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Entendendo a Filosofia

do Direito – As correntes
da filosofia do direito (2/4):
O jusnaturalismo
http://genjuridico.com.br/2018/01/25/as-correntes-da-filosofia-do-direito-jusnaturalismo/

Paulo Gustavo Guedes Fontes


Doutor em Direito do Estado. Mestre em Direito Público. Desembargador do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Professor de Direito Constitucional.

Em dois artigos anteriores, estudamos as teses da separação e da conexão entre


direito e moral (clique aqui) e o positivismo jurídico (clique aqui).
Abordaremos agora o jusnaturalismo, que é possivelmente a corrente mais
antiga da filosofia do direito, mas nunca totalmente superada, com reflexos em
tendências mais modernas, como o chamado neoconstitucionalismo.

Uma primeira observação a ser feita é que o jusnaturalismo comunga


do naturalismo, uma forma de pensar mais abrangente que se expressa também
na ética e na política. Uma ética naturalista, por exemplo, é aquela baseada na
suposta natureza das coisas ou na natureza humana, a qual forneceria as
respostas sobre o que é certo e errado, o bem e o mal, as finalidades a serem
perseguidas pelo homem. Como exemplo, podemos citar Aristóteles, filósofo
que adota o naturalismo, ao afirmar que o homem é naturalmente um ser social.

O jusnaturalismo, portanto, sustenta que o verdadeiro direito reside na natureza


das coisas, na natureza humana ou ainda na religião ou na razão, que seriam
ainda aspectos, por assim dizer, naturais. Por isso essa corrente é conhecida
também como a do Direito Natural e este, como já asseveraram alguns autores,
pretende extrair suas normas da religião, da natureza ou da razão humana. Mas
o que importa aqui ressaltar é que, diferentemente do positivismo jurídico, para
o jusnaturalismo o direito não é um artifício, uma criação livre do homem, mas
é algo que está no mundo.

Para essa corrente, é fundamental a noção de justiça. A justiça é o valor ou


finalidade que inspiraria o direito. Ela não se resumiria ao direito escrito ou
estatal, mas estaria acima dele, seria algo natural, racional ou mesmo intuitivo:
os homens podem em cada situação discernir o justo e o injusto. Desses
aspectos decorre que o direito positivo pode entrar em contradição com o direito
natural, e é este último que deve prevalecer; de acordo com o brocardo que bem
define essa corrente jusfilosófica, atribuído a Santo Tomás de Aquino, lex
iniusta non est lex, isto é, a lei injusta não é lei. Radbruch, filósofo do direito
do século XX, de alguma forma atenua o brocardo tomista, por receio da
insegurança jurídica que poderia implicar, assinando a famosa fórmula de
Radbruch, efetivamente mais branda mas ainda assim jusnaturalista: a lei
extremamente injusta não é lei [...] [1]

Assim, remetendo aos dois artigos anteriores acima citados, conclui-se que,
enquanto o positivismo jurídico adota a tese da separação entre direito e moral,
o jusnaturalismo adota a tese da conexão ou vinculação – o direito não é apenas
o direito positivo, mas conceitualmente já remete à noção de justiça, que é como
a moral se manifesta no mundo do direito.

Poderíamos dirigir basicamente duas críticas ao jusnaturalismo, uma de


natureza filosófica e outra de natureza política. A crítica filosófica, baseada na
filosofia moral, afirmaria que os juízos de valor, como os valores morais, a
justiça aí incluída, não são passíveis de verdade ou falsidade, como os juízos de
fato. Seriam, pois, perpassados pela subjetividade e os conflitos entre esses
valores não poderiam ser dirimidos de forma racional. Assim, não teríamos uma
resposta certa, do ponto de vista moral ou da justiça, sobre questões tormentosas
como o aborto, a pena de morte, a eutanásia. Kelsen insiste na relatividade do
conceito de justiça, o que para ele leva à necessidade do direito positivo.[2]

A segunda crítica, agora política, traz à tona a questão democrática. Enquanto


o direito positivo é produto da representação política, isto é, dos representantes
eleitos democraticamente, e o juiz a ele está subordinado, o direito natural
independeria dessa representação, residindo num plano superior, metafísico ou
racional, e poderia ser invocado pelo juiz até para descartar em determinado
caso o direito positivo.

O problema é que, ainda que exista uma resposta correta do ponto de vista moral
ou da justiça, distinta daquela fornecida pelo direito positivo, muitas vezes não
teremos como saber com certeza qual é ela e continuaríamos divergindo, o que
torna necessária a regra da maioria para dirimir tais conflitos, como bem
apontou o constitucionalista Jeremy Waldron. [3]
[...]

[1] ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins


Fontes, 2009.
[2] KELSEN, Hans. A justiça e o direito natural. Coimbra: Almedina,
2001, p. 100.
[3] “Na ausência de qualquer acordo sobre como alguém poderia dizer qual
é a correta, entre duas crenças conflitantes sobre os fatos morais, a imposição
da crença de uma ou poucas pessoas sobre aquela da população como um
todo parece ainda arbitrária e antidemocrática.” WALDRON, Jeremy. Law
and Disagreement. Oxford: Oxford University Press, 1999, Leitor Kindle,
p. 184.

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