Você está na página 1de 7

Farmacodinâmica

A farmacodinâmica (em estrito senso: dinâmica que o fármaco realiza no organismo) é o ramo da farmacologia que demonstra a infinidade de modos pelos
quais os fármacos interagem com seus sítios alvo (o que depende do seumecanismo de ação). Depois de terem sido administrados e absorvidos nos
compartimentos orgânicos, quase todos os medicamentos alcançam a corrente sanguínea, circulam pelo corpo e interagem com diversos sítios específicos de
ação.

Porém, dependendo de suas propriedades ou da via de administração, um medicamento pode atuar apenas em uma área específica do corpo (por exemplo, a ação
dos antiácidos fica em grande parte confinada ao estômago). A interação com o sítio-alvo comumente produz o efeito terapêutico desejado, enquanto a interação
com outras células, tecidos ou órgãos pode resultar nos chamados efeitos colaterais (reações medicamentosas adversas).

Utiliza-se o termo farmacodinâmica para descrever os efeitos de um fármaco no corpo. Tipicamente, esses efeitos são descritos em termos
quantitativos.

Caso - Análise prática


O Almirante X, de 66 anos de idade, é um comandante de submarino aposentado, com história de tabagismo de 70 maços de cigarros por ano (dois maços por
dia durante 35 anos) e história familiar de coronariopatia. Embora normalmente ignore os conselhos de seus médicos, toma pravastatina prescrita para reduzir o
nível de colesterol, bem como aspirina para diminuir o risco de oclusão da artéria coronária.

Um dia, enquanto estava trabalhando em sua carpintaria, o Almirante X começa a sentir um aperto no tórax. A sensação torna-se rapidamente dolorosa, e a dor
começa a irradiar-se pelo braço esquerdo. Liga para o Serviço de Emergência, e uma ambulância o transporta até o pronto-socorro mais próximo. Uma vez
concluída a avaliação, constata-se que o Almirante X está tendo um infarto do miocárdio anterior. Como o hospital não dispõe de laboratório para cateterismo
cardíaco, e como o Almirante X não tem nenhuma contra-indicação específica para a terapia trombolítica (como

hipertensão não-controlada, história de acidente vascular cerebral ou cirurgia recente), o médico inicia a terapia com o ativador do plasminogênio de tipo
tecidual (tPA), um agente trombolítico, e com heparina, um anticoagulante. A administração de uma dose inadequada desses dois fármacos pode ter
conseqüências terríveis (hemorragia e morte), em virtude de seus baixos índices terapêuticos; por esse motivo, o Almirante X é rigorosamente monitorado, e o
efeito farmacológico da heparina é determinado periodicamente através do tempo de tromboplastina parcial (TTP). Os sintomas do Almirante X diminuem nas
próximas horas, embora permaneça no hospital para monitorização. Recebe alta depois de 4 dias, e os medicamentos prescritos incluem pravastatina, aspirina,
atenolol, lisinopril e clopidogrel para prevenção secundária de infarto do miocárdio.

QUESTÕES (RAIOCÍNIO)
1. Como a interação molecular de um fármaco com o seu receptor determina a sua potência e eficácia?
2. Quais as propriedades de certos fármacos, como a aspirina, que permitem a sua administração sem monitoração dos níveis plasmáticos do fármaco,
enquanto outros fármacos, como a heparina, exigem esse tipo de controle?
3. Por que o fato de um fármaco ter baixo índice terapêutico significa que o médico deve ter maior cuidado na sua administração?

Não se preocupe, pois esses questionamentos serão respondidos ao longo desse material; de acordo com a evolução do entendimento sobre a farmacodinâmica.

Ligação Fármaco-Receptores
O estudo da farmacodinâmica baseia-se no conceito da ligação fármaco–receptor. Quando um fármaco ou um ligante endógeno (por exemplo, um hormônio ou
um neurotransmissor) liga-se a seu receptor, pode ocorrer uma resposta como conseqüência dessa interação de ligação. Quando já existir um número suficiente
de receptores ligados (ou “ocupados”) sobre uma célula ou no seu interior, o efeito cumulativo dessa “ocupação” dos receptores pode tornar-se aparente nessa
célula. Em algum momento, todos os receptores podem estar ocupados, e pode-se observar então uma resposta máxima

ALinear
1,0
FármacoA

FármacoB

[LR]0,5
[Ro]

0.

KdaКав
[L]

BSemilogarítmico
1,0

FármacoA

FármacoB
[LR]0
,5
[Ro]

[L]

A. Gráfico linear de ligação fármaco–receptor para dois fármacos com valores distintos de Kd . B. Gráfico semilogarítmico da mesma ligação fármaco–receptor.
A Kd é a constante de dissociação em equilíbrio para determinada interação fármaco–receptor — um valor mais baixo de Kd indica uma interação fármaco–
receptor mais firme (de maior afinidade). Em virtude dessa relação, o Fármaco A, que apresenta uma Kd mais baixa, irá se ligar a uma maior proporção de
receptores totais do que o Fármaco B em qualquer concentração de fármaco. Observe que a Kd corresponde à concentração do ligante [L] em que 50% dos
receptores estão ligados (ocupados) pelo ligante. [L] é a concentração de ligante (fármaco) livre (não-ligado), [LR] é a concentração de complexos ligante–
receptor, e Ro é a concentração total de receptores ocupados e desocupados. Por conseguinte, [LR]/[Ro] é a ocupação fracionária de receptores, ou a fração de
receptores totais ocupados (ligados) pelo ligante.

Mecanismo de Ação

Podemos definir o termo mecanismo de ação como a atividade pela qual o fármaco desencadeia eventos que culminam com um efeito biológico. Este pode ser
classificado em dois tipos:

1. Mecanismo de ação específico: o fármaco interage, de forma específica, com macromoléculas, como por exemplo:

Proteínas transportadoras (Ex: carreadores de colina-hemicolina: esta proteína é responsável por fazer a captação da colina e do acetato na fenda sináptica,
oriundos da quebra da acetilcolina pela acetilcolinesterase, depois que a acetilcolina realizou o seu efeito de neurotransmissor, sendo recaptada por
proteínas transportadoras de membrana da fibra pré-sináptica para uma nova reutilização).

Ácidos nucleicos (Ex: antimicrobianos bacteriostáticos ou bactericidas com ação de inibir o crescimento ou o desenvolvimento das bactérias,
respectivamente, interferindo no DNA ou RNA desses microrganismos)

Enzimas (Ex: cicloxigenase: participa da cascata do ácido araquidônico na formação das prostaglandinas)

Receptores farmacológicos acoplados à proteína G (α e β receptores; receptores Muscarínicos): nesse caso, o fármaco reage com proteínas que são
responsáveis por desencadear uma atividade em cascata.

1. Mecanismo de ação inespecífico: o fármaco exerce ação sobre moléculas muito pequenas ou até mesmo íons. Suas propriedades são as seguintes:
Caracterizados por interagir com moléculas simples ou íons (Ex: antiácidos).

Realizam alteração da pressão osmótica (Ex: sulfato de Mg).

Realizam alteração da tensão superficial (Ex: dimeticoma: utilizado para diminuir a tensão nas vísceras causada por gazes)

Apresentam um alto grau de lipossolubilidade (Ex: anestésicos gerais: clorofórmio e éter etílico).

INTENSIDADE DO EFEITO
Depois de estabelecida a ligação do fármaco e seu receptor, a intensidade do efeito é dada de maneira proporcional ao complexo fármaco- receptor atendendo a
certas exigências. Isto quer dizer que, quanto maior for o número de moléculas ligadas aos seus receptores (atendendo a propriedades como afinidade,
efetividade e eficácia), mais intenso será o efeito gerado por esta interação.

Note os seguintes conceitos:


A potência refere-se à quantidade de medicamento (comumente expressa em miligramas) necessária para produzir um efeito, como o alívio da dor ou a redução
da pressão sanguínea, por exemplo. Exemplificando, se 5 miligramas da droga B alivia a dor com a mesma eficiência que 10 miligramas da droga A, diz-se,
então, que a droga B é duas vezes mais potente que a droga A. Contudo, maior potência não significa necessariamente que uma droga é melhor que a outra. Os
médicos levam em consideração muitos fatores ao julgar os méritos relativos dos medicamentos, como seu perfil de efeitos colaterais, toxicidade potencial,
duração da eficácia (e, consequentemente, número de doses necessárias a cada dia) e custo.

A Eficácia avalia a situação ideal do uso da droga (a droga é “boa na teoria”). Exemplificando, o diurético furosemida elimina muito mais sal e água por meio
da urina, quando comparado ao diurético hidroclorotiazida. Assim, a furosemida tem maior eficiência, ou eficácia terapêutica, que este segundo diurético. Da
mesma forma que no caso da potência, a eficácia é apenas um dos fatores considerados pelos médicos ao selecionar o medicamento mais apropriado para
determinado paciente.

A Efetividade avalia a situação real do seu uso (a droga é “boa na prática”), levando em consideração os resultados de todos os pacientes em que se teve a
intenção de tratar.

A Eficiência: intervenção em condições habituais, levando em consideração custos e riscos (isto é, se a droga é“boa, barata e segura”).

CLASSIFICAÇÃO DOS FÁRMACOS QUANTO AO EFEITO

A atividade intrínseca consiste no conjunto de efeitos que foram desencadeados a partir da interação do fármaco com o seu sítio de ação. Duas propriedades
importantes para a ação de uma droga são a afinidade e a própria atividade intrínseca. A afinidade é a atração mútua ou a força da ligação entre uma droga e seu
alvo, seja um receptor ou enzima. A atividade intrínseca é uma medida da capacidade da droga em produzir um efeito farmacológico quando ligada ao seu
receptor.

Medicamentos que ativam receptores (agonistas) possuem as duas propriedades: devem ligar-se efetivamente (ter afinidade) aos seus receptores; e o complexo
droga-receptor deve ser capaz de produzir uma resposta no sistema- alvo (ter atividade intrínseca). Por outro lado, drogas que bloqueiam receptores
(antagonistas) ligam-se efetivamente (têm afinidade com os receptores), mas têm pouca ou nenhuma atividade intrínseca – sua função consiste em impedir a
interação das moléculas agonistas com seus receptores.

1. Agonistas: possuem grande afinidade ao seu receptor e, ao se ligar a este, exercem uma consequência: desencadeia uma cascata de eventos (atividade
intrínseca) que promove uma determinada ação. Existem três tipos diferentes de agonistas:
2. Agonista pleno (ou total): desencadeia um efeito máximo, ocupando o número máximo de receptores ativos (e apenas estes) para desencadear o seu
efeito. Este tipo de agonista impede também que os receptores ativos tornem-se inativos.
3. Agonista parcial: desencadeia um efeito parcial, uma vez que tem afinidade tanto por receptores ativos (que realizam efeito biológico) quanto por
receptores inativos (que não realizam efeito), diferentemente dos receptores agonistas plenos, que só se ligam a receptores ativos.
4. Agonista inverso: tem afinidade apenas por receptores inativos, sem desencadear, portanto, um efeito biológico (atividade intrínseca). Este tipo
de agonista pode ser confundido com fármacos antagonistas. Porém, a diferença básica entre ambos está no fato de que um fármaco antagonista é
empregado no objetivo de bloquear uma atividade intrínseca (que geralmente, nos casos da administração desses fármacos, é uma atividade exacerbada);
já o agonista inverso não realiza o efeito por uma falta de competência ou afinidade deste por seus receptores.
5. Antagonistas: apesar de apresentarem afinidade ao seu receptor, estes fármacos não têm a capacidade de desencadear uma resposta intrínseca a partir do
seu sítio de ação. O seu objetivo, na realidade, é justamente impedir a própria atividade intrínseca.

Agonista
Agonista
- Agonista
Sítiodeligação Sítiodeligação Antagonista
doagonista alostéricodo competitivo
antagonista

Receptornão-ligado Ligaçãodoagonista Ligaçãodoantagonista Ligaçãodo


competitivo não-competitivo

CLASSESDEAGONISTAS

CLASSEDEAGONISTAS AÇÃO
Agonistaintegral Ativaoreceptorcomeficáciamáxima
Agonistaparcial Ativaoreceptor,masnãocomeficáciamáxima
Agonistainverso Inativaoreceptorconstitutivamenteativo

CLASSESDEANTAGONISTAS

EFEITOSSOBRE EFEITOSSOBRE
APOTÊNCIADO AEFICÁCIADO
CLASSEDEANTAGONISTAS AGONISTA AGONISTA AÇÃO
Antagonistacompetitivo Sim Não Liga-sereversivelmenteaosítio
competecomaligaçãodoagonista

Antagonistanão-competitivonosítio Não Sim Liga-seirreversivelmenteaosítio


ativo receptor;impedealigaçãodoagonista
Antagonistaalostériconão-competitivo Não Sim Liga-sedemodoreversívelouirreversí
umsítiodiferentedosítioativo
alteraaKaparaaligaçãodoagonista
amudançadeconformaçãonecessária
ativaçãodoreceptorpeloagonista

Um antagonista é uma molécula que inibe a ação de um agonista, mas que não exerce nenhum efeito na ausência do agonista. Os antagonistas podem ser
divididos em antagonistas de receptores e antagonistas sem receptores. O antagonista de receptor liga-se ao sítio ativo (sítio de ligação do agonista) ou a um
sítio alostérico de um receptor. A ligação do antagonista ao sítio ativo impede a ligação do agonista ao receptor, enquanto a ligação do antagonista a um sítio
alostérico altera a Kd para a ligação do agonista ou impede a mudança de conformação necessária para a ativação do receptor. Os antagonistas de receptores
também podem ser divididos em antagonistas reversíveis e irreversíveis, isto é, antagonistas que se ligam a seus receptores de modo reversível e antagonistas
que se ligam irreversivelmente.

O antagonista sem receptores não se liga ao receptor do agonista; entretanto, inibe a capacidade do agonista de iniciar uma resposta. Em nível molecular,
essa inibição pode ocorrer através da inibição direta do agonista (por exemplo, utilizando anticorpos), através da inibição de uma molécula localizada
distalmente na via de ativação, ou através da ativação de uma via que se opõe à ação do agonista. Os antagonistas sem receptores podem ser classificados em
antagonistas químicos e antagonistas fisiológicos. Os antagonistas químicos inativam o agonista antes de ele ter a oportunidade de atuar (por exemplo, através
de neutralização química); os antagonistas fisiológicos produzem um efeito fisiológico oposto àquele induzido pelo agonista.
Antagonistas

Antagonistas Antagonistas
dosreceptores semreceptores

Ligaçãoao Ligação
sítioativo alostérica

y
Reversível Irreversível Reversível Irreversível

Antagonista Antagonista Antagonista Antagonista Antagonista


competitivo não-competitivo alostérico químico fisiológico
nosítioativo não-competitivo
Os antagonistas podem ser categorizados com base na sua ligação a um sítio do receptor para o agonista (antagonistas dos receptores) ou interrupção da
sinalização do complexo agonista–receptor por outros meios (antagonistas sem receptores). Os antagonistas dos receptores podem ligar-se ao sítio do agonista
(ativo) ou a um sítio alostérico no receptor; em ambos os casos, eles não afetam a atividade basal do receptor (isto é, a atividade do receptor na ausência do
agonista). Os antagonistas dos receptores no sítio do agonista (ativo) impedem a ligação do agonista ao receptor. Quando o agonista compete com o ligante pela
sua ligação ao sítio agonista, é denominado antagonista competitivo; a presença de altas concentrações do agonista pode superar o antagonismo competitivo. Os
antagonistas não-competitivos no sítio do agonista ligam-se de modo covalente ou com afinidade muito alta ao sítio agonista, de modo que até mesmo
concentrações elevadas do agonista são incapazes de ativar o receptor. Os antagonistas dos receptores em sítio alostérico ligam-se ao receptor em um local
distinto do sítio agonista. Não competem diretamente com o agonista pela ligação ao receptor, porém alteram a Kd para a ligação do agonista ou inibem a
resposta do receptor à ligação do agonista. Em geral, a presença de concentrações elevadas do agonista não é capaz de reverter o efeito de um antagonista
alostérico. Os antagonistas sem receptores são divididos em duas categorias. Os antagonistas químicos seqüestram o agonista e, por conseguinte, impedem a
interação do agonista com o receptor. Os antagonistas fisiológicos induzem uma resposta fisiológica oposta àquela do agonista, porém através de um mecanismo
molecular que não envolve o receptor do agonista.

Muitas drogas aderem (se ligam) às células por meio de receptores existentes na superfície celular. A maioria das células possui muitos receptores de superfície,
o que permite que a atividade celular seja influenciada por substâncias químicas como os medicamentos ou hormônios localizados fora da célula.

O receptor tem uma configuração específica, permitindo que somente uma droga que se encaixe perfeitamente possa ligar-se a ele – como uma chave que se
encaixa em uma fechadura. Frequentemente a seletividade da droga pode ser explicada por quão seletivamente ela se fixa aos receptores. Algumas drogas se
fixam a apenas um tipo de receptor; outras são como chaves-mestras e podem ligar-se a diversos tipos de receptores por todo o corpo. Provavelmente a natureza
não criou os receptores para que, algum dia, os medicamentos pudessem ser capazes de ligar-se a eles.

Os receptores têm finalidades naturais (fisiológicas) mas os medicamentos tiram vantagem dos receptores. Exemplificando, morfina e drogas analgésicas afins
ligam-se aos mesmos receptores no cérebro utilizados pelas endorfinas (substâncias químicas naturalmente produzidas que alteram a percepção e as reações
sensitivas). Uma classe de drogas chamadas agonistas ativa ou estimula seus receptores, disparando uma resposta que aumenta ou diminui a função celular.

Exemplificando, o agonista carbacol liga-se a receptores no trato respiratório chamados receptores colinérgicos muscarínicos, fazendo com que as células dos
músculos lisos se contraiam e causando broncoconstrição (estreitamento das vias respiratórias). Outro agonista, o albuterol, liga-se a outros receptores no trato
respiratório, chamados receptoresadrenérgicos β2, fazendo com que as células dos músculos lisos relaxem e causando broncodilatação (dilatação dasvias
respiratórias).

Outra classe de drogas, chamadas antagonistas, bloqueia o acesso ou a ligação dos agonistas aos seus receptores. Os antagonistas são utilizados principalmente
no bloqueio ou diminuição das respostas celulares aos agonistas (comumente neurotransmissores) normalmente presentes no corpo. Exemplificando, o
antagonista de receptores colinérgicos ipratrópio bloqueia o efeito broncoconstritor da acetilcolina, o transmissor natural dos impulsos nervosos colinérgicos. Os
agonistas e os antagonistas são utilizados como abordagens diferentes, mas complementares, no tratamento da asma.

O agonista dos receptores adrenérgicos albuterol, que relaxa os músculos lisos dos bronquíolos, pode ser utilizado em conjunto com o antagonista dos receptores
colinérgicos ipratrópio, que bloqueia o efeito broncoconstritor da acetilcolina. Um grupo muito utilizado de antagonistas é o dos beta-bloqueadores, como o
propranolol. Esses antagonistas bloqueiam ou diminuem a resposta excitatória cardiovascular aos hormônios do estresse – adrenalina e noradrenalina; esses
antagonistas são utilizados no tratamento da pressão sanguínea alta, angina e certos ritmos cardíacos anormais.

DESSENSIBILIZAÇÃO E HIPERSENSIBILIZAÇÃO
Em resumo ao que já vimos, um fármaco, normalmente, se liga ao seu receptor, desencadeia uma atividade intrínseca e resulta em um efeito biológico. Neste
momento, serão discutidos os tipos de receptores farmacológicos.
Porém, antes de detalharmos os tipos de receptores farmacológicos, devemos deixar bem claro os conceitos de termos estritamente ligados a estes receptores:

1. Dessensibilização (Taquifilaxia ou Down Regulation): acontece quando o fármaco, mesmo interagindo com o receptor, não responde ao sinal e não se
modifica quimicamente e, consequentemente, não desencadeia a atividade intrínseca, inexistindo então qualquer efeito biológico. Então, diz-se que houve
dessensibilização quando o receptor não reage, mesmo interagindo com o fármaco, de maneira aguda. Isso ocorre, por exemplo, com alguns corticoides
utilizados na dermatologia que, depois de algum tempo de uso, mais e mais aplicações do medicamento são necessários para realizar um efeito cada vez
mais reduzido.

2. Hipersensibilização (Supersensibilização ou Up Regulation): ao contrario do tipo de interação explanada anteriormente, na hipersensibilização há uma
reposta exacerbada ou acentuada. Acontece, então, um efeito bem mais intenso e potente do que se era esperado da decorrência da interação entre o
fármaco ligante e seu receptor.

3. Tolerância: termo utilizado para uma adaptação de receptores à interação com o fármaco, sendo este utilizado já de modo crônico. Com isso, o receptor
deixa de responder e não desencadeia mais um efeito biológico. É oque acontece com as “bombinhas” agonistas β2 de uso dos asmáticos (utilizada para
realizar a broncodilatação),que tende a reagir com tolerância ao uso crônico, exigindo um ajuste posológico ou até mesmo exigindo a substituição da
droga para um melhor tratamento.

A teoria que explica estes fenômenos encontra fundamento nos mecanismos de controle intracelular de exteriorização dos receptores: existiriam então receptores
ancorados na membrana plasmática assim como também existiriam receptores na membrana de vesículas citoplasmáticas, intracelularmente. Seria preciso então
um sinal diferenciado para que estas vesículas pudessem então exteriorizar os seus receptores. Com isso, conclui-se que no caso da dessensibilização, haveria
um déficit na produção dessas vesículas intracelulares contendo os receptores, enquanto que na hipersensibilização, há uma produção exagerada e contínua
desses receptores.

RECEPTORES FARMACOLÓGICOS
A farmacodinâmica é a área da farmacologia que direciona seus estudos para o momento em que o fármaco, a partir de sua estrutura bioquímica e espacial
interage de maneira específica (na maioria das vezes) com seus respectivos receptores nos sítios de ligação, desencadeando uma atividade intrínseca que, por
sua vez, culmina em um efeito biológico. Os tipos mais comuns de receptores farmacológicos são:

1. Canais iônicos dependentes de ligante: são comumente denominados receptores ionotrópicos. Participam principalmente da transmissão rápida de sinais
químicos. Há um conjunto de proteínas oligoméricas dispostas ao redor de um canal iônico que, quando ocorre a ligação do ligante, há a abertura do canal
em questão de milissegundos, desencadeando, a partir da entrada destes íons, um efeito biológico. Ex: nAch, GABAA(receptores gabaérgicos
transportadores de cloro), NMDA

2. Canais iônicos não-dependentes de ligante: o fármaco pode se ligar diretamente a canais iônicos (Ex: colinoceptores: nicotínicos e muscarínicos).
Quando estes receptores são estimulados, interferem diretamente sobre o efluxo e influxo de um determinando íon. São inibidos por fármacos
classificados como bloqueadores e ativados por ativadores.

3. Enzimas dependentes de ligantes (Receptores ligados a quinases): o fármaco se liga a parte externa de uma enzima e estimula ação catalítica da
mesma. Estão envolvidos principalmente em eventos que controlam o crescimento e a diferenciação celulares e atuam indiretamente ao regular a
transcrição gênica. Os receptores de vários hormônios (como a insulina) e fatores de crescimento incorporam a tirosina quinase em seu domínio
intracelular. São inibidas por fármacos classificados como inibidores.

4. Receptores subcelulares ou intracelulares: receptores existentes no interior da célula, e não na membrana externa. Para alcançá-los, o fármaco deve
atravessar a barreira lipídica dessas células, devendo ser, portanto, lipossolúveis. Controlam, de maneira direta ou indireta, a transcrição gênica. Os
ligantes incluem hormônios esteroides, hormônios tireoidianos, vit D, Ac. retinoico. Os receptores são proteínas intracelulares, com isso, os ligantes
devem penetrar nas células. Os efeitos são produzidos em consequência da síntese alterada de proteínas e, portanto, de início lento.
5. Receptores acoplados a proteína G (receptores metabotrópicos): são conhecidos como receptores metabotrópicos (M1, M3 e M5 GMPc; M2 e
M4 AMPc). Os fármacos que agem inibindo sua ação são chamados de antagonistas e os que estimulam são agonistas. A proteína G é uma proteína de
membrana que consiste em três subunidades ( , e ), em que a subunidade possui atividade GTPase e, quando se encontra em repouso (quando está
ligada a GDP), está ligada as outras subunidades. Quando a subunidade alfa, sob estímulo da interação do receptor com o fármaco (primeiro mensageiro),
se ativa (trocando GDP por GTP), ela adquire a capacidade de se mobilizar na membrana plasmática, separando-se das demais unidades, e alcançar a
enzimas catalíticas como a fosfolipase-C (PLC) e/ou a adenilato ciclase, alterando a capacidade catalítica dessas enzimas.

Via da fosfolipase C: esta enzima catalisa, a partir dos lipídios de membrana, a formação de dois mensageiros intracelulares: o trifosfato inositol
(IP3) e o diacilglicerol (DAG):

O IP3, funcionando como segundo mensageiro, aumenta a concentração intracelular de cálcio: este aumento intracelular de cálcio
desencadeia eventos como: contração, secreção, ativação enzimática e hiperpolarização de membrana.

O DAG ativa proteína quinase C que controla muitas funções celulares, como o aumento da atividade catalítica da fosfolipase-A2, enzima
periférica da face interna da membrana que cliva fosfolipídios de membrana e dá início a cascata do ácido araquidônico. O DAG pode
interferir diretamente fosforilando uma proteína quinase. Além disso, a PKC fosforila e ativa canais para a passagem de Cálcio do meio
externo.

Via da adenil ciclase: converte ATP em AMPc, o qual ativa proteínas quinases (responsáveis por fosforilar e ativar outras proteínas intracelulares).

Quando um fármaco não entra na célula é chamado de primeiro mensageiro, sendo, portanto, responsável indireto pela resposta celular ao seu efeito. Quando o
fármaco estimula o seu receptor e desencadeia uma cascata de reações, haverá a produção de um segundo mensageiro endógeno que, de fato, irá produzir os
efeitos biológicos que caracterizam a ação do fármaco (primeiro mensageiro). Desta forma, temos:

Primeiro mensageiro: por definição, é o ligante restrito a face externa da membrana que ao interagir com um receptor específico e, sem que seja
necessário entrar na célula, é capaz de gerar uma transdução de sinal.
Segundo mensageiro: qualquer molécula que é gerada intracelularmente a partir de um sinal gerado por um primeiro mensageiro e se encontra livre no
citoplasma. Este segundo mensageiro é o responsável por realizar a função que o primeiro mensageiro deveria fazer se este entrasse na célula.

O papel dos nucleotídeos cíclicos AMPc e o GMPc, no músculo, são relaxantes, com a exceção do AMPc no coração, onde seu o efeito é estimulante.

Apêndice
A farmacodinâmica é o estudo quantitativo dos efeitos dos fármacos sobre o organismo. Foram desenvolvidas várias ferramentas para comparar a eficácia e a
potência dos fármacos, incluindo as relações de dose–resposta graduadas e quantais. A relação de dose–resposta graduada é utilizada para examinar os efeitos de
várias doses de um fármaco sobre um indivíduo, enquanto a relação de dose–resposta quantal é utilizada para examinar os efeitos de várias doses de um fármaco
sobre uma população. A janela terapêutica e o índice terapêutico são utilizados para comparar as concentrações de fármacos que produzem efeitos terapêuticos e
efeitos tóxicos (adversos).

No estudo da farmacodinâmica, os fármacos podem ser divididos em duas classes gerais — agonistas e antagonistas. A maioria dos agonistas permite a
manutenção da conformação de um receptor no estado ativo, enquanto os antagonistas impedem a ativação do receptor pelos agonistas. Os antagonistas são
ainda classificados de acordo com a localização molecular de seu efeito (isto é, receptores ou não-receptores), o sítio onde se ligam ao receptor (isto é, sítio
ativo ou sítio alostérico) e o modo de sua ligação ao receptor (isto é, reversível ou irreversível).

As informações apresentadas neste capítulo serão reiteradamente utilizadas neste livro, bem como por cada profissional de saúde em sua prática clínica. O
conhecimento prático da farmacodinâmica é essencial em todos os casos em que se efetua uma comparação entre fármacos com base na sua potência ou
eficácia, ou nos casos em que é necessário estabelecer a dose apropriada de um fármaco para um paciente específico

Referências
[1] DANDAN, Randa Hilal; BRUNTON, Laurence L. (Orgs.). Manual de farmacologia e terapêutica de Goodman & Gilman. 2. ed. Porto Alegre: AMGH,
2015.

[2] HOWLAND, R. D.; MYCEK, M. J. Farmacologia Ilustrada. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008;

[3] HANG, H. P. et al. Pharmacology. 6. ed. Churchill Livingstone, 2007;

[4] JUNQUEIRA, L.; CARNEIRO, J. Biologia Celular e Molecular. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005;

[5] GOLAN, David E. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacoterapia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.

Créditos

Autor:

Daniel Machado Moura

Editores

Nathan Machado Moura

Julio César Vieira Santos

Ilustrador

Michel José de Carvalho

Edição

1º edição

Data de criação: 08/07/2019

Data da Última Modificação: 04/08/2019

Você também pode gostar