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Os Princípios Psicológicos da Brincadeira Pré-escolar

Vivendo e aprendendo a jogar, vivendo e aprendendo a


jogar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo. Mas,
aprendendo a jogar.
Guilherme Arantes

A brincadeira na fase pré-escolar, considerada a fase áurea do


desenvolvimento infantil, não busca respostas prontas, resultado final da ação ou
vitória, sua motivação está no próprio processo de brincar, não está no vencer nem
no competir, sendo que neste processo a criança (re)conhece o mundo ao seu redor
e se aproxima de saberes e fazeres do mundo adulto, ou noutra vertente, en trar num
saber que já está exposto pelo adulto e faz aí sua versão própria.

Então, para além e de forma diferente das formulações que são feitas e
instrumentalizados pelos diferentes campos de conhecimento, quero destacar que,
neste caso e pensando em seu aprofundamento posteriormente à conclusão desta
pesquisa, o importante é que a criança entra “no brincar”, por um ato de saber que
lhe é inerente e lhe singulariza enquanto sujeito autoexpressivo; de forma que isto (o
brincar) se refere mais a um significante, com valor real para uma determinada
criança, do que como um conceito a ser aprendido, mas que onde se dá uma
apreensão de um saber que se mostra, que pode ser percebido e lido para, então,
ser um acontecimento singular do próprio sujeito. No caso aqui ilustrado, da própria
criança. Neste sentido ainda, posso advertir que esta compreensão pode ser
aprofundada porque não coincide exatamente com as bases científicas já bastante
instrumentalizadoras das reflexões e trabalhos com ludicidade, com crianças
escolares ou em outros contextos.

Assim, as brincadeiras se constituem como um recurso para as crianças


poderem admirar o mundo, que nesta fase a invade de forma avassaladora, sendo
um momento de muitas descobertas, muitas informações a serem processadas ao
mesmo tempo. Então, através deste processo do brincar elas podem ruminar
experiências cotidianas para poderem assimilar melhor, as informações que a elas
estão chegando, a partir de suas condições reais, desde que este processo externo
do brincar seja um significante e um valor, com razão de ser, para a criança, do
contrário todo o processo será ignorado e não irá gerar nenhum efeito, seja
considerado positivo ou negativo.
Isto é muito importante porque é pela via da subjetividade da criança que
tais processos poderão ser dinamizados por elas e, dentro disso, outras ascensões
poderão acontecer, como por exemplo, ir ampliando seu trânsito singular e pessoal
entre as instâncias do Imaginário, Real e Simbólico, bem como as possíveis
relações fundamentais entre eles, como explicitado pela literalização de Lacan
(XXX), embora este aspecto da problemática seja um compromisso de
aprofundamento posterior à escrita desta Tese, vez que ultrapassa seu recorte e
pretensões; bem como isto é um efeito da dinâmica de uma pesquisa qualitativa,
pois muitas coisas vão se mostrando ao longo do processo investigativo e que vão
desafiando o pesquisador a rever e a aprofundar suas bases de análise e de
compreensão iniciais.

Portanto, só secundariamente, podemos ver o brincar como uma forma, uma


possibilidade de apreensão do mundo, fundamental às crianças em geral e na idade
pré-escolar do desenvolvimento em específico. Nesta perspectiva, o que distingue
uma ação que não é uma brincadeira, que não é uma ação lúdica, é que ela não
transmite e não mostra um saber lúdico que possa ser lido/apreendido por um outro
sujeito, para além da sua motivação, inclusive por uma ordem de fatores que pode
até ser inconsciente. Uma ação lúdica independe de seu resultado objetivo. Haja
vista que, sua motivação não tem relação com esse resultado, ela é processo, a
criança não a busca intencionando os seus objetivos finalísticos, nem toma este
processo como uma forma consciente e formalizada como um conceito. Isto, por sua
vez, faz parte do mundo e do contexto intelectual do adulto, já num segundo tempo
em que a coisa é deslocado para um nível simbólico, que admite infinitas
composições e relações de linguagem (LIMA JR, 2015, 2019) - a criança não tem
um tal conteúdo como objeto do seu pensamento e nem da sua consciência, pois ela
pode brincar independentemente disso, por ter/ser um saber lúdico, um saber de
gozo (ANDRADE, XXX)

Pela literatura em geral, a ação do brincar é uma experiência real para


criança, ela acessa objetos operacionais que estão acessíveis à sua realização,
sendo que logo de início, esses objetos não são vistos pela criança como algo
fantástico, diferente das condições objetivas apresentadas, já imaginando o seu
objetivo no processo do brincar, muito pelo contrário, as condições dessa ação
lúdica é assimilada pela criança no processo dessa relação, durante o movimento do
brincar, nesse processo é que as situações imaginárias vão sendo originadas, e as
relações com os aspectos da sua realidade vão acontecendo. Mas, podemos fazer
um pouco de diferenciação, ao compreender que a ação imaginária da criança é um
saber e não se dá da mesma forma e nem pela mesma razão em todas as crianças,
pois este dinamismo imaginário é também subjetivo; de modo que, até um certo
ponto do processo nada pode ser dito, nada pode ser explicado, mas tudo isso
relatado acima é relativo e só poderá ser simbolizado, em qualquer nível e modo de
representação e de formalização, depois que acontecer, consoante a singularidade
de cada criança. Deste modo, com maior razão, isto não pode não ser um
processo, aberto e dinâmico. Assim, as condições desta ação onde a criança está
envolvida pode favorecer a imaginação, mas deriva de um Real subjetivo e psíquico
- a ser aprofundado em continuidade a esta pesquisa, como será indicado nas
considerações finais.

Segundo Leontiev:

A relação particular entre o sentido e o significado do


brinquedo não é, portanto, dada antecipadamente nas
condições do jogo; ela surge ao longo do jogo.
Precisamos acrescentar também que a relação do
sentido do brinquedo e do significado real das condições
objetivas do jogo não permanece imutável durante os
movimentos do processo do brinquedo, mas é dinâmico e
móvel. (129)
Para além desta consideração leontievian, segundo
inspiração que admite o papel da subjetividade, também
não se trata da assimilação processual do significado
nem da brincadeira e nem do brincar, mas de como este
significado, que é acordado socioculturalmente é
acessado pela criança a partir do que lhe representa
como significante, de forma que esta questão é relativa,
cada caso uma singularidade irredutível e que não pode
ser generalizada, o que traz uma questão para as ações
pedagógicas em contexto pré-escolar: esta pragmática
pedagógica é marcada pela incompletude, ou seja, não
diz tudo, não pode tudo, não explica tudo pelo sujeito,
mesmo sendo este uma criança...

Considerando a missão de discutir e apresentar o processo de


desenvolvimento da brincadeira do período pré-escolar, raízes de suas mudanças e
seu declínio e, finalmente, suas ligações com outras formas de atividade da criança
em idade pré-escolar, Luria apresenta uma sequência e características dos tipos de
brincadeiras desenvolvidas pelas crianças, mas que sem desconsiderar sua
relevância, já a compreendemos como de importância relativa.

Inicialmente, as primeiras ações lúdicas surgem com base na necessidade


crescente da criança de dominar o mundo dos objetos humanos, esta atividade é
sempre generalizada, é a dos jogos que quando se estabelecem tem como
característica básica a emergência de situações imaginárias, sendo que um fator
componente inicial desta brincadeira é a reprodução da ação, vivenciando o seu
papel lúdico. Esses jogos são chamados "de teatrinho" ou jogos de enredo.

Estabelecida a situação imaginária, vem as regras e assim são transformados


em jogos com regras nos quais a situação imaginária e o papel estão contidos em
forma latente. A partir de então, as relações sociais já surgem de forma explícita e o
papel da brincadeira também é alterado, indo além da relação com os objetos agora
a situação objetiva imaginária desenvolvida é sempre, também, uma situação de
relações humanas, e surge a necessidade do domínio de regras e assim os "jogos
com regras e objetivos próprios".

Nessa fase do desenvolvimento da personalidade das crianças surge pela


primeira vez, o momento da auto-avaliação. E, através desses jogos com duplo
propósito o elemento moral é introduzido, portanto esse elemento surge da própria
atividade da criança. E, finalizando essa transformação no processo das
brincadeiras na fase da pré-escola, vem os "jogos limítrofes", que fica no limite de
transição, para a atividade não-lúdica, jogos didáticos, jogos de dramatização,
esportes e jogos de improvisação.

Como já vislumbrado, todos estes procedimentos, quase que propostos como


se fossem uma didatização dos processos lúdicos, são relativos, visto que
dependerão da posição subjetiva que cada criança assumirá diante deles. Então, em
qualquer contexto ou lugar, será indispensável a escuta da expressividade da
criança, do sentido que tudo isto tem para ela, a partir das relações ou associações
livres que ela inevitável e indefinidamente poderá fazer e, neste espectro mais
amplo, agir nos diferentes registros Real, Imaginário e Simbólico, ou relacionando-
os, o que necessita ser retomado para o aprofundamento das teorizações do brincar,
porque não fazem menção destes registros e nem de seu papel na constituição do
sujeito que, neste caso é o mesmo que Subjetividade. Talvez uma das questões a
ser enfrentada seja o fato das abordagens vigentes e predominantes tecerem uma
visada excessivamente científica sobre estes processos, onde não cabe uma
tomada estritamente científica (LIMA JR, 2019).

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