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Farmacodinâmica:

mecanismos gerais de ação dos fármacos


Prof. Fúlvio Rieli Mendes
• Farmadinâmica: estuda como se dá o efeito de uma
droga sobre o organismo;

• Farmacocinética: estuda os fatores relacionados


com a absorção, metabolização e excreção da droga.
Alvos para ligação de fármacos

• A maioria dos fármacos se liga a proteínas


– Outros alvos incluem lipídeos, DNA, hormônios, etc.
• Principais alvos proteicos dos fármacos:
– enzimas
– moléculas transportadoras
– canais de íons
– receptores

Especificidade: propriedade do fármaco de reconhecer


apenas certos tipos de sítio de ligação.
Interação droga-receptor
> Ligação de um fármaco a seu receptor (alvo-protéico)

• Forças de união
simples

• Obedece a lei de
ação das massas:
D+R DR

droga

Receptor
Droga pode se ligar ao receptor como:
• Agonista: mimetiza o efeito do ligante endógeno, ativando o
receptor e produzindo o efeito farmacológico.

• Antagonista: liga-se ao receptor mas não produz efeito


farmacológico.

agonista
agonista
antagonista

Membrana Receptor
celular
Tipos de agonistas:
• Totais: tem a capacidade de produzir o efeito máximo
• Parciais: não são capazes de produzir o efeito máximo
• Inversos: produzem efeito oposto ao do agonista

100 Agonista Total

resposta (% máx)
50 Agonista Parcial

0
1
Log da2concentração
3 4

CE50 (ou DE50): concentração (ou dose) que provoca 50% do efeito máximo
Interação droga-receptor
• A ocupação do sítio de ligação do receptor pelo
fármaco pode ou não resultar em ativação do receptor
AFINIDADE: facilidade com que uma droga se liga a um dado receptor
EFICÁCIA: capacidade da droga, uma vez ligada ao receptor, provocar
mudanças na conformação deste receptor que o levem a produzir os efeitos
OCUPAÇÃO ATIVAÇÃO
(afinidade) (eficácia)
Afinidade X eficácia

Agonista pleno (eficácia positiva): b > a


Relação b-a = eficácia
Antagonista (eficácia nula): = 0

Agonista total: afinidade e eficácia alta (1,0)


Agonista parcial: eficácia intermediária (0<E<1)
Antagonista: eficácia zero (0,0)
Ativação constitutiva e agonista inverso
• Existem casos nos quais ocorre um nível apreciável de
ativação do receptor mesmo na ausência de ligante
(ativação constitutiva)
• Os agonistas inversos possuem maior afinidade pela
forma não ativa dos receptores
– ex. receptores benzodiazepínicos, canabinóides e
dopaminérgicos

Estado de Estado
repouso ativado
Constante de equilíbrio

• Complexo fármaco-receptor é reversível

• Ka = constante de equilíbrio
– É a concentração do fármaco necessária
para ocupar 50% dos sítios em equilíbrio
– Quanto maior a afinidade do fármaco
pelo receptor, menor o Ka
Efeito combinado de drogas
• Adição: soma dos efeitos de duas drogas

• Sinergismo: aumento do efeito de um fármaco


pela combinação com uma segunda droga

• Potencialização: efeito combinado maior que a


“soma” dos efeitos isolados

• Antagonismo: diminuição do efeito de uma droga


quando combinada com uma segunda droga
No entanto, o termo sinergismo vem sendo empregado para
designar qualquer efeito combinado de drogas que leve a um certo
grau de aumento do efeito das drogas isoladamente
Tipos de antagonismo:
• Químico
– quando duas substâncias se combinam em solução
• Farmacocinético
– quando uma droga diminui a concentração de um fármaco ativo
em seu local de ação
• Fisiológico
– interação entre fármacos agindo em locais diferentes, mas com
ação oposta
• Farmacológico (específico ou competitivo)
– quando dois fármacos competem pelo sítio de ligação do
receptor (antagonismo por bloqueio de receptor)
• Não competitivo
– não agem sobre o sítio de ligação do receptor, mas bloqueiam
a cadeia de eventos que leva à resposta do agonista
Antagonista competitivo
• O fármaco pode também ser chamado de
bloqueador do receptor
• É o tipo de antagonismo mais importante em
farmacologia experimental
• Pode ser do tipo reversível ou irreversível

Antagonismo competitivo reversível Antagonismo competitivo irreversível


Antagonismo de receptores
Sem antagonista Com antagonista
100 competitivo reversível

ocupação (%)
Com antagonista
50 competitivo
irreversível ou não
competitivo

0
1 concentração
2 do
3 agonista
4

Propriedades dos antagonistas:


• Competitivo reversível: agonista pode deslocar o fármaco
• Competitivo irreversível: aumento da concentração do
agonista não é capaz de deslocar o fármaco
• Não-competitivo: bloqueio ocorre de forma independente do
sítio de ligação do agonista
Regulação da resposta e receptores

• Dessensibilização: diminuição do efeito de uma droga


após estimulação contínua
– Também é chamada de taquifilaxia

• Supersensibilidade: mecanismo em que ocorre síntese


de receptores adicionais como consequência de
hipoestimulação duradoura

Tolerância: ocorre em resposta ao fenômeno de


dessensibilização;
Sensibilização: aumento de uma resposta para a mesma
dose do fármaco.
Dessensibilização de receptores

• Alteração nos receptores


– modificações da fosforilação protéica, mudança de conformação
• Perda de receptores
– internalização por pinocitose

Dessensibilização

Efeito inicial: Efeito:

A dessensibilização é responsável pela tolerância desenvolvida a medicamentos de


uso crônico e que necessitam aumento de dose após um certo tempo!
Outros mecanismos que levam a diminuição
do efeito de um fármaco
• Depleção de mediadores
– ex. reserpina
• Aumento da degradação metabólica do fármaco
– ex. etanol e barbitúricos (antagonismo farmacocinético)
• Adaptação fisiológica
– resposta adaptativa (homeostática) do organismo
– ex. diurético X sistema renina-angiotensina
• Extrusão ativa do fármaco das células
– relevante para a quimioterapia antineoplásica
Supersensibilidade de receptores
• Aumento do efeito do agonista após bloqueio repetido
(contínuo) do receptor.
– Geralmente ocorre devido a síntese de novos receptores

Supersensibilidade

Efeito inicial: Efeito:


Possui implicações importantes para indivíduos em tratamento com
fármacos bloqueadores!
Risco de “overdose” em dependentes químicos, após período de abstinência
seguido de recaída com uso de dose elevada
Alvos protéicos para ligação
de fármacos

• Enzimas
• Moléculas transportadoras
• Canais de íons
• Receptores
Enzimas como alvos de fármacos

• Podem ser inibidas de modo reversivel ou irreversivel

CAPTOPRIL
ANGIOTENSINA I

ECA

Membrana Plasmática

Ex fármacos: captopril, enalapril (inibidores da enzima conversora de


angiotensina); fenelzina, moclobemida (antidepressivos inibidores da
monoaminoxidase); aspirina (inibe ciclooxigenase)
Transportadores como alvos de fármacos
• Transportadores são importantes para transporte de
moléculas insuficientemente lipossolúveis
• Fármacos desta categoria alteram a concentração intra e
extracelular de mediadores químicos

Ex fármacos: fluoxetina, sertralina (ISRS - inibidores seletivos da


recaptação de serotonina); omeprazol (inibidor da bomba de prótons)
Canais iônicos como alvos de fármacos
• Canais iônicos permitem a passagem de certos íons entre os
meios intra e extracelular
• Potencial para alterar excitabilidade celular

Ex fármacos: lidocaína, bupivacaína


(bloqueadores de canais de sódio
controlados por voltagem); diidropiridina
(vasodilatodores inibidores da abertura de
canais de cálcio tipo L)
Receptores como alvos de fármacos
• Fármaco geralmente se liga ao sítio de ligação de um
ligante endógeno
– Pode atuar como agonista ou antagonista (bloqueador)
• Particularmente importantes para fármacos com ação
sobre sinapses químicas

Receptor colinérgico
nicotínico
Ex fármacos: nicotina (agonista colinérgico), morfina (agonista de
receptor opióide); haloperidol, clorpromazina (antagonistas de receptor
dopaminérgico); isoprenalina (agonista b-adrenérgico)
Tipos de receptores

• Canais iônicos (ionotrópicos)

• Acoplados à proteína G (metabotrópicos)

• Receptores ligados à proteíno-quinases

• Nucleares
Tipos de
receptores
• Os receptores são estruturas
proteicas quaternárias que
apresentam um domínio de
ligação para o ligante
endógeno, que após ligado
promove a ativação do
complexo

• Podem estar inseridos na


membrana (tipos 1-3) ou
presentes no citossol (tipo 4)
Receptores como canais iônicos

• Características
• Propagação rápida
• Seletivamente permeável a
cátions ou ânions
• Seletividade é dada pelo
revestimento do canal

• Exemplos
• nicotínico, aspartato, GABAA,
Gli, 5-HT3, Glu (NMDA,
AMPA, cainato)
Receptores como canais iônicos

Cada receptor possui entre 4-5 subunidades


A subunidade α rotaciona na presença do ligante levando à abertura
do poro
Receptores ionotrópicos

Ex. drogas que atuam sobre receptores deste tipo: benzodiazepínicos,


barbitúricos (receptor GABA), nicotina (receptor colinérgico nicotínico),
memantina (bloqueador glutamatérgico NMDA)
Receptores acoplados à proteína G
• Características
• Única unidade protéica com 7 domínios transmembrânicos
• Ativam segundos-mensageiros ou canais iônicos
• Eventos mais lentos que com receptores ionotrópicos
• Exemplos
• Receptor muscarínico da Ach, adrenoceptores, receptores dopaminérgicos,
serotonérgicos, receptores de neuropeptídeos e quimiocinas
O ciclo da proteína G
• Proteína G
– Subunidades α e bg se dissociam e atuam sobre alvos na
membrana e citoplasma
Alvos da proteína G
• adenilil ciclase (sinônimo: adenilato ciclase)
• fosfolipase C
• canais iônicos
• Rho A / Rho quinase
Tipos de proteína G
• Estimulatórias (Gs) - aumentam a produção de AMPc via adenilil
• Inibitórias (Gi) - diminuem a produção de AMPc ciclase
• Gq - aumentam produção de IP3 e diacilglicerol (via PLC)
• Go - efeitos limitados (ação se deve principalmente à bg)

Exemplo: modulação da produção de AMPc via adenilil ciclase


•A cascata intracelular
• Amplificação do sinal
– cada proteína G e quinases podem
levar à ativação de vários alvos,
acarretando na amplificação do sinal
– AMPc funciona como segundo
mensageiro
Receptores metabotrópicos - modificação dos níveis de AMPc

Ex. fármacos que atuam sobre receptores deste tipo: metilxantinas


(cafeína, teofilina, aminofilina), broncodilatadores (salbutamol, terbutalina)
Receptores metabotrópicos - ativação de canais iônicos

Fármacos que atuam sobre receptores deste tipo: antihipertensivos


(bloqueadores beta adrenérgicos: propranolol, atenolol, metaprolol)
Receptores metabotrópicos - via da Fosfolipase C
Ativação do receptor colinérgico M1 por um agonista

DAG = diacilglicerol
PKC = proteína quinase C
PIP2 = fosfatidil-inositol difosfato
IP3 = trifosfato de inositol (ou inositol trifosfato)
Receptores ligados à quinases

• Características:
• 1 domínio
transmembrana
• Formação de dímeros
• Ação moderada-lenta

• Exemplos:
• receptores para
insulina, leptina,
citocinas e fatores de
crescimento
Receptores ligados à quinases

• Efeitos ocorrem principalmente ao nível de transcrição


gênica

• Funções: controle da divisão, crescimento e diferenciação


celular, inflamação, resposta imunológica, reparação
tecidual e apoptose

• Principais tipos:
– receptores tirosina quinase
– serina / treonina quinase
– receptores de citocinas
– receptores associados à guanilil-ciclase
Receptores proteína-quinases

Receptor de insulina Ativação do receptor de insulina: ligação do


hormônio e fosforilação em resíduos de
tirosina

Exemplos de fármacos que atuam sobre este tipo de receptor:


insulina e fatores de crescimento
Receptores nucleares
• Características
– Localizados no núcleo ou citoplasma
– Estrutura em dedos de zinco
– Regulam transcrição gênica; efeito mais lento
• Exemplos
– esteróides, hormônios tireoidianos
– vitaminas A e D
– lipídeos de composição celular
Receptores nucleares
• Alças contendo os “dedos de zinco” reconhecem e
ligam-se aos “elementos responsivos a hormônios” nos
genes do DNA
– Transcrição pode ser estimulada ou inibida
– regulam número considerável de genes
• ex. glicocorticóides: regulam cerca de 1% do genoma

N-terminal Domínio central de ligação ao região da Domínio da ligação ao ligante Extensão


dobradiça Região co-ativadora de AF2
região co-ativadora de AF1 DNA com “dedos de zinco” C-terminal
Ligação de HSP
Receptores nucleares

Fármacos que atuam por este mecanismo: glicocorticóides, vitamina D, ácido


retinóico (vit. A), hormônios tireoidianos, hormônios estereoidais
Recapitulando...

Enzima: Função:
Proteínas quinase fosforilação protéica (modifica a atividade enzimática)
Fosfatases desfosforilação
Fosfodiesterases hidrolisam o AMPc
Em resumo:
Mecanismos de transdução
• Eventos intracelulares que ocorrem após ativação de um receptor
metabotrópico
• Mediados via segundos-mensageiros
Controle da transcrição gênica por
segundos-mensageiros
• Segundos-mensageiros ativam proteínas quinases
• proteínas quinases ativam fatores de transcrição
• fatores de transcrição ativam a transcrição de genes de transcrição
imediata (fos, jun)
• proteínas fos e jun modulam a transcrição de outros genes celulares
Controle dos sistemas efetores via prot G
Em resumo...
Particularidades de cada sistema de
transmissão e receptores serão vistas nas
próximas aulas...
Roteiro de estudo:
• Lembrar os principais alvos de ação dos fármacos e principais
características de cada tipo.

• Rever os princípios de interação entre droga (fármaco) e receptor.

• Diferenciar agonistas, antagonistas, afinidade e eficácia.

• Diferenciar os tipos de antagonismo e elencar exemplos de


interações ou fármacos de cada tipo. Representar graficamente as
curvas de ocupação do receptor para concentrações crescentes do
agonista na presença de antagonista competitivo e não competitivo.

• Entender os mecanismos de adaptação (regulação) de receptores e


suas implicações farmacológicas.
Roteiro de estudo:
• Caracterizar os quatro tipos de receptores elencando as
propriedades e diferenças de cada um.

• Verificar o ciclo de ação da proteína G, as famílias de proteína G e


alvos / consequências da ativação de cada tipo.

• Esquematizar a cascata de eventos intra-celulares que ocorre após


a ativação de cada alvo da proteína G.

• Observar as características dos receptores ligados à quinases,


exemplos de fármacos que atuam sobre estes receptores e
mecanismos que levam à transcrição gênica.

• Pesquisar exemplos de fármacos que atuam através dos diferentes


alvos, incluindo fármacos agonistas e antagonistas / bloqueadores.
Bibliografia utilizada:
• RITTER, J. M. ; RANG, H. P. ; DALE, M M. Farmacologia. 6.ed.
Elsevier. 2007.
– capítulos 2 e 3.
• DE LUCIA, R.; OLIVEIRA-FILHO, R.M.; PLANETA, C.S.;
GALLACCI, M.; AVELLAR M.C.W. Farmacologia integrada. 3.ed.
Revinter. 2007.
– capítulo 2.
• GOODMAN, L. S.; GILMAN, A. G.; HARDMAN, J. G.; LIMBIRD, L.
E. As bases farmacológicas da terapêutica. 11.ed. McGraw-Hill.
2007.
– capítulo 2.

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