
da xantina de modo competitivo caso seja administrado em baixas
concentrações, mas de modo não-competitivo quando administrado em
elevadas doses. Para além disso, o próprio alopurinol também constitui
um substrato da oxídase da xantina, que o converte em oxipurinol.
Note-se que este metabolito actua por inibição não-competitiva desta
enzima, sendo que a sua longa persistência nos tecidos explica parte
da actividade farmacológica do alopurinol.

Na ausência de alopurinol, o ácido úrico constitui a principal purina


excretada por via renal. Contudo, este fármaco potencia um aumento da
fracção excretada de hipoxantina e xantina, de tal modo que o seu uso
cursa com uma diminuição dos níveis plasmáticos de ácido úrico e com
um aumento da excreção de purinas, sem que isso implique um
aumento da exposição do tracto urinário a uma quantidade excessiva
de urato.

Aquando do uso de alopurinol, verifica-se um aumento das


concentrações plasmáticas de hipoxantina e xantina. Apesar disso,
estas purinas continuam a ser eficientemente excretadas, não sofrendo
deposição tecidular. De qualquer modo, os pacientes com elevados
níveis basais de urato apresentam um pequeno risco de precipitação de
cálculos de xantina, o qual pode ser minimizado pela administração de
fluidos e pela alcalinização da urina com bicarbonato de sódio, citrato
de potássio, ou combinações de citrato (tais como a solução de
Shohl).

Ao diminuir os níveis plasmáticos de ácido úrico para valores inferiores


aos do limite da sua solubilidade, o alopurinol previne o
desenvolvimento ou progressão da artrite gotosa crónica, facilitando a
dissolução de tofos. Para além disso, o uso de alopurinol suprime
praticamente a formação de cálculos de urato, o que previne o
desenvolvimento de nefropatia. Todavia, em pacientes com lesões
renais prévias, o alopurinol revela-se incapaz de restabelecer a função
renal, embora possa atrasar a progressão das lesões em questão.

O risco de ataques agudos de artrite gotosa pode aumentar durante os


primeiros meses de terapia com alopurinol, como resultado da
mobilização dos depósitos tecidulares (“reservas”) de ácido úrico – ora,
estes ataques podem ser suprimidos com recurso à co-administração
de colquicina. De qualquer modo, após redução dos reservatórios
tecidulares de ácido úrico, verifica-se uma diminuição do risco de
ataques agudos de gota, o que possibilita uma descontinuação do uso
de colquicina.

Farmacocinética
Quando administrado por via oral, o alopurinol é rapidamente absorvido,
atingindo as suas concentrações plasmáticas máximas ao fim de 60-90
minutos. Na sua maioria, este fármaco sofre biotransformação, sendo
convertido em oxipurinol pela oxido-redútase dos aldeídos. Assim, o
alopurinol é maioritariamente excretado sob a forma de oxipurinol (o
qual é lentamente excretado por filtração glomerular e secreção
tubular), embora fracções menores sejam excretadas nas fezes e urina
de modo intacto.

O alopurinol apresenta um período de semi-vida de 1-2 horas,


enquanto a semi-vida do oxipurinol ronda as 18-30 horas - esses períodos
de tempo são superiores em pacientes com perturbações da função renal.
Assim, o alopurinol pode ser administrado apenas uma única vez por dia.

O alopurinol e o oxipurinol distribuem-se por todo o volume de água


tecidular, excepto ao nível do encéfalo, onde atingem concentrações
três vezes inferiores às dos restantes tecidos. Nenhum destes
compostos circula ligado às proteínas plasmáticas, sendo que as suas
concentrações plasmáticas não se correlacionam com os seus efeitos
terapêuticos ou tóxicos.

Interacções farmacológicas
O alopurinol aumenta o período de semi-vida do probenecid,
exacerbando os seus efeitos uricosúricos. Por seu turno, o probenecid
potencia a clearance do oxipurinol, obrigando à administração de doses
superiores de alopurinol.

A mercaptopurina e a azatioprina são biotransformadas pela oxídase


da xantina, motivo pelo qual a sua metabolização é inibida pelo
alopurinol. Assim, aquando da co-administração de alopurinol com
mercaptopurina ou azatioprina, deve-se proceder a uma diminuição das
doses administradas destes dois agentes, sob pena de se registar um
aumento do risco de supressão medular. Note-se que, isto reveste-se
de elevada importância na terapia de pacientes submetidos a
transplantes. De referir que o risco de supressão medular também é
potenciado pela co-administração de alopurinol com agentes citotóxicos
não metabolizados pela oxídase da xantina, tais como a ciclofosfamida.

O alopurinol também pode interferir com a inactivação hepática de


outros fármacos. A título de exemplo, o alopurinol inibe a
biotransformação da varfarina, de tal modo que, aquando da co-
administração destes dois fármacos, deve-se proceder a uma maior
monitorização da hemóstase. Por outro lado, a co-administração de
alopurinol e teofilina potencia a acumulação de 1-metilxantina (que
constitui o metabolito activo deste último fármaco) e, possivelmente, de
teofilina.

Em pacientes simultaneamente submetidos a terapia com alopurinol e


ampicilina, verifica-se um aumento da incidência de rash. O alopurinol
pode ainda despoletar reacções de hipersensibilidade, especialmente
em pacientes com perturbações da função renal e/ou submetidos a
terapia com diuréticos tiazídicos.

Usos terapêuticos
O alopurinol pode ser administrado por via oral e intra-venosa. Quando
administrado por via oral, este fármaco é usado na terapia da gota
primária e secundária, bem como no tratamento da hiperuricémia
secundária a neoplasias, e dos cálculos de oxalato de cálcio. Por seu
turno, a administração intra-venosa encontra-se indicada para a terapia
da hiperuricémia secundária a quimioterapia neoplásica,
nomeadamente em pacientes intolerantes ao uso oral deste fármaco.

O alopurinol é ainda utilizado na terapia da hiperuricémia pós-


transplante (complicada ou não), bem como na prevenção da síndrome
de lise tumoral aguda. Caso seja necessário, este fármaco pode ser co-
administrado com um agente uricosúrico (tal como o probenecid).
O alopurinol encontra-se contra-indicado para pacientes que já tenham
demonstrado hipersensibilidade (ou outros efeitos adversos graves) a
este fármaco. Para além disso, este fármaco não deve ser usado em
crianças, excepto se estas apresentarem neoplasias ou defeitos
congénitos do metabolismo das purinas (tais como síndrome de
Lesch-Nyhan).

Efeitos adversos
O alopurinol é normalmente bem tolerado, embora possa despoletar
reacções de hipersensibilidade, as quais obrigam à descontinuação do
uso deste fármaco. Estas reacções são deveras comuns, manifestando-
se apenas meses ou anos após início da terapia. Assim, ao nível
cutâneo, o alopurinol pode causar erupções pruríticas, eritematosas ou
máculo-papulares, mas que também podem assumir um padrão
urticarial ou purpúrico. Embora raramente, estas reacções podem
ocorrer num contexto de necrólise epidermal tóxica ou síndrome de
Stevens-Johnson, duas condições potencialmente fatais. Note-se que a
presença de rash constitui uma indicação para descontinuação do uso
de alopurinol, dado poder preceder o desenvolvimento de reacções
graves de hipersensibilidade.

O alopurinol pode ainda despoletar febre, letargia, supressão medular,


depressão e mialgias, sendo que esses efeitos são mais comuns em
pacientes com insuficiência renal. Para além disso, já foram descritos
casos de leucopenia/leucocitose transitória, eosinofilia, hepatomegalia,
aumento dos níveis plasmáticos de transaminases e insuficiência renal
progressiva.

Febuxostat

O febuxostat é um inibidor da oxídase da xantina


constituído por um anel fenil e por um anel tiazol. Este
fármaco é utilizado na terapia da hiperuricémia em
pacientes com ataques de gota, não devendo ser usado
na terapia da gota assintomática.
Mecanismo de acção
O febuxostat é um inibidor não-purínico da oxídase da xantina, inibindo
simultaneamente a forma oxidada e a forma reduzida desta enzima (por
oposição, o oxipurinol inibe apenas a forma reduzida desta enzima).

Farmacocinética
O febuxostat é rapidamente absorvido, desconhecendo-se contudo qual
a sua biodisponibilidade absoluta. A absorção oral de febuxostat é
atrasada pelo hidróxido de magnésio e pelo hidróxido de alumínio,
sendo ligeiramente reduzida pelos alimentos (embora esta última
interacção careça de significado clínico).

O febuxostat apresenta uma elevada capacidade de ligação às


proteínas plasmáticas e um volume de distribuição de 50L. Este
fármaco é amplamente metabolizado por oxidação e conjugação – a
oxidação é mediada pela CYP1A2, CYP2C8 e CYP2C9, enquanto a
conjugação é mediada pela UGT1A1, UGT1A3, UGT1A9 e UGT2B7. A
oxidação da cadeia lateral isobutil do febuxostat resulta na formação de
quatro metabolitos hidroxilados farmacologicamente activos, os quais
atingem concentrações plasmáticas significativamente inferiores às do
próprio febuxostat.

A semi-vida do febuxostat ronda as 5-8 horas, sendo que este fármaco


é simultaneamente eliminado por via renal e hepática. Contudo, a
presença de insuficiência renal e hepática não interfere
significativamente com a eliminação deste fármaco.

Efeitos adversos
Os principais efeitos adversos associados ao uso de febuxostat incluem
anomalias da função hepática, náusea, dor articular e rash. Após início
da terapia, pode se verificar um aumento transitório dos ataques agudos
de gota, o qual resulta da mobilização do urato acumulado nos
depósitos tecidulares.

Estes ataques agudos podem ser evitados com recurso à administração


profilática de colquicina ou de um AINE.
Nos pacientes submetidos a terapia com febuxostat, verifica-se um
aumento da taxa de enfarte agudo do miocárdio e AVC. Assim, embora
se desconheça se existe uma relação causal entre o uso de febuxostat
e a ocorrência de eventos cardiovasculares, os pacientes submetidos a
este fármaco deverão ser avaliados no que concerne à sua função
cardiovascular.

Interacções farmacológicas
O febuxostat não deve ser co-administrado com fármacos
metabolizados pela oxídase da xantina (tais como a teofilina,
mercaptopurina e azatioprina), uma vez que esta combinação parece
resultar num aumento potencialmente tóxico dos níveis destes últimos
fármacos.

Rasburicase
A rasburicase é uma oxídase do urato recombinante que catalisa a
oxidação enzimática do ácido úrico em alantoína, um metabolito solúvel
e inactivo. Por comparação com o alopurinol, este fármaco parece
diminuir os níveis de urato de modo mais eficaz, encontrando-se
indicado para a terapia inicial de crianças com hiperuricémia secundária
à quimioterapia de leucemias, linfomas, e neoplasias sólidas.

Após uso de rasburicase, pode ocorrer produção de anticorpos contra


este fármaco. Para além disso, a rasburicase aumenta o risco de
anafilaxia, insuficiência renal aguda, metemoglobinemia e hemólise,
sendo que este último efeito verifica-se maioritariamente em pacientes
com défice da desidrogénase da glicose-6-fosfato. Por fim, a
rasburicase pode induzir vómitos, febre, náusea, cefaleias, dor
abdominal, obstipação, diarreia e mucosite.

Agentes uricosúricos
Os agentes uricosúricos actuam num sentido de aumentar a taxa de
excreção de urato. Embora este composto seja alvo de secreção
tubular, a reabsorção (mediada pelo URAT-1) constitui o processo
predominante, de tal modo que a quantidade de urato excretada
constitui normalmente um décimo da quantidade filtrada. Note-se que,
para além do URAT-1, vários outros transportadores de ácidos
orgânicos podem participar no transporte de urato ao longo da
membrana basolateral das células epiteliais tubulares proximais.

O URAT-1 é um antiporter que medeia a reabsorção de urato por troca


com um anião orgânico (tal como o lactato ou nicotinato) ou inorgânico
(tal como o cloreto). Assim, dado constituir um anião orgânico, o
metabolito monocarboxilado da pirazinamida constitui um potente
estimulador da recaptação de urato. Por seu turno, os fármacos
uricosúricos (probenecid, sulfinpirazona e benzbromarona) e o losartan
competem com o urato pelo transportador URAT-1, inibindo assim a
reabsorção deste composto.

Dependendo da dose em que são administrados, alguns fármacos


podem potenciar ou reduzir a excreção de ácido úrico – de entre esses
fármacos, destaque para os salicilados, cuja administração em baixas
doses reduz a excreção de ácido úrico, e cuja administração em doses
elevadas acarreta o efeito oposto. Note-se que quando co-
administrados em simultâneo, dois fármacos uricosúricos podem anular
os efeitos um do outro, embora os motivos pelos quais isto acontece
permaneçam por esclarecer.

Vários fármacos e toxinas causam retenção de urato. Paralelamente,


vários compostos apresentam actividade uricosúrica “incidental”, ao
actuarem como aniões inter-convertíveis - todavia, apenas o
probenecid, benzbromarona, sulfinpirazona e losartan são clinicamente
administrados com fins uricosúricos. Note-se que o losartan exerce um
modesto efeito uricosúrico, podendo ser utilizado em pacientes
intolerantes e hipersensíveis ao probenecid.

Probenecid
Mecanismo de acção

O probenecid é um
derivado lipossolúvel do
ácido benzóico cujas
acções resultam
maioritariamente da sua
capacidade de inibição
do transporte
transepitelial de ácidos
orgânicos. De facto, ao
actuar em vários
transportadores de
aniões orgânicos (mas,
sobretudo, no URAT-

1), o probenecid inibe a reabsorção de ácido úrico, o qual constitui o


único composto endógeno cuja excreção é potenciada pelo probenecid.
Note-se, contudo, que a acção uricosúrica do probenecid é atenuada
pela co-administração de salicilados.

Paralelamente, o probenecid inibe a secreção tubular de vários


fármacos, incluindo o metotrexato e o metabolito activo do clofibrato.
Este fármaco inibe ainda a secreção tubular dos metabolitos
glicuronados inactivos de alguns AINEs (tais como o naproxeno,
cetoprofeno e indometacina).

Para além disso, o probenecid actua em transportadores extra-renais. A


título de exemplo, este fármaco actua em transportadores da barreira
hemato-encefálica, inibindo o transporte de vários fármacos (tais como
a benzilpenicilina) e metabolitos acídicos das monoaminas cerebrais
(incluindo o ácido 5-hidroxi-indole-acético) desde o fluido cefalo-
raquidiano até ao plasma. Por fim, o probenecid reduz a secreção biliar
de vários compostos, incluindo o verde de cianina, a bromosuloftaleína
(BSP) e a rifampina.

Farmacocinética

Após administração oral, o probenecid sofre


absorção completa. Este fármaco apresenta
uma elevada capacidade de ligação às
proteínas plasmáticas, sendo que o seu
período de semi-vida plasmática varia em
função da dose administrada. A sua
biotransformação resulta na génese de metabolitos glicuronados e
hidroxilados, os quais mantêm a sua actividade uricosúrica. Na sua
maioria, o probenecid é eliminado por secreção tubular activa (no túbulo
proximal), embora uma pequena fracção seja eliminada por filtração
glomerular.

Usos terapêuticos

Gota

Quando usado na terapia da gota, o probenecid deve ser administrado


por via oral. Este fármaco aumenta os níveis urinários de urato, de tal
modo que devem ser ingeridas grandes quantidades de fluidos de modo
a minimizar o risco de cálculos renais. Note-se que o probenecid não
deve ser usado em pacientes gotosos com nefrolitíase ou
sobreprodução de ácido úrico.

O uso isolado de probenecid pode despoletar ataques agudos de gota,


de tal modo que, no início da terapia com este fármaco, deve se
proceder à co-administração de colquicina ou AINEs.

Co-administração com a penicilina

Quando administrado em doses relativamente elevadas, o probenecid


pode ser usado com o objectivo de atrasar a excreção de penicilina,
prolongando as concentrações plasmáticas deste antibiótico. O uso de
probenecid neste contexto restringe-se, normalmente, à terapia da
neurossífilis e gonorreia, bem como ao tratamento de pacientes com
elevado risco de resistência à penicilina.

Efeitos adversos

O probenecid é bem tolerado, embora uma fracção razoável de


pacientes desenvolva irritação gastro-intestinal (este risco aumenta com
a administração de doses superiores deste fármaco). O probenecid
deve ser cautelosamente administrado a pacientes com úlcera péptica,
revelando-se ineficaz em pacientes com insuficiência renal.

O probenecid pode causar reacções de hipersensibilidade, as quais são


normalmente pouco intensas (as reacções graves são deveras raras).
De qualquer modo, a sobredosagem com este fármaco pode resultar
em estimulação central, convulsões e morte por falência respiratória.

Benzbromarona
A benzbromarona é um agente uricosúrico que acuta por inibição do
URAT-1. Este fármaco pode ser usado em pacientes com insuficiência
renal, bem como em pacientes alérgicos ou refractários a outros anti-
gotosos. Note-se que a hepatotoxicidade constitui o principal efeito
adverso associado ao uso de benzbromarona.

Quando administrado por via oral, este fármaco é rapidamente


absorvido. A benzbromarona é metabolizada em monobromina e
derivados dehalogenizados, (os quais mantêm actividade uricosúrica),
sendo maioritariamente excretada por via biliar.

A acção uricosúrica da benzbromarona é atenuada pela aspirina e


sulfinpirazona. Por oposição, a combinação benzbromarona+alopurinol
revela-se mais eficaz que administração isolada de cada um destes
fármacos, não obstante o facto de a benzbromarona diminuir os níveis
plasmáticos de oxipurinol.

Sulfinpirazona
A sulfinpirazona é um derivado da priazolona desprovido de acção
anti-inflamatória e cujas indicações terapêuticas e mecanismo de acção
são similares às do probenecid. No que concerne à sua
farmacocinética, este fármaco e o seu derivado hidroxilado activo são
rapidamente excretados por via renal, embora a duração dos seus
efeitos seja similar à do probenecid. Os efeitos adversos deste fármaco
incluem irritação gastro-intestinal, rash e anemia aplástica (supressão
da hematopoiese) – devido à elevada frequência de efeitos adversos,
este fármaco é pouco usado actualmente.

Sumário clínico
Terapia da gota aguda
As crises agudas de artrite gotosa atenuam espontaneamente num
período de dias ou semanas. Todavia, a adopção de uma terapia anti-
inflamatória (envolvendo AINEs, colquicina, ou glicocorticóides intra-
articulares ou sistémicos) resulta num alívio mais rápido dos sintomas
subjacentes. O anakinra, um antagonista da IL-1β, poderá também vir a
ser utilizada na terapia anti-gotosa aguda.

Vários AINEs revelam-se eficazes na terapia da gota aguda, sobretudo


se administrados num período de 24 horas após início dos sintomas. De
entre os AINEs capazes de aliviar os sintomas inflamatórios da gota,
destaque para a indometacina, naproxeno, sulindac, celecoxib e
etoricoxib. Por seu turno, a aspirina não é usada com estes fins, dado
poder inibir as acções dos agentes uricosúricos. Para além disso,
baixas doses de aspirina resultam na inibição da excreção de urato,
enquanto doses elevadas deste AINE potenciam a precipitação de
cálculos renais. A apazona também não deve ser usada na terapia da
gota aguda, pois os seus efeitos uricosúricos podem promover a
ocorrência de nefrolitíase.

Os glicocorticóides asseguram um alívio rápido (na ordem das horas)


dos sintomas gotosos. Contudo, os glicocorticóides intra-articulares
apenas se revelam úteis aquando do envolvimento de um reduzido
número de articulações.

Por fim, a colquicina alivia rapidamente a inflamação subjacente à gota,


actuando através de múltiplos mecanismos (incluindo inibição da função
neutrofílica). Embora atenue os sintomas gotosos num período de
poucos dias, este fármaco despoleta um vasto rol de efeitos adversos.
De facto, a colquicina apresenta uma reduzida janela terapêutica,
sobretudo nos pacientes mais idosos.

Prevenção dos ataques recorrentes


Os ataques recorrentes de gota podem ser prevenidos com recurso ao
uso de AINEs ou colquicina. Estes agentes são também usados no
início da terapia uricosúrica, de modo a evitar a ocorrência de artrite
gotosa aguda secundária à mobilização do urato tecidular.
Terapia anti-hiperuricémica
A hiperuricémia não constitui per se uma indicação para terapia, dado
que nem todos os pacientes hiperuricémicos desenvolvem gota. De
qualquer modo, o alopurinol, o feboxustat e os agentes uricosúricos
podem diminuir os níveis de urato persistentemente elevados, mesmo
num contexto de artrite gotosa recorrente, nefropatia ou acumulação de
tofos subcutâneos.

O probenecid e outros fármacos uricosúricos inibem a reabsorção


tubular de ácido úrico, potenciando a sua excreção. Por oposição, os
diuréticos tiazídicos e os agentes imunossupressores (especialmente a
ciclosporina) podem perturbar a excreção de urato, aumentando o risco
de ataques de gota.

A rasburicase diminui os níveis de urato por oxidação enzimática deste


composto em alantoína, um metabolito solúvel e inactivo. Este fármaco
pode ser usado em crianças, nomeadamente na terapia da
hiperuricémia secundária a neoplasias. Por oposição, nos adultos, o uso
de rasburicase encontra-se limitado pelo risco de desenvolvimento de
anticorpos contra este fármaco, os quais podem despoletar uma
reacção de hipersensibilidade.

Note-se que vários fármacos potenciam o desenvolvimento de uma


crise gotosa, de entre os quais se destacam os tiazídicos e os
imunossupressores.
Imunomoduladores
Imunossupressão
Os fármacos imunossupressores procuram reduzir a função imunitária,
sendo usados em pacientes com doenças auto-imunes e submetidos a
transplantes. Nestes últimos pacientes, os fármacos utilizados
pertencem maioritariamente a quatro categorias distintas:

Glicocorticóides

Inibidores da calcineurina

Agentes anti-proliferativos/anti-metabólicos

Anticorpos (fármacos biológicos)

Embora se revelem eficazes na terapia de doenças auto-imunes graves


ou da rejeição aguda de transplantes, estes fármacos devem ser
usados por longos períodos de tempo, suprimindo todo o sistema
imunitário de modo não-específico e aumentando o risco de infecções e
cancro. Para além disso, os inibidores da calcineurina e os
glicocorticóides são, respectivamente, nefrotóxicos e diabetogénicos, o
que limita o seu uso em vários contextos clínicos.

Por seu turno,


os anticorpos
monoclonais e
policlonais
dirigidos contra
as células T

reactivas constituem

importantes co-
adjuvantes
terapêuticos,
possibilitando
uma acção
específica nas
células

imunes reactivas. Por fim, têm sido desenvolvidos vários novos


anticorpos e pequenas moléculas, incluindo os inibidores da mTOR
(sirolimus e everolimus) e os anticorpos anti-CD25 (basiliximab e
daclizumab) – estes novos fármacos interferem com as vias dos
factores de proliferação, limitando substancialmente a expansão clonal
e promovendo o desenvolvimento de tolerância.

Terapia usada em pacientes submetidos a


transplantes
A terapia dos pacientes submetidos a transplantes procura cumprir cinco
princípios fundamentais:

O dador deverá ser compatível com o paciente no que concerne


ao seu MHC e sistema sanguíneo ABO.

Dever-se-á proceder à administração simultânea de vários


fármacos imunossupressores que actuem em alvos distintos.
Uma vez que estes fármacos exercem efeitos sinérgicos, pode-
se proceder à administração de doses reduzidas de cada um
destes agentes – ora, isto permite reduzir a toxicidade específica
de cada fármaco e, simultaneamente, maximizar o seu efeito
imunossupressor.

A manutenção de imunossupressão a longo prazo requer a


administração de menores doses farmacológicas, por
comparação com a aceitação precoce de um transplante ou com
a terapia da rejeição estabelecida.

É necessário investigar cautelosamente cada caso de disfunção de


transplantes.

Os fármacos devem ser descontinuados sempre que a sua


toxicidade exceda o seu benefício.
Terapia de indução biológica

A terapia de indução, que se baseia no uso de anticorpos monoclonais


e policlonais, constitui um importante componente da imunossupressão.
Contudo, não obstante terem sido já desenvolvidas várias preparações
anti-linfocíticas policlonais para uso nos transplantes renais, apenas
duas são actualmente utilizadas na prática clínica, nomeadamente a
globulina imune linfocítica e a globulina anti-timócito (ATG). Para
além disso, foram também já desenvolvidos vários anticorpos
monoclonais para uso em pacientes submetidos a transplantes – de
entre esses anticorpos, destaque para o muromonab (anti-CD3), para
os anticorpos anti-IL-2R (anti-CD25), e para o alemtuzumab (anti-
CD52). Embora seja primariamente usado na terapia da leucemia
linfocítica crónica (por causar depleção linfocítica prolongada), este
último anticorpo tem ganho popularidade em pacientes submetidos a
transplantes. Por seu turno, a ATG e o muromonab são pouco utilizados
na prática clínica, devido, respectivamente, à sua fraca eficácia e efeitos
laterais agudos.

A terapia de indução é frequentemente usada para atrasar o uso de


inibidores da calcineurina (os quais exercem acções nefrotóxicas) ou
para intensificar a terapia imunossupressora inicial em pacientes com
elevado risco de rejeição.

Por comparação com os anticorpos monoclonais desenvolvidos em


murganho, os anticorpos quiméricos ou humanizados revelam-se mais
vantajosos, na medida em que carecem de antigenicidade e
demonstram um período de semi-vida mais prolongado. Note-se que,
enquanto a origem dos anticorpos humanizados é quase 100%
humana (apenas as regiões CDR têm origem no rato), os anticorpos
quiméricos normalmente contêm cerca de 33% de proteínas de rato
(correspondentes às regiões variáveis) e cerca de 67% de proteínas
humanas (correspondentes às regiões constantes) – assim, estes
últimos anticorpos podem despoletar uma resposta humoral,
apresentando menor eficácia e tempo de semi-vida que os anticorpos
humanizados.

Os agentes biológicos usados na terapia de indução podem ser


classificados em dois grupos distintos:
Agentes depletantes (ATG e muromonab): Estes fármacos
induzem depleção dos linfócitos dos pacientes submetidos a
transplantes, suprimindo a apresentação de aloantigénios.

Moduladores imunes (anticorpos monoclonais anti-IL-2R):


Estes fármacos ligam-se à cadeia α

do receptor da IL-2, bloqueando a activação dos linfócitos T, mas


não os depletando (com a possível excepção das células Treg).

A nomenclatura dos anticorpos monoclonais utilizados na prática clínica


obedece a regras bem definidas, sendo deveras informativa:

As primeiras três letras constituem o nome do próprio anticorpo.

A sílaba seguinte (antepenúltima sílaba) diz respeito ao tipo de


doença em que são usados. A título de exemplo, para os
anticorpos usados na terapia de doenças inflamatórias
imunológicas, a antepenúltima sílaba é “-li”.

A penúltima sílaba permite esclarecer quanto à origem do anticorpo:

Anticorpos quiméricos: A sua


penúltima sílaba é “-xi”.
o Anticorpos humanizados: A sua
penúltima sílaba é “-zu”.
o Anticorpos humanos: A sua
penúltima sílaba é “-mu”.

A última sílaba (-mab) informa que se trata de um anticorpo


monoclonal.

Imunoterapia de manutenção

A imunoterapia de manutenção requer a administração simultânea de


vários fármacos com diferentes mecanismos de acção. Normalmente,
procede-se à co-administração de um inibidor da calcineurina, um
glicocorticóide e micofenolato. Todavia, em pacientes com diabetes
mellitus I submetidos a transplante pancreático, a adopção de regimes
livres de glicocorticóides revela-se vantajosa. Por outro lado, a evicção
de inibidores da calcineurina poder-se-á revelar benéfica em pacientes
submetidos a transplante renal.

Terapia para a rejeição estabelecida

Embora eficazes na prevenção da rejeição celular aguda, a prednisona,


os inibidores da calcineurina, os inibidores do metabolismo das purinas
e o sirolimus revelam-se pouco capazes de bloquear os linfócitos T
activos, de tal modo que não se revelam muito eficazes na terapia da
rejeição aguda estabelecida ou na prevenção total da rejeição crónica.
Assim, a terapia da rejeição estabelecida requer o uso de agentes que
actuem contra as células T activas, tais como os glicocorticóides (em
elevadas doses), os anticorpos anti-linfocíticos policlonais e o
muromonab.

Corticosteróides
Vários glicocorticóides, tais como a prednisona e a prednisolona,
são usados como agentes imunossupressores, podendo ser
administrados isoladamente ou em politerapia para tratamento da
rejeição de transplantes e doenças auto-imunes.

Mecanismo de acção

Os glicocorticóides promovem a lise e redistribuição de linfócitos,


induzindo um decréscimo rápido e transitório do número de linfócitos
periféricos em circulação. Para além disso, estes fármacos impedem a
activação do NF-κB, potenciando a apoptose das células activadas. Os
glicocorticóides diminuem ainda a expressão de IL-1 e IL-6, duas
citocinas pró-inflamatórias.

Os glicocorticóides actuam em várias células do sistema imune. Nas


células T, estes compostos inibem a produção de IL-2, diminuindo a
proliferação e activação. Por seu turno, nos neutrófilos e monócitos, os
glicocorticóides reduzem a quimiotaxia e a libertação de enzimas
lisossomais. Contudo, embora exerçam múltiplos efeitos anti-
inflamatórios em vários componentes da imunidade celular, os
glicocorticóides demonstram poucos efeitos na imunidade humoral.

Usos terapêuticos

Os glicocorticóides podem ser usados com vários fins. De facto, estes


fármacos são frequentemente co-administrados com outros agentes
imunossupressores para prevenir e tratar a rejeição de transplantes. De
facto, doses elevadas de succinato de sódio de metilprednisolona intra-
venosa são usadas para reverter a rejeição aguda de transplantes, bem
como na terapia das exacerbações agudas de algumas doenças auto-
imunes. Os glicocorticóides também se revelam eficazes na terapia da
doença enxerto contra hospedeiro em pacientes submetidos a transplante
de medula óssea.

Os glicocorticóides são frequentemente usados na terapia de várias


doenças auto-imunes, incluindo a artrite reumatóide, lúpus eritematosa
sistémica, dermatomiosite sistémica, psoríase (e várias outras doenças
cutâneas), asma (e várias outras doenças alérgicas), doença
inflamatória intestinal, doenças oftálmicas inflamatórias, doenças
hematológicas auto-imunes, e exacerbações agudas da esclerose
múltipla. Para além disso, os glicocorticóides limitam as reacções
alérgicas decorrentes do uso de outros agentes imunossupressores,
sendo usados na prevenção da “síndrome de secreção de citocinas” em
pacientes submetidos a transplante e medicados com muromonab-CD3
ou ATG (vide infra).

Toxicidade

O uso intensivo de glicocorticóides resulta ocasionalmente na génese


de efeitos adversos debilitantes e potencialmente fatais. Esses efeitos
incluem necrose avascular óssea, osteopenia, aumento do risco de
infecção, fraca capacidade de regeneração de lesões, cataratas,
hiperglicemia, hipertensão e atrasos no crescimento (em crianças).
Note-se, contudo, que estes efeitos adversos são menos comuns
aquando da co-administração de glicocorticóides e inibidores da
calcineurina.

Inibidores da calcineurina
Os inibidores da calcineurina (ciclosporina e tacrolimus) constituem
os fármacos imunossupressores mais eficazes usados na prática
clínica. Embora apresentem diferentes alvos moleculares, estes dois
fármacos inibem a transdução de sinal das células T pelo mesmo
mecanismo. De facto, a ciclosporina e o tacrolimus não constituem
agentes imunossupressores per se, na medida em que a sua actividade
supressora requer a sua ligação a uma imunofilina e subsequente
inibição do NFAT (um factor de transcrição essencial para proliferação e
diferenciação das células T).

Tacrolimus

O tacrolimus é um macrólido produzido pelo Streptomyces


tsukubaensis. Por comparação com a ciclosporina, este fármaco parece
apresentar maior eficácia e maior facilidade de monitorização dos níveis
plasmáticos, constituindo assim o inibidor da calcineurina
preferencialmente usado na prática clínica.

Mecanismo de acção

Tal como a ciclosporina, o tacrolimus suprime a activação das células T


por inibição da calcineurina. Em termos moleculares, o tacrolimus liga-
se à proteína-12 de ligação à FK506 (FKBP-12), uma imunofilina
intracelular estruturalmente semelhante à ciclofilina.
Subsequentemente, o complexo tacrolimus-FKBP-12 liga-se à
calcineurina, impedindo que esta desfosforile o NFAT. Assim, o NFAT
não é desfosforilado, o que impede a activação das células T. Deste
modo, embora actuem através de diferentes receptores intracelulares, a
ciclosporina e o tacrolimus interferem com a mesma via de
imunossupressão.

Farmacocinética

O tacrolimus pode ser administrado por via oral e injectável, sendo que
as suas propriedades farmacocinéticas são alvo de uma intensa
variabilidade inter-individual. Assim, deve-se proceder à administração
de doses individualizadas deste fármaco.
Quando administrado por via oral, o tacrolimus
é absorvido de forma incompleta e variável,
sendo que os alimentos atrasam e diminuem a
absorção deste fármaco. O período de semi-
vida do tacrolimus ronda as 12 horas, sendo
que este fármaco apresenta uma elevada
capacidade de ligação às proteínas
plasmáticas (75-99%), nomeadamente à
albumina e glicoproteína ácida α1. O tacrolimus
é amplamente metabolizado no fígado pela
CYP3A, gerando alguns metabolitos activos.
Este fármaco (bem como os seus metabolitos)
é maioritariamente excretado por via fecal,
sendo que apenas uma fracção desprezável é
excretada na urina de modo intacto.

Usos terapêuticos

Tal como a ciclosporina (vide infra), o tacrolimus é usado na profilaxia


da rejeição de alotransplantes de órgãos sólidos, bem como na terapia
de salvação em pacientes com episódios de rejeição (não obstante
terem sido submetidos a níveis “terapêuticos” de ciclosporina). Para
além disso, o tacrolimus é usado na terapia da colite ulcerosa e
psoríase.

Toxicidade

O tacrolimus exerce efeitos nefrotóxicos e neurotóxicos (tremor,


cefaleias, perturbações motoras e convulsões), aumentando ainda o
risco de perturbações gastro-intestinais, hipertensão, hipercalémia,
hiperglicemia e diabetes. O tacrolimus exerce um efeito negativo nas
células β dos ilhéus pancreáticos, podendo induzir intolerância à glicose
e diabetes mellitus. Tal como se verifica com outros agentes
imunossupressores, este fármaco aumenta o risco de neoplasias
secundárias e infecções oportunistas. Contudo, curiosamente, o
tacrolimus não interfere com os níveis de ácido úrico e LDL. Quando co-
administrado com o micofenolato, este fármaco pode induzir diarreia e
alopécia.

Interacções farmacológicas
O tacrolimus apresenta um elevado potencial nefrotóxico, de tal modo
que os seus níveis plasmáticos e a função renal devem ser
cautelosamente monitorizados, especialmente aquando da sua co-
administração com outros fármacos potencialmente nefrotóxicos. A
título de exemplo, a co-administração de tacrolimus com ciclosporina
gera um efeito nefrotóxico aditivo ou sinérgico, sendo necessário um
período mínimo de 24 horas para que um paciente previamente
submetido a terapia com ciclosporina inicie terapia com tacrolimus. O
tacrolimus é maioritariamente metabolizado pela CYP3A, partilhando
das interacções farmacológicas da ciclosporina.

Ciclosporina

Estrutura

A ciclosporina é um
polipeptídeo cíclico de 11
aminoácidos produzido por
um fungo. Este fármaco é
altamente lipofílico e
hidrofóbico, devendo ser
administrado dissolvido em
óleo.

Mecanismo de acção

Embora a ciclosporina
também interfira com a
imunidade humoral, o
principal mecanismo de
acção deste fármaco passa
pela supressão da
imunidade mediada pelas
células T, com inibição dos
mecanismos subjacentes à
rejeição de transplantes e
a algumas formas de auto-
imunidade. Este fármaco
inibe preferencialmente as
vias linfocíticas de
transdução de sinal
induzidas pelos antigénios,
atenuando a expressão de
várias citocinas (tais como
a IL-2) e proteínas anti-
apoptóticas.

Em termos moleculares, a ciclosporina forma um complexo com um


receptor citoplasmático designado por ciclofilina. Subsequentemente,
o complexo ciclosporina-ciclofilina liga-se à calcineurina, impedindo
que esta desfosforile o NFAT. De facto, a desfosforilação do NFAT é
essencial para que este factor de transcrição migre para o núcleo,
promovendo a transcrição de genes necessários para activação das
células T. Assim, ao inibir a desfosforilação do NFAT, o complexo
ciclosporina-ciclofilina impede a passagem deste factor para o núcleo e,
por conseguinte, a activação dos linfócitos T em resposta à estimulação
antigénica específica.

Para além disso, a ciclosporina também promove a expressão de TGF-


β, o qual constitui um potente inibidor da génese de linfócitos T
citotóxicos e da proliferação das células T estimulada pela IL-2.

Farmacocinética

A ciclosporina é deveras lipofílica, podendo ser administrada por via


intra-venosa ou por via oral. Este fármaco sofre absorção incompleta
(próxima de 50%), a qual varia consoante a fórmula administrada. De
facto, a ciclosporina pode ser administrada sob a forma de comprimido
(baixa biodisponibilidade) ou microemulsão (elevada biodisponibilidade),
sendo que estas duas fórmulas diferem nas suas propriedades
farmacocinéticas. Assim, as doses destas duas formulações não são
bioequivalentes, não podendo ser usadas de modo inter-convertível,
sob pena de se registar imunossupressão inadequada ou aumento da
toxicidade.
Após administração oral, a ciclosporina atinge as suas concentrações
plasmáticas máximas ao fim de 1,5-2 horas. Note-se, contudo, que a
absorção oral deste fármaco é prejudicada e atrasada pela presença de
alimentos, sendo necessário proceder à monitorização dos níveis
séricos de ciclosporina.

A ciclosporina é amplamente biotransformada por vários


compartimentos e tecidos, de entre os quais se destacam o fígado (via
CYP3A) e, em menor extensão, os rins e tracto gastro-intestinal. A
ciclosporina gera vários metabolitos, os quais apresentam reduzida
actividade biológica e tóxica –na sua maioria, esses metabolitos são
excretados por via biliar, embora uma fracção significativa seja
excretada por via renal, sendo necessário proceder a ajustes
posológicos em pacientes com insuficiência hepática, mas não com
insuficiência renal. De referir que a ciclosporina também é excretada no
leite materno, sendo que apenas uma fracção desprezável deste
fármaco é excretada na urina de modo intacto.

A eliminação plasmática da ciclosporina é normalmente bifásica, sendo


que o período de semi-vida terminal deste fármaco ronda as 5-18 horas.
A clearance deste fármaco é influenciada pela idade e doenças
concomitantes do paciente, sendo superior nas crianças, mas inferior
nos pacientes submetidos a transplantes cardíacos. Assim, a avaliação
das doses plasmáticas de ciclosporina (que permite, por exemplo, inferir
acerca da sua toxicidade) deverá ter em conta todas estas diferenças
inter-individuais.

Usos terapêuticos

A ciclosporina deve ser usada em pacientes submetidos a transplante


renal, hepático e cardíaco (entre outros órgãos); bem como na terapia
da artrite reumatóide e psoríase. Este fármaco é frequentemente co-
administrado com outros imunomoduladores, de entre os quais se
destacam os glicocorticóides, o sirolimus e a azatioprina ou
micofenolato.

As doses administradas de ciclosporina variam de acordo com o órgão


transplantado e com os fármacos co-administrados. Note-se, contudo,
que este fármaco não é administrado antes da realização de
transplantes, devido ao seu elevado risco de nefrotoxicidade. Para além
disso, as doses administradas deste fármaco devem ter em conta
algumas características do paciente, tais como a idade. Note-se,
contudo, que a administração oral de ciclosporina acarreta menos
efeitos adversos que a administração intra-venosa, de tal modo que
esta deve ser descontinuada mal o paciente possa ser submetido a
terapia oral.

A ciclosporina é ainda usada em vários casos de artrite reumatóide


refractários ao metotrexato. Para além disso, estes dois fármacos
podem ser co-administrados, embora os seus níveis devam ser
cautelosamente monitorizados.

A ciclosporina pode ser usada na terapia da psoríase, estando indicada


para a terapia de pacientes adultos imunocompetentes e com doença
grave e incapacitante refractária a outras terapias sistémicas. Para além
disso, devido ao seu mecanismo de acção, a ciclosporina pode se
revelar eficaz na terapia de várias outras doenças mediadas por células
T, incluindo síndrome ocular aguda de Behçet, uveíte endógena,
dermatite atópica, doença inflamatória intestinal (nomeadamente colite
ulcerosa), anemia aplástica e síndrome nefrótica.

Efeitos adversos

A ciclosporina aumenta o risco de insuficiência renal, hepatotoxicidade,


hipertensão, tremor, hirsutismo, hiperlipidemia e hiperplasia gengival. A
hipertensão é deveras comum nos pacientes submetidos a transplante
renal, observando-se em quase todos os pacientes submetidos a
transplante cardíaco. A nefrotoxicidade também ocorre na maioria dos
pacientes submetidos a transplante, constituindo a principal razão para
cessação da terapia com este fármaco. Note-se que a ciclosporina
também pode induzir hiperuricémia, a qual pode levar a um
agravamento de gota, bem como a um aumento da actividade da P-
glicoproteína e dos níveis de colesterol.

A co-administração de inibidores da calcineurina e glicocorticóides é


particularmente diabetogénica (sobretudo em pacientes obesos),
embora o tacrolimus induza maior risco de diabetes. Contudo,
comparativamente ao tacrolimus, a ciclosporina induz um maior
aumento dos níveis de colesterol LDL.
Interacções farmacológicas

Os níveis plasmáticos de ciclosporina podem ser influenciados por


qualquer fármaco que interfira com as enzimas microssomais
(especialmente o CYP3A). Os compostos que inibem esta enzima
potenciam a concentração plasmática de ciclosporina – de entre esses
fármacos, destaque para os bloqueadores dos canais de cálcio, anti-
fúngicos azoles, glicocorticóides (tais como a metilprednisolona), anti-
retrovíricos inibidores da protease, alopurinol, metoclopramida e
eritromicina. O sumo de toranja também potencia os níveis de
ciclosporina, pois inibe simultaneamente a CYP3A e a acção da P-
glicoproteína.

Por oposição, os fármacos que induzem a actividade da CYP3A


promovem uma diminuição dos níveis plasmáticos de ciclosporina. De
entre esses fármacos, destaque para a rifampina, ticlopidina e alguns
anti-convulsivos (tais como o fenobarbital e a fenitoína).

A ciclosporina pode ainda participar em interacções farmacológicas com


o sirolimus, de tal modo que estes dois fármacos não devem ser
administrados concomitantemente. De facto, o sirolimus exacerba a
disfunção renal induzida pela ciclosporina, enquanto este último
fármaco potencia a supressão medular e hiperlipidemia induzidas pelo
sirolimus. A co-administração de ciclosporina com AINEs (ou com
outros fármacos nefrotóxicos) também gera efeitos nefrotóxicos
aditivos. Por outro lado, a ciclosporina aumenta os níveis de
metotrexato, prednisolona, digoxina e estatinas.

Isatx247

O isatx247 constitui um análogo estrutural e semi-sintético da


ciclosporina passível de ser administrado por via oral. De facto, este
fármaco resulta da modificação estrutural da ciclosporina no primeiro
resíduo aminoacídico, parecendo induzir menor toxicidade e menor
intolerância à glicose.

Inibidores da JAK
As JAK são cínases que participam nas vias de sinalização das
citocinas, de tal modo que a sua inibição constitui o mecanismo de
acção de vários imunossupressores. Assim, ao inibir as JAK, vários
fármacos (como o CP-690550) bloqueiam a proliferação celular. Note-se
que o CP-690550 é um inibidor da JAK3, cuja eficácia parece ser similar
à de outros agentes imunossupressores. Em termos de segurança, este
fármaco não parece demonstrar nefrotoxicidade ou outros efeitos
adversos major (excepto anemia).

Inibidores da PKC
Várias isoformas da PKC participam nas vias de sinalização activadas
pelo receptor das células T e seus co-activadores. A título de exemplo,
o imunossupressor AEB071 bloqueia a activação das células T por
inibição da PKC.

Fármacos anti-proliferativos e anti-metabólicos


Sirolimus

Mecanismo de acção

O sirolimus (rapamicina) é uma lactona macrocíclica produzida pelo


Streptomyces hygroscopicus, que actua por inibição da activação e
proliferação dos linfócitos T. Em termos moleculares, a acção
terapêutica do sirolimus requer a sua ligação à imunofilina FKBP-12.
Contudo, contrariamente ao que se regista com a ciclosporina e
tacrolimus, o complexo sirolimus-FKBP-12 não afecta a actividade da
calcineurina. Na verdade, este complexo liga-se à cínase mTOR, que
constitui uma importante enzima na progressão do ciclo celular,
inibindo-a. Assim, ao inibir a mTOR, o sirolimus bloqueia a

progressão do ciclo celular na transição G1-S.

De acordo com estudos experimentais, o


sirolimus parece inibir a rejeição de
transplantes, a doença enxerto contra
hospedeiro, e um

vasto conjunto de doenças auto-imunes. Para além disso, o seu efeito


perdura por vários meses após descontinuação da terapia. Assim, em
termos clínicos, o sirolimus tem sido cada vez mais usado em
substituição dos inibidores da calcineurina, os quais acarretam efeitos
tóxicos significativos.

Farmacocinética

O sirolimus é rapidamente absorvido por via oral, apresentando uma


biodisponibilidade de 15%, a qual é reduzida pela ingestão de refeições
com elevado conteúdo lipídico. Após ser administrado por via oral, o
sirolimus é rapidamente absorvido, sendo os seus níveis plasmáticos
máximos atingidos num período de uma hora. Note-se, contudo, que
este valor é superior em pacientes sujeitos a terapia com várias doses
orais, bem como em pacientes submetidos a transplante renal.

Cerca de 40% do sirolimus circula ligado às proteínas plasmáticas, de


entre as quais se destaca a albumina. Este fármaco é amplamente
metabolizado pelo CYP3A4, originando sete metabolitos principais, os
quais são excretados por via fecal e (em menor extensão) renal. Note-
se que alguns desses metabolitos apresentam alguma actividade,
embora sejam menos activos que o sirolimus.

Usos terapêuticos

O sirolimus é usado na profilaxia da rejeição dos transplantes de


órgãos, sendo normalmente co-administrado com um inibidor da
calcineurina e com um glicocorticóide. Em pacientes com elevado risco
de nefrotoxicidade induzida pelos inibidores da calcineurina, o sirolimus
é frequentemente co-administrado com os glicocorticóides e
micofenolato. Para além disso, o sirolimus é incorporado nos stents,
inibindo a proliferação celular local e consequente oclusão vascular.

Toxicidade

Quando usado em pacientes submetidos a transplante renal, o sirolimus


pode potenciar um aumento dos níveis plasmáticos de colesterol e
triacilglicerídeos. Por outro lado, embora o sirolimus per se não
demonstre actividade nefrotóxica, o risco de perturbações renais é
superior nos pacientes submetidos ao uso de ciclosporina e sirolimus,
por comparação com os pacientes submetidos a uso de ciclosporina e
azatioprina.
O sirolimus pode ainda prolongar a delayed graft function (forma de
insuficiência renal aguda registada no período pós-transplante) em
transplantes renais de dadores mortos, provavelmente, devido à sua
função anti-proliferativa. Assim, quando este fármaco é administrado
neste contexto, deve-se proceder a uma cautelosa monitorização da
função renal.

O sirolimus aumenta o risco de linfocelo (uma complicação cirúrgica


associada ao transplante renal), podendo ainda induzir anemia,
leucopenia, trombocitopenia, úlceras orais, hipocalémia, proteinúria e
efeitos adversos gastro-intestinais. Tal como se verifica com outros
agentes imunossupressores, o sirolimus potencia o risco de neoplasias
(nomeadamente linfomas) e infecções, prolongando o tempo de
regeneração das lesões. Note-se que o sirolimus não deve ser
administrado num contexto de transplantes hepáticos e pulmonares,
devido, respectivamente, ao risco subjacente de trombose das artérias
hepáticas e desiciência anastomósica brônquica.

Interacções farmacológicas

O sirolimus constitui um substrato do CYP3A4 e da P-glicoproteína, de


tal modo que pode participar em várias interacções farmacológicas. De
facto, a ciclosporina e o sirolimus interagem entre si, de tal modo que
estes dois fármacos não devem ser administrados concomitantemente.
Para além disso, a co-administração de sirolimus com diltiazem ou
rifampina obriga à realização de ajustes posológicos.

Everolimus

everolimus [40-O-(2-hidroxietil)-rapamicina] é um fármaco


estruturalmente semelhante ao sirolimus, mas que apresenta diferentes
propriedades farmacocinéticas. De facto, embora o sirolimus e o
everolimus pareçam apresentar os mesmos efeitos adversos e
interacções farmacológicas (incluindo potenciação da nefrotoxicidade
da calcineurina), este último fármaco apresenta um menor tempo de
semi-vida e de latência.

Azatioprina
Mecanismo de acção

A azatioprina é um anti-metabolito da
família das purinas, constituindo um
derivado imidazolil da 6-mercaptopurina.
Assim, após exposição a nucleófilos
(tais como a glutationa), a azatioprina é
clivada em 6-mercaptopurina, a qual
sofre clivagens adicionais, gerando
metabolitos que inibem a síntese de
novo das purinas. De entre esses
metabolitos, destaque para o 6-tio-IMP,
que é convertido em 6-tio-GMP e,
seguidamente, em 6-tio-GTP. Por seu
turno, este último nucleotídeo é
incorporado no DNA, impedindo a
síntese ulterior de DNA e, por
conseguinte, a proliferação e migração
celular. Para além de interferir com a
síntese de DNA, a azatioprina interfere
com a síntese de RNA e, por
conseguinte, com o processamento
antigénico. Por fim, a azatioprina
potencia a ocorrência de apoptose, por
activação da RAC-1.

Note-se que a azatioprina parece demonstrar maior potência


imunossupressora que a 6-mercaptopurina, o que pode reflectir
diferenças farmacocinéticas entre estes dois fármacos.

Farmacocinética

A azatioprina é bem absorvida por via oral, atingindo os seus níveis


plasmáticos máximos ao fim de 1-2 horas. O período de semi-vida deste
fármaco ronda os 10 minutos, enquanto a 6-mercaptopurina apresenta
um período de semi-vida de uma hora. A semi-vida dos restantes
metabolitos pode ascender até às cinco horas.
A azatioprina e a mercaptopurina apresentam uma elevada capacidade
de ligação às proteínas plasmáticas, sendo metabolizadas por oxidação
ou metilação hepática ou eritrocitária. A clearance renal apresenta uma
baixa influência na efectividade ou toxicidade biológica destes
fármacos.

Usos terapêuticos

A azatioprina é usada como um co-adjuvante da profilaxia da rejeição


de transplantes. Para além disso, este fármaco é usado (embora em
menores doses) na terapia da artrite reumatóide grave e da doença
inflamatória intestinal. Note-se que, aquando do uso de azatioprina,
deve-se proceder à realização frequente de hemogramas e à
monitorização da função hepática.

Toxicidade

A supressão medular constitui o principal efeito adverso da azatioprina,


manifestando-se, sobretudo, através da ocorrência de leucopenia. Por
seu turno, a trombocitopenia e a anemia constituem fenómenos raros.
Para além disso, a azatioprina induz hepatotoxicidade, alopécia,
toxicidade gastro-intestinal, pancreatite idiossincrática (independente da
dose) e aumento do risco de neoplasias (incluindo adenoma hepático) e
infecções (especialmente por HSV e VZV).

Interacções farmacológicas

A azatioprina é amplamente metabolizada pela oxídase da xantina,


sendo que esta enzima é inibida pelo alopurinol. Assim, este último
fármaco exacerba as acções da azatioprina, de tal modo que o
alopurinol e a azatioprina não devem ser co-administrados. Por outro
lado, a co-administração da azatioprina com outros agentes
mielossupressores ou com IECAs resulta em leucopenia, anemia e
trombocitopenia.

Mofetil de micofenolato

Mecanismo de acção
O mofetil de
micofenolato
(MMF) constitui o
éster 2-

morfolinoetil do
ácido micofenólico
(MPA). Assim, o
MMF actua como
pró-fármaco do
MPA, o qual, por
sua vez, constitui
um inibidor
reversível não-
competitivo e
selectivo da

desidrogénase da
inosina
monofosfato
(IMPDH), uma
enzima participante
na via de síntese de
novo da guanina.
Ora, contrariamente
ao que se verifica
em outras células,
esta via é crucial
para a proliferação
dos linfócitos B e T,
de tal modo que o
MPA inibe
selectivamente a
proliferação e
funções
linfocitárias,
incluindo a
formação de
anticorpos e a
adesão e migração
celular.

Farmacocinética

Após ser administrado por via oral ou intra-venosa, o MMF é


rapidamente e completamente convertido em MPA, o qual, por sua vez,
é metabolizado num composto glicuronado fenólico inactivo designado
por MPAG. Este último composto constitui o principal metabolito do
MMF presente na urina, por oposição ao MPA, que está presente na
urina em quantidades desprezáveis. Note-se, contudo, que em
pacientes com insuficiência renal, as concentrações de MPA e MPAG
encontram-se aumentadas.

Usos terapêuticos

O MMF é usado na profilaxia da doença inflamatória intestinal e da


rejeição dos transplantes. Neste último caso, este fármaco é
normalmente co-administrado com glicocorticóides e com um inibidor
da calcineurina. Por outro lado, este fármaco não é administrado com a
azatioprina. Já a combinação MMF e sirolimus é possível, embora
possa resultar na ocorrência de interacções farmacológicas.

Toxicidade

O MMF exerce, sobretudo, efeitos adversos de cariz hematológico e


gastro-intestinal. De facto, este fármaco induz leucopenia, aplasia
eritrocitária, diarreia e vómitos. Para além disso, o uso deste fármaco
potencia o risco de algumas infecções, especialmente sepsis por
citomegalovírus e leucoencefalopatia multifocal progressiva. Por outro
lado, o uso combinado de tacrolimus e MMF aumenta o risco de
activação de poliomavírus (tais como o vírus BK), os quais podem
causar nefrite intersticial.

O uso de micofenolato na gravidez aumenta o risco de anomalias


congénitas e abortamento. Assim, as mulheres em idade fértil que
estejam a usar micofenolato devem evitar a concepção.

Interacções farmacológicas
O MMF pode interagir com vários outros fármacos frequentemente
usados por pacientes submetidos a transplantes. De facto, o tacrolimus
atrasa a eliminação do MMF (pois atrasa a conversão do MPA em
MPAG), podendo exacerbar a toxicidade gastro-intestinal deste último
fármaco. Todavia, a co-administração do MMF com a ciclosporina,
cotrimoxazole, ou contraceptivos orais não parece gerar efeitos
adversos significativos.

O MMF não deve ser co-administrado com anti-ácidos contendo


alumínio ou hidróxido de magnésio, sob pena de se registar uma
diminuição da sua absorção. Para além disso, o MMF não deve ser co-
administrado com a colestiramina ou com outros fármacos que afectem
a circulação entero-hepática – de facto, esses fármacos diminuem os
níveis de MPA, provavelmente por ligação ao MPA livre nos intestinos.
Por outro lado, o aciclovir e o ganciclovir podem competir com o MPAG
pela secreção tubular, o que parece resultar num aumento dos níveis
sanguíneos deste metabolito e dos anti-víricos em questão.

De referir que está disponível uma preparação de MPA de libertação


prolongada, a qual parece apresentar melhor tolerabilidade gastro-
intestinal. Esta preparação não liberta MPA em meio ácido
(nomeadamente, no estômago), embora seja altamente solúvel no pH
neutro intestinal.

Outros agentes anti-proliferativos e citotóxicos


Vários agentes citotóxicos e anti-metabólicos usados na
quimioterapia do cancro também demonstram propriedades
imunossupressoras, dado revelarem-se capazes de actuar nos linfócitos
e em outras células do sistema imune. De entre os fármacos citotóxicos
que têm sido usados como imunossupressores, destaque para o
metotrexato, ciclofosfamida e leflunomida. Proceder-se-á, assim, a uma
breve descrição de cada um destes fármacos:

Metotrexato

O metotrexato é um anti-folato usado na da terapia da doença do


enxerto contra o hospedeiro, artrite reumatóide, artrite juvenil crónica,
psoríase, artrite psoriática, espondilite anquilosante, poliomiosite,
dermatomiosite, doença inflamatória intestinal, vasculite e lúpus
eritematoso sistémico. Para além disso, este fármaco é usado na
terapia de algumas neoplasias, tais como leucemias ou o cancro da
mama.

No que concerne ao seu mecanismo de acção, o metotrexato actua por


inibição de várias enzimas, nomeadamente:

Transformílase dos ribonucleotídeos de


aminoimidazolecarboxamida: A inibição desta enzima resulta
na inibição da quimiotaxia de polimorfonucleares.

Sintétase do timidilato

Redútase dos di-hidrofolatos: A inibição desta enzima afecta as


funções linfocíticas e macrofágicas, inibindo directamente a
proliferação e estimulando a apoptose destas células.

Em termos farmacocinéticos, o metotrexato apresenta uma taxa de


absorção oral de 70%. No fígado, este fármaco é biotransofrmado num
metabolito hidroxilado menos activo – tanto este metabolito como o
metotrexato sofrem uma poli-adição de resíduos de glutamato no
interior das células, onde permanecem por longos períodos de tempo.
Este fármaco é excretado maioritariamente por via renal, embora uma
fracção significativa seja excretada por via biliar.

Os principais efeitos adversos do metotrexato incluem úlceras mucosas,


náusea, hepatotoxicidade, leucopenia, trombocitopenia e pneumonite.
Este fármaco encontra-se contra-indicado na gravidez, devido ao risco
subjacente de abortamento.

Ciclofosfamida

A ciclofosfamida e o clorambucil são usados na terapia da leucemia,


linfomas, e várias outras neoplasias. Para além disso, em doses
moderadas, a ciclofosfamida revela-se útil na terapia de várias doenças
auto-imunes, incluindo síndrome nefrótica infantil, lúpus eritematoso
sistémico grave, algumas vasculites (tais como granulomatose de
Wegener), anemia hemolítica auto-imune e aplasia eritrocitária. Já
quando administrado em doses muito elevadas, este fármaco pode
induzir tolerância específica a um novo antigénio com o qual seja co-
administrado, o que permite o seu uso num contexto de transplantes.

Em termos moleculares, a ciclofosmadia actua por destruição


(alquilação) das células linfóides em proliferação. Os seus principais
efeitos adversos incluem pancitopenia (a qual se encontra potenciada
aquando da sua co-administração com o alopurinol) e cistite
hemorrágica, bem como náusea, vómito, hipoglicemia e perturbações
cardíacas e electrolíticas. Para além disso, a ciclofosfamida exerce
acções mutagénicas e carcinogénicas, potenciando o risco de
carcinoma da bexiga.

Em termos farmacocinéticos, a ciclofosfamida é um pró-fármaco


devendo ser convertida na sua forma activa por enzimas da família do
citocromo P450. A ciclofosfamida pode ser administrada por via oral ou
parentérica.

Leflunomida

A leflunomida é um inibidor da desidrogénase do dihidroorato, a


qual constitui uma enzima participante na síntese de novo das
pirimidinas. Este fármaco é usado na terapia de adultos com artrite
reumatóide, bem como na terapia empírica da nefropatia por
poliomavírus em pacientes imunocomprometidos submetidos a
transplante renal. A leflunomida é hepatotóxica, podendo causar lesões
hepáticas quando administrada a grávidas.

Fingolimod

Mecanismo de acção

fingolimod (FTY720)
é um agonista do
receptor da
esfingosina-1-fosfato
(S1P) que actua num
sentido de reduzir a
recirculação dos
linfócitos desde o
sistema linfático até ao
sangue e tecidos
periféricos (incluindo
lesões inflamatórias e
órgãos
transplantados). Ou
seja, o

fingolimodinduzhoming

linfocitário,
sequestrando
reversivelmente os
linfócitos nos gânglios
linfáticos e placas de
Peyer e impedindo-os
de andar em
circulação. Ora, isto
protege os tecidos
transplantados dos
ataques mediados
pelas células T.

No que concerne à
sua metabolização, o
fingolimod é

fosforilado pela cínase-2 da esfingosina, sendo que o produto


fosforilado resultante constitui um potente agonista dos receptores S1P.
Note-se, contudo, que embora sequestre linfócitos, este fármaco não
perturba as funções das células T ou B. De facto, de acordo com os
ensaios clínicos realizados, o fingolimod parece demonstrar menor
eficácia que a terapia standard.

Toxicidade

De entre os efeitos adversos do fingolimod, a linfopenia constitui o mais


frequente, embora constitua um fenómeno reversível após
descontinuação. Para além disso, o fingolimod exerce um efeito
cronotrópico negativo, o qual também parece ser reversível. De
qualquer modo, este fármaco não interfere com a função plaquetária.

Introdução ao estudo dos anticorpos


imunossupressores biológicos e proteínas dos
receptores de fusão
Na prevenção e tratamento da rejeição de transplantes, recorre-se
frequentemente ao uso de anticorpos policlonais e monoclonais contra
antigénios de superfície linfocitários. Os anticorpos policlonais são
gerados por injecção repetida de timócitos ou linfócitos humanos em
outros animais, com subsequente purificação da fracção sérica de
imunoglobulinas. Embora constituam imunossupressores deveras
eficazes, estas preparações variam no que concerne à sua eficácia e
toxicidade.

Ora, esta variabilidade não se observa com o uso de anticorpos


monoclonais, os quais revelam-se menos tóxicos que os seus
congéneres policlonais, mas mais limitados no que concerne aos alvos
onde actuam. Actualmente, procede-se ao uso de anticorpos
monoclonais humanizados, os quais carecem de antigenicidade,
apresentam um período de semi-vida prolongado, e podem ser
alterados no que diz respeito à sua afinidade para os receptores Fc.

Para além disso, em pacientes submetidos a transplantes ou com


doenças auto-imunes, pode-se recorrer à administração de proteínas
dos receptores de fusão. Estes agentes consistem em domínios de
ligação de receptores complexados com a região Fc de imunoglobulinas
(normalmente a IgG1), o que assegura um maior período de semi-vida.
De entre os fármacos desta classe, destaque para o abatacept
(CTLA4-Ig) e para o belatacept (CTLA4-Ig de segunda geração).

Anticorpos policlonais
Globulina anti-timócito

Mecanismo de acção
A globulina anti-timócito (ATG) é uma gama globulina purificada,
extraída a partir do soro de coelhos imunizados com timócitos humanos.
Assim, a ATG contém anticorpos citotóxicos que se ligam a várias
moléculas expressas à superfície dos linfócitos T, incluindo o CD2, CD3,
CD4, CD8, CD11a, CD18, CD25, CD44, CD45, MHC I e MHC II. Deste
modo, estes anticorpos exercem um efeito citotóxico directo nos
linfócitos em circulação, induzindo a sua depleção. Para além disso,
estes anticorpos bloqueiam a função linfocitária por ligação às
moléculas de superfície envolvidas na regulação da função celular.

Usos terapêuticos

A ATG é administrada por via intra-venosa, sendo usada para indução


da imunossupressão. Em termos clínicos, este fármaco é usado na
terapia da rejeição aguda dos transplantes renais, devendo ser co-
administrado com outros agentes imunossupressores. Para além disso,
a ATG também é usada na terapia e profilaxia da rejeição aguda de
vários outros tipos de transplantes.

Efeitos adversos

Os anticorpos policlonais são proteínas xenogénicas, de tal modo que


podem despoletar efeitos laterais major, incluindo febre, arrepios e
hipotensão. Contudo, a administração prévia de corticosteróides,
acetaminofeno e/ou anti-histamínicos, bem como a administração de
um anti-sérico num vaso de grande calibre, minimiza o risco de
ocorrência destas reacções.

A ATG pode despoletar doença do soro e glomerulonefrite, embora o


desenvolvimento de anafilaxia constitua um fenómeno raro. Para além
disso, este fármaco pode induzir complicações hematológicas, tais
como leucopenia e trombocitopenia profundas e de longa duração. O
uso de ATG aumenta ainda o risco de infecções e neoplasia, sobretudo
aquando da sua co-administração com outros agentes
imunossupressores.

De referir que não estão descritas interacções farmacológicas para a


ATG, embora esta despolete a formação de auto-anticorpos, os quais
não limitam o seu uso.
Anticorpos monoclonais
Anticorpos monoclonais anti-CD3

Os anticorpos anti-CD3 são usados na terapia da rejeição de


transplantes. De entre os anticorpos usados, destaque para o
muromonab-CD3, que constitui um anticorpo IgG2a produzido em
ratos e usado em pacientes refractários aos glicocorticóides.

Mecanismo de acção

O muromonab liga-se à cadeia ε do CD3, promovendo a rápida


internalização do receptor das células T e, por conseguinte, impedindo o
reconhecimento antigénico. Assim, a administração deste anticorpo é
rapidamente seguida da depleção e extravasamento da maioria das células
T, que deixam de ser detectadas na corrente sanguínea e órgãos linfóides
periféricos. Ora, esta ausência tem por base três mecanismos distintos:

Morte celular induzida por activação do complemento.

Marginação das células T para a proximidade do endotélio.

Redistribuição das células T para órgãos não-linfóides, tais como os


pulmões.

Para além disso, o muromonab-CD3 também reduz a função das


células T por inibição da produção de várias citocinas (tais como a IL-2).
Note-se, contudo, que a síntese de IL-4 e IL-10 não é afectada.

Efeitos adversos

A “síndrome de secreção de citocinas” constitui o principal efeito


adverso resultante do uso terapêutico de inibidores do CD3. Esta
síndrome inicia-se normalmente 30 minutos após infusão destes
anticorpos, embora possa persistir durante um período de horas. Em
termos imunológicos, esta síndrome cursa com a activação de células T
e monócitos, os quais libertam várias citocinas (incluindo o TNF-α, IL-2,
IL-6 e IFN-γ), cujo aumento dos níveis séricos está associado à
ocorrência de febre elevada, arrepios, cefaleias, tremor, náusea,
vómitos, diarreia, dor abdominal, mialgias, artralgias e fraqueza geral –
estes sintomas são, normalmente, mais graves aquando da primeira
dose administrada, diminuindo a sua gravidade com a administração de
doses subsequentes.

Embora seja mais raro, a síndrome de secreção de citocinas pode ainda


cursar com reacções cutâneas, perturbações do sistema nervoso
central (incluindo meningite asséptica), edema pulmonar, síndrome de
distress respiratório agudo, colapso cardiovascular, paragem cardio-
respiratória e arritmias. De referir que a administração de
glicocorticóides antes da injecção de muromonab-CD3 previne a
libertação de citocinas, reduzindo consideravelmente a ocorrência de
reacções de primeira dose.

Para além disso, a terapia com anticorpos anti-CD3 potencia o risco de


infecções e neoplasias linfoproliferativas, tendo sido já observados
casos de rejeição rebound após descontinuação da terapia com
muromonab-CD3. O uso de anticorpos anti-CD3 pode ainda induzir
anafilaxia - de facto, o uso repetido de muromonab-CD3 resulta na
imunização do paciente contra os determinantes antigénicos do rato
presentes nos anticorpos. Assim, o muromonab-CD3 é pouco utilizado
na prática clínica, tendo sido maioritariamente substituído pelos ATG e
alemtuzumab.

Anticorpos anti-CD3 de nova geração

Recentemente, foram desenvolvidos anticorpos monoclonais anti-CD3


humanizados (tais como o visilizumab), os quais apresentam menor
risco de desenvolvimento de respostas anti-anticorpo. Estes anticorpos
foram submetidos a modificações genéticas num sentido de impedir a
sua ligação aos receptores Fc e, por conseguinte, diminuir o risco de
“síndrome de secreção de citocinas”.

Assim, de acordo com os primeiros ensaios clínicos, estes fármacos


revelam-se relativamente seguros, não estando associados à génese
de “síndrome de secreção de citocinas”. Para além disso, o visilizumab
está a ser, inclusive, investigado para futuro uso na terapia da colite
ulcerosa e doença de Crohn.

Anticorpos anti-receptor da IL-2 (anti-CD25)


O daclizumab é um anticorpo humanizado anti-CD25 do tipo IgG1 (ou
seja constitui uma IgG1 de origem humana em toda a sua estrutura,
excepto nas regiões CDR), enquanto o basiliximab é um anticorpo
monoclonal quimérico murganho-humano.

Mecanismo de acção

O mecanismo de acção exacto dos anticorpos anti-CD25 ainda não está


totalmente compreendido, embora pareça resultar da sua ligação ao
receptor da IL-2 expresso à superfície das células T activadas (mas não
em repouso). Para além disso, estes anticorpos parecem induzir uma
redução da expressão das cadeias α eda ILβ-2, embora os mecanismos
subjacentes ainda não sejam conhecidos. Note-se, contudo, que
nenhum destes anticorpos parece actuar por depleção das células T,
embora estudos
recentes sugiram que possa ocorrer depleção transitória das células
Treg.

Usos terapêuticos

O daclizumab e o basiliximab são usados na profilaxia da rejeição


aguda de transplantes. O período de semi-vida do daclizumab ronda os
20 dias, enquanto o período de semi-vida do basiliximab ronda os sete
dias. Contudo, embora apresente um maior período de semi-vida, o
daclizumab apresenta menor afinidade.

De acordo com ensaios clínicos recentes, o daclizumab revela-se


seguro e eficaz quando co-administrado com a ciclosporina/tacrolimus,
esteróides e MMF. Por seu turno, o basiliximab revela-se seguro e
eficaz quando co-administrado com a ciclosporina, MMF e prednisona.

Note-se que, actualmente, não existe nenhum teste capaz de


monitorizar a eficácia dos anticorpos anti-receptor da IL-2. De facto, a
saturação da cadeia αdos receptores da IL-2 não permite prever a
eficácia destes anticorpos, na medida em que uma fracção significativa
de pacientes que rejeitam transplantes evidenciam um bloqueio destes
receptores, o que provavelmente se deve à participação de citocinas
que desempenham efeitos similares à IL-2 (como a IL-7 e a IL-15).
Toxicidade

O daclizumab e o basiliximab não participam em interacções


farmacológicas nem induzem “síndrome de secreção de citocinas”,
embora possam despoletar reacções anafiláticas. Para além disso,
estes fármacos acarretam um risco extremamente reduzido de doenças
linfoproliferativas e infecções.

Alemtuzumab

O alemtuzumab é um anticorpo monoclonal humanizado usado na


terapia da leucemia linfocítica crónica. Este anticorpo liga-se ao CD52
(uma glicoproteína expressa à superfície de linfócitos, monócitos,
macrófagos e células Natural Killer), induzindo apoptose das células-
alvo e causando linfólise abundante.

Para além de ser usado na terapia anti-neoplásica, este fármaco é


usado em pacientes submetidos a transplantes renais, pois induz
depleção prolongada das células T e B. No que concerne aos seus
efeitos adversos, o alemtuzumab potencia o risco de pancitopenia,
anemia, neutropenia, auto-imunidade, anemia hemolítica,
trombocitopenia e hipertiroidismo.

Briacinumab

briacinumab (ABT-874) é um anticorpo monoclonal humano anti-IL-


12. Actualmente, este anticorpo está a ser estudado para uso na terapia
da doença de Crohn.

Fontolizumab

O fontolizumab é um anticorpo monoclonal humanizado anti-IFN-γ.


Actualmente, este anticorpo está a ser estudado para uso na terapia da
doença de Crohn e artrite reumatóide. Os primeiros estudos em
pacientes com doença de Crohn têm demonstrado resultados
contraditórios no que concerne à eficácia deste fármaco, mas apontam
para uma elevada segurança.

Omalizumab
O omalizumab é um anticorpo recombinante (anti-IgE) monoclonal
humanizado usado na terapia da asma alérgica em pacientes adultos e
adolescentes refractários aos corticosteróides inalatórios. Este anticorpo
bloqueia a ligação da IgE ao receptor Fc de elevada afinidade,
suprimindo a libertação de mediadores participantes nas respostas
alérgicas (tais como a histamina e leucotrienos).

Agentes anti-TNF
O TNF-α participa na patogénese de várias doenças mediadas pelo
sistema imunitário – a título de exemplo, os pacientes com artrite
reumatóide e doença de Crohn apresentam elevados níveis de TNF-α
nas articulações e fezes, respectivamente. Deste modo, não admira que
vários agentes anti-TNF sejam usados na terapia dessas patologias,
bem como na terapia da psoríase e sarcoileíte. Note-se, contudo, que
todos os agentes anti-TNF aumentam o risco de reacções imediatas,
infecções graves (incluindo tuberculose), linfomas e outras neoplasias,
tendo sido já descritos casos de linfomas das células T hepato-
esplénicas.

Infliximab

O infliximab é um anticorpo monoclonal quimérico anti-TNF-α cuja


região constante é de origem humana. Este anticorpo liga-se ao TNF-
αcom elevada afinidade, impedindo-o de se ligar aos seus receptores.

De acordo com ensaios clínicos recentes, a combinação infliximab +


metotrexato revela-se mais eficaz na terapia da artrite reumatóide que o
uso isolado de metotrexato. Por outro lado, o infliximab também se
revela eficaz em pacientes com doença de Crohn refractária a outras
terapias, induzindo uma redução do número de fístulas. O infliximab
pode ainda ser usado na terapia da espondilite anquilosante, psoríase
de placas, artrite psoriática e colite ulcerosa.

Numa fracção significativa de pacientes submetidos a terapia com


infliximab, regista-se uma reacção caracterizada por febre, urticária,
hipotensão e dispneia, a qual ocorre normalmente 1-2 horas após
administração deste anticorpo. Para além disso, já foram descritos
casos de desenvolvimento de anticorpos anti-nucleares e de uma
síndrome lupus-like.

Certolizumab

O certolizumab é um fragmento Fab humanizado peguilado que actua


por ligação ao TNF-α, sendo usado na terapia da doença de Crohn.
Este fármaco demonstra eficácia similar à do adalimumab e infliximab,
mas menor antigenicidade.

Adalimumab

O adalimumab é um agente anti-TNF usado por via intra-venosa. Este


fármaco consiste num anticorpo monoclonal humano IgG1
recombinante, sendo usado na terapia da artrite reumatóide, espondilite
anquilosante, doença de Crohn, artrite idiopática juvenil, psoríase de
placas e artrite psoriática.

Etanercept

O etanercept resulta da fusão do domínio de ligação do receptor II do


TNF-α (p75) com a porção Fc da IgG1 humana. Assim, mesmo não
sendo um anticorpo monoclonal, o etanercept liga-se ao TNF-α,
impedindo-o de interagir com os seus receptores.

Em termos clínicos, este fármaco é usado na terapia da artrite


reumatóide em pacientes refractários a outros fármacos. Para além
disso, o etanercept é usado na terapia da espondilite anquilosante,
psoríase de placas, artrite idiopática juvenil poliarticular e artrite
psoriática. Este fármaco pode ainda ser co-administrado com o
metotrexato, nomeadamente em pacientes refractários a este último
fármaco. Note-se que, numa fracção significativa de pacientes, o uso de
etanercept está associado à génese de reacções no local de injecção,
incluindo eritema, prurido ou dor.

Onercept

O onercept resulta da fusão do domínio de ligação do receptor I do


TNF-α (p55) com a porção Fc da IgG1 humana. Tal como o etanercept,
este fármaco revela-se ineficaz nos pacientes com doença de Crohn
(não obstante a sua segurança). Já nos pacientes com psoríase, os
estudos relativos à eficácia do onercept foram descontinuados, na
medida em que este fármaco se revelou pouco eficaz e pouco seguro
(aumentando o risco de síndrome de resposta inflamatória sistémica,
mas não de infecções).

Inibidores da IL-1
Os pacientes com respostas inflamatórias activas evidenciam níveis
plasmáticos superiores de IL-1. Embora exista um antagonista
endógeno do receptor da IL-1 (IL-1RA), estão a ser desenvolvidos
vários outros antagonistas deste receptor para uso na terapia de
doenças inflamatórias:

Anakinra: Forma recombinante e não-glicosilada do antagonista


endógeno do receptor da IL-1. Este fármaco pode ser usado
isoladamente ou em combinação com agentes anti-TNF, tais
como o etanercept, o infliximab e o adalimumab.

Canacinumab: Anticorpo monoclonal contra a IL-1β usado na


terapia de síndromes periódicas associadas às crioporinas
(incluindo a síndrome auto-inflamatória familiar induzida pelo frio
e a síndrome de Muckle-Wells). Para além disso, o uso deste
fármaco na terapia da doença pulmonar obstructiva crónica está a
ser alvo de estudos.

Rilonacept: Proteína de fusão de ligação à IL-1 cujo uso na


terapia da gota está a ser alvo de estudos.

Inibidores do LFA
Efalizumab

O efalizumab é um anticorpo monoclonal humanizado (do tipo IgG1)


que actua contra a cadeia CD11a do LFA-1. Assim, ao ligar-se ao LFA-
1, o efalizumab impede que esta molécula leucocitária interaja com as
moléculas ICAM, bloqueando a adesão e activação das células T.
Em termos clínicos, o efalizumab é usado na terapia da psoríase. Para
além disso, este anticorpo é usado em pacientes submetidos a
transplante renal - contudo, não obstante a sua eficácia, o efalizumab
parece potenciar o risco de doenças linfo-proliferativas e leucoencefalia
multifocal progressiva. Assim, embora pareça eficaz, o efalizumab deve
ser usado em doses relativamente reduzidas, não devendo ser co-
administrado com os inibidores da calcineurina.

Alefacept

O alefacept é uma proteína de fusão LFA-3-IgG1 usada na terapia da


psoríase. A porção LFA-3 do alefacept liga-se ao CD2 dos linfócitos T,
bloqueando a interacção entre o LFA-3 e o CD2 e interferindo com a
activação das células T.

A terapia com alefacept resulta numa redução (dependente da dose) do


número de células de memória efectoras (CD45 RO+), mas não do
número de células naïve (CD45 RA+). Ora, as células T de memória
efectoras desempenham um importante papel na rejeição resistente à
indução deplecional e ao bloqueio por co-estimulação, de tal modo que
estão a ser conduzidos ensaios clínicos para avaliar a eficácia do
alefacept em pacientes transplantados.

Bloqueadores dos sinais co-estimulatórios


A indução de respostas imunes específicas pelas células T requer a
ocorrência de, pelo menos, dois sinais –um sinal despoletado pela
ligação do antigénio ao receptor das células T e um sinal co-
estimulatório resultante da interacção entre o CD28 (presente nas
células T) e o CD80/CD86 (presente nas células apresentadoras de
antigénios).

De acordo com estudos recentes, a inibição deste sinal co-estimulatório


permite a indução de tolerância a transplantes. Deste modo, já foram
desenvolvidos anticorpos monoclonais anti-CD80 (h1F1) e anti-CD86
(h3D1), bem como uma proteína de fusão recombinante CTLA4-Ig.

In vitro, o h1F1 e o h3D1 bloqueiam a proliferação das células T


dependentes do CD28, diminuindo as reacções linfocitárias mistas.
Estes anticorpos monoclonais deverão ser administrados em
simultâneo, na medida em que tanto o CD80 como o CD86 são capazes
de estimular per se as células T através do CD28. O h1F1 e h3D1 ainda
estão a ser alvo de ensaios clínicos, sendo que os primeiros resultados
destes estudos sugerem que estes anticorpos são seguros e eficazes.

CTLA4-Ig (abatacept) resulta da fusão entre a região

de ligação ao CTLA4 (um homólogo


do CD28) e a região constante da
IgG1 humana. Este fármaco inibe
competitivamente a CD28, podendo
vir a ser usado na terapia da artrite
reumatóide e indução de tolerância
em pacientes submetidos a
transplantes.

Por seu turno, o belatacept (LEA29Y)


é um CTLA4-Ig de segunda geração,
apresentando maior afinidade para o
CD80 e CD86. De acordo com
resultados de ensaios clínicos, o
belatacept demonstra eficácia similar
à ciclosporina, mas menos efeitos
nefrotóxicos. Contudo, este fármaco
induz maior risco de infecções e
doença linfoproliferativa pós-
transplante – este último fenómeno é
mais comum em pacientes não-
infectados por vírus Epstein-Barr, de
tal modo que estes não deverão ser
submetidos a terapia com belatacept.

A interacção entre o CD40 (presente nas células T activadas) e o


CD154 (CD40-ligando, expresso nas células B, endotélio e/ou células
apresentadoras de antigénios) também gera um sinal co-estimulatório.
Assim, já foram desenvolvidos anticorpos monoclonais anti-CD40
(para uso na terapia de linfomas não-Hodgkin) e dois anticorpos
monoclonais humanizados anti-CD154. Estes últimos anticorpos
estão a ser estão a ser estudados para uso em pacientes com doenças
auto-imunes ou submetidos a transplantes renais, embora potenciem o
risco de doenças trombo-embólicas.

Imunoestimulação
Os agentes imuno-estimuladores são usados em pacientes com
infecções, imunodeficiências e cancro. Contudo, o uso destes fármacos
é limitado pela sua reduzida eficácia e/ou pelos seus efeitos sistémicos
(generalizados).

Levamisole
O levamisole parece restabelecer a função imune dos linfócitos B,
linfócitos T, monócitos e macrófagos. Este fármaco é usado como
adjuvante do 5-fluorouracil após ressecção cirúrgica de alguns
pacientes com cancro do cólon, embora induza um elevado risco de
agranulocitose.

Talidomida
A talidomida é usada na terapia do eritema nodoso leproso e do
mieloma múltiplo. Para além disso, este fármaco é usado na terapia de
infecções micobacterianas, doença de Crohn, caquexia associada ao
HIV, sarcoma de Kaposi, lúpus, mielofibrose, neoplasias encefálicas,
lepra, doença enxerto-contra-hospedeiro, e úlceras aftosas. Todavia, o
uso da talidomida encontra-se restrito pelos seus efeitos teratogénicos
graves e potencialmente fatais. Assim, este fármaco não deve ser
usado por mulheres grávidas ou com possibilidade de engravidar.

O mecanismo de acção da talidomida ainda não é conhecido, sendo


que alguns dos seus efeitos imunológicos parecem variar consoante as
situações nas quais este fármaco é administrado. A título de exemplo, a
talidomida parece diminuir os níveis de TNF-α em pacientes com
eritema mas aumentá-los em pacientes com HIV. Para além disso,
pensa-se que este fármaco influencie a angiogénese.

Lenalidomida
A lenalidomida é um análogo da talidomida com propriedades
imunomoduladoras e anti-angiogénicas. Este fármaco é usado na
terapia de pacientes com anemia dependente de transfusões
secundária a síndromes mielodisplásicas associadas a uma deleção
cromossómica em 5q.

A maioria dos pacientes submetidos a terapia com lenalidomida


desenvolve neutropenia e trombocitopenia. Por outro lado, este fármaco
apresenta um elevado risco de trombose venosa profunda. Note-se
ainda que, tal como a talidomida, a lenalidomida exerce importantes
efeitos teratogénicos, de tal modo que as pacientes a usar este fármaco
devem evitar engravidar.

Bacilo Calmette-Guérin (BCG)


O BCG é um bacilo vivo atenuado da estirpe Calmette e Guérin de
Mycobacterium bovis. Este bacilo induz uma reacção granulomatosa no
local de administração, sendo usado na vacinação contra a tuberculose.
Para além disso, o BCG também demonstra actividade anti-tumoral,
sendo usado na terapia e profilaxia do carcinoma in situ da bexiga, bem
como na profilaxia de tumores papilares após ressecção trans-uretral.
Os principais efeitos adversos deste fármaco incluem
hipersensibilidade, choque, arrepios, febre e doença de complexos
imunes.

Citocinas recombinantes

Interferões
Para além de demonstrarem actividade anti-vírica, os interferões (IFN)
também exercem importantes efeitos imunomoduladores. De facto, ao
ligarem-se a receptores da superfície celular, os interferões induzem um
vasto conjunto de eventos intracelulares, incluindo indução enzimática,
inibição da proliferação celular, potenciação da fagocitose e aumento da
citotoxicidade específica das células T.

O IFN-α-2b recombinante é usado na terapia de um vasto conjunto de


neoplasias, incluindo leucemia das células em cabeleira, melanoma
maligno, linfoma folicular e sarcoma de Kaposi associado a SIDA.
Para além disso, este IFN também é usado na terapia de várias
doenças infecciosas, incluindo hepatite B crónica, hepatite C e
condiloma acuminado.

O IFN-α-2b exerce vários efeitos adversos, induzindo sintomas do tipo


gripal (febre, arrepios e cefaleias), efeitos de cariz cardiovascular
(hipotensão, arritmias e, mais raramente, cardiomiopatia e enfarte do
miocárdio) e efeitos de cariz central (depressão e confusão). Para além
disso, todos os IFN-αaumentam o risco de hipertensão pulmonar.

O IFN-γ-1b é um polipeptídeo recombinante que promove a activação


de macrófagos, de tal modo que estas células passam a produzir uma
maior quantidade de espécies reactivas de oxigénio, as quais são
tóxicas para um vasto conjunto de microorganismos. Este IFN é usado
para reduzir a frequência e gravidade das infecções graves associadas
a doenças granulomatosas crónicas, bem como para atrasar o tempo
de progressão da osteopetrose maligna grave. O IFN-γ-1b não é,
contudo, eficaz na terapia da fibrose pulmonar idiopática, podendo até
aumentar a mortalidade dos pacientes com esta condição. De entre os
principais efeitos adversos deste fármaco, destaque para a febre,
cefaleias, rash, fadiga, distress gastro-intestinal, anorexia, perda de
peso, mialgias e depressão.

IFN-β-1a e o IFN-β-1b são proteínas recombinantes com propriedades


imunomoduladoras e anti-víricas. Estes IFN são usados com o objectivo
de reduzir as exacerbações clínicas da esclerose múltipla, embora o
seu mecanismo de acção permaneça desconhecido (vide infra). Note-
se, contudo, que o uso destes IFN pode induzir sintomas do tipo gripal e
reacções no local de injecção.

Interleucina-2
Comparativamente à IL-2 endógena, a IL-2 recombinante humana
(aldesleucina) apresenta algumas diferenças estruturais, as quais
aumentam a sua potência. Contudo, tal como a IL-2 endógena, a
aldesleucina potencia a proliferação linfocitária, estimula a
citotoxicidade mediada por linfócitos e promove a actividade das células
NK e do IFN-γ. Assim, este fármaco activa a imunidade celular,
induzindo linfocitose, eosinofilia, trombocitopenia e libertação de várias
citocinas (incluindo o TNF, IL-1 e IFN-γ). Em termos clínicos, a
aldesleucina é usada na terapia de pacientes com melanoma e
carcinoma metastático das células renais.

A aldesleucina induz síndrome do extravasamento capilar, a qual se


caracteriza pela perda do tónus vascular e subsequente
extravasamento das proteínas e fluido plasmático para o espaço extra-
vascular. Consequentemente, a pressão arterial e a perfusão tecidular
diminuem, o que acarreta importantes efeitos cardiotóxicos. Para além
disso, o uso de aldesleucina potencia o risco de infecção disseminada
por perturbações da função neutrofílica.

Terapia da esclerose múltipla


A esclerose múltipla é uma doença inflamatória desmielinizante da
substância branca do sistema nervoso central, caracterizando-se por
uma tríade de sintomas patogénicos, nomeadamente, (1) infiltração de
células mononucleares, (2) desmielinização, e (3) cicatrização (gliose).
Por oposição, o sistema nervoso periférico não é afectado.

No que concerne à sua etiologia, a esclerose múltipla resulta da


interacção ambiental e genética (estando associada a algumas
variantes alélicas do MHC). A esclerose múltipla também parece ter
uma componente auto-imune –de facto, algumas variantes alélicas
estão simultaneamente associadas a um maior risco de esclerose
múltipla e várias doenças auto-imunes.

De qualquer modo, os pacientes com esclerose múltipla apresentam


células T activadas reactivas contra diferentes antigénios da mielina,
incluindo a proteína básica da mielina (MBP). Para além disso, pensa-
se que estes pacientes apresentam anticorpos contra a glicoproteína da
mielina dos oligodendrócitos (MOG) e contra a MBP. Ora, estes
anticorpos podem interagir com as células T patogénicas, acarretando
consequências deletérias, tais como alteração da condução neuronal
das fibras mielinizadas do sistema nervoso central.

Os ataques de esclerose múltipla são classificados de acordo com o


seu tipo e gravidade, a qual parece reflectir diferentes graus de lesão
neuronal. Assim, a esclerose múltipla pode ser classificada em:
Esclerose múltipla recidivante-remitente: Forma predominante nos
pacientes mais jovens.

Esclerose múltipla progressiva secundária: Deterioração


neurológica progressiva subsequente a um longo período de
esclerose múltipla recidivante-remitente

Esclerose múltipla progressiva primária: Nesta forma, a


deterioração neuronal (embora acompanhada por baixa
inflamação) é evidente at onset.

Farmacoterapia da esclerose múltipla


Os glicocorticóides são empregues na terapia dos ataques de
esclerose múltipla, recorrendo-se frequentemente à administração intra-
venosa de metilprednisolona. Por seu turno, a administração oral de
prednisona não parece útil nem desejável.

Por outro lado, para redução dos ataques recidivantes-remitentes,


recorre-se ao uso de IFN-β-1 (IFN-β-1a e IFN-β-1b) e acetato de
glatirâmero (GA). De facto, os interferões suprimem a proliferação de
linfócitos T, inibem o seu movimento para o sistema nervoso central e
promovem o estabelecimento de um perfil de citocinas anti-inflamatório.

A administração subcutânea de GA também parece ser eficaz na


terapia de pacientes com esclerose múltipla recidivante-remitente. O
GA é um polipeptídeo de sequência aleatória constituído por quatro
tipos diferentes de aminoácidos. Ora, estes aminoácidos constituem
frequentes âncoras de MHC, ligando-se a diferentes moléculas MHC II
DR. Assim, a administração de GA promove a produção de citocinas

TH2 por parte das células T CD4


+ altamente reactivas, prevenindo o
aparecimento de novas lesões detectáveis.

Por seu turno, a ciclofosfamida e a mitoxantrona podem ser usadas


na terapia dos ataques recidivantes-remitentes e da esclerose múltipla
secundariamente progressiva, sendo administradas a pacientes
refractários a outros imunomoduladores. Estes dois fármacos são
maioritariamente usados na quimioterapia anti-neoplásica, acarretando
importantes efeitos laterais –a título de exemplo, a mitoxantrona diminui
a fracção de ejecção ventricular esquerda, potenciando o
desenvolvimento de insuficiência cardíaca.

Desconhece-se a utilidade do uso de interferões na terapia de


pacientes com esclerose múltipla secundariamente progressiva. De
qualquer modo, em pacientes com esclerose múltipla progressiva
primária sem ataques discretos, a supressão da inflamação pode-se
revelar benéfica. Uma minoria dos pacientes com este quadro responde
a elevadas doses de glicocorticóides.

Todos os agentes supracitados exercem efeitos adversos –a título de


exemplo, os corticóides potenciam o risco de infecções; os
imunomoduladores encontram-se contra-indicados para grávidas; e a
mitoxantrona aumenta o risco de doença cardíaca e irritação mediastínica.
De qualquer modo, todos estes fármacos devem ser usados o mais
precocemente possível, de maneira a prevenirem as recidivas de modo mais
eficaz. Desconhece-se, contudo, se estes agentes previnem ou atenuam o
despoletar tardio da esclerose múltipla progressiva secundária.

Várias novas terapias imunomoduladoras estão a ser desenvolvidas para


terapia da esclerose múltipla. A título de exemplo, o anticorpo monoclonal
natalizumab actua contra a integrina α4 (uma molécula de adesão), impedindo que
os dímeros contendo esta integrina interajam com outras moléculas. Assim,
o natalizumab inibe a interacção estabelecida entre a integrina α4β1 (expressa à
superfície dos monócitos e

linfócitos activados) e a VCAM-1, a qual se revela fundamental para a


deslocação das células T desde a periferia para o sistema nervoso
central. Assim, ao bloquear esta interacção, o natalizumab inibe as
exacerbações da esclerose múltipla, diminuindo significativamente o
número de novas lesões centrais. Contudo, não obstante a sua eficácia,
este anticorpo aumenta o risco de leucoencefalopatia multifocal
progressiva.
Anticorpos anti-neoplásicos
Anticorpos que interferem com a sinalização do
VEGF
O bevacizumab é uma IgG1 humanizada que se liga ao VEGF, inibindo
a ligação deste factor ao seu receptor. Assim, este fármaco
desempenha efeitos anti-angiogénicos, sendo usado na terapia de
pacientes com cancro colo-rectal metastático. O bevacizumab aumenta
o risco de hemorragia, perfurações gastro-intestinais e problemas de
regeneração de lesões, não devendo ser administrado a pacientes em
recuperação de cirurgias.

O ranibizumab é um antagonista do receptor do VEGF, sendo usado


na terapia da degeneração macular neo-vascularizada. Para isso, este
fármaco é administrado por via intra-vítrea. Por seu turno, o pegaptanib
é um oligonucleotídeo peguilhado que se liga ao VEGF, sendo
administrado por via intra-vítrea para terapia da degeneração macular.

Anticorpos que interferem com a sinalização do EGF


O cetuximab é um anticorpo monoclonal quimérico que actua contra o
receptor do EGF (EGFR). Assim, este fármaco inibe o crescimento
tumoral, sendo usado em pacientes com cancro colo-rectal metastático
com sobre-expressão de EGFR. Note-se que o cetuximab pode ser
administrado isoladamente ou co-administrado com o irinotecano.

O panitumumab é um anticorpo monoclonal humano (do tipo IgG2)


usado na terapia de carcinomas colo-rectais metastáticos com
expressão de EGFR. Este anticorpo liga-se ao EGFR (de modo similar
ao cetutuximab), inibindo a ligação do EGF ao seu receptor. Assim, o
panitumumab impede o crescimento celular, induz apoptose, diminui a
produção de factores de crescimento vasculares, e suprime a
internalização do EGFR. Contrariamente ao cetuximab, o panitumumab
é totalmente humano, não despoletando uma resposta imune.

O trastuzumab é um anticorpo monoclonal humanizado que se liga ao


domínio extracelular do receptor HER-2/neu (que constitui um receptor
do EGF). Este anticorpo é usado na terapia do cancro da mama
metastático em pacientes com sobre-expressão de HER-2/neu. Para
além disso, este fármaco está a ser estudado para uso em outros
tumores com expressão de HER-2.

Anticorpos usados na terapia das leucemias


O gemtuzumab é um anticorpo (do tipo IgG4) monoclonal humanizado
anti-CD33. A CD33 é uma proteína de sialoadesão presente nas células
blásticas leucémicas dos pacientes com leucemia mielogénica aguda.
Assim, o gemtuzumab é usado na terapia desta forma de leucemia,
sendo normalmente co-administrado com a ozogamicina (um agente
citotóxico que induz lesões da cadeia dupla de DNA das células
tumorais). Os principais efeitos adversos associados ao uso de
gemtuzumab incluem mielossupressão grave (sobretudo neutropenia),
hepatotoxicidade grave e reacções de hipersensibilidade.

O rituximab é um anticorpo monoclonal quimérico murganho-humano


do tipo IgG1. Este anticorpo liga-se ao CD20 expresso pelos linfócitos B
normais e malignos, sendo usados na terapia de pacientes com linfoma
não-Hodgkin recidivante ou refractário. No que concerne ao seu
mecanismo de acção, o rituximab promove a lise mediada pelo
complemento, a citotoxicidade celular dependente de anticorpos e a
indução da apoptose das células malignas dos linfomas.
Agentes anti-víricos
Os vírus são parasitas intracelulares obrigatórios, revelando-se
incapazes de se replicar autonomamente. De facto, a replicação vírica
está dependente de toda a maquinaria sintética da célula hospedeira,
de tal modo que, para serem eficazes, os agentes anti-víricos deverão
executar, pelo menos, uma destas acções:

Bloqueio da entrada no vírus no interior das células hospedeiras

Bloqueio da saída do vírus desde o interior das células hospedeiras

Interferência com a replicação vírica, por acção no meio intracelular

Consequentemente, os inibidores não-selectivos da replicação vírica


podem interferir com a função das células hospedeiras, exercendo
acções tóxicas. Deste modo, tem-se procurado desenvolver agentes
anti-víricos com menor toxicidade e maior selectividade, potência e
estabilidade. Note-se, contudo, que todos os anti-víricos existentes
exercem apenas acções virustáticas, na medida em que apenas
actuam contra vírus em replicação, não exercendo qualquer efeito nos
vírus latentes.

Os anti-víricos actualmente existentes apenas são capazes de actuar


numa fracção muito limitada de vírus, nomeadamente:

Herpesvírus

Vírus da hepatite B (HBV)

Vírus da hepatite C (HCV)

Vírus influenza

Vírus da imunodeficiência (VIH)

No caso de algumas infecções, a administração de um anti-vírico em


monoterapia e por curtos períodos de tempo revela-se suficiente – o
herpes labial constitui um exemplo paradigmático. Contudo, existem
condições que obrigam à adopção de uma terapia dual por longos
períodos de tempo, ou mesmo à administração de vários fármacos por
períodos de tempo indeterminados (a terapia do HIV constitui um
exemplo clássico desta última condição). De qualquer modo, aquando
da presença de infecções crónicas, a inibição da replicação viral revela-
se crucial para limitar a magnitude das lesões sistémicas subjacentes.

Agentes usados na terapia das infecções por vírus


herpes simplex e varicela-zoster
O aciclovir, o valaciclovir e o famciclovir são três análogos
nucleosídicos usados na terapia das infecções por vírus herpes
simplex (HSV) e varicela-zoster (herpes zoster; VZV). Estes três
fármacos apresentam várias semelhanças no que concerne aos seus
mecanismos de acção, indicações clínicas, e eficácia na terapia das
infecções por HSV. Todavia, comparativamente o aciclovir, o famciclovir
e o valaciclovir demonstram maior eficácia na terapia das infecções por
VZV. Note-se, contudo, que estes dois fármacos não devem ser usados
em crianças com varicela, pois desconhece-se até que ponto são
seguros em pacientes pediátricos.

Aciclovir
O aciclovir é um derivado acíclico da guanosina que demonstra
actividade contra o HSV-1, HSV-2 e VZV (revelando-se cerca de 10
vezes mais potente contra o HSV-1 e HSV-2 do que contra o VZV). Este
fármaco demonstra ainda fraca actividade in vitro contra o vírus Epstein-
Barr, citomegalovírus e herpesvírus 6 (HHV-6).

A activação do aciclovir requer a ocorrência de três fosforilações. A


primeira fosforilação é mediada pela cínase da timidina (uma enzima
vírica), enquanto as fosforilações subsequentes são mediadas por
enzimas presentes nas células hospedeiras. Ora, a fosforilação inicial
do aciclovir depende da acção de uma enzima vírica, o que leva a que
este fármaco apenas seja capaz de actuar nas células infectadas.
No que concerne ao seu mecanismo de acção, o trifosfato de aciclovir
inibe a síntese de DNA vírico através de dois mecanismos distintos:

Competição com o desoxiGTP pela polimerase de DNA viral

Incorporação no DNA vírico e subsequente indução da paragem da


síntese de DNA.

O aciclovir apresenta uma reduzida biodisponibilidade oral (15-20%), a


qual não é afectada pela presença de alimentos. Para além de poder
ser administrado por via oral, este fármaco pode ser administrado por
via intra-venosa e tópica, sendo que, após aplicação tópica, geram-se
elevadas concentrações de aciclovir nas lesões herpéticas, mas
desprezáveis concentrações sistémicas.

O aciclovir difunde-se rapidamente para a maioria dos tecidos e fluidos


corporais, incluindo para o fluido cefalo-raquidiano. Este fármaco é
maioritariamente excretado por filtração glomerular e secreção tubular,
apresentando uma semi-vida plasmática de 2,5-3 horas em pacientes
com normal função renal, e de 20 horas em pacientes anúricos. De
referir que a biotransformação deste fármaco ronda os 9%.

Quando administrado por via oral, o aciclovir pode ser usado com
múltiplos fins, nomeadamente:

Terapia dos primeiros episódios de herpes genital: O aciclovir


revela-se capaz de encurtar a duração dos sintomas, o tempo de
regeneração de lesão e a duração da libertação (shedding) vírica.
Contudo, este fármaco não altera a frequência ou a gravidade das
manifestações inerentes.

Herpes genital recorrente: Em pacientes com herpes genital


recorrente, o aciclovir revela-se capaz de diminuir a frequência de
recorrências sintomáticas e o shedding viral, diminuindo o risco
de transmissão sexual. Contudo, após descontinuação deste
fármaco, podem-se registar recidivas.
Herpes labial recorrente.

Varicela e zona: Em pacientes com varicela ou zona, o aciclovir


diminui significativamente o número de lesões, a duração dos
sintomas, e o shedding viral. Todavia, por comparação com o
HSV, o VZV é menos susceptível à acção do aciclovir, sendo
necessário proceder à administração de doses superiores deste
fármaco.

Profilaxia da reactivação de uma infecção por HSV em


pacientes submetidos a transplante.

A administração intra-venosa de aciclovir constitui a terapia de primeira


escolha de várias condições, incluindo encefalite por herpes simplex,
infecção neonatal por HSV, e infecções graves por HSV ou VSV. Para
além disso, em pacientes imunocomprometidos infectados por VZV, a
administração intra-venosa de aciclovir reduz o risco de disseminação
cutânea e visceral.

Em situações de infecção primária por HSV, a administração tópica de


aciclovir revela-se significativamente menos eficaz que a terapia oral.
Para além disso, o aciclovir tópico não demonstra qualquer benefício na
terapia do herpes genital recorrente.

Tanto o HSV como o VZV podem desenvolver resistência ao aciclovir,


quer por alteração da cínase de timidina, quer por alteração da DNA
polimerase. A maior parte das estirpes resistentes demonstram
alterações na actividade da cínase de timidina, evidenciando resistência
cruzada contra o valaciclovir, famciclovir e ganciclovir. Por seu turno, o
foscarnet, o cidofovir e a trifluridina mantêm actividade contra estas
estirpes resistentes, uma vez que não necessitam de ser activados pela
cínase de timidina vírica.

O aciclovir é normalmente bem tolerado, embora já tenham sido


descritos casos de náusea, diarreia e cefaleias. A administração intra-
venosa deste fármaco pode gerar efeitos nefrotóxicos (incluindo
nefropatia cristalina ou nefrite intersticial) ou neurotóxicos (tais como
tremor, delírio e convulsões), embora de cariz reversível. Apesar disso,
em pacientes submetidos a supressão crónica do herpes genital, este
fármaco não parece exercer efeitos teratogénicos nem perturbar a
espermatogénese.

O probenecid e a cimetidina diminuem a clearance do aciclovir,


potenciando a exposição a este último fármaco. Por outro lado, a co-
administração de aciclovir e zidovudina pode cursar com sonolência e
letargia.

Valaciclovir
valaciclovir constitui o éster L-valil do
aciclovir. De facto, quando administrado por
via oral, o valaciclovir é submetido a hidrólise
enzimática no fígado e intestino, originando
níveis séricos de aciclovir similares aos que
seriam obtidos após administração intra-
venosa deste último fármaco (e três a cinco
vezes superiores aos obtidos após
administração oral). O valaciclovir apresenta
uma biodisponibilidade oral de 54-70%,
sendo capaz de se distribuir

para o fluido cefalo-raquidiano. O seu período de semi-vida ronda as três


horas.

O valaciclovir apresenta várias aplicações clínicas, nomeadamente:

Terapia do herpes genital

Supressão do herpes genital frequentemente recorrente: O


uso de valaciclovir em pacientes com esta condição diminui
significativamente o risco de transmissão do herpes genital.

Terapia do herpes orolabial

Terapia do herpes zoster: Embora apresente eficácia similar ao


aciclovir na terapia do herpes zoster, o valaciclovir reduz a
duração da dor induzida por este vírus.

Profilaxia da infecção por CMV em pacientes submetidos a


transplante.

O valaciclovir é, normalmente, bem tolerado, embora possa induzir


náusea, vómitos ou rash. Para além disso, quando administrado em
elevadas doses, este fármaco pode induzir confusão, alucinações e
convulsões. Dado receberem doses cronicamente elevadas de
valaciclovir, os pacientes com SIDA apresentam maior risco de
intolerância gastro-intestinal, púrpura trombocitopénica trombótica, e
síndrome urémica e hemolítica.

Famciclovir
O famciclovir constitui o éster diacetil do 6-
deoxipenciclovir (que, por seu turno, é um análogo acíclico
de guanosina). De facto, após ser administrado por via
oral, o famciclovir é rapidamente desacetilado e oxidado
em penciclovir, o qual apresenta um longo período de
semi-vida intracelular (7-20 horas), sendo maioritariamente
excretado por via renal.

O penciclovir demonstra actividade in vitro contra o HSV-1,


HSV-2, VZV, EBV e HBV. Tal como se verifica com o
aciclovir, o penciclovir deverá sofrer activação por
fosforilação, a qual é catalisada pela cínase de timidina
vírica – ora, isto assegura que

o penciclovir apenas actua nas células infectadas por vírus. Deste


modo, as mutações/défice da cínase de timidina constituem o principal
mecanismo de resistência ao penciclovir, conferindo resistência cruzada
contra o aciclovir e valaciclovir.

No que concerne ao seu mecanismo de acção, o trifosfato do


penciclovir inibe a DNA polimerase de modo competitivo, bloqueando a
síntese de DNA. Contudo, contrariamente ao aciclovir o penciclovir não
promove o término da síntese de DNA. Note-se que, por comparação
com o trifosfato de aciclovir, o trifosfato de penciclovir demonstra menor
afinidade para a DNA polimerase viral, mas atinge concentrações
intracelulares superiores.

O famciclovir apresenta várias aplicações terapêuticas, incluindo:

Terapia do herpes genital (recorrente ou não)

Supressão crónica do herpes genital


Terapia do herpes labial: O famciclovir acelera
significativamente o tempo de regeneração das lesões induzidas
pelo herpes genital e labial.

Terapia do herpes mucocutâneo em imunodeprimidos

Terapia das infecções agudas por varicela zoster: O


famciclovir revela-se similar ao valaciclovir no que concerne à sua
eficácia contra o VZV, sendo que ambos estes fármacos
promovem a regeneração cutânea e diminuem a duração da dor
associada às lesões por este vírus.

Profilaxia das infecções por citomegalovírus em pacientes


submetidos a transplante

O famciclovir é normalmente bem tolerado, embora possa induzir


cefaleias, diarreia e náusea. Contudo, o uso prolongado deste fármaco
não induz alterações na morfologia ou mobilidade dos espermatozóides.

Penciclovir
O penciclovir, que constitui o metabolito activo do famciclovir,
encontra-se disponível para uso tópico, revelando-se eficaz na terapia
do herpes labial recorrente. Este análogo da guanosina apresenta
poucos efeitos adversos, embora possa despoletar reacções alérgicas
no local de aplicação.

Docosanol
O docosanol é um álcool alifático saturado de 22 carbonos. Este
fármaco inibe a fusão entre a membrana plasmática e o invólucro do
HSV, impedindo a entrada deste vírus nas células hospedeiras e, por
conseguinte, a replicação viral.

O docosanol pode ser usado na terapia do herpes labial, sendo aplicado


por via tópica. Este fármaco revela-se deveras seguro, embora possa
despoletar reacções alérgicas no local de aplicação.

Trifluridina

A trifluridina (trifluorotimidina) é um nucleosídeo


pirimidínico fluorinado que inibe a síntese de DNA vírico,
actuando contra o HSV-1, HSV-2, CMV, vaccinia, e alguns
adenovírus. Em termos moleculares, este fármaco é
fosforilado por enzimas presentes no interior da célula
hospedeira, competindo com o trifosfato de timidina pela
incorporação no DNA vírico. Contudo, o trifosfato de
trifluridina não só é incorporado no DNA vírico, como
também no DNA da célula hospedeira, o que impede o
seu uso sistémico (de facto, quando administrada por via
sintética, a trifluridina induz mielotoxicidade).

Assim, este fármaco é administrado por via tópica, revelando-se eficaz


na terapia da querato-conjuntivite e queratite epitelial recorrente por
HSV-1 e HSV-2. Para além disso, a aplicação cutânea deste fármaco
(isoladamente ou em combinação com o interferão α) revela-se eficaz
na terapia de infecções por estirpes de HSV resistentes ao aciclovir.

Idoxuridina

A idoxuridina é um análogo iodado da timidina que actua


por inibição da replicação in vitro de vários vírus de DNA,
incluindo os herpesvírus e os poxvírus. A idoxuridina
carece de selectividade, de tal modo que, mesmo quando
administrada em baixas doses, inibe o crescimento das
células não infectadas, podendo exercer efeitos
mielotóxicos.
No que concerne ao seu mecanismo de acção, o trifosfato de idoxuridina
incorpora-se no DNA vírico e celular, inibindo a síntese de DNA. De facto,
o DNA com idoxuridina é mais frequentemente alvo de lesões e erros de
transcrição. Note-se que a resistência a este fármaco desenvolve-se
rapidamente.

Em termos clínicos, a idoxuridina é usada na terapia da queratite


causada pelo HSV, sendo aplicada por via tópica. Para além disso, este
fármaco pode ser usado na terapia tópica do herpes labial, genital e
zoster. As reacções adversas deste fármaco incluem dor, prurido,
inflamação e edema ocular ou palpebral. O desenvolvimento de
reacções alérgicas constitui um fenómeno raro.

Brivudina
A brivudina é um análogo de timidina incorporado no DNA vírico, que
bloqueia a acção das polimerases de DNA, inibindo a replicação dos
herpesvírus. Por comparação com os restantes anti-herpéticos, este
fármaco revela-se mais eficaz contra o VZV. Os seus principais efeitos
adversos incluem perturbações gastro-intestinais, sendo que este
fármaco é tão bem tolerado como o aciclovir.

Vidarabina
A vidarabina é um anti-vírico com acção contra o HSV e VZV que,
devido à sua toxicidade, apenas é sistemicamente usado em casos de
infecção por HSV ou VZV potencialmente fatal (ou que possa colocar
em risco a visão). Para além disso, este fármaco é usado na terapia
tópica da queratite epitelial por HSV. Este anti-vírico revela-se menos
eficaz que o aciclovir no que concerne à terapia da encefalite por HSV e
infecções por HSV e VZV em imunocomprometidos, embora possa ser
usado nesse contexto.

Agentes usados na terapia de infecções por


citomegalovírus
As infecções por citomegalovírus (CMV) ocorrem, sobretudo, num
contexto de imunossupressão avançada, devendo-se normalmente à
reactivação de uma infecção latente. A disseminação dessa infecção
resulta na ocorrência de lesões terminais em vários órgãos, cursando
com retinite, colite, esofagite, pneumonite, e doença do sistema nervoso
central.

No passado, a terapia destas lesões baseava-se maioritariamente na


administração intra-venosa de ganciclovir, foscarnet e cidofovir. Todavia,
actualmente, recorre-se preferencialmente à administração oral de
valganciclovir e à administração intra-ocular de ganciclovir.

Ganciclovir
O ganciclovir é um análogo acíclico de
guanosina que actua por inibição
competitiva da DNA polimerase vírica e
subsequente supressão do
elongamento do DNA vírico. Para que
este fármaco seja activo, este deverá
sofrer uma tri-fosforilação, sendo que a
fosforilação inicial é catalisada pela
fosfotransférase UL97, que constitui
uma cínase vírica apenas presente nas
células infectadas por CMV. O
ganciclovir revela-se activo contra o
CMV, HSV, VZV, EBV, HHV-6 e HHV-8
– a sua actividade contra o CMV é
cerca de cem vezes superior à do
aciclovir.

O ganciclovir pode ser administrado por


via intra-venosa, oral, ou intra-ocular.
Este fármaco apresenta fraca
biodisponibilidade oral, embora se
distribua para o fluido cefalo-
raquidiano. O seu período de semi-vida
plasmática ronda as quatro horas,
enquanto o seu tempo de semi-vida
intracelular ronda as 16-24 horas. O
ganciclovir é excretado por via renal,
sendo rapidamente eliminado por
hemodiálise.

Em pacientes com SIDA, a administração intra-venosa de ganciclovir


leva a um atraso na progressão da retinite por CMV – este efeito
encontra-se exacerbado aquando da co-administração do ganciclovir
com foscarnet (vide infra). Quando administrado por via intra-venosa, o
ganciclovir pode ainda ser usado na terapia da colite, esofagite e
pneumonite por CMV (esta última perturbação é ocasionalmente tratada
com recurso à administração simultânea de ganciclovir e
imunoglobulinas anti-citomegalovírus). Em pacientes submetidos a
transplantes, o ganciclovir intra-venoso reduz o risco de infecção por
CMV.

Em pacientes com SIDA, a administração oral de ganciclovir pode ser


usada na prevenção das lesões terminais induzidas pelo CMV. De
facto, a administração oral deste fármaco, embora menos eficaz, revela-
se mais segura que a administração intra-venosa, acarretando um risco
inferior de supressão medular. Note-se ainda que, em pacientes com
SIDA, o ganciclovir reduz o risco de sarcoma de Kaposi, algo que
provavelmente se deve à sua acção contra o HHV-8.

Quando administrado por via intra-ocular, o ganciclovir


pode ser usado na terapia da retinite por CMV. Contudo,
nestes casos, dever-se-á proceder à co-administração de
um agente anti-CMV sistémico, de modo a evitar a
ocorrência de lesões terminais em outros órgãos.

A resistência ao ganciclovir aumenta em função do seu


tempo de uso. A mutação mais comum (UL97) resulta
numa diminuição dos níveis da forma tri-fosforilada
(activa) deste fármaco. Por seu turno, a mutação UL54
afecta a DNA polimerase,

estando associada a maiores níveis de resistência e a potencial


resistência cruzada com o cidofovir e o foscarnet.

A supressão medular constitui o principal efeito adverso resultante do


uso sistémico de ganciclovir, manifestando-se sobretudo após uso intra-
venoso deste fármaco. Note-se que o risco de supressão medular
encontra-se potenciado em pacientes simultaneamente submetidos a
terapia com zidovudina, azatioprina ou mofetil de micofenolato. Para
além disso, o ganciclovir pode induzir náusea, diarreia, febre, rash,
cefaleias, insónias, deslocamento da retina e neuropatia periférica. Já
foram ainda descritos casos de hepatotoxicidade e neurotoxicidade
(confusão, convulsões e perturbações psiquiátricas).

A co-administração de ganciclovir e didanosina pode resultar num


aumento dos níveis deste último fármaco. Por outro lado, os níveis de
ganciclovir podem aumentar em pacientes simultaneamente submetidos
a terapia com probenecid ou trimetoprima.

Valganciclovir
valganciclovir constitui o éster L-valil do
ganciclovir, consistindo numa mistura de
dois diastereómeros. Este fármaco é
utilizado na terapia da retinite por CMV em
pacientes com SIDA, bem como na
prevenção das infecções por CMV em
pacientes submetidos a transplantes renais
e cardíacos. Os seus efeitos adversos,
interacções farmacológicas, e padrões de
resistência são similares aos do ganciclovir.

O valganciclovir é bem absorvido por via oral, sendo rapidamente


metabolizado em ganciclovir por acção de esterases hepáticas e
intestinais. Note-se que, para além do ganciclovir, não são conhecidos
outros metabolitos deste fármaco. O valganciclovir apresenta uma
biodisponibilidade oral de 60%, devendo ser administrado com os
alimentos. Este fármaco é maioritariamente eliminado por via renal,
tanto por filtração glomerular como por secreção tubular activa.

Foscarnet

O foscarnet (ácido fosfonofórmico) é um análogo do


pirofosfato inorgânico que inibe directamente a DNA
polimerase vírica, a RNA polimerase vírica e a
transcriptase reversa do HIV. Este fármaco demonstra
actividade in vitro contra o HSV, VZV, CMV, EBV, HHV-6,
HHV-8 e HIV-1.

Em termos moleculares, o foscarnet actua nas enzimas supracitadas,


bloqueando o local de ligação ao pirofosfato e, por conseguinte, inibindo
a clivagem dos grupos pirofosfato presentes nos trifosfatos de
deoxinucleotídeos. Note-se que este fármaco é activo per se, não
requerendo activação por fosforilação intracelular.

O foscarnet apenas pode ser administrado por via intra-venosa, sendo


que o seu uso oral encontra-se interdito pela sua baixa
biodisponibilidade e pelo facto de induzir intolerância gastro-intestinal.
Não obstante apresentar um período de semi-vida plasmático de 3-6,8
horas, este fármaco deposita-se amplamente no osso, onde o seu
período de semi-vida ascende a alguns meses. O foscarnet revela-se
capaz de penetrar na barreira hemato-encefálica, sendo que a sua
eliminação processa-se maioritariamente por via renal.

O foscarnet é eficaz na terapia da retinite, colite e esofagite por CMV,


bem como na terapia de infecções por HSV e VZV resistentes ao
aciclovir. O ganciclovir e o foscarnet desempenham um efeito sinérgico
contra o CMV, de tal modo que, em pacientes com retinite por CMV, a
co-administração destes dois agentes revela-se mais eficaz que a
administração isolada de cada um destes fármacos. Tal como se verifica
com o ganciclovir, o uso de foscarnet a longo-prazo está associado a
uma redução da incidência de sarcoma de Kaposi.

Em pacientes com SIDA, é frequente proceder à administração intra-


vítrea de foscarnet para terapia da retinite por CMV. Todavia, a
segurança e eficácia deste processo ainda não estão validadas.

A resistência ao foscarnet resulta sobretudo da ocorrência de mutações


na DNA polimerase do HSV e CMV, as quais ocorrem maioritariamente
após exposição repetida ou prolongada a este fármaco. Para além
disso, já foram descritas mutações no gene da transcriptase reversa do
HIV-1. Note-se que, embora os CMV resistentes ao foscarnet
evidenciem normalmente resistência cruzada contra o ganciclovir; o
foscarnet revela-se capaz de actuar contra CMV resistentes ao
ganciclovir ou ao cidofovir.

De entre os principais efeitos adversos do foscarnet, destaque para as


perturbações renais, alterações nos níveis de cálcio e fosfato,
hipocalémia e hipomagnesémia. A prevenção dos efeitos nefrotóxicos
pode passar pela evicção da co-administração de outros fármacos
nefrotóxicos. Por outro lado, o foscarnet não deverá ser co-administrado
com a pentamidina, sob pena de se registar um maior risco de
hipocalcémia grave e, por conseguinte, de ulcerações penianas.

O foscarnet pode ainda induzir náusea, vómitos, anemia (sobretudo em


pacientes também submetidos a terapia com zidovudina), elevação das
enzimas hepáticas e fadiga. Para além disso, este fármaco pode
exercer vários efeitos mutagénicos e neurotóxicos, tais como cefaleias,
alucinações e convulsões (as quais se encontram potenciadas aquando
da co-administração de imipenema).

Cidofovir

O cidofovir é um análogo nucleotídico acíclico da


citosina que apresenta actividade in vitro contra o
CMV, HSV-1, HSV-2, VZV, EBV, HHV-6, HHV-8, HIV,
adenovírus, poxvírus, e poliomavírus. A activação do
cidofovir requer a ocorrência de uma dupla
fosforilação, a qual é independente da acção de
enzimas víricas. Assim, este fármaco não perde
actividade contra estirpes de CMV ou HSV que
apresentem mutações/défice da cínase de timidina.

O difosfato de cidofovir (metabolito activo do cidofov


ir) actua

simultaneamente como um inibidor e como um substrato alternativo da


DNA polimerase vírica. De facto, este composto não só inibe
competitivamente a síntese de DNA, como também é incorporado no
DNA vírico. Note-se que as estirpes resistentes ao cidofovir tendem a
manifestar resistência cruzada contra o ganciclovir, mas permanecem
susceptíveis ao foscarnet.

O cidofovir apresenta baixa biodisponibilidade oral, embora esta seja


superior à do seu metabolito activo. Por outro lado, o cidofovir
apresenta um período de semi-vida de 2,6 horas, enquanto o seu
metabolito activo apresenta um período de semi-vida intracelular de 17-
65 horas. Já a fosfocolina de cidofovir, um outro metabolito do
cidofovir, apresenta um período de semi-vida mínimo de 87 horas,
parecendo actuar como um reservatório intracelular do fármaco activo.

O cidofovir apresenta fraca capacidade de penetração no fluido cefalo-


raquidiano. Este fármaco é eliminado por secreção tubular activa,
encontrando-se contra-indicado para pacientes com insuficiência renal.

Quando administrado por via intra-venosa, o cidofovir revela-se eficaz


na terapia na retinite por CMV. Contudo, o cidofovir deverá ser co-
administrado com o probenecid, uma vez que, ao bloquear a secreção
tubular activa, este último fármaco diminui a nefrotoxicidade do
cidofovir. Para além disso, o cidofovir pode ser usado na terapia do
herpes mucocutâneo/genital, estando particularmente indicado para
pacientes resistentes ao ganciclovir e ao foscarnet. Por fim, o cidofovir
pode ser usado na terapia da querato-conjuntivite (sobretudo em
pacientes transplantados), da infecção por adenovírus, do molusco
contagioso (sobretudo em pacientes com HIV) e do CIN III.

A nefrotoxicidade tubular proximal (que pode cursar com proteinúria,


azotemia, acidose metabólica e síndrome de Fanconi) constitui o
principal efeito adverso resultante do uso intra-venoso de cidofovir. A
pré-hidratação pode prevenir a ocorrência de nefrotoxicidade, enquanto
a co-administração de outros agentes potencialmente nefrotóxicos
(incluindo a anfotericina B, aminoglicosídeos, anti-inflamatórios não-
esteróides, pentamidina, e foscarnet) poderá exacerbar este efeito
adverso.

O cidofovir pode induzir ainda teratogenicidade e efeitos oculares


tóxicos (tais como uveíte e hipotonia ocular), de tal modo que não deve
ser administrado por via intra-vítrea directa. Note-se que a co-
administração de probenecid pode resultar na génese de outros efeitos
tóxicos e/ou interacções farmacológicas.

Maribavir
O maribavir é um ribosídeo de benzimidazol que se revela activo
contra o CMV. Contrariamente aos restantes agentes, que actuam por
inibição da DNA polimerase, o maribavir inibe a estruturação do DNA
viral, bem como a saída da cápside vírica a partir do núcleo das células
infectadas.

Agentes usados na terapia das hepatites víricas

Interferão alfa
Os interferões são citocinas endógenas que exercem complexas
acções anti-víricas, imunomoduladoras e anti-proliferativas. Existem três
grandes tipos de IFN: IFN-α, IFN-β (estas duas moléculas são
interferões de tipo I) e IFN-γ (interferão do tipo II). Ora, o interferão
alfa (IFN-α) é usado na terapia de várias hepatites víricas, pois, ao
ligar-se a receptores membranares específicos, activa várias vias
intracelulares de sinalização que potenciam a resposta imune,
induzindo:

Maior resistência celular à infecção vírica (ocorrendo inibição da


penetração, tradução, transcrição, processamento, maturação e
libertação vírica).

Maior expressão de antigénios do MHC.

Aumento da actividade fagocítica macrofágica.

Potenciação da proliferação e sobrevivência das células T


citotóxicas.

Algumas formas de IFN-α podem ser utilizadas na terapia de infecções


causadas pelo vírus da hepatite B (HBV) ou pelo vírus da hepatite C
(HCV). O IFN-α pode ser administrado sob a forma não-modificada ou
sob a forma peguilada – o IFN-α peguilado resulta da adição de grupos
glicol de polieteno à molécula de IFN-α, revelando-se mais eficaz que
os seus homólogos não-modificados. Note-se que todas as formas de
IFN-α são administradas por via injectável.

IFN-α-2a e o IFN-α-2b podem ser administrados por via subcutânea ou


intra-muscular, apresentando um período de semi-vida de 2-5 horas
(dependendo do seu modo de administração). Por seu turno, o IFN
alfacon-1 deverá ser administrado por via subcutânea, apresentando
um período de semi-vida de 6-10 horas. Todas estas formas de IFN-α
são filtradas no glomérulo, sofrendo rápida degradação proteolítica
aquando da sua

reabsorção tubular.
De facto, apenas
fracções desprezáveis

destesfármacossofrem

metabolização
hepática e
subsequente excreção
biliar.

Em pacientes com
infecção crónica por
HBV, a administração
de IFN-α resulta num
aumento da
seroconversão do
HBeAg, bem como
numa diminuição dos
níveis detectáveis de
DNA vírico (vide infra).
A magnitude destes
efeitos é superior
aquando da
administração de IFN-
α peguilado.
O uso de formas
peguiladas não só é
vantajoso na terapia
das infecções por
HBV, como também
se revela benéfico na
terapia de infecções
por HCV. De facto, em
pacientes com
infecção crónica por
HCV, o IFN-α-2a
peguilado e o IFN-
α-2b peguilado
podem ser
administrados num
menor número de
doses diárias, devido
ao facto de
apresentarem maiores
períodos de semi-
vida. Note-se que os
IFN peguilados são
parcialmente
eliminados por via
renal, devendo se
proceder a ajustes
posológicos em
indivíduos com
insuficiência renal.

De entre os principais efeitos adversos do IFN-α, destaque para uma


síndrome do tipo febril, a qual cursa com cefaleias, febre, arrepios e
mialgias. Esta síndrome ocorre na primeira semana de terapia e tende a
desaparecer com o uso continuado de IFN-α.

O IFN-α pode ainda induzir efeitos neurotóxicos (alterações do estado


de humor, depressão, sonolência, confusão e convulsões), supressão
medular, fadiga profunda, perda de peso, rash, tosse, mialgia, alopécia,
tinito, perda reversível da audição, retinopatia e pneumonite. Para além
disso, pode ocorrer formação de auto-anticorpos, o que poderá causar
exacerbação de doenças auto-imunes.

IFN-α encontra-se contra-indicado em grávidas e pacientes com


descompensação hepática, doenças auto-imunes, e historial de
arritmias cardíacas. Para além disso, o IFN-α deverá ser
cautelosamente administrado a pacientes com doença psiquiátrica,
epilepsia, doença tiroideia, doença cardíaca isquémica, insuficiência
renal grave, edema, transplante e citopenia.

A co-administração de IFN-α com teofilina ou metadona resulta num


aumento dos níveis plasmáticos destes últimos fármacos. Por outro
lado, o IFN-α não deverá ser co-administrado com a didanosina, sob
pena de se registar um aumento do risco de insuficiência hepática. Por
fim, a co-administração de IFN-α com zidovudina pode exacerbar a
ocorrência de citopenias.

Terapia da infecção por vírus da hepatite B


A terapia crónica da hepatite B procura assegurar uma supressão
sustentada da replicação do HBV, atrasando a progressão de doença
hepática, prevenindo a ocorrência de ulteriores complicações
(nomeadamente cirrose, insuficiência hepática e carcinoma
hepatocelular), e reduzindo a necessidade de transplante hepático.

Em termos laboratoriais, a terapia crónica do HBV procura assegurar o


cumprimento de três objectivos fundamentais:

Reduzir os níveis de DNA do HBV para valores indetectáveis

Potenciar a seroconversão do HBeAg (ou seja levar a que os


indivíduos passem de um estado HBeAg-positivo para um estado
HBeAg-negativo).

Reduzir os níveis de transaminases hepáticas.

O cumprimento destes objectivos está associado a um menor risco de


doença necro-inflamatória, carcinoma hepato-celular e cirrose, bem
como a uma menor necessidade de transplante hepático. Ora, todos os
fármacos usados na terapia do HBV revelam-se capazes de atingir os
objectivos supracitados. Todavia, uma vez que estes fármacos apenas
suprimem a replicação do HBV (em vez de erradicarem o vírus), as
respostas iniciais podem não perdurar.

Actualmente, são utilizados sete fármacos na terapia da infecção


crónica por HBV – dois interferões (IFN-α-2b e IFN-α-2a peguilado) e
cinco análogos nucleosídicos/nucleotídicos (lamivudina, dipivoxil de
adefovir, tenofovir, entecavir e telbivudina). Ora, estas duas classes de
fármacos diferem em vários parâmetros importantes:

Os análogos nucleosídicos/nucleotídicos são melhor tolerados,


podendo inclusive ser cronicamente usados em pacientes com
doença hepática descompensada.

Os análogos nucleosídicos/nucleotídicos despoletam uma maior


taxa de resposta, embora actuem mais lentamente.

Os análogos nucleosídicos/nucleotídicos podem ser


administrados por via oral, enquanto os interferões são sempre
administrados por via injectável.

Os interferões despoletam uma resposta mais sustentada após


descontinuação.

Por comparação com os interferões, os análogos


nucleosídicos/nucleotídicos estão mais frequentemente
associados à génese de resistência. Todavia, os análogos
nucleotídicos revelam-se eficazes em situações de resistência
aos análogos nucleosídicos, e vice-versa.

Alguns agentes anti-HBV, tais como a lamivudina, o dipivoxil de adefovir


e o tenofovir, também demonstram actividade anti-HIV. Por seu turno, a
emtricitabina, um NRTI anti-retrovírico, poderá vir a ser usada na
terapia do HBV. De qualquer modo, em pacientes co-infectados com
HBV e HIV, a descontinuação de anti-retrovíricos eficazes contra estes
dois vírus pode resultar numa exacerbação aguda da hepatite.

Dipivoxil de adefovir
O dipivoxil de adefovir consiste na forma diéster do
adefovir (o qual constitui um análogo nucleotídico da
adenina). De facto, após ser administrado, este pró-
fármaco sofre a acção de esterases intestinais e
plasmáticas, sendo rapidamente e completamente
convertido em adefovir.

No interior das células, o adefovir sofre uma dupla


fosforilação, sendo convertido num metabolito activo
difosforilado, o qual inibe competitivamente a DNA
polimerase, incorporando-se no DNA vírico e
promovendo o término da síntese de DNA. Note-se
que o adefovir é activo contra vários vírus de DNA e
RNA, incluindo o HBV, HIV e herpes-vírus.

De todos os agentes orais usados na terapia da hepatite B, o adefovir


constitui o menos capaz de induzir conversão do antigénio HBeAg,
constituindo ainda o agente que suprime mais lentamente os níveis de
DNA vírico.

O risco de resistência aumenta a par com o tempo da terapia, embora


não esteja descrita resistência cruzada entre o adefovir e a lamivudina
(o que explica porque é que o adefovir é utilizado em infecções por
estirpes resistentes à lamivudina). Note-se, contudo, que já foram
descritas estirpes de HBV naturalmente resistentes ao adefovir.

O dipivoxil de adefovir apresenta uma biodisponibilidade oral de 59%, a


qual não é afectada pelos alimentos. Este fármaco manifesta baixa
capacidade de ligação às proteínas plasmáticas, apresentando um
período de semi-vida longo (5-18 horas) e compatível com a
administração de uma única dose diária. O adefovir é simultaneamente
eliminado por filtração glomerular e secreção tubular activa, sendo
necessário proceder a ajustes posológicos em pacientes com
insuficiência renal. Por oposição, não são necessários quaisquer
ajustes em pacientes com doença hepática descompensada.

Embora seja bem tolerado, o dipivoxil de adefovir pode induzir


nefrotoxicidade (dependente da dose), sobretudo em pacientes com
insuficiência renal prévia ou que tenham sido submetidos a elevadas
doses deste fármaco. Para além disso, o adefovir pode induzir
cefaleias, diarreia, astenia e dor abdominal. Tal como se verifica com
outros NRTIs, o adefovir pode induzir disfunção mitocondrial e, por
conseguinte, acidose láctica e esteatose hepática.

O dipivoxil de adefovir não participa em nenhuma interacção


farmacológica clinicamente importante. Todavia, o ácido piválico (que
constitui um metabolito do dipivoxil de adefovir) revela-se capaz de
esterificar a carnitina livre, potenciando uma diminuição dos níveis de
carnitina. Todavia, este fenómeno não obriga à administração de
suplementos de carnitina.

Lamivudina

A lamivudina é simultaneamente usada na terapia do HBV e HIV,


embora apresente um maior período de semi-vida intracelular nas
células infectadas pelo HBV. Assim, por comparação com os pacientes
com HIV, os pacientes com hepatite B são submetidos a doses
inferiores (ou menos frequentes) de lamivudina.

A lamivudina é um análogo nucleosídico de citosina que inibe a DNA


polimerase do HBV e a transcriptase reversa do HIV. De facto, este
fármaco compete com o trifosfato de deoxicitidina pela incorporação no
DNA vírico, suprimindo a síntese de DNA. Numa fracção significativa de
pacientes, a lamivudina reduz os níveis de DNA do HBV para valores
indetectáveis. Para além disso, em cerca de um quinto dos pacientes,
ocorre seroconversão do HBeAg, a qual pode perdurar por um período
de tempo que pode ascender até três anos. Note-se, contudo, que o
risco de recidivas após descontinuação de lamivudina é particularmente
grave.

Embora a lamivudina promova uma supressão vírica rápida e eficaz, o


uso crónico deste fármaco pode ser limitando pela génese de estirpes
de HBV resistentes, tais como o L180M e o M204I/V (note-se que este
fenómeno revela-se particularmente comum). A resistência à lamivudina
revela-se particularmente perigosa, dado cursar com doença hepática
progressiva com “crises” de hepatite agudizada. De referir que pode
ocorrer resistência cruzada entre a lamivudina e a emtricitabina ou o
entecavir, embora o adefovir permaneça activo contra as estirpes de
HBV resistentes à lamivudina.
Nas doses usadas para terapia da hepatite B, a lamivudina revela-se
extremamente segura (podendo inclusive ser administrada a pacientes
com doença hepática descompensada), sendo rara a ocorrência de
efeitos adversos. Já em pacientes co-infectados com HIV, este fármaco
potencia o risco de pancreatite, embora não pareça exercer efeitos
tóxicos mitocondriais.

Em termos farmacocinéticos, a lamivudina apresenta uma


biodisponibilidade de 80% e uma reduzida capacidade de ligação às
proteínas plasmáticas (36%). A sua semi-vida ronda as 5-7h, sendo que
as suas concentrações plasmáticas são cerca de três vezes superiores
às atingidas no fluido cefalo-raquidiano.

Entecavir

O entecavir é um análogo de guanosina que


inibe competitivamente todas as funções da DNA
polimerase do HBV, incluindo a adição de
primers, a transcrição reversa da cadeia
negativa, e a síntese da cadeia positiva de DNA.

Este fármaco apresenta uma biodisponibilidade


oral próxima de 100%, a qual se encontra
diminuída na presença de alimentos (o entecavir
deverá ser tomado em jejum). O seu composto
fosforilado activo apresenta um período de semi-
vida intracelular de 15 horas, sendo
simultaneamente eliminado por filtração
glomerular e secreção tubular.

Por comparação com a lamivudina, o entecavir induz uma taxa similar


de seroconversão do HBeAg, mas maior taxa de supressão do DNA do
HBV. Para além disso, o entecavir normaliza os níveis séricos de amino-
transferases de alanina de modo mais eficaz.

Comparativamente à lamivudina, o uso de entecavir encontra-se menos


frequentemente associado à génese de resistência. De facto, embora o
uso de entecavir possa resultar na selecção de estirpes portadoras da
mutação S202G, o desenvolvimento de resistência clínica constitui um
fenómeno raro.

O entecavir é normalmente bem tolerado, sendo que os seus principais


efeitos adversos incluem cefaleias, fadigas, tonturas e náuseas. Note-se
que o entecavir não deve ser co-administrado com fármacos que
reduzam a função renal ou compitam pela secreção tubular activa, sob
pena de se registar um aumento das concentrações séricas de qualquer
um dos fármacos administrados.

Telbivudina

A telbivudina é um análogo de timidina cujo metabolito


activo (fosforilado) actua por inibição competitiva da
DNA-polimerase do HBV, incorporando-se no DNA
vírico e promovendo o término da síntese de DNA. Por
comparação com a lamivudina, a telbivudina induz
maior supressão do DNA do HBV e maior
seroconversão do HBeAg. De referir que a telbivudina
não actua contra o HIV-1.

A biodisponibilidade oral da telbivudina não é afectada


pelos alimentos. Este fármaco apresenta baixa
capacidade de ligação às proteínas plasmáticas e
ampla

distribuição. No meio intracelular, a telbivudina é fosforilada por cínases


que a convertem na sua forma trifosforilada activa, a qual apresenta um
período de semi-vida de 14 horas. A telbivudina é excretada por via
renal, não sendo conhecidas quaisquer interacções farmacológicas.

Os principais efeitos adversos deste fármaco incluem fadiga, cefaleias,


dor abdominal, infecções do tracto respiratório superior, náuseas,
vómitos, e aumento dos níveis de fosfocínase de creatinina. Tal como
se verifica com outros análogos nucleosídicos, o uso de telbivudina
pode resultar em acidose láctica e hepatomegalia com esteatose. No
que concerne ao desenvolvimento de resistência, esta está
frequentemente associada à presença da mutação M204I.
Tenofovir

O tenofovir é um análogo nucleotídico da adenosina


usado na terapia do HIV e de infecções crónicas por
HBV. Este fármaco revela-se activo contra estirpes de
HBV resistentes à lamivudina e entecavir, embora
apresente menor actividade contra as estirpes
resistentes ao adefovir. Embora apresente uma
estrutura similar à do dipivoxil de adefovir, o tenofovir
revela-se mais eficaz em pacientes com infecção
crónica por HBV, demonstrando, por exemplo, maior
supressão do DNA vírico. Para além disso, por
comparação com o adefovir, o uso de tenofovir está
menos frequentemente associado à génese de
resistência.

Agentes em investigação

Actualmente, estão a ser desenvolvidos vários agentes para a terapia do


HBV, nomeadamente:

Análogos nucleosídicos: Emtricitabina, clevudina, valtrocitabina,


pradefovir e alamifovir

Moduladores imunológicos: Timosina α-1

Agentes que facilitam a captação hepática e compostos de


interferência com o RNA.

Terapia da infecção por vírus da hepatite C


Contrariamente ao que se verifica no caso da infecção crónica por HBV,
a erradicação vírica constitui o principal objectivo inerente à terapia dos
pacientes infectados por HCV. Essa erradicação é assinalada pela
obtenção de uma resposta vírica sustentada (SVR), a qual se define
pela ausência de virémia detectável num período de seis meses após
término da terapia. A obtenção de SVR constitui um bom factor de
prognóstico, dado estar associada a uma melhoria da histologia
hepática, a uma diminuição do risco de hepatocarcinoma, a um baixo
risco de recidivas, e, possivelmente, a uma regressão da cirrose.

Em pacientes com hepatite C aguda não submetidos a terapia, a taxa


de eliminação do HCV ronda os 15-30%. Por oposição, em pacientes
submetidos à administração de IFN-α-2b, a taxa de eliminação do HCV
ronda os 95%. Deste modo, a terapia anti-vírica costuma iniciar-se
apenas doze semanas após a seroconversão inicial, caso ainda ocorra
persistência do HCV. Para além disso, a terapia da infecção crónica por
HCV encontra-se recomendada para pacientes com risco aumentado de
cirrose.

terapia standard da hepatite C consiste na co-administração de IFN-α


peguilado e ribavirina. De facto, esta combinação revela-se mais eficaz
que o uso isolado de cada um destes fármacos, sendo que a
monoterapia com IFN-α peguilado encontra-se apenas recomendada
para pacientes incapazes de tolerar a ribavirina. Note-se que, por
comparação com as formas não-modificadas, as formas peguiladas do
IFN-α revelam-se mais eficazes em co-administração com a ribavirina.

Os factores associados a uma resposta favorável à terapia da hepatite


C incluem a infecção por vírus com genótipo 2 ou 3, a ausência de
cirrose hepática, e a existência de baixos níveis basais de HCV.

Ribavirina

A ribavirina é um análogo da guanosina que inibe a


replicação de um vasto conjunto de vírus de DNA e
RNA, incluindo o HCV, HIV-1, paramixovírus, vírus
sincicial respiratório, influenza A, influenza B, e para-
influenza. De modo a exercer a sua actividade, a
ribavirina deverá ser alvo de três fosforilações
intracelulares, a qual são mediadas por enzimas das
células hospedeiras. Note-se que os eritrócitos
constituem o principal reservatório da forma tri-
fosforilada da ribavirina, o que poderá explicar porque é
que este fármaco pode causar anemia hemolítica.
O mecanismo de acção do trifosfato de ribavirina ainda não se encontra
completamente elucidado. De facto, este fármaco parece actuar por
vários mecanismos, incluindo:

Interferência com a síntese de trifosfato de guanosina – Este


mecanismo parece ser maioritariamente mediado pela ribavirina
mono-fosforilada, por inibição da desidrogénase de
monofosfato de inosina.

Inibição do capping do mRNA viral.

Inibição da polimerase dependente de RNA de certos vírus –


Este mecanismo parece ser maioritariamente dependente da
acção da ribavirina tri-fosforilada.

A biodisponibilidade oral da ribavirina (que, em condições normais,


ronda os 45-64%) aumenta na presença de alimentos, mas diminui na
presença de anti-ácidos. A ribavirina apresenta uma capacidade
desprezável de ligação às proteínas plasmáticas, mas um amplo
volume de distribuição, e uma boa capacidade de travessia da barreira
hemato-encefálica. A ribavirina é maioritariamente excretada por via
renal, de tal modo que a sua clearance encontra-se diminuída em
pacientes com insuficiência renal.

Em indivíduos infectados com estirpes menos susceptíveis à acção da


ribavirina, a administração de doses elevadas deste fármaco pode se
revelar benéfica, embora acarrete um maior risco de efeitos adversos. A
anemia hemolítica constitui o principal efeito adverso resultante do uso
de ribavirina, embora este fármaco também possa induzir depressão,
fadiga, irritabilidade, rash, tosse, insónias, náusea, prurido e
hiperbilirrubinemia. Para além disso, a ribavirina é gonadotóxica e
carcinogénica.

De entre as contra-indicações para o uso de ribavirina, destaque para a


anemia, insuficiência renal terminal e doença vascular isquémica. Para
além disso, este fármaco não deverá ser administrado a mulheres
grávidas, dado exercer acções teratogénicas e embriotóxicas. Na
verdade, os indivíduos expostos à ribavirina não deverão procriar, pelo
menos, nos seis meses subsequentes.
Agentes em investigação

Actualmente, estão a ser investigados vários agentes para a terapia do


HCV, nomeadamente:

Inibidores da RNA polimerase do HCV: Valopicitabina

Inibidores da protease: Telaprevir

Análogos da ribavirina: Merimepodib e viramidina

Imunomoduladores: Timosina α-1

Outros fármacos, incluindo um anticorpo anti-aminofosfolipídeos e


um inibidor das caspases

Agentes usados na terapia das infecções por


influenza
As estirpes de influenza são
designadas de acordo com as
suas proteínas da nucleocápside
(A, B ou C), espécie de origem
(aviária, suína…), e local
geográfico de isolamento. O
influenza A constitui a única
estirpe responsável por
pandemias, sendo classificado de
acordo com os seus subtipos de
proteínas de superfície. De
relembrar que existem 16
subtipos de hemaglutinina (H) e
9 tipos de neuraminidase (N), os
quais se podem combinar entre si
das mais variadas maneiras.

Contrariamente aos vírus


influenza B, que apenas infectam
humanos, os vírus influenza A
revelam-se capazes de infectar
vários hospedeiros animais.
Conhecem-se, pelo menos,
quinze subtipos de influenza A
capazes de infectar aves, as
quais constituem um importante
reservatório deste vírus. Embora
os subtipos de influenza aviária
mantenham-se normalmente
confinados às respectivas
espécies de aves, estes podem
sofrer mutações, passando a
revelar-se patogénicos para

o homem – o H5N1 e o H7N9 constituem importantes exemplos destes


vírus.

Embora os anti-víricos usados na terapia do influenza exerçam acção


contra o influenza A, a maioria das estirpes H1, H3 e H5N1 revela-se
resistente aos agentes da família do adamantano. Paralelamente, a
resistência ao oseltamivir tem aumentado significativamente.

Amantadina e rimantadina
A amantadina (hidrocloreto de 1-aminoadamantano) e a
rimantadina (que constitui o seu derivado metilado) são aminas
tricíclicas da família do adamantano que actuam apenas contra o
influenza A. Em termos moleculares, estas aminas bloqueiam os canais
protónicos M2 e inibem a replicação do RNA viral (por inibição do seu
uncoating), sendo que a rimantadina é cerca de 4-10 vezes mais activa
que a amantadina.

A amantadina é bem absorvida, apresentando um período de semi-vida


plasmático de 12-18 horas. No que concerne à sua excreção, este
fármaco é eliminado por via renal e de modo intacto, de tal modo que o
seu período de semi-vida é influenciado pelo grau de função renal.

Por seu turno, a rimantadina apresenta um período de semi-vida de 24-


36 horas. As concentrações de rimantadina no muco nasal são
superiores às suas concentrações plasmáticas, as quais, por seu turno,
são similares às suas concentrações na saliva e secreções nasais. No
que concerne à sua excreção, a rimantadina é eliminada por via renal
sob a forma de metabolitos inactivos, os quais se formam por
hidroxilação, conjugação e glicuronidação.

Em idosos e pacientes com insuficiência renal, as doses de amantadina


e rimantadina deverão ser alvo de ajustes, enquanto em pacientes com
insuficiência hepática, apenas é necessário ajustar as doses
administradas de rimantadina.

A proteína M2 da
membrana vírica constitui o
principal alvo da acção
destes fármacos, o que
explica a sua selectividade
contra o influenza A.
Contudo, a proteína M2
encontra-se
particularmente susceptível
à ocorrência de mutações,
as quais podem conferir
resistência à acção da
amantadina e rimantadina.
Ora, esses vírus
resistentes podem se
revelar geneticamente
estáveis, o que explica o
recente aumento da
resistência à amantadina e
rimantadina e consequente
diminuição da utilidade
destes agentes na terapia
e prevenção do influenza.
Note-se, contudo, que não
se observa resistência
cruzada com o zanamivir e
o oseltamivir (embora se
verifique resistência
cruzada entre a
amantadina e a
rimantadina).

Os principais efeitos
adversos destes fármacos
versam o tracto gastro-
intestinal e o sistema
nervoso central. Os

efeitos gastro-intestinais incluem náusea e anorexia, enquanto os


efeitos centrais incluem irritabilidade, agitação motora, depressão,
cefaleias, dificuldades de concentração e insónia. Os efeitos
neurotóxicos destes fármacos podem ser exacerbados pela sua co-
administração com anti-histamínicos, anti-colinérgicos, hidroclorotiazida
e cotrimoxazol. Note-se que, por comparação com a rimantadina, a
amantadina induz mais frequentemente efeitos adversos de cariz
central, os quais parecem resultar de alterações da neuro-transmissão
dopaminérgica.

A presença de elevadas concentrações plasmáticas de amantadina


pode despoletar reacções neurotóxicas graves, sobretudo em
indivíduos idosos ou com insuficiência renal. Em termos clínicos, a
overdose aguda por amantadina cursa com manifestações anti-
colinérgicas, psicose, alucinações e convulsões. Assim, a amantadina e
a rimantadina encontram-se contra-indicadas em pacientes com
convulsões ou insuficiência cardíaca. Para além disso, o uso de
amantadina e rimantadina durante a gravidez pode se revelar danosa
para o produto da concepção.

Oseltamivir e zanamivir

O oseltamivir e o zanamivir
são análogos do ácido siálico
que actuam por inibição
competitiva e reversível da
neuraminidase. Esta enzima
vírica medeia a clivagem dos
resíduos terminais do ácido
siálico e destrói os
receptores celulares
reconhecidos pela
hemaglutinina, o que se
revela essencial para a
libertação dos vírus recém-
formados a partir das células
infectadas (sobretudo na
mucosa do tracto
respiratório). Ora, ao inibir a
acção da neuraminidase, o
oseltamivir potencia a
agregação viral à superfície
celular, perturbando assim o
alastramento da infecção ao
nível do tracto respiratório.

Contrariamente à amantadina e à rimantadina, o oseltamivir e o


zanamivir actuam simultaneamente contra o influenza A e influenza B.
Estes fármacos devem ser administrados precocemente (36-48 horas
após início dos sintomas, ou seja, antes da replicação vírica atingir o
seu auge), pois assim revelam-se mais eficazes e acarretam um menor
rol de efeitos adversos. Para além disso, quando usados
profilaticamente, estes fármacos revelam-se relativamente eficazes.
Note-se que o oseltamivir pode ser administrado a indivíduos com, pelo
menos, um ano de idade, enquanto o zanamivir apenas deve ser
administrado a pacientes com, pelo menos, sete anos.

O oseltamivir é um pró-fármaco passível de ser administrado por via


oral e cuja activação (em carboxilato de oseltamivir) está dependente
da acção de esterases hepáticas e intestinais. Este fármaco apresenta
uma biodisponibilidade oral de 80%, evidenciando uma fraca
capacidade de ligação às proteínas plasmáticas. O oseltamivir
apresenta uma ampla distribuição, sendo que as suas concentrações
plasmáticas são similares às atingidas no ouvido interno e fluido sinusal.
O período de semi-vida deste fármaco ronda as 6-10 horas, enquanto a
sua eliminação processa-se por filtração glomerular e secreção tubular
(sendo necessários ajustes posológicos em pacientes com insuficiência
renal).

Os principais efeitos adversos do oseltamivir incluem náusea, vómitos e


dor abdominal – note-se que a resolução destes efeitos ocorre
frequentemente de modo espontâneo. A administração de oseltamivir
às refeições não interfere com a sua absorção, mas pode diminuir o
risco de náusea e vómitos. Note-se que o oseltamivir, sobretudo quando
administrado com fins profiláticos, pode ainda causar cefaleias. Por seu
turno, o desenvolvimento de rash constitui um fenómeno raro.

O zanamivir tem fraca capacidade de absorção oral, de tal modo que é


administrado por inalação, depositando-se maioritariamente na
orofaringe. De facto, apenas 10-20% deste fármaco atinge os pulmões,
enquanto uma fracção ainda menor sofre absorção, sendo eliminada na
urina de modo quase intacto. De entre os efeitos adversos do zanamivir,
destaque para a tosse, broncospasmo, decréscimo reversível da função
pulmonar e desconforto transitório do nariz e garganta. De referir que
estes efeitos adversos são mais frequentes em indivíduos com asma e
doença pulmonar obstructiva crónica.

A resistência ao oseltamivir pode resultar de mutações pontuais nos


genes que codificam para a hemaglutinina ou para a neuraminidase. No
caso da estirpe H1N1, a fracção de vírus resistentes ao oseltamivir tem
vindo a aumentar substancialmente, embora uma fracção significativa
permaneça susceptível ao zanamivir. Por outro lado, a maioria das
estirpes de influenza A e influenza B permanece susceptível à co-
administração de oseltamivir e zanamivir.

Outros agentes anti-víricos

Interferões
Para além de poderem ser administrados na terapia das infecções por
HBV e HCV, os interferões (nomeadamente o IFN-α-2b e o IFN-α-n3)
podem ser usados na terapia do condiloma acuminado.

Ribavirina
Para além de poder ser usada na terapia da hepatite C, a ribavirina
pode ser administrada (por via inalatória) em crianças com bronquiolite
ou pneumonia causada por vírus sincicial respiratório, actuando num
sentido de reduzir a gravidade e duração da infecção. Para além disso,
no passado, a ribavirina inalatória chegou a ser usada na terapia das
infecções por influenza A e B.

Quando administrada por via inalatória, a ribavirina apresenta baixa


absorção sistémica, sendo normalmente bem tolerada. Todavia, este
fármaco pode causar irritação brônquica e, dado poder precipitar nas
lentes de contacto, irritação conjuntival.

A administração intra-venosa de ribavirina pode se revelar benéfica na


terapia de várias outras infecções víricas, incluindo:

Febres hemorrágicas víricas: A ribavirina diminui a mortalidade dos


pacientes com febre Lassa.

Infecção in utero por vírus do Nilo Ocidental

Pneumonia do sarampo

Encefalites víricas

Infecções graves do tracto respiratório inferior causadas por


influenza ou parainfluenza: A infusão contínua de ribavirina
parece resultar numa diminuição da shedding vírica

Palivizumab
O palivizumab é um anticorpo monoclonal humanizado que actua
contra o epítopo do antigénio A da proteína de superfície F do vírus
sincicial respiratório. Em termos clínicos, o palivizumab é usado na
prevenção de infecções causadas por vírus sincicial respiratório, sendo
administrado a bebés e crianças de elevado risco (incluindo recém-
nascidos prematuros ou crianças com displasia bronco-pulmonar ou
doença cardíaca congénita). Note-se que ainda não foram encontradas
estirpes resistentes a este anticorpo.

No que concerne aos seus principais efeitos adversos, destaque para


as infecções do tracto respiratório superior, febre, rinite, rash, diarreia,
vómitos, tosse, otite média, e aumento dos níveis séricos de amino-
transferases.

Imiquimod
O imiquimod é um modificador da resposta imune que se revela eficaz
na terapia tópica das verrugas genitais e peri-anais externas (das quais
o condiloma acuminado constitui um exemplo). Para além disso, este
fármaco actua contra as queratoses actínicas e, possivelmente, contra o
molusco contagioso (uma infecção causada pelo vírus do molusco
contagioso e que se caracteriza pela presença de bolhas cutâneas).

O imiquimod é administrado por via tópica, estando associado a um


baixo grau de recidiva. O desenvolvimento de reacções cutâneas locais
constitui o principal efeito adverso – embora a resolução destas
reacções normalmente ocorra num período de semanas, algumas
alterações pigmentares podem persistir. De referir que já foram
descritos casos de fadiga e síndromes do tipo febril.
Agentes anti-retrovíricos
Os retrovírus são vírus de RNA cuja replicação está dependente da
conversão desse RNA em DNA de cadeia dupla (o qual constitui o pró-
vírus), sendo esse processo mediado por uma DNA polimerase
designada por transcriptase reversa. Após ter sido sintetizado, o pró-
vírus é transportado para o núcleo, onde é integrado no DNA das
células hospedeiras, de modo a poder ser transcrito. Em termos
clínicos, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) constitui o
retrovírus mais importante, de tal modo que, neste texto, será dado
enfoque à farmacoterapia do HIV.

Actualmente, encontram-se já disponíveis vários agentes anti-


retrovíricos (pertencentes a seis classes distintas), algo que se revela
essencial, tendo em conta que a farmacoterapia do HIV recorre à co-
administração de três ou quatro agentes anti-retrovíricos diferentes
(este esquema terapêutico é designado por terapia anti-retrovírica
altamente activa - HAART). De facto, a adopção de uma terapia
combinada baseada em fármacos altamente eficazes reduz a replicação
vírica para os valores mais reduzidos possíveis, diminuindo a
probabilidade de resistência.

A susceptibilidade viral a cada fármaco varia de acordo com os


pacientes, podendo sofrer alterações ao longo do tempo, devido ao
desenvolvimento de resistência – de facto, já foi encontrada resistência
genotípica para todos os agentes anti-retrovíricos actualmente
utilizados. Note-se, contudo, que a adopção de terapias que atrasem ou
interrompam a replicação vírica revela-se crítica para a redução do
número de mutações cumulativas, tal como se verifica aquando do uso
de combinações de agentes com diferentes padrões de
susceptibilidade.

Em suma, os fármacos selecionados para terapia do HIV deverão ser


criteriosamente seleccionados, tendo em conta as características
individuais de cada paciente. Assim, para além da potência e
susceptibilidade, a selecção de anti-retrovíricos deverá ainda ter em
conta a sua tolerabilidade, conveniência e optimização da adesão.

Inibidores da transcriptase reversa nucleosídicos e


nucleotídicos (NRTIs)
Os NRTIs actuam por inibição competitiva da transcriptase reversa do
HIV-1, impedindo a sua ligação aos nucleotídeos e, por conseguinte,
promovendo uma interrupção prematura da síntese de DNA viral. Para
serem activos, os NRTIs deverão sofrer convertidos na sua forma
trifosfato – este processo requer a ocorrência de uma fosforilação intra-
citoplasmática, a qual é mediada por enzimas intracelulares. Note-se
que a maior parte dos NRTIs apresenta actividade simultânea contra o
HIV-1 e HIV-2. Em termos farmacocinéticos, o NRTIs não são
substratos das CYP. A sua excreção processa-se por via renal, excepto
no caso da zidovudina e abacavir (que são metabolizados por via
hepática).

De entre as principais mutações que conferem resistência aos NRTIs,


destaque para a M184V, L74V, D67N e M41L. Quando administradas
em regimes não-completamente supressores, a lamivudina e a
emtricitabina tendem a selecionar vírus portadores da mutação M184V.
Todavia, não obstante conferir menor susceptibilidade a alguns NRTIs
(nomeadamente abacavir, didanosina e zalcitabina), esta mutação pode
restabelecer a susceptibilidade à zidovudina. Por seu turno, a mutação
K65R encontra-se associada a uma menor susceptibilidade ao
tenofovir, abacavir, lamivudina e emtricitabina. Note-se, contudo, que a
resistência aos NRTIs requer normalmente a acumulação de mais de
uma mutação.

Todos os NRTIs podem induzir toxicidade mitocondrial, provavelmente


por inibição da γ-polimerase do DNA mitocondrial. Para além disso,
estes fármacos aumentam o risco de acidose láctica com esteatose
hepática, sendo que este fenómeno pode se revelar fatal. Deste modo,
dever-se-á proceder à descontinuação do uso de NRTIs, caso se
verifique um rápido aumento dos níveis de amino-transferase,
hepatomegalia progressiva ou acidose metabólica de etiologia
desconhecida.
A zidovudina e a stavudina constituem dois análogos de timidina cujo
uso está particularmente associado à génese de dislipidemia e
resistência à insulina. Para além disso, o uso de abacavir ou de
didanosina potenciam o risco de enfarte agudo do miocárdio.

Abacavir

O abacavir é um análogo de guanosina que é


frequentemente co-administrado com a
lamivudina. Este fármaco apresenta uma
elevada biodisponibilidade oral, a qual não é
afectada pela presença de alimentos. Este
fármaco é biotransformado por glicuronidação
e carboxilação hepática, sendo que o seu
período de semi-vida plasmática ronda as 1,5
horas, enquanto a sua semi-vida intracelular
ronda as 3,3 horas – deste modo, o abacavir
deverá ser administrado duas vezes por dia.
De referir que o abacavir revela-se capaz de
atravessar a barreira hemato-encefálica,
atingindo níveis cefalo-raquidianos similares
aos seus níveis plasmáticos.

A resistência ao abacavir tende a desenvolver-se lentamente, visto


requerer a ocorrência de, pelo menos, duas ou três mutações
concomitantes. De entre os efeitos adversos deste fármaco, destaque
para o rash, febre, náusea, vómitos, diarreia, cefaleias, dispneia, fadiga
e pancreatite. Para além disso, o abacavir parece aumentar o risco de
eventos miocárdicos, devendo ser cautelosamente administrado aos
pacientes com factores de risco cardíacos.

Numa fracção considerável de pacientes, o abacavir induz o


desenvolvimento de reacções de hipersensibilidade (potencialmente
fatais), as quais se caracterizam por febre, náusea, vómitos, diarreia,
anorexia e, em alguns pacientes, rash cutâneo e sintomas respiratórios
(tais como dispneia e faringite). Estes sintomas cessam após
descontinuação do abacavir, reaparecendo aquando da reintrodução
deste fármaco. A expressão do alelo HLA-B*57:01 constitui um factor
de risco para o desenvolvimento de reacções de hipersensibilidade ao
abacavir. Assim, antes de se iniciar a terapia com este fármaco, dever-
se-á proceder à avaliação da expressão deste alelo.

Didanosina

A didanosina é um análogo sintético da desoxiadenosina.


A sua biodisponibilidade oral ronda os 40%, sendo que
este fármaco deve ser administrado sob a forma de
soluções tamponadas, de modo a evitar a sua inactivação
pelo ácido gástrico. O período de semi-vida plasmática da
didanosina ronda as 1,5 horas, enquanto a sua semi-vida
intracelular ronda as 20-24 horas. A sua eliminação
processa-se simultaneamente por metabolização
intracelular e excreção renal.

A pancreatite constitui o mais importante efeito adverso


associado ao uso de didanosina, de tal modo que este
fármaco não deverá ser co-administrado com outros
fármacos que potenciem a génese de pancreatite (tais
como a zalcitabina, a stavudina e a hidroxi-ureia). Para
além disso, a didanosina deverá ser evitada em pacientes
com maior risco de pancreatite, tais como os alcoólicos.

A didanosina pode ainda causar neuropatia sensorial distal, diarreia,


hepatite, ulceração esofágica, cardiomiopatia, cefaleias, irritabilidade,
insónia e hiper-triacilgliceridemia. Para além disso, este fármaco pode
causar hiperuricemia assintomática, o que poderá precipitar episódios
de gota em indivíduos susceptíveis. Já foram ainda descritos casos de
alterações retinianas e nevrite óptica, sobretudo em pacientes
submetidos a elevadas doses de didanosina. Note-se que, tal como o
abacavir, a didanosina deverá ser cautelosamente administrada a
pacientes com factores de risco cardiovasculares.

A didanosina é administrada com um tampão, o qual interfere com a


absorção do indinavir, delavirdina, atazanavir, dapsona, itraconazole e
fluoroquinolonas. A co-administração de tenofovir ou ganciclovir com
didanosina resulta num aumento dos níveis séricos deste último
fármaco. Por oposição, a co-administração de didanosina com
atazanavir, delavirdina, ritonavir, tipranavir ou metadona resulta no
efeito oposto.

Lamivudina
A lamivudina é um análogo de citosina que
apresenta actividade contra estirpes de HIV-1
sensíveis e resistentes à zidovudina, exercendo
uma acção sinérgica com a de vários outros
análogos nucleosídicos anti-retrovíricos. Note-se,
contudo, que quando a lamivudina não é
administrada de modo completamente supressor,
ocorre selecção de estirpes víricas portadoras da
mutação M184V.

Este fármaco apresenta uma biodisponibilidade oral superior a 80%, a


qual

não é afectada pela presença de alimentos. A sua semi-vida plasmática


ronda as 2,5 horas, enquanto a semi-vida intracelular do seu metabolito
trifosforilado ronda as 11-14 horas. No que concerne à sua excreção, a
lamivudina é maioritariamente eliminada por via renal e de forma
intacta.

De entre os efeitos adversos da lamivudina, destaque para as cefaleias,


tonturas, insónias, fadiga e desconforto gastro-intestinal. De qualquer
modo, este fármaco revela-se seguro (a curto-prazo) para as grávidas e
recém-nascidos.

A co-administração de cotrimoxazole e lamivudina resulta num aumento


da biodisponibilidade deste último fármaco. Por outro lado, a lamivudina
pode inibir a fosforilação intracelular da zalcitabina e vice-versa, de tal
modo que estes dois fármacos não deverão ser co-administrados.

Emtricitabina
A emtricitabina é um análogo fluorinado da
lamivudina cujo maior período de semi-vida
intracelular (>24 horas) possibilita a
administração de uma única dose diária. A
emtricitabina apresenta elevada
biodisponibilidade oral (93%), a qual não é
afectada pela presença de alimentos. Este
fármaco apresenta uma fraca capacidade de
penetração

no fluido cefalo-raquidiano, sendo que a sua eliminação processa-se


simultaneamente por filtração glomerular e secreção tubular activa.

Para além de actuar contra o HIV, a emtricitabina actua contra o vírus


da hepatite B (HBV), de tal modo que, quando este fármaco é
descontinuado, os pacientes co-infectados com HIV e HBV deverão ser
cautelosamente monitorizados.

Tal como ocorre com a lamivudina, a mutação mais frequentemente


associada ao uso de emtricitabina é do tipo M184V/I. Assim, devido ao
facto de apresentarem mecanismos de acção e perfis de resistência
similares, a lamivudina e a emtricitabina não deverão ser co-
administradas.

De entre os usos adversos mais comuns resultantes do uso deste


fármaco, destaque para as cefaleias, diarreia, náusea, astenia e
hiperpigmentação das palmas das mãos e/ou plantas dos pés. De
referir que, a solução oral de emtricitabina contém glicol de propileno,
encontrando-se, por isso, contra-indicada para crianças, grávidas,
pacientes com insuficiência hepática ou renal, e pacientes a usar
metronidazole ou dissulfiram. Não são, contudo, conhecidas quaisquer
interacções farmacológicas envolvendo a emtricitabina.

Stavudina
A stavudina constitui um análogo da timidina. Este
fármaco apresenta uma elevada biodisponibilidade
oral (86%), a qual não é afectada pela presença de
alimentos. O seu período de semi-vida plasmática
ronda as 1,1 horas, enquanto o seu período de semi-
vida intracelular ronda as 3-3,5 horas. A sua
excreção processa-se simultaneamente por secreção
tubular activa e filtração glomerular.

A neuropatia sensitiva periférica constitui o principal


efeito adverso resultante do uso da stavudina, sendo
mais comum em pacientes com

imunodepressão grave, ou que estejam simultaneamente a ser


submetidos a terapia com outros fármacos indutores de neuropatia (tais
como a didanosina e a zalcitabina). Note-se que a descontinuação da
stavudina, normalmente, resulta na supressão deste efeito adverso.

O uso de stavudina pode ainda causar fraqueza neuro-muscular


ascendente rapidamente progressiva, pancreatite, artralgias, aumento
dos níveis plasmáticos de amino-transferases, acidose láctica e
esteatose hepática. Apesar disso, não estão descritos efeitos
teratogénicos resultantes do uso deste fármaco.

A co-administração de stavudina e didanosina potencia o risco de


neuropatia (vide supra), acidose láctica e pancreatite, de tal modo que
estes dois fármacos não deverão ser co-administrados. Por seu turno, a
zidovudina pode reduzir a fosforilação da stavudina, de tal modo que
estes dois fármacos também não deverão ser co-administrados.

Tenofovir

O tenofovir é um fosfonato nucleosídico


acíclico (ou seja, um nucleotídeo) análogo da
adenosina. Tal como os análogos dos
nucleosídeos, o tenofovir inibe
competitivamente a transcriptase reversa do
HIV, sendo que (no caso deste fármaco) a
inibição activa da síntese de DNA requer
apenas a ocorrência de duas fosforilações
intracelulares (em vez de três). De referir que
a K65R constitui a principal mutação
subjacente à resistência ao tenofovir.

O tenofovir é normalmente administrado sob a forma de


disopoxilfumarato de tenofovir, que constitui o seu pró-fármaco
hidrossolúvel. A biodisponibilidade oral do disopoxilfumarato de
tenofovir aumenta na presença de alimentos, sendo que o seu longo
período de semi-vida possibilita a administração de uma única dose
diária. No que concerne à sua excreção, esta processa-se
maioritariamente por filtração glomerular e secreção tubular activa.
Note-se que o tenofovir revela-se capaz de atravessar a placenta.

As perturbações gastro-intestinais (náusea, diarreia, vómitos e


flatulência) constituem os principais efeitos adversos resultantes do uso
tenofovir, embora não obriguem normalmente a descontinuação da
terapia. Para além disso, este fármaco pode causar tubulopatia proximal
renal, a qual resulta em perdas renais excessivas de cálcio e fosfato,
bem como em défices da 1-hidroxilação da vitamina D (o que poderá
cursar com osteo-toxicidade). Note-se que, em pacientes submetidos a
terapia com tenofovir, já foram descritos casos de insuficiência renal
aguda e síndrome de Fanconi, de tal modo que este fármaco deverá ser
cautelosamente administrado a pacientes em risco de insuficiência
renal.

O tenofovir é frequentemente co-administrado com a emtricitabina. Por


outro lado, o tenofovir pode competir com outros fármacos que sejam
alvo de secreção activa renal, tais como o cidofovir, aciclovir e
ganciclovir.

Zalcitabina

A zalcitabina é um análogo da citosina. Este fármaco


apresenta elevada biodisponibilidade oral (87%), a
qual diminui na presença de alimentos ou anti-ácidos.
O seu período de semi-vida plasmática ronda as 1,5
horas, enquanto o seu período de semi-vida
intracelular ronda as 2,6 horas – assim, este fármaco
deverá ser administrado três vezes por dia. A
zalcitabina revela-se capaz de atravessar a barreira
hemato-encefálica, embora as concentrações que
atinge no líquor sejam cinco vezes inferiores às suas
concentrações plasmáticas. A resistência fenotípica à
zalcitabina constitui um fenómeno raro.

A neuropatia periférica constitui um dos principais efeitos adversos


associados ao uso de zalcitabina, embora seja reversível com a
descontinuação deste fármaco. A ocorrência de neuropatia está
dependente da dose administrada de zalcitabina, sendo que este
fármaco não deverá ser co-administrado com outras substâncias
potenciadoras de neuropatia, tais como a stavudina, didanosina e
isoniazida. Por outro lado, a diminuição da clearance de creatinina, a
imunossupressão grave, e a co-administração de fármacos nefrotóxicos
pode potenciar o risco de neuropatia induzida pela zalcitabina.

A zalcitabina pode causar pancreatite e ulcerações orais e esofágicas


(note-se, contudo, que o uso de didanosina acarreta maior risco de
pancreatite). A zalcitabina pode ainda induzir vários efeitos transitórios e
que não obrigam à descontinuação da terapia, incluindo cefaleias,
náusea, rash e artralgias.

A biodisponibilidade da zalcitabina aumenta aquando da sua co-


administração com o probenecid ou a cimetidina. Já a co-administração
de anti-ácidos ou metoclopramida resulta no efeito oposto. Note-se que
a lamivudina inibe a fosforilação in vitro da zalcitabina, podendo
interferir com a sua eficácia.

Zidovudina

A zidovudina é um análogo da deoxitimidina. Este


fármaco apresenta uma boa distribuição oral (63%),
distribuindo-se para a maior parte dos tecidos e
fluidos, incluindo para o fluido cefalo-raquidiano. O seu
período de semi-vida ronda as 1,1 horas, enquanto o
período de semi-vida intracelular do seu metabolito
intracelular ronda as 3-4 horas – assim, este fármaco
pode ser administrado duas vezes por dia. A
zidovudina é maioritariamente eliminada por via renal,
sob a forma de metabolitos glicuronados.
A zidovudina revela-se capaz de aumentar a sobrevida
dos pacientes infectados por HIV, diminuindo a taxa de
progressão desta infecção. Para além disso, este
fármaco demonstra-se eficaz na terapia da demência e
trombocitopenia associadas ao HIV, reduzindo ainda a
taxa de transmissão vertical de HIV. Na verdade, para
além de eficaz, este fármaco revela-se seguro a curto-
prazo na gravidez.

A resistência de alto nível à zidovudina constitui um fenómeno comum


em estirpes víricas que apresentem, pelo menos, três das cinco
mutações mais comuns (M41L, D67N, K70R, T21 e K219Q). Contudo,
algumas mutações que conferem menor susceptibilidade a outros
fármacos (tais como a L74V, que confere menor susceptibilidade à
didanosina) podem aumentar a susceptibilidade à zidovudina em
estipes víricas previamente resistentes a este fármaco. Note-se que a
descontinuação da exposição à zidovudina pode levar a que estirpes de
HIV-1 resistentes à zidovudina possam passar a manifestar novamente
susceptibilidade a este fármaco.

A supressão medular constitui o principal efeito adverso resultante do


uso de zidovudina, estando frequentemente associada à génese de
anemia macrocítica ou neutropenia. Para além disso, este fármaco
pode causar alguns efeitos adversos transitórios, os quais incluem
perturbações gastro-intestinais, cefaleias e insónias. Embora mais
raramente, a zidovudina pode ainda causar trombocitopenia,
hiperpigmentação das unhas, miopatia, ansiedade, confusão e trémulo
(note-se que estes últimos três efeitos verificam-se, sobretudo, quando
a zidovudina é administrada em doses elevadas). Por comparação com
outros fármacos, o uso de zidovudina está mais frequentemente
associado a perda de tecido adiposo nas extremidades.

Em termos clínicos, a zidovudina pode ser co-administrada com a


lamivudina. Contudo, os níveis plasmáticos de zidovudina podem
aumentar aquando da sua co-administração com a fenitoína,
probenecid, metadona, fluconazol, atovaquona, valproato e lamivudina.
Por outro lado, a zidovudina pode induzir um decréscimo dos níveis de
fenitoína.
A zidovudina não deve ser co-administrada com outros fármacos com
acção supressora medular (tais como o ganciclovir, ribavirina e agentes
citotóxicos), sob pena de se registar uma exacerbação dos seus efeitos
hematotóxicos. Para além disso, a zidovudina e a stavudina não devem
ser co-administradas, dado exercerem efeitos antagónicos.

Inibidores da transcriptase reversa não-nucleosídicos


(NNRTIs)
Os NNRTIs ligam-se directamente à transcriptase reversa do HIV-1,
actuando num sentido de inibir alostericamente as polimerases de DNA
– estes fármacos inibem simultaneamente a polimerase dependente de
DNA e a polimerase dependente de RNA. Embora também actuem na
transcriptase reversa, os NNRTIs ligam-se a um local distinto (mas
próximo) do dos NRTIs. Note-se que, contrariamente aos NRTIs, a
activação dos NNRTIs não requer a sua fosforilação prévia. Para além
disso, estes fármacos não competem com os trifosfatos de
nucleosídeos.

Quando os NNRTIs são administrados isoladamente, verifica-se um


rápido desenvolvimento de resistência, a qual se pode dever à presença
de uma única mutação. A título de exemplo, as mutações K103N e
Y181C conferem resistência contra todos os NNRTIs, com excepção da
etravirina. Existem ainda outras mutações (tais como o L100I, Y88C e
G190A) que podem conferir resistência cruzada contra vários NNRTIs.
Note-se, contudo, que não ocorre resistência cruzada entre os NNRTIs
e NRTIs, até porque alguns vírus resistentes aos NRTIs demonstram
hipersusceptibilidade aos NNRTIs. De referir que os NNRTIs carecem
de actividade contra o HIV-2.

Os principais efeitos adversos associados ao uso de NNRTIs incluem


perturbações gastro-intestinais e rash cutâneo. Os NNRTIs são
metabolizados por enzimas da família do CYP450, o que potencia a
ocorrência de um sem-número de interacções farmacológicas. Para
além disso, todos os NNRTIs constituem substratos do CYP3A4,
podendo actuar como indutores (nevirapine), inibidores (delavirdina) ou
indutores e inibidores mistos (efavirenz e etravirina) desta enzima. Em
termos farmacocinéticos, a semi-vida dos NNRTIs ronda as 24-72
horas, de tal modo que estes fármacos podem ser administrados
apenas uma vez por dia.

Delavirdina
A delavirdina apresenta uma
elevada biodisponibilidade oral
(85%), a qual é reduzida pelos anti-
ácidos e pelos antagonistas dos
receptores histaminérgicos H2. Este
fármaco circula amplamente ligado
às proteínas plasmáticas, atingindo
baixas concentrações no fluido
cefalo-raquidiano. A sua semi-vida
plasmática ronda as seis horas.

O uso de delavirdina está frequentemente associado à génese de rash,


que, em alguns casos (raros), pode cursar com eritema multiforme e
síndrome de Stevens-Johnson. Para além disso, este fármaco pode
induzir cefaleias, fadiga, náuseas, diarreia, e aumento das amino-
transferases. Note-se que a delavirdina exerce efeitos teratogénicos, de
tal modo que não deve ser administrada durante a gravidez.

A delavirdina é amplamente biotransformada em metabolitos inactivos


por acção das enzimas CYP3A e CYP2D6. Contudo, este fármaco
também inibe as enzimas CYP3A4 e CYP2C9, de tal modo que
participa em várias interacções farmacológicas. Assim, a delavirdina
não deve ser co-administrada com o fosamprenavir nem com a
rifabutina.

Efavirenz
O efavirenz apresenta um longo período de semi-vida (40-55 horas), de
tal modo que pode ser administrado apenas uma vez por dia. Este
fármaco apresenta uma razoável biodisponibilidade oral (45%), a qual
aumenta na presença de lipídeos. Assim, dado que a toxicidade do
efavirenz aumenta a par com a sua biodisponibilidade, este fármaco
deverá ser administrado em jejum.

Ao nível hepático, o efavirenz é maioritariamente


biotransformado em metabolitos hidroxilados inactivos
(por acção da CYP3A4 e CYP2B6), sendo a restante
fracção deste fármaco eliminada nas fezes de modo
intacto. O efavirenz circula amplamente ligado à
albumina, de tal modo que os seus níveis cefalo-
raquidianos representam apenas cerca de 1% dos
seus níveis plasmáticos.

Os principais efeitos adversos do efavirenz versam o sistema nervoso


central e incluem tonturas, insónias e cefaleias – note-se que estes
efeitos tendem a diminuir com a continuação da terapia. Para além
disso, já foram ainda observados casos de depressão, mania e psicose,
os quais podem obrigar à descontinuação deste fármaco.

Para além disso, o efavirenz pode induzir náusea, vómitos, diarreia,


cristalúria, aumento dos níveis de colesterol e rash cutâneo provisório.
Foram ainda descritos casos de anomalias fetais, de tal modo que este
fármaco deve ser evitado durante a gravidez, sobretudo no primeiro
trimestre.

O efavirenz constitui simultaneamente um indutor e um inibidor da


CYP3A4, de tal modo que não só interage com a metabolização de
vários outros fármacos, como também induz a sua própria
biotransformação.

Etravirina

A etravirina parece ser eficaz contra estirpes de


HIV resistentes aos NNRTIs de primeira geração,
independentemente do número de mutações
presentes. Apesar disso, existem mutações que
conferem resistência à etravirina, as quais
conferem também resistência ao efavirenz,
nevirapine e delavirdina.

Os principais efeitos adversos da etravirina


incluem náusea, diarreia, e rash. Embora este
último efeito seja normalmente provisório (não

requerendo descontinuação da terapia), já foram descritos casos de


rash grave e potencialmente fatal. A etravirina pode ainda induzir um
aumento dos níveis plasmáticos de colesterol, triacilglicerídeos e
glicose. Para além disso, o uso deste fármaco pode resultar num
aumento dos níveis das transaminases hepáticas, sobretudo em
pacientes com co-infecção por HBV ou HCV.

A etravirina constitui simultaneamente um indutor do CYP3A4 e um


inibidor do CYP2C9 e CYP2C19, de tal modo que participa em várias
interacções farmacológicas, algumas das quais bastante complexas. A
título de exemplo, a etravirina pode diminuir os níveis de itraconazole e
cetoconazole, mas aumentar os níveis de voriconazole.

Nevirapine
O nevirapine apresenta uma elevada
biodisponibilidade oral (>90%), a qual não é afectada
pela presença de alimentos. Este fármaco é
altamente lipofílico, de tal modo que os seus níveis
cefalo-raquidianos correspondem a cerca de 45%
dos seus níveis plasmáticos. O nevirapine apresenta
um período de semi-vida plasmática de 25-30 horas,
sendo amplamente biotransformado em metabolitos
hidroxilados (pela CYP3A), os quais são
maioritariamente excretados por via renal.

Em termos clínicos, o nevirapine revela-se capaz de prevenir a


transmissão vertical do HIV, não parecendo exercer efeitos teratogénicos.
Todavia, o seu uso pode despoletar resistência.

De entre os efeitos adversos do nevirapine, destaque para o rash, um


fenómeno comum que se manifesta maioritariamente como uma
erupção maculo-papular que não atinge as palmas das mãos e as
plantas dos pés. Normalmente, este rash é auto-limitante, sendo que a
introdução gradual de nevirapine diminui o risco de génese desta
complicação. Note-se, contudo, que já foram descritos casos de rash
grave e potencialmente fatal, incluindo num contexto de síndrome de
Stevens-Johnson e necrólise epidermal tóxica. Assim, em pacientes
com rash grave, dever-se-á proceder à descontinuação imediata do uso
de nevirapine.

Para além disso, este fármaco pode potenciar um aumento dos níveis
de enzimas hepáticas, sendo este fenómeno mais frequente em
pacientes (1) com maior número de células CD4, (2) com co-infecção
pelo HBV ou HCV, e (3) do sexo feminino. Note-se, contudo, que a
ocorrência de hepatite fulminante constitui um evento raro. Para além
dos efeitos adversos supracitados, o nevirapine potencia o risco de
febre, náuseas, cefaleias e sonolência.

O nevirapine constitui um indutor da CYP3A, potenciando uma


diminuição dos níveis de amprenavir, indinavir, lopinavir, saquinavir,
efavirenz e metadona. Por outro lado, os fármacos que induzem a
CYP3A (tais como o tipranavir, a rifampina, a rifabutina, e o hipericão)
podem induzir uma diminuição dos níveis de nevirapine. Por seu turno,
os fármacos que inibem a actividade da CYP3A (tais como o
fluconazole, o cetoconazole e a claritromicina) podem exercer o efeito
oposto.

Inibidores da protease
A protease constitui a enzima responsável pela clivagem das
poliproteínas Gag-Pol (peptídeos imaturos de budding) em proteínas
estruturais da nucleocápside do virião maduro. Ao impedir a clivagem
pós-transducional da poliproteína Gag-Pol, os inibidores da protease
(PIs) impedem que as proteínas virais adquiram uma conformação
funcional, o que resulta na produção de partícula víricas imaturas e não-
infecciosas. Note-se que os PIs são simultaneamente activos contra o
HIV-1 e HIV-2, sendo que, contrariamente aos NRTIs, estes fármacos
não requerem a ocorrência de activação intracelular.

A génese de mutações que confiram resistência fenotípica contra os PIs


revela-se deveras comum, de tal modo que estes fármacos não deverão
ser administrados em monoterapia. Não obstante, esstes fármacos
comportam uma elevada barreira genética à resistência, apresentando
menor taxa de resistência cruzada intra-classe. De qualquer modo, o
darunavir e o tipranavir parecem apresentar maior actividade anti-
vírica em pacientes infectados por vírus HIV-1 resistentes aos restantes
PIs.

O uso de anti-retrovíricos pode despoletar uma síndrome de


redistribuição e acumulação de tecido adiposo, a qual cursa com
obesidade central, aumento do volume mamário, acumulação de tecido
adiposo na região dorso-cervical (prega de búfalo) e perda de massa
periférica e facial. Embora a maioria dos anti-retrovíricos possa induzir
estas anomalias, estas parecem estar particularmente associadas ao
uso de PIs, com excepção do atazanavir (vide infra).

Para além disso, o uso destes fármacos potencia um aumento dos


níveis de triacilglicerídeos e LDL, bem como hiperglicemia e resistência
à insulina. Por seu turno, em pacientes hemofílicos, o uso de PIs resulta
frequentemente na génese de hemorragias espontâneas.

A semi-vida de eliminação dos PIs ronda a 1,8-10 horas, embora as


propriedades farmacocinéticas destes fármacos sejam alvo de ampla
variabilidade inter-individual. De facto, todos os PIs anti-retrovíricos são
amplamente metabolizados pelo CYP3A4, exercendo ainda um efeito
inibitório sobre esta enzima - de todos os PIs, o ritonavir é aquele que
desempenha um efeito inibitório mais pronunciado, enquanto o
saquinavir constitui o inibidor mais fraco. Para além disso, alguns PIs,
tais como o amprenavir e o ritonavir, também actuam como indutores
de algumas enzimas da família do CYP450. Deste modo, os PIs podem
participar num vasto conjunto de interacções farmacológicas, não só
com outros anti-retrovíricos, mas também com outros fármacos
frequentemente administrados.

Como referido anteriormente, o ritonavir exerce fortes efeitos inibitórios


sobre a actividade da CYP3A4, os quais podem ser clinicamente
utilizados para “aumentar” os níveis de outros PIs com os quais o
ritonavir seja co-administrado. Este efeito possibilita um aumento da
exposição aos PIs administrados, o que permite uma diminuição da sua
frequência de administração, dificultando a génese de resistência.
Deste modo, o ritonavir é maioritariamente usado como um indutor
farmacocinético, e não tanto como um anti-retrovírico (vide infra).

Atazanavir

O atazanavir é um PI azapeptídico cuja


biodisponibilidade aumenta na presença
de alimentos. A solubilidade deste
fármaco varia em função do pH do meio
onde se encontra, de tal modo que a sua
absorção apenas se processa em meio
ácido. Deste modo, o atazanavir não
deverá ser co-administrado agentes anti-
ácidos.

No decurso da terapia com atazanavir, é frequente ocorrer

uma substituição I50L, a qual está associada a um aumento da


resistência a outros PIs.

O atazanavir distribui-se para o líquor e fluidos seminais. A sua semi-


vida plasmática ronda as 6-7 horas (esse período é superior na
presença de ritonavir), de tal modo que este não fármaco pode ser
administrado apenas uma vez por dia. O atazanavir é maioritariamente
eliminado por via biliar e, por isso, não deve ser administrado a
pacientes com insuficiência hepática grave.

Os principais efeitos adversos do atazanavir incluem diarreia, náusea,


vómitos, dor abdominal, cefaleias, neuropatia periférica e rash cutâneo.
Tal como o indinavir, o atazanavir actua num sentido de inibir a enzima
de glicurono-conjugação da UGT1A1, potenciando a ocorrência de
hiperbilirrubinemia indirecta e, por conseguinte, icterícia. Para além
disso, o atazanavir pode induzir um aumento dos níveis séricos de
enzimas hepáticas, sobretudo em pacientes com co-infecção por HBV
ou HCV.

Contrariamente a outros PIs, o atazanavir não parece induzir


dislipidemia, redistribuição lipídica ou síndrome metabólico. Contudo,
este fármaco pode causar prolongamento do intervalo PR do
electrocardiograma – embora normalmente inconsequente, este
fenómeno pode ser exacerbado por outros fármacos (tais como os
bloqueadores dos canais de cálcio). Para além disso, quando
administrado em doses elevadas, ou quando co-administrado com um
inibidor do CYP3A4, o atazanavir pode induzir um aumento do intervalo
QT.

O atazanavir constitui um inibidor do CYP3A4 e CYP2C9, de tal modo


que participa em várias interacções farmacológicas. O omeprazol reduz
a biodisponibilidade do atazanavir, de tal modo que estes dois fármacos
não deverão ser co-administrados. Para além disso, o atazanavir não
deverá ser co-administrado com outros inibidores da UGT1A1 (tais
como o indinavir ou o irinotecan), sob pena de se verificar um aumento
da sua toxicidade. O tenofovir e o efavirenz também não deverão ser
co-administrados com o atazanavir.

Darunavir
O darunavir é um fármaco que deve ser co-administrado com o
ritonavir em pacientes resistentes a outros PIs. Os efeitos adversos do
darunavir incluem diarreia, náuseas, cefaleias e rash. Para além disso,
este fármaco pode induzir dislipidemia e aumento dos níveis de trans-
amínases hepáticas. Já foram ainda descritos casos de
hepatotoxicidade induzida pelo darunavir, sendo esse risco superior em
pacientes co-infectados por HBV e HCV, ou que manifestem outra
doença hepática crónica. Note-se que o darunavir apresenta um grupo
sulfonamida, de tal modo que deverá ser cautelosamente administrado
a pacientes com alergia às sulfonamidas.

O darunavir não só inibe, como também é simultaneamente


metabolizado pelas enzimas da família do CYP3A, participando em
várias interacções farmacológicas. Para além disso, o ritonavir (com o
qual o darunavir é co-administrado) constitui um forte inibidor da CYP3A
e CYP2D6, bem como um indutor de vários outros sistemas enzimáticos
hepáticos.

Fosamprenavir
O fosamprenavir constitui o pró-fármaco do amprenavir. De facto,
quando administrado por via oral, o fosamprenavir é rapidamente
convertido em amprenavir pelas enzimas do epitélio intestinal. Note-se
que, comparativamente ao amprenavir, o fosamprenavir pode ser
administrado menos vezes por dia.

O amprenavir é rapidamente absorvido pelo tracto gastro-intestinal,


sendo que a sua absorção é prejudicada pela ingestão de lipídeos. Este
fármaco apresenta um período de semi-vida plasmática relativamente
longo (7-11 horas), sendo metabolizado no fígado pela CYP3A4. Assim,
o amprenavir deverá ser cautelosamente administrado a pacientes com
insuficiência hepática.

Os efeitos adversos mais comuns do fosamprenavir incluem cefaleias,


náuseas, diarreias, parestesias peri-orais, depressão, e rash. Numa
fracção significativa de pacientes, este último efeito pode ser tão grave
que obrigue à descontinuação deste fármaco.

O amprenavir é simultaneamente um indutor e um inibidor da CYP3A4,


participando em várias interacções farmacológicas. A sua solução oral
contém vitamina E, de tal modo que não se deve proceder à co-
administração de suplementos desta vitamina. Para além disso, essa
solução contém glicol de propileno, encontrando-se contra-indicada
para crianças, grávidas, pacientes com insuficiência hepática ou renal, e
pacientes a usar metronidazole e dissulfiram. Para além disso, as
soluções orais de amprenavir e ritonavir não deverão ser co-
administradas, uma vez que o etanol presente nesta última solução
pode competir com o glicol de propileno pela sua metabolização.
Todavia, contrariamente ao amprenavir, o fosamprenavir é
frequentemente co-administrado com o ritonavir.

O amprenavir constitui uma sulfonamida, encontrando-se contra-


indicado em pacientes alérgicos a esta classe de fármacos. O lopinavir
não deverá ser co-administrado com o amprenavir, sob pena de se
registar maior exposição ao lopinavir e menor exposição ao amprenavir.
Para além disso, a co-administração de efavirenz e amprenavir obriga a
um aumento das doses deste último fármaco.

Indinavir
A solubilidade do indinavir é máxima em
meio acídico, de tal modo que este
fármaco deve ser administrado em jejum
ou, quando muito, na sequência de uma
pequena refeição com parco conteúdo
proteico e lipídico. O período de semi-
vida plasmática do indinavir ronda a 1,5-
2 horas, sendo que este fármaco
apresenta uma elevada capacidade de
penetração no fluido cefalo-raquidiano.
A sua excreção ocorre maioritariamente
por via fecal, sendo necessários ajustes
posológicos em indivíduos com
insuficiência hepática.

Os principais efeitos adversos do indinavir resultam da cristalização


deste fármaco e incluem hiperbilirrubinemia indirecta e nefrolitíase. Para
além disso, já foram registados casos de anemia aguda hemolítica,
trombocitopenia, náusea, diarreias, insónias, “garganta seca” e pele
seca. Note-se ainda que, comparativamente a outros PIs, o uso de
indinavir está mais frequentemente associado ao desenvolvimento de
resistência à insulina.

O indinavir constitui um inibidor do CYP3A4, de tal modo que pode


participar em várias interacções farmacológicas. Quando co-
administrado com o ritonavir, o indinavir pode passar a ser administrado
num menor número de vezes por dia. Contudo, por comparação com o
uso isolado de indinavir, esta combinação parece estar associada a um
maior risco de nefrolitíase.

Lopinavir

A biodisponibilidade do lopinavir aumenta


na presença de alimentos, de tal modo
que este fármaco deve ser administrado
às refeições. O lopinavir apresenta uma
elevada capacidade de ligação às
proteínas plasmáticas, sendo que o seu
período de semi-vida ronda as 5-6 horas.

No que concerne à sua biotransformação, o lopinavir é amplamente


metabolizado pelo CYP3A. Todavia, este fármaco é co-administrado
com o ritonavir, o qual inibe o CYP3A. Assim, o ritonavir induz um
aumento dos níveis plasmáticos de lopinavir, possibilitando que este
fármaco seja administrado num menor número de vezes por dia. De
qualquer modo, os pacientes com insuficiência hepática podem registar
níveis plasmáticos superiores de lopinavir.

Os efeitos adversos mais comuns do lopinavir incluem diarreia, dor


abdominal, náusea, vómitos e astenia. Para além disso, este fármaco
pode induzir um aumento dos níveis séricos de colesterol e
triacilglicerídeos. Note-se, contudo, que o lopinavir revela-se seguro na
gravidez, não parecendo exercer efeitos teratogénicos.

O lopinavir pode participar em várias interacções farmacológicas.


Assim, aquando da co-administração com efavirenz ou nevirapine,
deve-se proceder a um aumento das doses de lopinavir/ritonavir. Por
outro lado, o lopinavir não deverá ser co-administrado com o
amprenavir (vide supra) nem com a rifampina, sendo que esta última
combinação potencia o risco de hepato-toxicidade. Note-se ainda que a
solução oral do lopinavir contém álcool, de tal modo que este fármaco
não deverá ser co-administrado com o dissulfiram e metronidazol.

Nelfinavir
O nelfinavir apresenta uma elevada biodisponibilidade oral (que
aumenta na presença de alimentos), sofre metabolização pela CYP3A,
e é maioritariamente excretado por via fecal. Este fármaco apresenta
um período de semi-vida plasmática de 3,5-5 horas, manifestando uma
elevada capacidade de ligação às proteínas plasmáticas.

A diarreia e a flatulência constituem os principais efeitos adversos


associados ao uso de nelfinavir. Este fármaco constitui ainda um
inibidor da CYP3A, podendo participar em várias interacções
farmacológicas. De facto, a co-administração de nelfinavir com
saquinavir obriga a uma diminuição da dose administrada deste último
fármaco. Por outro lado, aquando da sua co-administração com a
rifabutina, deve-se proceder a um aumento da dose administrada de
nelfinavir. Note-se que o nelfinavir revela-se seguro para grávidas
(sobretudo, quando comparado com outros PIs), não parecendo exercer
efeitos teratogénicos.

Ritonavir
O ritonavir apresenta uma elevada
biodisponibilidade (75%), a qual
aumenta na presença de alimentos.
Este fármaco apresenta uma elevada
capacidade de ligação às proteínas
plasmáticas, sendo que o seu período
de semi-vida plasmática ronda as 3-5
horas. A sua biotransformação é
mediada pelo CYP3A e pela CYP2D6,

resultando na génese de um metabolito activo. Por seu turno, a sua


excreção processa-se maioritariamente por via fecal, de tal modo que
este fármaco deve ser cautelosamente administrado a pacientes com
insuficiência hepática.

De entre os principais efeitos adversos do ritonavir, destaque para os


distúrbios gastro-intestinais, parestesias (circum-orais ou periféricas),
aumento dos níveis plasmáticos de amino-transférases, alterações do
paladar, cefaleias, hipertriacilgliceridemia e hipercolesterolemia. Note-se
que algumas destas perturbações gastro-intestinais tendem a atenuar
com a continuação do uso do ritonavir, ou com a sua administração às
refeições.

O ritonavir constitui um forte inibidor da CYP3A4, podendo participar em


várias interacções farmacológicas. Todavia, esta característica tem sido
aproveitada com fins terapêuticos – de facto, é frequente utilizar o
ritonavir como “adjuvante” terapêutico de outros Pis, ou seja, o ritonavir
é administrado com outros PIs, de modo a aumentar os níveis
plasmáticos destes últimos fármacos. Ora, isto possibilita uma redução
da dosagem e da frequência de administração dos PIs em questão, o
que se acompanha por maior tolerabilidade e por maior potência contra
vírus resistentes. Note-se que a administração de baixas doses de
ritonavir durante a gravidez (como “adjuvante” de outros fármacos)
parece revelar-se deveras segura.

De referir que, aquando da co-administração de ritonavir com digoxina


ou teofilina, deve-se proceder a uma monitorização dos níveis destes
dois últimos fármacos, devido ao risco inerente de aumento das suas
concentrações.

Saquinavir

Quando administrado isoladamente, e


sob a forma de cápsula, o saquinavir
apresenta fraca biodisponibilidade oral.
Todavia, quando co-administrado com o
ritonavir, este fármaco demonstra maior
biodisponibilidade, bem como maior
eficácia anti-vírica e menor risco de
efeitos adversos de cariz gastro-
intestinal. De referir que, o saquinavir
apresenta maior biodisponibilidade oral
na presença de alimentos.

Este fármaco demonstra uma elevada capacidade de ligação às


proteínas plasmáticas, sendo que o seu período de semi-vida
plasmática ronda as 2 horas. O saquinavir apresenta um elevado
volume de distribuição, não obstante a sua reduzida capacidade de
penetração no fluido cefalo-raquidiano. A sua excreção processa-se
maioritariamente por via fecal.

A rinite e as perturbações gastro-intestinais constituem os efeitos


adversos mais frequentemente associados ao uso de saquinavir. Note-
se, contudo, que este fármaco não parece exercer efeitos teratogénicos,
podendo ser administrado durante a gravidez. De referir que, por
comparação com outros esquemas de co-administração, a combinação
saquinavir/ritonavir parece induzir menor risco de dislipidemia ou
toxicidade gastro-intestinal.

O saquinavir é alvo de um importante efeito de primeira passagem


hepática, o qual é mediado pelo CYP3A4. Para além disso, este
fármaco actua simultaneamente como um inibidor desta enzima, o que
potencia a génese de interacções farmacológicas. De facto, a co-
administração de omeprazol ou nelfinavir e saquinavir pode resultar
num aumento das doses plasmáticas deste último fármaco. Por outro
lado, a co-administração de saquinavir e digoxina pode resultar num
aumento dos níveis deste digitálico.

Tipranavir
O tipranavir é um PI usado na terapia de estirpes resistentes a outros
PIs. Este fármaco apresenta reduzida biodisponibilidade oral, a qual
aumenta aquando do consumo de uma refeição com um alto teor
lipídico. Este fármaco é metabolizado pelo sistema microssomal
hepático, encontrando-se contra-indicado em pacientes com
insuficiência hepática. Note-se que, para atingir níveis séricos eficazes,
o tipranavir deverá ser co-administrado com o ritonavir.

Os principais efeitos adversos do tipranavir incluem diarreia, náusea,


vómitos, dor abdominal e rash (o qual pode cursar com sintomas
sistémicos ou descamação). Este fármaco pode ainda exercer efeitos
hepatotóxicos, os quais são mais comuns em pacientes com infecção
crónica por HBV ou HCV. Estes efeitos podem se revelar deveras
graves, tendo sido já observados casos de descompensação hepática
potencialmente fatal

O tipranavir potencia o risco de hemorragia intra-craniana, de tal modo


que este fármaco não deverá ser administrado a pacientes com
traumatismo craniano ou diátese hemorrágica. De entre os efeitos
adversos deste fármaco destaque ainda para depressão, leucopenia e
aumento dos níveis de colesterol, triacilglicerídeos e amílase. De referir
que o tipranavir contém um grupo sulfonamida, de tal modo que não
deve ser administrado a pacientes com alergia a esta classe de
fármacos.

O tipranavir acuta simultaneamente num sentido de inibir e induzir o


CYP3A4 – a título de exemplo, este fármaco actua num sentido de inibir
esta enzima, quando co-administrado com o ritnovair. Por outro lado, o
tipranavir induz a P-glicoproteína, podendo alterar a biodisponibilidade
de vários outros fármacos.
O tipranavir não deverá ser co-administrado com o fosamprenavir ou
saquinavir, sob pena de se registar uma redução dos níveis plasmáticos
destes últimos fármacos. Para além disso, o tipranavir/ritonavir pode
diminuir os níveis séricos de valproato e omeprazol. Para além disso, o
tipranavir pode induzir um aumento dos níveis de lovastatina,
simvastatina, atrovastatina e rosuvastatina, potenciando o risco de
rabdomiólise e miopatia.

Inibidores da entrada
O processo de entrada do HIV-1 nas células hospedeiras constitui um
processo complexo que ocorre ao longo de várias etapas sequenciais,
nomeadamente:

A gp160 (um complexo glicoproteico do invólucro viral constituído


pela gp120 e gp41) liga-se ao receptor celular CD4, induzindo
alterações conformacionais na gp120.

A gp120 liga-se aos co-receptores CCR5 ou CXCR4, sofrendo


alterações conformacionais que possibilitam a exposição da
gp41.

O invólucro viral funde-se com a membrana da célula hospedeira,


possibilitando a subsequente entrada da nucleocápside vírica no
citoplasma celular.

Enfuvirtide
O enfuvirtide é um peptídeo sintético de 36 aminoácidos que bloqueia
a entrada do HIV nas células do sistema imune. Em termos
moleculares, este fármaco liga-se à subunidade gp41 da glicoproteína
do invólucro viral, impedindo a ocorrência das alterações
conformacionais necessárias para a fusão das membranas viral e
celular.

Assim, alterações na gp41 podem resultar na génese de resistência ao


enfuvirtide, pese embora o facto de este fármaco não demonstrar
resistência cruzada contra outros anti-retrovíricos. Note-se contudo, que
o enfuvirtide não exerce qualquer actividade contra o HIV-2.
O enfuvirtide deve ser administrado por injecção subcutânea, sendo que
o período de semi-vida deste fármaco ronda as 3,8 horas (o que
possibilita que este fármaco seja administrado duas vezes por dia). Este
fármaco parece ser biotransformado por hidrólise proteolítica, de tal
modo que a sua metabolização não parece envolver a participação de
enzimas da família do CYP450.

A ocorrência de reacções alérgicas (no local de injecção) constitui o


principal efeito adverso resultante do uso de enfuvirtide, não obstante a
baixa frequência de reacções de hipersensibilidade. Para além disso,
este fármaco pode induzir eosinofilia e parece aumentar o risco de
pneumonia. Note-se, contudo, que o enfuvirtide não participa em
interacções farmacológicas relevantes.

Maraviroc
O maraviroc liga-se especificamente e selectivamente ao CCR5, que
constitui um dos dois co-receptores necessários para a entrada do HIV
nas células CD4+. Assim, o maraviroc bloqueia a entrada dos vírus HIV-
1 com tropismo para o CCR5 (vírus R5) para o interior das células T
CD4+.

Em termos clínicos, o maraviroc deverá ser usado em adultos


infectados com vírus R5 resistentes à acção de outros anti-retrovíricos.
O maraviroc é apenas activo contra vírus que se ligam exclusivamente
ao co-receptor CCR5, sendo ineficaz contra estirpes com tropismo para
o co-receptor CXCR4, ou mesmo para estirpes com tropismo dual ou
misto. Ora, a partir desta informação é possível retirar duas conclusões:

O início da terapia com maraviroc deverá ser precedido por um


teste de tropismo.

O uso terapêutico de maraviroc fracassa aquando da emergência


de vírus sem tropismo para o CCR5 (nomeadamente vírus com
tropismo para o CXCR4) ou de alterações do tropismo vírico (as
quais ocorrem, normalmente, na sequência do desenvolvimento
de múltiplas mutações na gp160).
A resistência ao maraviroc resulta frequentemente da presença de
mutações na ansa V3 da gp120, sendo que este fármaco não parece
evidenciar resistência cruzada com outros anti-retrovíricos (incluindo
com o enfuvirtide).

O maraviroc é absorvido de modo rápido, mas variável. Este fármaco é


maioritariamente excretado nas fezes, embora uma fracção significativa
seja excretada na urina. Apesar disso, não são necessários ajustes
posológicos em pacientes com insuficiência hepática ou renal. Note-se
que o maraviroc demonstra uma excelente penetração no fluido cervico-
vaginal, onde atinge concentrações quase quatro vezes superiores às
plasmáticas.

O maraviroc parece ser relativamente bem tolerado, sendo que os seus


principais efeitos adversos incluem febre, rash, tosse, infecções do
tracto respiratório superior, mialgias, artralgias, diarreia, perturbações
do sono e aumentos dos níveis das transamínases hepáticas. Note-se
que este fármaco deverá ser cautelosamente administrado a pacientes
com disfunção hepática pré-existente (nomeadamente indivíduos com
co-infecção por HBV ou HCV), dado terem sido observados graves
efeitos hepatotóxicos subsequentes ao uso de aplaviroc (um outro
inibidor da CCR5, que entretanto foi descontinuado).

Para além de constituir um co-receptor do HIV, a CCR5 constitui um


receptor das quimiocinas, de tal modo que o seu bloqueio poderá
induzir uma diminuição da função imune e, consequentemente, um
aumento do risco de desenvolvimento de infecções ou neoplasias.
Todavia, esta hipótese não é suportada pelos dados existentes.

O maraviroc constitui um substrato da P-glicoproteína e do CYP3A4,


sendo necessários ajustes posológicos aquando da sua co-
administração com outros fármacos que interagem com estas enzimas.
A semi-vida deste fármaco ronda a 1,5-22,9 horas.

Inibidores da integrase
Raltegravir
O raltegravir é um análogo da pirimidinona que actua por inibição da
acção da integrase (por acção no centro activo), uma enzima vírica
essencial para a replicação do HIV-1 e HIV-2. Em termos moleculares, o
raltegravir interfere com a última etapa de integração do pró-vírus, ou
seja, com a integração do DNA complementar do HIV no DNA das
células hospedeiras. Em termos clínicos, este fármaco deverá ser
usado em pacientes adultos infectados por estirpes de HIV-1 resistentes
a vários outros agentes.

A biodisponibilidade do raltegravir não parece ser afectada pelos


alimentos. Este fármaco é metabolizado por glicuronidação, não
interagindo com as enzimas da família do CYP450. Assim, pensa-se
que, por comparação com outros anti-retrovíricos, o raltegravir participe
em menos interacções farmacológicas. De qualquer modo, o raltegravir
poderá interagir com indutores fortes da UGT1A1 (tais como a
rifampina, efavirenz, etravirina e tipranavir/ritonavir), bem como com
inibidores desta enzima (tais como o atazanavir e o tipranavir). Todavia,
a importância clínica destas interacções permanece desconhecida, não
se procedendo a ajustes posológicos em pacientes com insuficiência
renal ou hepática.

A rifampina não deve ser co-administrada com o raltegravir, sob pena


de se registar uma diminuição dos níveis deste último fármaco. O
tipranavir também diminui os níveis de raltegravir, enquanto o
atazanavir exerce o efeito oposto – de qualquer forma, não é necessário
proceder a ajustes posológicos aquando da co-administração destes
fármacos. Por outro lado, os catiões polivalentes (tais como o
magnésio, o ferro e o cálcio) podem se ligar aos inibidores da integrase
e interferir com a sua actividade, de tal modo que a administração de
raltegravir e anti-ácidos deverá ser espaçada no tempo.

Os principais efeitos adversos resultantes do uso de raltegravir incluem


diarreia, náusea, tonturas, pirexia e cefaleias.

Agentes anti-retrovíricos em investigação


Actualmente, vários anti-retrovíricos das mais diferentes classes estão a
ser alvo de investigação. De entre esses agentes, destaque para os
seguintes:

NRTIs: Elvucitabine

NNRTIs: TMC-278 e IDX899

PIs: Bracanavir

Antagonistas dos receptores CCR5: Vicriviroc e PRO140

Inibidores da integrase: Elvitegravir

Inibidores da maturação: Bevirimat

Inibidores do receptor CD4: TNX-355

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