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COLOPROCTOLOGIA

Equipe SJT Editora


Coloproctologia. São Paulo: SJT Editora, 2016.
ISBN 978-85-8444-115-0

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Sumário
1 Anatomia e 昀椀siologia do intestino grosso ....................................................................................21
2 Abordagem diagnóstica ...........................................................................................................................28
3 Doenças do apêndice ................................................................................................................................38
4 Obstrução do intestino grosso .............................................................................................................51
5 Pseudo-obstrução aguda do cólon (Síndrome de Ogilvie) .......................................... 60
6 Megacólon ..........................................................................................................................................................65
7 Isquemia colônica (colopatia isquêmica) ....................................................................................70
8 Hemorragia digestiva baixa (HDB) ....................................................................................................77
9 Doença diverticular ......................................................................................................................................83
10 Retocolite ulcerativa inespecí昀椀ca (RCU) ......................................................................................94
11 Ti昀氀ite ...................................................................................................................................................................... 112
12 Colite pseudomembranosa (CPM) ................................................................................................. 115
13 Novas colites ...................................................................................................................................................118
14 Poliposes ............................................................................................................................................................124
15 Câncer colorretal (CC) ..............................................................................................................................135
16 Doenças anorretais.................................................................................................................................... 156
Caderno de imagens

Flexura Omento maior (removido)


direita Flexura
Tênia omental do colo esquerda
do colo
Mesocolo transverso do colo

Tênia
omental do
colo (exposta
pelo gancho) Apêndices Tênia mesocólica
Tênia omentais (adiposos) do colo (exposta
livre Tênia livre pelo gancho)
do colo do colo
Pregas semilunares
do colo
Mesocolo
Junção sigmoide
retossigmoidea

Reto

Figura 1.1 Topografia e estrutura do cólon.


10
Coloproctologia

Artéria cólica média Artéria mesentérica superior


Arco justacólico
Mesocolo (artéria marginal 1ª artéria jejunal
transverso do colo)
Artérias jejunais e
Artérias retas ileais
Arco justacólico
Parte (artéria marginal
Artéria comum do colo)
pancreatico- Ramo Artéria
duodenal posterior mesentérica
Ramo inferior
inferior
anterior Artéria cólica
Arco justacólico esquerda
(artéria marginal Ramo
do colo) ascendente
Artéria cólica Ramo
direita descendente
Arco justacólico
(artéria marginal
Artéria do colo)
ileocólica Artérias
Ramo sigmóideas
cólico
Ramo Mesocolo
ileal sigmoide

Arco justacólico
(artéria marginal
do colo)

Artéria cecal
anterior

Artéria cecal
posterior

Artéria
apendicular

Artéria ilíaca interna Artérias


retas
Artéria obturatória
Artéria sacral mediana
(da parte abdominal da aorta) Artéria retal superior
Artéria vesical superior (da parte Artéria retossigmóideas
aberta da artéria umbilical)
Bifurcação da artéria
Artéria vesical inferior retal superior
Artéria pudenda interna no canal
Artéria retal média
pudendo (de Alcock)
Ramo da artéria retal superior Artéria retal infeior

Figura 1.2 Suprimento vascular, linfático e nervoso do intestino grosso. Atenção: ponto crítico de Griffiths lo-
calizado no ângulo esplênico e que corresponde ao limite de separação entre os territórios da artéria mesentérica
superior e inferior. Ponto crítico de SUDECK: é uma região do cólon em que recebe, escassamente, uma mistura de
dois suprimentos sanguíneos, das artérias sigmoideanas e retal superior (junção retossigmoide).

SJT Residência Médica – 2016


11

Ponto de Lantz
Ponto de
McBurney's

Ponto de
Figura 2.1 Colonoscopia virtual (TC colonográfica); A:
imagem de pólipo (seta) evidenciada em padrão bidimen- Morris
sional na TC scan; B: TC colonográfica em visão tridimen-
sional; C: imagem colonoscópica da lesão polipoide (seta).

Figura 3.3 Pontos apendiculares.

Miscelânea (10%)
Doença
diverticular
Neoplasias (10%)
(60%)

Vólvulo (20%)

Figura 4.2

Volvo do sigmoide

Patogênese
do volvo
sigmoide
1- Alça
sigmoide 2- Contração 3- Torção,
longa da base do obstrução
mosossigmoide estrangu-
lamento,
distensão

Distensão
abdominal
extrema
Figura 2.2 A: colonoscopia evidenciando lesão polip-
oide obstrutiva da região do sigmoide; B: clister-opaco
mostrando lesão estenosante de contornos irregulares
na mesma topografia; C: espécime cirúrgica mostrando
lesão anular estenosante com aparência em guardanapo. Figura 4.5 Sequência fisiopatológica do volvo de sigmoide.

SJT Residência Médica – 2016


12
Coloproctologia

Volvo do ceco

Volvo do Volvo do
sigmoide ceco

Ceco
sem
fixação

Volvo do
ceco

Figura 4.6 Sequência fisiopatológica do volvo do ceco.

Figura 9.3 Classificação de Hinchey para a diverticulite.


Estágio I: diverticulite perfurada com abscesso paracólico
confinado. Estágio II: diverticulite perfurada que fechou
espontaneamente com a formação de um abscesso dis-
tante. Estágio III: diverticulite perfurada não comunicante
com peritonite fecal (o colo do divertículo está fechado e,
portanto, o contraste não será expelido livremente nas im-
agens radiográficas). Estágio IV: perfuração e comunicação
livre com o peritônio, resultando em peritonite fecal.

Peritônio
Músculo circular
Tênia cólica
Apêndice
Divertículo
omental

Mucosa
2
3
Figura 10.10 RCUI em atividade: úlceras maiores.
Concentração
no divertículo
Vaso sanguíneo
perfurando a
musculatura
Relação entre divertículos, vasos
sanguíneos e tênias (esquemática)

Figura 9.2 Figura 1: visualização colonoscópica dos


divertículos. Figura 2: distribuição anatômica dos di-
vertículos; Figura 3: patogenia da doença diverticular.
Os divertículos são herniações da mucosa através dos
pontos de entrada dos vasos sanguíneos pela parede
muscular. Pelo fato de estes divertículos serem formados
apenas por mucosa em vez de o serem por toda a parede
do instestino, eles são chamados falsos divertículos. Note
que os divertículos formam-se apenas entre as tênias
mesentéricas e cada uma das duas tênias laterais. Pelo
fato de não haver vasos perfurantes, os divertículos não
se formam no lado antimesentérico do cólon. Figura 4:
clister opaco evidenciando os divertículos. Figura 10.11 RCUI em atividade: granularidade da mucosa.

SJT Residência Médica – 2016


13

Figura 10.12 RCUI fora de atividade: pseudopólipos


+ alteração vascular da submucosa.

Figura 10.13 RCUI fora de atividade: processo cicatri-


cial da mucosa e pseudopólipos.
Figura 14.9 A: língua plicata e lesões papulosas na
gengiva. B: hiperceratose puntata plantar.

Figura 14.8 Na região centrofacial, discretas lesões Figura 14.10 A: colonoscopia na polipose familiar
papulosas cor da pele. adenomatosa.

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14
Coloproctologia

D E F

A B C

Cólon normal Hiperproliferação Adenoma Carcinoma


epitelial

APC Anormalidades APC K-ras 18q p53 Acúmulo adicional de


hMSH2 de metilação hMSH2 mutação deleção deleção anormalidades genéticas
hMLH1 hMSH1
anormalidades inativação
(síndromes hereditárias)

Figura 15.1 Sequência adenoma-carcinoma. A e D: focos de displasia; B e E: pólipo adenomatoso; F e C: carcinoma invasivo.

Figura 15.2 Peça de adenocarcinoma do cólon sincrônico no mesmo segmento.

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15

Adenocarcinoma

Nível 0

Nível 1
Epitélio
adenomatoso
Adenocarcinoma
Nível 2
Mucosa colônica
Nível 3 normal

Nível 4
Submucosa Muscular Submucosa
da mucosa
Muscular Muscular
própria própria
Tecido conjuntivo subseroso Tecido conjuntivo subseroso

Adenoma pediculado Adenoma séssil


Figura 15.3 Pontos de referência anatômicos de adenomas pediculados e sésseis.

Neoplasia maligna Vascularização Invasão Embolismo


primária

Cólon Linfáticos Interação com: Plaquetas,


vênulas linfócitos e outros
componentes do sangue
Capilares
Estabelecimento do
Fígado
microambiente

Coração
Extravasamento Aderência de Fígado
Colônias tumorais células tumorais Parada nos
secundárias (metástases) órgãos

Veia
porta
Transporte
Figura 15.4 Cascata das metástases. A metástase é um processo de múltiplas etapas. Para as células tumorais
poderem formar focos metastáticos em locais distantes, deverão ser capazes de completar todos os estágios desse
processo complexo.

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16
Coloproctologia

Figura 15.12 A: colonoscopia de carcinoma do sig-


moide com sangramento ativo. B: carcinoma do cólon
com sangramento intermitente.

Figura 15.9 A: lesão em sela. O carcinoma colôni-


co polipoide (seta grande) está se propagando cir-
cunferencialmente pela parede intestinal (pontas
de seta) fazendo com que a lesão tenha o aspecto
de uma sela. B: colonoscopia. Lesão tumoral sub-
estenosante em cólon sigmoide.

Figura 15.13 A: carcinoma infiltrativo de ceco. B: clis-


ter opaco com lesão infiltrativa de ceco.

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17

Figura 15.14 Anatomia do cólon e reto e irrigação do cólon. MAS: artéria mesentérica superior; AMI: artéria mesentérica
inferior; AIC: artéria ileocólica; ACD: artéria cólica direita; ACM: artéria cólica média; ACE: artéria cólica esquerda; AS: artéria
sigmoidea; ARS: artéria retal superior.

Figura 15.15 Ressecções para câncer de cólon e reto. A: colectomia direita; B: colectomia direita ampliada; C:
transversectomia; D: colectomia esquerda; E: sigmoidectomia; F: retossigmoidectomia; G: anastomose coloanal (di-
reta, com reservatório em J); H: amputação de reto. Um mínimo de doze (12) amostras de linfonodos é considerado
necessário para definir com precisão o estágio do tumor.

tumor
de ceco

Figura 15.16 Esquema mostrando a extensão da ressecção para tumor de ceco. Colectomia direita conven-
cional com ligadura alta das artérias ileocólica e cólica direita e ramo direito da artéria cólica média. A fixação do
tumor pode ocorrer no duodeno ou pâncreas, incluindo a avaliação de ressecção em bloco nesses casos.

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18
Coloproctologia

tumor do
ângulo
tumor do esplênico
ângulo
hepático

Figura 15.19 Esquema mostrando a extensão da


ressecção convencional para tumor da flexura esplêni-
ca e a porção esquerda do cólon transverso. Ligadura
da artéria cólica média (ramo esquerdo) e da artéria cólica
esquerda preservando-se as artérias sigmoidianas e retal su-
perior. Reconstrução do cólon direito ao sigmoide proximal.
Figura 15.17 Esquema mostrando a colectomia di-
reita ampliada, ressecção de tumor, ângulo hepáti-
co e porção direita do cólon transverso. Ligadura do
ramo esquerdo da artéria cólica média.
tumor do
tumor do cólon
cólon transverso descendente

Figura 15.20 Amplitude de ressecção para tumor


do cólon descendente. Colectomia esquerda con-
vencional com ligadura de artéria mesentérica inferior.
Anastomose colorretal alta.

tumor do
sigmoide
Figura 15.18 Esquema mostrando os limites da
ressecção para tumor do cólon transverso. O supri-
mento sanguíneo dessa região deriva da artéria cólica
média e dos vasos cólicos direito e esquerdo. A flexura
esplênica tem maior risco de comprometimento da vas-
cularização, em decorrência de seu arco vascular ser mais Figura 15.21 Amplitude de ressecção para tumores
tênue e com maior comprimento, dificultando a irrigação de sigmoide. A mobilização do ângulo esplênico facilita
(ver o artigo). A localização da lesão indica disseminação a realização da anastomose do cólon descendente do
para os linfáticos regionais da cólica média, cólica direita reto. A ligadura da artéria mesentérica inferior na origem
e ramos da cólica esquerda. Em geral, na lesão proximal em relação à ligadura de ramos sigmoideanos é o princí-
pio a ser seguido para as lesões no cólon sigmoide. Aten-
indica-se a hemicolectomia direita estendida e no trans- ção deve ser dada ao detalhe de se deixar remanescente
verso distal a hemicolectomia esquerda estendida. Na cerca de 1 cm de coto de artéria mesentérica inferior, a
lesão da porção média do cólon transverso, realiza-se a fim de não comprometer a preservação simpática dos
colectomia do transverso limitada. nervos esplâncnicos pélvicos.

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19

tumores tumores
sincrônicos sincrônicos

tumor da junção
retossigmoidiana
Figura 15.23 Esquema mostrando a amplitude de
ressecção para tumores sincrônicos e para pólipos
múltiplos e polipose adenomatosa familiar do cólon –
Figura 15.22 Esquema mostrando a amplitude de ressecção colectomia total ileorretoanastomose. Lembrar que na
para tumor da junção retossigmoidiana ou reto alto. PAF a cirurgia ideal é proctocolectomia com bolsa ileal.

Pressão Pressão
aumentada diminuída

Espaço
vascular
Linha
pectínea

Figura 16.2 Corpos cavernosos: esquema da submucosa do canal anal e o espaço vascular dos corpos cavernosos,
sob pressão aumentada e diminuída, contribuindo para a continência fecal.

Aorta
Cólica esquerda
Mesentérica inferior

Sacral Sigmoideas
média

Retal superior
Ilíaca (bifurcação)
interna
Pudenda
interna Retal média
Retal inferior

Figura 16.3 Circulação arterial de anorreto. Representação esquemática das principais artérias da região anorretal.

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Plexo
interno
Trombose
hemorroidária

Plexo
externo

Figura 16.4 Trombose hemorroidária. Representação esquemática do processo inflamatório tromboflebítico no canal anal.

Figura 16.6 Lesão fissurária da doença de Crohn:


lesão ulcerada do canal anal com bordas definidas e el-
evadas de localização posterolateral esquerda.

A 45% B 30%

Tipo 1 Tipo 2
C 20% D 5%

Tipo 3 Tipo 4

Figura 16.5 Trombose hemorroidária. Presença de ex- Figura 16.9 Localização anatômica das fístulas anorre-
tensos processos inflamatórios endoflebíticos, com inten- tais – Interesfincteriana em A, transesfincteriana em B, su-
so edema local. praesfincteriana em C e extraesfincteriana em D.
CAPÍTULO

1
Anatomia e 昀椀siologia do
intestino grosso

“É nos momentos de decisão que o seu destino é traçado”.


– ANTHONY ROBBINS.

Introdução
O intestino grosso abrange o cólon que vai desde a válvula ileocecal, do apêndice até o reto, finalmente aca-
bando no canal anal e ânus, dividindo-se em cinco segmentos:
€ cólon direito (cólon ascendente);
€ cólon esquerdo (cólon descendente);
€ cólon transverso;
€ cólon sigmoide;
€ reto.
A extensão do cólon é de 1,5 metro e compreende as seguintes camadas: serosa – muscular circular – mus-
cular longitudinal (tênias) – submucosa – mucosa.
Flexura hepática: separa o cólon direito do transverso.
Flexura esplênica: separa o transverso do cólon esquerdo.
O cólon aparece no quadrante inferior direito e faz a forma de uma ferradura, terminando na pelve. Não
existem vilos na mucosa colônica como no intestino delgado; o que é característico histologicamente são as crip-
tas de Lieberkun.
Embora o cólon seja considerado intraperitonial, é importante lembrar que o cólon ascendente e descenden-
te são retroperitoniais. Assim, um divertículo que rompe, por exemplo, no cólon descendente pode dar pneumo-
retroperitônio, e não necessariamente pneumoperitônio.
Durante a embriologia, o cólon roda em sentido horário ao longo do eixo da artéria mesentérica superior
(AMS). O ceco migra do quadrante superior esquerdo do abdome até sua posição anatômica no quadrante infe-
rior direito fixado pelo peritônio. Anormalidades do ceco podem ocorrer com rotações incompletas do intestino
ou mesmo na má rotação onde o ceco pode se localizar solto na cavidade peritonial, o que pode levar à torção do
intestino (volvo).
22
Coloproctologia

Existem três diferenças fundamentais do cólon Similarmente ao ceco, o apêndice pode ser in-
para o intestino delgado: traperitonial ou parcialmente retroperitonial. Quan-
1. tênias; do o apêndice é retroperitonial é chamado apêndice
retrocecal.
2. haustrações;
3. apêndices epiploicos.
A camada muscular longitudinal do cólon consti-
tui, na tênia, característica do intestino grosso. A união Cólon ascendente e 昀氀exura
das três tênias é no apêndice vermiforme. No retossig-
moide, as tênias geralmente coalescem e formam uma
hepática do cólon
camada muscular única ao reto. Quando as tênias se
contraem, fica aquela forma característica do cólon com Localiza-se no quadrante direito do abdome,
as haustrações (saculações que se projetam para o inte- indo até próximo ao fígado (ângulo ou flexura hepáti-
rior do cólon e dão o aspecto característico no raio X). ca, medindo 15 cm) onde dobra-se transversalmente
para formar o cólon transverso. A flexura hepática do
As haustrações são semicirculares e diferentes das
cólon é envolvida por dobra de peritônio que se fixa ao
válvulas coniventes do intestino delgado (válvulas de Ker-
retroperitônio, fígado e vesícula em local muito próxi-
ckring), que são circulares na totalidade da luz intestinal.
mo ao duodeno. Assim, ocasionalmente, os tumores
Os apêndices epiploicos são extensões da gordu- envolvendo a flexura hepática do cólon podem fazer
ra peritonial na borda antimesentérica do cólon. erosão para o duodeno.

Ceco e apêndice Cólon transverso e


A válvula ileocecal é um esfíncter localizado na 昀氀exura esplênica
junção do ileoterminal e o ceco. O esfíncter é o resul-
tado da fusão das fibras musculares circulares superio-
É totalmente intraperitonial e mede cerca de 50
res e inferiores do íleo e ceco, que previnem o refluxo
cm e é a porção mais móvel do cólon, podendo ser acha-
das fezes do ceco de volta ao ileoterminal.
do no abdome superior, mas pode chegar até a pelve.
Embora não bem desenvolvido anatomicamente
O cólon transverso é suspenso pelo mesocólon
como a válvula ileocecal, existe um outro esfíncter na
transverso e coberto pelo omento maior. O omento
junção do ceco com o cólon ascendente. Essa válvula ce-
maior pode ser separado do cólon transverso sem sa-
cocolônica foi estudada in vivo através da colonoscopia
crifício vascular algum. Esse é o plano para a entrada
e ex vivo em espécimes cirúrgicos após estimulação far-
da retrocavidade dos omentons (plano da gastrecto-
macológica (é equivalente ao rúmen nos ruminantes).
mia) onde temos a exposição da parede posterior do
O ceco mede de 7-9 cm, é intraperitonial e é fixa- estômago e pâncreas.
do no peritônio no quadrante inferior direito. Como o
A flexura esplênica é o ângulo entre o cólon
ceco é grande em diâmetro, dificilmente existe obstru-
transverso e o cólon descendente localizado mais ce-
ção; na maioria das patologias que acomete essa área
falicamente que a flexura hepática. Junto com o reto
existe anemia e sintomas mais arrastados.
infraperitonial, a flexura esplênica é uma das mais di-
fíceis de se abordar e expor. Os ligamentos espleno-
Lei de la Place = Tensão na parede + pressão x raio cólico e frenocólico devem ser cuidadosamente dis-
Espessura secados durante a mobilização do cólon para evitar
posterior esplenectomia.

Assim, segundo a lei de La Place, o ceco é geral-


mente o sítio de rotura quando existe uma obstrução
distal no cólon (obstrução em alça fechada).
Cólon descendente
O apêndice vermiforme geralmente se projeta
inferomedialmente no ceco. O comprimento e curso e sigmoide
do apêndice são amplamente variáveis, sendo que a
ponta do apêndice pode estar apontando para o baço O cólon descendente está no quadrante esquerdo
(mais comum), mas também pode estar na pelve ou do abdome e vai até o sigmoide. É parcialmente peri-
mesmo retrocecal (na apendicite retrocecal pode ocor- tonizado, pois está retroperitonial. O sigmoide está na
rer diarreia e leucocitúria). pelve e tem a forma de “S” com 10-30 cm e acaba no

SJT Residência Médica – 2016


23
1 Anatomia e fisiologia do intestino grosso

reto. O sigmoide tem mesentério livre, e muitas ve- çam a coalescer para formar as criptas anais.
zes existe propensão ao volvo. Alguns já descreveram O canal anal é envolvido por dois músculos tipo
também zona de esfíncter na junção retossigmoide
esfíncter que são responsáveis pela continência:
(18 cm da margem anal). É essa área que é propensa a
AGANGLIONOSE, criando a acalásia do sigmoide que Esfíncter interno: continuação da camada muscular
ocorre não somente por megacólon chagásico, mas interna do reto; é musculatura lisa com controle involun-
também na constipação crônica. tário e inervação autônoma. Este músculo liso tem es-
pessura média 0,5 cm e comprimento de 2,5 cm a 4 cm.
Esfíncter externo: músculo estriado com controle
voluntário e inervação somática. A parte mais profun-
Reto da do esfincter está intimamente relacionada ao mús-
culo puborretal, por qual é considerado atualmente
Tamanho = 15 cm
um componente de ambos os grupos musculares, ele-
A junção retossigmoidiana é delimitada por outra vador do ânus e esfíncter externo do ânus.
flexura em nível de promontório sacral. A junção do
sigmoide móvel com o reto, que é mais fixo, forma o
ângulo sigmoidorretal. A origem do reto é no promon-
tório sacral, fazendo curvas junto ao sacro (válvulas de
Houston – geralmente três – que aparecem como pro- Vascularização
jeções intraluminais) e finalmente se acaba no canal
anal e ânus. Entretanto, antes do canal anal existe uma
anteriorização do reto pelo músculo puborretal (ângulo Arterial do cólon
anorretal). Esses ângulos têm a forma de um número 7 Do ceco até a metade proximal do transverso = artéria
e exercem papel fundamental na manobra de Valsalva mesentérica superior (MAS)
com o aumento da pressão intra-abdominal. ½ distal do transverso, cólon descendente e sigmoide =
A ampola retal é a parte mais distal do reto que artéria mesentérica inferior (AM)
é fusiforme e vai aumentando progressivamente de
tamanho. No reto inferiormente já não existe peritô- Na maioria das pessoas a artéria ileocólica e a ar-
nio; assim, podemos dizer que a maior parte do reto téria cólica média são ramos separados da MAS.
é EXTRAPERITONIAL. Sangue e linfáticos chegam ao
reto através do mesorreto, que cobre a parede latero- A artéria cólica direita nasce da ileocólica ou
posterior do reto. mesmo da cólica média.
A vascularização do cólon esquerdo e sigmoide
vem da AMI através da cólica esquerda e ramos de va-
sos sigmoidianos e hemorroidários superiores.
Ânus
É a porção terminal do trato intestinal. É envol-
vido por dois tubos musculares que estão envolvidos Arterial do reto
no mecanismo da continência.
É segmentar:
Desprovido de glândulas sebáceas, sudoríparas
1. artéria retal superior (ramo terminal da AMS)
ou mesmo folículos pilosos. O anoderma acaba na
margem anal. A área de mucosa colônica que se une ao vasculariza o reto superior e médio;
anoderma cria a linha denteada, que está localizada a 2. artéria retal média e inferior (ramos da artéria
1,5 cm da margem anal. ilíaca interna).
Acima da linha denteada existe zona de transição de Artéria marginal de Drummond: bifurcação de va-
6-12 mm, onde o epitélio escamoso gradualmente muda sos formando arcadas de 1-2 cm da borda mesentérica.
para cilíndrico simples. Acima da linha denteada (ou pec-
Arcada de Riolan: anastomose entre as arcadas
tínea), o intestino tem inervação simpática e parassimpá-
tica; a irrigação, a drenagem venosa e a linfática estão re- de vasos mesentéricos superior e inferior.
lacionadas aos vasos hipogástricos. Abaixo, a inervação é Anomalias vasculares são relativamente comuns
somática, e o suprimento sanguíneo e a drenagem venosa no cólon. Assim, a cólica direita pode nascer da AMS
derivam do sistema hemorroidário inferior. em 10%; a artéria hepática direita acessória pode nas-
Colunas de Morgani (8 a 14) são pregas na mu- cer da AMS e mesmo a artéria cólica média pode nas-
cosa, localizadas acima da linha denteada, onde come- cer da artéria esplênica.

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24
Coloproctologia

Flexura Omento maior (removido)


direita Flexura
Tênia omental do colo esquerda
do colo
Mesocolo transverso do colo

Tênia
omental do
colo (exposta
pelo gancho) Apêndices Tênia mesocólica
Tênia omentais (adiposos) do colo (exposta
livre Tênia livre pelo gancho)
do colo do colo
Pregas semilunares
do colo
Mesocolo
Junção sigmoide
retossigmoidea

Reto

Figura 1.1 Topografia e estrutura do cólon.


Artéria cólica média Artéria mesentérica superior
Arco justacólico
Mesocolo (artéria marginal 1ª artéria jejunal
transverso do colo)
Artérias jejunais e
Artérias retas ileais
Arco justacólico
Parte (artéria marginal
Artéria comum do colo)
pancreatico- Ramo Artéria
duodenal posterior mesentérica
Ramo inferior
inferior
anterior Artéria cólica
Arco justacólico esquerda
(artéria marginal Ramo
do colo) ascendente
Artéria cólica Ramo
direita descendente
Arco justacólico
(artéria marginal
Artéria do colo)
ileocólica Artérias
Ramo sigmóideas
cólico
Ramo Mesocolo
ileal sigmoide

Arco justacólico
(artéria marginal
do colo)

Artéria cecal
anterior

Artéria cecal
posterior

Artéria
apendicular

Artéria ilíaca interna Artérias


retas
Artéria obturatória
Artéria sacral mediana
(da parte abdominal da aorta) Artéria retal superior
Artéria vesical superior (da parte Artéria retossigmóideas
aberta da artéria umbilical)
Bifurcação da artéria
Artéria vesical inferior retal superior
Artéria pudenda interna no canal
Artéria retal média
pudendo (de Alcock)
Ramo da artéria retal superior Artéria retal infeior

Figura 1.2 Suprimento vascular, linfático e nervoso do intestino grosso. Atenção: ponto crítico de Griffiths lo-
calizado no ângulo esplênico e que corresponde ao limite de separação entre os territórios da artéria mesentérica
superior e inferior. Ponto crítico de SUDECK: é uma região do cólon em que recebe, escassamente, uma mistura de
dois suprimentos sanguíneos, das artérias sigmoideanas e retal superior (junção retossigmoide).

SJT Residência Médica – 2016


25
1 Anatomia e fisiologia do intestino grosso

A densidade vascular é mais pronunciada nas ca-


As artérias intermediárias
madas mucosa e submucosa. Parecem existir conexões
Situam-se entre os três maiores ramos aórti- arteriovenosas no plexo submucoso, embora alguns
cos (AMS, TC e AMI) e os plexos microscópicos. São autores considerem que elas sejam pouco numerosas
constituídas por uma rede de vasos anatomicamente e de pequena importância funcional. Essas comunica-
visíveis, que incluem os vasos intestinais, as arcadas ções são mais facilmente demonstradas no estômago.
do intestino delgado e a circulação marginal e os vasos Os vasos do plexo submucoso fornecem uma
retos do cólon. Os ramos iniciais da AMS para o intes- única arteríola para cada vilosidade, a qual caminha
tino delgado são estreitos, espaçados a intervalos de através do estroma central e se torna capilarizada (isto
1-2 cm e não formam um sistema de arcada. Porém, à é, perde a camada muscular lisa) logo após ter deixa-
medida que se avança distalmente, o sistema torna-se do a base. À medida que se aproxima da ponta da vi-
mais complexo e desenvolve-se em uma série de três a losidade, a arteríola começa a se arborizar, podendo
quatro arcadas paralelas. A artéria marginal do cólon se dividir em um sistema muito complicado de finos
(formada pela união dos três principais ramos colôni- canais subepiteliais, os quais eventualmente drenam
cos que têm origem no lado direito da AMS) continua para uma veia central. Esta relação artéria/veia na cir-
em direção à flexura esplênica, para se juntar à artéria culação das vilosidades é extremamente íntima e de
cólica esquerda (ramo da AMI). crucial importância na manutenção da circulação da
A disposição dos vasos ao longo do cólon direito mucosa em estados de hipotensão e na produção de
é constante e inclui uma artéria marginal fornecen- pseudomembranas (trocas contracorrentes de oxigê-
do vasos retos e breves, os quais ocasionalmente se nio e nutrientes). Como resultado, a extremidade das
comunicam. Estes vasos retos dividem-se em ramos vilosidades é relativamente hipóxica, o que explica a
anterior e posterior, os quais caminham em direção vulnerabilidade dessas células durante a isquemia.
à tênia antimesentérica, onde se dividem novamente
e atravessam a musculatura circular. Os vasos breves,
por sua vez, dirigem-se para a margem mesentérica Drenagem venosa
onde se anastomosam e, finalmente, atravessam o
músculo de cada lado da tênia mesentérica. Veia mesentérica inferior = carreia sangue do có-
lon esquerdo para a veia esplênica.
Veia mesentérica superior = carreia sangue do
Tênia antimesentérica
cólon direito e se junta com a veia esplênica para for-
mar a veia porta.
Tênia
mesentérica A veia retal superior carreia sangue do reto supe-
rior e médio para a veia porta e mesentérica inferior.
Apêndice
epiploico As veias retais médias drenam o reto inferior e
Artéria o canal anal, esvaziando na veia cava via veias ilíacas
marginal Circulação
Vaso breve Vaso reto completa internas.
O importante é notar que tumores do reto po-
Figura 1.3 Vasos retos e breves. dem dar metástase para canais venosos que entram no
sistema portal (veia porta) ou, ainda, sistêmico (veia
cava) e daí disseminação generalizada.
Microcirculação
Compreende os vasos intramurais e a circulação
para as vilosidades. Os primeiros são constituídos por Drenagem linfática
pequenos ramos que partem dos vasos retos e breves e
que se dirigem ao peritônio visceral e apêndices epiploi- Os linfáticos intramurais da mucosa e submuco-
cos (no caso do cólon). Abaixo da serosa, eles formam sa perfuram a camada muscular junto com os vasos e
um plexo muscular externo e, após perfurarem o mús- formam a rede linfática subserosa que se dirige à in-
culo, as artérias se unem em um rico plexo submucoso, serção do mesocólon para formar as cadeias linfáticas
o qual se estende como uma camada contínua ao longo extramurais que acompanham os vasos sanguíneos.
do intestino. Nesta rede e entre os vasos existe uma ma- De acordo com sua localização, formam quatro grupos:
lha mais fina, da qual se originam arteríolas que cursam epicólicos, paracólicos, intermediários e principais.
em direção às vilosidades ou entre as criptas para suprir A drenagem linfática do reto e canal anal se faz
a mucosa. O plexo submucoso é mais desenvolvido no através de três pedículos; pedículo superior formado pe-
intestino delgado do que no cólon, o que torna aquele los gânglios que acompanham as artérias retal superior
mais resistente à isquemia do que este. e mesentérica inferior drenando para os gânglios peria-

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26
Coloproctologia

órticos; pedículo médio, drenando para gânglios ao nível


da origem da artéria retal média, sacrais laterais e sacral Fisiologia
média; pedículo inferior, que drena a porção inferior do
reto e o canal anal para os gânglios inguinais, ilíacos ex- A reciclagem dos nutrientes depende da ativida-
de metabólica da flora intestinal, da motilidade colô-
ternos e na origem da artéria pudenta interna.
nica e da absorção e secreção da mucosa.
Nodos Colo transverso Nodos
Função do cólon: reciclagem de nutrientes.
mesentéricos paracólicos
superiores Função do reto: eliminação das fezes.
1. Absorção de água e eletrólitos
dente

AMS
O cólon, com sua extensão aproximada de 1,5 m,
ascen

Colo
Nodos
AMI
Nodos
é o segmento do canal alimentar responsável pela esto-
ileocólicos cólicos
esquerdos
cagem, por longos períodos, dos materiais a serem eli-
descendente
minados pela evacuação. Essa função ocorre em razão
Colo

Nodos de sua grande complacência, capacidade de adaptação e


mesentéricos
inferiores dos seus movimentos de propulsão, peristálticos, pouco
frequentes. A ele cabe, também, concluir as últimas eta-
pas da absorção de água que recebe do intestino delgado,
Ceco
Nodos retais médios
o que faz com eficiência até maior, considerando-se que
Reto

Com vasos retais


inferiores para os
recupera 90% do seu volume, em particular na sua me-
nodos ilíacos internos
Nodos ilíacos
Colo sigmoide tade direita, à custa da passagem de sódio para o meio
Para os nodos inguinais Ânus interno, na troca com potássio, e de cloro por bicarbo-
nato, comandadas pela aldosterona. Por intermédio de
Figura 1.4 Diagrama dos vasos linfáticos do intestino contrações segmentares, as de maior número, o cólon
grosso. Os linfonodos do cólon dispõem-se em quatro fica dividido em compartimentos funcionais, retardando
grupos – 1: nodos cólicos, sobre a parede do intestino;
o deslocamento caudal do seu conteúdo, o que favorece
2: nodos paracólicos, ao longo das margens mediais
o contato da água com a mucosa, chegando até a produ-
dos colos ascendente e descendente; 3: nodos cólicos
direitos, médios e esquerdos, ao longo das respectivas zir movimentos anterógrados com o mesmo objetivo.
artérias cólicas; 4: nodos mesentéricos superiores e in- Não há mais nutrientes a serem absorvidos, à exceção de
feriores, próximos aos troncos principais das artérias alguns ácidos graxos, remanescendo apenas a ação dos
mesentérica superior (AMS) e inferior (AMI). componentes da flora bacteriana sobre resíduos não di-
geridos, a auxiliar a formação final do bolo fecal.
O tempo de trânsito fisiológico pelo cólon pode
Inervação do cólon atingir cerca de 48 horas, portanto, muito acima do
observado no intestino delgado.
O intestino grosso é inervado por fibras simpáti-
cas e parassimpáticas. 2. Fermentação bacteriana
Os glicídios que não foram digeridos sofrem ação
bacteriana e ocorre produção de ácidos graxos de ca-
Simpático: deia curta que fornecem energia para o transporte ati-
Cólon direito: gânglios celíacos e mesentérico vo de Na+ na mucosa colônica.
superior; cólon esquerdo: plexo mesentérico inferior.
3. Armazenamento de fezes
Parassimpático: Aquilo que não é absorvido fica armazenado no
cólon até ser eliminado voluntariamente nas fezes.
Cólon direito: nervo vago (X); cólon esquerdo:
plexo hipogástrico (pélvico). Aproximadamente 1/3 do peso seco das fezes
é BACTÉRIA. Cada grama de fezes contém 1011-1012
O parassimpático estimula a motilidade e o sim- bactérias com prevalência de anaeróbios.
pático inibe.
O intervalo entre as evacuações é influenciado
por hábitos alimentares e sociais, sendo mais frequen-
Inervação autônoma intrínseca temente de 24 horas, mas podendo ser considerados
do intestino grosso: normais intervalos de 8 a 12 horas ou de dois a três
dias. O importante, do ponto de vista clínico, são as
Plexo de Meissner (submucoso) e Auerbach (mio- alterações do hábito intestinal que são muitas vezes
entérico), que são mais numerosos na porção distal do um sinal precoce de doenças do cólon e do reto.
intestino. A ausência ou diminuição desses plexos de-
termina distúrbios na motilidade de grande repercus- Bacteroides é anaeróbio e é o germe mais comum no
são clínica (megacólon adquirido ou congênito). cólon. Escherichia coli é o mais comum aeróbio.

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27
1 Anatomia e fisiologia do intestino grosso

4- Gás colônico
Resulta de três fatores: (1) ar digerido; (2) produção intraluminal e (3) difusão sanguínea. São eles: nitro-
gênio, oxigênio, CO2 e metano. Repare agora nas bactérias que compõem a microbiota indígena (flora normal).

1011

Número de Organismos / mL
Anaeróbicos
109

107 Coliformes

105
Flora Gram +
103

101

Estômago Duodeno Jejuno Íleo Cólon

Figura 1.5 Composição da flora bacteriana de acordo com a topografia do trato gastrointestinal.

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CAPÍTULO

2
Abordagem diagnóstica

“O homem consistente acredita no destino, o homem volúvel, no acaso”.


– BENJAMIN DISRAELI.

giene pessoal), irritante primário (detergentes),


Exame clínico afecções dermatológicas do períneo (psoríase,
fungos dermatófitos e leveduras), neoplasias do
Como na avaliação de qualquer afecção, a histó- ânus ou do canal anal e infestações parasitárias
ria clínica e o exame físico formam a base para o diag- como as por Enterobius vermicularis. Pode estar
nóstico das doenças do intestino grosso e do ânus. associado à mucorreia, ao sangramento ou a ul-
Ainda, orientam o médico na solicitação do exame cerações do anoderma.
complementar ideal, reduzindo custos e minimizando € Tenesmo: o tenesmo (esforço evacuatório inefe-
a manipulação do paciente.
tivo, longo e doloroso) é um desconforto frequen-
Os sintomas das afecções colônicas e anorretais te, decorrente de doenças inflamatórias, infeccio-
são variáveis, e é fundamental a correlação do exame sas ou neoplásicas dos segmentos anorretais.
físico com o complementar. Relacionamos a seguir os € Alteração do hábito intestinal (constipação e/
sinais e sintomas mais comuns em coloproctologia.
ou diarreia): qualquer alteração do hábito intes-
€ Dor abdominal: quando decorrente de disten- tinal, principalmente em pacientes acima de 40
são do intestino grosso ou de peristaltismo co- anos, requer investigação colônica. Alteração do
lônico exacerbado, a dor abdominal de origem hábito intestinal, emagrecimento, anemia e massa
colônica é geralmente em cólica. A dor é do tipo palpável sugerem carcinoma do cólon. Os pacientes
contínua ou em pontada quando provocada por com carcinomas colorretais distais ou anais podem
irritação do peritônio visceral. apresentar fezes em fita, puxo e tenesmo.
€ Dor anorretal ou proctalgia: quando ocorre
€ Incontinência: é a incapacidade de controlar fe-
durante a defecação, está frequentemente asso-
zes e flatos, que indica a ausência de integridade
ciada à fissura anal. A proctalgia dos abscessos
anorretais é contínua, de forte intensidade, da musculatura e/ou da inervação esfincteriana.
exacerbando-se quando há aumento de pressão € Prolapso mucoso: é a exteriorização da mu-
intra-abdominal. A dor referida na região sacro- cosa e submucosa e deve ser diferenciado da
coccígea, de origem proctológica, é rara e geral- procidência, em que todas as camadas do reto
mente é ocasionada por inflamação ligamentar são exteriorizadas. Em geral associado à doença
ou do periósteo do cóccix. hemorroidária, papilas anais hipertróficas ou
€ Prurido anal: sintoma muito comum, tem pólipos, o prolapso mucoso pode ou não ocor-
etiologia variável, que inclui higiene precária, rer durante a evacuação e reduzir-se de forma
dermatite de contato alérgica (produtos de hi- espontânea ou manual.
29
2 Abordagem diagnóstica

€ Sangramento: as hemorragias do intestino inúmeros modelos de anuscópicos, sendo que alguns,


grosso podem apresentar-se como melena ou com iluminação própria, permitem a realização de pe-
enterorragia (hematoquezia), dependendo da quenos procedimentos. A ligadura elástica de mamilos
intensidade e do local de sangramento. Uma hemorroidários internos ou a esfincterotomia para o
perda de 50 mL de sangue no trato gastroin- tratamento cirúrgico da fissura anal são procedimen-
testinal superior é suficiente para ocasionar tos preferencialmente ambulatoriais.
melena. A hemorragia digestiva alta geral-
mente produz melena, mas hemorragias ma-
ciças do trato gastrointestinal alto ou do in-
testino delgado podem exteriorizar-se como
enterorragia. A presença de sangue “vivo”, Exame coprológico
eliminado conjuntamente com as fezes, na
superfície externa destas, é geralmente ori-
ginária de lesões anorretais distais. Assim, Macroscopia
são importantes a sondagem nasogástrica e a € Volume: o volume das fezes é variável, de-
aspiração do conteúdo gástrico em pacientes pendendo do conteúdo de fibras vegetais in-
com enterorragia intensa. gerida e da concentração de água das fezes.
€ Evacuação de muco: a produção de muco, as- Em uma dieta hospitalar habitual, o volume
sociada ou não ao sangramento, geralmente re- diário de fezes situa-se entre 100 e 200 mL.
laciona-se a doenças inflamatórias do intestino Entretanto, nas síndromes diarreicas, como
grosso ou ao adenoma viloso do cólon ou reto. na doença celíaca e na insuficiência pancre-
ática exócrina, o volume fecal pode elevar-se
para 1 a 2 litros por dia. Em pacientes com
síndrome da cólera pancreática, secundária a
Exame físico uma neoplasia endócrina do pâncreas, o vo-
No exame abdominal, deve-se observar a presen- lume líquido perdido com as evacuações pode
ça de distensão, peristaltismo visível ou ascite. Procu- alcançar 10 litros por dia.
ra-se palpar massas em topografia colônica, identificar € Consistência: existe uma ampla variação da
a presença de hepatomegalia, esplenomegalia e linfa- consistência normal das fezes. O estado físico
denomegalia inguinal. depende da dieta, principalmente da quantida-
O exame proctológico inicia-se com a inspeção de de fibra ingerida, sendo mais pastosa quanto
maior a ingestão de vegetais.
da região perineal. Normalmente o períneo apresenta
simetria e o orifício anal como fenda longitudinal. A € Cor: a cor normal das fezes deriva principal-
simples inspeção pode trazer informações importan- mente dos pigmentos biliares e varia normal-
tes sobre o anoderma e doenças anorretais como fís- mente do marrom-claro ao escuro. A dieta pode
tulas, fissuras, abscessos e hemorroidas. alterar a coloração das fezes. A ingestão de gran-
des quantidades de leite ou laticínios empresta
O segundo tempo de um exame proctológico
tonalidade clara às fezes, confundindo com a
deve ser obrigatoriamente o toque retal, que também
acolia das hepatopatias colestáticas. Alimentos
deve preceder todos os métodos endoscópicos. Cerca ricos em ferro tingem as fezes de negro e neces-
de 60 a 70% dos cânceres do reto e de 25% de todas
sitam ser diferenciadas de melena.
as neoplasias malignas do intestino grosso são sen-
tidos no exame retal. Deve-se sentir a tonicidade dos
esfíncteres, em repouso e por contrações voluntárias, Na insuficiência pancreática exócrina há um
estreitamentos anulares ou tubulares e a sensibilida- aumento dos triglicerídeos nas fezes, que adquirem
de dolorosa (presente em fissuras, abscessos, criptites manchas amareladas. As fezes flutuam e aderem-se à
e ulcerações). As paredes retais são de consistência parede do receptáculo.
mole, lisa e depressível. A presença de sangue macros-
€ Odor: o indol e o escatol, derivados da descarbo-
cópico ou oculto deve ser determinada. Os carcinomas
xilação do triptofano pela ação bacteriana, são
colorretais apresentam-se como lesões vegetantes, ul-
responsáveis pelo odor característico das fezes
ceradas e de consistência dura, sem limites precisos.
numa dieta equilibrada. Nas dietas hiperprotei-
Ainda pelo toque retal, podem-se avaliar a próstata, as
cas, o odor é mais marcante devido à produção
vesículas seminais, o útero, os paramétrios e o fundo-
de mercaptanos, ácido sulfúrico, e ao metabo-
-de-saco de Douglas.
lismo putrefativo das proteínas. Por outro lado,
A anuscopia possibilita a avaliação do canal anal em uma dieta rica em carboidratos ou láctea, as
e faz parte do exame proctológico de rotina. Avaliam- fezes são quase inodoras. A administração de
-se a presença de doença hemorroidária interna, fis- antibióticos reduz o odor fecal pela diminuição
sura, papilas anais hipertróficas e carcinoma. Existem da flora bacteriana entérica.

SJT Residência Médica – 2016


30
Coloproctologia

Sangue oculto nas fezes Análise fecal


O Hemocult II é o teste mais comumente utiliza- Pesquisa de toxina do Clostridium difficile:
do no rastreamento do câncer colorretal. Novos testes deve ser feito em pacientes com diarreia e suspeita de
como o Hemocult II SENSA (baseado no guáiaco) e o colite pseudomembranosa.
teste imunoquímico HemeSelect e FlexSure melhoram
Osmolaridade e eletrólitos: ajuda na diferen-
a precisão no rastreamento do câncer.
ciação entre diarreia secretora e má absorcão.
Os reativos diferem entre si, principalmente
Gap osmótico: (Na+ fecal + K+ fecal) x 2 – osmo-
quanto à sua sensibilidade. Em estudo recente, Gre-
laridade calculada.
enberg et al. avaliaram quatro testes em uso isolado e
a associação de dois testes (associação de testes imu- Se o gap for negativo, significa diarreia secretora.
noquímicos com os baseados no guáiaco). Compro- Gap positivo é diarreia de má absorção.
varam que testes modernos de pesquisa do sangue Gordura fecal: sugere má absorção. A esteator-
oculto melhoram a sensibilidade no rastreamento reia é a excreção de mais de 7 g de gordura por dia.
do câncer colorretal, enquanto o uso de dois testes
melhora a especificidade. Mutações K-Ras: têm sido pesquisada nas fezes
e representam mutações que predispõem ao apareci-
Devido à alta sensibilidade dos métodos para
mento de câncer colorretal. Entretanto, têm sido en-
detecção de sangue oculto nas fezes, é importante sa-
contradas também em pacientes com pancolite.
lientar que a perda de 1 mL de sangue por dia, dis-
tribuído em 150 g de fezes, resulta em uma concen-
tração de 1 mg de hemoglobina por grama de fezes,
podendo positivar o exame para sangue oculto em
11% das vezes. Normalmente há perdas de 2 a 3 mg Retossigmoidoscopia
de hemoglobina por grama de fezes por dia no trato
gastrointestinal, podendo ocasionar resultados falso- Pode ser flexível ou rígida. O grande benefício da
-positivos. É importante observar que, quando ocorre retossigmoidoscopia em relação à colonoscopia é que
melena ou hematêmese persistente por 3 a 5 dias, o pode ser feita sem sedação. Pode ser feita biópsia, po-
teste com o guáiaco pode permanecer positivo por 2 lipectomia e mesmo hemostase. É interessante na ava-
a 3 semanas. Um teste positivo em três amostras de liação das colites de cólon distal (isquêmica, actínica,
fezes obriga a investigação endoscópica ou radioló- granulomatosa ou mesmo colite ulcerativa).
gica do intestino grosso. Cinco estudos controlados Antigamente, era muito comum se fazer proc-
demonstraram que pacientes assintomáticos, fora de tosigmoidoscopia rígida para diagnóstico de pato-
grupo de risco para câncer colorretal, com idade aci- logias colorretais e ela acabou sendo substituída
ma de 50 anos e exame positivo na pesquisa de sangue pela colonoscopia. Entretanto, hoje ainda é utili-
oculto, tiveram uma prevalência de câncer colorretal zada nos casos em que o coto retal do Hartmann é
ou pólipo adenomatoso de 39% em média (variando difícil de ser encontrado e facilita muito para esse
de 22 a 58%). Com o objetivo de determinar méto- achado no intraoperatório.
dos de rastreamento do câncer colorretal, uma meta-
-análise foi realizada por Towler et al. Foi observado
que um total de 10 mil pacientes submetidos a exame
do Hemocult resultaria em 2.800 colonoscopias e na Indicações
prevenção de 8,5 mortes em um período de dez anos. € Avaliação de anormalidades achadas no enema ba-
ritado.
€ Avaliação e acompanhamento de doença inflamatória.
€ Diagnóstico diferencial entre doença diverticular e
Estudos 昀椀siológicos câncer.
São ainda controversos. Geralmente, a história € Presença de pólipo (ou histório de pólipo prévio).
e o exame físico já são suficientes para determinar € Sintomas gastrointestinais (sangramento, dor, ane-
diagnóstico e tratamento. Entretanto, alguns estudos mia etc.).
podem ser úteis: € Follow-up de ressecção de câncer de cólon.
Manometria anorretal: dá informação de tônus € Sangramento agudo gastrointestinal.
e habilidade do esfíncter de se contrair; pode também
documentar a presença do reflexo retoesfinctérico (au- € Redução de volvo sigmoide.
sente no Hirschsprung). Eletromiografia (velocidade € Exclusão de metástases sincrônicas (mais de um foco
de condução do nervo pudendo) pode evidenciar lesão de neo no cólon).
aos nervos pudendos que inervam o esfíncter anal. Tabela 2.1

SJT Residência Médica – 2016


31
2 Abordagem diagnóstica

Estudos radiográ昀椀cos Cintilogra昀椀a


A cintilografia com hemácias marcadas é exa-
me de escolha para sangramento baixo ativo do TGI.
Enema opaco Atualmente tem ainda duas novas aplicações: trânsito
É exame muito custo-efetivo para identificar intestinal e rastreamento de recidiva de câncer color-
patologias do cólon. O problema é que não é efetivo retal (cintilografia rastreadora de CEA).
para screening de câncer e não pode fazer diagnóstico O uso da cintilografia para verificar anormalida-
definitivo, pois não permite biópsia. Não é necessário des de trânsito intestinal é uma analogia da cintilo-
fazer sedação, mas necessita de preparo de cólon pre- grafia para detectar anormalidades de esvaziamento
viamente ao exame. gástrico. Assim, alterações na motilidade intestinal
O enema contrastado hidrossolúvel (gastrografi- podem ser detectadas.
na) é interessante em casos de suspeita de perfuração
intestinal. Nesse caso, o uso do bário poderia induzir à
peritonite química e formação de aderências.
Defecogra昀椀a
A defecografia é uma técnica radiográfica contras-
tada e dinâmica utilizada para o estudo da evacuação.
Tomogra昀椀a computadorizada O exame consiste na ingesta de 300 mL de solução di-
luída de bário e na realização do enema de uma pasta de
Excelente método de avaliação de pacientes com
bário no momento do exame. Com o paciente sentado,
suspeita de diverticulite (enemas podem piorar a in-
tomam-se imagens radiográficas; com o paciente em
flamação). Reações inflamatórias podem ser revela- repouso, quando contrai vigorosamente o ânus (conti-
das, bem como abscessos, que podem ser drenados nência voluntária); e durante a defecação propriamente
por TC. A TC é útil na detecção de metástases. dita. Medições são realizadas ao repouso, durante a eva-
cuação, e o tempo da evacuação é controlado (que pode
ser parcial ou completa). Os seguintes parâmetros são
analisados: ângulo anorretal, alterações anatômicas du-
Ressonância magnética rante a continência e a defecação, comprimento e calibre
Parece oferecer poucas vantagens sobre a TC. Tal- do canal anal e porcentagem de expulsão do material
vez uma das vantagens em especial é a diferenciação contrastado. Algumas patologias podem ser suspeitadas
entre recidiva cancerosa e fibrose no pós-operatório. ou confirmadas com a proctografia evacuatória como a
retocele, o anismo, a intussuscepção e o prolapso.
O interessante na RM é que não se usa radiação.
– Limitantes do método: movimento e gás; isso
explica por que a sensibilidade da TC no estadiamento
do câncer colorretal é significativamente maior do que Colonoscopia
na RM. A colonoscopia é um excelente método diagnóstico
das afecções do intestino grosso, apresentando sensibilida-
de e, quando realizada sob condições ideais, a especificida-
de é próxima a 100%. Quando realizada por endoscopistas
Colonoscopia virtual experientes, a frequência de colonoscopia total (intubação
É o exame do momento. Especula-se que futura- cecal) varia entre 91 e 99% em vários estudos publicados.
mente esse exame irá substituir a colonoscopia. É si- Estudos recentes reportam taxas de complicações varian-
milar à TC e é feita tomografia em 3D, reconstituindo do de 0,2 a 1% para sangramento importante, de 0 a 0,2%
a mucosa tridimensionalmente. É minimamente inva- para perfuração e de 0 a 0,06% para mortalidade.
siva comparada à TC, sendo mais acurada em relação As soluções orais para limpeza colônica mais co-
à localização, forma e tamanho das estruturas. Pode mumente utilizadas são o polietileno glicol (PEG), a
fazer desde detecção de pólipos e/ou carcinomas até o solução de fosfato de sódio e, no Brasil, a solução de
estadiamento de neoplasias colônicas. manitol a 10%. Apesar de obrigar o paciente a ingerir
O nome colonoscopia virtual refere-se à repre- um grande volume líquido, as vantagens do PEG são
sentação da mucosa em imagem sem a necessidade da as de uma solução osmoticamente balanceada (uma
endoscopia. Segundo o Consenso do Colégio Brasileiro solução eletrolítica não absorvida), que limpa o intes-
dos Cirurgiões, a colonoscopia virtual ainda não substi- tino por simples lavagem e não promove trocas signi-
tui a colonoscopia e não deve ser empregada como tal. ficativas de água e eletrólitos. A solução de fosfato de
Entretanto, em pacientes nos quais não se consegue ou sódio e o manitol são preparados hiperosmóticos que
não existem condições clínicas para fazer colonoscopia promovem a secreção de fluídos na luz para estimular
talvez, a colonoscopia virtual seja uma boa opção. a evacução. Apresentam grande tolerabilidade, mas al-

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32
Coloproctologia

teram os níveis de eletrólitos e podem causar depleção O exame é realizado com a introdução endorre-
do volume intravascular. O manitol e a solução fosfa- tal do transdutor do aparelho ultrassonográfico. Es-
tada estão contraindicados em pacientes com insufi- tudam-se 360º de toda a parede retal e as estruturas
ciência renal, cardiopatia congestiva ou isquêmica e pélvicas adjacentes. Nas mulheres, também podem
ascite. Os esquemas de preparo podem ser alterados ser obstipadas imagens com o transdutor introduzi-
(como nos casos de retocolite ulcerativa) ou até mes- do via vaginal. A ultrassonografia intrarretal é muito
mo contraindicados (como na suboclusão intestinal). utilizada na avaliação de possíveis lesões traumáti-
É exame que substituiu o enema baritado desde 1990. cas dos esfíncteres. Também é um método útil para o
Apesar de a colonoscopia permitir visualização estagiamento das neoplasias do reto, da invasão dos
direta da mucosa, o índice de detecção de lesões não órgãos adjacentes e linfonodos comprometidos. Pode
é 100%. Isso ocorre porque o colonoscópio passa rapi- auxiliar, portanto, na determinação do procedimen-
damente por determinadas áreas tipo junção retossig- to cirúrgico a ser empregado.
moidiana, flexura hepática e esplênica. A correlação histopatológica do grau de infiltra-
ção neoplásica da parede intestinal (estagiamento T)
varia entre 80 e 95% quando comparado com 65 e 75%
Indicações para estudo diagnóstico da tomografia e 75 e 85% da ressonância magnética.
Estudo Indicações mais comuns Em estudos recentes, a precisão do ultrassom na de-
Raio X Obstrução, perfuração, megacólon tecção de linfonodos perirretais comprometidos tem
tóxico sido desapontadora. Resultados demonstram preci-
Enema baritado Sangramento retal (investigação são aproximada entre 70 e 75% para a ultrassono-
eletiva) grafia, comparada com 55 e 65% da tomografia e 60
Trânsito intestinal Constipação crônica a 65% da ressonância magnética. O exame ultrasso-
Colonoscopia Screening/Follow-up câncer colo, nográfico é operador-dependente, e estudos demons-
biópsia, polipectomia trando baixa correlação histopatológica não são uma
Sigmoidoscopia Monitorização colite distal, redu- surpresa, já que 20% dos linfonodos comprometidos
flexível ção de volvo são menores que 5 mm.
Sigmoidoscopia Planejo pré ou intraoperatório,
rígida redução volvo Outras aplicações da ultrassonografia intrarretal
TC Câncer colorretal, diverticulite, são o seguimento pós-operatório do câncer, objetivan-
doença inflamatória do a detecção precoce de recidivas locais e regionais, é
RNM Câncer de reto a avaliação da fístula perianal, da dor anal de etiologia
Ultrassom abdo- Avaliação de massa em sigmoide desconhecida ou abscessos.
minal
Ultrassom Câncer de reto, incontinência
endorretal fecal
Defecografia Prolapso retal, constipação
crônica
Manometria Incontinência fecal
anorretal
Cintilografia Sangramento, constipação
crônica, recidiva de câncer cólon
Colonoscopia Rastreamento de câncer de cólon
virtual
Tabela 2.2 Sabiston, 2001.

Ultrassom endorretal
É a interpretação ultrassonográfica de quatro ca-
madas básicas da parede e tecidos do reto e do canal
anal: a submucosa, o esfíncter anal interno, a camada
longitudinal e o esfíncter anal externo. É um exame
pouco disponível no Brasil, mas não expõe o doente a
radiações ionizantes. Sua principal limitação é a este-
nose da luz retal menor do que 2 cm (o que impossibi-
lita a introdução do transdutor).

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33
2 Abordagem diagnóstica

€ Sangramento: as hemorragias do intestino


Exame clínico grosso podem apresentar-se como melena ou
enterorragia (hematoquezia), dependendo da
Como na avaliação de qualquer afecção, a histó- intensidade e do local de sangramento. Uma
ria clínica e o exame físico formam a base para o diag- perda de 50 mL de sangue no trato gastroin-
nóstico das doenças do intestino grosso e do ânus. testinal superior é suficiente para ocasionar
Ainda, orientam o médico na solicitação do exame melena. A hemorragia digestiva alta geral-
complementar ideal, reduzindo custos e minimizando mente produz melena, mas hemorragias ma-
a manipulação do paciente. ciças do trato gastrointestinal alto ou do in-
Os sintomas das afecções colônicas e anorretais testino delgado podem exteriorizar-se como
são variáveis, e é fundamental a correlação do exame enterorragia. A presença de sangue “vivo”,
físico com o complementar. Relacionamos a seguir os eliminado conjuntamente com as fezes, na
superfície externa destas, é geralmente ori-
sinais e sintomas mais comuns em coloproctologia.
ginária de lesões anorretais distais. Assim,
€ Dor abdominal: quando decorrente de disten-
são importantes a sondagem nasogástrica e a
são do intestino grosso ou de peristaltismo co- aspiração do conteúdo gástrico em pacientes
lônico exacerbado, a dor abdominal de origem
com enterorragia intensa.
colônica é geralmente em cólica. A dor é do tipo
contínua ou em pontada quando provocada por € Evacuação de muco: a produção de muco, as-
irritação do peritônio visceral. sociada ou não ao sangramento, geralmente re-
€ Dor anorretal ou proctalgia: quando ocorre laciona-se a doenças inflamatórias do intestino
durante a defecação, está frequentemente asso- grosso ou ao adenoma viloso do cólon ou reto.
ciada à fissura anal. A proctalgia dos abscessos
anorretais é contínua, de forte intensidade,
exacerbando-se quando há aumento de pressão
intra-abdominal. A dor referida na região sacro- Exame físico
coccígea, de origem proctológica, é rara e geral-
mente é ocasionada por inflamação ligamentar No exame abdominal, deve-se observar a presen-
ou do periósteo do cóccix. ça de distensão, peristaltismo visível ou ascite. Procu-
€ Prurido anal: sintoma muito comum, tem ra-se palpar massas em topografia colônica, identificar
etiologia variável, que inclui higiene precária, a presença de hepatomegalia, esplenomegalia e linfa-
dermatite de contato alérgica (produtos de hi- denomegalia inguinal.
giene pessoal), irritante primário (detergentes),
afecções dermatológicas do períneo (psoríase,
O exame proctológico inicia-se com a inspeção
fungos dermatófitos e leveduras), neoplasias do da região perineal. Normalmente o períneo apresenta
ânus ou do canal anal e infestações parasitárias simetria e o orifício anal como fenda longitudinal. A
como as por Enterobius vermicularis. Pode estar simples inspeção pode trazer informações importan-
associado à mucorreia, ao sangramento ou a ul- tes sobre o anoderma e doenças anorretais como fís-
cerações do anoderma. tulas, fissuras, abscessos e hemorroidas.
€ Tenesmo: o tenesmo (esforço evacuatório inefe-
O segundo tempo de um exame proctológico
tivo, longo e doloroso) é um desconforto frequen-
te, decorrente de doenças inflamatórias, infeccio-
deve ser obrigatoriamente o toque retal, que também
sas ou neoplásicas dos segmentos anorretais. deve preceder todos os métodos endoscópicos. Cerca
de 60 a 70% dos cânceres do reto e de 25% de todas
€ Alteração do hábito intestinal (constipação e/
as neoplasias malignas do intestino grosso são sen-
ou diarreia): qualquer alteração do hábito intes-
tinal, principalmente em pacientes acima de 40 tidos no exame retal. Deve-se sentir a tonicidade dos
anos, requer investigação colônica. Alteração do esfíncteres, em repouso e por contrações voluntárias,
hábito intestinal, emagrecimento, anemia e massa estreitamentos anulares ou tubulares e a sensibilida-
palpável sugerem carcinoma do cólon. Os pacientes de dolorosa (presente em fissuras, abscessos, criptites
com carcinomas colorretais distais ou anais podem e ulcerações). As paredes retais são de consistência
apresentar fezes em fita, puxo e tenesmo. mole, lisa e depressível. A presença de sangue macros-
€ Incontinência: é a incapacidade de controlar fe- cópico ou oculto deve ser determinada. Os carcinomas
zes e flatos, que indica a ausência de integridade colorretais apresentam-se como lesões vegetantes, ul-
da musculatura e/ou da inervação esfincteriana. ceradas e de consistência dura, sem limites precisos.
€ Prolapso mucoso: é a exteriorização da mu- Ainda pelo toque retal, podem-se avaliar a próstata, as
cosa e submucosa e deve ser diferenciado da vesículas seminais, o útero, os paramétrios e o fundo-
procidência, em que todas as camadas do reto -de-saco de Douglas.
são exteriorizadas. Em geral associado à doença
hemorroidária, papilas anais hipertróficas ou A anuscopia possibilita a avaliação do canal anal
pólipos, o prolapso mucoso pode ou não ocor- e faz parte do exame proctológico de rotina. Avaliam-
rer durante a evacuação e reduzir-se de forma -se a presença de doença hemorroidária interna, fissu-
espontânea ou manual. ra, papilas anais hipertróficas e carcinoma.

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34
Coloproctologia

Existem inúmeros modelos de anuscópicos,


sendo que alguns, com iluminação própria, per-
Sangue oculto nas fezes
mitem a realização de pequenos procedimentos. A O Hemocult II é o teste mais comumente utiliza-
ligadura elástica de mamilos hemorroidários inter- do no rastreamento do câncer colorretal. Novos testes
nos ou a esfincterotomia para o tratamento cirúrgi- como o Hemocult II SENSA (baseado no guáiaco) e o
co da fissura anal são procedimentos preferencial- teste imunoquímico HemeSelect e FlexSure melhoram
mente ambulatoriais. a precisão no rastreamento do câncer.
Os reativos diferem entre si, principalmente
quanto à sua sensibilidade. Em estudo recente, Gre-
enberg et al. avaliaram quatro testes em uso isolado e
Exame coprológico a associação de dois testes (associação de testes imu-
noquímicos com os baseados no guáiaco). Compro-
varam que testes modernos de pesquisa do sangue
Macroscopia oculto melhoram a sensibilidade no rastreamento
€ Volume: o volume das fezes é variável, de- do câncer colorretal, enquanto o uso de dois testes
pendendo do conteúdo de fibras vegetais in- melhora a especificidade.
gerida e da concentração de água das fezes. Devido à alta sensibilidade dos métodos para
Em uma dieta hospitalar habitual, o volume detecção de sangue oculto nas fezes, é importante sa-
diário de fezes situa-se entre 100 e 200 mL. lientar que a perda de 1 mL de sangue por dia, dis-
Entretanto, nas síndromes diarreicas, como tribuído em 150 g de fezes, resulta em uma concen-
na doença celíaca e na insuficiência pancre- tração de 1 mg de hemoglobina por grama de fezes,
ática exócrina, o volume fecal pode elevar-se podendo positivar o exame para sangue oculto em
para 1 a 2 litros por dia. Em pacientes com 11% das vezes. Normalmente há perdas de 2 a 3 mg
síndrome da cólera pancreática, secundária a de hemoglobina por grama de fezes por dia no trato
uma neoplasia endócrina do pâncreas, o vo-
gastrointestinal, podendo ocasionar resultados falso-
lume líquido perdido com as evacuações pode
-positivos. É importante observar que, quando ocorre
alcançar 10 litros por dia.
melena ou hematêmese persistente por 3 a 5 dias, o
€ Consistência: existe uma ampla variação da teste com o guáiaco pode permanecer positivo por 2
consistência normal das fezes. O estado físico a 3 semanas. Um teste positivo em três amostras de
depende da dieta, principalmente da quantida- fezes obriga a investigação endoscópica ou radioló-
de de fibra ingerida, sendo mais pastosa quanto
gica do intestino grosso. Cinco estudos controlados
maior a ingestão de vegetais.
demonstraram que pacientes assintomáticos, fora de
€ Cor: a cor normal das fezes deriva principal- grupo de risco para câncer colorretal, com idade acima
mente dos pigmentos biliares e varia normal- de 50 anos e exame positivo na pesquisa de sangue
mente do marrom-claro ao escuro. A dieta pode oculto, tiveram uma prevalência de câncer colorretal
alterar a coloração das fezes. A ingestão de gran- ou pólipo adenomatoso de 39% em média (variando
des quantidades de leite ou laticínios empresta
de 22 a 58%). Com o objetivo de determinar méto-
tonalidade clara às fezes, confundindo com a
dos de rastreamento do câncer colorretal, uma meta-
acolia das hepatopatias colestáticas. Alimentos
ricos em ferro tingem as fezes de negro e neces- -análise foi realizada por Towler et al. Foi observado
sitam ser diferenciadas de melena. que um total de 10 mil pacientes submetidos a exame
do Hemocult resultaria em 2.800 colonoscopias e na
prevenção de 8,5 mortes em um período de dez anos.
Na insuficiência pancreática exócrina há um
aumento dos triglicerídeos nas fezes, que adquirem
manchas amareladas. As fezes flutuam e aderem-se à
parede do receptáculo. Estudos 昀椀siológicos
€ Odor: o indol e o escatol, derivados da descarbo- São ainda controversos. Geralmente, a história
xilação do triptofano pela ação bacteriana, são e o exame físico já são suficientes para determinar
responsáveis pelo odor característico das fezes diagnóstico e tratamento. Entretanto, alguns estudos
numa dieta equilibrada. Nas dietas hiperprotei- podem ser úteis:
cas, o odor é mais marcante devido à produção
de mercaptanos, ácido sulfúrico, e ao metabo- Manometria anorretal: dá informação de tônus
lismo putrefativo das proteínas. Por outro lado, e habilidade do esfíncter de se contrair; pode também
em uma dieta rica em carboidratos ou láctea, as documentar a presença do reflexo retoesfinctérico (au-
fezes são quase inodoras. A administração de sente no Hirschsprung). Eletromiografia (velocidade
antibióticos reduz o odor fecal pela diminuição de condução do nervo pudendo) pode evidenciar lesão
da flora bacteriana entérica. aos nervos pudendos que inervam o esfíncter anal.

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35
2 Abordagem diagnóstica

Análise fecal Estudos radiográ昀椀cos


Pesquisa de toxina do Clostridium difficile:
deve ser feito em pacientes com diarreia e suspeita de
colite pseudomembranosa.
Enema opaco
Osmolaridade e eletrólitos: ajuda na diferen-
É exame muito custo-efetivo para identificar
patologias do cólon. O problema é que não é efetivo
ciação entre diarreia secretora e má absorcão.
para screening de câncer e não pode fazer diagnóstico
Gap osmótico: (Na+ fecal + K+ fecal) x 2 – osmo- definitivo, pois não permite biópsia. Não é necessário
laridade calculada. fazer sedação, mas necessita de preparo de cólon pre-
Se o gap for negativo, significa diarreia secretora. viamente ao exame.
Gap positivo é diarreia de má absorção. O enema contrastado hidrossolúvel (gastrografi-
Gordura fecal: sugere má absorção. A esteator- na) é interessante em casos de suspeita de perfuração
reia é a excreção de mais de 7 g de gordura por dia. intestinal. Nesse caso, o uso do bário poderia induzir à
peritonite química e formação de aderências.
Mutações K-Ras: têm sido pesquisada nas fezes
e representam mutações que predispõem ao apareci-
mento de câncer colorretal. Entretanto, têm sido en-
contradas também em pacientes com pancolite. Tomogra昀椀a computadorizada
Excelente método de avaliação de pacientes com
suspeita de diverticulite (enemas podem piorar a in-
flamação). Reações inflamatórias podem ser revela-
Retossigmoidoscopia das, bem como abscessos, que podem ser drenados
por TC. A TC é útil na detecção de metástases.
Pode ser flexível ou rígida. O grande benefício da
retossigmoidoscopia em relação à colonoscopia é que
pode ser feita sem sedação. Pode ser feita biópsia, po-
lipectomia e mesmo hemostase. É interessante na ava- Ressonância magnética
liação das colites de cólon distal (isquêmica, actínica, Parece oferecer poucas vantagens sobre a TC. Tal-
granulomatosa ou mesmo colite ulcerativa). vez uma das vantagens em especial é a diferenciação
Antigamente, era muito comum se fazer proc- entre recidiva cancerosa e fibrose no pós-operatório.
tosigmoidoscopia rígida para diagnóstico de pato- O interessante na RM é que não se usa radiação.
logias colorretais e ela acabou sendo substituída
– Limitantes do método: movimento e gás; isso
pela colonoscopia. Entretanto, hoje ainda é utili-
explica por que a sensibilidade da TC no estadiamento
zada nos casos em que o coto retal do Hartmann é
do câncer colorretal é significativamente maior do que
difícil de ser encontrado e facilita muito para esse
na RM.
achado no intraoperatório.

Indicações Colonoscopia virtual


€ Avaliação de anormalidades achadas no enema ba- É o exame do momento. Especula-se que futura-
ritado. mente esse exame irá substituir a colonoscopia. É si-
€ Avaliação e acompanhamento de doença inflamatória. milar à TC e é feita tomografia em 3D, reconstituindo
€ Diagnóstico diferencial entre doença diverticular e a mucosa tridimensionalmente. É minimamente inva-
câncer. siva comparada à TC, sendo mais acurada em relação
à localização, forma e tamanho das estruturas. Pode
€ Presença de pólipo (ou histório de pólipo prévio). fazer desde detecção de pólipos e/ou carcinomas até o
€ Sintomas gastrointestinais (sangramento, dor, ane- estadiamento de neoplasias colônicas.
mia etc.).
O nome colonoscopia virtual refere-se à repre-
€ Follow-up de ressecção de câncer de cólon. sentação da mucosa em imagem sem a necessidade da
€ Sangramento agudo gastrointestinal. endoscopia. Segundo o Consenso do Colégio Brasileiro
dos Cirurgiões, a colonoscopia virtual ainda não substi-
€ Redução de volvo sigmoide. tui a colonoscopia e não deve ser empregada como tal.
€ Exclusão de metástases sincrônicas (mais de um foco Entretanto, em pacientes nos quais não se consegue ou
de neo no cólon). não existem condições clínicas para fazer colonoscopia
Tabela 2.1 talvez, a colonoscopia virtual seja uma boa opção.

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36
Coloproctologia

teram os níveis de eletrólitos e podem causar depleção


Cintilogra昀椀a do volume intravascular. O manitol e a solução fosfa-
A cintilografia com hemácias marcadas é exa- tada estão contraindicados em pacientes com insufi-
me de escolha para sangramento baixo ativo do TGI. ciência renal, cardiopatia congestiva ou isquêmica e
Atualmente tem ainda duas novas aplicações: trânsito ascite. Os esquemas de preparo podem ser alterados
intestinal e rastreamento de recidiva de câncer color- (como nos casos de retocolite ulcerativa) ou até mes-
retal (cintilografia rastreadora de CEA). mo contraindicados (como na suboclusão intestinal).
O uso da cintilografia para verificar anormalida- É exame que substituiu o enema baritado desde 1990.
des de trânsito intestinal é uma analogia da cintilo- Apesar de a colonoscopia permitir visualização
grafia para detectar anormalidades de esvaziamento direta da mucosa, o índice de detecção de lesões não
gástrico. Assim, alterações na motilidade intestinal é 100%. Isso ocorre porque o colonoscópio passa rapi-
podem ser detectadas. damente por determinadas áreas tipo junção retossig-
moidiana, flexura hepática e esplênica.

Defecogra昀椀a Indicações para estudo diagnóstico


A defecografia é uma técnica radiográfica contras- Estudo Indicações mais comuns
tada e dinâmica utilizada para o estudo da evacuação. Raio X Obstrução, perfuração, megacólon
O exame consiste na ingesta de 300 mL de solução di- tóxico
luída de bário e na realização do enema de uma pasta de Enema baritado Sangramento retal (investigação
bário no momento do exame. Com o paciente sentado, eletiva)
tomam-se imagens radiográficas; com o paciente em Trânsito intestinal Constipação crônica
repouso, quando contrai vigorosamente o ânus (conti- Colonoscopia Screening/Follow-up câncer colo,
nência voluntária); e durante a defecação propriamente biópsia, polipectomia
dita. Medições são realizadas ao repouso, durante a eva- Sigmoidoscopia Monitorização colite distal, redu-
cuação, e o tempo da evacuação é controlado (que pode flexível ção de volvo
ser parcial ou completa). Os seguintes parâmetros são Sigmoidoscopia Planejo pré ou intraoperatório,
analisados: ângulo anorretal, alterações anatômicas du- rígida redução volvo
rante a continência e a defecação, comprimento e calibre TC Câncer colorretal, diverticulite,
do canal anal e porcentagem de expulsão do material doença inflamatória
contrastado. Algumas patologias podem ser suspeitadas RNM Câncer de reto
ou confirmadas com a proctografia evacuatória como a
Ultrassom abdo- Avaliação de massa em sigmoide
retocele, o anismo, a intussuscepção e o prolapso.
minal
Ultrassom Câncer de reto, incontinência
endorretal fecal
Defecografia Prolapso retal, constipação
Colonoscopia crônica
A colonoscopia é um excelente método diagnóstico Manometria Incontinência fecal
das afecções do intestino grosso, apresentando sensibilida- anorretal
de e, quando realizada sob condições ideais, a especificida- Cintilografia Sangramento, constipação
de é próxima a 100%. Quando realizada por endoscopistas crônica, recidiva de câncer cólon
experientes, a frequência de colonoscopia total (intubação Colonoscopia Rastreamento de câncer de cólon
cecal) varia entre 91 e 99% em vários estudos publicados. virtual
Estudos recentes reportam taxas de complicações varian-
Tabela 2.2 Sabiston, 2001.
do de 0,2 a 1% para sangramento importante, de 0 a 0,2%
para perfuração e de 0 a 0,06% para mortalidade.
As soluções orais para limpeza colônica mais co-
mumente utilizadas são o polietileno glicol (PEG), a
solução de fosfato de sódio e, no Brasil, a solução de Ultrassom endorretal
manitol a 10%. Apesar de obrigar o paciente a ingerir
um grande volume líquido, as vantagens do PEG são É a interpretação ultrassonográfica de quatro ca-
as de uma solução osmoticamente balanceada (uma madas básicas da parede e tecidos do reto e do canal
solução eletrolítica não absorvida), que limpa o intes- anal: a submucosa, o esfíncter anal interno, a camada
tino por simples lavagem e não promove trocas signi- longitudinal e o esfíncter anal externo. É um exame
ficativas de água e eletrólitos. A solução de fosfato de pouco disponível no Brasil, mas não expõe o doente a
sódio e o manitol são preparados hiperosmóticos que radiações ionizantes. Sua principal limitação é a este-
promovem a secreção de fluídos na luz para estimular nose da luz retal menor do que 2 cm (o que impossibi-
a evacução. Apresentam grande tolerabilidade, mas al- lita a introdução do transdutor).

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37
2 Abordagem diagnóstica

O exame é realizado com a introdução endorre-


tal do transdutor do aparelho ultrassonográfico. Es-
tudam-se 360º de toda a parede retal e as estruturas
pélvicas adjacentes. Nas mulheres, também podem
ser obstipadas imagens com o transdutor introduzi-
do via vaginal. A ultrassonografia intrarretal é muito
utilizada na avaliação de possíveis lesões traumáti-
cas dos esfíncteres. Também é um método útil para o
estagiamento das neoplasias do reto, da invasão dos
órgãos adjacentes e linfonodos comprometidos. Pode
auxiliar, portanto, na determinação do procedimen-
to cirúrgico a ser empregado.
Figura 2.1 Colonoscopia virtual (TC colonográfica); A:
A correlação histopatológica do grau de infiltra- imagem de pólipo (seta) evidenciada em padrão bidimen-
ção neoplásica da parede intestinal (estagiamento T) sional na TC scan; B: TC colonográfica em visão tridimen-
varia entre 80 e 95% quando comparado com 65 e 75% sional; C: imagem colonoscópica da lesão polipoide (seta).
da tomografia e 75 e 85% da ressonância magnética.
Em estudos recentes, a precisão do ultrassom na de-
tecção de linfonodos perirretais comprometidos tem
sido desapontadora. Resultados demonstram preci-
são aproximada entre 70 e 75% para a ultrassono-
grafia, comparada com 55 e 65% da tomografia e 60
a 65% da ressonância magnética. O exame ultrasso-
nográfico é operador-dependente, e estudos demons-
trando baixa correlação histopatológica não são uma
surpresa, já que 20% dos linfonodos comprometidos
são menores que 5 mm.
Outras aplicações da ultrassonografia intrarretal
são o seguimento pós-operatório do câncer, objetivan-
do a detecção precoce de recidivas locais e regionais, é
a avaliação da fístula perianal, da dor anal de etiologia
desconhecida ou abscessos.

Figura 2.2 A: colonoscopia evidenciando lesão poli-


poide obstrutiva da região do sigmoide; B: clister-opaco
mostrando lesão estenosante de contornos irregulares
na mesma topografia; C: espécime cirúrgica mostrando
lesão anular estenosante com aparência em guardanapo.

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CAPÍTULO

3
Doenças do apêndice

“Não conheço fato mais encorajador que a questionável capacidade do homem


para elevar sua vida através de um esforço consciente”.
– HENRY DAVID THOREAU.

€ lateral interno;
Anatomia e 昀椀siologia € lateral externo;
O apêndice vermiforme é um órgão estreito, oco € descendente;
e muscular que, caracteristicamente, se origina da face € retrocecal.
posteromedial do ceco na junção das três taenia coli,
cerca de 1 a 2 cm abaixo do íleo. O tamanho varia de 2
Sua função não é bem conhecida. Sabe-se que
a 20 cm (com média de 10 cm) de comprimento. Apre- secreta muco, que é eliminado para o ceco em uma
senta uma posição extremamente variável; na maioria quantidade média de 1 a 2 cm3 diariamente. Em geral,
das vezes se encontra a 5 cm da espinha ilíaca anteros- há fezes na luz apendicular, mas se torna difícil saber
superior, na linha que vai desta espinha até o umbigo. se este se enche a cada ciclo digestivo. Quando exci-
Nas situações em que o ceco desce menos que o habi- tado, apresenta movimentos peristálticos. Em casos
tual durante a rotação do intestino sobre a artéria me- de inflamação, tende a desenvolver um espasmo (este
sentérica superior, o apêndice ficará em posição alta, assim como a distensão origina uma dor que é referi-
próximo do fígado. Às vezes a descida do ceco durante da no epigástrio) – se o peritônio parietal adjacente se
a fase embrionária é maior do que a normal, e o apên- inflama, a dor é percebida também no quadrante infe-
dice irá se encontrar na pélvis. Quanto à sua posição rior direito do abdome, e os músculos suprajacentes
em relação ao ceco, o apêndice pode estar (Figura 3.1): frequentemente mostram um espasmo reflexo.
39
3 Doenças do apêndice

A importância do apêndice segundo Boyd não


reside na sua fisiologia, mas na frequência com que se Etiologia e patogenia
torna sede de perturbações patológicas.
Pode-se identificar fatores obstrutivos em até
70% dos casos. Em até um terço dos casos pode não
ser identificado um foco de obstrução intraluminal.
A obstrução pode ser determinada por hipertro-
fia linfoide (60%), fecalitos ou estase fecal (35%), por
tecido fibroso (fibrose) que fecha a luz, corpos estra-
nhos vindos com os alimentos ou mesmo parasitas
intestinais (4%) e por tumores (1%). Às vezes ela se
resolve espontaneamente com a expulsão do corpo
obstrutor; quando não expulsos, acabam traumati-
zando a mucosa e determinando a inflamação.
A doença pode existir de forma concomitante
com moléstias exantêmicas e associação a viroses. Vá-
rios autores referem casos de apendicite aguda asso-
ciada com sarampo.
De forma geral, são identificadas três fases da
apendicite: inflamatória, purulenta e gangrenosa.

Figura 3.1 Posições do apêndice.

A apendicite aguda é a doença mais frequente Apendicite aguda: bactérias isoladas


do apêndice vermiforme e a operação é a conduta Aeróbios Anaeróbios
de primeira escolha para o seu tratamento. Sua inci- Escherichia coli Bacteroides fragilis e outros
dência é mais frequente em jovens em idade escolar e Streptococcus viridans Peptostreptococcus micros
adolescentes, predominando no sexo masculino. Pode Pseudomonas aeruginosa Bilophila species
Streptococcus grupo D Lactobacillus species
manifestar-se em diferentes fases: catarral, supurati-
Enterococcus species Fusobacterium species
va, gangrenosa e hiperplásica. A depender de cada
Tabela 3.1
caso, há presença de neutrófilos, pus, ulcerações,
gangrena e peritonite local ou difusa se ocorreu ro-
tura do órgão.
As taxas de mortalidade geral atuais são de cerca
de 0,2%, mesmo nas apendicites complicadas, podendo Quadro clínico
chegar até 15% em idosos.
Quadro clássico: mantém uma sequência bem
definida dor – naúseas – vômitos – hiperestesia na
área do apêndice – febre.
Incidência Apenas 55% dos pacientes com apendicite
aguda apresentam o quadro clássico. Em geral, na
Cerca de 7% dos indivíduos ocidentais apresen- apendicite aguda temos um período de 12 a 48 h desde
tam apendicite em algum momento da vida. o início dos sintomas até a hospitalização. Nos casos
de apêndice em FID, mais de 95% referem dor que, de
Sexo: segundo a maioria dos autores, é 3 a 4 ve-
início, tem localização em região epigástrica e perium-
zes mais frequente em homens; contudo, há autores bilical e posteriormente localizando-se no quadrante
que consideram a incidência igual nos dois sexos. inferior direito, onde permanece constante e intensa.
Idade: é uma afecção predominatemente de jo- Pode irradiar para MMII devido ao envolvimento do
vens, sendo muito comum antes dos 20 anos. É rara an- psoas. Devemos, todavia, ressaltar que esta sequência
tes dos 2 anos de idade. A maioria dos pacientes está en- não é notoriamente observada em todos os pacientes,
tre 5 e 30 anos, porém pode ser encontrada em idosos. em especial naqueles com apendicite retrocecal. Além
disso, a dor não se localiza no quadrante inferior di-
Raça: não há preponderância.
reito em um número considerável de pacientes, em
Herança: certas famílias apresentam maior inci- especial nas mulheres no segundo/terceiro trimestre
dência de casos. Tal fator, no entanto, permanece ain- de gravidez, sendo difusa ou ficando no abdome in-
da de certa forma pouco definido. ferior. A dor na apendicite pélvica pode localizar-se no

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40
Coloproctologia

quadrante inferior esquerdo. Na apendicite retrocecal A anorexia e náuseas (com ou sem vômitos)
pode irradiar-se para a coxa ou para o testículo direi- são respectivamente o segundo e terceiro sintomas
to, tendo em muitas vezes seu epicentro característico mais frequentes. Os vômitos são em geral pouco
na região lombar direita – torna-se, portanto, com um frequentes, porém, nos casos em que há perfuração
caráter semelhante à cólica renal ou abcesso perinéfrico do apêndice com o desenvolvimento de peritonite
com os quais deve ser diferenciada. A disúria é frequen- franca, podem se tornar mais intensos e ter um as-
te em ambos os tipos de apendicite. pecto fecaloide. Cerca de 10% dos pacientes referem
constipação; a diarreia é incomum. A febre é em ge-
Luz ocluída levando ao aumento do
peristaltismo e distensão do apêndice
ral discreta, de 38 a 38,6ºC; os níveis mais elevados
Dor vaga e difusa em epigástrio e região periumbilical indicam quase sempre perfuração. A dissociação da
temperatura retal e axilar pode ser maior que 0,5ºC,
dado que deve ser considerado.
Hipersecreção, aumento da luz
e proliferação bacteriana
Pressão intraluminal acima de 85 cmH2O
determinando dor constante pela compressão Característi-
das terminações nervosas da parede do apêndice Localização Causa
cas da dor
Intensidade Pouco espe- Distensão
Hipóxia apendicular com pequenos infartos crescente (de cífica, sendo do apêndi-
da parede e invasão por bactérias
Surge febre, leucocitose e taquicardia
leve desconfor- referida em ce nas fases
1ª fase to a intensa), epigástrio iniciais do
podendo ser em e região pe- processo
Congestão vascular, edema e diapedese com maior cólica riumbelical inflamató-
distensão do órgão. Dor referida em FID (distensão (95%) rio
dos filetes nervosos), náuseas e vômitos
Intensidade Localização Envolvi-
média a forte, mais precisa mento da
Ulceração da mucosa, invasão bacteriana maciça,
infecção da parede apendicular, distensão normalmente sobre o ponto serosa e do
abdominal por íleo adinâmico em pontada e da doença – peritônio
Dor peritoneal intensa e bem localizada 2ª fase contínua quadrante in- parietal no
ferior direito processo
Trombose vascular com piora do edema e isquemia
inflamató-
rio

Gangrena e perfuração Alguns pacien- Depende se Perfuração


Ampla irradiação da dor para todo o abdome inferior tes referem o processo
melhora no des- é ou não
conforto, suas rapidamente
Figura 3.2 Eventos envolvidos no desenvolvimento e
características bloqueado
evolução da apendicite aguda. 3ª fase vão depender
da contenção do
O padrão de dor irradiada para mesogástrio processo infec-
deve-se ao estiramento do órgão nas fases iniciais cioso
do processo inflamatório. A princípio ela é vaga e
leve, mas aumenta pouco a pouco no decorrer de Tabela 3.2
aproximadamente 4 h, podendo ser em cólica. Ela
tende a ceder indo localizar-se sobre o ponto da
doença depois que o processo atingiu a serosa e o
Apêndice Apêndice
peritônio. Nesse momento tem em geral de média Apêndice em FID
pélvico retrocecal
a grande intensidade, sendo referida normalmente
como “em pontada”, comumente sem caráter de có- - Dor abdominal difusa Inflamação si- Sinais obscu-
lica ou torção. O desconforto parece ser aliviado no - Náuseas e vômitos lenciosa ros (apêndice
momento da perfuração em alguns pacientes; de- - Dor referida em FID Pode haver retroperito-
pois da perfuração, a localização da dor depende se - Febre moderada disúria nial)
- Raramente há diar- Sensibilidade Frequente-
o processo é ou não rapidamente bloqueado. Assim,
reia em fundo de mente evolui
há um desconforto abdominal variável quando a in-
- Piora progressiva do saco retovesi- para abscesso
fecção não é contida. Dessa maneira, de um ponto quadro cal e retoute-
de vista didático, podemos observar o ocorrência de rino
três fases no tocante à dor que envolve a apendicite
aguda (Tabela 3.2). Tabela 3.3

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41
3 Doenças do apêndice

€ Manobra de Sloan: levantamos a perna direita


Exame físico do paciente sem flexionar o joelho, mais com-
pressão da zona apendicular. Teoricamente, a
Os achados vão depender não só do grau da infla- compressão do apêndice entre a mão e o múscu-
mação, mas também da idade do paciente. lo psoas aumenta a dor.
Na maioria dos casos, onde o apêndice é lateroce-
A dor generalizada à descompressão indica peri-
cal, o sinal mais comum e característico é a dor à palpa-
tonite difusa. A peristalse pode estar presente ou não;
ção (99%), sendo que sua ausência praticamente invali-
da o diagnóstico. Normalmente se limita ao ponto de a ausência associada à distensão e à descompressão
McBurney, o qual corresponde à localização habitual da dolorosa generalizada é compatível com perfuração e
víscera. À medida que os dedos do examinador se afas- peritonite difusa.
tam desse ponto, para cima ou para baixo, a dor vai di- Com frequência, o paciente com apendicite agu-
minuindo. Nas outras localizações do apêndice haverá da não parece doente. O médico não deve ficar decep-
dor à palpação em lugares diferentes como já foi citado. cionado; o diagnóstico reside na dor persistente e na
Além de dor, encontra-se em 20% dos casos hipe- sensibilidade localizada.
restesia da pele na fossa ilíaca direita, por reflexo viscero-
cutâneo. A defesa muscular é encontrada em ¾ dos casos.
Nos casos de dor baixa, por provável apêndice
pélvico, o toque retal torna-se valioso, principalmente
em crianças em que o dedo do médico pode atingir um
nível relativamente mais alto. Nas mulheres, com fre-
quência, impõe-se o toque vaginal, para excluir outras
causas plausíveis.
Os tratados geralmente nos trazem sinais carac-
terísticos no diagnóstico de apendicite aguda, todos
eles com um valor um tanto relativos, pois não descar-
tam a hipótese de outras causas de abdome agudo. São
eles (guarde todos!):
€ Sinal de Blumberg: descompressão dolorosa.
€ Sinal de Rowsing: deslocamento de gases do
colo esquerdo para o hemicolo direito, provo-
cando dor na fossa ilíaca direita nos casos de
apendicite aguda.
€ Sinal de Dumphy: dor desencadeada pela per-
cussão abdominal ou a referida quando se soli-
cita ao paciente para tossir.
€ Sinal de Lapinsky: compressão do ceco con-
tra a parede posterior do abdome, enquanto
se manda o doente elevar o membro inferior
direito estendido; nos apêndices retrocecais,
principalmente, surgiria dor provocada pela Figura 3.3 Pontos apendiculares.
compressão do apêndice entre o músculo pso-
as e a mão do examinador.
€ Sinal de Lenander: diferença de temperatura
axilo-retal > 1ºC (retal > axilar).
€ Sinal do Obturador: dor epigástrica à rotação inter-
na da coxa direita flexionada sob decúbito dorsal.
€ Sinal do Psoas: dor à extensão seguida de ab-
dução da coxa direita, com o paciente em DLE
(apendicite retrocecal).
€ Sinal de Murphy: não se obtém som timpânico
(pela presença de exsudato) na zona apendicu-
lar. Todas as manobras e sinais auxiliam, mas Figura 3.4 Atitude passiva antálgica de um paciente
nenhum deles isoladamente, sem outros dados com apendicite aguda e/ou abscesso periapendicular,
clínicos e laboratoriais, fazem o diagnóstico de ou qualquer outro processo inflamatório agudo dos ór-
apendicite aguda. gãos pélvicos do hemiabdome inferior direito.

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42
Coloproctologia

para a esquerda de discreto a moderado. Entretanto,


essas alterações também são observadas em várias ou-
tras patologias abdominais e pélvicas agudas, tendo,
assim, baixa especificidade para apendicite.
A ausência de leucocitose ou percentual de
neutrófilos < 70% torna improvável a hipótese
de apendicite aguda. Leucocitose > 15.000 cels/
mm3 e neutrofilia acima de 80% são sugestivos de per-
furação e/ou peritonite pélvica da mulher.
Níveis elevados de proteína C-reativa (PC-R)
também reforçam a suspeita de apendicite aguda,
especialmente quando combinados às alterações
Figura 3.5 Esquema representativo do sinal de Row- previamente observadas no leucograma.
sing. A compressão deslizante do cólon descendente e
da metade esquerda do transverso determinará dor na
fossa ilíaca direita ou dor espontânea que o paciente
apresenta por hipertensão interna na luz dos cólons. Urina I
€ De modo geral, o exame é normal. Cerca de 15%
dos pacientes apresentam uma pequena con-
centração de proteínas ou uma discreta piúria
e hematúria, este último muito frequente nas
apendicites retrocecais (mais um elemento para
confusão diagnóstica).

Radiogra昀椀a simples de
abdome
€ presença de fecalitos calcificados na região in-
guinal direita é um achado útil, mas que ocorre
em um número pequeno de pacientes;
€ velamento da sombra do músculo psoas direito;
Figura 3.6 Sinal do psoas (Sinal de Cope).
€ apagamento da gordura pré-peritonial;
€ nível hidroaéreo;
€ sinais de obstrução intestinal;
€ escoliose antálgica de concavidade à direita;
€ alça ileal em sentinela na FID;
€ desvio das alças para a esquerda;
€ corpo estranho em topografia de apêndice;
€ pneumoperitônio (raro).

Figura 3.7 Sinal do obturador.

Ultrassonogra昀椀a e TC
O ultrassom de abdome tem hoje a especificida-

Diagnóstico de e sensibilidade de cerca de 98% na visibilização do


apêndice, mas em até 15% dos casos pode mostrar um
apêndice normal, em quadros de apendicite clinica-
mente evidente, sendo útil no diagnóstico de exclusão
Hemograma completo de outras patologias. A tomografia é útil na suspeita de
Em até 90% dos pacientes, encontra-se leu- perfuração intestinal para diagnosticar um abscesso
cocitose moderada – 10.000 a 15.000 cels/mm3 –, periapendicular. Casos com clínica evidente não ne-
com neutrofilia geralmente superior a 75% e/ou desvio cessitam exame de imagem.

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43
3 Doenças do apêndice

Achados radiológicos da apendicite aguda acompanhada de sensibilidade e defesa muscular;


€ Escoliose antálgica de concavidade voltada para a aquelas que se acompanham de cólica abdominal sem
direita defesa, e aquelas que podem ser confundidas com ab-
€ Apagamento da gordura pré-peritoneal cesso apendicular.
€ Espessamento da parede do ceco
€ Gás fora de alça na fossa ilíaca direita
€ Pneumoperitônio Primeiro grupo: doenças que apresentam dor
intensa acompanhada de sensibilidade e defesa
Tabela 3.4
muscular
€ Úlcera perfurada (história clínica/dor violenta em
facada no epigástrio/pneumoperitônio)
€ Colecistite aguda (dor irradiada para o ombro di-
Apendicete aguda – achados ultrassonográficos
reito ou dorso/hiperestesia e defesa muscular mais
€ Diâmetro apendicular > 7 mm alta/vômitos mais intensos)
€ Distensão luminal € Calculose ureteral (confundida com apendicite
€ Edema da mucosa retrocecal/cólica renal/sinal de Giordano positivo/
€ Não compressibilidade paciente agitado/não há febre nem leucocitose/he-
€ Aperistalse matúria no EAS/ao raio X podem ser vistos cálculos)
€ Pielite aguda direita (não há sinais de irritação pe-
€ Correspondência com o ponto doloroso
ritonial/febre elevada – 39 a 41ºC/disúria)
€ Apendicolito
€ Prenhez tubária rota (quadro mais dramático/queda
€ Coleção periapendicular rápida da PA/sinais evidentes de hemorragia interna)
Tabela 3.5 € Anexite aguda (inflamação dos anexos uterinos
– trompa e ovário: em geral a sensibilidade à pal-
pação é bilateral / corrimento vaginal / disúria /
hemossedimentação elevada)
A laparoscopia pode ser útil no diagnóstico dife- € Linfandenite mesentérica (muito mais frequen-
rencial, particularmente em mulheres jovens com dor te em crianças/casos agudos não têm diferenciação
na FID. A visualização de apêndice inflamado confirma clínica)
o diagnóstico e a de um normal o exclui. A presença de € Doença de Crohn (ileíte regional: história clínica

massa inflamatória na região é bastante sugestiva de mais arrastada de 4 a 6 evacuações diárias diarreicas
ou com fezes pastosas acompanhadas de dores abdo-
apendicite aguda.
minais difusas, mal-estar abdominal, perda progres-
siva de peso e crises suboclusivas)
€ Divertículo de Meckel (quadro clínico inteiramen-
Apendicite aguda – achados tomográficos
te superponível ao da apendicite aguda)
€ Apêndice inflamado e distendido, com líquido € Pneumonia (na criança é comum a pneumonia de-
€ Diâmetro apendicular maior que 7 mm terminar dor reflexa na fossa ilíaca direita/faltam a
€ Espessamento da parede apendicular (1-3 mm) defesa muscular e os sinais de peritonite/presença
€ Realce da parede inflamada e hiperêmica pelo con- de sinais estetoacústicos pulmonares/a mortalida-
traste EV de nos casos de os pacientes com pneumonia serem
€ Infiltração da gordura periapendicular e do mesoa- apedicectomizados é enorme; a confusão de pneu-
pêndice monia com apendicite é um erro imperdoável)
€ Coleções adjacentes ao apêndice € Peritonite penumocócica (pode ser secundária à

€ Massa com densidade de partes moles na FID pneumonia ou otite ou mesmo primária pela ascen-
são de germes a partir dos anexos)
€ Apendicólito
€ Infarto mesentérico (mais comum em portadores
€ Pneumoperitônio de lesão cardiocirculatória/quadro de comprometi-
Tabela 3.6 mento do estado geral/toxemia)
Segundo grupo: doenças que se acompanham de
cólica abdominal sem defesa
€ Cólica intestinal (paciente. inquieto entre as cri-
ses/ausência de sinais de peritonite)
Diagnóstico diferencial € Cólica biliar (dor mais súbita e mais grave/irradia-
ção para o ombro/pode ser aliviada pela compres-
São inúmeras as doenças que precisam ser afas- são/dispepsia antiga/intolerância a alimentos gor-
tadas para chegarmos ao diagnóstico final de apendi- durosos/crises anteriores semelhantes à atual)
cite aguda. Zerbini costumava dividir estas patologias € Cólica renal (paroxismos violentos/hematúria

em três grupos: aquelas que apresentam dor intensa, sempre presente, mas nem sempre macroscópica)

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44
Coloproctologia

Terceiro grupo: doenças que podem ser anterossuperior) e de Rocky-Davis (incisão transversa
confundidas com abcesso apendicular passando pelo ponto de McBurney) ou por incisões
€ Linfandenite supurada medianas e paramedianas, dependendo da avaliação
€ Tuberculose ileocecal (evolução mais lenta/lesões do quadro.
pulmonares residuais ou em atividade ao raio X) O apêndice é identificado seguindo-se a taenia
€ Carcinoma do ceco (consumo do paciente/diarreia anterior. O mesoapêndice é ligado, sendo a base do
com muco e sangue/indolor à palpação) apêndice seccionada entre duas pinças de Kelly. O
€ Cisto ovariano torcido (ausência de sinais infla- coto apendicular pode ser tratado de três maneiras
matórios/início brusco, dor violenta/choque)
diferentes:
€ Hematoma da parede abdominal (principalmente
em crianças pode haver um quadro que simule um ab- 1. simples ligadura;
cesso apendicular/empastamento é de parede e não 2. invaginação e
de cavidade abdominal/referência a um trauma)
3. ligadura seguida de invaginação. A última ma-
Tabela 3.7
neira tem o inconveniente de criar condições para o
desenvolvimento (muito raro) de um abscesso intra-
mural ou mucocele.
Se houver dificuldade de localizar o apêndice pela

Tratamento presença de intensa inflamação, é preferível drenar a


região e realizar a apendicectomia 2-3 meses após.
Hoje, pode-se dizer que, feito o diagnóstico de Se em vez de apendicite aguda o achado for de
apendicite aguda, o tratamento cirúrgico (apendicec- tumor carcinoide ou mucocele simples, a apendicec-
tomia) é imediato, a menos que haja uma contraindi- tomia simples com 2 cm de margem de segurança é
cação muito forte. suficiente.
Deve-se corrigir a desidratação do paciente e ini- Se o carcinoide ultrapassar 2 cm de diâmetro, ou
ciar uso de antibióticos pré-operatórios que reduzem se o tumor for adenocarcinoma, está indicada a hemi-
os índices de infecções de ferida. colectomia direita.
A flora bacteriana encontrada no apêndice é si- Na presença de coleção purulenta localizada, um
milar à colônica. Assim, antibióticos contra bactérias dreno de Penrose deve ser colocado e retirado pela in-
aeróbicas (gram-positivas e negativas) e anaeróbicas cisão de McBurney ou por contraincisão. Na presença
devem ser iniciados no pré-operatório. Se a apendicite de peritonite difusa ou apendicite sem coleção puru-
não for complicada, os antibióticos são utilizados em lenta localizada, não está indicada a colocação de dre-
dose única ou no máximo por 24 horas. Se a apendicite nos. Na presença de pus, a pele e o tecido celular sub-
for complicada (gangrenosa ou perfurativa), o antibi- cutâneo são deixados abertos com fio de mononáilon
ótico deve ser empregado até o paciente permanecer passado na pele.
afebril por 48 horas, com um mínimo de cinco dias.
Se não ocorrer infecção até 72 horas após, os pon-
Ainda existe uma grande controvérsia sobre a seleção
tos são aproximados (fechamento primário retardado).
de antibióticos. Os esquemas mais empregados são:
O fechamento de todos os planos da incisão está indica-
1- somente cefoxitina para as apendicites não do nos casos em que não houver pus na cavidade.
complicadas; e
2- combinação de cefalosporina de terceira gera-
ção e metronidazol para as apendicites complicadas.
Muitos autores usam o esquema tríplice (ampicilina,
aminoglicosídeo e metronidazol ou clindamicina) para
as apendicites complicadas.
Pacientes com abscessos periapendiculares po-
dem ser tratados por drenagem percutânea, hidra-
tação e antibióticos devido à dificuldade cirúrgica
nestes casos. Uma apendicectomia deve ser realiza-
da após seis semanas para prevenir uma apendicite
recorrente.
A apendicectomia pode ser realizada por incisões Figura 3.8 A: incisões longitudinais; a: mediana in-
específicas para apendicite, como as incisões de Mc- fraumbilical; b: paramediana pararretal externa; B: inci-
Burney (incisão na FID, oblíqua ao ponto de McBur- sões localizadas; C: incisão de McBurney; D: incisão de
ney, perpendicular à linha do umbigo à espinha-ilíaca Davis, E: incisão baixa.

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45
3 Doenças do apêndice

Complicações da apendicite tratamento não operatório e justifica a consideração


de apendicectomia com intervalo. Realizamos tipi-
€ Peritonite
camente esse procedimento com laparoscopia cerca
€ Abscesso localizado (apendicular ou em fundo de
de 6 semanas após o acesso inicial de apendicite. A
saco)
apendicectomia com intervalo associa-se a baixa
€ Abscesso subfrênico morbidade e a curta permanência hospitalar. O pro-
€ Obstrução intestinal cedimento é rotineiramente realizado em crianças. A
€ Fístulas enterocutâneas (fístula estercoral) ou entre decisão sobre proceder com apendectomia com inter-
alças valo para pacientes adultos inclui fatores como idade
€ Hérnia incisional do paciente, condições comórbidas e cirurgia abdo-
€ Complicações clínicas (infecção sépsis) minal anterior.
Tabela 3.8

€
Complicações pós-operatórias
Supuração da incisão operatória*
Apendicite na gravidez
€ Abscessos pélvicos e subfrênicos Uma em cada 2 mil mulheres grávidas sofre com-
€ Abscesso de parede plicações com apendicite aguda, o que não difere pra-
€ Fístula cecal (estercoral ou entre alças) ticamente da incidência em mulheres não grávidas da
€ Hérnia incisional mesma faixa etária.
Tabela 3.9 *Complicação mais comum. O procedimento cirúrgico não obstétrico mais
comum durante a gestação é a apendicectomia. Esse
quadro ocorre com a mesma frequência nas gestantes
e nas não gestantes, e parece não haver uma predi-
leção por qualquer trimestre. A taxa de perfuração é
Conduta não operatória na significativamente aumentada, entretanto, durante o
apendicite terceiro trimestre, devido à demora no diagnóstico e à
imunossupressão relativa da gravidez.
Os pacientes que se apresentam tardiamente
no curso da apendicite com massa e febre podem O sinal de Alder pode ser útil para diferenciar
beneficiar-se de um período de tratamento não ope- doença uterina da dor abdominal extrauterina. O
ratório, que reduz as complicações e a permanência ponto máximo de dor é identificado com a paciente
geral no hospital. Os estudos por imagem são úteis supina. A paciente é então colocada em uma inclina-
para confirmar o diagnóstico e para avaliar o tama- ção lateral para a esquerda, deslocando eficazmente
nho de qualquer abscesso presente. Os pacientes o útero gravídico para a esquerda, e o ponto de dor
com abscessos grandes, de mais de 4 a 6 cm de ta- máxima é novamente localizado. A dor de origem
manho, e especialmente os pacientes com abscesso uterina, como a degeneração fibrinoide ou tração
e febre alta, beneficiam-se da drenagem do absces- de anexo, tende a se mover com o útero, enquanto a
so. Isso pode ser conseguido pela rota transretal ou dor de um apêndice inflamado favorece uma dor com
transvaginal usando-se orientação ultrassônica se uma posição constante.
o abscesso for convenientemente localizado, ou por A indicação de apendicectomia durante a gra-
uma abordagem percutânea orientada por imagem. videz deve ser a mesma que para uma mulher não
Esses pacientes com abscessos menores ou fleimão grávida. As complicações materna e fetal são muito
e que não estão doentes podem ser tratados inicial- mais elevadas após a perfuração; portanto, a ope-
mente, com sucesso, com antibióticos isoladamente. ração deve ser indicada precocemente. A apendici-
Os pacientes que continuam a ter febre e leucocitose te é mais grave no 3º trimestre de gravidez porque
após vários dias de tratamento não operatório têm o omento frequentemente não consegue alcançar o
probabilidade de exigir apendectomia durante a mes- apêndice inflamado para ajudar a conter a inflama-
ma hospitalização, enquanto aqueles que melhoram ção. Trabalho de parto prematuro ocorre em apro-
prontamente podem ser considerados para apendec- ximadamente metade das gestantes de 3º trimestre
tomia com intervalo. com apendicite, dependendo do prognóstico do feto
Após o tratamento não operatório de apendici- e de sua maturidade. Cesariana é indicada na pre-
te tardia suspeitada, os adultos se submetem a colo- sença de peritonite difusa. Se a apendicectomia for
noscopia ou enema de bário, uma vez que câncer de realizada em gestantes nos 1º e 2º trimestres, antes
cólon é detectado em cerca de 5% dos casos. O risco da perfuração do apêndice, possivelmente a gesta-
de apendicite recidivando é de cerca de 15 a 25% após ção não será alterada.

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46
Coloproctologia

tica de apendicite. No entanto, a indicação mais co-


Apendicite no idoso mum é para pacientes que apresentam dor abdominal
de origem duvidosa na FID.
A apendicite aguda é um quadro mais grave no
idoso e 50 a 90% apresentam perfuração. Parece que
essa maior propensão a perfurar está associada à de-
mora em procurar o médico, à atipia do quadro de dor, Contraindicações:
à insuficiência vascular que predispõe à perfuração. 1. Inexperiência do cirurgião;
A dor é comumente discreta e difusa no QID. As 2. Coagulopatia não tratável;
alterações de exame físico são em geral mínimas na 3. Comorbidades (DPOC);
fase inicial. Febre e leucocitose estão frequentemente
ausentes. 4. Múltiplas cirurgias pregressas (aderências).

Complicações:
Apendicite na criança € Abscessos;
€ Infecção da ferida operatória (frequência menor
Apendicite aguda é incomum em criança com me- quando comparada com a cirurgia convencional);
nos de dois anos de idade, provavelmente pelo fato de € Lesão iatrogênica (pneumoperitôneo do proce-
o apêndice possuir forma cônica e base larga, que difi- dimento versus distensão intestinal pelo proces-
cultam sua obstrução. so inflamatório-infeccioso).
Nas crianças com doença de Hirschspring, a apen-
dicite pode ocorrer em idade inferior a um mês de vida.
Este diagnóstico deve ser suspeitado em toda
criança com quadro de diarreia cujo primeiro sintoma te-
Tumores do apêndice
nha sido dor abdominal. A febre é mais alta, e ao exame e mucocele
físico a distensão abdominal é o dado mais significativo.
A incidência de perfuração é de quase 100% em Os tumores do apêndice são incomuns e rara-
crianças com menos de um ano de idade e acima de mente suspeitados antes da operação. O diagnóstico
50% naquelas entre um e cinco anos de idade. Portan- pré-operatório é importante porque pode influenciar
to, a morbidade e a mortalidade são mais significativas não apenas no acesso cirúrgico (via laparoscópica ou
nesta população. aberta), mas também no procedimento apropriado
(apendicectomia ou colectomia direita).
As neoplasias do apêndice podem ser classifica-
das em quatro categorias principais: tumor carcinoide
Apendicite crônica ou puro, adenocarcinoma do tipo colônico, mucocele ma-
ligna e tumor adenocarcinoide.
recorrente
Os pacientes com tumor do apêndice, indepen-
Raramente este conceito clínico foi documenta- dente do tipo histológico, apresentam uma incidên-
cia aumentada de neoplasias metacrônicas ou
do. Um episódio agudo pode regredir espontaneamen-
sincrônicas, principalmente relacionadas ao tra-
te e, depois, novos surtos podem se repetir, com dor
to gastrointestinal, devendo ser investigados e
na FID. A definição desse diagnóstico deve ser criterio-
acompanhados apropriadamente.
sa e uma vez decidida, proceder à cirurgia. O diagnós-
tico definitivo será anatomopatológico. Embora se acreditasse antes que os tumores car-
cinoides fossem as neoplasias apendiculares mais co-
muns, atualmente os tumores mucinosos do apêndice
são considerados os mais comuns.
Apendicectomia
laparoscópica Tumor carcinoide
A apendicectomia laparoscópica pode ser con- O apêndice é o primeiro local mais frequente
siderada a abordagem adequada, virtualmente para de tumor carcinoide gastrointestinal. O íleo é o lo-
qualquer paciente para o qual haja a hipótese diagnós- cal mais comum quando o tumor carcinoide expressa

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47
3 Doenças do apêndice

a síndrome carcinoide, assunto este já abordado no ca- Estádios/grupos prognósticos. Classificação


pítulo das doenças do intestino delgado. TNM para tumores neuroendócrinos de acordo
A maioria dos tumores carcinoides do apêndi- com AJCC
ce é menor do que 1 cm, e poucos são maiores do Estádio I T1 N0* M0*
que 2 cm. Carcinoides do apêndice quase sempre são Estádio II T2, T3 N0 M0
benignos, e metástases ocorrem em menos de 2% dos Estádio III T4 N0 M0
tumores; estas geralmente ocorrem em tumores maio- Qual- N1 M0
res que 2 cm de diâmetro e praticamente inexistem quer T
nos menores do que 2 cm. Quando o carcinoide do Estádio IV Qual- Qualquer N M1
apêndice é maior do que 2 cm, o risco de metás- quer T
tase é de 30 a 60%, comparado com 86 a 95% no
Tabela 3.10 *Classificação N e M conforme descrito
caso de carcinoide do intestino delgado e 80 a
anteriormente.
100% dos tumores carcinoides do reto. Assim, tu-
mores carcinoides do apêndice têm melhor prognósti-
co do que aqueles originários de outra localização.
Pacientes do sexo feminino apresentam uma Tratamento e prognóstico
incidência duas vezes maior. Essa predominância no Metástases em pacientes com tumor carcinoide
sexo feminino é também observada em carcinoides de menor que 2 cm praticamente inexistem. A apendicec-
outros locais, como intestino grosso, estômago e pul- tomia é o tratamento de escolha para carcinoide do
mão, sugerindo a possibilidade de uma predisposição apêndice menor do que 1 cm. A colectomia direita é
genética nas mulheres. indicada para os tumores com mais de 2 cm de diâme-
tro. O tratamento de carcinoides entre 1 e 2 cm é contro-
verso, e a decisão deve ser baseada na localização. A gran-
Sinais e sintomas
de maioria dos tumores com esse tamanho necessita
A maioria dos casos é assintomática e são acha- somente de apendicectomia. Entretanto, na presença
dos incidentais durante apendicectomias ou outras de invasão do mesoapêndice e de tumores localizados
operações abdominais. Raramente causam apendici- na base do apêndice (fatores de risco para metásta-
te aguda devido à sua localização mais frequente na se), está indicada a colectomia direita. A sobrevida em
ponta do apêndice ou ao seu tamanho pequeno, insu- cinco anos é de 86%, superior à do tumor carcinoide dos
ficiente para obstruir a luz do apêndice quando locali- demais locais do trato gastrointestinal (54%).
zado na sua base.
A síndrome carcinoide (síndrome de Thorson-
-Biörck) é raramente observada nos tumores car- Mucocele e pseudomixoma
cinoides do apêndice, sendo mais bem documen-
tada com a doença de localização ileal associada a peritoneal
metástase hepática. Para a abordagem diagnóstica
laboratorial reporte-se ao capítulo “Tumores neuro- Mucocele do apêndice é o acúmulo anormal de
endócrinos” na abordagem das doenças do intestino muco na luz do apêndice, que se distende, indepen-
delgado. dentemente da causa. Pseudomixoma peritoneal é o
implante de epitélio mucinoso na superfície peri-
toneal, produzindo acúmulo de muco dentro da cavi-
Apêndice – Classificação TNM para tumores dade peritoneal (ascite gelatinosa), com consequente
neuroendócrinos de acordo com AJCC fibrose e obstrução intestinal.
Tumor (T) São sugeridos três fatores necessários para a
produção de mucocele do apêndice: obstrução crônica
Tx Tumore primário não pode ser avaliado
da luz, esterilidade de seu conteúdo e atividade secretó-
T0 Sem evidência de tumor primário
ria contínua do epitélio. As causas de obstrução podem
T1 Tumor < 2 cm em sua maior dimensão
ser as seguintes: estenose inflamatória, hiperplasia de
T1a Tumor < 1 cm em sua maior dimensão
mucosa, carcinoide, carcinoma do apêndice, carcinoma
T1b Tumor > 1 cm e < 2 cm em sua maior di-
cecal, adenoma viloso, fecalito do apêndice, septo de
mensão
mucosa, endometriose e compressão extrínseca.
T2 Tumor > 2 cm e < 4 cm em sua maior di-
mensão ou se estendendo até o ceco A mucocele pode ser classificada em três entida-
T3 Tumor > 4 cm ou se estendendo até o íleo des clinicopatológicas diferentes:
T4 Tumor invade diretamente outros órgãos 1- Mucocele ou cisto de retenção, formada pela
ou estruturas adjacentes, como a parede simples obstrução da luz do apêndice, com resultante
abdominal ou musculatura esquelética
acúmulo de muco produzido pelo epitélio do apêndice.

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48
Coloproctologia

Ao exame, é observada hiperplasia focal ou difusa da


Sinais e sintomas
mucosa, sem atipia epitelial e distensão média da luz.
Ela nunca está associada com implantes peritoneais e Mucoceles do apêndice com diâmetros de 2 cm
é considerada uma lesão benigna. ou mais são mais propensas a serem sintomáticas, com
dor no quadrante inferior direito e/ou massa palpável.
2- Cistadenoma mucinoso, que é um tumor Cerca de 25 a 50% dos casos são encontrados inciden-
benigno cístico parcial ou totalmente recoberto talmente na cirurgia. O mecanismo de produção dos
por epitélio neoplásico, semelhante ao encontrado sintomas pode ser relacionado com a pressão resultan-
no adenoma viloso do cólon. Constitui a maioria te da dilatação da luz ou a ulceração e atrofia da mucosa
dos casos de mucocele do apêndice. Exibe algum do apêndice. Ocasionalmente, os pacientes apresentam
grau de atipia epitelial e marcada distensão da luz. intussuscepção total ou parcial dentro do ceco.
A ressecção simples da lesão é curativa em todos Outros sintomas são diarreia, sangramento re-
os casos. Em um cistadenoma mucinoso rompido, tal, melena, hematoquezia, fraqueza ou distensão
o muco não apresenta células epiteliais ao exame abdominal. A torção do apêndice com mucocele pode
microscópico. causar dor abdominal aguda. A rotura da mucocele
3- O cistadenocarcinoma mucinoso é distinguido neoplásica, mas não a de retenção, na cavidade abdo-
dos tipos anteriores pela presença de invasão do estro- minal, leva a pseudomixoma peritoneal. Essa condi-
ma por glândulas e/ou células epiteliais nos implantes ção caracteriza-se por acúmulo de muco na cavidade
peritoneais. É um tumor maligno cístico parcial ou peritoneal com implantes epiteliais na sua superfície,
totalmente recoberto por epitélio semelhante ao
acompanhada de reação inflamatória crônica e teci-
do de granulação. A ascite mucinosa recorrente com
adenocarcinoma do cólon. O cistadenocarcinoma
obstrução intestinal é a maior causa de morbidade no
mostra uma ou ambas as seguintes características: (1)
pseudomixona peritoneal. Estes pacientes podem se
invasão da parede do apêndice por glândulas neoplási-
apresentar com dor abdominal, massa palpável, dis-
cas; (2) presença de células epiteliais claramente iden- tensão abdominal, diminuição do calibre das fezes e
tificáveis no material mucinoso. anemia. Do ponto de vista laboratorial, foram descri-
As mucoceles secundárias aos cistadenomas e tos nível de antígeno carcinoembriogênico elevado,
cistadenocarcinomas devem-se à produção abundante nível de leucócitos elevado e aumento da VHS.
de muco por essas neoplasias. Muitos preferem reser-
var o termo mucocele somente para as mucoceles de
retenção (doença benigna) e denominar as mucoceles
neoplásicas de cistotadenoma ou cistadenocarcinoma
Diagnóstico de mucocele
do apêndice. O diagnóstico de mucocele do apêndice é geral-
mente feito durante um procedimento cirúrgico para
O pseudomixoma peritoneal é caracterizado
doença do apêndice, e 23 a 50% são achados inciden-
por ascite mucinosa e implantes por toda a cavida-
tais da operação. O diagnóstico preciso é importante,
de peritoneal. O acúmulo de muco na cavidade pe-
pois algumas dessas lesões são malignas, e a identi-
ritoneal resulta em adesão e obstrução intestinal. ficação precoce pode reduzir a incidência de pseudo-
O pseudomixoma peritoneal foi assim denominado mixoma peritoneal. O diagnóstico pré-operatório
porque o material não é composto por verdadeira correto ou a suspeita de mucocele ajudam o cirurgião,
mucina. Existe potencial maligno somente quando permitindo a mobilização cuidadosa, particularmente
células epiteliais ocorrem dentro do material perito- de grandes lesões, o que pode reduzir a possibilidade
neal gelatinoso em associação com cistadenocarcino- de rotura e contaminação peritoneal. Se o diagnóstico
ma mucinoso. de mucocele do apêndice é suspeitado, a aspiração per-
cutânea e a drenagem são contraindicadas, pela possi-
bilidade de complicar com pseudomixoma peritoneal.

Incidência
A mucocele do apêndice é geralmente observada
Os critérios diagnósticos são os
no curso de uma apendicite. A idade média de diag-
seguintes:
nóstico é 55 anos. A relação homem/mulher é quatro
vezes mais predominante em mulheres. A mucocele 1. Uma massa de tecido bem definido, circunscri-
varia na aparência de um apêndice aparentemente to, globular ou riniforme, com mobilidade considerá-
normal até uma massa de 9 a 10 cm de diâmetro. O vel, porém firmemente aderida ao ceco.
pseudomixoma peritoneal é também mais comum 2. Descolamento medial do ceco por um tumor
na mulher, e o local de origem do tumor é particu- extrínseco ou submucosa, com integridade da mu-
larmente nos ovários e no apêndice. cosa cecal.

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49
3 Doenças do apêndice

3. Calcificação da parede ou da massa da mucocele. anecoica, algumas vezes com septações, é específica
4. Ausência de enchimento do apêndice por de pseudomixoma peritoneal na ultrassonografia. A
substância de contraste no clister opaco. tomografia computadorizada revela ascite septada e
rebordo do fígado e baço em forma de concha. A exis-
5. Imagem de anel concêntrico das pregas da tência de uma calcificação pélvica curvilínea sugere
mucosa cecal, que podem expressar graus mínimos de que a mucocele do apêndice rota pode ser a causa do
intussuscepção da mucocele no ceco. pseudomixoma peritoneal.
A ultrassonografia comumente mostra uma estru-
tura cística com parede fina e ecos no seu interior. Calcifi-
cações e septações podem ser demonstradas. Lesões po-
lipoides podem ser vistas projetadas intraluminalmente Tratamento e prognóstico
da parede, provavelmente representando proliferação de A apendicectomia simples é efetiva para muco-
epitélio hiperplásico. A falta do espessamento da pare- cele não complicada e íntegra. Durante a ressecção, a
de do apêndice maior que 6 mm pode ser utilizada para mobilização cuidadosa, particularmente de grandes
diagnóstico diferencial de apendicite aguda. lesões, pode reduzir a possibilidade de rotura e con-
Entre as técnicas disponíveis, a tomografia com- taminação da cavidade pelo conteúdo da mucocele.
putadorizada é a que mais facilmente demonstra a ana- Ressecção parcial do ceco ou hemicolectomia direta
tomia e exibe sinais típicos de mucocele do apêndice. pode ser necessária somente por motivos técnicos em
A mucocele é de relativa baixa atenuação, e uma massa situações em que há aderência ou invasão local do íleo
homogênea, bem encapsulada, com paredes regulares e ou ceco pela mucocele.
lisas, com ou sem septação ou calcificação, é observada Quando a exploração cirúrgica revela que a rup-
no quadrante inferior esquerdo. O grau de atenuação tura da mucocele ocorreu e o muco, com ou sem ele-
varia de densidade próxima à da água e de tecidos mo- mentos epiteliais, é encontrado no abdome, a apen-
les, conforme a quantidade de mucina na massa. dicectomia e remoção dos cistos mucosos devem ser
A diferenciação entre apendicite e mucocele realizadas. O tumor raramente metastatiza via lin-
é baseada no tamanho, na espessura da parede do fática ou hematogênica. Mesmo quando o tumor já
apêndice e na presença ou ausência de inflamação está perfurado e se apresenta como pseudomixoma
ou abscesso periapendicular. Algumas vezes, uma peritoneal, o paciente ainda apresenta sobrevida sig-
alça de ileoterminal contendo líquido pode ser con- nificativa. O objetivo da intervenção cirúrgica para o
fundida com mucocele de apêndice. A calcificação in- pseudomixoma peritoneal é a redução do tumor (ci-
traluminal pode ser observada na apendicite, calcifica- torredução tumoral).
ções de borda curvilíneas na mucocele e calcificações
É recomendada a realização de apendicectomia,
amorfas no carcinoma do apêndice.
omentectomia e também ooforectomia bilateral em
A colonoscopia pode evidenciar elevação locali- mulheres, isto porque a mucocele do apêndice e o cis-
zada com mucosa normal circundando o orifício apen- tadenocarcinoma do ovário são encontrados simulta-
dicular ou o sinal de “vulcão” (massa submucosa). neamente em 18% dos pacientes que se apresentam
A angiografia mostra deslocamento da artéria com pseudomixoma peritoneal.
apendicular sem neovascularização. A captação do gá- A omentectomia é realizada por dois motivos:
lio-67 pode ocorrer na mucocele do apêndice, apesar (1) o omento é em geral difusamente envolvido no
da ausência de grande número de células inflamató- processo tumoral, e essa remoção faz parte da ci-
rias nos cortes histológicos. A angiografia e a captação rurgia citorredutora; (2) esses pacientes frequen-
do gálio não são nem específicas e nem têm elevada temente requerem procedimentos citorredutores
precisão para o diagnóstico de mucocele. múltiplos, e uma omentectomia facilita os procedi-
mentos subsequentes.
A instilação intraperitoneal de 5-fluorouracil tem
Diagnóstico do pseudomixoma sido recomendada, porém nenhuma melhora na sobre-
vida tem sido documentada. A tomografia computado-
peritoneal rizada é um excelente método de seguimento para ava-
A radiografia simples ocasionalmente mostra liar a resposta à quimioterapia ou detectar recorrência.
separação de alças intestinais com ou sem calcifica- A dosagem do nível do antígeno carcinoembriogênico
ção na parede da mucocele. Compressão e encarcera- é útil em algumas situações para a detecção precoce de
mento do intestino delgado e estenose do cólon sig- recorrência. O óbito geralmente ocorre quando o im-
moide são demonstrados pelo exame contrastado do plante mucinoso atinge grandes dimensões e envolve
intestino delgado e enema opaco, respectivamente. O o intestino, causando obstrução intestinal. As taxas de
efeito de massa extrínseca no ceco é frequentemente sobrevida em cinco a dez anos do pseudomixoma peri-
demonstrado no enema opaco. Massa hipoecoica ou toneal são de 75 e 60%, respectivamente.

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50
Coloproctologia

Mucoceles do apêndice frequentemente são apendicular é diagnosticado, 10 a 30% dos pacien-


acompanhadas de tumores sincrônicos do intestino tes já apresentam metástases. O grau de diferencia-
grosso, encontrados em 20% dos pacientes. Na ci- ção do tumor é o único fator que se correlaciona com a
rurgia, deve-se sempre pesquisar a presença de tumo- ressecabilidade: 73% em tumores bem diferenciados e
res coexistentes do ovário e do trato gastrointestinal, 30% nos tumores indiferenciados.
especialmente do cólon. A sobrevida em cinco anos dos pacientes subme-
tidos a apendicectomia simples foi de 20%. Entretanto,
quando a colectomia direita foi incluída, a sobrevida em
cinco anos aumentou para 63%. Com base na anato-
Adenocarcinoma mia peculiar do apêndice e na significativa melho-
A maioria dos carcinomas está localizada na ra da sobrevida relatada acima, a hemicolectomia
porção proximal do apêndice, enquanto a maioria direita é recomendada para todos os casos de ade-
dos tumores carcinoides do apêndice está localiza- nocarcinomas do apêndice. Isso se aplica também a
da na ponta. A incidência em pacientes do sexo mas- lesões limitadas à mucosa e às que mostram margem
culino é um pouco maior que nos do sexo feminino. A livre após apendicectomia simples. Se o diagnóstico
for estabelecido somente no pós-operatório, a he-
maior incidência é em torno de 60 anos de idade.
micolectomia deve ser indicada no pós-operatório.
O papel da quimioterapia sistêmica ainda não
Quadro clínico está determinado pelo número limitado de casos para
Cerca de 65% dos pacientes apresentaram apen- se realizar um estudo adequado. Entretanto, da mes-
dicite aguda por obstrução da luz do apêndice, 13% ma forma que os adenocarcinomas colônicos, os do
com uma massa, 3% com íleo paralítico e 7% foram apêndice podem se beneficiar da quimioterapia. A ra-
achados incidentalmente. Pode-se suspeitar de tu- dioterapia tem sido pouco utilizada.
mor do apêndice no pré-operatório quando o paciente Cerca de 30% dos casos de adenocarcinomas
apresenta sintomas de apendicite recorrente. Rara- do apêndice apresentam carcinomas colônicos e tu-
mente os pacientes se apresentam com fístulas, como mores malignos de muitos outros órgãos sincrôni-
por exemplo fístula apendovesical. cos e/ou metacrônicos. Uma pesquisa cuidadosa para
uma segunda neoplasia primária é de grande valor em
pacientes com adenocarcinoma do apêndice, durante
Diagnóstico a operação e no período de seguimento após a ressec-
ção. A taxa de recorrência após ressecção curativa do
O clister opaco pode evidenciar presença de tumor adenocarcinoma apendicular é de 4,3%.
comprimindo ou invadindo o ceco. A tomografia tem
uma sensibilidade de 90 a 95% para o diagnóstico do
adenocarcinoma do apêndice, e a principal característica
é a presença de dilatação cística, simples ou multilocu-
lada do apêndice, com elementos sólidos irregulares ou
Doença de Crohn do
uma massa sólida na região do apêndice. Apêndice com
diâmetro superior a 15 mm é sugestivo de neoplasia.
apêndice
Diâmetro do apêndice maior do que 6-7 mm é diag- O apêndice está envolvido em aproximadamente
nóstico de apendicite, mas nessa doença o diâmetro um quarto dos casos de doença de Crohn do ileoter-
raramente excede a 15 mm. O tipo de calcificação ajuda minal. Porém, doença de Crohn isolada do apêndice é
no diagnóstico diferencial. Calcificação intraluminal rara. As características da doença de Crohn do apên-
pode ser observada na apendicite, calcificação rini- dice são diferentes das da doença de Crohn em outras
forme na mucocele e calcificação amorfa no carcino- localizações. O comportamento da doença de Crohn
ma do apêndice. Quando o adenocarcinoma do apên- do apêndice é lento e silencioso. A taxa de recorrência
dice está perfurado e associado com uma inflamação é muito baixa, de aproximadamente 7%.
periapendicular, pode ser impossível a diferenciação do
adenocarcinoma da apendicite aguda. A colonoscopia
pode demonstrar o tumor quando este invade o ceco.
Mixoglobulose
Tratamento e prognóstico Mixoglobulose é uma variação morfológica da
mucocele do apêndice caracterizada pela presença de
O adenocarcinoma do apêndice dissemina-se por glóbulos de mucina na luz do apêndice. É de baixa in-
extensão direta e invade linfáticos e veias, como o ade- cidência, correspondendo a 0,35 a 8% das mucoceles
nocarcinoma do cólon. Quando o adenocarcinoma do apêndice.

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CAPÍTULO

4
Obstrução do intestino grosso

“Não me desencorajo, porque cada tentativa errada descartada é outro passo à frente”.
– THOMAS EDISON.

1. Sepse: a sepse constitui o grande fator


Introdução complicador das obstruções cólicas devido à alta
concentração de bactérias nas fezes (cerca de 10%
Na obstrução mecânica, a causa é física. Na obs- do peso das fezes é constituído por bactérias). A
trução funcional há uma falha na capacidade propul- contaminação da cavidade abdominal pelo conteúdo
sora do órgão, como ocorre no íleo adinâmico e na sín- cólico decorre da perfuração da parede intestinal de-
drome de Ogilvie. vido, na maior parte das vezes, à necrose isquêmica
As repercussões clínicas se fazem de duas formas: parietal com a perda de sua função de proteção. A ne-
1. Por um grave desequilíbrio hidroeletrolítico,
crose decorre do elevado grau de distensão intestinal
levando o paciente ao choque hipovolêmico. e do consequente aumento da pressão intraluminal,
e é tanto mais frequente quanto maior for o tempo
2. Por toxemia oriunda de necrose isquêmica da decorrido da obstrução. A infecção tem relação direta
parede intestinal e contaminação da cavidade perito- com o tempo de evolução da obstrução: é tanto mais
neal pelo conteúdo intestinal, terminando em um cho- grave quanto maior o tempo decorrido entre diag-
que séptico. nóstico e tratamento.
2. Obstrução em alça fechada: além do fator
Quando a obstrução intestinal se efetua nos distal que determina a obstrução, existe um mecanis-
cólons, ocorrem alterações anatomopatológicas es- mo em situação proximal que não permite o refluxo
pecíficas, dependentes da anatomia e da função, ca- do conteúdo intestinal, diminuindo dessa maneira o
racterísticas do intestino grosso, e que elevam signi- segmento de cólon obstruído com um aumento rápido
ficativamente a morbimortalidade. Estas alterações se e progressivo da pressão intraluminal, com os riscos
caracterizam por: de perfuração ou necrose isquêmica precoces, e que
52
Coloproctologia

pode determinar a sepse em um curto período de tem-


po. Esse mecanismo é representado pela existência da Incidência e Etiologia
válvula ileocecal, que, quando competente, transfor-
O carcinoma do intestino grosso é a prin-
ma toda obstrução cólica em uma síndrome obstrutiva
cipal causa de obstrução, sendo responsável por
dita em alça fechada.
60% dos casos. Os tumores do cólon esquerdo ten-
3. Desequilíbrio hidroeletrolítico: esta é dem a apresentar esta complicação em maior frequên-
uma alteração observada essencialmente nas cia que os tumores do cólon direito (este tem diâmetro
obstruções em que a válvula ileocecal é incon- maior, fezes liquefeitas e com lesões polipoides mais
tinente e permite um grande sequestro de lí- do que o padrão de crescimento anular).
quido, distribuído entre o colo e o delgado. No nosso meio o megacólon chagásico represen-
Entretanto, por sua função preferencial de arma- ta a segunda causa (fecoloma e volvo de sigmoride são
zenamento, com absorção e secreção inferiores às os fatores determinantes).
observadas em outros segmentos do aparelho di-
gestivo, o volume de líquido sequestrado em uma Miscelânea (10%)
obstrução cólica tem pouca representatividade para
a manutenção da homeostase. É importante res-
saltar que dois terços das síndromes obstrutivas Doença
cólicas apresentam uma válvula ileocecal com- diverticular (10%)
Neoplasias
petente, e que o rápido aumento da distensão e (60%)
da pressão intraluminal é muito mais a consequ-
ência da retenção de gases e de fezes, sem gran-
de volume líquido sequestrado. Esse fato traduz Vólvulo (20%)
a pouca expressividade da presença de um quadro
clínico com grave distúrbio hidroeletrolítico na Figura 4.2
grande maioria dos pacientes com obstrução cólica
em contraste com a alta percentagem de distúrbios
De modo geral, as síndromes obstrutivas cólicas
hemodinâmicos de origem séptica. É por essas ra-
são enquadradas em três tipos fundamentais:
zões que, de um modo geral e muito particular, as
obstruções de intestino grosso apresentam em sua 1. Obstrução fundamental
fase inicial um quadro clínico pouco expressivo do 2. Obstrução mecânica
ponto de vista da homeostase; esse fato é uma das 3. Obstrução vascular
causas do retardo no diagnóstico da obstrução. As
manifestações hemodinâmicas observadas são
oriundas da sepse e ocorrem em uma fase mais Na obstrução funcional há duas formas distintas
avançada da síndrome obstrutiva, por isso mes- entre si:
mo elevando a possibilidade de infecção, intra
1. íleo espástico: quando existe uma hipercon-
e/ou pós-operatória, com aumento do índice de
tratilidade da fibra muscular lisa e na qual o intestino
morbimortalidade.
se apresenta espástico, com a luz desaparecendo pela
intensidade da contração muscular. Essa forma é
menos frequente e pode ser observada em pacientes
portadores de disritmia temporal esquerda (síndro-
me de Moore).
2. Íleo paralítico: uma verdadeira aperistalse, em
que a paralisia é decorrente de uma excitação das fi-
bras inibitórias parassimpática ou do efeito farmaco-
dinâmico inibitório de determinadas substâncias.

Patogenia
Figura 4.1 Obstrução do intestino grosso. A: papila As obstruções colonicas se apresentam no pon-
ileocecal incontinente. B: papila ileocecal continente to de vista patogênico sob duas formas: obstrução em
(obstrução em alça fechada). alça fechada e obstrução em alça simples.

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53
4 Obstrução do intestino grosso

o refluxo do conteúdo intestinal para o intestino del-


Obstrução em alça fechada gado, o que resulta em uma grande sequestração de lí-
Obstrução em alça fechada é definida como quido em importantes distúrbios hidroeletroliticos. A
um segmento intestinal obstruído entre dois evolução clínica inicial é pouco expressiva do ponto de
pontos de oclusão. vista da homeostase, retardando assim o diagnóstico.
O exemplo clássico é o tumor obstrutivo de re-
tossigmoide (um ponto de obstrução) com a válvula
ileocecal continente (outro ponto de obstrução).
Válvula ileocecal continente significa que ela per- Quadro clínico
mite a passagem do conteúdo ileal para o cólon e não
Nas obstruções mais distais (íleo distal ou cólon),
permite a refluxo deste conteúdo para o íleo, mesmo
a dor em cólica ocorre em intervalos maiores, o vômito é
com a pressão intraluminar colônica alta.
mais tardio e a distensão é mais marcada. Precocemente
Dessa forma, o conteúdo do delgado passa con- há parada de eliminação de gases e fezes nas obstruções
tinuamente para o cólon e não reflui, o que aumenta distais completas. O tempo entre o início dos sintomas
progressivamente a pressão dentro dos segmentos co- e o atendimento deve ser considerado na avaliação: as
lônicos, podendo levar o seu sofrimento, isquemia e cólicas tendem a ceder por fadiga do intestino, o vômito
perfuração, o que ocorre mais frequentemente no ceco. tende a se tornar fecaloide, a distensão fica mais proemi-
Na oclusão aguda dos cólons, a distensão se ins- nente e as eliminações intestinais param completamen-
tala mais lentamente e os vômitos são mais tardios te. Nas obstruções de cólon, sendo a válvula ileo-
quando comparados à obstrução do intestino delgado, cecal competente, a distensão é causada somente
gerando um acúmulo maior de líquidos, gases e fezes, pelo segmento de cólon entre a obstrução e o pi-
que aumentam a pressão intra-luminal de forma rápi- loro ileocecal, portanto não muito proeminente
da. O ceco é o local mais frequente de perfuração no início quadro. As manifestações clínicas são todas
menos intensas nas obstruções parciais. Tipicamente, a
(rotura) nos pacientes com obstrução colônica
suboclusão intestinal está associada a alguma aliminação
em alça fechada por diversos fatores: (1) é vas-
intestinal e quadro clínico mais arrastado.
cularização por ramo terminal da artéria mesentérica
superior-artéria ileoceco-apendicular; (2) a pressão de As manifestações clínicas sistêmicas da obstru-
ruptura cecal está entre 70 e 80 mmHg, consideravel- ção intestinal estão relacionadas com a desidratação
mente menor que a do delgado (120 a 230 mmHg); (3) e, eventualmente, com a doença que a causou. O acú-
a parede do ceco é menos espessa que a do restante do mulo de líquidos ingeridos e secreções digestivas nas
cólon; e (4) seu diâmetro é consideravelmente maior porções distais do intestino provoca hiperatividade
e consequentemente sofre um aumento superior da motora reativa e edema da mucosa, com consequen-
tensão, conforme a lei de Laplace (tensão = pressão x te diminuição da absorção. Com a continuidade do
processo, a perda pelo vômito leva à desidratação com
diâmetro x π). Se a obstrução não for aliviada, prova-
hipocloremia, hipopotassemia e alcalose metabólica.
velmente a rotura vai ocorrer na região do ceco. Dis-
Não havendo reposição volêmica, o quadro evolui para
tensões cecais superiores a 10 cm representam perigo
colapso circulatório e insuficiência renal. A distensão
eminente de ruptura.
abdominal pode também levar à síndrome comparti-
Nesse tipo de obstrução, as variações de pressão mental abdominal, contribuindo para o agravamento
no lúmen do intestino são rápidas com grande chance do quadro com restrição respiratória, diminuição do
de ocorrer isquemia parietal e necrose, determinando fluxo sanguíneo renal e mesentérico.
a sepse em um curto período. A infecção tem relação A lesão que causa a obstrução pode também con-
direta com o tempo de evolução da obstrução: é tan- tribuir para a apresentação clínica. Tumores malignos
to mais grave quanto maior o tempo decorrido entre tendem a causar anemia e desnutrição, o que também
o diagnóstico e o tratamento. Em cerca de um quarto pode ocorrer nas doenças inflamatórias intestinais.
dos pacientes com obstrução colônica, a válvula ileoce- O comprometimento circulatório do intesti-
cal é incontinente. no, que pode ser crítico em caso de hérnia estran-
A obstrução em alça fechada é, portanto, gulada, volvo e oclusão vascular, tende a agravar os
uma emergência cirúrgica. sintomas e estar associado a leucocitose intensa e
desvio à esquerda.
A incapacidade de eliminar fezes ou gases surge
de imediato. Vale ressaltar que alguns pacientes apre-
Obstrução em alça simples sentam uma pseudodiarreia (reflexo de Harrington)
Ocorre quando a válvula ileocecal é incontinente, e tenesmo persistente. A presença de sangue ou muco
(a obstrução ocorre apenas no sentido aboral do esva- nesse material é sinal de obstrução produzida por um
ziamento intestinal). A válvula incontinente permite tumor de localização baixa.

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54
Coloproctologia

A mudança de características da dor revela o


aparecimento de complicações: perfuração, necrose Exames complementares
e peritonite. A dor tipo contínua, surda, generalizada,
substitui a dor espasmódica (cólicas). Os exames laboratoriais são importantes para a
Os vômitos iniciais são reflexos e aquosos. Ce- análise do estado geral do paciente. A dosagem eletro-
dem após algumas horas do seu aparecimento. O reapa- lítica (sódio, potássio, cloro) permite avaliar o distúr-
recimento dos vômitos são consequência ou de irritação bio hidroeletrolítico. A função renal deve ser monito-
peritoneal ou de estase prolongada. No primeiro caso, rada regularmente, assim como o estudo gasométrico.
denotam a existência de peritonite e necrose isquêmica. A contagem leucocitária é útil para diferen-
No segundo, de uma obstrução em alça simples ciar alguns tipos de complicações: 1) leucocitose
de longa duração com acúmulo de secreção entérica acima de 15.000/mm³, com desvio à esquerda suge-
sequestrada e regurgitamento para o estômago. Nes- re sofrimento de alça; 2) valores superiores a 40.000/
ses casos, o vômito é de coloração escura, espesso e mm³ são indicativos de oclusão do tipo vascular. Nas
malcheiroso: é o vômito fecaloide. obstruções por câncer, as taxas de hemoglobina, he-
A percussão e a palpação permitem diagnosticar matócrito e proteínas estão reduzidas pela própria
a presença de reação peritoneal, localizada ou difusa: evolução da enfermidade. Obstruções de 3 a 4 dias de
a percussão dolorosa ou a dor que se segue a uma des- evolução irão apresentar as taxas de hematócrito bai-
compressão brusca são indicativos de irritação perito-
xas, por perda proteica abrupta.
neal (sinal de Blumberg).
Nas oclusões em alça fechada, a percussão irá A radiografia simples do abdome, sem contras-
revelar a presença de distensões localizadas ou a pre- te, deverá ser realizada com o paciente em decúbito
sença de um som timpânico, metálico, característico dorsal e lateral esquerdo ou direito, em ortostática, e
(sinal de Kiwul). A palpação de um tumor duro, mó- complementada pelo exame do tórax e das cúpulas frê-
vel, na cavidade possibilita suspeitar de invaginação nicas. Permite individualizar as alças distendidas, as
ileocecal. A compressão de uma massa endurecida e características haustrações cólicas, o conteúdo gasoso
a retirada lenta dos dedos podem revelar uma sensa- ou sólido e a sua localização no abdome. A presença
ção de despegamento (separação) pela penetração de de níveis hidroaéreos distribuídos no mesogástrio
ar entre o tumor e a parede intestinal e servem para revela a existência de uma obstrução com válvula
diagnosticar um fecaloma (sinal de Gersuny). ileocecal incontinente, com refluxo coloileal.
O toque retal pode revelar o tumor obstruindo Nas obstruções em alça fechada, por válvula ile-
o reto, sangue nas luvas ou o fecaloma retal. Ainda ocecal competente, todo o cólon a montante aparece
irá permitir avaliar o fundo-de-saco de Douglas e a distendido por gás, suas paredes perfeitamente iden-
possibilidade de compressões extrínsecas. A ausculta tificáveis, podendo-se medir o diâmetro de distensão
permite estabelecer o diagnóstico diferencial entre
do ceco. Distensões cecais superiores a 10 cm repre-
obstrução mecânica e íleo adinâmico: enquanto na
sentam perigo iminente de ruptura, pelo compro-
primeira existe uma exacerbação dos movimentos in-
metimento da viabilidade muscular e vascular.
testinais, na segunda o abdome é silencioso.
A ausculta de batimentos cardíacos no epigástrio A radiografia ortostática é importante na deter-
é característica de uma obstrução cólica em alça fecha- minação do ponto de obstrução: permite identificar a
da, com distensão do transverso (sinal de Bailey). partir da topografia do abdome o local presumível da
obstrução (principalmente se no hemicólon esquerdo
ou direito).
Diagnóstico diferencial entre abdome agudo No vólvulo de sigmoide, a radiografia simples
obstrutivo simples (sem sofrimento vascular) visualiza uma imagem gasosa, em duplo cano, des-
e complicado (com sofrimento vascular)
locando a bolha gástrica e o diafragma, o edema das
Simples Complicado paredes intestinais e um sinal patognomônico em Y,
Dor Cólica Contínua representado pelo acolamento das serosas peritoneais
Comprome- espessadas (alça de Von Wahl).
Estado geral Bom
tido
O clister opaco pode ser realizado para localizar
Febre Ausente Presente
o nível de obstrução. Nesses casos deverá ser realiza-
Ruídos do com uma coluna baritada introduzida lentamente
Aumentados Abolidos
hidroaéreos
e com pouca pressão, sem duplo contraste. A coluna
Irritação dará a parada característica ao nível da obstrução. Em
Ausente Presente
peritoneal casos de vólvulo, a introdução do contraste pelo
RX simples abdo- Pneumoperi- reto permite individualizar uma imagem peculiar,
Alça em “luta”
me tônio que se afila lentamente e de forma angulada, deno-
Tabela 4.1 minada em “bico de pássaro”.

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55
4 Obstrução do intestino grosso

Os pacientes somente deverão ser levados à


Ultrassonogra昀椀a cirurgia após o reinício da diurese.
A ultrassonografia pode identificar alças dila- Nas obstruções em alça fechada, o tempo de
tadas e o conteúdo líquido em seu interior. Existem preparo pré-operatório deve ser reduzido, pois há
dificuldades quanto a interpretar e a distinguir entre o risco, sempre iminente, de perfuração e necrose
as distensões oriundas de alças cólicas e as de intes- da parede cólica.
tino delgado.
Cuidados médicos primários que devem ser
Nos casos de tumores infiltrativos, a ecografia tomados:
permite a mensuração do tumor e a avaliação do grau
1. sondagem vesical, para avaliação da diurese;
de espessamento das paredes cólicas. Existe a possi-
bilidade de identificação de líquido intra-abdominal, 2. cateterização de veia periférica para a reposi-
de seu volume e aspecto, servindo como orientação no ção hidroeletrolítica e ácido-básica e para a coleta dos
diagnóstico de peritonites generalizadas. exames laboratoriais;
O Doppler pode ser utilizado na observação da via- 3. profilaxia antibiótica. Um esquema efetivo é
bilidade das paredes cólicas, em especial nas embolias a combinação de metronidazol e cefalosporina de se-
das grandes artérias mesentéricas, inferior ou superior. gunda geração. O uso do antibiótico, se profilática ou
terapeuticamente, dependerá da gravidade do caso e
da existência ou não de sepse;
4. sondagem nasogástrica, com a finalidade de
Tomogra昀椀a computadorizada aliviar a distensão da alça a montante, de medir o vo-
A tomografia computadorizada pode trazer con- lume líquido aspirado e de impedir o vômito e a aspi-
tribuição importante, particularmente quando exe- ração brônquica do líquido de estase;
cutada com administração de contraste hidrossolúvel 5. os pacientes com quadro toxêmico ou grave
por via retal e associada a contraste venoso. distúrbio da homeostase devem ser monitorizados:
pressão venosa central, monitorização cardíaca e as-
sistência ventilatória e circulatória.

Endoscopia
A retossigmoidoscopia pode diagnosticar tumo-
res baixos ou a presença de vólvulo de sigmoide: ima- Tratamento especí昀椀co
gem de mucosa em espiral, confluindo para uma zona
de estenose. Permitirá, ainda, avaliar as condições de Obstrução por câncer de cólon
viabilidade da mucosa colônica. A colonoscopia na esquerdo com válvula ileocecal
obstrução não tem sido de muita valia. Nos casos de competente
vólvulos de ceco ou de sigmoide alto, poderá permitir,
todavia, o diagnóstico e o tratamento descompressivo, Nesta situação, a reposição volêmica não preci-
simultaneamente. sa ser efetuada de maneira rápida, visto que o volume
líquido sequestrado não é o primordial problema do
paciente. Duas condutas distintas devem ser adotas:
1. O ceco está distendido, porém sem sinais de
Tratamento perfuração. A cirurgia preconizada é a colectomia
total com ileorretoanastomose terminoterminal.
Os resultados a longo prazo têm demonstrado que a
sobrevida pós-operatória e o espaço livre de câncer
Medidas de suporte são melhores na ressecção primária. Como a válvula
está continente, o íleo não está distendido e a po-
Conduta cirúrgica alguma deverá ser tomada
pulação bacteriana é mínima. Da mesma forma, o
em face de uma obstrução com desequilíbrio hidro-
eletrolítico sem que medidas preventivas e curati- sigmoide ou reto distal se encontram limpos, pelo
vas tenham sido tomadas com a finalidade precípua esvaziamento da alça a jusante. Na cirurgia, deve-
de reidratação. É de primordial importância avaliar o -se proceder ao clampeamento do segmento distal
grau e o tipo de desequilíbrio e o estado ácido-básico. do cólon e à sua limpeza com povidina antes de se
Nas obstruções em alça simples com evolução supe- realizar a anastomose.
rior a 3 ou 4 dias, a hipovolemia e a acidose metabóli- 2. Existe perfuração cecal e o paciente apresenta
ca deverão ser corrigidas. Os exames laboratoriais irão peritonite de tipo estercoral. O tratamento consta dos
ditar as necessidades específicas para cada paciente. seguintes objetivos principais:

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56
Coloproctologia

€ combater a sepse; 3. Cirurgia em três tempos: colectomia trans-


€ desobstruir o paciente; versa derivativa, ressecção do cólon e fechamento
da colostomia. Este procedimento é o que apresen-
€ corrigir o distúrbio da homeostase (hidroeletro-
ta maiores índices de complicações, tanto a curto
lítico e acidobásico);
quanto a longo prazo. É comum realizar-se a colec-
€ prevenir as complicações infecciosas. tomia, no segundo tempo cirúrgico, três semanas
após a colostomia derivativa e encontrar-se a cavi-
Quanto menor for a agressão cirúrgica e quan- dade com implantes metastáticos peritoneais. Exis-
to melhor se puder lavar e drenar a cavidade, maior a te um elevado índice de complicações observadas
chance de sobrevida. A descompressão pode ser conse- quando do fechamento da colostomia, 3 a 4 meses
guida através de cecostomia, realizada no próprio lo- após a primeira cirurgia.
cal da ruptura, exteriorizando-se o cólon direito. É im-
perativa a coleta de material para cultivo bacteriano,
incluindo a pesquisa de anaeróbios. A cavidade deve
ser lavada, e há indicação primária para laparostomia. Prognóstico
A cavidade deve ser revista a cada 24/48 horas, sob O prognóstico está na dependência direta de
anestesia geral. uma série de fatores:
€ tempo de evolução da obstrução;
€ enfermidade causal da obstrução;
Obstrução por câncer do cólon € idade do paciente;
com válvula ileocecal incontinente € presença de necrose intestinal;
O primeiro aspecto a ser cuidado é a reposição € presença de sepse;
adequada da volemia. Do ponto de vista cirúrgico, € grau de alterações da homeostase (desequilíbrio
existem várias possibilidades terapêuticas: hidroeletrolítico, ácidobásico e metabólico);
1. Cirurgia em um tempo: colectomia segmen- € presença de enfermidades metabólicas conco-
tar com anastomose colorretal primária. Nesse caso, o mitantes.
cirurgião poderá optar por uma das duas alternativas:
(a) pela limpeza dos cólons durante a cirurgia; (b) por A seguir abordaremos outras causas específicas
realizar a anastomose pela técnica de Biaggio Ravo de obstrução intestinal de interesse prático.
– proteção da linha de anastomose com dreno intra-
luminal. A lavagem dos cólons intraoperatoriamente
requer o manuseio de um cólon contaminado com o
abdome aberto; alguns cirurgiões propõem a introdu- Vólvulo
ção de uma sonda no coto do apêndice vermiforme (a
apendicectomia é realizada) ou no fleo terminal, que Denomina-se vólvulo uma rotação axial que en-
irá servir para a introdução do líquido de limpeza, e volve uma víscera e seu pedículo vascular. Na literatu-
conectar o cólon transverso em um aspirador de gran- ra encontram-se relatos de acometimento da maioria
de capacidade de sucção, com a finalidade de aspirar dos órgãos abdominais, incluindo o estômago, jejuno,
a matéria fecal mais consistente. A técnica de anas- íleo e cólon.
tomose idealizada por Ravo tem o inconveniente do O vólvulo é responsável por 1 a 4% dos casos
preço do dreno a ser utilizado. de abdome agudo obstrutivo em geral, e por 3 a 10%
2. Cirurgia em dois tempos: ressecção pri- daqueles que acometem o intestino grosso. Existe
mária da zona obstruída: colectomia segmentar, uma predominância pela localização sigmoidiana,
com fechamento da ampola retal acima da reflexão seguida das regiões do ceco e transverso. Acomete
peritoneal e colostomia terminal (do cólon proxi- geralmente pessoas de uma faixa etária mais eleva-
mal). Após 4 a 6 semanas, fechamento da colosto- da, com grande incidência em pacientes de clínicas
geriátricas, neurológicas e psiquiátricas, que não
mia com anastomose colorretal. Essa cirurgia tem
evacuam regularmente.
a preferência da grande maioria dos autores, por
resolver ao mesmo tempo a obstrução e a sua causa. O vólvulo pode apresentar-se de duas manei-
Os resultados oncológicos observados a longo pra- ras distintas, sendo mais comum a forma aguda, que
zo são melhores que os obtidos nas ressecções em determina alterações graves no paciente em poucas
três tempos. Atualmente a segunda fase da cirurgia horas ou dias. A forma crônica é mais insidiosa, com
poderá ser realizada por via laparoscópica, com mí- estabelecimento progressivo de uma obstrução que
nimos traumas ao paciente. evolui por semanas ou meses.

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57
4 Obstrução do intestino grosso

e intestinais, aderências, gestação, toxinas e doen-


Etiopatogenia ças metabólicas. Ocorre mais comumente em ido-
Dificilmente esta condição acomete órgãos nor- sos, acamados e em pacientes psiquiátricos quando
mais. É necessária uma anomalia prévia, congênita ou hospitalizados por longo tempo, possivelmente em
adquirida, sobressaindo a presença de mesos excessi- razão do uso de medicamentos que possuem como
vamente longos, bridas e pontos de fixação que facili- efeito colateral a constipação.
tam a torção do órgão.
Durante a gestação, o vólvulo ocorre em
Concorre ainda para o seu estabelecimento a pre- 1/1.500 a 1/66.431 gestações, fazendo com que
sença de obstáculo, acarretando retenção de resíduos 44% das obstruções intestinais mecânicas das ges-
e secreções no interior da víscera, que favorece sua ro- tantes estejam relacionadas a vólvulo de sigmoide.
tação. Em nosso meio, é frequente o vólvulo do có- A gestação é um fator predisponente porque o cres-
lon sigmoide consequente ao megacólon chagásico. cimento uterino eleva o sigmoide para fora da pelve,
Veja capítulo sobre Megacólon. possibilitando sua rotação em seu ponto de fixação
O vólvulo cecal requer uma hipofixação do ceco, pélvico. Vólvulo de sigmoide após realização de
atingindo também o íleo terminal e o cólon ascendente. manobras durante colonoscopia é um aconteci-
Outras causas menos comuns incluem bolo de mento muito raro.
áscaris, cisto mesentérico, divertículo de Meckel, tu-
mores, dieta rica em resíduos, gravidez e puerpério.
Causas iatrogênicas relacionadas com o uso de laxan-
tes e com a liberação (deslocamento) excessiva dos
mesos e alças fixas durante cirurgias, além de bridas
Diagnóstico
pós-operatórias, são também importantes. Dor e distensão abdominais com interrupção
da eliminação de fezes e flatos são os achados mais
A torção do estômago pode ser devida a alte-
predominantes. A distensão abdominal é por vezes
rações de sua localização, por hérnia hiatal para-
acentuada, podendo ser maior do que a observada
esofagiana, hérnias diafragmáticas congênitas ou
em obstrução de intestino delgado ou obstrução
adquiridas, eventração do diafragma consequente
à pneumectomia esquerda ou lesões do nervo frê- colônica tumoral. Ao exame físico, encontra-se ab-
nico, distensão gástrica, ausência congênita ou dome distendido, timpânico, sobretudo em abdome
pós-cirúrgica de órgãos abdominais (lobo hepático superior. O cólon distendido pode ser palpado ou
esquerdo, baço). mesmo sua assimetria abdominal notada na inspe-
ção. Alguns pacientes já se apresentam febris, to-
xemiados, taquicárdicos, hipotensos, com dor abdo-
minal importante à palpação, levando à suspeita de
Fisiopatologia gangrena e peritonite.

A causa do vólvulo é multifatorial, porém duas A radiografia simples mostra alça intestinal
condições são indispensáveis para seu surgimento: dilatada com aspecto típico de “U” invertido emer-
segmento redundante do cólon e mesocólon longo, gindo vertical ou obliquamente da pelve e se es-
porém estreito no seu ponto de fixação parietal, fa- tendendo ao abdome superior, às vezes atingindo
zendo com que as duas extremidades da alça possam o diafragma. É comum a ausência de gás no reto.
se aproximar entre si, ocorrendo, assim, a rotação. A Em casos em que o diagnóstico é duvidoso, a to-
torção, que pode ser horária ou anti-horária, resulta mografia computadorizada pode mostrar isquemia
em obstrução e distensão do cólon com gás e líquido. consequente à estrangulação e também esclarecer a
Se a válvula ileocecal for competente, uma dupla obs- causa e o sítio da obstrução em se tratando de ou-
trução em alça fechada ocorre com risco de perfuração tras patologias. A presença de um nível hidroaéreo
da fina parede cecal. pode ser observado na alça de cólon dilatada, e qua-
Suspeita-se que o vólvulo de sigmoide deva es- se sempre não há ar no reto.
tar relacionado a condições adquiridas, já que rara- Em exame endoscópico, a junção retossigmoide-
mente ocorre em jovens; apresenta maior incidência ana encontra-se estenosada, com mucosa torcida for-
em certas regiões do mundo, em populações predis- mando pregas em espiral, devendo ser ultrapassada
postas ao megacólon chagásico e em certas partes com o mínimo de insuflação. O sigmoide apresenta-
da índia e da África em que predomina alta inges- -se muito distendido, por grande quantidade de gás e
tão de fibras na dieta, levando à redundância do fezes líquidas, dificultando sua iluminação. A mucosa
cólon. Outros fatores etiológicos são: constipação pode estar normal ou evidenciar sinais de isquemia
intestinal crônica, doenças neurológicas sistêmicas com congestão e coloração violácea.

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58
Coloproctologia

Figura 4.4 Clister opaco em um paciente com vólvulo


Figura 4.3 Clister opaco de um vólvulo de sigmoide. cecal. O contraste se interrompe abruptamente na extre-
O agente de contraste e o ar enchem o reto e o cólon midade proximal da flexura hepática (ponta de seta). O
sigmoide distal. O agente de contraste para abrupta- ceco dilatado, cheio de ar, cruza a linha média do abdo-
mente no ponto de torção. me na direção do quadrante superior esquerdo (setas).

Figura 4.5 Sequência fisiopatológica do volvo de sigmoide.

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59
4 Obstrução do intestino grosso

cólon, o que torna a abordagem colonoscópica con-


traindicada, impondo-se, nessas situações, o trata-
mento cirúrgico imediato.
Em razão das altas taxas de recorrência após trata-
mento descompressivo não cirúrgico, que variam de 40
a 70%, recomenda-se que o tratamento endoscópico seja
uma medida temporária, permitindo que a cirurgia venha
a ser realizada eletivamente e reduzindo assim, acentua-
damente, o risco cirúrgico. Idade avançada, comorbidades
cardiovasculares, respiratórias e renais elevam muito o ris-
co cirúrgico, podendo, nesses casos, se optar por condução
clínica e expectar uma provável recidiva futura a ser mais
uma vez tratada endoscopicamente.
A existência de lesões irreversíveis implica
três diferentes táticas cirúrgicas:
a) Cirurgia de Paul-Mikulicz: consiste na ex-
teriorização do segmento em sofrimento e posterior
ressecção. Em alguns casos, esta manobra torna-se
Figura 4.6 Sequência fisiopatológica do volvo do ceco. inexequível pela impossibilidade de se exteriorizar o
segmento distal, geralmente fixo.
b) Cirurgia de Hartman: resseca-se o segmento
comprometido com exteriorização da boca proximal e
fechamento da distal. É a cirurgia de eleição nestes casos.
Tratamento c) Ressecção e anastomose primária: quando
O vólvulo de sigmoide é uma emergência que re- as condições do paciente permitem, procede-se à res-
quer diagnóstico rápido e tratamento adequado ime- secção e anastomose primária, podendo realizar-se re-
diato. Quando a intervenção é retardada, a obstrução paro peroperatório do cólon.
em alça fechada com estrangulamento pode resultar
A descompressão por colostomia proximal como
em gangrena e perfuração do cólon, elevando muito a
método isolado nunca deve ser realizada, pois implica
mortalidade. Descompressão colonoscópica com re-
em alta mortalidade.
dução é o tratamento de escolha quando o cólon está
viável, ou seja, sem sintomas ou sinais de isquemia
ou perfuração, resolvendo o problema de maneira
rápida e impressionante em 70 a 90% dos pacientes.
O tratamento endoscópico consta da ultrapassagem da
Prognóstico
obstrução que está na junção retossigmoideana, en- Depende da precocidade do diagnóstico e da as-
trando-se com o colonoscópio no interior da alça fecha- sociação com outras afecções. O tratamento clínico é
da. Aspiram-se os gases aprisionados e as fezes líquidas praticamente desprovido de complicações, porém o
se forem fluidas o suficiente. Avança-se o colonoscópio índice de recidiva é bastante alto, sendo a morbidade
até o ângulo esplênico para realização de manobra de maior nesta segunda eventualidade. A complementa-
retificação de todo o cólon esquerdo, desfazendo-se, ção do tratamento pode também apresentar complica-
com isso, a rotação do sigmoide. ções que, no entanto, são menores que aquelas encon-
A manutenção de sonda retal calibrosa após a tradas nas cirurgias de urgência.
descompressão é recomendável. O colonoscópio não A taxa de mortalidade após uma situação de
deve progredir além do sigmoide se houver evidên- emergência em pacientes com vólvulo cecal é de 12%;
cias de comprometimento vascular evidenciado por se o intestino estiver gangrenoso, 35% dos pacientes
mucosa com sinais de sofrimento, como friabilidade, morrem após a ressecção. A recorrência após cecope-
coloração purpúrea ou cianótica. Nessa situação, ne- xia ou ressecção é muito incomum.
nhuma tentativa de redução do sigmoide é efetuada, O vólvulo sigmoide é fatal em cerca de 50% dos
limitando-se o endoscopista a se posicionar em sig- pacientes com perfuração; as taxas de mortalidade
moide distal e aspirar todo o gás possível para em se- são bem menores com gangrena isolada, e apenas 5%
guida o paciente ser levado à cirurgia de urgência. dos pacientes morrem após a cirurgia, se o intestino
Quando o paciente já se apresenta com febre, ta- for viável. A ressecção eletiva após descompressão
quicardia, dor à descompressão ou defesa da parede endoscópica tem uma taxa de mortalidade baixa, e o
abdominal, leucocitose, sugere-se a desvitalização do vólvulo recorrente é raro.

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CAPÍTULO

5
Pseudo-obstrução aguda do cólon
(Síndrome de Ogilvie)

“Suba alto; suba longe. Seu objetivo é o céu; seu alvo, as estrelas”.
– Inscrição no Williams College.

A consequência mais grave dessa obstrução colô-


Introdução nica funcional é a perfuração do ceco, cuja incidência
não é precisamente conhecida, mas que pode chegar
Em 1948, William Heneage Ogilvie, um cirurgião
a 15% dos casos, de acordo com dados da literatura.
chileno radicado na Inglaterra, descreveu dois casos de
obstrução intestinal recorrente, onde nenhuma causa me-
cânica pode ser identificada nos estudos radiológicos e à
laparotomia exploradora. Em ambos os casos, foi encon-
trada invasão neoplásica do plexo simpático subdiafrag- Patogenia
mático. Acreditava Ogilvie que os sintomas obstrutivos
exibidos pelos seus pacientes eram devidos à desnervação A fisiopatologia dessa entidade permanece obs-
simpática do intestino produzida pelo tumor. cura. É multifatorial, tendo no desequilíbrio do siste-
ma nervoso autônomo fator primordial, caracterizado
Desde então, vários casos semelhantes têm sido
pela diminuição do efeito parassimpático, acompa-
descritos e diferentes termos foram empregados para
nhado de excesso da função simpática, secundário a
designar essa entidade clínica: “íleo colônico”, “obstru-
fatores metabólicos, farmacológicos e espinhais, isto
ção colônica idiopática”, “íleo adinâmico do cólon”, “me-
é, no nível da medula. Van Dinter descreveu um caso
gacólon agudo não tóxico” etc. O termo síndrome de
Ogilvie é empregado atualmente para os casos agudos de portador de diarreia secretora com hipopotassemia
de obstrução colônica, onde não há evidências de obs- que evoluiu com síndrome de pseudo-obstrução intes-
trução mecânica (“pseudo-obstrução aguda do cólon”). tinal colônica.
É uma síndrome pouco frequente, e em mais Uma série de condições clínicas tem sido rela-
de 90% dos casos está associada a uma doença sis- cionada à pseudo-obstrução aguda do cólon (Tabela
têmica importante e não relacionada com a obstru- 5.1) e é provável que a patogênese da síndrome seja
ção do cólon. multifatorial.
61
5 Pseudo-obstrução aguda do cólon (Síndrome de Ogilvie)

Condições clínicas relacionadas à


pseudo-obstrução aguda do cólon
Quadro clínico
Pós-operatório Essa entidade clínica é própria dos pacientes
€ Cirurgias pélvicas
hospitalizados, que geralmente têm mais de 50 anos e
€ Cirurgias abdominais
estão internados por outras causas. O alcoolismo agu-
€ Cirurgias torácicas
do ou crônico está presente em cerca de 1/3 dos casos,
€ Cirurgias cardiovasculares e 40% dos pacientes sofreram operações pélvicas. O
€ Cirurgias ortopédicas quadro clínico é indistinguível da obstrução mecânica
Pós-traumatismos do cólon. O sinal predominante é a distensão abdomi-
Infecção intra-abdominal nal progressivamente maior em um período de dois
Sepse ou três dias, mas alguns pacientes podem exibir uma
Tumores retroperitoneais grave distensão em um período menor que 24 horas.
Parto normal e cesariana Parada de eliminação de gases e fezes é geralmente ob-
Insuficiência cardíaca congestiva servada, mas uns poucos pacientes experimentam pe-
Infarto do miocárdio quenas exonerações. Cólicas abdominais são frequen-
Insuficiência vascular mesentérica tes, mas raramente há náuseas ou vômitos.
Doenças neurológicas O abdome é pouco doloroso, difusamente disten-
€ Acidente vascular cerebral dido, timpânico e habitualmente sem defesa. Os ruídos
€ Doença de Parkinson hidroaéreos estão presentes e podem ser hipo ou hipe-
Alcoolismo rativos. Pode ocorrer febre baixa, mesmo na ausência
Queimaduras de peritonite.
Uremia Quando ocorre a perfuração do ceco, os si-
Distúrbios hidroeletrolíticos nais de peritonite são evidentes. Taquicardia, de-
Idiopática sidratação, irritação peritoneal e diminuição do peris-
Tabela 5.1 taltismo são sinais clínicos típicos da peritonite fecal.
Os dados laboratoriais, geralmente inespecí-
ficos, demonstram leucocitose moderada (10 a 25
Fisiopatologia mil células/mm3), hiponatremia e/ou hipopotassemia.
Na radiografia simples do abdome, o achado
A obstrução funcional do cólon leva ao acúmulo de mais característico é a distensão do cólon, que se apre-
gases, provenientes principalmente do ar deglutido e da senta com as paredes finas, podendo apresentar níveis
produção de gás pelas bactérias intestinais. A distensão hidroaéreos ou não. Pode ocorrer, no entanto, disten-
progressiva do cólon, principalmente se a válvula ileocecal são localizada do cólon direito ou do cólon esquerdo,
for competente, aumenta a pressão intraluminal e provo- com amputação da coluna aérea no ângulo hepático
ca déficit de perfusão, inicialmente, ao nível dos capilares ou esplênico. Em 50% dos casos encontra-se pequena
e veias e, posteriormente, da circulação arterial da parede quantidade de gás no reto, resultado de uma obstru-
do cólon. Se essa isquemia for prolongada, sobrevêm a ne- ção incompleta. O pneumoperitônio só é demonstra-
crose tissular e a perfuração. Embora qualquer segmento do na metade dos casos de perfuração cecal.
possa perfurar, a ruptura ocorre preferencialmente no ceco,
pois é o segmento de maior diâmetro e, portanto, sujeito a
maior tensão, de acordo com a Lei de Laplace (veja capítu-
lo sobre obstrução intestinal). A borda antimesentérica,
onde o suprimento vascular é mais deficiente, sofre mais
Diagnóstico
com a isquemia e rompe-se com maior frequência. Como já foi descrito, o quadro clínico tem im-
Lowman et al. tentaram definir, através de men- portância relevante no diagnóstico, salientando-se a
surações radiográficas, quais pacientes teriam maior dilatação aguda e maciça do cólon, que sugere obstru-
risco de desenvolver perfuração do ceco. Em 97% dos ção mecânica. Os pacientes estão habitualmente hos-
casos o diâmetro do ceco foi menor do que 9 cm e, em- pitalizados por outras condições patológicas e, na sua
piricamente, determinou-se que esse deveria ser o limi- evolução, manifestam sinais de obstrução colônica. É
te superior normal do órgão. O risco de perfuração importante diferenciar a pseudo-obstrução do cólon de
aumenta significaticamente quando o diâmetro outras causas de megacólon, da isquemia mesentérica
cecal excede 12 cm. Alguns autores, sugerem qua a e das afecções colônicas obstrutivas, como neoplasias e
duração da distensão cecal como melhor preditor de volvo. A radiografia simples do abdome, seja em decú-
perfuração quando comparada à medida de seu diâme- bito dorsal, seja em posição ortostática, traz subsídios
tro, sendo significativa quando superior a 6 dias. para o diagnóstico e deve ser realizada precocemente. É

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62
Coloproctologia

o melhor meio de monitorizar a dilatação colônica, que O enema baritado não é exame necessário para o
é caracteristicamente maior no ceco e no cólon trans- diagnóstico e está relativamente contraindicado pelos
verso. O diâmetro do ceco pode ser determinado com riscos de perfuração do cólon. Em situações de suspei-
facilidade. ta de lesões obstrutivas do cólon, o enema opaco pode
ser realizado com injeção de contraste iodado sob bai-
xa pressão.

Tratamento
A conduta inicial deve incluir a restrição da in-
gestão via oral, hidratação parenteral, cateter nasogás-
trico em aspiração intermitente ou drenagem espon-
tânea, suspensão da administração de narcóticos ou
sedativos e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e
acidobásicos. A mobilização do paciente, quando pos-
sível, a passagem de sonda retal e as lavagens intesti-
Figura 5.1 Paciente com trauma raquimedular. Ra- nais com pequenos volumes são medidas que auxiliam
diografia de abdome evidencia dilatação colônica difu- a descompressão colônica e podem resolver os casos
sa com predomínio do cólon direito e ceco, cujo diâme- menos graves.
tro é de 14 cm.
As doenças associadas e as causas básicas devem
merecer atenção especial e tratamento específico.

Pode-se encontrar níveis hidroaéreos no cólon, e Quando essas medidas conservadoras são uti-
lizadas, a observação clínica repetida, para avaliar o
o intestino delgado habitualmente não está dilatado
volume e a sensibilidade abdominal, e as radiografias
(Figura 5.2).
seriadas do abdome, para avaliar o diâmetro cecal,
A distensão do intestino delgado não indica ne- devem ser realizadas. Frente a sinais de irritação peri-
cessariamente incompetência da válvula ileocecal com toneal e/ou ceco acima de 9 cm de diâmetro, condutas
descompressão retrógrada do cólon; pode ser devida terapêuticas mais invasivas são necessárias e não devem
ao ar ingerido ou à irritação peritoneal. Seria, portan- ser retardadas.
to, um erro assumir que esses pacientes têm menor
risco de desenvolver perfuração cecal.
Diante da suspeita de perfuração colônica, a ra-
diografia de tórax, em posição ortostática mostrando
Tratamento com drogas
as cúpulas frênicas, ou a radiografia abdominal em de- A neostigmina, um agonista colinérgico
cúbito lateral esquerdo, pode demonstrar a presença cujo efeito pró-cinético é mediado primaria-
de pneumoperitônio. mente por meio da estimulação de receptores
muscarínicos do tipo M2 existentes nas células
da musculatura lisa intestinal, é a substância de
escolha na síndrome de Ogilvie. Apesar de relatos
benéficos do seu uso nos quadros de gastroparesia e
íleo, sua principal indicação é na pseudo-obstrução co-
lônica aguda, quando então deve ser administrada na
dose de 2 mg, por via endovenosa.
A maioria dos pacientes responde favora-
velmente à neostigmina, mas parcela signifi-
cativa evolui com recorrência da distensão co-
lônica, havendo necessidade de colonoscopia
descompressiva em um segundo momento. A
neostigmina na dose de 2,5 mg por via endovenosa
por 3 minutos tem sido relacionada com um índice
de resposta favorável, entre 85 a 90%. O mais temido
Figura 5.2 Paciente no terceiro dia de pós-operatório de efeito colateral é a bradicardia responsiva ao uso de
cesariana. Radiografia do abdome em posição ortostática atropina, no entanto os paraefeitos mais comuns são
revela dilatação colônica e vários níveis hidroaéreos. náuseas, vômitos e salivação.

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63
5 Pseudo-obstrução aguda do cólon (Síndrome de Ogilvie)

O Tegaserode, agonista 5-Ht 4, com forte pro- Na inviabilidade da colonoscopia para aqueles
priedade procinética no nível do trato gastrointestinal pacientes com sinais de irritação peritoneal, a inter-
inferior, tem sido usado de maneira esporádica nas venção cirúrgica é imperativa. Da mesma maneira, a
síndromes de hipomotilidade gastrointestinal aguda. laparotomia é mandatória, se uma obstrução mecâni-
Caso o acesso oral se mostre disponível, é uma ca não pode ser definitivamente afastada.
opção bastante promissora. Nas situações de necrose do ceco e/ou cólon, a
ressecção do segmento comprometido, com ileosto-
mia terminal e fístula mucosa do cólon, é o procedi-
mento mais seguro. Nas perfurações pequenas do
Tratamento com ceco, onde a alça encontra-se com boa viabilidade,
colonoscopia uma cecostomia, utilizando a própria perfuração, é
Descompressão colônica por meio de colonosco- alternativa atraente.
pia. É sem dúvida o método mais usado. Quando há apenas dilatação colônica sem ne-
Procuramos insuflar o necessário para progre- crose cecal, a decompressão intraoperatória do cólon,
dir com segurança. Não aspiramos muito. Quando pela introdução de sonda de Fouchet por via anal, com
atingimos o cólon proximal, ângulo hepático, cos- o paciente em posição ginecológica, é o procedimento
tumamos nos deter e introduzimos o guia metálico de escolha. A sonda deve ser posicionada o mais pro-
ou preferencialmente o zebrado, até percebermos ximal possível e irrigada com frequência. Outra opção
sua saída pelo canal de instrumentação. Retiramos é a cecostomia, por contra-abertura, com sonda Foley
o colonoscópio com ajuda de auxiliar, cuidando para de três vias ou sonda de Malecot. Deve ser colocada
que o guia não volte. Terminada a operação, intro- em drenagem espontânea e lavada com solução salina
duzimos cateter nasogástrico de diâmetro acima de a cada duas horas.
24 F, utilizando-se a técnica de Seldinger (o cateter A sonda de Fouchet é retirada assim que se res-
desliza pelo guia) até sua total inserção no cólon. tabeleça o peristaltismo do cólon, com o paciente eli-
Retiramos o guia e fixamos o cateter na nádega com minando gases e fezes. Habitualmente, isso ocorre
fio de sutura, não raro sem necessidade de anestesia em dois ou três dias após a cirurgia. A cecostomia é
local, pois o paciente estará sedado, ou grave o su- mantida clampeada após a normalização da função
ficiente para não sentir tanto incômodo. Deixamos intestinal e é retirada dois a três dias após, permane-
drenagem em sifonagem. cendo em média uma semana. Nos pacientes que não
Algumas vezes o diagnóstico de síndrome de suportem anestesia geral e não havendo evidência de
Ogilvie se mostra equivocado, sendo o paciente por- perfuração, a cecostomia descompressiva pode se rea-
tador, por exemplo, de volvo atípico de sigmoide e a lizada sob anestesia local e exteriorizada por contra-
colonoscopia, nesse caso, serve como método diag- -abertura. Outras opções na confecção das cecosto-
nóstico e terapêutico. mias incluem a cecostomia transcolonoscópica, com
Quando, por algum motivo, não se consegue passagem de tubo cecoanal multiperfurado, sendo a
descompressão colônica em caso de recidiva, ou cecostomia percutânea orientada pela radiologia ou
quando o ceco permanece perigosamente distendido, tomografia computadorizada e realizada por punção
devemos optar por drenagem (cecostomia) por cirur- com passagem de cateter de Seldinger ou punção com
gia, por via endoscópica (semelhante à utilizada em trocarte. Esses métodos, idealizados recentemente,
estomias endoscópicas, cujo exemplo é a gastrosto- exigem experiência e instrumental apropriado, nem
mia endoscópica percutânea). Em caso de evolução sempre disponível.
para complicação, isquemia, perfuração etc., que se
manifestará por dor, sinais de irritação peritonial
com leucocitose e em caso de perfuração por pneu-
moperitônio, cirurgia convencional. Prognóstico
A taxa de mortalidade dos pacientes com pseu-
do-obstrução aguda do cólon varia de 25 a 31%, che-
gando a 45% nas situações em que ocorre perfuração
Tratamento cirúrgico do ceco. Frente a esses dados, conclui-se que a obser-
Todas as medidas devem caminhar no sentido vação e o tratamento conservador desses pacientes
de se prevenir a complicação maior, ou seja, a ne- não devem ser prolongados, e a colonoscopia com
crose e a perfuração do ceco, que ocorrem em 15% suas alternativas táticas ou o tratamento cirúrgico
dos casos. não devem ser retardados.

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64
Coloproctologia

Pseudo-obstrução
colônica

Descartar obstrução
mecânica

Corrigir distúrbios
hidreletrolíticos
Afastar foco infeccioso
*

Sim Não
Observação ? Sonda retal ou
Resolução?
clínica SNG

Observação Sim ?
Resolução?
clínica

Não

Descompressão
colonoscópica

Observação Sim ? Não


Resolução? Cirurgia
clínica

Figura 5.3 Fluxograma do tratamento da síndrome de Ogilvie. *Avaliar o paciente para uso de neostigmina.

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CAPÍTULO

6
Megacólon

“O homem que sofre antes de ser necessário, sofre mais que o necessário”.
– SÉNECA.

A doença de Hirschsprung (megacólon congêni-


Introdução to) foi abordada na apostila de cirurgia pediátrica. O
objetivo deste capítulo é abordar o megacólon adquiri-
Megacólon refere-se ao aumento do diâmetro do de etiologia chagásica.
dos diversos segmentos do cólon, verificado ao exame
radiológico, sem levar em consideração a etiologia. As-
sim, quando o diâmetro do ceco ultrapassa 12 cm, o
do cólon ascendente 8 cm, ou o diâmetro do cólon
descendente e do retossigmoide é superior a 7 cm, Megacólon chagásico
diagnostica-se um megacólon ou um megarreto.
Neste capítulo, estaremos considerando ligeiramen- (MCH)
te o megacólon congênito (doença de Hirschsprung),
uma vez que este será abordado no módulo de cirurgia A doença de Chagas, ou tripanossomíase ame-
pediátrica e, mais extensamente, o megacólon chagá- ricana, é uma zoonose causada por um protozoário
sico. Megacólon que acompanha a constipação crônica flagelado, denominado Trypanosoma cruzi (Carlos
ou a pseudo-obstrução intestinal, em doenças neuro- Chagas, 1909). É transmitido ao homem por um in-
lógicas (distrofia miotônica, Parkinson, neuropatia seto hematófago da família Triatominae, conhecido
diabética etc.), doenças da musculatura lisa intestinal popularmente no Brasil como barbeiro ou chupança.
(escleroderma, por exemplo), ou doenças metabólicas A doença é uma endemia exclusiva do continente ame-
(porfiria, hipotireoidismo, por exemplo), o causado ricano, estendendo-se desde o Sul dos Estados Unidos
por drogas ou, ainda, o megacólon tóxico, são causas ao Sul da Argentina. A Organização Mundial da Saúde
incomuns de megacólon. estima em 16-18 milhões as pessoas parasitadas e em
66
Coloproctologia

90 milhões aqueles que vivem em condições de adqui- menor do que o megaesôfago. É mais comum entre
rir a doença. No Brasil, estima-se uma prevalência os 30-60 anos, seja porque a doença se manifesta
em 4,2% da população rural, o que permite estimar mais tardiamente, seja porque o doente demora
em 6 a 8 milhões os chagásicos só no Brasil. para procurar o médico. Atinge ambos os sexos
na mesma proporção.
Uma vez infectado, o indivíduo poderá apresen-
tar a forma clínica aguda ou a crônica, bastante dis-
tintas entre si. A forma aguda pode ser aparente ou
inaparente e, em geral, tem duração limitada. A forma
crônica persiste indefinidamente, e, como se trata de
Patogenia
infecção sistêmica, os mais diversos órgãos podem ser A destruição das células ganglionares
atingidos. Entretanto, os mais afetados são o cora- acarreta perturbações da motricidade intes-
ção e o trato digestório, caracterizando as formas tinal, mais evidentes no segmento distal e,
cardíaca e digestiva da doença. sobretudo, no reto. A sincronia dos movimen-
O acometimento do trato gastrointestinal cons- tos peristálticos dos indivíduos não acometidos
titui a segunda manifestação mais frequente. Do pon- pela doença é substituída por incoordenação da
to de vista patológico, caracteriza-se por uma dener- atividade motora entre o cólon sigmoide e o reto,
vação autonômica intramural, que pode atingir todo interferindo no trânsito fecal. Em consequência, o
o tubo digestivo. Neste capítulo trataremos apenas do intestino grosso distal responde com hipertrofia
comprometimento do cólon. das camadas musculares, que se segue por estase e
dilatação cólica. Dessa forma, aceita-se que o mega-
cólon chagásico seja decorrente de uma discinesia
do intestino distal, que atuaria como fator de obstá-
culo à progressão do bolo fecal.

Patologia
Na grande maioria dos casos, os principais aspec-
tos histopatológicos são o espessamento e dilatação da
parede colônica, notadamente do reto e do sigmoide.
Microscopicamente, a doença caracteriza-se por uma
neuropatia inflamatória do plexo mioentérico, com
hiperplasia das células musculares lisas, infiltração do
plexo mioentérico por linfócitos e células plasmáticas,
degeneração e destruição neuronal.

Figura 6.1 Raio X de cólon (enema opaco). Grande


dilatação do reto e do cólon sigmoide, caracterizando
o megacólon. Quadro clínico
O principal sintoma do MCH é a constipação
intestinal. Geralmente instala-se lenta e progressiva-
O megacólon chagásico (MCH), no Brasil, acome- mente, obrigando os pacientes a utilizarem laxativos
te 2 a 5% dos indivíduos infectados pelo tripanosoma, cada vez mais potentes. Em 70% dos casos, o intervalo
atingindo geralmente pessoas de meia-idade. Consti- entre as evacuações é superior a dez dias. Outro sinto-
tui a forma mais grave da doença, depois da cardio- ma muito frequente é a distensão abdominal, devido à
patia, produzindo muito desconforto e levando à grande retenção de fezes e gases ocasionada pela não
morte um grande número de pacientes. propulsão e pela acalasia do esfíncter anal interno. A
disfagia é frequente e traduz comprometimento
esofágico concomitante. Tontura, palpitação e perda
transitória da consciência indicam cardiopatia chagá-
Incidência sica. As principais complicações do MCH são o fe-
O MCH pode ocorrer isoladamente ou asso- caloma, a impactação fecal, o volvo, as úlceras por
ciado ao megaesôfago, o que é mais comum. Nes- estase fecal e as perfurações.
se caso, em geral, o paciente procura o médico com O fecaloma ocorre em 59% dos pacientes.
sintomas intestinais. A incidência global de MCH Forma-se quase sempre por descuido do paciente
não é conhecida. Admite-se que seja ligeiramente em promover o esvaziamento intestinal. As fezes

SJT Residência Médica – 2016


67
6 Megacólon

acumuladas no segmento dilatado se desidratam,


aumentando cada vez mais a sua consistência. Loca-
lizam-se, quase sempre, no retossigmoide e, portan-
to, ao alcance do dedo no toque retal. O diagnóstico
de fecaloma é fácil. O paciente apresenta história de
vários dias sem evacuar, e palpa-se massa moldada,
geralmente no sigmoide. As radiografias simples de
abdome confirmam o diagnóstico. Na palpação ab-
dominal, o sinal de Gersuny é patognomônico da
presença de fecaloma. A presença de gases insinu-
ando-se entre a mão que palpa e a massa fecal pro-
duz típica crepitação que representa aquele sinal. A
característica de moldável que tem os fecalomas é um
achado comum.
A impactação fecal consiste na obstrução aguda
por fecaloma. Nesse caso, além da história de obsti- Figura 6.2 Raio X simples de abdome em volvo do sig-
pação de longa duração, o paciente refere piora súbi- moide. Observa-se a grande distensão gasosa dos cólons
ta, com distensão abdominal e dor no baixo ventre. descendente e transverso, por torção do sigmoide.
Quanto ao volvo do sigmoide, deve-se distinguir duas
situações: torção com alça viável e torção com necrose
de alça.

Diagnóstico
O diagnóstico de MCH é, em geral, simples devi-
do à sintomatologia típica e à procedência do paciente.
O exame físico poderá evidenciar diferentes
graus de distensão abdominal, geralmente assimé-
trica. O estado nutricional dependerá do compro-
metimento ou não do esôfago. Frequentemente
detecta-se também arritmia cardíaca. Quando há
grande retenção de fezes, pode-se provocar o si-
nal do cacifo comprimindo-se o sigmoide cheio de Figura 6.3 Raio X de abdome após administração de
fezes e passando-se, em seguida, a mão sobre esse contraste. Volvo de sigmoide. Observa-se distensão do
local da parede abdominal. O toque retal deve ser cólon descendente (contrastado) e gasosa no transverso.
sempre realizado.
O exame radiológico consiste na radiografia sim- A complicação mais grave é a perfuração do
ples do abdome e no enema opaco. Os raios X simples megacólon em peritônio livre, ocasionada por rup-
permitem, muitas vezes, comprovar a existência de turas de úlceras por estase fecal. O quadro clínico é de
ectasia do cólon sigmoide, distensão gasosa e, eventu- peritonite generalizada com toxemia grave.
almente, fecaloma. No primeiro caso, o quadro clínico é o de obstru-
O enema opaco é essencial para confirmação ção intestinal baixa, com dores em cólica de forte in-
do diagnóstico, para determinar o grau de dila- tensidade, além de distensão abdominal assimétrica.
tação e os segmentos que estão comprometidos. Geralmente não há sinais de peritonismo, nem grande
comprometimento do estado geral. O diagnóstico é
O exame proctológico evidencia dilatação lumi-
feito com base no quadro clínico e no estudo radioló-
nal e fezes no reto. Eventualmente, podem-se observar
gico simples do abdome, que evidenciam o sigmoide
ulcerações da mucosa. Do ponto de vista laboratorial,
muito dilatado, contrastando com o reto, que se acha
os exames mais importantes são a reação de fixação vazio. O enema opaco deve ser evitado. Está indica-
do complemento para doença de Chagas, a reação de do apenas nos casos de dúvida quanto ao diagnóstico.
Machado-Guerreiro, e o eletrocardiograma. Nesse caso, deve-se tomar muito cuidado na realiza-
A reação de Machado-Guerreiro deve ser re- ção do exame devido ao risco de perfuração intestinal.
alizada de rotina e é positiva em mais de 80% dos A retossigmoidoscopia permite confirmar o diagnósti-
casos. co e avaliar o estado da alça no ponto de torção.

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68
Coloproctologia

Devemos suspeitar de torção com necrose de alça O diagnóstico é realizado através de radiografias
se o paciente referir história de cólicas que passam a simples do abdome, que demonstram distensão do
ter caráter contínuo, com grande comprometimento sigmoide, com afilamento do local da rotação e ausên-
do estado geral e sinais evidentes de toxemia. A dis- cia de ar na ampola retal. O enema opaco só é realiza-
tensão é generalizada e há sinais de peritonismo. do em caso de dúvida, cuidadosamente, visando evitar
perfuração intestinal. A imagem clássica é compara-
da ao “ás de espadas”, ou a um “bico de pássaro”.
O tratamento inicial do volvo do sigmoide é a
Tratamento descompressão da alça pela inserção de colonoscópio,
ou de sonda passada pelo reto sigmoidoscópio, desfa-
Megacólon não complicado zendo a torção e promovendo o esvaziamento da alça.
Os casos de MCH com ritmo intestinal normal Devemos sempre preferir a utilização do colonos-
não requerem tratamento. Já os casos oligossintomá- cópio para esse procedimento, pois permite a sua
execução sob visão direta, além de detectar possí-
ticos devem ser tratados clinicamente com dieta e
laxativos, de preferência emolientes e enteroci- veis alterações isquêmicas locais. O tratamento ci-
néticos. Evitar fibras, pois aumentam o bolo fecal e
rúrgico fica reservado para os casos de torção comple-
ta (acima de 180º) e na suspeita de sofrimento de alça.
pioram ainda mais o quadro obstipante. O tratamento
cirúrgico será estudado mais adiante. É importante o diagnóstico e o tratamento
precoce do volvo para evitar perfuração, gerada pela
alteração da circulação local, levando a situações de
extrema gravidade e morbidade. Retardos podem
Fecaloma ocorrer por diagnósticos incorretos ou, então, em ten-
tativas infrutíferas de descompressão por procedimen-
Na maioria dos casos pode ser esvaziado manu-
tos endoscópicos. Ocorrendo sucesso nos procedimen-
almente, quando estiver ao alcance do dedo ao toque
tos endoscópicos, o paciente poderá ser preparado para
retal, ou, então, através de gotejamento retal de soro
posterior procedimento cirúrgico eletivo.
fisiológico ou solução de bicarbonato a 10%. Com es-
sas medidas, promove-se o amolecimento progressivo
e a eliminação do fecaloma através de dejeções suces-
sivas. Em algumas situações, para remover a porção Tratamento cirúrgico
distal do fecaloma impactado na ampola retal, é ne-
O tratamento cirúrgico do MCH está indicado, de
cessária a complementação com raquianestesia, para
forma eletiva, nos pacientes com evolução prolongada,
produzir relaxamento dos esfíncteres com maior faci-
para os quais medidas de ordem dietética e medicamen-
lidade visando a remoção das fezes.
tosa não conseguiram promover uma satisfatória eva-
cuação intestinal, com consequente desconforto.
Historicamente, o tratamento cirúrgico eletivo do
Volvo MCH não chegou a um consenso com relação ao melhor
O volvo é formado pela rotação de um segmen- procedimento, e persiste a utilização de numerosas téc-
to do cólon em eixo formado pelo seu próprio me- nicas, sem haver nenhuma padronização. Essa situação
sentério, e poderá resultar em obstrução parcial ou decorre não somente de falta de um completo conheci-
total do lúmen. mento da fisiopatologia do MCH, mas também do va-
riado índice de morbidade apresentado pelas diferentes
No MCH, o alongamento e o aumento do calibre
técnicas. Além disso, a patologia é endêmica, de ocor-
da alça intestinal, principalmente na região do sigmoi-
rência em regiões mais pobres, e os pacientes operados
de, juntamente com o volume fecal retido, represen-
nos grandes centros retornam às suas origens, impossi-
tam as condições predisponentes para a ocorrência do bilitando a correta avaliação dos resultados cirúrgicos a
volvo. A obstrução do lúmen ocorre quando a rotação longo prazo, considerando as diferentes técnicas. Dessa
é de 180º e, quando chega a 360º, promove também a forma, é importante também o estabelecimento de
obstrução da circulação local, com gangrena e perfu- técnicas cirúrgicas mais simples, de execução possí-
ração decorrentes de isquemia, caso não ocorra uma vel em centros com menos recursos, e que apresen-
pronta intervenção. tem baixo índice de morbidade, uma vez que a cirur-
A manifestação clínica do volvo é a parada de eli- gia não visa curar a doença, mas unicamente a sua
minação de gases e fezes, com dor súbita e intensa ma- intercorrência no intestino grosso.
nifestada no quadrante inferior esquerdo do abdome, Inicialmente, o procedimento cirúrgico consistia
juntamente com distensão, podendo-se, em algumas na realização, por via endorretal, de esfincterotomias
situações, palpar a alça colônica distendida. internas (anorretomiectomias) que, apesar de sua

SJT Residência Médica – 2016


69
6 Megacólon

simplicidade, se mostraram pouco eficientes, e seus Megacólon chagásico – Cirurgias por via
resultados deixaram muito a desejar. Posteriormen- abdominal (cont.)
te, a remoção do cólon sigmoide dilatado, juntamente € Retossigmoidectomia abdominoperineal com anas-
com a porção alta do reto, procedimento denominado tomose colorretal retardada (operação de Cutait)
de “retossigmoidectomia”, foi instituída, pois, dessa
€ Retossigmoidectomia abdominoperineal com anas-
forma, removia-se também a porção mais denervada,
tomose coloanal retardada (operação de Simonsen)
com melhores resultados funcionais. A retossigmoi-
€ Retossigmoidectomia abdominoperineal com anas-
dectomia poderá ser realizada por via abdominal, com
anastomose colorretal terminoterminal, podendo, tomose colorretal posterior baixa retardada (opera-
ção de Duhamel-Haddad)
quando houver desproporção de calibres entre o cólon
e o reto, ser terminolateral. Essas anastomoses pode- Operações por via abdominoperineal: operações com
anastomoses mecânicas
rão ser executadas de forma manual, ou então facilita-
€ Retossigmoidectomia com anastomose mecânica
das pela utilização de suturas mecânicas.
terminoterminal
A colectomia esquerda, associada ou não à anor- € Retossigmoidectomia com anastomose colorretal
retomiectomia, constitui técnica de simples execução mecânica terminolateral
e baixa morbidade, porém de resultados pouco efeti-
Tabela 6.1
vos a longo prazo, com taxas elevadas de recidivas.
Outra técnica indicada é a colectomia total, com
ceco ou ileorretoanastomose, que tem sido pouco uti- Retossigmoidectomia abdominoperitoneal
lizada devido a sua morbidade e resultados funcionais
com anastomose colorretal retardada (operação
precários.
de Cutait):
Procedimentos de abaixamento consistem na
Em 1960, Cutait propôs a cirurgia que leva seu
ressecção do cólon esquerdo dilatado, juntamente
com remoção de grande parte do reto; são acompa- nome, realizada em dois tempos, com o intuito de
nhados de elevados índices de complicações, além de evitar a complicação da deiscência da anastomose co-
difícil execução técnica. As anastomoses colorretais lorretal baixa. Essa técnica consiste na ressecção do
ou coloanais são efetuadas em dois tempos, sendo sigmoide e do reto até cerca de 3 cm da linha pectínea,
atualmente facilitadas pela utilização das suturas promovendo-se o abaixamento do cólon através do
mecânicas. A técnica de abaixamento mais utili- reto evertido. Após uma semana, ocorre o acolamento
zada em nosso meio é a de Duhamel, modificada tardio entre a camada muscular dos 3 cm distais do
por Haddad, e, como não libera a face anterior do reto evertido e a serosa do cólon abaixado e resseca-se
reto, proporciona melhores resultados funcionais o excedente do cólon abaixado.
e menor morbidade. No volvo do sigmoide, a abor-
dagem cirúrgica de emergência é indicada na falha Retossigmoidectomia abdominoperitoneal
da descompressão endoscópica, ou, então, em situa- com anastomose coloanal retardada (operação
ções de estrangulamento ou perfuração do segmento de Simonsen):
rodado. Nessas condições, o procedimento consiste Essa técnica, descrita por Simonsen, em 1960,
na ressecção da porção do cólon comprometida, sem é semelhante à anterior, diferenciando-se pela secção
anastomose e com colostomia terminal temporária do reto logo acima da linha pectínea. O cólon abaixa-
(operação de Hartmann). Se houver comprometi- do é ressecado após duas semanas, sendo esse tempo
mento generalizado do cólon pelo MCH, este poderá considerado suficiente para se processar a coalescên-
ser totalmente removido para posterior íleo ou ce-
cia do cólon abaixado ao canal anal.
corretoanastomose. Esses mesmos procedimentos
são indicados em situações de perfuração provocada Retossigmoidectomia abdominoperitoneal
pelas úlceras isquêmicas consequentes à estase fecal com anastomose colorretal posterior baixa re-
prolongada em alça dilatada. tardada (operação de Duhamel-Haddad):
Nessa técnica, descrita originalmente por Duha-
Megacólon chagásico – Cirurgias por via
mel em 1956 e modificada por Haddad em 1965, o
abdominal cólon é abaixado através de abertura posterior no
€ Sigmoidectomia reto, logo acima da linha pectínea, e fixado nessa po-
sição. O reto é comumente seccionado na altura da
€ Hemicolectomia esquerda
reflexão peritoneal. O segundo tempo é executado 10
€ Retossigmoidectomia com anastomose manual
a 15 dias após, sendo realizada a ressecção do cólon
€ Colectomia total excedente e de parte do septo retocólico (veja a des-
Cirurgias por via abdominoperineal: operações de abai- crição mais detalhada desta técnica no tópico Mega-
xamento cólon Congênito).

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CAPÍTULO

7
Isquemia colônica
(colopatia isquêmica)

“A imaginação é mais importante do que o conhecimento”.


– ALBERT EINSTEIN.

Isquemia secundária a baixo fluxo sistêmico:


Introdução cólon direito, mais comumente a face retroperitoneal.

A colite isquêmica é a forma mais comum de Isquemia não oclusiva localizada: áreas divisórias
isquemia do trato gastrointestinal. As formas gra- de irrigação como flexura esplênica e junção retossigmoi-
ves com gangrena, infarto ou perfuração são menos dea. Ligação da artéria mesentérica inferior: sigmoide.
comuns que as localizadas ou segmentares. A extensão do segmento afetado também se
Conforme o vaso comprometido, o intestino relaciona com a causa. Êmbolos ateromatosos resul-
grosso será afetado em um determinado segmento, tam em curtos segmentos afetados, enquanto isque-
como ilustra a Figura 7.1. As áreas transicionais de mia não oclusiva usualmente envolve grandes áreas.
irrigação no ângulo esplênico e na transição retos-
sigmoidea são mais propensas à isquemia.
A Tabela 7.1 aponta as causas de isquemia co-
lônica. Episódios espontâneos de isquemia colônica
podem ocorrer e são geralmente interpretados como
forma localizada de isquemia não oclusiva e sem fa-
tores precipitantes. Hipóteses etiológicas são cogita-
das, como, por exemplo, infecção por Escherichia coli
êntero-hemorrágica O157:H7, porém nenhuma rela-
ção causal foi demonstrada.
Certas etiologias têm preferência por segmentos Figura 7.1 Padrão de comprometimento do intestino
específicos do cólon, como se observa adiante. grosso em pacientes com isquemia colônica.
71
7 Isquemia colônica (colopatia isquêmica)

Etiologia Causa de isquemia colônica


Trombose da artéria mesentérica inferior
As causas de bloqueio completo ou incompleto, Êmbolo arterial
Êmbolo de colesterol
persistente ou transitório, da circulação sanguínea
Insuficiência cardíaca ou arritmias
nas alças colônicas são numerosas. Os eventos oclu-
Choque
sivos de artérias são capazes de determinar as situa- Terapêutica digitálica
ções de maior gravidade e entre eles tradicionalmente Volvo
estão implicadas as doenças vasculares de natureza Hérnia estrangulada
degenerativa, como a arteriosclerose, ou inflamatória, Vasculites
como as vasculites. Periarterite nodosa
Por outro lado, os fenômenos não oclusivos Artrite reumatoide com vasculite
Arterite de Takayasu
habitualmente estão relacionados a situações de
Tromboangiite obliterante
baixo débito circulatório ou de vasoconstrição. A Doenças hematológicas
par disso, a colopatia isquêmica pode estar associa- Anemia falciforme
da a variadas entidades nosológicas em que somen- Deficiência de proteínas C e S
te se justifica a produção da isquemia por meio da Deficiência de antitrombina III
interveniência de mecanismos mais complexos. Um Infestações parasitárias
dos exemplos em que se registram causas mistas na Alergia
colopatia isquêmica é o pós-operatório de alguns Trauma rombo e penetrante
casos de aneurismectomia da aorta abdominal, ten- Gravidez ectópica rota
do sido comprovado que, além do bloqueio vascular Corrida competitiva de longa distância
provocado pela própria técnica cirúrgica, ao mesmo Iatrogenia
tempo ocorre vasoconstrição no nível da circulação Cirúrgica
capilar. Em algumas outras condições, a explicação € aneurismectomia

quanto ao mecanismo do fenômeno isquêmico é € reconstrução aortoilíaca


mais difícil, como em doenças colônicas obstrutivas € operações ginecológicas
em que existe aumento da pressão intraluminal, nas € exsanguineotransfusões
quais aparecem lesões de origem isquêmica a mon- € bypass de cólon
tante da oclusão. Isso é observado em carcinoma de Aortografia lombar
cólon e se qualifica como isquemia atribuída a cau- Colectomia com ligadura da artéria mesentérica infe-
sas indeterminadas. rior
Estudos epidemiológicos com base populacio- Medicamentos
nal sobre a incidência e fatores de risco da colopatia Estrógeno
Danazol
isquêmica revelam que as pessoas com mais de 65
Vasopressina
anos de idade e do sexo feminino são mais suscetí- Ouro
veis. No entanto, numerosas publicações nas últimas Drogas psicotrópicas
décadas estão continuamente demonstrando que o Agentes imunossupressores
universo da isquemia colônica é muito mais amplo Cocaína
e que mesmo indivíduos jovens podem apresentar Tabela 7.1
quadros de isquemia colônica, particularmente do
tipo não oclusivo.
Uma variável por vezes inexplicável é a exten-
são do envolvimento dos cólons e reto, pois tanto
pode acometer breves segmentos intercalados, como
Mecanismos da isquemia
mais extensos e contínuos, até toda a extensão dos colônica
cólons. Mais comumente se observam lesões no
cólon sigmoide e parte do cólon descendente e são A etiopatogenia das lesões da isquemia do in-
muito raros os casos que demonstram abrangência testino grosso consiste em dois mecanismos distin-
exclusiva do reto. Quando os segmentos direitos tos: anóxia e reperfusão. No caso de interrupção total
dos cólons estão comprometidos, especialmente o do aporte sanguíneo, a anóxia provoca uma ação des-
ceco, com frequência o processo abrange também trutiva dos tecidos e dá lugar à necrose. Essa situação
porções do intestino delgado e o quadro clínico pode desencadear a forma gangrenosa da colopatia
mostra-se mais grave. isquêmica. Por outro lado, quando ocorre o bloqueio

SJT Residência Médica – 2016


72
Coloproctologia

incompleto e temporário da circulação intestinal, nante, pelo megacólon tóxico ou ainda por abdome
além de uma hipóxia ou anóxia relativa, sobrevém agudo com peritonite, devido à gangrena intestinal.
a chamada lesão de reperfusão. A lesão de reperfu- Essa apresentação incorpora todos os comemorativos
são, por um mecanismo aparentemente paradoxal, de sua periculosidade e rapidamente se sucedem toxe-
é causada exatamente pelo retorno da circulação mia, sepse e choque. Os pacientes invariavelmente são
sanguínea ao segmento afetado. Está descrito que, atendidos em emergências e sua condição urge por de-
após um período de isquemia, quando o sangue inun- cisões rápidas e criteriosas na avaliação e na conduta.
da novamente a rede de finos vasos capilares, estes
Mesmo com intervenção cirúrgica precoce ablati-
estão apresentando perda da permeabilidade seletiva
va dos segmentos colônicos envolvidos, a mortalidade
e permitem a ocorrência de transudação de líquido
é muito elevada. Quando sobrevivem sem cirurgia, os
e mesmo extravasamento de sangue devido ao dano
na estrutura endotelial e ruptura da parede de vasos. danos residuais, assim como as sequelas cicatriciais,
Como resultado, a mucosa colônica apresentará ede- são irreversíveis.
ma e hemorragia intraepitelial. Alternativamente, Em oposição, o quadro clínico que se sucede à
além dessa ação mecânica, existe um outro fenômeno instalação da isquemia por mecanismos não oclusivos
que decorre da reoxigenação das células do epitélio co- e transitórios na maioria é pouco expressivo e, por ve-
lônico e desencadeia um processo de natureza química zes, passa até despercebido. A manifestação clínica é
em que o oxigênio molecular dá origem a radicais oxi- proporcional à severidade das lesões, que, na fase agu-
dativos citotóxicos e igualmente danificam os tecidos, da inicial, são representadas por edema, hemorragia
tornando-se coadjuvantes no aparecimento do edema intramucosa e úlceras rasas. Não raro sintomas estão
e da hemorragia intramucosa. Estudos experimentais ausentes ou se resumem a uma sensação noturna de
demonstram que em alguns casos o dano provocado desconforto abdominal vago que apenas permite sus-
pela reperfusão é superior àquele causado pela anóxia. peitar de um distúrbio hemodinâmico passageiro. Có-
licas, distensão abdominal, evacuações diarreicas e he-
matoquezia são comuns. Hemorragia digestiva baixa
mais significativa e diarreia persistente costumam in-
Diagnóstico clínico e dicar que a colopatia isquêmica já está evoluindo para
uma forma de doença inflamatória intestinal.
complementar A partir daí, as lesões assumem as características
evolutivas ditadas pela gravidade da instalação. Elas
A colopatia isquêmica costuma expressar-se por podem cicatrizar rapidamente, sem sequela ou mar-
meio de um amplo espectro clínico, exatamente devido ca de sua ocorrência, deixar cicatrizes perenes, como
à intercorrência de múltiplos fatores causais e de uma estenoses, ou ainda exprimir-se pela superveniência
variada escala progressiva de gravidade (Figura 7.2). da colite isquêmica, um processo inflamatório crônico
Quando a isquemia decorre de causa oclusiva que pode ser transitório e reversível ou perdurar por
completa e duradoura, quase sempre determina um longo tempo. A colite isquêmica assume idênticas ma-
quadro clínico inicial agudo e grave, por vezes dra- nifestações sintomáticas de outras doenças inflamató-
mático, que se expressa por uma colite aguda fulmi- rias crônicas dos intestinos.

     
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Figura 7.2 Fisiopatologia da colopatia isquêmica.

SJT Residência Médica – 2016


73
7 Isquemia colônica (colopatia isquêmica)

Na terceira fase, denominada tardia ou das se-


Achados colonoscópicos quelas, as imagens endoscópicas podem demonstrar
e histológicos três aspectos que a caracterizam: doença inflamatória
intestinal crônica, estenose ou cicatrizes. São casos
As imagens obtidas por meio de procedimentos
endoscópicos representam a forma mais eficaz de se em que o curso clínico da colopatia isquêmica teve
qualificar as lesões da forma não gangrenosa da colo- maior gravidade e as alterações cicatriciais aparecem
patia isquêmica. na forma de estenoses concêntricas ou áreas extensas
de cicatrizes claras em que a mucosa fica espessada e
Na fase inicial, imediatamente ao aparecimento fibrótica, com vasos submucosos distorcidos. Se, toda-
dos sintomas, o procedimento pode ser resumido a uma via, evolui para uma doença inflamatória crônica, esta
retossigmoidoscopia flexível realizada sem preparo dos
tem características morfológicas marcadas por pseu-
intestinos ou com mínima limpeza mediante enemas
dopólipos e pelo desaparecimento das haustrações,
de 500 a 1.000 mL de solução fisiológica para evitar o
enrijecimento das paredes, retração e correção das fle-
risco de dano traumático sobre as lesões agudas.
xuras das alças colônicas, dando-lhe o aspecto tubular
A colonoscopia total poderá ser realizada um ou fusiforme, o que a torna indistinguível do quadro
pouco adiante para inspeção de todos os segmentos da Retocolite Ulcerativa Inespecífica de longa duração
colônicos, confirmação do diagnóstico do processo e com atividade inflamatória importante. Nos casos
isquêmico e indicação de sua fase evolutiva. De fato, de colite crônica decorrente de fenômeno isquêmico,
os achados endoscópicos configuram com razoável fi- o diagnóstico diferencial pode ser favorecido pelo fato
dedignidade as lesões que caracterizam as etapas evo- de que usualmente o reto está poupado, além de que
lutivas da colopatia isquêmica nos cólons e reto. São a afecção de natureza isquêmica é mais frequente em
três fases, de acordo com as etapas evolutivas que
indivíduos mais idosos em comparação com as doen-
compõem a Classificação Endoscópica da forma não
ças intestinais inflamatórias inespecíficas que costu-
gangrenosa da colopatia isquêmica.
ma iniciar nas faixas etárias de 20 a 40 anos de idade.
A primeira fase é denominada inicial ou ede-
matosa-hemorrágica, o que descreve com perfeição
as características das lesões predominantes. Surgem Classificação endoscópica e correlação com as
manchas avermelhadas correspondentes à hemorra- fases evolutivas da forma não gangrenosa
gia intramucosa como se houvessem sufusões ou he- da colopatia isquêmica
matomas em meio à mucosa com aparência normal, Características Tempo
assim como bocelações edematosas que podem ser Fases evolutiva predominantes aproximado
muito vultosas e exuberantes, a ponto de estreitar o das lesões da evolução
espaço luminar dos cólons e dificultar a progressão do I) inicial ou ede- edema e hemorragia
poucos dias
endoscópio. Ainda nessa fase, podem surgir úlceras matoso-hemor- intramucosa, úlceras
até 2 semanas
rasas, por vezes serpiginosas, deixando a impressão de rágica rasas e serpiginosas
infiltração inflamatória, de 10 a 14 dias
que somente houve a deposição de fibrina suavemen- II) intermediária
erosões e úlceras isola- até cerca de 2 a
te aderida sobre a mucosa plana e com um mínimo ou inflamatória das ou confluentes 3 meses
halo de hiperemia ou sem ele. Essa fase costuma ter doença inflamatória de 2 meses
duração evolutiva desde os primeiros momentos após III) tardia ou das
crônica, cicatrizes e/ até alguns
a instalação e pode simplesmente regredir para uma sequelas
ou estenoses anos
condição cicatricial completamente reversível em um Tabela 7.2
período de duas semanas. Pode também, alternativa-
mente, evoluir para a etapa seguinte, a segunda fase,
que é denominada intermediária ou inflamatória. O método mais simples de avaliar a gravidade
A fase intermediária ou inflamatória se insta- da isquemia do cólon é proposto por Church, base-
la aproximadamente no 10º ao 14º dia de evolução e ado na coloração da superfície mucosa. De acordo
transparece como uma infiltração de natureza inflama- com esse autor, os aspectos encontrados seriam:
tória por espessamento da mucosa, exsudação mucopu-
rulenta, pequenas úlceras isoladas e erosões ou até úlce-
1. Vermelho, associado a bom prognóstico, de-
ras maiores que podem se tornar confluentes. O relevo
vendo ser reexaminado em quatro a cinco dias, teria
da superfície mucosa torna-se irregular com pequenas
formações nodulares, granulosidade e desaparecimen- seu aspecto atribuído à cicatrização e à formação de
to ou marcada distorção do padrão vascular submuco- tecido de granulação.
so. Esses achados expressam uma maior gravidade do 2. Amarelo, resultante da necrose da mucosa e
evento isquêmico, que pode estender-se para uma du- submucosa, também apresenta bom prognóstico, com
ração de até alguns meses, mas usualmente o processo provável recuperação completa, devendo ser mais ava-
inflamatório cede mediante tratamento adequado. liado em dois a três dias.

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74
Coloproctologia

3. Verde, com prognóstico mais sombrio, já que O diagnóstico clínico depende de precoces e re-
estaria associado à necrose parcial da muscular pró- petidas avaliações clínicas do paciente e radiológicas
pria, podendo evoluir para necrose transmural ou com ou endoscópicas do cólon. Havendo suspeita de colite
sequelas de estenose, devendo ser reavaliado endosco- isquêmica com radiografia simples do abdome normal
picamente em 24 horas. ou inespecífica, deve-se realizar colonoscopia. Se, à
4. Cinza, representaria o aspecto da necrose qua- radiografia simples, detecta-se ar na cavidade, na
se completa da muscular própria, requerendo avalia- parede intestinal ou no interior da veia porta, isto
ção em 12 horas e eventual tratamento cirúrgico. significa isquemia avançada, e a intervenção cirúr-
gica deve ser imediata.
5. Preto, associado à necrose completa da parede
do cólon, exigindo tratamento cirúrgico imediato.
Cuidado redobrado é necessário na colonosco-
pia em vigência de colite isquêmica. Insuflação de
ar a pressões superiores a 30 mmHg diminui o fluxo
Tratamento e evolução
sanguíneo para o cólon e pode piorar a isquemia. O manejo da colite isquêmica depende da gravi-
Este fenômeno é minimizado com o uso de monóxi- dade e da fase evolutiva da doença. Inicia-se sempre
do de carbono para a insuflação, devido ao seu efei- com medidas suportivas de estabilização hemodinâ-
to vasodilatador. Também o risco de perfuração é mica, compensação de insuficiência cardíaca e hipo-
maior no cólon isquêmico, mormente em presença xemia. As drogas vasoconstritoras devem ser abolidas
de necrose transmural. sempre que possível, e antibioticoterapia específica
para flora colônica deve ser iniciada. Aspiração naso-
gástrica é aconselhável se houver indícios de íleo.

Clister opaco Cerca de 50% dos episódios de colite isquêmi-


ca são transitórios e reversíveis apenas com as me-
Detectam-se aspectos de estreitamento tubular, didas de apoio. Os sintomas declinam em 24 a 48
impressões digitais de polegar, irregularidades em horas, com franca cicatrização em 1 a 2 semanas.
dentes de-serra e saculações, ocasionados por edema
Formas protraídas, com necrose persistente da
e hemorragia intramural.
mucosa superficial, ulceração, inflamação e conse-
Há controvérsias sobre qual exame tem maior quente colite ulcerativa, clinicamente cursam com
precisão diagnóstica: colonoscopia ou enema barita- diarreia, sangramento e dificuldade de melhora do es-
do. A colonoscopia associada ao exame histológico pa- tado geral ou, eventualmente, podem ser assintomáti-
rece ter maior valor quando realizada precocemente. cas, necessitando segmento radiológico ou endoscópi-
co para documentar a cura ou evolução para estenose
ou, mesmo, persistência da colite. Nestes casos, pode-
-se tentar tratamento com enemas de corticoide, po-
rém jamais corticoterapia sistêmica. Nestes pacientes,
Arteriogra昀椀a pode-se desenvolver septicemia de repetição.
Pode revelar doença arterial oclusiva, mas esta
Os bloqueadores do sistema renina-angiotensina
sozinha não confirma isquemia e pode não revelar do-
como o captopril tem sido usado experimentalmente,
ença oclusiva que acometa pequenos vasos; portanto,
com a finalidade de reduzir a vasoconstrição esplâncnica.
só é útil dentro de um contexto clínico.
Deterioração clínica, apesar da terapia conserva-
dora, com septicemia, ar livre na cavidade abdominal
ou gangrena, vista endoscopicamente, indica infarto
Diagnóstico diferencial colônico e faz-se necessária a cirurgia para ressecção
do segmento necrótico. O aspecto da serosa pode ser
A diferenciação com colite ulcerativa, infecção ou normal, mesmo com importante lesão da mucosa;
doença de Crohn do cólon é difícil, até porque a coli- portanto, os exames pré-operatórios são importantes
te isquêmica também pode acometer jovens ou cursar para auxiliar na decisão do segmento a ser ressecado.
com megacólon tóxico, este último como complicação Também os métodos peroperatórios de identifi-
mais associada às doenças intestinais inflamatórias. cação da viabilidade intestinal anteriormente citados
É importante lembrar-se da colite isquêmica são de grande importância. A anastomose pode ser
no idoso que se apresente com quadro sugestivo de terminoterminal ou com desvio, através de colostomia
crise inicial de “colite ulcerativa”, ou quadro abdo- temporária, se o estado geral do paciente for grave.
minal acompanhado de baixo débito e/ou má perfu- Uma reoperação para avaliação do estado da anasto-
são periférica. mose frequentemente é necessária.

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75
7 Isquemia colônica (colopatia isquêmica)

Há ainda casos em que, após a resolução, há recorrência da isquemia, dependendo da persistência dos fato-
res predisponentes. Em 10 a 20% dos casos, a isquemia aguda se resolve com estreitamento da luz, que se torna
evidente em algumas semanas após o evento inicial.

Diferenciação entre isquemia aguda


mesentérica de isquemia colônica
Isquemia aguda mesentérica
€ Maioria dos pacientes acima de 50 anos
€ Causa aguda precipitante (infarto do miocárdio, ICC, arritmias, episódios hipotensivos)
€ Lesões predisponentes incomuns (exceto arterosclerose)
€ Pacientes parecem gravemente doentes
€ Dor mais intensa, poucos achados abdominais
€ No início, depois pronunciado sangramento retal e diarreia são incomuns, aparecendo somente mais tarde
€ Primeiro exame: angiografia
Isquemia colônica
€ 90% dos pacientes acima de 60 anos
€ Rara causa aguda precipitante
€ 20% associação de lesões predisponentes
€ Neoplasias de cólon
€ Estenose
€ Diverticulite
€ Impactação fecal
€ Pacientes não parecem doentes
€ Dor abdominal discreta com reações normais, sangramento retal moderado, diarreia sanguinolenta
€ Primeiro exame: colonoscopia ou enema opaco
Tabela 7.3

Indicações cirúrgicas na colite isquêmica


Fase aguda da doença
€ Sepse refratária
€ Sinais de irritação peritoneal
€ Ar livre na cavidade peritoneal
€ Gangrena identificada endoscopicamente
€ Diarreia persistente, sangramento retal, colopatia perdedora de proteína
Fase crônica da doença
€ Colite segmentar crônica com septicemia recorrente
€ Estenose colônica sintomática
Tabela 7.4

Figura 7.3 Colite isquêmica em fase aguda. Enema


opaco. Observam-se as impressões digitiformes na pa- Figura 7.4 Enema opaco. Irregularidade de calibre do
rede colônica que correspondem aos hematomas e ao ângulo esplênico em doente com colite isquêmica, fase
edema da submucosa. aguda.

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76
Coloproctologia

Figura 7.5 Clister opaco: colite isquêmica. A: hemorragia e edema da mucosa, provocando indentações na topo-
grafia do cólon transverso. B: estreitamento e saculações na topografia da flexura esplênica do cólon em um pacien-
te com colite isquêmica crônica.

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CAPÍTULO

8
Hemorragia digestiva baixa (HDB)

“As drogas nem sempre são necessárias, (mas) a convicção na recuperação sempre é”.
– NORMAN COUSINS.

Introdução
A hemorragia digestiva baixa (HDB) é descrita como qualquer sangramento digestivo com localização abaixo
do ângulo Treitz. É uma causa importante de admissão hospitalar e um importante fator de morbimortalidade
hospitalar. Suas taxas de mortalidade podem chegar a 20%, na dependência de fatores associados como: idade (>
60 anos), doenças sistêmicas, necessidade de transfusão de mais de 5 unidades, necessidade de cirurgia e estresse
recente (cirurgia, trauma, sepse).

Considerações gerais
A HDB é menos frequente que a HDA, com prevalência em indivíduos idosos, cessando espontane-
amente em cerca de 90% dos casos. Devemos lembrar que nos idosos e nos pacientes de alto risco, esse tipo de
hemorragia pode ser fator precipitador para infarto do miocárdio. A incidência de hospitalização por HDB aguda
é estimada em 22 por 100 mil adultos na população.
A HDB pode ser classificada também em aguda e crônica. A aguda tem, com frequência, início abrupto e
apresenta hematoquezia mais intensa e mais rápida. A crônica é de aparecimento lento, progressivo e, em geral,
manifesta-se com anemia. A HDB aguda é considerada grave quando os enfermos apresentam sangramento in-
tenso com hipotensão inicial, queda do hematócrito de no mínimo 10% e necessitam com frequência de transfu-
são sanguínea. O sangramento vermelho rutilante (vivo) pelo reto é, em sua maioria, de origem cólica.
78
Coloproctologia

Ao contrário do sangramento diverticular, a an-


Etiologia giodisplasia tende a causar episódios lentos, mas repe-
tidos, do sangramento. Consequentemente, os pacien-
No Congresso Norteamericano de Doenças Di- tes com angiodisplasia apresentam-se com anemia e
gestivas de 2004 (DDW), Savides apresentou uma
episódios de síncope. Infrequentemente, as angiodis-
revisão de sete publicações sobre HDB, envolvendo
plasias podem causar uma perda abrupta de grandes
1.333 pacientes, que revelou as porcentagens das
seguintes causas: quantidades de sangue, com as taxas de sangramento
maciço girando em torno de 15% dos casos. As an-
€ doença diverticular cólica (30%);
giodisplasias podem facilmente ser reconhecidas por
€ câncer e pólipos (18%); colonoscopias como pontos vermelhos de 1,5 a 2 mm
€ doenças inflamatórias intestinais (17%); na mucosa. As lesões ativamente sangrantes podem
€ desconhecida (16%); ser tratadas com eletrocoagulação colonoscópica. As
€ angiodisplasia (7%); lesões incidentalmente descobertas não devem ser
manipuladas.
€ pós-polipectomia (6%);
€ doença hemorroidária (4%); A hemorragia maciça devida à doença intesti-
nal inflamatória (DII) é rara. A colite ulcerativa cau-
€ e outras (8%).
sa diarreia sanguinolenta na maioria dos casos. Em
Na maioria dos serviços as duas causas mais co- até 50% dos pacientes com colite ulcerativa, o sangra-
muns de HDB são: doença diverticular e angiodisplasia. mento baixo é leve a moderado, e aproximadamente
4% dos pacientes com colite ulcerativa apresentam
hemorragia maciça. Um sangramento baixo em pa-
cientes com doença de Crohn não é tão comum quanto
Fisiopatologia nos pacientes com colite ulcerativa; 1 a 2% dos pacien-
tes com doença de Crohn podem apresentar um san-
O sangramento diverticular origina-se do gramento maciço. A frequência de sangramento nos
vasa rectae localizado na submucosa, que se rom-
pacientes com doença de Crohn é significativamente
pe na área do colo do divertículo. Mais de 20% dos
mais comum com a participação colônica do que com
pacientes com doença diverticular apresentam san-
o delgado sozinho.
gramento. Em 5% dos pacientes, o sangramento da
doença diverticular pode ser maciço. A hemorragia da A colite isquêmica é a forma mais comum de
doença diverticular para espontaneamente em 80% dos lesão isquêmica do sistema digestivo, envolve fre-
pacientes. Embora a diverticulose seja uma condição quentemente áreas como a flexura esplênica e a
colônica predominante à esquerda, aproximada- junção retossigmoidiana. Na maioria dos casos, o
mente 50% do sangramento diverticular origina-se evento precipitante não pode ser identificado. A is-
de um divertículo proximal à flexura esplênica. Os quemia colônica é uma doença da população idosa
divertículos encontrados no lado direito podem expor e é observada geralmente após a sexta década de
maiores partes do vasa recta às lesões porque têm seus vida. A isquemia leva a sofrimento, edema e sangra-
colos mais largos e as abóbadas maiores comparadas mento da mucosa e parte da parede colônica. A colite
aos divertículos colônicos esquerdos. isquêmica não é associada com a perda de sangue ou
As angiodisplasias colônicas são malforma- hematoquezia significativa, embora dor abdominal e
ções arteriovenosas situadas no ceco e no cólon as- diarreia sanguinolenta sejam as manifestações clíni-
cendente. As angiodisplasias colônicas são lesões ad- cas principais.
quiridas que afetam pessoas com mais de 60 anos. O carcinoma colorretal causa sangramento ocul-
Essas lesões são compostas dos conjuntos de vasos to e os pacientes apresentam-se geralmente com ane-
dilatados, na maior parte veias, na mucosa e na sub- mia e episódios de síncope. A incidência de hemorra-
mucosa colônica. Acredita-se que as angiodisplasias gia maciça por causa do carcinoma colorretal varia
colônicas ocorram em consequência de uma obstru- de 5 a 20% nas diferentes séries. A hemorragia pós-
ção crônica intermitente e de baixa intensidade das -polipectomia tem ocorrência relatada até um mês
veias submucosas quando estas penetram a camada
após a ressecção colonoscópica. A incidência relatada
muscular dos cólons. Os achados angiográficos carac-
está entre 0,2 a 3%. A hemorragia pós-polipectomia
terísticos são coleções de pequenas artérias durante
pode ser controlada por coagulação do local da poli-
a fase arterial do estudo, acúmulo de contraste em
pectomia com sangramento, através de pinça de ele-
“tufos” vasculares, opacificação precoce e persistente
trocoagulação ou com injeção de adrenalina.
devido ao esvaziamento lentificado das veias. Se uma
angiografia mesentérica é executada no momento do A doença anorretal benigna (exemplo: hemorroi-
sangramento ativo, o extravasamento dos meios de das, fissuras anais, fístula anorretal) pode causar san-
contraste é visualizado. gramento retal intermitente.

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79
8 Hemorragia digestiva baixa (HDB)

Clínica Diagnóstico
O sangramento maciço é uma condição ameaçado-
ra. Embora uma HDB maciça se manifeste como fezes Avaliação laboratorial
vinhosas ou sangue vermelho-vivo do reto, os pacientes O exame hematológico visa dois aspectos: veri-
com hemorragia digestiva alta podem também apresen- ficar o volume de sangue perdido pelo paciente ou in-
tar achados similares. Não obstante o nível do sangra- tensidade da hemorragia e avaliar a coagulação básica.
mento, um dos elementos mais importantes da manipu- No exame hematológico, a contagem de hemácias, a
lação dos pacientes com HDA ou HDB é a ressuscitação dosagem de hemoglobina e o hematócrito traduzem a
inicial. Estes pacientes devem receber dois acessos intra- intensidade da HDB, conforme foi caracterizado ante-
venosos calibrosos e infusão de cristaloides. Entremen- riormente: HDB inaparente (valores hematimétricos
tes, avaliação rápida de sinais vitais, incluindo frequência normais ou discretamente baixos), HDB leve ou de
cardíaca, pressão arterial e débito urinário devem ser pequeno porte (contagem baixa de hemácias superior
a 3.500.000/mm3, dosagem de hemoglobina baixa aci-
executados. A hipotensão ortostática (ou seja, uma
ma de 10 g% e hematócrito baixo acima de 30%), HDB
queda da pressão arterial > 10 mmHg) é geralmente
de médio porte ou moderada (contagem de hemácias
indicativa de perda de sangue maior que 1.000 mL.
entre 2.500.000/mm3 e 3.000.000/mm3, dosagem de
hemoglobina entre 7 e 10 g% e hematócrito entre 25 e
30%) e HDB grave ou maciça ou de grande porte (con-
tagem de hemácias abaixo de 2.500.000/mm3, dosagem
HDB maciça de hemoglobina abaixo de 7 g% e hematócrito abaixo de
Uma hemorragia maciça é uma condição grave, 25%). Um coagulograma básico e simples, constituído
com risco de vida, e requer, via de regra, várias unidades pela contagem de plaquetas, determinações do tempo
de concentrados de hemácias. Pacientes com hemorragia de sangria, tempo de protrombina e tempo parcial de
maciça apresentam-se com pressão sistólica < 90 mmHg tromboplastina (PTT) deve compor a rotina da aborda-
gem clínica e hematológica do paciente com HDB.
e a Hb ≤ 6 g/dL. Estes pacientes têm normalmente mais
de 65 anos, possuem doenças múltiplas e estão em risco
de morrer da hemorragia aguda ou de suas complicações.
A mortalidade geral por HDB varia de 0 a 21%.
Colonoscopia
Por definição a HDB maciça é assim descrita: A colonoscopia é um exame de indubitável va-
lor na propedêutica das HDB, embora durante algum
€ Passagem de grande volume de sangue vermelho ou
tempo tivesse sido relegada a segundo plano, em de-
marrom pelo reto
corrência da exigência de um bom preparo intestinal
€ Instabilidade hemodinâmica para sua execução. Atualmente é vista como a me-
€ Queda inicial do Hb de 6 g/dL ou mais lhor arma propedêutica na abordagem de tais he-
€ Transfusão de mais de 2 unidades de sangue morragias. A colonoscopia pode encontrar a causa e o
€ Sangramento que persiste por 3 dias local da hemorragia, efetuando os diagnósticos causal
e topográfico (exemplo: câncer no sigmoide, pólipo
€ Ressangramento significante em 1 semana colônico, doença de Crohn ileocecal). Pode, também,
Tabela 8.1 fazer o diagnóstico causal, falhando no diagnóstico
topográfico da hemorragia (exemplo: polipose intes-
tinal, RCUI, doença diverticular colônica difusa), e,
Parâmetros clínicos e laboratoriais para a
mesmo, não fazer o diagnóstico (patologias vascula-
classificação do grau do volume de sangue
res), demonstrando que também tem suas limitações.
perdido
A colonoscopia assume papel importantíssimo nas
Pontuação (1) (2) (3) HDB ocasionadas por pólipos intestinais e mes-
Hemoglobina (g/dL) > 10 < 10 – > 8 <8 mo outros tumores intestinais (exemplo: lipomas,
< 3.5 – > câncer), extirpando-os, constituindo-se em arma
Eritrócitos (milhão) > 3,5 < 2.5
2.5 propedêutica e terapêutica ao mesmo tempo. Pode,
Pressão arterial < 100 – > também, em casos de hemorragias em cânceres, trau-
> 100 < 80 matismos, arrancamento de pólipos, pós-operatório
(mmHg) 80
> 80 – < de polipectomias, servir como arma terapêutica, cau-
Freq. cardíaca (bpm) < 80 > 120 terizando ou coagulando o ponto hemorrágico.
120
Consciência presente torpor ausente Não sendo o diagnóstico da HDB feito pelo exa-
Tabela 8.2 Classificação em: LEVE < 8 (somatório de me proctológico, persistindo a hemorragia, o próximo
pontos menor que oito); MODERADA de 8 a 12 pontos; passo propedêutico, havendo tal exame disponível, é a
GRAVE > 12 (somatório de pontos maior que doze). colonoscopia.

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80
Coloproctologia

Outro elemento que pode ser utilizado é o Índio111,


Enteroscopia que, quando usado, permite obtenção de imagens por
Em geral, a enteroscopia é o último exame a até 5 dias; entretanto, este método não é empregado
ser indicado para o diagnóstico da HDB. porque os pacientes são expostos a elevada radiação.
A enteroscopia com duplo-balão é uma técnica Recentemente, tem se estudado a realização de
relativamente nova e que vem se expandindo rapida- cintilografia cinemática com 99mTc, em tempo real,
mente e se transformando no principal método en- como uma alternativa não invasiva à angiografia me-
sentérica. A imagem latente dinâmica dos baixos con-
doscópico terapêutico para o intestino delgado. Veja o
tínuos que usa a aquisição sequencial do computador
capítulo sobre o tema para mais informações.
fornece localização mais exata do ponto do sangra-
mento porque permite a avaliação cinemática. Mais
estudos são necessários para identificar o sucesso de
avaliações cintilográficas em tempo real.
Cápsula endoscópica
Trata-se de uma nova técnica endoscópica que
utiliza uma cápsula de 11 x 26 mm de tamanho que,
após deglutida por via oral, transmite duas fotos por Angiogra昀椀a seletiva
segundo para um receptor fixado no abdome do pa- Este recurso é o que deve seguir a colonos-
ciente, durante oito horas ininterruptas, ou seja, du- copia, caso tenha havido insucesso deste método
rante seu percurso pelo intestino delgado. Trata-se propedêutico.
de exame de imagem, não invasivo, para avaliação A angiografia mesentérica pode detectar san-
da mucosa intestinal. Sua taxa de diagnóstico é de gramentos com taxas maiores que 0,5 mL/min. Em
aproximadamente 70% e apresenta maior sensibi- determinados casos, pode-se tentar, algumas vezes
lidade quando há sangramento ativo. No entanto, a com sucesso, a embolização do ponto de sangramento
identificação do local sangrante no delgado também através de instilação, pelo próprio cateter, de substân-
não é precisa com esse exame. A cápsula endoscópica cias coagulantes tópicas (pó de Gelfoam®) ou de vaso-
tem se mostrado superior à sonda enteroscópica para constritores tópicos (vasopressina). Frente ao insuces-
o diagnóstico da HDB. No entanto, a enteroscopia e a so da arteriografia, persistindo a hemorragia, surge
radiologia contrastada do trânsito intestinal poderão a cintilografia como o passo propedêutico seguinte.
preceder esse exame nos enfermos com anemia ferro-
priva ou sangramento oculto.

Cirúrgico
A laparotomia exploradora raramente é realizada
Cintilogra昀椀a com o propósito diagnóstico, com exceção do enfermo
com enterorragia maciça ou associada à enteroscopia
O elemento radionuclear que melhor se presta
intraoperatória na HDB de origem obscura.
para este exame é o tecnécio-99m (99mTc), pois tem as
características exigidas: alta concentração e rápido de-
saparecimento do sangue circulante (meia-vida de 2,5
a 3,5 min.). O radionuclídeo que melhor se adapta a
marcar os elementos sanguíneos figurados é, também,
Outros exames
o tecnécio-99m, em decorrência de sua capacidade de
marcar as hemácias circulantes do receptor. Saindo Enema opaco
hemácias marcadas do espaço vascular para o interior
dos cólons, está automaticamente demonstrado o lo- Recurso propedêutico inestimável, durante anos
cal da hemorragia. Os sangramentos gastrointesti- foi, juntamente com o exame proctológico, a principal
nais são avaliados com hemácias marcadas com o arma no diagnóstico da HDB. O enema opaco exige,
mesmo agente da cintilografia hepática e do baço da mesma forma que a colonoscopia, um razoável pre-
e da medula óssea, o coloide de enxofre – 99mTc, po- paro intestinal para sua viabilização. Pode apresentar
dendo avaliar sangramentos de vazão entre 0,05 e três resultados: visualizar o local e a causa da hemor-
0,1 mL/minuto. A hemorragia ativa é demonstrada ragia (exemplo: pólipos, câncer, estenoses), visualizar
pelo acúmulo do radioisótopo no local do sangramen- a causa e não detectar o local da hemorragia (exemplo:
to, devendo ser diferenciada do acúmulo no fígado e doença diverticular dos cólons, RCUI, poliposes intes-
no baço e na medula óssea, que também captam este tinais) e não visualizar causas ou locais da hemorragia
radioelemento, na proporção de fígado 85%, medula (exemplo: angiodisplasias, traumatismos). O advento
óssea 10% e baço 5%. A sensibilidade relatada da da colonoscopia e das arteriografias digitais seletivas
varredura do 99mTc é de 20 a 95%. deslocou este exame para casos especiais.

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81
8 Hemorragia digestiva baixa (HDB)

A infusão seletiva de vasopressina tem chance


Trânsito intestinal de sucesso, que varia entre 35 a 90% dos casos, po-
Nunca constitui um exame complementar con- rém com 50% deles ressangrando após o efeito do
vencional na abordagem propedêutica das HDB, uma vasoconstritor.
vez que visa, basicamente, ao estudo do intestino A embolização arterial do território sangrante já foi
delgado, sede excepcional de causas de hemorragias muito utilizada, mas, como está sujeita a muitas complica-
diagnosticáveis por esta técnica (exemplo: lipomas, ções, seu uso é pouco indicado atualmente. Ela apresenta
divertículos). Destarte, pode o trânsito digestivo alta incidência de necrose do segmento cólico embolizado,
inserir-se na propedêutica de doenças hemorrágicas com isquemia intestinal irreversível. Sua técnica consiste
do tubo digestivo que não põem em risco iminente a na embolização, dita superseletiva, com o posicionamento
do cateter intra-arterial o mais próximo possível do sítio
vida do paciente.
de sangramento e injeção de partículas de gelatina cirúrgi-
ca (Gelfoam®) ou de polivinil (Yvalon®).

Terapêutica
Terapêutica cirúrgica
Se a causa e a sede do sangramento não foram
Ressuscitação volêmica e determinadas pelos métodos propedêuticos menos in-
vasivos (fato que pode ocorrer em aproximadamente
medidas de suporte 10% dos enfermos) e o sangramento é de intensidade
Nos doentes com HDB moderada ou grave, a moderada a grave e não cessou espontaneamente ou
hospitalização é imperativa e o atendimento deve ser com quaisquer dos procedimentos terapêuticos ante-
feito em caráter de urgência. riores, há indicação de laparotomia exploradora.
As medidas de intensivismo devem ser ajustadas A padronização para a indicação da terapêuti-
ca cirúrgica na HDB consiste em:
para os pacientes instáveis hemodinamicamente.
€ pacientes que necessitarem de reposição san-
guínea no volume de 2.000 mL em 24 horas,
sem cessar o sangramento (HDB grave);
Terapêutica endoscópica € enfermos que apresentarem sangramento con-
tínuo, considerado moderado, durante 72 horas;
A colonoscopia tem papel fundamental na tera-
pêutica da HDB. É realizada inclusive nas situações de € quando há recidiva do sangramento, de intensi-
urgência, possibilitando melhorar o prognóstico des- dade moderada ou grave, em um período menor
que sete dias, após a primeira HDB;
ses doentes.
€ pacientes com tipo sanguíneo raro;
As potenciais lesões cólicas com condições de he-
mostasia endoscópica incluem, em especial, o diver- € enfermos idosos com HDB grave e/ ou recidivante.
tículo sangrante, a lesão pós-polipectomia, as angio- Um aspecto fundamental para a escolha da con-
displasias, os tumores, as úlceras, a retite actínica etc. duta cirúrgica a ser realizada no doente com HDB está
Os procedimentos de hemostasia endoscópica de- relacionado à identificação do local do sangramento.
penderão da natureza da lesão encontrada, do grau do Se foi possível a localização do local do sangra-
sangramento, da disponibilidade do material necessá- mento na propedêutica pré-operatória e se ela for res-
rio e, sobretudo, da competência do endoscopista. trita a um segmento do cólon, pode-se optar por uma
ressecção cólica segmentar. Nesses casos, tais como o
A introdução do aparelho deverá ser cuidadosa, câncer, o pólipo cólico ou a ectasia vascular, responsá-
evitando-se manobras bruscas ou forçadas. veis pela HDB limitada a um segmento intestinal, nos-
sa tática operatória de escolha é a colectomia parcial
com anastomose primária sempre que possível.
Contribuem para viabilizar a anastomose pri-
Terapêutica por mária após a colectomia segmentar na HDB:
angiogra昀椀a seletiva € presença de sangue, em grande quantidade, na
luz intestinal, que, atuando como agente catár-
A angiografia seletiva na vigência de sangramento tico, livra o cólon do conteúdo fecal;
ativo, com débito acima de 0,5 mL por minuto, poderá
ser, além de diagnóstica, terapêutica. Ela possibilita a € realização do preparo intestinal com o manitol
administração de drogas vasopressoras no território expresso para efetuar a colonoscopia, possível
sangrante, controlando a hemorragia e permitindo na maioria dos enfermos;
que o paciente seja submetido ao tratamento de sua € uso endovenoso de antimicrobianos de amplo
doença de forma eletiva. espectro.

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Coloproctologia

Somente realizamos a colectomia segmentar com ressecada orientará o procedimento operatório defini-
colostomia terminal temporária, dita de proteção, em tivo, com opções para anastomose ileorretal, ileoanal
situações de risco para efetuar-se esta anastomose pri- com bolsa ileal ou ressecção do reto e manutenção da
mária, tais como a possibilidade de contaminação da ileostomia. Os resultados do tratamento, conservador
cavidade abdominal ou a presença de fezes em grande ou cirúrgico, da HDB quanto aos índices de mortalida-
quantidade no cólon. de dependem das condições e da idade do doente e da
Quando não houve identificação do local do san- causa e do grau do volume de sangue perdidos. Na ur-
gramento no pré-operatório, é importante fazer a ex- gência, esses índices podem alcançar até 30%.
ploração peroperatória pela inspeção e palpação das al-
ças, embora seja rara sua contribuição para a localização
do sangramento. O melhor método é a colonoscopia
transoperatória, com porcentagem de sucesso relatada
na literatura de 83% ou mais; porém, ela necessita de Seguimento
equipe treinada, com o cirurgião auxiliando o endosco-
As complicações pós-operatórias precoces mais co-
pista na introdução do aparelho endoscópico.
muns são sangramento intra-abdominal, íleo adinâmico,
Não se dispondo da colonoscopia em centro ci- obstrução intestinal mecânica, sepse intra-abdominal,
rúrgico, pode-se tentar as clampagens intestinais seg- peritonite localizada ou generalizada, infecção de ferida
mentares. Havendo localização da sede ou da causa do e/ou deiscência, colite pseudomembranosa, pneumonia,
sangramento no peroperatório, a opção será, também, retenção urinária, infecção do trato urinário, trombose
a ressecção cólica segmentar sempre que possível. venosa profunda e embolia pulmonar.
Não havendo possibilidade de identificação do local As complicações tardias ocorrem geralmente
preciso do sangramento no peroperatório, porém haven- mais que uma semana após a cirurgia. As complica-
do certeza de ser a HDB de origem cólica, deve-se realizar ções tardias mais comuns são: estenose anastomóti-
a colectomia total com anastomose ileorretal primária.
ca, hérnia incisional e incontinência.
Essa tática operatória está indicada para pacientes em
que se identificam ectasias vasculares com distribuição
difusa no cólon e nos portadores da doença diverticular
cólica difusa. Embora se reconheça que os divertículos de
cólon direito sejam os que mais sangram, a colectomia
direita pode ser acompanhada, no pós-operatório, de re-
Prognóstico
cidivas frequentes de sangramento à esquerda. A HDB cessa espontaneamente, nas primei-
A colectomia total associada a uma ileostomia ras 48 horas, em até 90% dos enfermos, sendo
terminal temporária é conduta de exceção, como nos que há recidiva em 15% nas 48 a 72 horas seguin-
doentes portadores de RCU com hemorragia maciça. tes. O sangramento permanece contínuo em apenas
Nestes, o estudo anatomopatológico da peça cirúrgica 10% dos pacientes.

M!didas de ressuscitação
• História
• Exame físico Tratamento
Positivo
• Exames laboratoriais
• Aspiração nasogástrica
• EDA

Anorretossigmoidoscopia Positivo Tratamento

Colonoscopia Positivo Tratamento

Sangramento ativo Cintilografia Positivo Tratamento

Arteriografia
M!didas adicionais
• Trânsito do delgado
• TC
• EDA com colonoscópio
Positivo
Sangramento persistente
Tratamento
L"parotomia exploradora

Figura 8.1 Organograma de atendimento a HDB.

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CAPÍTULO

9
Doença diverticular

“É a mente que torna bom o doente, que torna a pessoa desgraçada ou infeliz, rica ou pobre”.
– EDMUND SPENSER.

A prevalência estimada de doença diverticular


De昀椀nição do intestino grosso por estudos radiológicos e de ne-
cropsia é de aproximadamente 10% da população
Divertículos são herniações da mucosa e da submu- de países desenvolvidos. É menor nos países em de-
cosa através da camada muscular da parede intestinal. senvolvimento, sendo rara em alguns países cujo con-
Os divertículos do cólon podem ser divididos sumo de fibras é elevado, como por exemplo, África e
Ásia onde a prevalência é inferior a 0,2%.
em falsos e verdadeiros. Os falsos constituem a
quase totalidade dos divertículos do intestino A doença diverticular é incomum antes dos 40
grosso e consistem de herniação da mucosa e sub- anos de idade e aumenta de uma frequência de 5%
mucosa através da camada muscular do intestino e na 5ª década de vida para mais de 50% na 9ª déca-
da. Com o envelhecimento, ocorre uma diminuição
são revestidos pela serosa. Os divertículos verda-
da força tênsil das fibras colágenas e musculares do
deiros são raros e consistem na herniação de to-
cólon. Na diverticulose ocorrem alterações semelhan-
das as camadas do intestino.
tes, porém mais acentuadas do que as observadas com
Diverticulose indica somente a presença de o envelhecimento isoladamente.
divertículo, e doença diverticular indica a presença Estudos preliminares sugeriam uma maior inci-
de divertículo, sintomático ou não. Os divertículos dência de doença diverticular no sexo masculino, mas
sintomáticos podem apresentar sangramento, infla- estudos mais recentes mostram uma distribuição se-
mação (diverticulite) ou outros sintomas abdominais. melhante em ambos os sexos.
Em pacientes abaixo de 40 anos, entretanto, os
casos de diverticulite sintomática chegam a ser até
três vezes mais comuns em homens.
Epidemiologia Algumas doenças hereditárias como doença
policística renal, síndrome de Marfan e Ehlers-
A predominância da doença diverticular do -Danlos estão associadas a um aumento da inci-
intestino grosso aumentou acentuadamente no úl- dência de doença diverticular, uma vez que causam
timo século, em razão do aumento da longevidade alterações na força da camada submucosa do cólon;
da população e da redução das fibras alimentares na nesses pacientes, a doença diverticular pode se de-
nossa dieta. senvolver em idade mais precoce.
84
Coloproctologia

ções da musculatura colônica e/ou distensão do cólon


Patogenia por gases. Essas alterações ocorrem principalmente
no cólon sigmoide, a porção mais estreita do cólon,
A anormalidade muscular é a característica o que pode ser explicado pela lei de Laplace. Esta lei
mais marcante e consistente. O mecanismo pato- é representada pela fórmula P=KT/R e explica que a
gênico primário não é apenas uma protrusão da
pressão intraluminar (P) é proporcional à tensão da
mucosa, mas sim uma anormalidade da camada
parede (T) e inversamente proporcional ao raio (diâ-
muscular própria, levando a um espessamento ca-
metro) do cólon (R). K é um fator de conversão. Dessa
racterístico dessa camada. Uma teoria sugere que
forma, o segmento colônico com menor diâmetro (có-
o espasmo muscular prolongado, como resultado da
baixa quantidade de resíduos e volume fecal, com lon sigmoide) apresenta a maior pressão intraluminar.
consequente hipersegmentação, leva ao aumento da A maioria dos pacientes com doença diver-
pressão intraluminar do cólon. Essa pressão intralu- ticular apresenta espessamento da camada mus-
minar aumentada causa a herniação da mucosa e da cular do cólon, conhecida como miocose (myocho-
submucosa através das áreas de fraqueza inerentes sis), que não é nem hipertrofia nem hiperplasia.
do cólon. Evidência contra essa teoria é o fato de que Sua etiologia não é conhecida, e sua aparência
a pressão intraluminar pode ser normal no cólon de espessada deve-se possivelmente a encurtamen-
pacientes com doença diverticular comprovada, o to das tênias, causado por aumento de elastina
que faz com que a presença de um espasmo prolonga- na superfície dessas, ao espessamento da cama-
do como único fator etiológico seja pouco provável. da muscular circular e ao estreitamento da luz
Uma segunda teoria propõe o encurtamento da intestinal. A elastina é depositada entre as células
parede colônica como evento inicial na patogenia da musculares, e o padrão fascicular normal das tê-
doença diverticular. No cólon normal, as tênias agem nias torna-se distorcido. Essa alteração é, prova-
como suportes externos para a contração dos múscu- velmente, uma das causas do aumento da pressão
los lisos da camada muscular circular. intraluminar. Outras mudanças estruturais vistas
na diverticulose são o espessamento das camadas
A presença da elastina explica porque a doença
musculares longitudinal e circular do cólon e um
diverticular não pode ser completamente revertida
aumento progressivo de componentes do tecido
pela dieta rica em fibras, uma vez que a elastina em si
é irreversível. Entretanto, não se sabe se a elastina é conjuntivo da parede colônica, como colágeno tipo
um evento primário ou uma consequência da doença III e a própria elastina, já mencionada. Em alguns
diverticular. Sugere-se que a distensão intermitente pacientes pode-se encontrar a associação de doença
da camada muscular lisa do cólon pode estimular a diverticular, hérnia hiatal e colelitíase. Esta tríade
captação de substâncias presentes na parede colôni- ficou conhecida como síndrome de Saint.
ca, como a prolina, que poderia levar à elastina.
A herniação da mucosa e da submucosa atra- Doença Diverticular do Cólon - Fisiopatologia
vés da camada muscular que ocorre em pontos de
fraqueza na parede colônica é dependente do au- fibras na dieta resíduos fecais
mento do gradiente de pressão entre a luz do có-
lon e a cavidade peritoneal. Os principais pontos
de fraqueza na parede colônica são os locais de
constipação crônica
penetração das artérias na camada muscular cir-
cular para serem distribuídas na submucosa, que
ficam entre as tênias lateral e mesentérica. Os di-
da força propulsiva intestinal Fragilidade da parede intestinal
vertículos não se desenvolvem no reto, provavel-
mente porque nessa região ocorrem a coalescência (entrada de vasos nutrientes)
das tênias e a formação de uma camada muscular
longitudinal única. pressão intraluminal e/ou

Paralelamente ao aumento na frequência de di- doenças do tecido conjuntivo


verticulose com a idade, existe um acúmulo de colá-
hipertrofia muscular (Marfan, Ehlers-Danlos etc.)
geno, elastina e tecido reticular na camada muscular
colônica. Essas alterações estruturais resultam em
redução na força da camada muscular. Essa hipótese
é apoiada pelo desenvolvimento precoce de doença di-
verticular do intestino grosso em pessoas jovens com
doenças do tecido conjuntivo, como nas síndromes de Herniação da mucosa através da parede muscular
(divertículos)
Marfan e Ehlers-Danlos.
O gradiente de pressão entre a luz do intestino e
a cavidade peritoneal pode ser em virtude de contra- Figura 9.1 Fisiopatologia da doença diverticular.

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85
9 Doença diverticular

Figura 9.2 Figura 1: visualização colonoscópica dos divertículos. Figura 2: distribuição anatômica dos divertícu-
los; Figura 3: patogenia da doença diverticular. Os divertículos são herniações da mucosa através dos pontos de
entrada dos vasos sanguíneos pela parede muscular. Pelo fato de estes divertículos serem formados apenas por
mucosa em vez de o serem por toda a parede do instestino, eles são chamados falsos divertículos. Note que os
divertículos formam-se apenas entre as tênias mesentéricas e cada uma das duas tênias laterais. Pelo fato de não
haver vasos perfurantes, os divertículos não se formam no lado antimesentérico do cólon. Figura 4: clister opaco
evidenciando os divertículos.

Patologia
O cólon é o local mais comum de formação diverticular do trato digestivo. A quase totalidade dos
divertículos é falsa (pseudodivertículos) e se forma no local em que as artérias perfuram a camada
muscular circular para alcançarem a submucosa. Os divertículos quase sempre se localizam entre as
tênias lateral e mesentérica. Variam em número de um a centenas, e o seu tamanho varia de 1 mm a mais
de 1 cm de diâmetro. O maior divertículo descrito tinha 27 cm. O número e o tamanho dos divertículos
frequentemente aumentam com o tempo.

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86
Coloproctologia

A distribuição dos divertículos no intestino Moléstia diverticular dos cólons: complicações


grosso difere conforme o segmento. O local mais
Forma hipertônica
comum dos divertículos é o cólon sigmoide, o qual
€ Perissigmoidite
está envolvido em 95% dos casos. Os divertículos
€ Abscesso intramural ou pericólico
podem ser classificados conforme a sua localização
€ Fístulas internas
em quatro categorias: divertículos limitados ao cólon
- Colovesical*
sigmoide (65%), divertículos envolvendo o cólon sig-
moide e outros segmentos colônicos (24%), divertícu- - Coloentérica
los dispersos em todos os segmentos colônicos (7%) e - Colovaginal
€ Fístulas externas
divertículos limitados a segmentos proximais ao cólon
sigmoide (4%). - Colocutânea
- Coloperineal
€ Obstrução intestinal
€ Perfuração em peritônio livre
Doença diverticular: localização Forma hipotônica
€ Hemorragia diverticular
Cólon sigmoide exclusivo: 65%
€ Perfuração em peritônio livre
Cólon sigmoide e outro segmento: 24% Figura 9.2 *A mais comum.
Todo o cólon: 7%
Obs.: 90% ou mais ocorrem na topografia do sigmoide
e cólon descendente
Tabela 9.1 Quadro clínico
A maioria dos pacientes com doença diver-
A doença diverticular do cólon pode ser associada
ticular (70%) é assintomática. Uma pequena por-
a cólon espástico (hipertônica) ou não (não hipertônica).
centagem dos pacientes (10%) com diverticulose
Na doença diverticular hipertônica, os di- não complicada apresenta sintomas inespecíficos
vertículos são geralmente limitados ao cólon sig- como dor abdominal intermitente, com frequência
moide ou ao cólon sigmoide e cólon descendente. associada à distensão abdominal, excesso de gás, fla-
Essa é a forma menos comum de doença diverti- tulência, timpanismo e defecação irregular. A causa
cular. Os pacientes apresentam espessamento da desses sintomas não está determinada, mas é possi-
camada muscular circular, encurtamento da tênia e velmente devida à presença simultânea da síndrome
estreitamento da luz. Essas alterações são denomi- do cólon irritável.
nadas miocose (myochosis). As contrações muscula- De 15 a 30% dos pacientes com divertículos no có-
res podem dividir o cólon em câmaras fechadas com lon apresentam doença diverticular complicada: diver-
hipertensão no seu interior. A diverticulite aguda ticulite (10 a 25%) e hemorragia diverticular (5%).
está frequentemente associada a essa forma de
doença diverticular.
Doença diverticular (DD): quadro clínico
A doença diverticular não hipertônica (for-
ma hipotônica) é mais comum (70% dos casos) e Sintomas inespecíficos: dor abdominal, flatulência, al-
teração do hábito intestinal
se caracteriza pela presença de inúmeros diver-
DD complicada (15 – 30%)
tículos no cólon sigmoide e em outros segmentos
€ Diverticulite (10 – 25%)
mais proximais do cólon. Ocasionalmente todo o
€ Hemorragia (5%)
cólon é acometido. Não ocorre espessamento da ca-
DD assintomática 70% dos casos
mada muscular ou hipertensão na luz colônica. A
hemorragia está mais frequentemente associada Tabela 9.3
a esse tipo de divertículo do que a doença diver-
ticular hipertônica.
É importante o diagnóstico diferencial de diver-
ticulite e adenocarcinomas de cólon. Com a inflama-
ção aguda da diverticulite, a formação de abscessos e
Abordagem diagnóstica
a consequente inflamação crônica, a parede colônica A maioria dos pacientes com doença diverticu-
torna-se espessada, endurecida, sendo difícil a sua di- lar é assintomática e o diagnóstico é estabelecido com
ferenciação macroscópica de carcinoma. clister opaco ou exame endoscópico do cólon de rotina

SJT Residência Médica – 2016


87
9 Doença diverticular

ou realizado para avaliar manifestações clínicas suges-


tivas de doenças do intestino grosso. O diagnóstico de Diverticulite
diverticulite e hemorragia diverticular é geralmente
suspeitado pelas manifestações clínicas, que são geral- Diverticulite é a complicação mais frequen-
mente sugestivas e confirmadas por exames comple- te da doença diverticular. Estima-se que 10-25%
mentares, discutidos adiante. das pessoas com doença diverticular desenvolvem
diverticulite durante a vida. A probabilidade de de-
senvolver diverticulite é maior nas pessoas com
divertículos em maior número, com distribuição
mais ampla no cólon e aparecimento com menor
Tratamento clínico para idade. Pode variar de uma leve inflamação peridi-
verticular até uma peritonite fecal secundária à per-
doença diverticular furação do divertículo.
Quando tratada clinicamente, a diverticuli-
A base do tratamento clínico da doença diver- te recidiva em um terço dos casos, sendo que 90%
ticular não complicada é o aumento de fibras na die- das recidivas ocorrem em cinco anos. Diverticulite
ta. As fibras aumentam o peso das fezes, diminuem simples, ou não complicada, ocorre em 75% dos
o tempo de trânsito intestinal e diminuem a pressão casos; os outros 25% são casos de diverticulite
intracolônica, principalmente pelo desvio de água que complicada, incluindo perfuração, abscesso, fís-
proporcionam para dentro da luz intestinal. Os cereais tula ou estenose. Apenas 22% dos pacientes com
são a melhor fonte de fibras naturais, seguidos de fru- diverticulite perfurada apresentam história prévia
tas e verduras, especialmente as leguminosas. Carne, de doença diverticular.
galinha, peixe, leite e derivados, ovos, gordura e refri- O início da inflamação é quase sempre na pon-
gerantes não contêm fibras. A falta de fibra luminal re- ta do divertículo e se deve a obstrução por material
duz o volume das fezes e necessita de mais segmenta- fecal no seu interior. Posteriormente ocorrem acú-
ção colônica para propelir o conteúdo intestinal. Para mulo de secreção mucosa e o crescimento de bactérias
aquelas pessoas que não toleram aumentar a ingestão colônicas dentro do divertículo. O suprimento sanguí-
de fibras existe a possibilidade do uso crônico de la- neo fica comprometido, e o divertículo, que possui pa-
xantes formadores do bolo fecal, como aqueles à base redes delgadas, sofre necrose e perfuração, com ocor-
de psyllium (por exemplo, metamucil). rência de peridiverticulite. Nesse ponto, o processo
Entre as novas perpectivas de tratamento inflamatório pode regredir espontaneamente ou com
clínico destacamos a rifaximina, um antibiótico tratamento clínico, ou então evoluir para uma compli-
semissintético, derivado da rifamicina, com ação cação: abscesso ou fístula. As manifestações clínicas
bacteriostática, inibindo a síntese do ácido ribonu- são frequentemente similares a uma apendicite, e
cleico bacteriano. por isso a diverticulite é referida como apendicite
Nos estudos avaliando seu uso no tratamento da do lado esquerdo.
diverticulose, a rifaximina tem sido administrada em O sintoma mais frequente é dor abdominal,
doses de 400 mg, 2 vezes ao dia, por 7 dias, frequente- que é geralmente contínua e de intensidade mode-
mente em cursos mensais, por até 12 meses. Os resul- rada ou intensa. Em razão de a diverticulite apresen-
tados evidenciam superioridade da associação da rifa- tar-se quase sempre no cólon sigmoide ou descenden-
ximina à dieta rica em fibras, em relação à dieta rica te, a dor é em geral localizada no quadrante inferior
em fibras de forma isolada, em prevenir a recorrência esquerdo. Entretanto, pode apresentar-se na região
e diminuir os sintomas. suprapúbica ou no quadrante inferior direito se o có-
lon sigmoide for redundante ou se o paciente tiver di-
A utilização de mesalazina dá-se pelo achado,
vertículos do cólon direito.
não raro, de um estado de inflamação crônica localiza-
do nas porções colônicas gravemente acometidas pela A febre é o segundo sintoma mais frequente
diverticulose: a colite segmentar. As alterações colo- e geralmente é moderada (menor que 38,5ºC), mas
noscópicas da colite segmentar associada à doença pode ser elevada, principalmente na presença de
diverticular são inespecíficas, podendo ser similares complicação. Outras manifestações clínicas, frequen-
àquelas da doença de Crohn, o que requer criterioso temente presentes, são náuseas e vômitos, anorexia e
estudo do caso e acompanhamento em longo prazo, alteração no hábito intestinal, constipação intestinal,
para se estabelecer o diagnóstico preciso. Recentes e mais raramente diarreia. Disúria pode também ocor-
trabalhos têm relacionado esse estado inflamatório rer, indicando envolvimento da bexiga.
crônico às alterações da microflora bacteriana intes- No exame físico, é frequentemente observada
tinal, consequente à dieta pobre em fibras. A porção dor à palpação na fossa ilíaca esquerda, que pode es-
mais acometida é o cólon sigmoide, exatamente pela tar associada à contratura muscular e massa palpável.
maior ocorrência de divertículos nesse segmento. O abdome apresenta-se distendido e timpânico. Os

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88
Coloproctologia

ruídos hidroaéreos são normais na diverticulite não DD: diverticulite


complicada, diminuídos quando a inflamação é mais
intensa ou na presença de complicação, e aumentados “Apendicite do lado esquerdo”
€ Dor em FIE
na presença de oclusão intestinal. O toque retal pode
€ Febre moderada
revelar a presença de uma massa dolorosa.
€ Anorexia
Raramente o paciente pode apresentar evidên- € Constipação
cias de complicações como disúria, piúria, pneumatú-
€ Raramente diarreia
ria, eliminação de gases e fezes pela vagina (fístulas
colovesical ou colovaginal) ou peritonite difusa (per- Raramente:
furação para abdome livre). € Fístula colovesical ou colovaginal
€ Peritonite difusa

Tabela 9.4
Complicações da diverticulite
Hinchey e colaboradores classificaram
A evolução da diverticulite depende do processo
as perfurações em quatro graus:
inflamatório local e das condições gerais do paciente,
I. Abscesso pericólico localizado
da sua idade e da presença de doenças sistêmicas asso-
II. Abscesso distante (retroperitoneal ou pélvico)
ciadas. Apesar de a maioria dos pacientes evoluir para
III. Peritonite generalizada causada por ruptura de
cura, muitos apresentam complicações.
abscesso pericólico ou pélvico (não comunicante com a
luz do cólon)
a) Abscesso: ocorre em aproximadamente 8 a
IV. Peritonite fecal (perfuração comunicante com a luz do
14% das diverticulites agudas e em 30 a 55% dos pa- cólon)
cientes com diverticulite submetidos à cirurgia. Os Tabela 9.5
abscessos geralmente se localizam próximos ao cólon,
mas podem ser pélvicos ou em qualquer lugar na cavi-
dade abdominal. O diagnóstico é suspeitado pela per- Classificação de Hinchey modificada
sistência de febre elevada, leucocitose e presença de por Wasvary
massa no exame físico ou no toque retal ou vaginal. Estágio 0 Diverticulite leve – perfuração
O diagnóstico é confirmado pela ultrassonografia ou Inflamação ou fleimão pericólicos confi-
Estágio Ia
pela tomografia computadorizada. nados
Estágio Ib Abscesso pericólico confinado
b) Fístula: a mais comum é entre o cólon e a Abscesso pélvico, retroperitoneal ou intra-
Estágio II
bexiga, mas pode ser com a vagina, pele, intestino -abdominal distante
delgado, ureter, sistema venoso porta e vias biliares. A Estágio
Peritonite purulenta generalizada
suspeita diagnóstica se faz pela presença de infecções III
de repetição do trato urinário, pneumatúria, fecalúria, Estágio
Peritonite fecal
IV
eliminação de fezes pela vagina ou pele. O diagnóstico
é confirmado por edema opaco, fistulografia, retossig- Colovesical, Coloentérica, colovaginal, en-
Fístula
terocutânea
moidoscopia, cistografia ou pielografia endovenosa.
Ob-
Mais recentemente, a tomografia computadorizada De delgado e/ou colônica
strução
com triplo contraste vem se mostrando menos inva-
Tabela 9.6
siva e mais efetiva, com diagnóstico em mais de 90%
dos casos.
De acordo com a classificação de Ambrosetti e
c) Obstrução intestinal: pode ser tanto do in- colaboradores (baseada nos achados tumográficos).
testino delgado, por envolvimento inflamatório e podemos identificar dois grupos de pacientes: doença
aderências do intestino subjacente, como do intesti- moderada ou grave.
no grosso, por compressão e envolvimento do cólon
pela massa inflamatória. As manifestações clínicas e o Classificação de Ambrosetti
diagnóstico são semelhantes às outras causas de obs- Diverticuli- Espessamento localizado da parede do
trução intestinal. te mode- sigmoide maior do que 5 mm e inflama-
rada ção da gordura pericólica.
d) Peritonite difusa: é uma complicação infre- Presença de abscesso, ar fora de alça
Diverticuli-
quente. Pode ser causada pela perfuração direta de um intestinal ou extravazamento de contraste
te grave
divertículo ou em consequência da ruptura de um abs- intraluminal.
cesso peridiverticular. Tabela 9.7

SJT Residência Médica – 2016


89
9 Doença diverticular

Abordagem diagnóstica

Exames laboratoriais
O hemograma geralmente revela leucocitose
com desvio nuclear à esquerda. Muitos pacientes com
diverticulite aguda apresentam hemograma normal
ou com alterações mínimas. A urina tipo I frequente-
mente mostra aumento do número de leucócitos e he-
mácias em virtude de irritação ou comprometimento
do ureter ou da bexiga pelo processo inflamatório.

Radiogra昀椀a simples do abdome


Figura 9.3 Classificação de Hinchey para a diverticuli- Pacientes com diverticulite frequentemente apre-
te. Estágio I: diverticulite perfurada com abscesso para- sentam íleo localizado na região do processo inflamató-
cólico confinado. Estágio II: diverticulite perfurada que rio e evidência de graus variados de obstrução colônica.
fechou espontaneamente com a formação de um abs- Sinais de peritonite e pneumoperitônio são observados
cesso distante. Estágio III: diverticulite perfurada não nos casos de perfuração. O pneumoperitônio é mais bem
comunicante com peritonite fecal (o colo do divertículo observado na radiografia anteroposterior do tórax. Cole-
está fechado e, portanto, o contraste não será expelido ção líquida no quadrante inferior esquerdo e presença de
livremente nas imagens radiográficas). Estágio IV: per- ar fora de alça intestinal são sugestivas de abscesso.
furação e comunicação livre com o peritônio, resultan-
do em peritonite fecal.

A hemorragia diverticular é responsável por Clister opaco


40% de todos os casos de hemorragia digestiva baixa. O clister opaco é o melhor método para demons-
Dos pacientes com hemorragia, apenas 1/3 apresenta trar a presença e a extensão dos divertículos, mas é de
sangramento maciço. Pacientes admitidos com hemorra- valor limitado para determinar a extensão e a gravi-
gia diverticular tendem a ser mais idosos do que aqueles dade do processo inflamatório. Os melhores resulta-
admitidos por outras complicações de doença diverticu- dos são obtidos com o uso de duplo contraste e com o
lar. A hemorragia diverticular ocorre mais comumen- cólon preparado, o que não pode ser realizado no caso
te de divertículos do lado direito, apesar da maior in- de inflamação aguda. A indicação de clister opaco
cidência de divertículos no cólon sigmoide nos países no paciente com diverticulite aguda é controverti-
ocidentais; estima-se que cerca de 80% dos divertícu- da. Aqueles que não são favoráveis argumentam que
los que sangram são do lado direito. existe a possibilidade de perfuração colônica com ex-
travasamento de contraste e que atualmente existem
A intensidade do sangramento é variável, mas na métodos mais precisos e seguros para o diagnóstico
maioria das vezes é moderada ou intensa e é acompa- de diverticulite aguda. Entretanto, outros autores ar-
nhada de taquicardia, sudorese, hipotensão e mesmo gumentam que o risco de perfuração é pequeno se o
choque hipovolêmico. A maioria dos casos de san- exame for realizado cuidadosamente.
gramento diverticular é autolimitada; entretanto, a
Os sinais radiológicos de diverticulite no clister
recidiva do sangramento pode variar de cerca de 25 a
opaco incluem estreitamento do cólon, geralmente do
40% e geralmente ocorre no primeiro ano após o epi- sigmoide, massa na região inflamatória e extravasa-
sódio inicial de hemorragia. Um terceiro episódio de mento de contraste. Esses sinais podem estar ausentes
sangramento ocorre em 50% dos pacientes que apre- no paciente com diverticulite aguda, mesmo nos com-
sentaram dois episódios. É muito rara a concomitân- plicados. Somente a presença de divertículos indica
cia de sangramento por divertículos e diverticulite. diverticulose e não diverticulite. Uma vez que diver-
ticulite é essencialmente uma doença extramural, o clis-
DD: hemorragia ter opaco pode subestimar a extensão da doença.
Principal causa de HDB em idosos Estudos com contraste hidrossolúvel são mais
Divertículos do cólon direito úteis para o diagnóstico nos casos de diverticulite. São
HDB autolimitada tecnicamente mais fáceis, uma vez que não é necessá-
Recidiva (25 a 40%) rio preparo do cólon e o contraste usado é muito me-
Associação rara com diverticulite nos viscoso do que o bário. É claro que os detalhes da
Tabela 9.8 mucosa são muito inferiores aos do estudo com bário.

SJT Residência Médica – 2016


90
Coloproctologia

Diverticulite aguda - Achados ao clister opaco 1. dúvida diagnóstica;


Fístulas (intramural, externa ou trajeto para estruturas ad- 2. suspeita de complicação, como abscesso e fístula;
jacentes) 3. não melhora do paciente com o tratamento
Abscesso comunicante com ou sem efeito de massa clínico;
Extravasamento do contraste
4. paciente imunodeprimido, como o que apre-
Estreitamento segmentar com limite afunilado do có-
senta AIDS ou que toma corticoide, porque a avalia-
lon
ção clínica pode não indicar com precisão o estado do
Distorção do pregueado mucoso
paciente. Entretanto, a tomografia computadorizada
Tabela 9.9 vem sendo utilizada cada vez mais para determinar
fatores prognósticos, pois estudos prospectivos recen-
tes demonstraram que a tomografia computadorizada
Ultrassonogra昀椀a tem a especificidade de 98 a 100% no diagnóstico de
diverticulite aguda.
Em razão de sua ampla disponibilidade, a ul-
trassonografia é frequentemente o primeiro exa- Além de permitir estabelecer o diagnóstico e a gra-
me de imagem empregado para a avaliação de uma vidade da diverticulite aguda com elevada precisão, a
suspeita de diverticulite. Os sinais ultrassonográfi- tomografia computadorizada pode ser útil para guiar a
cos sugestivos de diverticulite incluem dor abdominal colocação de cateteres para a drenagem percutânea dos
à compressão durante a visualização de um segmento abscessos. A drenagem percutânea é geralmente um pro-
colônico, o qual apresenta espessamento hipoecogênico cedimento simples, que pode ser realizada com anestesia
da parede, estreitamento ou obstrução completa da luz, local, com sedação leve.
região de hiperecogenicidade envolvendo o processo
inflamatório (gordura pericólica e omento-inflamação Diverticulite aguda
pericólica), diminuição da motilidade intestinal, hiper- Achados à tomografia computadorizada
trofia da musculatura lisa, aparência de “alvo” no corte Divertículos colônicos
transverso (devido a alterações inflamatórias e espes- Infiltração ou abcessos na gordura pericólica
samento muscular), abscesso e sinais de compressão Espessamento circunferencial da parede colônica
do ureter (hidronefrose unilateral, quase sempre à es-
Fístulas
querda). O abscesso é limitado por um halo hipereco-
gênico e frequentemente por parede espessada de alças Abcesso pélvico e/ou peritonite
intestinais. A associação da ultrassonografia transa- Abcesso fístula intramural
bdominal à ultrassonografia transretal aumenta a Abcesso ou infiltração do mesocólon
sensibilidade desse método para o diagnóstico espe-
Obstrução colônica
cialmente de diverticulite de sigmoide.
Compressão do ureter
Trombose séptica de veia porta
Diverticulite aguda - Achados à ultrassonografia
Tabela 9.11
Espessamento da parede do cólon > 5 mm numa extensão
> 5 cm
Abscesso intramural
Abscesso pericólico
Fístulas intramurais
Coleção ecogênica de gás na parede (divertículo)
Infiltração da gordura pericólica
Tabela 9.10

Tomogra昀椀a computadorizada
A tomografia computadorizada é o método
mais valioso para a avaliação da diverticulite aguda.
Apresenta sensibilidade e especificidade superiores
a 90%, variando de 85 a 97%, no entanto não existe
necessidade de realizar tomografia computadoriza-
da na maioria dos pacientes com diverticulite não
complicada. Suas principais indicações são:

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91
9 Doença diverticular

Tratamento cirúrgico
Poucos pacientes são submetidos à cirurgia por
ocasião do primeiro episódio de diverticulite não com-
plicada.
A indicação fica reservada para os mais jovens e
imunossuprimidos. O procedimento de escolha é res-
secção primária sem ostomia de proteção.
A indicação de ressecção após episódios recor-
rentes de diverticulite mudou nos últimos anos. O
tratamento cirúrgico após o quarto episódio
de diverticulite, em vez do segundo, resultou
Figura 9.4 Tomografia computadorizada mostrando em menor incidência de óbitos por colostomia.
drenagem percutânea de abscesso como complicação É fundamental levar em consideração caso a caso, a
de uma diverticulite aguda. A: seta apontando para to- faixa etária, frequência, gravidade e intervalo dos epi-
pografia do abscesso no cólon sigmoide; B: drenagem sódios. Decidido a cirurgia, o procedimento de
guiada por cateter inserido na loja do abscesso; C: reso- escolha é a ressecção com anastomose primária.
lução do abscesso e retirada do cateter.

Diverticulite: Estágios I e II
Endoscopia
A endoscopia do intestino grosso (retossigmoi- Abscesso < 5cm Abscesso > 5 cm
doscopia e colonoscopia) é raramente indicada na pre-
sença de diverticulite em virtude da possibilidade de • Dieta zero • Dieta zero
perfurar o cólon, da dificuldade ou impossibilidade de • HV e reposição eletrolítica • HV e reposição eletrolítica
ultrapassar a região do retossigmoide pela presença • Analgesia • Analgesia
• ATB • Drenagem percutânea
da inflamação e por ser de pouca utilidade para es-
tabelecer o diagnóstico e a avaliação da gravidade da • Observação clínica Piora clínica apesar da
diverticulite. Entretanto, a retossigmoidoscopia com • Piora clínica após 48h drenagem, ou impossibilidade
insuflação mínima de ar está indicada quando houver de drenagem
dúvida diagnóstica e necessidade de excluir neoplasias Reavaliar com TC
ou doenças inflamatórias do intestino. Discutir cirurgia
Progressão do abscesso,
avaliar drenagem
percutânea

Tratamento
Em pacientes sem outros comprometimentos Figura 9.5 Algoritmo de tratamento da diverticulite.
orgânicos, o tratamento pode se limitar a uma dieta
líquida e antibióticos orais (cefalosporina, sulfa ou me- Aqueles pacientes em quem não foi possível a
tronidazol), mesmo em ambulatório (ciprofloxacina ou drenagem efetiva ou com persistência dos sintomas
amoxacilina/clavulanato são possíveis opções de anti- devem ser submetidos à colectomia parcial com colos-
bioticoterapia via oral). Por outro lado, na presença de
tomia proximal (cirurgia de Hartmann). A drenagem
distensão abdominal importante, vômitos ou febre, o
do abscesso e a colostomia em alça têm piores resulta-
paciente deve ser internado, permanecer em jejum e
dos do que a proposta anterior.
com hidratação e antibióticos endovenosos. Em geral
sonda nasogástrica não é necessária, a menos que o pa- Na presença de condições clínicas favoráveis, pouco
ciente apresente oclusão intestinal evidente ou esteja conteúdo fecal ou possibilidade de preparo transoperató-
vomitando. Anticolinérgicos podem ser eventualmente rio, reduzida contaminação peritoneal e equipe cirúrgica
empregados em pacientes muito sintomáticos por cau- habilitada, a anastomose primária pode ser realizada,
sa da hipermotilidade do cólon. Os antibióticos mais com ou sem ostomia de proteção, com morbimortalida-
empregados são as cefalosporinas ou a combinação de semelhante ou menor do que os procedimentos em
de aminoglicosídeos com anaerobicidas. dois ou três tempos.

SJT Residência Médica – 2016


92
Coloproctologia

foi o método diagnóstico de escolha; entretanto, a tomo-


Diverticulite: Estágios III e IV grafa computadorizada com triplo contraste parece ser
superior porque é menos invasiva e faz o diagnóstico de
fístula colovesical em mais de 90% dos pacientes.
Unidade de tratamento intensivo As opções cirúrgicas incluem: 1. fechamento
Medidas de suporte primário da fístula, colostomia protetora isolada ou
ATB como parte de um procedimento em dois ou três es-
tágios; 2. fechamento da fístula com ressecção e anas-
tomose primária; e 3. fechamento da fístula e proce-
• Cirurgia de urgência dimento de Hartmann. Geralmente as cirurgias para
• Cirurgia de Hartmann (preferível) correção de fístulas são eletivas, e o procedimento em
estágio único com ressecção e anastomose primária
• Ressecção com anastomose
pode ser realizado com segurança em mais de 75%
primária com ou sem ileostomia dos casos. A sondagem vesical no pós-operatório é
(estágio III) mantida por pelo menos sete dias. A endoscopia pode
ser indicada em alguns casos, colocando-se colas bio-
Figura 9.6 Algoritmo de tratamento da diverticulite. lógicas e clipes e eventualmente próteses por via en-
doscópica ou radiológica.
A diverticulite com perfuração livre é uma com-
plicação incomum da diverticulite aguda, porém apre-
senta mortalidade elevada, da ordem de 6 a 35%. O Obstrução
quadro exige medidas imediatas de ressuscitação, an-
A obstrução aguda durante um episódio de di-
tibióticos de amplo espectro e tratamento cirúrgico de
verticulite usualmente é autolimitada e responde bem
urgência. O procedimento indicado é a ressecção do
ao tratamento clínico. Em alguns casos, podem ser re-
segmento comprometido com colostomia (mortalida- alizadas drenagens endoscópicas com drenos ou com
de em torno de 12%). Um procedimento de drenagem, próteses. As estenoses crônicas requerem colonosco-
com ou sem sutura de perfuração, resulta em mortali- pias para excluir neoplasias. Se estas não podem ser
dade elevada, em torno de 28%. excluídas, mesmo após as avaliações colonoscópicas,
tomográficas, ultrassonográficas e radiológicas, o
Na presença de importante contaminação fecal ou
paciente deve ser submetido à ressecção colônica da
infecciosa, indica-se a ressecção do segmento doente e
área afetada. O procedimento proposto na vigência
colostomia terminal do segmento proximal. A cirurgia de obstrução por doença diverticular é a cirurgia de
mais utilizada é a cirurgia de Hartmann, com morta- Hartmann. Em casos selecionados o preparo transo-
lidade relatada entre 2 e 36%. A reversão do trânsito peratório pode ser realizado, com colectomia parcial e
intestinal poderá ser realizada em torno de três meses anastomose primária. Nas situações críticas, a trans-
(variações relatadas entre seis semanas e seis meses). versostomia em alça é aceitável.

Hemorragia
Perfuração
Embora o sangramento por DDC seja a principal
É uma emergência cirúrgica e requer ressuscita-
causa de HDB, raramente ele é associado com diver-
ção imediata e tratamento cirúrgico. As opções cirúr- ticulite. Quando ocorre, também pode ser avaliado e
gicas já foram descritas previamente, sendo o procedi- tratado endoscopicamente com injeções de vasocons-
mento de Hartmann ainda um dos mais empregados tritores (adrenalina), esclerosantes (etanolamina), cli-
nos casos de perfuração. pagens etc.
Se o sangramento recorrer ou persistir, pode-se
realizar o tratamento por arteriografia ou cirurgia, de-
pendendo das condições clínicas do paciente.
Fístula
A incidência relatada de fístulas é de apenas 2%
em pacientes com diverticulite e é indicação de cirur-
gia em 17 a 27%. As fístulas colovesicais são as mais Cirurgia laparoscópica
comuns, e vem ocorrendo um aumento da incidência A colectomia laparoscópica (sigmoidectomia) para
de fístulas colovaginais, possivelmente devido ao maior diverticulite envolve uma dissecção mesocólica e peri-
índice de histerectomias nos últimos anos. A cistoscopia cólica extensa, com ligação de vários vasos calibrosos e

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93
9 Doença diverticular

remoção do cólon comprometido com a realização de


anastomose, a qual na maioria das vezes é realizada por
meio de grampeadores (anastomose mecânica). A res-
secção da peça pode ser realizada pela via totalmente
laparoscópica, com remoção através do reto, da vagina,
ou por minilaparotomia. O método totalmente laparos-
cópico tem a vantagem de não realizar nenhuma incisão
além de 1,5 cm de extensão; entretanto pode ocasionar
traumatismos de reto ou vagina. Além disso, o custo é
mais elevado. A incisão da minilaparotomia é um proce-
dimento mais seguro e pode ser realizado na fossa ilíaca
esquerda, de forma que a peça pode ser retirada e proce- Figura 9.9 Clister opaco: divertículos e estreitamento
der à anastomose manual ou mecânica. A anastomose da luz do cólon, sendo necessário excluir a presença de
mecânica é a mais preconizada, com a colocação de um adenocarcinoma.
grampeador endoluminal pela via transanal.
Não existem contraindicações absolutas para a
cirurgia laparoscópica de lesões benignas do cólon, a
não ser as relativas à anestesia geral. A presença de ci-
rurgia colônica prévia é uma contraindicação relativa.

Figura 9.10 Enema opaco. Doença diverticular do


colo e perfuração de um divertículo (seta).

Figura 9.7 Clister opaco: doença diverticular.

Figura 9.8 Clister opaco: estenose colônica e absces-


so pericólico. Contraste fora do lúmen intestinal. Figura 9.11 Clister opaco: doença diverticular.

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CAPÍTULO

10
Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

“Não é suficiente ter uma boa mente: o principal é usá-la bem”.


– RENÉ DESCARTES.

A doença acomete ambos os sexos, na mesma


De昀椀nição proporção, embora com tendência de ocorrer mais
em mulheres. Há uma distribuição etária bimodal
Retocolite ulcerativa (RCU) é uma doença in- para os homens, com picos entre 15 e 35 anos e 60 e
flamatória, de etiologia desconhecida, provavel- 70 anos. Por sua vez, nas mulheres, a faixa mais aco-
mente multifatorial, que acomete preferencial- metida é dos 15 aos 35 anos.
mente a mucosa do reto e do cólon esquerdo, mas,
Classicamente se diz que a RCU afeta mais as
eventualmente, todo o cólon. Trata-se de uma doen-
pessoas brancas e jovens. Contudo, estudos recentes
ça crônica, com surtos de remissão e exacerbação,
demonstram um aumento na incidência entre negros,
caracterizada por diarreia e perda de sangue por via equiparando-se aos brancos. Em 10 a 15% dos pacien-
retal. Surge principalmente em pessoas jovens ou de tes, há uma história familiar positiva para a doença.
meia-idade. Além das alterações locais, frequentemen- Os fatores socioeconômicos e culturais, muito valoriza-
te apresenta complicações sistêmicas. dos antigamente, parecem não influenciar na incidên-
cia. É interessante notar a alta frequência da doença
entre não fumantes comparados a fumantes.

Epidemiologia
A RCU é uma doença de ocorrência mundial, com
uma incidência de 3-20 novos casos por ano para cada
Etiopatogenia
100 mil habitantes. Aparentemente tem incidência A hipótese geral mais aceita a respeito da etio-
maior na América do Norte e Europa; todavia, ao que patogenia das DII considera um mecanismo multifa-
tudo indica, o fato de outras partes do mundo regis- torial: componentes genéticos de predisposição, ele-
trarem baixa incidência não corresponde à realidade, mentos da microbiota intestinal, fatores ambientais e
mas sim a problemas técnicos e de estatística. resposta imunitária.
95
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

Principais fatores de risco relacionados com a doença inflamatória intestinal (DII)


Fatores de risco RCU DC
História familiar Pode estar presente em cerca de 10 a 20% dos casos
Antecipação genética Pode estar presente Pode estar presente
Sistema HLA HLA-DR2 HLA-DR1/DQw5
HLA-DRB1*0103 HLA-DRB3*0301
HLA-DRB1*15 HLA-A2
Loci nos cromossomos 1, 3, 4, 6, 7, 12, 14, 16;
Localização de genes de suscetibili- Loci nos cromossomos:
no cromossomo 16 foi identificada mutação
dade 1, 2, 3, 4, 6, 7, 12
no gene NOD2 em 15 a 20% dos pacientes
Concordância da DII
6 a 36% (= 20%) 20 a 84% (≅ 67%)
em gêmeos monozigóticos
Concordância da DII em gêmeos di-
0 a 3% 4 a 18% (≅ 8%)
zigóticos
Efeito do fumo Reduz risco Aumenta risco
Consumo de anticoncepcionais Aumenta o risco de DII (questionado por alguns autores)
Uso de anti-inflamatórios Induz recaídas
Alto consumo de açúcar refinado e baixa ingestão de frutas
Dieta
foram descritos na DII (especialmente DC)
Possível associação com vírus do sarampo
Infecções –
e Mycobacterium paratuberculosis
Aleitamento materno Reduz risco Reduz risco
Doenças na infância e no período
Aumenta risco Aumenta risco
pré-natal
Efeito da apendicectomia Reduz risco (?)*1 Não parece conferir risco*2
Tabela 10.1 Outros fatores de risco mencionados: estresse, uso de creme dental, líquen plano, eczema, psoríase,
canhoto, esclerose múltipla. *1 Em especial naqueles cuja apendicectomia foi realizada antes dos 20 anos de idade.
*2 Amigdalectomia é mencionada por alguns autores como fator de risco para DC. Fique atento a esta tabela.

Patologia
A RCU é uma doença restrita ao reto e cólons, acometendo de maneira contínua a superfície mucosa e
eventualmente a submucosa.
À microscopia óptica, a alteração histológica característica da RCUI são os abscessos de criptas. Estes são de-
correntes do processo inflamatório polimorfonuclear que atinge a região das criptas de Lieberkuhn. Outras alterações
incluem edema, congestão dos vasos da mucosa e submucosa, hemorragia, depleção de células caliciformes, infiltrado
inflamatório misto com a presença de eosinófilos e metaplasia das células de Paneth. Nos casos de remissão da RCUI, é
possível observar atrofia, ramificações das criptas e maior espaçamento entre as glândulas de Lieberkuhn.
As características morfológicas que distinguem a RCUI da doença de Crohn são diversas:
1) as lesões na RCUI são contínuas, isto é, atingem o reto e progressivamente as regiões mais proximais do cólon,
enquanto as lesões na DC são salteadas e não são restritas ao cólon;
2) na RCUI, invariavelmente, o reto é acometido; na doença de Crohn colônica é frequente o reto ser poupado e
haver lesões perianais;
3) o processo ulcerativo na RCUI é confinado à superfície colônica, visto que atinge a mucosa/submucosa e poupa
a muscular e a serosa, ao passo que na DC a lesão se caracteriza por atingir desde a mucosa até a serosa;
4) não existe a formação de granulomas não caseosos na RCUI; por outro lado, os pseudopólipos inflamatórios
raramente são encontrados na doença de Crohn.

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96
Coloproctologia

Aspectos histológicos na RCUI


Macroscopia Microscopia
Infiltrado inflamatório agudo e crônico na mucosa, perda
€
€ Hiperemia, congestão, edema, da arquitetura das criptas, abscessos, depleção de células
fibrilidade, ulcerações, pseudopó- calciformes, congestão, edema, hemorragias focais e
RCUI ativa
lipos, exsudato mucopurulento e ulcerações
de fibrina, sangramento
€ Casos graves: úlceras profundas, dilatação vascular
RCUI em resolu- € Diminuição do infiltrado inflamatório, restauração das
ção células caliciformes e do epitélio
€ Perda do paralelismo, encurtamento e ramificações das
RCUI quiescente € Normal a atrófica criptas, atrofia da mucosa e espessamento da muscula-
ris mucosae
Tabela 10.2 (Guarde!)

Classificação da RCU quanto à extensão anatômica – limites endoscópicos


Proctite: inflamação da mucosa retal até 15 cm da linha denteada
RCU distal (34 a 70%)
Proctossigmoidite: inflamação da mucosa até 25 a 30 cm da linha denteada
RCU hemicólon esquerdo (8 a Inflamação da mucosa até a flexura esplênica (eventualmente até o cólon trans-
40%) verso distal)
RCU extensa (14 a 56%) Inflamação da mucosa estendendo-se até o cólon transverso proximal e adiante
Tabela 10.3

Padrões da doença
Existem três distribuições predominantes comuns à doença:
1. doença de todo o cólon;
2. colite localizada predominantemente no lado esquerdo;
3. doença envolvendo o cólon sigmoide e o reto.
Os pacientes com proctossigmoidite apresentam resolução completa dos sintomas em 75% dos casos, 15%
apresentam exacerbações e remissões com sangramento retal intermitente por um longo período de tempo e 10%
desenvolvem colite ulcerativa de todo o cólon.

Figura 10.1 Apresentação endoscópica ou radiológica de RCUI.

A classificação de Montreal (tabela a seguir) propõe como parâmetro a máxima extensão observada do en-
volvimento cólico em algum momento, considerando a flexibilidade de sua evolução. Essa divisão sugere uma
importância biológica clara, particularmente na resposta dos pacientes às terapêuticas empregadas, tópicas e/
ou sistêmicas.

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97
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

Classificação de Montreal - extensão da RCU Classificação de Truelove e Witts: índice de


Classificação Extensão gravidade clínica da colite ulcerativa (cont.)
Envolvimento limitado ao Diarreia ≥ 6 vezes ao dia
E1: proctite ulcerativa
reto Sangue macroscópico nas fezes
E2: colite ulcerativa E Envolvimento até Temperatura ≥ 37,5ºC por 4 dias ou ≥
Ataque
(colite distal) a flexura esplênica 37,8ºC em 2 de 4 dias consecutivos
grave
E3: colite ulcerativa ex- Pulso ≥ 90 batimentos por minuto
Envolvimento proximal
tensa Anemia (hemoglobina < 75% do normal)
à flexura esplênica
pancolite) VHS ≥ 30 mm/h
Tabela 10.4 Tabela 10.5

Índice de atividade da Retocolite Ulcerativa**


0 = normal
Quadro clínico Frequência de
evacuação/dia
1 = 1-2 evacuações/dia
2 = 3-4 evacuações/dia
A diarreia sanguinolenta de longa duração ge- 3 = > 4 evacuações/dia
ralmente é o sintoma mais comum do paciente com 0 = ausente
colite ulcerativa. Os sintomas caracterizam-se por 1 = sangramento discreto
Sangramento retal
2 = sangramento moderado
exacerbações e remissões. Durante os períodos de
3 = sangramento intenso
remissão, as funções intestinais são normais; durante 0 = normal
as exacerbações existem urgência e aumento da frequ- 1 = friabilidade discreta
ência intestinal, quando, então, pode ocorrer inconti- Aspecto da
2 = friabilidade moderada
mucosa retal
nência fecal intensa. 3 = exsudação e sangramento es-
pontâneo
A perda de apetite e de peso é comum durante
0 = normal
os períodos de exacerbação e está associada à dor
Avaliação do 1 = leve
abdominal tipo cólica, que melhora com a evacua- estado geral 2 = moderado
ção; perda de peso e anemia contribuem para a fadiga; 3 = grave
pode ocorrer febrícula. 0 = normal
A intensidade do sangramento pode variar Graduação clínica 1 = leve
da atividade 2 = moderada
com a extensão da doença, e pacientes portadores
3 = grave
de proctite ou proctossigmoidite podem apresentar Leve = 0 a 4
apenas pequeno sangramento (inclusive pode não es- Pontuação da
Moderada = 5 a 8
tar presente), sem qualquer outro sintoma constitu- atividade
Grave = 9 a 12
cional. Esse tipo de apresentação pode erroneamente Tabela 10.6 **Modificado de Gordon PH, Nivatvongs S.
ser interpretado como hemorroidas. Nesse caso, a eli-
minação de muco com sangue torna o diagnóstico de
hemorroidas pouco provável. Quando o processo in- Os achados do exame físico da colite ulcera-
flamatório se estende acima do reto, o sangue é geral- tiva não são patognomônicos e podem ser depen-
mente misturado nas fezes. Por vezes, o sangramento dentes da cronicidade e gravidade da doença, va-
pode ser intenso. riando desde alterações mínimas até perda de peso
acentuada, desidratação, anemia e sinais tóxicos
nos pacientes extremamente enfermos. Febre (>
Classificação de Truelove e Witts: índice de 38ºC) e taquicardia (> 120 bpm) são indicativos de
gravidade clínica da colite ulcerativa doença mais severa.
Diarreia < 4 vezes ao dia Em casos leves, o exame abdominal pode ser
Pequena quantidade de sangue nas fezes normal, mas em casos com dilatação tóxica o abdome
Sem febre pode estar distendido, timpânico e doloroso.
Ataque
Frequência de pulso normal O exame retal pode ser bastante doloroso devi-
leve
Hemoglobina normal ou próxima do do à diarreia que os pacientes apresentam; o exame
normal endoscópico mostra a mucosa retal edemaciada, gra-
VHS < 30 mm/h nular, sangrante ao toque do aparelho, com grande
Ataque quantidade de secreção mucosanguinolenta na luz
Definido entre leve e grave
moderado intestinal.

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98
Coloproctologia

tiplas típicas e a estase com dilatação da árvore biliar


Manifestações intra e extra-hepáticas. É importante lembrar que a
extraintestinais ressecção do reto e de todo o cólon não influencia
no curso evolutivo das enfermidades hepáticas.
Nos casos avançados, o tratamento de escolha é o
As manifestações extracolônicas sugerem que a transplante hepático.
colite ulcerativa seja uma doença sistêmica. Elas po-
dem preceder, acompanhar ou se seguir à colite, su-
gerindo que essas manifestações foram iniciadas Manifestações extraintestinais da RCUI
por um mecanismo patogênico subjacente. As ma-
Musculoesquelético Dermatológica
nifestações extraintestinais primariamente envolvem
Eritema nodoso
a pele, articulações, olhos e boca. As manifestações Pioderma gangrenoso
articulares são as mais comuns. Artrite periférica
Ulceração oral
Espondilite anquilosante
As principais manifestações cutâneas são o Estomatite angular
Sacroileíte
eritema nodoso e o pioderma gangrenoso. O pio- Pioestomatite vegetante
Osteoporose
derma gangrenoso classicamente é encontrado em Psoríase
Osteomalacia
5% dos pacientes com colite ulcerativa e caracteri- Síndrome de Sweet
Osteonecrose
za-se por lesão que se inicia com o aspecto de um (dermatose neutrofílica
furúnculo e posteriormente se torna úlcera pro- febril)
funda escavada. O eritema nodoso é caracterizado Oftalmológica Hematológica
pela presença de nódulos elevados, vermelhos e dolo- Anemia ferropriva
rosos, localizados geralmente na face anterior das per- Anemia hemolítica au-
nas; as manifestações articulares ocorrem em 25% toimune
dos pacientes e se apresentam como poliartrites, Anemia de doença crô-
sendo a espondilite anquilosante (EA) um achado Uveíte/irite nica
ocasional. A atividade da EA não está correlacionada Episclerite Leucocitose e trombo-
necessariamente com a atividade da colite, podendo Conjuntivite citose
ter um curso até anquilose. Doença vascular retiniana Leucopenia e tromboci-
topenia
As complicações oculares associadas com a colite
Hipercoagulabilidade
ulcerativa consistem em conjuntivite, episclerite re-
Anormalidades da coa-
corrente e uveíte; sua incidência é baixa, entretanto gulação
apenas um pequeno número de pacientes é submetido Hepatobiliar
a um exame ocular completo para se determinar a ver-
Esteatose
dadeira incidência desses problemas associados. Colangite esclerosante pri-
As lesões orais ocorrem em aproximadamente mária
10% dos pacientes e incluem úlceras aftosas, pioesto- Pericolangite
matite vegetante, estomatite angular e irritação da lín- Colangiocarcinoma
gua e ocorrem em pacientes com doença intestinal ativa, Hepatite autoimune
embora estejam mais associadas à doença de Crohn. Tabela 10.7
Sua presença está relacionada à gravidade do surto.
As manifestações hepáticas são, em geral, as-
sintomáticas, por isso a presença de fraqueza e debi- Tipos de artropatias periféricas associadas com
lidade nos enfermos com RCU merece uma avaliação Colite Ulcerativa
das condições do fígado. A infiltração gordurosa do Tipo I (Pau- Tipo II (Poliar-
parênquima está presente em até 50% dos pacientes Características
ciarticular) ticular)
portadores da enfermidade, podendo complicar com Frequência na
hepatite crônica ativa e cirrose em 3 a 4% dos casos. 35% 24%
RCU
No entanto, suas mais graves manifestações Número de arti-
<5 ≥5
são a colangite esclerosante primária, caracteriza- culações afetadas
da pela obstrução fibrótica dos ductos biliares, e o Principalmente Principalmente
Articulações afe-
colangiocarcinoma (Atenção!). grandes articu- pequenas articu-
tadas
A suspeita diagnóstica é feita pela presença de ic- lações lações
terícia. Laboratorialmente, há elevação dos níveis sé- Joelho > tor-
MCP > joelho >
ricos das enzimas indicadoras de colestase (fosfatase nozelo > pulso
Articulações afe- IFP > pulso > tor-
> cotovelo >
alcalina). Sua confirmação é dada pela colangiografia tadas nozelo > cotovelo
MCF > quadril
endoscópica retrógrada, que revela as estenoses múl- > ombro
> ombro

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99
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

Tipos de artropatias periféricas associadas com Megacólon tóxico


Colite Ulcerativa (cont.) Evidência radiográfica de distensão colônica (> 6 cm)
< 10 semanas Associada a, pelo menos, três dos seguintes sinais
Duração dos Meses ou anos
(média 5 € febre > 38ºC
ataques (média 3 anos)
semanas) € frequência cardíaca > 120 bpm
Associação com € leucocitose neutrofílica > 105 x 10/L
atividade da do- Paralelas Independentes € Anemia
ença intestinal
Em adição aos sinais acima, pelo menos um dos se-
Tabela 10.8 MCF: metacarpofalangeana. FP: inter- guintes sinais
falangeana proximal. € desidratação
€ alteração de consciência
€ distúrbio eletrolítico
€ hipotensão

Complicações Tabela 10.9

As principais complicações intestinais da RCU Etiologia do megacólon tóxico


são: megacólon tóxico; transformação maligna; ente- Inflamatória
rorragia maciça, estenose e perfuração. Colite ulcerativa
Doença de Crohn
Infecciosas
Megacólon tóxico Bacteriana
€ Colite pseudomembranosa – C. difficile
É o termo clínico para a complicação da forma € Salmonella typhi e não typhi
grave da RCU, em que há importante dilatação cóli- € Shigella
ca segmentar, em especial do cólon transverso (> 6
€ Campylobacter
cm). Apresenta baixa incidência, com mortalidade en-
€ Yersinia
tre 25 e 30%. Pode ocorrer tanto na RCUI quanto na
doença de Crohn, sendo mais frequente na primeira. Parasitária
€ Entamoeba histolytica
Embora sua etiologia não esteja, até hoje, bem defini-
€ Cryptosporidium
da, atribui-se à presença de agressão inflamatória nos
plexos mioentéricos do sistema nervoso enteral, bem Viral
€ Colite por Cytomegalovirus
como à ocorrência de hipopotassemia, provocada pelo
quadro diarreico agudo, ou até mesmo à corticoterapia. € Colite autolimitada (cultura negativa)
O megacólon tóxico raramente ocorre na fase inicial Outros
das DII, mas como exacerbação da fase crônica. € Colite pseudomembranosa secundária à terapia

Na suspeita de megacólon tóxico, estão con- com metrotrexate


€ Sarcoma de Kaposi
traindicados o exame radiológico contrastado do có-
lon (enema opaco) e o endoscópico (colonoscopia), Tabela 10.10 Atenção!
pois ambos podem levar à perfuração do cólon ou do
reto. O exame padrão-ouro é a rotina de abdome agu-
do (figuras 10.8 e 10.9). O tratamento clínico, sempre
com o paciente hospitalizado, resume-se na tentativa
de recuperação deste quadro de exacerbação da RCUI, Transformação maligna
mediante suporte hidroeletrolítico adequado, reposição
Durante sua evolução sempre há risco de trans-
sanguínea, uso de antibióticos de amplo espectro, corti-
coides e cuidados gerais, como sondagem nasogástrica, formação maligna. O carcinoma colorretal tem
venóclise e controle da diurese. Contudo, não havendo maior prevalência na RCU quando comparado a in-
a resposta de melhora das suas condições clínicas com divíduos da população em geral da mesma idade e
esse tratamento, ocorre um aumento progressivo da aumenta de acordo com a extensão da lesão no có-
distensão abdominal (dilatação do cólon transverso), lon (pancolite) e do tempo de evolução da doença.
observada e medida pela radiografia simples de abdo- Os pacientes com pancolite estão sob maior
me. O agravamento do quadro tóxico aumenta a inci-
risco; aqueles com formas brandas de RCU restrita ao
dência de morbimortalidade, em especial nos casos sem
reto não têm risco aumentado.
resposta adequada ao tratamento conservador; e a indi-
cação de cirurgia de urgência é fundamental tão logo o A lesão precursora é a displasia. A nomenclatura
paciente apresente condições para tal. padronizada classifica as biópsias em:

SJT Residência Médica – 2016


100
Coloproctologia

€ Biópsia negativa: identifica todas as lesões in- Localização do tumor e cirurgia recomendada
flamatórias e regenerativas. (cont.)
€ Biópsia indeterminada: refere-se a alterações Reto, terço inferior Amputação abdominoperineal
epiteliais que parecem exceder os limites de re- (< 5 cm) de reto
generação ordinária, mas não são suficientes Retossigmoidectomia com anas-
para um diagnóstico de displasia inequívoco. tomose coloanal

€ Biópsia positiva: é dividida em displasia de Tabela 10.11


alto grau (DAG) e displasia de baixo grau (DBG).

Quando começa a vigilância? Após oito anos


de doença nos indivíduos com pancolite ou após 15
anos naqueles com colite limitada ao cólon esquerdo, Enterorragia maciça
realizando-se colonoscopia a cada um a dois anos.
Hemorragia maciça é rara, representando 1 a
Uma abordagem prática útil fica assim definida:
4,5% de todas as suas complicações. Como ocasiona
Pacientes que estão na 2ª década de doença: colo- rápido agravamento do quadro clínico, constitui-se na
noscopia a cada três anos.
principal indicação para a cirurgia de emergência.
Pacientes que estão na 3ª década de doença: colonos-
copia a cada dois anos. Anualmente após esse período.
O melhor momento para a realização da co-
lonoscopia é no período de remissão, recomen- Estenose
dando-se a biópsia nos quatro quadrantes a cada
10 cm do cólon com pelo menos 33 fragmentos. A estenose do lúmen intestinal é rara na RCU,
diferentemente da doença de Crohn, onde ocorre
Aspectos macroscópicos que devem ser valoriza-
dos: espessamento da parede, estenoses, lessões po- com certa frequência. Sua presença em pacientes com
lipoides ou massas, áreas de hiperemia e enduração e RCU de longa evolução é sugestiva de transformação
aspecto viloso da mucosa. maligna até que se prove o contrário. Seu diagnóstico
Resultados e condutas: displasia indefinida: é feito pela radiografia contrastada de cólon ou pela
novo exame endoscópico 3-6 meses depois. colonoscopia, tendo esta última a vantagem de possi-
bilitar a realização de biópsias que podem comprovar
Displasia de baixo grau: conduta controversa.
Os mais radicais indicam cirurgia. Um estudo em 1.225 a presença do carcinoma.
pacientes submetidos a colectomia imediata após con-
firmação de displasia de baixo grau, 19% dos pacientes,
apresentavam câncer. Os mais conservadores (a maio-
ria) recomendam acompanhamento endoscópico a cada Perfuração
3 a 6 meses. Caso a displasia de baixo grau seja multi-
focal é melhor levar o paciente à colectomia profilática. É a mais grave complicação da RCU, apresen-
tando alta morbimortalidade. Sua incidência é rara
Displasia de alto grau ou DALMS (lesões os
(não é uma doença transmural), entre 1 e 2% de todas
massas associadas à displasia): colectomia.
as complicações da doença. Embora possa ocorrer em
qualquer localização do cólon, o local mais frequente
Localização do tumor e cirurgia recomendada é o transverso, relacionado com sua causa mais co-
Localização do tumor Cirurgia
mum, o megacólon tóxico.
Cólon direito Colectomia direita
Cólon transverso Colectomia direita ou esquerda
ampliadas ou transversectomia
Cólon descendente
Sigmoide
Colectomia esquerda
Retossigmoidectomia
Diagnóstico
Reto superior (= retossig- Retossigmoidectomia Uma história clássica pode alertar para a pos-
moide) sibilidade do diagnóstico de colite ulcerativa, mas os
Reto, terço médio (5 a Retossigmoidectomia com anas- achados endoscópicos são os indicativos mais confiá-
11 cm) tomose colorretal baixa ou anas-
tomose coloanal veis para se estabelecer o diagnóstico. Eritema difuso
Anastomose manual ou mecânica com ausência do padrão vascular submucoso nor-
Cirurgia de abaixamento a Cutait mal é a alteração mais precoce da colite ulcerativa.
ou Simonsen (veja tópico patologia).

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101
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

O sinal mais precoce da alteração se traduz em


Exames laboratoriais uma aparência finamente granular que, na colite
Na prática clínica, a utilização das mais tradi- ulcerativa, tem distribuição uniforme. Frequente-
cionais provas de atividade inflamatória, VHS e PC-R mente existem considerável espasmo e irrritabili-
são suficientes para a avaliação dos pacientes com dade do cólon durante esses procedimentos, parti-
DII. Mais recentemente a pesquisa de biomarcadores cularmente quando da insuflação de ar.
fecais tem ganho importância na prática clínica. A A colite mais severa caracteriza-se por ulcera-
este respeito já fizemos uma abordagem objetiva no ções intestinais; elas variam desde pequenas e rasas
capítulo a respeito de DC, apostila de Intestino Del- até úlceras profundamente penetrantes ou abscessos
gado. Nesse sentido, destacamos que a VHS é menos em “botão de colarinho”. Pseudopólipos associados
sensível para os pacientes com acometimento distal com grandes áreas de ulcerações confluentes dão a
(reto) da RCU. aparência de múltiplos pólipos e pontes mucosas.
A PC-R pode elevar-se em 50% a 60% dos pacien- Cronicamente, o cólon torna-se encurtado e
tes com RCU e seu nível sérico está relacionado com rígido como um tubo. A inflamação crônica perir-
a gravidade da doença (clínica e endoscópica, não ha- retal com deposição de gordura e fibrose causa um
vendo relação com o grau do processo inflamatório no aumento do espaço pré-sacral na radiografia de
incidência lateral; a distância normal entre a face
nível histológico). Os níveis de PC-R acima de 23 mg/
anterior do sacro e o reto é de menos de 2 cm.
dL ao diagnóstico na RCU extensa foi considerado fator
preditor de risco aumentado para ressecções cirúrgicas. A ileíte de “refluxo” pode ser vista em apro-
Na RCU, níveis acima de 10 mg/dL mensurados um ano ximadamente 20% dos pacientes; ela se manifesta
após o diagnóstico foram preditores de maior risco ci- como alterações inflamatórias superficiais da mucosa
rúrgico nos quatro anos seguintes ao diagnóstico. do ileoterminal. Ela pode ser distinguida da doença
de Crohn, pois na colite ulcerativa a válvula ileocecal
Uma outra finalidade do método é a sua utiliza-
é permeável e o intestino delgado envolvido está di-
ção como preditor de resposta ao tratamento. Pacien-
latado. Na doença de Crohn, o ileoterminal torna-se
tes com PC-R > 5 mg/dL apresentam melhor resposta estenosado.
ao infliximabe.
Os pacientes com RCU apresentam, com fre-
quência, títulos elevados de anticorpos contra ci- Colonoscopia
toplasma de neutrófilo – ANCA – com sensibilidade Retocolite ulcerativa Doença de Crohn
(positividade) de 50 a 70%; e os com doença de Cro- Continuidade das lesões Lesões em salto
hn, títulos de tão somente 5 a 10%. Lesão c/ intensidade Lesão c/ intensidade pro-
ASCA negativo distal ximal
p-ANCA positivo Uniformidade das lesões Heterogeneidade das lesões
= RCUI Lesões superficiais Lesões profundas
97% especificidade
57% sensibilidade Edema e enantema Úlceras e fissuras
Separação no mesmo Coexistência no mesmo seg-
segmento entre área mento de áreas normais e
afetada e normal lesadas
Exames radiográ昀椀cos Tabela 10.12
Pela disponibilidade e precisão da colonosco-
pia, o clister opaco é menos utilizado do que ante- O processo patológico é geralmente mais
riormente para o diagnóstico da colite ulcerativa. evidente no cólon esquerdo do que no direi-
O enema opaco com duplo contraste é um método to, mesmo em situações de acometimento
seguro e efetivo de demonstrar alterações mucosas
de todo o cólon. Isso é útil na diferenciação en-
mínimas em pacientes com colite ulcerativa.
tre colite ulcerativa e doença de Crohn que tem
Se o megacólon tóxico ou dilatação tóxica es- apresentação segmentar. Em situações crônicas
tiver presente, os estudos contrastados estão abso- em que existe a possibilidade de transformação
lutamente contraindicados. Em muitos casos, uma maligna, a radiografia é de valor questionável, já
radiografia simples do abdome fornecerá dados a res- que as imagens características de neoplasia são
peito da gravidade do processo, podendo-se observar incomuns em pacientes com colite ulcerativa. As
a delimitação da mucosa de um segmento colônico estenoses são visualizadas, mas elas são alonga-
pelo ar, que com frequência apresenta uma super- das, com terminações em forma de cone, em vez
fície irregular com ulcerações ou edema e projeções de em prateleira, podendo ser confundidas com
polipoides. A parede intestinal pode ser especialmen- estenoses inflamatórias de configuração idêntica.
te avaliada se existirem encurtamento e perda das Esse fato é importante quando se reconhecem cli-
haustrações do cólon. nicamente as alterações mucosas displásicas. As

SJT Residência Médica – 2016


102
Coloproctologia

lesões são pequenas, planas, com elevações vilosas


ou nodulares, e o carcinoma tende a ser endofíti-
co com considerável extensão submucosa, em vez
de exofítico. A utilização de radiografias para o
seguimento a longo prazo não é confiável, e o
seguimento colonoscópico é melhor. Mesmo o
seguimento colonoscópico pode ser limitado na
presença de lesões malignas precoces.

Figura 10.3 Úlceras em botão de colarinho. O fla-


grante do cólon transverso de um paciente com colite
ulcerativa mostra inúmeras úlceras em botão de colari-
nho (setas) como projeções cheias de bário, com cólons
estreitos e bases largas. Vê-se uma mucosa granular (G)
na porção mais proximal do cólon transverso.

Figura 10.4 Enema opaco com duplo contraste em


paciente com RCUI extensa. Observe redução do calibre
do cólon e perda das haustrações. A mucosa é finamen-
te granular; o ileoterminal é normal.

Figura 10.2 Colite ulcerativa: estimativa da doença


colônica na radiografia simples. A: A radiografia simples
do abdome de um paciente com colite aguda mostra re-
síduo fecal (FR) no ceco, haustrações normais no cólon
transverso proximal (setas curvas) e espessamento das
haustrações no cólon distal (setas retas grossas). Estes
achados sugerem doença do cólon esquerdo, com pre-
servação do cólon proximal. Também é possível avaliar
a espessura da parede do cólon (setas retas pequenas).
B: O clister opaco corrobora os achados na radiografia
simples, mostrando ulceração difusa e espessamento Figura 10.5 Enema opaco mostrando pólipos pós-in-
ou desaparecimento das haustrações na metade distal flamatórios na região do sigmoide e no cólon descen-
do cólon. dente em paciente com RCUI ativa.

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103
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

Figura 10.8 Megacólon tóxico. Radiografia do abdo-


me em decúbito dorsal mostrando dilatação do cólon
transverso, desaparecimento de haustrações normais,
muitas ilhotas de mucosa proeminentes ou pseudo-
pólipos (setas grandes) e ulcerações profundas (setas
pequenas) neste paciente com colite ulcerativa fulmi-
nante.

Figura 10.6 Colite ulcerativa inicial: mucosa granular


e alterações nas haustrações. A: o flagrante radiográfico
do ângulo hepático revela uma transição nítida (setas)
da mucosa normal e haustração do cólon ascendente
para o cólon transverso doente que tem mucosa gra-
nular com perda das haustrações. B: a visão aproximada
do cólon sigmoide mostra mucosa granular com borra-
mento e adelgaçamento das haustrações.

Figura 10.9 Radiografia simples de abdome: RCUI com


dilatação colônica compatível com megacólon tóxico.

Clister opaco na DII


RCUI DC
€ Ausência das haustra-
ções
€ Ulcerações assimétricas
e focais
€ Granulosidade difusa
em áreas contíguas
€ Fístulas
Figura 10.7 Colite ulcerativa na fase subaguda. O fla- € Ulcerações superficiais
€ Preservação do reto
grante radiográfico do ângulo esplênico mostra múlti- € Pseudopólipos
€ Ileoterminal com envolvi-
plas úlceras em forma de frasco com base larga (setas mento e refluxo de bário
€ Cólon tubular
pequenas). Nota-se também uma irregularidade difusa € Estenoses
da mucosa por causa de ulcerações maiores vistas ao € Estenoses
longo das margens e de frente (setas curvas). Tabela 10.13

SJT Residência Médica – 2016


104
Coloproctologia

Figura 10.13 RCUI fora de atividade: processo cicatri-


Figura 10.10 RCUI em atividade: úlceras maiores. cial da mucosa e pseudopólipos.

Tratamento clínico
Medidas gerais
A diarreia e o sangramento são os sintomas mais
comuns na fase aguda. A diarreia persistente leva à de-
sidratação, associada a distúrbios hidroeletrolíticos que
necessitam de reposição adequada. A perda sanguínea
pode ser severa e prolongada ou ser mais gradual e tor-
nar o paciente anêmico. A perda sanguínea crônica pode
ser tratada com suplementação de ferro, mas casos de
hemorragia aguda necessitam de transfusão.
Figura 10.11 RCUI em atividade: granularidade da Medicações antidiarreicas como loperamida e di-
fenoxilato devem ser utilizadas judiciosamente, pois
mucosa.
possuem potencial aditivo, muito embora este possa ser
bastante lento. Ambas ajudam a controlar a diarreia do pa-
ciente, mas o tenesmo e a urgência podem persistir. O uso
de enemas de cortisona ou beladona e de supositórios de
ópio ajudam a aliviar alguns desses sintomas. No proces-
so agudo intenso, o uso de medicações antidiarreicas e de
narcóticos deve ser ainda mais judicioso, visto existirem
evidências de que elas podem precipitar a dilatação tóxi-
ca do cólon. Se na colite ulcerativa as fezes continuarem
líquidas, agentes formadores de massa, como o psyllium,
ajudam o paciente a controlar melhor a evacuação.
Nos casos de doença crônica com atividade con-
tínua ou com exacerbação leve, o tratamento dietético
do paciente é importante. Não existem evidências de
que alergia alimentar seja responsável pela etiologia da
colite ulcerativa. Entretanto, existe uma alta incidência
de intolerância à lactose e a derivados do leite na fase
aguda que, portanto, devem ser abolidos. Devem ser
evitados outros alimentos que produzam alterações
gastrointestinais. Em casos de períodos prolongados de
Figura 10.12 RCUI fora de atividade: pseudopólipos anorexia e atividade da doença, pode ser necessária a
+ alteração vascular da submucosa. utilização de nutrição enteral elementar e parenteral.

SJT Residência Médica – 2016


105
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

A nutrição parenteral é frequentemente malsuce-


Nutrição enteral elementar dida como tratamento de fístulas digestivas secun-
e parenteral dárias à doença inflamatória.
No curso evolutivo da RCUI, há duas indica-
ções principais para a utilização da nutrição enteral.
A primeira delas é quando há a necessidade de um Nutrientes
completo repouso intestinal, durante o tratamento
clínico de uma fase de exacerbação da moléstia, pois A ação que a betaoxidação de ácidos graxos de
a alimentação enteral mantém um aporte nutricional cadeia curta, realizada pela mucosa cólica, possa ter
adequado. Com a administração correta de calorias e na patogênese da RCUI tem levado à utilização de
aminoácidos, há melhora acentuada no peso corpo- enemas desses nutrientes no tratamento da colite
ral, nos níveis de proteínas séricas e no balanço ni- distal, em especial no processo inflamatório que pode
trogenado. Essa melhoria do estado nutricional não ocorrer nas bolsas intestinais utilizadas para a recons-
se correlaciona necessariamente com uma redução trução do trânsito intestinal após a proctocolectomia
da atividade da doença. Outra indicação para o seu total, denominadas de “bolsites”, do inglês pouchitis.
emprego é no preparo pré-operatório em paciente Na doença resistente ao tratamento rotineiro, induz à
com mau estado geral. melhora clínica, endoscópica e histológica. A glutami-
A nutrição parenteral é utilizada na RCUI quan- na, nutriente dos enterócitos, estimula a proliferação
do há suboclusão crônica do intestino grosso, não e a reparação celular e tem ação benéfica na recupera-
passível de tratamento cirúrgico, e nos casos em que ção da mucosa intestinal dos pacientes com RCUI. É
a alimentação enteral provoca diarreia incontrolável. também utilizada no tratamento das “bolsites”.

DII

Consegue atingir 60% das


necessidades por via oral?

Sim Não

Dietas
poliméricas Nutrição parenteral Nutrição enteral
por via oral nos casos em a (sonda nasogástrica,
nutrição enteral não enteral, gastrostomia,
é possível jejunostomia)
– poliméricas
– oligoméricas
– monoméricas

Figura 10.14 Sugestão de algoritmo para indicação da terapia nutricional na doença inflamatória intestinal (DII).

Indução da remissão
Os corticosteroides são usados para induzir a remissão e tratar as complicações da colite ulcerativa, quando
então a dose deve ser reduzida (não são eficazes para manutenção). A dose de prednisona varia de acordo com a
gravidade da doença, 40-60 mg a 60-80 mg/dia na dilatação tóxica. Na doença menos intensa, 20-40 mg
são adequados. A dose total é fracionada para que se obtenha uma elevação mais prolongada dos níveis sanguíneos.
Se houver apenas proctossigmoidite, o esteroide deve ser administrado sob a forma de enema de retenção. O uso de
corticoides requer monitorização cuidadosa tanto na fase aguda quanto na crônica. Na doença aguda severa, deve-se
fazer observação cuidadosa e considerar o tratamento cirúrgico se houver ausência de melhora ou ocorrer piora clínica.

SJT Residência Médica – 2016


106
Coloproctologia

Os efeitos da droga, consequentemente, são multifatoriais, e os corticoides suprimem reações imuno-


lógicas específicas e inespecíficas. Suas propriedades anti-inflamatórias são devidas, na maioria das vezes,
aos efeitos inibidores, reduzindo a expressão e a meia-vida do RNA mensageiro específico (mRNA) responsável
pela regulação da síntese e liberação de citocinas pelas células inflamatórias. Elas suprimem os eventos in-
flamatórios iniciais, como vasodilatação e permeabilidade vascular aumentada, portanto, reduzindo todos os
mecanismos patogenéticos da inflamação da mucosa do sistema digestório.
Seu mecanismo de ação específico na RCUI é complexo e envolve o estímulo à liberação de granu-
lócitos da medula óssea, alterando a permeabilidade capilar e a quimiotaxia, reduzindo os linfócitos
T e B, produzindo linfopenia e diminuindo o número de linfócitos nos sítios do processo inflamatório.
Reduz também a produção de antígenos e imunoglobulinas específicas.
Os glicocorticoides com atividade anti-inflamatória incluem a hidrocortisona, primariamente endógena, e
as substâncias exógenas como a prednisona, prednisolona e metilprednisolona. São as drogas mais eficazes
para o tratamento da fase ativa, em especial a forma grave da RCUI, independentemente da localiza-
ção das lesões no cólon.
A beclometasona e o metassulfabenzoato de prednisolona, quando usados na forma de enema de re-
tenção, são efetivos no tratamento da colite distal ativa, e têm a vantagem de apresentar menos efeitos
colaterais sistêmicos.
Na doença ativa de pequena a média gravidade pode se utilizar a sulfassalazina ou aminosalicila-
to. Devem ser inicialmente prescritos na dose de 500 mg de 12/12 horas até uma dose máxima de 4 a 6 g/dia até
obtenção de resposta

Terapêutica de indução da remissão na RCUI de acordo com a severidade da doença


Doença leve Doença moderada Doença grave
5-aminosalicilato tópico (colite distal)
5-aminosalicilato tópico Oral (distal/colite extensa)
Glicocorticoide IV
(colite distal) Combinação glicocorticoide tópico
Ciclosporina IV
Oral (colite extensa) (distal) oral (distal/extensa)*
Infliximabe IV
Combinação tópico e oral Combinação azatioprina
ou 6-mercaptopurina
Tabela 10.14 (*) A associação de corticosteroide pelas vias oral e tópica mostra maior eficacia do que sua ação isolada.

Depois que a remissão da fase aguda é obtida, inicia-se a redução dos corticoides. Frequentemente, muitos pacientes
são controlados com doses diárias de 10 a 15 mg, porém reduções adicionais podem resultar em novo surto dos sintomas.
Com relação àqueles pacientes para os quais a dose pode ser reduzida ainda mais, como 10 mg/dia ou menos, é questioná-
vel se os esteroides são benéficos. Se o paciente suportar a retirada total dos esteroides, essa conduta é preferível.
A sulfassalazina consiste de um salicilato e de uma sulfa, a sulfapiridina, que é metabolizada no intestino
grosso. O salicilato (5-ASA) tem ação anti-inflamatória e é importante na manutenção da remissão, tendo
sido postulado que ele também possui um efeito antiprostaglandínico. A sulfapiridina não tem nenhum
efeito sobre a doença, sendo usada apenas como meio de transporte do salicilato.

HOOC

HO N=N SO2 NH
N
Sulfassalazina (SSZ)

HOOC

HO NH2 H2N SO2 NH


N
5-aminosalicílico Sulfapiridina (SP)
(5-ASA)
Figura 10.15 Sulfassalazina e seus derivados.

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107
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

A dose de ataque é de 3-4 g/dia fracionada em Principais mecanismos de ação da mesalazina


3 - 4 g/dia fracionada em três a quatro tomadas. Na 1. Inibição da produção de prostaglandinas e leucotrienos.
fase de manutenção, dose igual ou inferior a 2 g/dia. 2. Bloqueio dos metabólitos do ácido araquidônico.
Deve ser administrada sempre com ácido folímico. Na 3. Neutralização de radicais livres de oxigênio.
manutenção geralmente o uso se faz po 3-4 anos. 4. Inibição da formação de fatores de ativação plaquetá-
ria e de necrose tumoral.
Efeitos adversos (20-30% dos casos): componen- 5. Bloqueio da quimiotaxia das leucócitos, impedindo a ati-
te sulfamídio da molécula é responsável por errup- vação de enzimas lisossômicas.
ção cutânea, cefaleia, intolerância gástrica, náuseas, 6. Bloqueio da produção de anticorpos pelas células mo-
hepatotoxicidade,hemólise (deficiência de GGPD), nonucleares intestinais e sanguíneas.
agraculocitose, azospernia e deficiência de folato. Tabela 10.17
O 5-ASA (ácido 5-aminossalicílico ou mesala-
zina) é a parte ativa da sulfassalazina. A mesalazina A ciclosporina (CyA) endovenosa mostra-se uma
é o nome genérico da 5-ASA, que apresenta revesti- alternativa no tratamento de colite ulcerativa grave
mento ou liberação lenta, de modo que grande parte que não tenha apresentado resposta aos corticosteroi-
des pela via parenteral, incluídos os candidatos à co-
do produto é liberada no cólon. Como a maioria dos
lectomia por intratabilidade ou megacólon tóxico. Sua
efeitos colaterais da sulfassalazina deve-se à sulfa, fo-
eficácia na DC é limitada.
ram fabricadas preparações de 5-ASA puro na forma
de enema de retenção, supositórios ou comprimidos Seu principal mecanismo de ação é a redução na
produção de interleucina-2 (IL-2) pelas células T auxi-
de liberação lenta.
liadoras (T-helper).
5-ASA em cápsulas de Eudragit-S® uma resina
A dose diária recomendada é de 4 a 7 mg/kg de
acólica que se dissolve a um pH de 7 ou mais é reco- peso, diluída em 500 ou 1.000 mL de solução glicosa-
mandada para ileocólite de Crohn e obviamente RCU. da, em infusão contínua. É esperada melhora clínica
A dose ideal é de 4,8 g/dia de mesclazina de liberação já na primeira semana, embora o pico de ação desse
retardada em paciente com atividade moderada de fármaco deva ocorrer após o sétimo dia de tratamen-
RCU. A dose de manutenção é de 1,6 g/dia. A balsa- to. Sugere-se iniciar com 4 mg/kg, mas há experi-
lazida e a olsalazina são outros fármacos da mesma mento que considera 2 mg/kg a dose adequada para
família, sendo que a olsalazina só é recomendada para adultos, com eficácia comparável, ajustada, se neces-
manutenção. sário, com base nas medidas da ciclosporinemia, para
avaliação do seu nível sérico eficaz (350 a 500 ng/mL,
Formas leves de RCU bom padrão de proctite ou
utilizando-se anticorpo monoclonal, e 600 ng/mL
proctosignoridite são bem tratadas com mesalazina com anticorpo policlonal). Ressalte-se que a dose re-
tópiza, por via retal (supositórios e espumas, duas a duzida poderá falhar naqueles que não responderam à
três aplicações/dia). corticoterapia endovenosa. O tratamento da DC com
A associação mesalazina oral e tópica fica reserva- CyA não tem o mesmo sucesso relatado para a RCU.
da para pacientes com grande número de evacuações. Os efeitos adversos podem ser identificados na tabela.
A azatioprina/6-mercaptopurina tem sua indica-
ção na DII nas circunstâncias de má resposta a anti-in-
Terapêutica de manutenção flamatórios específicos, refratariedade ou dependência
Droga Uso aos corticosteroides ou recorrência precoce dos sinto-
Tópico (distal) mas após suspensão do uso (menos de três meses).
5-aminosalicílico
oral (distal/extensivo)
Diferentemente do consenso sobre a importân-
Azatioprina ou 6-mercapto-
Oral cia dos derivados tiopurínicos na DC, de cuja ação sis-
purina
têmica se espera que atinja todas as áreas inflamadas
Tabela 10.15
seja qual for a sua localização anatômica, sua eficácia
no tratamento da RCU continua em questionamento,
Classificação dos aminosalicilatos ainda que na prática seja uma alternativa utilizada
pH dependen- Mesacol (Asacol); Asalit; Mesasal; Cla- nas fases de indução e de manutenção da remissão
tes versal; Salofalk; Rowasa dessa inflamação, com resultados superiores aos ob-
Microesferas Pentasa tidos com placebo. Recomenda-se, assim, a AZA ou
Sulfassalazina; Olsalazina; Balsalazina; a 6-MP nos pacientes com colite ulcerativa e DC, em
Pró-drogas
lplaazina qualquer estágio do processo inflamatório, nos quais
Ácido N-acetil-5-aminosalicílico não se consegue manter o controle sintomático sem a
Outros
Ácido 4-aminosalicílico associação com esteroides ou que venham a necessitar
Tabela 10.16 deles novamente no intervalo de um ano.

SJT Residência Médica – 2016


108
Coloproctologia

As doses diárias de AZA e de 6-MP são calcula- Tratamento da retocolite ulcerativa em relação
das de acordo com o peso do paciente na proporção à intensidade de seu quadro clínico
de 2 a 3 mg/kg e 1 a 1,5 mg/kg, respectivamente, ini- Forma leve
ciando-se com 50 mg/dia, para ambas as substâncias e Mesalazina oral retal (dose 800 a 1.600 mg/dia) ou
aumentando-as a cada duas semanas, até as quantida- Sulfassalazina oral (dose 2 a 4 g/dia)
des preconizadas. Em virtude de sua mielotoxicidade, Forma moderada
impõe-se um controle hematológico na fase de ajuste
Mesalazina oral/retal (dose 1.600 a 3.200 mg/dia) ou
da dose, no mínimo quinzenal, para identificação de Sulfassalazina oral (dose 4 a 6 g/dia)
possível leucopenia de risco abaixo de 3.000 leucócitos Associado a glicocorticoide oral (40 a 60 mg/dia)
totais/mm3. Atingida a dose de estabilidade, recomen- Resistência ao tratamento: imunomodulador oral (50 a
dam-se novos controles sanguíneos pelo menos a cada 100 mg/dia)
três meses, inclusive a medida das enzimas hepáticas. Forma grave
Além da depressão medular, efeitos sistê- Hospitalização;
micos pelo uso de AZA e de 6-MP exigem atenção Glicocorticoide IV (100 mg – 6/6 h); antimicrobianos
médica: pancreatite aguda, erupção cutânea, febre e heparinização
artralgias, mialgias, toxicidade hepática e infecções, Resistência ao tratamento: ciclosporina IV (5 mg/kg/dia)
que podem determinar a suspensão definitiva do ou cirurgia
uso. A AZA ou a 6-MP associadas a corticosteroides RCU em remissão
aumentam os riscos de infecções, especialmente a
Mesalazina oral/retal (400 a 800 mg/dia) ou
disseminação da citomegalovirose e estrongiloidíase.
Sulfassalazina oral (1 a 2 g/dia) ou
Podem ocorrer também quadros de herpes-zoster, Imunomodulador oral (50 mg/dia)
pneumonias, abscesso hepático e colite por citome-
galovírus (CMV). Tabela 10.18

Efeitos adversos da sulfassalazina


e 5-aminosalicilato

Biológicos Dose dependente Não relacionadas à dose

São anticorpos monoclonais eficazes em induzir Hipersensibilidade cutânea/


fotossensibilidade
e manter a remissão em pacientes portadores de DII. Náuseas, vômitos e
Artralgia
Do grupo anti-TNF-α, infliximabe (Remicade, dispepsia
Anemia hemolítica (Def. de
Centocor, Malvern), é o de maior experiência na G6PD)
Anorexia
RCU. Em portadores de colite moderada a greve em Anemia aplásica
que a terapêutica com 5-ASA ou azatioprina/ 6-mer- Pancreatite
Alopecia
captopurina falhou, o infliximabe nas mesmas poso- Hepatite
Dor abdominal
logias descritas na DC foi capaz de induzir remissão e Infertilidade (sulfassalazina)
Má absorção de folato
Alveolite fibrosante,
manutenção nessa populações. (anemia megaloblás-
pneumopatia eosinofílica
tica)
As drogas anti-integrinas (natalizumabe e ve- Pericardite
dolizumabe) devem ser consideradas potentes anti- Miocardite
-inflamatórios com aplicação prática para DC, não se Tabela 10.19
tendo no momento grandes estudos na RCU. Vale a
pena rever este tópico no capítulo de Doença de Cro-
hn, apostila de Cirurgia do Intestino Delgado. Efeitos adversos do corticoide

O tratamento com probióticos, constituído pela ad- lplaazina Endócrino


ministração de altas concentrações de bactérias não pa- Hipocalemia Diabetes
togênicas (Lactobacillus, Bifidobacterium, Saccharomyces Retenção hídrica Aspecto cushingoide
boulardii, Streptococcus salivarius) que modificarão a HAS Insuficiência adrenal
flora intestinal, substituindo as cepas mais agressivas Hiperglicemia Retardo do crescimento
Hiperlipidemia (crianças)
e reduzindo a agressão antigênica oriunda das bactérias
patogênicas, tem obtido resultados animadores, tanto Gastrointestinal Neurológico
em pacientes com RCUI, como em portadores da doen- Depressão
ça de Crohn. No entanto, essa alternativa de tratamen- Dispepsia Insônia
to das DII ainda carece de mais estudos, antes que possa Disfagia (candidíase) Ansiedade
ter seu papel definitivamente estabelecido. Psicose

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109
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

quando necessário. A gestação deve ser tratada como


Efeitos adversos do corticoide
se a colite ulcerativa não estivesse presente, e a colite
Dermatológico Imunológico ulcerativa, como se a gestação não existisse.
Estrias
Acne Predisposição às infecções
Púrpura/equimoses
Tabela 10.20
Colite fulminante
A colite fulminante, associada ou não à dila-
Efeitos adversos da azatioprina e tação do cólon, é considerada uma complicação po-
6-mercaptopurina tencialmente letal tanto da colite ulcerativa como
€ Supressão da medula óssea da colite de Crohn. Os resultados do tratamento da
€ Pancreatite colite fulminante ainda são desapontadores, embo-
€ Diarreia, dor abdominal, náuseas ra a mortalidade e a morbidade tenham diminuído
€ Febre, rush e artralgia na última década. O tratamento intensivo com este-
€ Alterações dos testes de função hepática
roides, suporte nutricional, antibióticos e reposição
hidroeletrolítica contribuiu para essa melhora. Os
€ Infecções
tratamentos clínico e cirúrgico desses pacientes ex-
€ Linfoma
tremamente graves ainda apresentam problemas. A
Tabela 10.21
colite fulminante associada com dilatação do cólon,
também denominada “megacólon tóxico” ou “dila-
Efeitos adversos da ciclosporina tação tóxica”, não deve ser vista como sinônimo de
€ HAS colite aguda fulminante sem megacólon, quando se
€ Insuficiência renal discute o tratamento cirúrgico.
€ Anormalidades eletrolíticas
€ Hirsutismo
€ Hiperplasia gengival Colite fulminante
€ Parestesias € Ocorre na retocolite ulcerativa e na doença de Crohn
€ Hepatotoxicidade do cólon
€ Anafilaxia € Diarreia > 6 evacuações ao dia, com ou sem sangra-
€ Infecções oportunistas mento retal
Tabela 10.22 € Taquicardia, febre, palidez cutaneomucosa, anemia,
desidratação, hipotensão arterial
€ Leucocitose (com desvio à esquerda), elevação da ve-
locidade de hemossedimentação e do título de pro-
Colite ulcerativa teína C reativa

na criança Tabela 10.23

A colite ulcerativa na criança tem característi-


cas similares às do adulto. Entretanto, existem carac-
terísticas peculiares a esse grupo etário que precisam Durante o curso da colite fulminante, cer-
ser reconhecidas. Surgem dois problemas: retardo no tas situações são indicativas de cirurgia:
crescimento em razão da presença de doença crônica
e o risco de subsequente desenvolvimento de câncer 1. deterioração evidente do estado geral;
de cólon.
2. presença de choque endotóxico;
3. dor abdominal severa localizada;
Colite ulcerativa 4. perfuração livre ou peritonite generalizada; e

na gestante 5. estado tóxico associado com hemorragia maciça.


Nas situações em que não existe indicação abso-
Os corticosteroides e a sulfassalazina não au- luta de cirurgia, como acima, a observação e o trata-
mentam a morbidade e a mortalidade fetais, e, por- mento clínico contínuos são apropriados enquanto o
tanto, o seu uso isolado ou associado está indicado paciente estiver apresentando melhora.

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110
Coloproctologia

Terapêutica na colite fulminante A hemorragia maciça é rara na RCU, mas


e megacólon tóxico corresponde a cerca de 10% das indicações de ci-
rurgia de urgência nesta população. Se não hou-
1. Dieta zero
ver melhora em 48 a 72 horas ou se forem necessários
2. Nutrição parenteral
mais de quatro unidades de concentrado de hemácias
3. Reposição hidroeletrolítica
4. Hemotransfusão se necessária
em 24 horas, a cirurgia deverá ser realizada.
5. Reposição de albumina humana a 20% O procedimento cirúrgico padrão é colectomia +
6. Vitamina K caso INR alargado ilestomia + fechamento do coto retal ou fístula mucosa.
7. Antibióticos: aminoglicosídeo + metronidazol
Este procedimento apresenta menor taxa de
8. Corticoide endovenoso: hidrocortisona 150 mg de
6/6 horas mortalidade (4%) quando comparado à protocolecto-
9. Ciclosporina 4 mg/kg/dia EV em infusão contínua mia com ilestomia à Brooke, cuja taxa de mortalidade
caso não haja melhora clínica com o item 8 é de 11%.
10. Butilescopolamina 100-200 mg/dia para alívio de dor Diante de hemorragia incontrolavel e/ou gravi-
abdominal. Evitar opiáceos e medicações antidiarreicas dade do caso, a proctocolectomia com ileostomia defi-
Obs.: qualquer sinal de deterioração enquanto o pa- nitiva é a alternativa cirúrgica mais adequada.
ciente estiver sob tratamento clínico adequado deve in-
fluenciar decisivamente na indicação cirúrgica.
Tabela 10.24

Cirurgia eletiva
Os diversos estudos mostram que cerca de
25% dos portadores de RCU são operados em
decorrência de sintomas ou complicações da do-
Tratamento de manutenção ença. Mais de 90% dos pacientes que necessitam de
O arsenal terapêutico usado para manutenção cirurgia são operados em caráter eletivo.
da remissão na RCUI incluem: sulfassalazina, 5-ASA, A intratabilidade clínica é a principal indi-
imunossupressores como azatioprina/6-mercaptopu- cação e que deve ser compreendida como pacien-
rina e anti-TNF-α, em particular o infliximabe. tes que não tem controle clínico da sua doença e/
ou aqueles que tem controle mas às custas de ex-
cessivos efeitos colaterais a médio e longo prazo.
Câncer, displasia de alto grau, DALM (displasia
Cirurgia na RCUI associada a lesões e massas), retardo do crescimento,
manifestações extraintestinais intensas e estenose
endoscópica ou radiológica (estenoses ocorrem em 5
Cirurgia na urgência a 10% dos pacientes e 20 a 25% são de natureza ma-
ligna) são outras indicações de tratamento cirúrgico.
Corresponde a menos de 10% de todas as
cirurgias para RCU. Indicações: megacólon tóxico/ A via laparoscópica é a de eleição para ci-
colite fulminante; perfuração e hemorragia maciça rurgias eletivas, devendo-se respeitar o tempo
não controlável e obstrução por câncer. de treinamento e o volume de casos operados.
Os melhores resultados estão condicionados a essas
As medidas iniciais para megacólon tóxico/ prerogativas.
colite fulminante são de intensivismo acrescido de
O procedimento cirúrgico de eleição é a pro-
corticoide intravenoso e anti-TNF-α. Pacientes que
tocolectomia total com bolsa ileal e anastomose
deterioriam o quadro clínico ou aqueles que se man-
ileonal, que possibilita a preservação do trânsi-
tém com mais de 8 avacuações/dia e PCR > 45 mg/dL
to intestinal com o mecanismo esfincteriano. A
são altamente de risco para um desfecho cirúrgico.
mortalidade perioperatória varia de 0,2% a 1%.
Vale frisar que o principal determinante para o me-
lhor momento cirúrgico é a não resposta clínica às Atualmente, a proctocolectomia total com ile-
medidas agressivas. ostomia definitiva (no passado era a cirurgia padrão-
-ano) é uma opção apenas em condições específicas
A perfuração é consequência da colite ful-
que incluem:
minante e/ou megacólon tóxico. Independente de
ser livre ou bloqueada é uma complicação grave que 1. Lesão importante da musculatura esficteriana
requer indicação cirúrgica (taxa de mortalidade de 27 anorretal.
a 57% dos casos). 2. Câncer de reto distal.

SJT Residência Médica – 2016


111
10 Retocolite ulcerativa inespecífica (RCU)

3. Dificuldade técnica para se levar a bolsa ileal ao períneo.


4. Recusa do paciente de se submeter à colocação da bolsa ileal.
As complicações relacionadas ao procedimento cirúrgico incluem:
Deiscência da anastomose (5%-10%), fístula da bolsa ileal para a vagina (3% a 16%), bolsite (23 a 46% num
período de 10 a 12 anos após a cirurgia).
O risco de câncer no reto distal (risco muito baixo) pode estabelecer vigilância anual com anuscopia; mais
raro ainda é o aparecimento de câncer na bolsa ileal.
Obstrução intestinal pode ocorrer em até 25% dos casos ao longo dos primeiros anos após a cirurgia. Apro-
ximadamente 1/3 desses pacientes requer tratamento cirúrgico.
Vale destacar alguns aspectos funcionais relevantes associados à protocolectomia total com anastomose
ileoanal e bolsa ileal: nos primeiros meses várias evacuações/dia que podem chegar a 10 a 15 vezes/dia; progres-
sivamente observa-se adequação do número de evacuação. A perda insensível de gazes e fezes (soiling) observada
em até 40% dos casos e que melhora progressivamente ao longo de até três anos após a cirurgia. Disfunção erétil
(5-10% dos casos) que pode ser evitada ao respeitar-se os cuidados técnicos como dissecar o mesorreto próximo
ao reto e preservação dos nervos hipogástricos ao longo de todo o seu trajeto.

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

11
Tiflite

“Dê-me uma alavanca bastante comprida e um ponto de apoio bastante forte, e sozinho moverei o mundo.”
– ARQUIMEDES.

De昀椀nição Fatores predisponentes


Define-se como um processo necroinflamató- Neutropenia crítica (< 500 células/mm³) é o
rio que envolve o ceco, o apêncide e o ileo terminal. fator essencial para o desenvolvimento desta com-
Esta condição foi originalmente documentada plicação; portanto, pacientes com leucoses, linfomas,
em pacientes leucêmicos gravemente neutropêni- aplasia medular e SIDA são candidatos a esta rara con-
cos em que se observou um quadro devastador de dição clínica.
necrose transmural, perfuração e sepses com alta
taxa de letalidade.

Etiologia e patogenia
Sinonímia Estabelecido o fator predisponente, o processo
tem início como uma distensão do ceco (de causa des-
€ Síndrome ileocecal;
conhecida), que acarreta estase do conteúdo fecal e su-
€ Enterocolite neutropênica; percrescimento bacteriano, além de prejuízo do supri-
€ Colite necrosante. mento venoso intestinal, isquemia da mucosa e micro
113
11 Tiflite

ou macroulceração da mucosa intestinal, que pode


ser superficial ou profunda. A mucosa intestinal Diagnóstico
lesada permite invasão secundária de pató- A avaliação hematológica revela leucopenia
genos bacterianos e fúngicos, lesão da parede com neutropenia (< 500 cels/mm³), pancitopenia
intestinal e acometimento transmural, o que e, nos casos de sepse, anormalidades metabólicas e
possibilita perfuração e desenvolvimento de bioquímicas compatíveis, como uremia, hipoxemia,
peritonite fecal. distúrbios hidroeletrolíticos etc. A hemocultura é po-
sitiva em 25 a 75% dos casos, devendo ser sempre
Necrose mucosa e submucosa podem envolver a solicitada em um número de três amostras, com in-
vasculatura subjacente e produzir súbita ou profusa tervalo mínimo de 30 minutos.
hemorragia intramural ou intraluminal, permitindo
a entrada na circulação de patógenos bacterianos e
fúngicos.
Avaliação por imagem
Dentre os micro-organismos destacam-se os
O primeiro exame deve ser uma rotina radiológi-
bacilos entéricos Gram-negativos (Pseudomonas ae-
ca de abdome agudo, cuja radiografia simples de abdo-
ruginosa, Escherichia coli, Klebsiella sp., Enterobacter
me pode revelar íleo paralítico e densidade de partes
sp.), Staphylococcus aureus, anaeróbios (Clostridium moles em QID; dilatação de ceco, cólon ascendente ou
sp., Bacterioides fragilis) e fungos (Candida sp., As- intestino delgado; impressão digital em cólon ascen-
pergillus sp.). dente (sugestivo de edema submucoso) ou pneumato-
se intramural.
O clister baritado deve ser evitado devido ao ris-
co de perfuração do cólon. A ultrassonografia de ab-
Quadro clínico dome ajuda a excluir outras causas, como apendicite
aguda, e pode ajudar a avaliar massas com o caracte-
O quadro clínico pode variar de leve, autolimi- rístico padrão em alvo, que corresponde a uma massa
tado, a um processo grave, extenso, com perfuração arredondada com hiperecogenicidade central e perife-
cecal e peritonite fecal. ria hipoecoica. Ultrassonografias seriadas têm impor-
tante papel tanto no diagnóstico quanto no acompa-
Dor no quadrante inferior direito (QID),
nhamento evolutivo.
tanto em cólica, intermitente, quanto de forma contí-
nua, ocorre em praticamente todos os pacientes; diar- A tomografia computadorizada de abdome com
reia aquosa ou sanguinolenta em 40 a 80% e, em contraste pode ser bastante útil e capaz de mostrar
geral, náuseas e vômitos. espessamento da parede intestinal, dos planos faciais
adjacentes e presença de líquido extraluminal em QID.
O desenvolvimento de febre, calafrios e choque A TC com contraste é considerada o padrão-ouro no
deve levar à suspeita de sepse ou perfuração colônica. diagnóstico de imagem, apresentando a mesma sen-
A diarreia sanguinolenta pode manifestar-se sibilidade da ressonância magnética. Além do espes-
como hemorragia digestiva baixa maciça, evoluindo samento da parede, a tomografia computadorizada
com anemia aguda e choque hipovolêmico. ocasionalmente demonstra áreas intramurais de baixa
atenuação, consistente com edema ou necrose e, por
O exame físico varia de acordo com a gravidade vezes, pneumatose.
da doença e com a presença de complicações. Disten-
Colonoscopia e retossigmoidoscopia são relativa-
são abdominal, aperistalse e timpanismo refletem íleo
mente contraindicadas devido ao risco de perfuração.
adinâmico. À palpação, verifica-se sensibilidade
maior em QID e ocasionalmente detecta-se mas- Porém, no caso de dúvida diagnóstica e para es-
sa palpável. clarecimento de enterorragia, retossigmoidoscopia
muito cuidadosa pode ser realizada.
A presença de sensibilidade de rebote difusa
sugere perfuração colônica e peritonite. Além dis-
so, os pacientes afetados, devido à sua imunossu-
pressão, são habitualmente afebris. O tempo de
evolução e a gravidade da doença variam, com um
Tratamento
curso subagudo ou prolongado, sendo mais adequa- A quimioterapia que estiver em curso deve ser
do o tratamento clínico, com melhor prognóstico do imediatamente interrompida até que haja condições
que o cirúrgico. clínicas de prescrevê-la novamente.

SJT Residência Médica – 2016


114
Coloproctologia

Na presença de doença localizada sem hemor- estimuladores da medula óssea (Granulokine 5 a 10


ragia grave, perfuração ou peritonite, o tratamento é µg/kg, máximo de 300 µg/dia), pode ser útil para recu-
clínico, com hidratação venosa, reposição hidroeletro- peração mais rápida do estado neutropênico.
lítica, repouso intestinal com a administração de nu-
Em casos mais graves, com perfuração cecal,
trição parenteral total, sonda nasogástrica e adminis-
peritonite, obstrução, abscessos, sangramento retal
tração de antibióticos de amplo espectro.
maciço ou sepse intra-abdominal não responsiva ao
Os antimicrobianos devem ser orientados para tratamento clínico, impõe-se a realização de cirurgia,
bacilos entéricos Gram-negativos, incluindo Pseudo- sendo, porém, o prognóstico bastante reservado. A ci-
monas aeruginosa (aminoglicosídeos, cefalosporinas rurgia deve constar de ressecção de todo o segmento
de terceira geração ou quinolonas), anaeróbios (me- de intestino doente, em geral realizando-se hemico-
tronidazol) e Staphylococcus aureus (vancomocina). Se lectomia direita (em dois tempos) ou colectomia total,
ao término de 3-4 dias não houver resposta satisfa- e não apenas ressecção segmentar.
tória, devemos pensar em fungos, e associação de an-
fotericina B se impõe. Hemoculturas positivas podem
orientar a terapêutica com maior segurança.
O manejo da hemorragia digestiva deve incluir a
correção dos distúrbios de coagulação, em especial a
Prognóstico
plaquetopenia. É uma doença devastadora, com mortalidade
Deve-se evitar o uso de antiespamódicos e superior a 50%, decorrente, em sua maioria, de ne-
antidiarreicos, devido ao risco de agravamento do crose transmural, perfuração intestinal, peritonite
íleo e piora do quadro diarreico. A administração de sepse por Gram-negativos e anaeróbios.

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

12
Colite pseudomembranosa (CPM)

“Experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com o que lhe acontece.”
– ALDOUS HUXLEY.

Cerca de 3% dos adultos sadios são portadores de


Introdução C. difficile na flora colônica, mas a frequência é de 20
a 40% em pacientes hospitalizados e aumenta com a
A CPM é na grande maioria dos casos uma do- duração da hospitalização. Quase todos os antibióti-
ença hospitalar, que tem como agente etiológico o cos já foram implicados na afecção, porém os mais
Clostridium difficile. O patógeno é organismo for- comuns são clindamicina, as cefalosporinas e as
mador de esporos que sobrevive bem na natureza e en- fluoroquinolonas. É uma doença rara em crianças, a
contra-se amplamente distribuído no meio ambiente. despeito da frequente exposição a antibióticos, mas o
risco aumenta com a idade e é mais comum e mais
grave em indivíduos acima dos 65 anos de idade.
A maioria dos casos ocorre quando o antibi-
Epidemiologia ótico é administrado por via oral, sendo mais raro
quando o uso é por via intravenosa.
Os três fatores de risco bem caracterizados são Raramente a doença ocorre sem uso prévio de
uso de antibiótico, estado avançado de doenças e per- antibióticos. Situações como procedimentos cirúrgi-
manência em centro de cuidados agudos e ou crônicos. cos, quimioterapia, malignidades, obstrução intesti-
O C. difficile é um bacilo Gram-positivo, ana- nal, isquemia mesentérica e lesões medulares são re-
eróbio e formador de esporos. componente da flora lacionados como fatores passíveis de modificar a flora
intestinal normal em menos de 3% dos adultos sau- intestinal, predispondo ao crescimento do C. difficile.
dáveis e em até 70% das crianças. Seu crescimento em Vale ressaltar que embora o C. difficile seja
larga escala, entretanto, é raramente observado nas o grande agente etiológico, raramente S. aureus,
fezes de indivíduos normais. As modificações na flora Clostridium perfringens dos tipos A ou C, Yersinia
intestinal, resultantes da terapia antibiótica, permi- enterocolítica e espécies Salmonella podem estar
tem o crescimento e a colonização por esse patógeno. implicadas na patogênese da CPM.
116
Coloproctologia

3. Diarreia induzida por antibiótico com CPM.


Fisiolopatologia 4. Colite fulminante com megacólon tóxico.
Os fatores que contribuem para a patogênese da 5. Enteropatia perdedora de proteínas que pode
diarreia e da colite associadas a C. difficile incluem uma progredir para anasarca.
fonte do organismo, presumidamente a flora normal do
A maioria dos pacientes apresentam um quadro
hospedeiro ou uma fonte ambiental; alteração da flora
intestinal em decorrência da exposição a antibióticos; de diarreia específica (apresentação 1) que cede quan-
produção de toxina, que ocorre com o rápido crescimen- do o antibiótico aplicado é interrompido.
to das formas vegetativas de cepas toxigênicas e susceti- As duas formas mais graves incluem as
bilidade relacionada com o hospedeiro, tais como idade apresentações 3 e 4. Na CPM o quadro de diarreia
e, possivelmente, falta de experiência imunológica. As geralmente surge após a primeira semana do uso da
toxinas implicadas nesta complicação são a A e a B.
droga (mas pode ser tardio, ocorrendo até 6 a 8 sema-
A maioria das cepas de C. difficile são toxigênicas e pro-
duzem ambas as toxinas sob idênticas condições de cul- nas após). A diarreia é aquosa, de muitas evacuações,
tura, embora cepas ocasionais produzam toxina B sem dor abdominal (80 a 90%), febre (80%) e tenesmo
toxina A, além de haver variação na quantidade de toxi- (90% dos casos).
nas produzidas. A toxina B é uma citotoxina potente que A colite fulminante (apresentação 4) com
causa transtorno não letal de microfilamentos de actina megacólon tóxico é a forma mais grave de apre-
do citoesqueleto. A toxina A causa alterações citotóxicas sentação clínica. O quadro diarreico se associa a
semelhantes, mas é bem menos potente em ensaios de
piora clínica, com febre, taquicardia, distensão e sen-
cultura de tecido; causa infiltração neutrofilica e dano
mucoso grave nas alças intestinais de diversos roedores. sibilidade abdominal, toxemia e redução da peristalse.
Algumas cepas exibem deleção de 18 pares de bases de Com a progressão da dilatação tóxica aguda do cólon
um gene denominado tcdC, responsável pela regulação há redução do volume de diarreia em decorrência do
para menos (down regulation) da produção da toxina A e íleo paralítico.
B. Algumas cepas produzem ainda “toxina binária”, rela- Atenção: uso de antibiótico – diarreia – piora
cionada com a toxina do tipo E do C. perfringens. A doen- clínica com distensão abdominal e toxemia, pense em
ça entérica associada a C. difficile é mediada por toxina, e colite fulminante e/ou megacólon tóxico.
supõe-se que o transtorno da flora induzido pela expo-
sição a antibióticos resulte na conversão de esporos de
C. difficile. As toxinas parecem responder pela maioria
dos ou por todos os efeitos biológicos.
Abordagem diagnóstica
Alto risco O hemograma completo habitualmente cursa
com leucocitose (que pode evoluir para reação leuce-
Cefalosporinas (3ª/4ª gerações)
moide) e desvio para a esquerda. A VHS e a proteína C
Clindamicina reativa encontram-se elevadas.
Penicilinas
O exame padrão para estabelecer o diag-
Fluoroquinolonas nóstico é um ensaio para detectar toxina A
Tabela 12.1 ou toxina A mais toxina B. O último preferível,
pois cerca de 1 a 3% das cepas produzem toxina B,
Agentes quimioterápicos envolvidos na diarreia
mas não toxina A. O método laboratorial mais
e/ou colite associada ao Clostridium difficile comum é um ensaio imunoenzimático (EIA),
mas sua sensibilidade é de apenas 60 a 80%. Dessa
5-Fluorouracil
forma, muitas vezes é preciso fazer exames repeti-
Metotrexato
dos, e alguns pacientes necessitam de tratamento
Doxorrubicina
empírico quando os exames são negativos mas os
Ciclofosfamida
aspectos clínicos são compatíveis com a doença. O
Tabela 12.2 ensaio padrão de citotoxina é mais sensível que o
EIA, mas tem a desvantagem de demorar de 24 a 48
horas e a necessidade de recursos para cultura de
tecido nem sempre estão disponíveis prontamente
Quadro clínico nos laboratórios clínicos. Alguns laboratórios tes-
tam a presença de C. difficile ao invés da toxina, mas
As principais formas de apresentação clínica são: tal abordagem reduz substancialmente a especifi-
cidade porque muitas pessoas, especialmente nos
1. Diarreia induzida por antibiótico sem colite. hospitais, estão colonizadas, mas não exibem pro-
2. Diarreia induzida por antibiótico com colite. dução de toxina.

SJT Residência Médica – 2016


117
12 Colite pseudomembranosa

Uma terceira conduta usada por alguns labora- por si só muitas vezes resultam na resolução de sin-
tórios é fazer cultura de C. difficile ou testar o “antí- tomas em pacientes que não estejam gravemente en-
geno comum”, que é um marcador de C. difficile, como fermos. Quando há necessidade de antimicrobianos, o
exames de rastreamento e então testar a produção de único fármaco que se provou, de fato, ser eficaz em um
toxina nos que apresentarem resultado positivo. ensaio controlado com placebo é a vancomicina oral,
O estudo radiológico será necessário na suspeita 125 mg quatro vezes ao dia. A alternativa é metro-
de megacólon tóxico e a radiografia panorâmica do ab- nidazol (droga de escolha), que proporciona taxas de
dome é o exame mais indicado. resposta comparáveis às da vancomicina, é bem mais
barato e evita a preocupação com Enterococo resistente
A colonoscopia deve ser o primeiro exame quan-
a vancomicina. Uma conduta é usar vancomicina em
do os sintomas são mais graves, visto a necessidade
pacientes gravemente enfermos e substituir por me-
de definir o diagnóstico de forma mais precoce, antes
tronidazol se houver resposta tardia. A resposta es-
do resultado dos exames de fezes. Durante o procedi-
perada com esses fármacos é a rápida defervescên-
mento endoscópico, pode-se encontrar sinais de colite
cia com normalização gradual do hábito intestinal
não específica como edema, hiperemia, friabilidade e
em torno do quinto ao oitavo dia de tratamento. A
erosões, até a forma mais clássica da colite pseudo-
ausência de resposta muitas vezes significa que a do-
membranosa.
ença progrediu muito ou que uma outra afecção é res-
O Clostridium difficile produz uma enterotoxina, ponsável pelos sintomas.
já mencionada, que causa necrose focal do epitélio,
Cerca de 20% dos pacientes que recebem van-
juntamente a um exsudato inflamatório agudo. Na vi-
comicina ou metronidazol sofrem recidiva dos sin-
gência da formação de placas pseudomembrano-
tomas quando o tratamento é interrompido devido
sas na área da ulceração superficial, será usado
persistência de esporos de C. difficile ou aquisição
o termo colite pseudomembranosa, sendo esse de uma nova cepa.
distúrbio identificado pela presença de placas
branco amareladas nitidamente demarcadas e O tratamento com vancomicina ou metronidazol
elevadas que variam desde o diâmetro diminuto é então administrado novamente.
a alguns centímetros. A mucosa circundante pode Em pacientes não responsivos à introdução de
parecer normal ou edematosa, friável e coberta por antibioticoterapia específica, alguns autores preco-
exsudato mucopurulento, podendo sangrar quando nizam o uso de imunoglobulina endovenosa com re-
as placas são removidas. Nos casos graves, as placas sultados favoráveis. Deve-se atentar para que em pre-
coalescem e podem ser vistos edema, eritema e fria- sença de deficiência de IgA e alergia a componentes da
bilidade com hemorragia puntiforme. Raramente, há imunoglobulina, como a maltose, está contraindicada
desprendimento excessivo de mucosa necrótica. Em essa forma terapêutica.
geral, o envolvimento é distal ou do lado esquerdo,
Nas formas graves com colite fulminante que
podendo, no entanto, ser universal, especialmente se
não responde ao tratamento clínico, torna-se necessá-
as placas forem grandes. Em até 1/3 dos pacientes afe-
rio a discussão da indicação de colectomia total. Fique
tados, são encontradas alterações endoscópicas acima
atento, pois este tema é recorrente nas provas de RM.
da área retossigmoidiana, ou no cólon direito, incapa-
citando o diagnóstico pela retossigmoidoscopia.
Antibióticos para tratamento de colite
pseudomembranosa
Nome científico Posologia Duração
Tratamento Metronidazol 400 a 500 mg,
VO, de 8/8 horas
10 a 14 dias

O tratamento imediato consiste em interrom- Vancomicina 125 a 500 mg, 10 a 14 dias


per o antibiótico em uso, instituir cuidados de su- VO, de 6/6 horas
porte e evitar agentes antiperistálticos. Essas medidas Tabela 12.3

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

13
Novas colites

“Sem conhecer a força das palavras, é impossível conhecer os homens.”


– CONFÚCIO.

Colite colagenosa
A colite colagenosa é uma síndrome clinicopato-
lógica caracterizada por diarreia aquosa crônica e dor
abdominal em cólica e histopatologia colorretal dife-
renciada que inclui uma banda colágena subepitelial,
inflamação crônica proeminente na lâmina própria
e maior número de linfócitos intraepiteliais. Con-
tudo, existem variáveis clínicas e endoscópicas.
Em 1976, Lindstrom, um patologista sueco, des-
creveu o primeiro caso. Ele cunhou a expressão colite
colagenosa por causa da semelhança histopatológica
com o espru colagenoso, no qual um depósito de colá-
geno é visto numa localização subepitelial semelhan-
te, porém na mucosa jejunal.

Histopatologia
Como o nome deixa entender, existem dois com-
ponentes histológicos principais na colite colageno-
sa: colite e maior deposição de colágeno. A colite consis- Figura 13.1 A: colite colagenosa. Os aspectos ca-
te de aumentos na inflamação tanto na lâmina própria racterísticos são uma camada colágena subepitelial
quanto dentro do epitélio. A lâmina própria é expandi- espessada, assim como colite com maior número de
da por uma mistura de células inflamatórias, incluindo
plasmócitos na lâmina própria e linfócitos intraepiteliais
plasmócitos, linfócitos e, em algum casos, uma maior
quantidade de eosinófilos e mastócitos. Os neutrófilos proeminentes. Observar também o epitélio superficial
são bastante raros nesse distúrbio, mas foram descritos lesado com acentuado achatamento. (Aumento de 300
em uns poucos casos, e sugeriu-se que representam um vezes.) B: colite linfocítica. Os elementos característicos
estágio precoce ou agudo de enfermidade. Às vezes, a abrangem linfócitos intraepiteliais destacados, altera-
maior inflamação da colite colagenosa é relativamente ções epiteliais reativas e maior número de células infla-
sutil (isto é, em comparação com a colite ulcerativa). matórias na lâmina própria (aumento de 300 vezes).
119
13 Novas colites

Um componente distinto da colite colagenosa é


o maior número de linfócitos intraepiteliais. Um au-
Patogenia
mento do número deles está presente na maioria, mas A causa da colite colagenosa é desconhecida.
não em todos, os casos dessa colite. Os linfócitos in- O distúrbio não pode ser classificado como doença do
traepiteliais proeminentes não são uma característica tecido conjuntivo. Um agente causal – tipo substân-
das outras formas de doença intestinal inflamatória, cia alimentar, medicamento (droga) ou patógeno in-
feccioso – ainda não foi identificado. Uma associação
exceto para doença celíaca e colite linfocítica. Na co-
com a ingestão de medicamentos anti-inflamatórios
lite colagenosa, são predominantemente células T
não esteroides foi aventada por vários autores, porém
CD8+ e expressam a forma alfabeta do receptor da requer investigações adicionais. Entre as hipóteses
célula T. Pode haver também dano epitelial superficial acerca da patogenia da colite colagenosa estão des-
(achatamento, separação). regulação imune que acaba em inflamação colôni-
O outro componente histológico caracterís- ca, irregularidades na síntese do colágeno e outros
mecanismos, incluindo anormalidades dos mastó-
tico é a presença de uma maior quantidade de co-
citos, vasculose plasmática e toxinas bacterianas.
lágeno subepitelial, que pode ser reconhecido nas
colorações convencionais com hematoxilina e eo-
sina como uma faixa eosinofílica localizada logo
abaixo do epitélio superficial. Sua largura era em Características clínicas
média de 15 µ em uma série, mas varia bastante. Em A colite colagenosa é essencialmente uma doen-
muitos pacientes, a espessura da faixa se modifica ça das mulheres. No registro de colite colagenosa do
em diferentes locais no cólon, e ela pode estar ausen- Johns Hopkins, com 107 indivíduos, 90% eram mu-
te no reto. Consequentemente, têm de ser colhidas lheres. A maioria dos pacientes apresenta-se entre a
múltiplas amostras para biópsia, e as áreas proximais sexta e a sétima década da vida com diarreia aquo-
ao retossigmoide devem ser examinadas para esta- sa. Em um estudo, a idade média ao ser feito o diag-
belecer ou excluir o diagnóstico de colite colagenosa nóstico era de 59 anos. Apesar de ser um distúrbio de
com toda a certeza. adultos, vários relatos controversos descreveram duas
crianças com colite colagenosa. Poucos dados sugerem
O colágeno subepitelial aumentado exibe al- hereditariedade na colite colagenosa, com ocorrência
terações qualitativas e quantitativas em relação ao entre parentes observada somente em membros de
cólon normal. No epitélio colônico normal, a mem- primeiro grau em duas famílias distintas.
brana basal possui bordas nítidas e bem definidas.
Na colite colagenosa, a maior quantidade de coláge-
no confere um aspecto “peludo” à borda inferior da
Diarreia
membrana, com prolongamento da proteína esten-
dendo-se para dentro da lâmina própria. Para deli- A diarreia aquosa crônica é o principal sin-
toma da colite colagenosa. Os pacientes descrevem
near os aumentos ligeiros do colágeno subepitelial,
5 a 10 evacuações por dia, que persistiram em média
uma coloração tricrômica devidamente preparada
por 5 anos, mas que podem durar por 20 anos. O jejum
pode ser bastante útil. Portanto, podemos reconhe-
reduz o volume fecal na maioria dos pacientes e elimi-
cer qualquer aumento do colágeno subepitelial, no na a diarreia em uns poucos. Na maioria dos casos, a
contexto inflamatório e clínico apropriado, como diarreia está associada a dor abdominal difusa em có-
sendo diagnóstico de colite colagenosa. Consequen- lica, e os sintomas são diagnosticados erroneamente
temente, uma mensuração quantitativa de espessu- com frequência como síndrome de intestino irritável.
ra da camada colágena subepitelial não é necessária A quase totalidade dos pacientes não consegue pre-
para diagnosticar a doença. cisar o início da diarreia, porém alguns contam uma
história de gastroenterite precedente.

Incidência Sintomas extraintestinais


Vários estudos abordaram a incidência da colite A artrite enteropática é uma manifestação ex-
colagenosa. Nos indivíduos com diarreia crônica, sua traintestinal observada em cerca de 7% dos casos de
frequência oscila de 0,3 a 5%. Foi estimado que a taxa colite colagenosa. Ela é soronegativa para fator reu-
de incidência deste distúrbio é de aproximadamente matoide, não é destrutiva, pode acometer uma única
16 casos por 100.000 pessoas. Foram relatados casos ou várias articulações e responde ao tratamento anti-
na Europa, Austrália e América do Norte. -inflamatório de colite colagenosa.

SJT Residência Médica – 2016


120
Coloproctologia

Outros distúrbios ligados à imunidade foram no- cerativa, porém não em outras formas de doença
tados nos pacientes com colite colagenosa. Um estudo intestinal inflamatória. Nenhuma elevação dos se-
relatou que 17% dos pacientes tinham doenças au- cretagogos séricos foi relatada nos pacientes com co-
toimunes coexistentes, que incluíram irite recidivan- lite colagenosa, exceto para o polipeptídio pancreático
te, síndrome de Sjögren, arterite de células gigantes, em um único paciente. Haplótipos HLA específicos
Miastenia gravis e tireoidite. não estiveram vinculados a colite colagenosa.

Fisiopatologia da diarreia Exames radiográ昀椀cos e


A diarreia na colite colagenosa parece resultar endoscópicos
principalmente da secreção final de líquidos no có- Os exames radiográficos e endoscópicos gastroin-
lon, que é exacerbada ainda mais com a alimentação. testinais não são diagnósticos. Os testes baritados al-
A conclusão resulta dos estudos da perfusão de todo tos e baixos em geral são normais, com a identificação
o cólon feitos em pacientes afetados. Rask-Madsen e de irregularidades ocasionais da mucosa colônica e de
colaboradores assinalaram que a diarreia persistia na alguns pólipos adenomatosos. Pelo exame endoscó-
vigência de jejum e que a diferença osmótica das fe- pico, a mucosa colônica é essencialmente normal,
zes era compatível com um mecanismo secretório. Os apesar de alguns achados inespecíficos, como eritema,
níveis de prostaglandina E, estavam extremamente palidez e edema, terem sido relatados em até um terço
elevados no dialisado fecal, gerando a especulação de dos casos.
que ela pode mediar a secreção ativa de ânions. Além
disso, concentrações elevadas dos prostanoides PGD2
e TxB2 foram medidas na mucosa colônica de pacien-
tes com colite colagenosa. Armadilhas para o
diagnóstico
Uma maneira “segura” de diagnosticar erronea-
Diagnóstico mente a colite colagenosa consiste em focalizar ape-
nas a espessura do colágeno subepitelial. A enfermida-
A colite colagenosa deve ser suspeitada em to-
de é um distúrbio inflamatório do cólon, e, portanto,
dos os pacientes (porém especialmente nas mulheres
a maior inflamação mucosa é um pré-requisito para o
de meia-idade) com diarreia não infecciosa aquosa e
diagnóstico. A mensuração da espessura da membra-
crônica. Embora o distúrbio com frequência seja diag- na basal, na ausência da inflamação exacerbada, é fora
nosticado erroneamente como síndrome do intestino de propósito. Além disso, o tamanho dela pode pare-
irritável, existem várias diferenças clínicas capitais, cer artificialmente aumentado. Por exemplo, a orien-
entre as quais a idade mais avançada por ocasião da tação do tecido para produzir um corte tangencial da
apresentação, a falta de alternância com constipação, membrana basal faz com que esta fique mais “espessa”
o fato do quadro intestinal ser diurno e noturno e as do que quando é corretamente orientada.
ocasionais perturbações nos achados laboratoriais ob-
servadas na colite colagenosa.
As biópsias estabelecem em definitivo o diag-
nóstico de colite colagenosa. Como a mucosa em ge- Comparação histológica com
ral parece endoscopicamente normal, é fundamental outras doenças intestinais
obter amostras colorretais para biópsia. Ainda mais,
devem ser obtidas múltiplas amostras para este exame in昀氀amatórias
nas áreas proximais ao retossigmoide, pois o espessa-
mento colágeno pode ser irregular. Doença de Crohn e Colite Ulcerativa
A colite colagenosa é um processo inflamató-
rio crônico de origem desconhecida e dessa forma é
uma nova categoria de doença intestinal inflamatória
Achados laboratoriais idiopática, ao lado da colite ulcerativa e da doença de
Os exames de sangue de rotina em geral são nor- Crohn. Na biópsia, o padrão da inflamação é bem dife-
mais. Uma ligeira elevação da velocidade de hemosse- rente entre estas três entidades. Na colite colagenosa,
dimentação foi constatada em vários pacientes e urna o epitélio costuma estar infiltrado por numerosos lin-
eosinofilia mínima em alguns outros. Anticorpos ci- fócitos, porém com poucos, ou nenhum, neutrófilos.
toplasmáticos antineutrofílicos (p-ANCA) foram O inverso ocorre na colite ulcerativa e na doença de
encontrados na colite colagenosa e na colite ul- Crohn, que exibem poucos linfócitos intraepiteliais,

SJT Residência Médica – 2016


121
13 Novas colites

mas neutrófilos proeminentes no epitélio, o que se colagenosa e agentes anti-inflamatórios não esteroi-
manifesta como criptite, abscessos das criptas (RCUI), des, estes devem ser suspensos. Se for documentada
erosões e úlceras (DC). Ainda mais, é característica na esteatorreia, poderá ser útil uma dieta pobre em gor-
colite colagenosa a ausência de distorção das criptas, duras. Na presença de má absorção de sais biliares, as
um aspecto importante de colite ulcerativa e da doen- resinas fixadoras tipo colestiramina têm sido úteis.
ça de Crohn, talvez como resultado dos ataques neu- A literatura indica que o tratamento com agentes
trofílicos repetidos ao epitélio. Finalmente, a colite co- anti-inflamatórios é o esteio da terapia. O desapare-
lagenosa possui um padrão diferente na fibrose, com cimento da camada colágena subepitelial e a redução
uma faixa colágena subepitelial localizada, enquanto da diarreia foram relatados em pacientes tratados com
a colite ulcerativa e a doença de Crohn exibem uma prednisolona, sulfassalazina, ácido 5-aminossalicílico,
fibrose cicatricial da mucosa mais difusa, RCUI; ou metronidazol e mepacrina (um inibidor do metabolis-
transmural, DC. mo do ácido araquidônico).
O tratamento deve começar pela medicação me-
nos tóxica, com o acréscimo subsequente de agentes
Colite linfocítica mais agressivos ou uma combinação deles, se neces-
A doença mais semelhante à colite colagenosa é sário. Atualmente, um esquema terapêutico que se
a colite linfocítica. Esta, à semelhança da colagenosa, recomenda é o seguinte: eliminação dos medicamen-
manifesta-se com diarreia aquosa crônica de origem tos ou das substâncias dietéticas lesivas; agentes for-
desconhecida. As similitudes na biópsia entre as duas madores de massa fecal, colestiramina, ou medicações
entidades incluem um maior número de linfócitos antidiarreicas inespecíficas; sulfassalazina na posolo-
intraepiteliais, mais inflamação crônica da lâmina gia de 2 a 4 g/dia em doses divididas e nos pacientes
própria, distorção mínima ou nula das criptas e pou- refratários, prednisona, 30 e 40 mg/dia. Após dois a
quíssima infiltração neutrofílica. A principal diferen- quatro meses desta sua dose, deve ser reduzida pro-
ça histológica é a ausência na colite linfocítica de gressivamente.
faixa colágena subepitelial, que no entanto é uma
característica patognomônica da colite colagenosa.

Prognóstico e evolução
Doença celíaca clínica
A outra única doença com alguma semelhança A remissão espontânea da diarreia foi relatada
histológica com as colites colagenosa e linfocítica é a em alguns pacientes com colite colagenosa, enquan-
doença celíaca. Como elas a doença celíaca exibe uma to uma evolução flutuante dos sintomas foi observa-
extraordinária elevação dos linfócitos intraepiteliais. da em outros. Muitos se queixam de diarreia crônica
Além do mais o espru colagenoso, que é uma variante persistente por anos. A maioria consegue a resolução
da doença celíaca, possui uma faixa colágena subepi- dos sintomas com o tratamento, porém, e lamentavel-
telial pronunciada no intestino delgado. Apenas raros mente, uma recaída pode ocorrer quando as doses dos
pacientes foram relatados tanto com doença celíaca medicamentos são diminuídas.
quanto com colite colagenosa; a esmagadora maioria Assim sendo, muitos necessitam de um esquema
dos pacientes com colite colagenosa exibem resulta- clínico a longo prazo para permanecer assintomáticos.
dos normais nas biópsias do intestino delgado.
A despeito de a colite colagenosa ser um novo
tipo de doença intestinal inflamatória idiopática crô-
nica, trata-se de uma forma branda e relativamente
leve, se comparada com colite ulcerativa e doença de
Tratamento Crohn. Foi relatado apenas um caso com resultado fa-
Não existem grandes estudos acerca do tratamen- tal. Atualmente, a colite colagenosa não parece com-
to, da colite colagenosa. Conhecem-se relatos de casos portar um potencial maligno.
isolados e várias pequenas séries, porém nenhum en-
saio randômico que nos permita tirar conclusões váli-
das. Além de tudo a variabilidade da evolução clínica em
alguns pacientes também torna difícil a interpretação.
Colite linfocítica
Não obstante, vários fatores devem ser levados
em conta no tratamento dos pacientes com colite cola- A colite linfocítica possui características clínicas
genosa. Certos secretagogos, a exemplo dos alimentos semelhantes às da colagenosa. A diarreia aquosa crô-
que contêm cafeína ou lactose, devem ser eliminados nica é seu principal sintoma, com os pacientes infor-
da dieta. Por causa de uma possível relação entre colite mando cerca de cinco evacuações diárias que persisti-

SJT Residência Médica – 2016


122
Coloproctologia

ram por uma média de quase três anos. A maioria dos de desvio, porém, até 50% acabam relatando queixas.
indivíduos assinala também dor abdominal em cólica Os sintomas ocorrem tipicamente de três a 36 me-
leve, intermitente e difusa. Grande parte dos pacien- ses após a cirurgia para desvio, e a queixa mais co-
tes é de meia-idade (média de 53 anos), porém, em mum é a saída de secreção através do ânus ou de
contraste com a colite colagenosa, existe uma distri- uma fístula mucosa. Em geral a secreção é mucoide,
buição igual por sexo. mas pode ser sanguinolenta ou até mesmo purulenta.
Outras queixas assinaladas falam de dor abdominal ou
Os exames hematológicos de rotina costumam
pélvica, febrícula, tenesmo e fístula anal.
ser normais. Ocasionalmente, a velocidade de he-
mossedimentação está elevada e já foi observada uma O aspecto endoscópico do segmento desviado
ligeira eosinofilia em uns poucos pacientes. Alguns pode ser normal ou inflamado. Várias semanas após a
tiveram maiores títulos de anticorpos antinucleares cirurgia, ele pode se observar eritema, granularidade,
(FAN), de anticorpos para as células antiparietais e de friabilidade e, nos casos mais graves, sangramento es-
anticorpos antimicrossômicos. Os pacientes com co- pontâneo, exsudação e ulceração superficial. Com pe-
lite linfocítica exibem frequência maior de HLA Al e ríodos mais longos de desvio, é possível que apareçam
menor de HLA A3, em comparação com os controles, erosões aftosas, nodularidade, edema, pólipos infla-
enquanto as frequências de HLA na colite colagenosa matórios ou estreitamentos. As radiografias realçadas
não são diferentes daquelas dos controles. por contraste podem revelar achados semelhantes de
estreitamento e anormalidade mucosa.
Os achados histopatológicos na colite linfocítica
mostram um grande crescimento dos linfócitos intra-
epiteliais, dano do epitélio superficial e maior inflama-
ção crônica na lâmina própria. Observa-se um aumen-
to mínimo ou nulo dos neutrófilos, e a distorção das
Histopatologia
criptas costuma estar ausente. Ao contrário da colite As alterações histológicas mais comuns na colite
colagenosa, não existe uma faixa colágena subepi- por desvio são áreas esparsas de inflamação ativa com
telial na colite linfocítica. focos de criptite, abscessos das criptas, ou neutrófilos
nas lâmina própria. Com uma maior duração do des-
A experiência com o tratamento é limitada na
vio, podem ocorrer alterações ativas mais pronuncia-
colite linfocítica, porém os investigadores adotaram
das, inclusive o surgimento de erosão aftoide (erosão
os princípios terapêuticos esboçados para a colageno-
dos folículos linfoides) ou, raramente, úlceras francas.
sa. Em um estudo, o declínio da diarreia ocorreu na
Outras características histopatológicas observadas
maioria dos pacientes tratados com medicação anti-
foram hiperplasia linfoide, edema e plasmócitos em
-inflamatória (sulfassalazina ou prednisona).
grande quantidade na lâmina própria. A manutenção
da arquitetura normal das criptas é um aspecto relati-
vamente constante do desvio.
A diferenciação entre colite ulcerativa e por
Colite por desvio desvio em um paciente sem doença intestinal infla-
matória costuma ser simples (a colite por desvio não
A colite por desvio é um processo inflamatório provoca distorção das criptas, além de ser mais leve).
que surge nos segmentos do intestino grosso excluí- Pelo contrário, poderá ser problemático distinguir da
dos da corrente fecal. Isso ocorre habitualmente em doença de Crohn. Esses pacientes, se tiverem sido sub-
pacientes com ileostomia ou colostomia, quando foi metidos a um desvio, será impossível determinar qual
deixada uma fístula mucosa ou uma bolsa de Hart- é a contribuição dele para o processo inflamatório. Um
mann. A entidade é conhecida também como colite aspecto histológico compatível com colite por desvio,
por bypass, colite por exclusão e colite por desuso. em que o edema mucoso, a erosão superficial e a infil-
tração neutrofílica regridem com o tratamento, con-
A evidência histológica de colite por desvio exis-
firma o diagnóstico.
te em 50 a 100% dos pacientes após bypass, sendo re-
versível pela correção cirúrgica.

Patologia
Foram postuladas várias hipóteses acerca da cau-
Características clínicas sa da colite por desvio, entre elas a proliferação de uma
A maioria dos pacientes com desvio da corrente bactéria patogênica e o crescimento bacteriano exces-
fecal é assintomática, provavelmente porque quase to- sivo da flora colônica normal. A teoria mais concre-
dos são submetidos rapidamente a uma reanastomose ta é a ausência de ácidos graxos de cadeia curta na
do segmento contornado. Com o aumento do tempo luz do segmento desviado. Estes ácidos graxos fecais,

SJT Residência Médica – 2016


123
13 Novas colites

como acetato, propionato e butirato, são coprodutos solução de ácidos graxos de cadeia curta são instila-
do metabolismo bacteriano colônico de carboidratos e dos duas vezes no dia (através do ânus ou de abertura
fibras que não foram digeridos (encontrados normal- abdominal da fístula mucosa). Após a instilação, o pa-
mente na corrente fecal) e são usados pelos colonóci- ciente permanece na posição supina por 30 minutos.
tos como fonte de energia. Essencialmente na colite Após um mês de terapia, a frequência do tratamento
por desvio, as células epiteliais colorretais deixam de pode ser reduzida. A terapia de manutenção variou de
se nutrir daqueles ácidos, que são seu substrato meta- duas vezes por semana a uma vez por dia. A melhora é
bólico preferido. observada com duas semanas, e a cicatrização comple-
ta ocorre habitualmente após quatro a seis. A recaída
vem dentro de um mês após a parada da instalação de
ácidos graxos.
Tratamento Existem evidências de que a instilação de ácidos
Quando exequível, o tratamento de escolha da graxos de cadeia curta deve ser feita nos pacientes as-
colite por desvio é a reanastomose cirúrgica. A colite sintomáticos, na tentativa de prevenir o estreitamen-
terá desaparecido completamente em todos os pacien- to ou a probabilidade teórica de displasia colônica. A
tes após o restabelecimento da continuidade colônica. reanastomose dos segmentos desviados na doença
Se a cirurgia estiver contraindicada e o paciente intestinal inflamatória preexistente é uma decisão
apresenta-se com sintomas, estará aconselhada a te- mais difícil, pois a inflamação do segmento desviado
rapia tópica com ácidos graxos de cadeia curta. A so- poderia representar doença intestinal inflamatória ou
lução adotada por Harig e colaboradores é a seguinte: colite por desvio, com cada uma das condições ditan-
acetato de sódio a 60 mM, propionato de sódio a 30 do sequências de ação diferentes. Nos vários pacientes
mM, butirato de sódio a 40 mM e cloreto de sódio a com doença de Crohn preexistente, a reanastomose
22 mM (pH ajustado para 7). Inicialmente, 60 mL da exerce um efeito favorável.

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

14
Poliposes

“A vida é como pintar um quadro, não fazer uma soma.”


– OLIVER WENDELL HOLMES, JR.

Introdução
Pólipo é qualquer lesão que surja na superfície interna do trato gastrointestinal, projetando-se para a luz do
mesmo. A classificação do pólipo é realizada conforme a tabela abaixo:

Classificação geral dos pólipos


€ Malignos (adenocarcinoma)
Neoplásicos
€ Benignos (adenoma)
€ Hiperplásicos (metaplásicos)
Pólipos
Não neoplá- € Inflamatórios (presentes nas doenças inflamatórias in-
sicos testinais)
€ Hamartomatosos (pólipos juvenis)
Tabela 14.1

Os pólipos podem ser pedunculados ou sésseis, solitários ou múltiplos, achados isolados ou parte de síndro-
mes hereditárias.
Podem assumir duas complicações básicas: possibilidade de sangramento (todos) e de malignização (prati-
camente exclusiva dos adenomas). Os pólipos pedunculados possuem um pedículo (região estreitada por onde
penetram nos vasos sanguíneos que nutre o pólipo) e uma cabeça (porção dilatada em cuja extremidade costuma
haver necrose por déficit de irrigação e sangramento).
125
14 Poliposes

Pólipos adenomatosos (adenomas)


São os tumores mais frequentes do intestino grosso, correspondendo a 70% de todos os pólipos. Sua
incidência aumenta com a idade, chegando a acometer um terço dos indivíduos com mais de 50 anos.
Segundo a histopatologia, podem ser: tubulares (de melhor prognóstico), vilosos (pior prognóstico) ou
tubulovilosos. Há superposição entre essas categorias. Por convenção, os adenomas tubulares exibem uma
arquitetura mais de 75% tubular (menos de 25% vilosa); os vilosos, mais de 50% vilosa; e os tubulovi-
losos, 25 a 50% vilosa.
Os adenomas tubulares (87% dos casos) são pequenos, esféricos, pedunculados e de superfície lobulada. No
início de seu desenvolvimento são lisos e sésseis – a tração da massa em crescimento leva à formação do pedículo.
Além da mucosa, esse pedículo é composto por tecido fibromuscular e vasos sanguíneos proeminentes derivados
da submucosa.
Os adenomas vilosos (5% dos casos) tendem a ser grandes e sésseis, com superfície aveludada seme-
lhante à couve-flor. Eles se projetam 1 a 3 cm acima da mucosa normal circundante. Sua histologia é composta de
extensões viliformes semelhantes a folhas da mucosa (projeções vilosas), cobertas por epitélio colunar displásico.
Os adenomas tubulovilosos (8% dos casos) são uma mistura dos dois padrões apontados acima.
Os pólipos adenomatosos são conhecidamente lesões pré-malignas, que antecedem de 10 a 15 anos o
adenocarcinoma colorretal. Por conta disso, todo pólipo detectado no intestino grosso deve ser ressecado e sub-
metido a minuciosa análise histopatológica. Estima-se que 8% dessas lesões sofram transformação maligna
em dez anos.
Todos os adenomas são displásicos, com modificação do padrão nuclear e aumento das figuras
de mitose. Essa displasia pode ser de diferentes graus – leve, moderada ou grave. Quando presente, a displasia
intensa é encontrada tipicamente nas áreas vilosas – mesmo nos adenomas tubulares. A displasia de alto grau
(grave) também é chamada de carcinoma in situ.
Os fatores de risco para a malignização da neoplasia são: o tamanho do tumor (principalmente aqueles
com mais de 2 cm), o tipo histológico da lesão (adenomas vilosos) e o seu grau de displasia (elevado).

Frequência relativa dos adenomas: relação da histologia


com o tipo, tamanho e o grau de displasia
Tipo do adeno- Tamanho do adenoma% Grau da displasia%
ma < 1 cm 1-2 cm > 2 cm Leve Moderada Severa
Tubular 77 20 4 88 8 4
Tubuloviloso 25 47 29 58 26 16
Viloso 14 26 60 41 38 21
Tabela 14.2

Relação do tamanho do adenoma, tipo histológico e


grau da displasia para carcinoma invasivo
Paciente com carcinoma
Tamanho do Tipo histológico Grau da displasia
adenoma, cm Tubular Tubuloviloso Viloso Leve Moderada Severa
<1 1 4 10 0.3 2 27
1-2 10 7 10 3 14 24
>2 35 46 53 42 50 48
Tabela 14.3

SJT Residência Médica – 2016


126
Coloproctologia

pólipo ssésil com carcinoma invasivo é classificado


Manifestações clínicas, como nível 4 de invasão e o potencial de metastati-
diagnóstico e conduta zação é de 5 a 10%.
A maioria dos pacientes é assintomática.
Porém, quando ocorrem sintomas, a hematoquezia
é a queixa mais comum. Um pólipo viloso grande Classificação de Haggitt
pode se associar à diarreia mucoide profusa e Nível Descrição do nível de invasão
um pólipo retal de pedículo grande pode pro- 0 Carcinoma in situ
lapsar através do ânus. Ao exame físico, a ins-
1 Carcinoma limitado à cabeça do pólipo
peção das mucosas pode evidenciar anemia. Outro
dado relevante é que os pólipos retais podem ser 2 Carcinoma limitado ao cólon do pólipo
palpáveis pelo toque. 3 Carcinoma estendendo-se ao pedículo
Os adenomas podem ser detectados no intes- Carcinoma invadindo a submucosa da parede
4
tino grosso por enema (clister) opaco, retossigmoi- instestinal
doscopia e colonoscopia. Como frequentemente Tabela 14.4
são múltiplos e coexistem com câncer, a colonos-
copia é obrigatória.
A presença de lesões polipoides com nível de
Por meio da colonoscopia, todos os pólipos co- invasão 4 e as incompletamente removidos são
lorretais devem ser removidos para estudo histopa- indicações de ressecção cirúrgica segmentar.
tológico. A excisão é ao mesmo tempo diagnóstica e
terapêutica. Pelo risco de perfuração ou sangramento De acordo com a classificação de Kikuchi e cola-
em mãos menos experientes, um pólipo séssil maior boradores as lesões são classificadas de acordo com os
que 3 cm ou que esteja localizado numa área de difícil níveis de invasão de submucosa (sm) de 1 a 3.
acesso pode indicar remoção por laparotomia ou lapa- sm1: invasão no terço superior da submucosa.
roscopia. O aspecto macroscópico não diferencia os
sm2: invasão no terço médio da submucosa.
diversos tipos de pólipo.
sm3: invasão no terço inferior da submucosa.
É importante frisar que a retirada dos adenomas
reduz comprovadamente a incidência de câncer color-
retal no futuro. Nas lesões sm1 e sm2: polipectomia completa.
A ressecção endoscópica é suficiente quan- Nas lesões sm3: ressecção colorretal seg-
do o pólipo retirado tiver margens macro e mi- mentar. Outros fatores de risco incluem a pouco dife-
croscópicas livres, histologia bem diferenciada, renciação presença de metástases linfáticas ou invasão
ausência de invasão linfática ou venosa e ausên- venosa. Nestes casos a indicação é também ressecção
cia de invasão do pedículo (no caso de um pólipo colorretal segmentar.
pedunculado).
É importante o acompanhamento pós-polipec-
tomia, pois a chance de novos pólipos é de 30 a 40%
após três anos. Nova colonoscopia deve ser realiza-
da após três anos e, na ausência dos mesmos, a cada
Pólipos não neoplásicos
cinco anos. São pólipos que não sofrem alterações malignas.
Nos casos em que a polipectomia foi considerada Podem ser formados em decorrência de maturação anor-
suficiente para o tratamento de pólipos adenomatos mal, inflamação ou arquitetura anormal da mucosa.
com foco de degeneração maligna, a revisão do local da
polipectomia deve ser realizada após três meses.
A indicação de ressecção cirúrgica segmentar nos
pacientes com malignidade associada a pólipos endos-
Pólipos hiperplásicos
copicamente ressecados baseia-se no risco de metásta- Respondem por 20% dos pólipos de cólon e pela
ses para os linfonodos regionais. maioria dos pólipos do reto e sigmoide distal. Tendem
De acordo com a classificação de Haggitt e co- a ser sésseis, pequenos e assintomáticos. São protru-
laboradores, os níveis 1 a 3 apresentam um risco sões hemisféricas lisas e úmidas da mucosa. Nessas
muito baixo de metástases. O nível 0 corresponde lesões, ocorre descamação tardia de células epiteliais
ao estágio pré-maligno e portanto, sem risco superficiais, produzindo um perfil serreado no epitélio
de metástases. Devido à ausência de pedículo, um das criptas glandulares do órgão.

SJT Residência Médica – 2016


127
14 Poliposes

Pólipos juvenis
São lesões relativamente raras, a maioria esporádica, predominando em pessoas com menos de 20 anos.
Mais frequentes no reto, são malformações hamartomatosas focais dos elementos da mucosa (a lâmina própria
constitui a maior parte do pólipo). Hamartomas são estruturas que resultam de crescimento celular focal exces-
sivo, composto por células maduras normais, que, apesar de serem idênticas às do tecido sadio, não reproduzem
a arquitetura normal dos tecidos vizinhos. Geralmente, são pedunculados e grandes (1 a 3 cm de diâmetro). São
constituídos por múltiplos cistos repletos de muco (glândulas abundantes cisticamente dilatas), com edema e
inflamação do estroma. Sua superfície pode ser congesta ou erodida.

Pólipos in昀氀amatórios
Típicos das doenças inflamatórias intestinais prolongadas (doença de Crohn e retocolite ulcerativa), essas
lesões são, na verdade, pseudopólipos, pois representam ilhas de mucosa inflamada em regeneração, circundadas
por áreas ulceradas.

Síndromes hereditárias de polipose


As síndromes poliposas familiares estão na tabela a seguir, com seus respectivos potenciais de malig-
nização colorretal. Vide tabela abaixo:

Síndromes poliposas familiares e seus potenciais de malignização Malignização


colorretal colorretal
Poliposes PAF clássica Sim
Adenomatosas Variantes Síndrome de Gardner Sim
Familiares (PAF) da PAF Síndrome de Turcot Sim
Poliposes familiares
Poliposes Síndrome de Peutz-Jeghers Possível
Hamartomatosas Polipose Juvenil Possível
Familiares (PHF) Síndrome de Cowden Rara
Tabela 14.5

paciente chamado “índice”, a realização de teste ge-


Polipose Adenomatosa nético facilita a identificação mais acurada dos fami-
Familiar liares eventualmente acometidos, permitindo focar
o rastreamento e o tratamento profilático somente
Descrita por MENZELIO em 1721, a polipose
naqueles com risco. Desta forma, assume fundamen-
adenomatosa familiar (PAF) é doença hereditária de
tal importância a detecção precoce de pacientes com
caráter autossômico dominante, sendo responsável
esta afecção, seu adequado tratamento pela colec-
por apenas 1% dos casos de câncer colorretal (CCR) tomia profilática e rastreamento de familiares para
na população. O defeito genético localiza-se no identificar eventuais portadores do defeito genético.
gene APC (Adenomatous Polyposis Coli) situado no Desde a descrição original de polipose associada
braço longo do cromossomo 5q21. Em aproximada- a cistos epidermoides e osteoma, a combinação
mente 20% dos casos, a doença pode ser decorrente de PAF e manifestações extracolônicas (MEC) é
de mutações genéticas. Do ponto de vista clínico, a comumente referida como síndrome de Gardner.
doença geralmente se manifesta na puberdade, com Subsequentemente, reconheceu-se que a PAF é uma
o aparecimento de pólipos adenomatosos na mucosa pan-polipose gastrointestinal, que pode estar asso-
colorretal. Sintomatologia associada em geral sucede ciada a numerosas MEC, benignas e malignas. Além
o aparecimento dos adenomas na segunda década de do cólon e reto, pólipos podem ser encontrados tam-
vida. A natureza adenomatosa e a enorme quantida- bém no trato digestivo superior (estômago e duode-
de de pólipos tornam a possibilidade de degeneração no), intestino delgado, tireoide, adrenais, pâncre-
maligna preocupação importante em pacientes não as e hipófise. Outras MEC benignas incluem cistos
tratados, em que o desenvolvimento de CCR é regra, sebáceos, lipomas, osteomas, dedos hipocráticos,
surgindo em média dez anos após o desenvolvimen- anormalidades dentárias (dentes supranumerários),
to dos pólipos. Filhos de indivíduo afetado têm ris- lesões da retina e tumores desmoides. Entre as ma-
co de 50% de herdar o gene. Após a identificação do nifestações malignas, foram reportados tumores na

SJT Residência Médica – 2016


128
Coloproctologia

região periampular, de ductos biliares, gástricos, no que podem aparecer em até 90% dos parentes de um
íleo (carcinoma e carcinoide), tireoide, suprarrenal e portador de PAF. Embora achados histopatológicos in-
sistema nervoso central. Como a doença não é confi- diquem que o termo “hamartomas do epitélio pigmen-
nada ao cólon e as MEC podem ser causa importante tar da retina” seja mais apropriado para designar essas
de morbimortalidade, torna-se importante diagnos- lesões, o termo CHRPE é o mais aceito e continua a
ticar, prevenir e tratar essas manifestações. ser usado. Alguns autores sugeriram que a existência
de quatro ou mais lesões CHRPE distribuídas em am-
bos os olhos seria um marcador fenotípico da polipose
Manifestações Incidência (%) que, quando diagnosticado em determinada família,
também seria encontrado em todos os pacientes do
Cistos epidermoides 50
mesmo grupo familiar. Desta forma, a CHRPE pode-
Osteomas 14-93 ria facilitar a detecção de mutações constitucionais do
Tumor desmoide 4–29 APC em parentes. A sensibilidade do CHRPE em pa-
Tumor de intestino delgado raro cientes com PAF é de cerca de 70%, com valor prediti-
CHRPE 58-92 vo positivo de cerca de 92%. Ressaltaram, porém, que
Tumor hepatobiliar <1 a ausência de lesões na retina não elimina a necessida-
Tumor do SNC raro de de seguimento adequado de indivíduos com risco.
Risco em mulheres 20-
Tumor de tireoide 160 vezes > população
Síndromes relacionadas à polipose
geral
adenomatosa familiar
Polipose de glândulas fún- 23-56
dicas Gene e Tumores
Síndrome
mecanismo associados
Pólipos hiperplásicos 8-44
€ APC Desmoides, periam-
Adenoma gástrico 2-13
PAF e pular, duodenal,
Carcinoma gástrico <1 € Autossômico
Gardner gástrico, intestino
Adenoma duodenal 24-100 dominante delgado
Carcinoma duodenal Desconhecido 50-300 ve- € APC
zes > população geral PAF
€ Autossômico Mesmo da PAF
Tabela 14.6 Incidência das manifestações extracolô- atenuada
dominante
nicas da polipose adenomatosa familiar reportadas na
€ APC e genes de
literatura.
reparo do DNA
Turcot Cérebro
€ Autossômico
recessivo
Manifestações extracolônicas (MEC) Tabela 14.7 PAF: polipose adenomatosa familiar;
A PAF constitui síndrome genética de caráter APC: adenomatous polyposis coli.
dominante, caracterizada por maior predisposição
em desenvolver CCR e outras lesões extracolônicas.
Está associada a mutações germinativas no gene APC Tumores desmoides (TD) e lesões da retina
que codifica uma proteína com 2.843 aminoácidos, (CHRPE) segregam-se independentemente de ou-
com funções na regulação do crescimento e prolifera- tras MEC. Em pacientes com PAF, as principais causas
ção celular, gerando assim o desenvolvimento de le- de mortalidade são os TD, as neoplasias colorretais e pe-
sões benignas e malignas em diferentes órgãos. riampulares. Apesar de histologicamente benignos (le-
A PAF e a síndrome de Gardner se originam de sões fibromatosas), os TD podem exibir comportamento
mutações no mesmo gene, sem alteração na localiza- biológico agressivo, com invasão local, mas não metas-
ção ou natureza das mutações, mas com expressões tatizam. Formam tumores encapsulados, de crescimento
fenotípicas variáveis. A associação de polipose com lento, podendo surgir no mesentério, parede abdominal,
tumores do sistema nervoso central é conhecida como incisões, retroperitônio, virilha e nádegas; eventualmen-
síndrome de Turcot. Nesta síndrome, descreveram- te regridem espontaneamente e podem ser multifocais.
-se mutações no gene APC (dando origem a tumores Quando pequenos, os TD podem ser assintomáti-
do tipo meduloblastoma e astrocitoma) e nos genes de cos. À medida que crescem, podem determinar sintomas
reparo associados ao HNPCC (dando origem a glioblas- relacionados a complicações como compressão ureteral,
tomas). Aproximadamente 96% das mutações na PAF obstrução intestinal, infiltração de outros órgãos, fístulas
determinam a formação de uma proteína truncada, e oclusão vascular. Morte sobrevém em média seis anos
que é determinada pela realização do teste de proteína após o diagnóstico, principalmente se estiver localizado
truncada ou IVSP (In Vitro Synthesizedprotein Assay). no mesentério e retroperitônio. Embora a manipulação
As MEC mais comumente diagnosticadas são cirúrgica mínima possa determinar menos complicações
as lesões da retina, originalmente interpretadas e menor risco de desmoides, a prevalência desses tumo-
como congênitas (hipertrofia congênita do epitélio res não é maior em pacientes submetidos a bolsa ileal,
pigmentar da retina, cuja sigla em inglês é CHRPE), em comparação a outros procedimentos.

SJT Residência Médica – 2016


129
14 Poliposes

As opções para tratamento incluem cirurgia, ra- no risco de cânceres extraintestinais – essas neopla-
dioterapia (questionada) e quimioterapia com drogas sias (como os carcinomas de pâncreas, mama, ovário e
citotóxicas e não citotóxicas. A ressecção cirúrgica útero) chegam a acometer até 50% dos indivíduos por-
completa é raramente possível em TD mesentéricos tadores dessa síndrome. Um aumento no risco de ade-
devido à extensão da ressecção e ao alto risco de re- nocarcinoma de delgado e de câncer colorretal tam-
cidiva. Dessa maneira, a cirurgia deve ser reservada bém é evidenciado nesses pacientes (podem surgir
para alívio da obstrução, preferindo-se procedimentos focos adenomatosos nos hamartomas da síndrome).
de bypass aos de ressecção. A Cronkhite-Canadá é uma polipose hamarto-
O carcinoma periampular é a forma mais co- matosa gastrointestinal difusa, associada a hiperpig-
mum de câncer extracolônico, com risco em vida mentação cutânea, alopécia, distrofia do leito ungueal.
estimado em 10 a 12% e é responsável por grande A doença de Cowden (DC) caracteriza-se por
número de mortes por câncer pós-colectomia total. múltiplos hamartomas de origem endo, ecto e meso-
Estima-se que o risco de carcinoma da tireoide dérmica; descrita primeiramente por Lloyd e Dennis
associado à PAF seja 100 a 160 vezes superior ao da em 1963 tem até hoje cerca de 150 casos relatados. Sua
população geral. tríade dermatológica clássica compõe-se de tricole-
momas faciais múltiplos, fibromas orais e queratoses
Os osteomas foram primeiramente descritos
acrais benignas. Afeta múltiplos órgãos e é associada a
por Gardner e Richards, em 1953. Podem ocorrer em
vários graus de degeneração maligna das mamas, tireoi-
qualquer osso, embora sejam mais comuns na face
de e cólon, entre outros. É de transmissão autossômi-
(particularmente no ângulo da mandíbula) e me-
ca dominante. O gene de suscetibilidade para a DC foi
nos frequentes em ossos frontais e occipitais. São
designado PTEN (Phosphatase and Tensin Homologue
tumores benignos, embora possam causar sintomas Deleted on Chromosome 10) por Li e colegas em 1997,
por crescimento local. Já foram descritos dois casos sendo esse um gene de supressão tumoral. Mutações
de sarcoma osteogênico. Ocasionalmente aparecem nesse gene localizado no cromossoma 10 estão associa-
antes do diagnóstico da polipose, podendo sugerir a das tanto à DC como à síndrome Bannayan-Riley-
herança do gene em descendentes de indivíduos afeta- -Ruvalcaba. As lesões mucocutâneas são as mais re-
dos. A incidência relatada (14 a 93%) é bastante vari- presentativas da doença e consistem de:
ável, refletindo diferenças na assiduidade com que se
procura tais lesões, na interpretação das radiografias e € pápulas liquenoides achatadas da cor da pele
na idade em que são pesquisadas. normal de distribuição centrofacial com tendên-
cia ao agrupamento ao redor dos olhos, do nariz
e da boca. Podem ser encontradas no pescoço.
Não são encontradas no restante do corpo;
Poliposes Hamartomatosas € lesões verrucosas papilomatosas filiformes que
tendem a se agrupar ao redor de ouvidos, olhos,
Familiares (PHF) nariz e boca;
Encerram um grupo de doenças autossômicas € pápulas achatadas hiperqueratósicas semelhan-
dominantes caracterizadas pelo desenvolvimento de tes a verrugas planas no dorso das mãos e pu-
pólipos hamartomatosos ao longo do trato gastroin- nhos, que não aparecem no dorso dos pés;
testinal. A hematoquezia e a anemia ferropriva são € queratoses translucentes nas palmas, plantas e
complicações típicas. face lateral de mãos e pés, que lembram as que-
Polipose juvenil familiar caracteriza-se pelo ratoses arsenicais;
aparecimento de dez ou mais pólipos hamartomato- € lipomas múltiplos;
sos (juvenis), predominando no cólon. Costuma se
manifestar entre 4 e 14 anos de idade. Alguns pólipos € angiomas cutâneos;
adquirem focos adenomatosos, apesar da natureza € lesões papulosas no palato e nas gengivas, de di-
hamartomatosa das lesões. A síndrome de Cowden âmetro variando de 1 a 3 mm, com tendência a
é uma polipose juvenil familiar associada a pólipos coalescer, e aspecto de paralelepípedo;
hamartomatosos em pele e mucosas, além de outros € lesões papilomatosas e verrucoides na mucosa
tumores faciais, orais e hiperqueratose palmoplantar. bucal, orofaringe e laringe;
Na síndrome de Peutz-Jeghers, numerosos póli- € língua escrotal.
pos dispõem-se ao longo de todo o trato gastrointesti-
nal associados a machas melanóticas na pele e mucosas. Quanto ao acometimento extracutâneo, a ti-
Os hamartomas dessa síndrome diferem dos pólipos ju- reoide é o órgão mais afetado (60%), sendo o adeno-
venis por possuírem tecido muscular liso, em continui- ma de tireoide o tumor mais comum encontrado na
dade com a muscular da mucosa, envolvendo o tecido síndrome. As alterações extracutâneas envolvem, além
glandular – são os pólipos de Peutz-Jeghers (raramente, da tireoide (adenoma, carcinoma), mamas (doença fi-
esses pólipos podem ser encontrados de forma isolada e brocística, carcinoma), trato gastrointestinal (polipose,
sem os demais componentes da síndrome). Os pólipos diverticulose), ovários (cistos e tumores). Podem ser
costumam predominar no intestino delgado, podendo encontrados hidrocele, cisto tireoglosso, dedos supra-
levar a uma intussuscepção. Há também um aumento numerários, ganglioneuroma da mão, meningioma do

SJT Residência Médica – 2016


130
Coloproctologia

canal auditivo, pólipos de bexiga, craniomegalia, retar-


do mental, lesões oculares múltiplas, pectus excavatum,
lesões prostáticas. Anormalidades do trato respiratório
associadas à doença são raramente relatadas na litera-
tura e incluem pólipos de laringe, cistos pulmonares,
malformações arteriovenosas e hamartomas. Já foram
descritas lesões pulmonares e colônicas de aspecto li-
pomatoso. No caso original, descrito em 1963, foram
relatados fáscies adenoide com hipoplasia de maxila e
mandíbula, palato em ogiva, pectus excavatum.
Os tumores mais comuns relacionados à DC
são de mama e tireoide, mas há também outras
neoplasias relatadas, como linfoma não Hodgkin,
melanoma, carcinomas espinocelular e basocelu-
lar da pele, leucemia mielocítica aguda, carcinoma
transicional da bexiga, lipossarcoma, tumor ova-
riano, carcinoma de colo uterino, carcinoma de en-
dométrio, carcinoma das células de Merkel, carci- Figura 14.2 Pólipo em sombreiro (sinal do sombrei-
noma renal, osteossarcoma, meningioma e glioma. ro). O flagrante do cólon transverso mostra este adeno-
ma tubular pediculado de frente como dois anéis con-
O carcinoma de mama acomete proporção que cêntricos margeados por bário, lembrando um chapéu
varia de 30 a 50% das mulheres afetadas pela DC, de aba larga. O anel externo mostra a cabeça do pólipo
sendo bilateral em um terço delas. Alguns autores re- (seta pequena); o anel interno é o pedículo (seta longa).
comendam mastectomia bilateral profilática para as (De Rubesin SE, Stuzin N, Laufer I: Tumors of the colon.
mulheres afetadas que apresentam doença fibrocísti- Semin Col Rect Surg 4:94, 1993; com permissão.)
ca avançada da mama. Homens afetados geralmente
não apresentam manifestações mamárias, embora já
tenha sido descrita ginecomastia nesses pacientes.
Participam do diagnóstico diferencial da DC a doença
de Darier, a esclerose tuberosa, a neurofibromatose I e
II, a doença de von Hippel-Lindau, a síndrome da po-
lipose juvenil e a síndrome de Bannayan-Riley-Ru-
valcaba, (polipose hamartomatosa associada a lesões
dermatológicas típicas – aspecto lentiginoso do pênis
e vulva, verrugas, acantose nigricans e hiperpigmen-
tação da pele peniana –, e hamartomas na língua).

Figura 14.1 Pólipo pediculado. A radiografia do cólon


ascendente mostra um adenoma tubular com um carci-
noma in situ. A cabeça do pólipo (seta larga) mostra-se
como uma falha de enchimento lobulada radiotranspa-
rente, com o bário preenchendo os interstícios. O pedí-
culo do pólipo (seta fina) aparece como uma falha de
enchimento tubular radiotransparente. (De Rubesin SE,
Stuzin N, Laufer I: Tumors of the colon. Semin Col Rect Figura 14.3 Clister opaco evidenciando pólipos intes-
Surg 4:94, 1993; com permissão). tinais (setas).

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131
14 Poliposes

Figura 14.4 Clister opaco evidenciando polipose univer-


sal em um paciente com polipose adenomatosa familiar.

Figura 14.5 Cólon com inúmeros pólipos em um pa-


ciente com polipose adenomatosa familiar.

Figura 14.6 A e B: síndrome de Peutz-Jeghers: poli- Figura 14.7 Síndrome de Cronkhite – Canadá. A: oni-
pose hamartomatosa e manchas melânicas na cavidade cólise. B: alopecia. C: pólipos hamartomatosos. D: hi-
oral, palma das mãos e planta dos pés. perpigmentação cutânea.

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132
Coloproctologia

Características clínicas de síndromes de câncer


gastrointestinal hereditárias
Características Teste genéti-
Síndrome Gene(s)
clínicas co disponível
Síndrome de Lynch Alto risco de cânceres colorretal e ex- Genes de reparo por incompatibili-
(CCNPH) tracolônico (do endométrio, do ová- sade de DNA (MMR)
rio, do trato urinárioumores de pele (MLH1, MSH2, MSH6, PMS2,
sebáceos); TACSTD1/EPCAM)
Idades jovens no diagnóstico de cân-
Sim
cer;
Sequência adenocarcinoma acelera-
da;
Tumores de CRC demonstram insta-
bilidade de microssatélites
Polipose adenomatosa 100S-1.000S adenomas colorretais Gene supressor de tumor APC ou
familiar (PAF) que aparecem na segunda ou terceira mutações bialélicas de gene de re-
décadas; paro por excisão de base MYH (au-
Risco de CRC de 100%, se cólon não tossômico recessivo)
Sim
for removido;
Risco aumentado de adenocarcinoma
duodenal e ampular;
Risco de tumores desmoides.
Polipose adenomatosa 10-100 adenomas colorretais;
Gene supressor de tumor APC;
atenuada/adenomas Alto risco para CRC;
Gene de reparo por excisão de base Sima
múltiplos ± adenomas gastrointestinais supe-
MYH (autossômico recessivo).
riores
Síndrome de Pólipos hamartomatosos no trato
Peutz-Jeghers (SPJ) gastrointestinal (sintomas de hemor-
ragia, invaginação intestinal);
Lesões pigmentadas nos lábios; Gene supressor de tumor STK-11 Sima
Aumento do risco de câncer de
mama, câncer de pâncreas, tumores
do cordão sexual
Polipose juvenil 5 + pólipos juvenis no trato GI;
História familiar de câncer de GI;
Aumento do risco de CRC e outros Genes supressores de tumores
Sima
cânceres gastrointestinais; SMAD-4, BMPR1A
Associada a anomalias cardíacas con-
gênitas.
Síndrome de Cowden Pólipos hamartomatosos;
Aumento do risco para câncer de
PTEN Sima
mama e câncer de tireoide;
Macrocefalia.
Câncer gástrico Adenocarcinoma difuso infiltrativo
hereditário difuso do estômago (linite plástica); Gene supressor de tumor e-caderi-
Sima
Aumento do risco de câncer de na/CDH1
mama.
Câncer de 3 ou mais membros da família com
pâncreas familiar câncer de pâncreas;
BRCA1/2 (CMOH)
Pode estar presente como parte de
P16 (MMMAF)
outras síndromes de câncer heredi-
Genes MMR (síndrome de Lynch) Sima
tárias, p. ex., câncer de mama/ovário
PRSS1, SPINK1 (pancreatite heredi-
(CMOH), melanoma (MMMAF) ou
tária)
cânceres colorretal/ginecológico (sín-
drome de Lynch).
Tabela 14.8 CRC, câncer colorretal; MMMAF, melanoma de mola múltipla atípica familiar; GI, gastrointestinal;
CMOH, câncer de mama/ovário hereditário; CCNPH, câncer colorretal hereditário não polipose. aTeste genético tem
sensibilidade limitada, com mutações detectadas em 50-70% dos indivíduos afetados.

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133
14 Poliposes

Recomendações para triagem de câncer para síndromes


hereditárias de câncer gastrointestinal
Síndrome Teste de triagem Frequência

Síndrome de Lynch 1. Colonoscopia 1. A cada 1-2 anos com início aos 20-25 anos
(CCNPH) 2. Citologia de urina 2. Anualmente
3. Ultrassom transvaginal ± biópsia do 3. Anualmente, com início entre 30-35 anos
endométrio

Polipose adenomatosa 1. Sigmoidoscopia ou colonoscopia até os 1. Anualmente, com início aos 10-12 anos
familiar (PAF) pólipos serem muitos numerosos para re-
moção, então colectomia cirúrgica
2. Endoscopia alta 2. A cada 1-3 anos, dependendo da carga de
pólipos, com início quando desenvolver pólipos
3. Ultrassom da tireoide no cólon
3. A cada 1-3 anos

Polipose adenomatosa 1. Colonoscopia 1. Frequência varia, dependendo do número


atenuada/ adenomas múl- de pólipos
tiplos 2. Endoscopia alta 2. No diagnóstico de pólipos do cólon

Síndrome de 1. Endoscopia alta 1. A cada 2-3 anos, com início aos 8 anos
Peutz-Jeghers (SPJ) 2. Imagem do intestino delgado (endos- 2. A cada 2-3 anos, com início aos 8 anos
copia por cápsula, TC ou enterografia por
RM ou estudo de bário)
3. Colonoscopia 3. A cada 2-3 anos, com início aos 18 anos
4. Imagem do pâncreas (ultrassom endos- 4. A cada 1-2 anos, com início aos 30-35 anos
cópico vs. RM/ CPRM com contraste de
secretina) 5. Anualmente, com início aos 25 anos
5. Mamografia ou ressonância magnética (mulheres)
de mamas
6. Ultrassom transvaginal e CA-125 6. Anualmente, com início aos 25 anos
7. Ultrassom testicular (mulheres)
7. A cada 2 anos até os 12 anos de idade (ho-
mens)
Polipose juvenil 1. Colonoscopia 1. A cada 3 anos com início na puberdade, en-
tão anualmente após o desenvolvimento dos
2. Endoscopia alta pólipos
2. A cada 1-3 anos após o desenvolvimento
dos pólipos
Síndrome de Cowden 1. Colonoscopia 1. Considerar exame de base entre 35 e 50
anos, com intervalos dependendo da carga do
2. Ultrassom da tireoide pólipo
3. Mamografia ± ressonância magnética 2. Anualmente a partir de 18 anos de idade
das mamas 3. Anualmente para as mulheres começando
na idade de 30-35 anos
4. Ultrassom transvaginal
5. Exame de urina 4. Anualmente nas mulheres pós-menopausa
5. Considerar anualmente
Câncer gástrico hereditá- 1. A endoscopia digestiva alta, a partir de 1. Evidências sugerem que a endoscopia tem
rio difuso adolescentes, até gastrectomia profilática pouca sensibilidade, gastrectomia favorecida
após os 30 anos
2. Mamografia ± ressonância magnética 2. Anualmente a partir de 25 anos de idade
de mama
Câncer de 1. Diversos: ultrassonografia endoscó- 1. A determinar
pâncreas familiar pica, tomografia computadorizada ou
ressonância magnética podem ser consi-
deradas

Tabela 14.9 TC, tomografia computadorizada; CCNPH, câncer colorretal não polipose hereditário; CPRM, colan-
giopancreatografia por ressonância magnética; RM, ressonância magnética.

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134
Coloproctologia

Figura 14.8 Na região centrofacial, discretas lesões Figura 14.9 A: língua plicata e lesões papulosas na
papulosas cor da pele. gengiva. B: hiperceratose puntata plantar.

Figura 14.10 Colonoscopia na polipose familiar ade-


nomatosa.

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CAPÍTULO

15
Câncer colorretal (CC)

“Se você pode amar o bastante, poderia se tornar a pessoa mais poderosa do mundo”
– EMMET FOX.

por câncer, tornando-o a quarta causa mais comum


Incidência e epidemiologia de morte por câncer. Na estatística mundial a morta-
lidade é menor no grupo feminino.
No Brasil, o CCR é a quarta causa de morte
por câncer nos homens e a terceira nas mulheres.
Taxa de mortalidade específica por sexo
O câncer colorretal (CCR) é o terceiro câncer (por 100.000 habitantes)
mais comum em homens (663.000 casos, 10,0% do
Homem Mulher
total) e o segundo em mulheres (571.000 casos, 9,4%
Pulmão 14,1 Pulmão 8
do total) em todo o mundo. Cerca de 60% dos casos
Próstata 13,1 Mama 12,3
ocorrem em regiões desenvolvidas.
Estômago 9 Estômago 4,4
É mais frequente nos homens que nas mu- Cólon 6,2 Cólon 4,4
lheres (razão de sexo global da ASRs 1,4:1). Cerca de Tabela 15.1 Fonte: Ministério da Saúde. Secretaria de Vi-
608.000 mortes por câncer colorretal são estimadas gilância em Saúde. Departamento de Análise da Situação
em todo o mundo, respondendo por 8% das mortes de Saúde. Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
136
Coloproctologia

nomatous polyposis coli), e o MCC (Mutated in colorectal


Etiologia cancer) no cromossomo 5, o DCC (Deleted colon cancer)
no cromossomo 18 e o p53 no cromossomo 17.
A etiologia do câncer colorretal é desconhecida.
Mais de 70% desses carcinomas desenvolvem-se a
€ dieta: altamente gordurosa, hipercalórica e
partir de pólipos adenomatosos. Na maioria das vezes pobre em fibras.
esses pólipos são assintomáticos. Os adenomas não € tabagismo: até recentemente havia evidência
polipoides do tipo plano e deprimido (corresponden- insuficiente para a relação entre fumo e câncer
do a aproximadamente 10% das lesões adenomatosas) colorretal. No entanto, o maior aparecimento
apresentam uma taxa maior de malignização e são de carcinomas após um período de exposição
mais difíceis de serem detectados pelos exames en- ao fumo de no mínimo 35 anos foi recente-
doscópicos. Pólipos com mais de 1,5 cm de diâmetro e mente demonstrado.
com arquitetura vilosa possuem maior probabilidade € fatores ocupacionais: inalação de pó, expo-
de malignização. Aproximadamente 10% dos adeno- sição a fumaça e ocupação industrial podem
mas com 1 cm tornam-se malignos após dez anos. elevar o risco de câncer colorretal.
As síndromes familiares, representadas pela
€ radioterapia: a irradiação da pelve está asso-
polipose adenomatosa familiar e pelo câncer co- ciada a maior risco de câncer do reto.
lorretal hereditário não polipoide, são responsá- € câncer de novo: ainda que a prevalência e por-
veis por aproximadamente 5% das malignidades tanto sua importância no universo de doentes
do intestino grosso. Pacientes com retocolite ul- com câncer colorretal ainda esteja por ser deter-
cerativa extensa e de longa duração (mais de 10 minada, restam poucas dúvidas de que cânceres
anos), doença de Crohn, história pessoal ou fami- de novo se originam a partir da mucosa colorretal
liar de câncer intestinal e as mulheres com tumor sem lesão adenomatosa pregressa ou associada.
de mama, útero ou ovário também representam O achado de um caso de câncer precoce na forma
grupos de risco aumentado para câncer colorretal. de lesão plana deprimida foi inicialmente des-
crito por Kariya em 1977 e tem sido reportado
Pacientes submetidos a ureterossigmoidos- principalmente por endoscopistas e patologistas
tomia apresentam risco de 2 a 15% de desenvol- japoneses nos últimos anos. É do entendimento
ver câncer no local da anastomose ureterossig- desses pesquisadores que os cânceres precoces
moide, 20 a 26 anos em média após a cirurgia. identificados em lesões planas deprimidas repre-
O reconhecimento dos componentes genéticos sentam a via da carcinogênese de novo.
envolvidos no desenvolvimento do câncer colorretal € Bacteremia por Streptococcus bovis: por
vem crescendo nos últimos anos. Mutações estão pre- motivos desconhecidos, os indivíduos com en-
sentes como defeitos hereditários ou defeitos adqui- docardite ou sepse causada por essa bactéria
ridos por agressões ambientais. Os genes mais comu- fecal têm alta incidência de tumores colorre-
mente envolvidos são o oncogene k-ras (Kirsten rat tais ocultos e talvez também de cânceres gas-
sarcoma), presente no cromossomo 12, os genes su- trointestinais altos. A triagem endoscópica ou
pressores de tumor, representados pelo APC (ade- radiológica parece aconselhável.

Fatores de risco do câncer de cólon


Variáveis Permanentes
€ Idade* € Sexo
€ Vida sedentária € Síndrome do câncer colorretal hereditário (polipose familiar)
€ Hábitos alimentares € Síndrome do câncer familiar não associado à polipose (HNPCC) – Síndrome de Lynch I
€ Peso corporal** € Síndrome do câncer familiar (HFCC) – câncer do cólon não associado à polipose, mas
€ Tabagismo relacionado com outros tipos de cânceres - (síndrome de Lynch II)
€ Alcoolismo € Doenças intestinais inflamatórias (doença de Crohn e retocolite ulcerativa)

Tabela 15.2 (*)A partir dos 50 anos com pico na 7ª década. (**) Obesidade.

Outros fatores de risco devem ser lembrados como a ureterossigmoidoscopia, obesidade e resistência insu-
línica. Por outro lado são fatores de proteção: dieta rica em fibras vegetais, selênio, vitaminas C e E, betacaroteno
e AINH e terapia de reposição hormonal.

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137
15 Câncer colorretal (CC)

Algumas famílias apresentam apenas câncer colorretal


Alterações genéticas relacio- (síndrome de Lynch I), ao passo que em outras instalam-
nadas com hereditariedade -se tumores primários em outros órgãos, em especial no
útero (em 20% das mulheres) e, também, em mama, vias
Polipose adenomatosa familiar urinárias, intestino delgado, ovários, cérebro e estômago
(síndrome de Lynch II). É definida epidemiologicamente
Decorrente de mutação no gene APC (situado no pelos critérios de Amsterdã II e geneticamente pela iden-
braço longo do cromossomo 5q21) e, em 5 a 10% dos
tificação de mutações em genes de reparo, ocorrendo as
casos, no gene MYH, a polipose adenomatosa familiar
mutações, em torno de 90% dos casos, nos genes MSH2b
é caracterizada pela presença de pelo menos 100 póli-
pos no intestino, podendo o paciente apresentar póli- (localizado no cromossomo 2p21) e o MLH1b (3p21).
pos gástricos e duodenais, tumores desmoides e osteo-
mas, entre outras manifestações clínicas. Essa doença
é transmitida por gene autossômico dominante com Agregação familiar em câncer colorretal
100% de penetrância e, quando não tratada, resulta Existem famílias em que se identificam o câncer
invariavelmente no desenvolvimento de câncer co- colorretal e outros, mas sem que se possa, no presen-
lorretal a partir da quarta década de vida. te, reconhecer a alteração genética correspondente.
Aceita-se que entre 15% e 20% dos casos de câncer
afetando o cólon e o reto pertençam a esse grupo.
Câncer colorretal hereditário não
polipose Parentes de primeiro grau de portadores
Essa síndrome, também conhecida como HNPCC de câncer colorretal
(Hereditary non polyposis colorectal cancer) ou síndrome
de Lynch, é transmitida por gene autossômico dominan- Esses indivíduos apresentam de 1,5 a 5 vezes mais
te, com aproximadamente 80% de penetrância, sendo risco de desenvolver esse tipo de câncer do que a popu-
responsável por cerca de 5 a 6% dos tumores colorretais. lação em geral, por mecanismo genético não esclarecido.

Figura 15.1 Sequência adenoma-carcinoma. A e D: focos de displasia; B e E: pólipo adenomatoso; F e C: carcinoma invasivo.

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138
Coloproctologia

Critérios clínicos para o câncer colorretal e mutação do gene K-ras em algumas dessas lesões. As
hereditário não polipoide (CCNPH) poucas evidências disponíveis até o momento indicam
que FCA representam se não a lesão precursora do CCR,
Critérios de Amsterdã (1991)
a mais precoce detectada.
Pelo menos três parentes com câncer de cólon e todos os seguintes:
€ Uma das pessoas afetadas é um parente em primeiro grau das O adenocarcinomas mais frequentes são
outras duas pessoas afetadas únicos; os múltiplos ou sincrônios ocorrem em 3
€ Duas gerações sucessivas afetadas a 10% dos casos. Podem estar próximos um do outro
€ Pelo menos um caso de câncer de cólon diagnosticado antes dos ou distantes; podem ter o mesmo tamanho, parecen-
50 anos do ter crescimento simultâneo, enquanto, em outros,
€ Exclusão de polipose adenomatosa familial
apresentam tamanhos diferentes, sendo um de cresci-
Critérios de Amsterdã modificados (1998) mento mais recente do que o outro.
Mesmos critérios de Amsterdã, exceto que o câncer deve ser as-
sociado com CCNPH (cólon, endométrio, intestino delgado, ure-
ter e pelve renal) em vez de especificamente câncer de cólon
Critérios de Bethesda (2003)
Um dos seguintes critérios deve ser encontrado:
€ Câncer colorretal diagnosticado antes dos 50 anos de idade
€ Tumores colorretais sincrônicos ou metacrônicos e outros
relacionados com o CCNPH (inclui estômago, bexiga, ureter,
pelve renal, trato biliar, cerébro [glioblastomal], adenomas de
glândulas sebáceas, ceratoacantomas e carcinomas de intesti
no delgado), sem considerar a idade
€ Câncer colorretal com elevada instabilidade de microssatéli-
tes diagnosticado antes dos 60 anos
€ História familiar de um ou mais parentes de primeiro grau Figura 15.2 Peça de adenocarcinoma do cólon sin-
com câncer colorretal ou outros tumores relacionados com
CCNPH. Um dos diagnósticos sendo feito antes dos 50 anos
crônico no mesmo segmento.
(inclui adenomas que podem ter sido diagnosticados antes
dos 40 anos de idade)
€ Câncer colorretal com dois ou mais parentes com câncer co- Carcinoma in situ refere-se a qualquer lesão com
lorretal ou outros tumores relacionados com CCNPH, sem células malignas contidas exclusivamente acima da
considerar a idade muscular da mucosa. Nomenclaturas utilizadas para essa
Tabela 15.3 lesão incluem “displasia mucosa grave”, “displasia grave”
e “carcinoma superficial”. Carcinoma intraepitelial refere-
-se a uma lesão na qual as células apresentam evidência
citológica de malignidade e estão restritas às criptas de
Lieberkuhn e, portanto, não ultrapassaram a membrana

Anatomia patológica basal epitelial. Qualquer invasão adicional para fora da


glândula ou para dentro da lâmina própria, porém acima da
muscular da mucosa, representa carcinoma intramucoso.
A maioria dos carcinomas do cólon e do reto sur- O carcinoma invasivo é definido quando as células
ge a partir de um pólipo adenomatoso inicialmente malignas se estendem através da muscular da muco-
benigno. No entanto, o achado histológico de focos de sa do pólipo, ou lesão pediculada ou séssil.
criptas aberrantes (FCA), descrito pioneiramente por
Com relação às características microscópicas,
Bird e cols. em 1987 no cólon de ratos submetidos a in-
o padrão habitual é o de adenocarcinoma tubular ou
dução de CCR por carcinógenos tem sido considerado um
com áreas papilíferas, bem ou moderadamente di-
evento precoce se não o inicial na carcinogênese colorre-
ferenciado. Em aproximadamente 20% dos casos, os
tal, não somente pela sua detecção em roedores subme- túbulos das glândulas são muito irregulares ou não for-
tidos a indução por carcinógenos, mas também pela sua mados, ocasião em que esses tumores são classificados
frequência aumentada no cólon e reto de pacientes com como pouco diferenciados. A maioria dos carcinomas
diagnóstico de síndromes de câncer colorretal hereditá- do cólon e do reto tem margem de invasão bem defi-
rio (PAF) ou esporádico se comparados a pacientes com nida, do tipo expansivo. Em cerca de 25% dos casos, um
doenças benignas do intestino grosso. Esses focos consis- padrão de invasão ou crescimento mais infiltrativo pode
tem de criptas de Lieberkuhn discretamente alargadas e ser definido. O carcinoma mucinoso pode ser detecta-
hipercrômicas que lembram os adenomas diminutos ex- do em até 15% dos casos e representa aquele em que
tensivamente estudados em doentes com PAF mas que, 50% ou mais do volume do tumor é constituído por
analogamente aos FCA, raramente foram observados em muco, na forma de lagos mucosos extracelulares ou
outros indivíduos. A hipótese de que FCAs representa o composto por células “em anel de sinete”, nas quais o
evento histológico mais precoce da carcinogênese color- muco se acumula no citoplasma (prognóstico desfavorá-
retal vem sendo reforçada pelos achados de aumento vel). É verificado mais comumente em adultos jovens
da atividade proliferativa celular, displasia, detecção do do sexo masculino, associado a adenoma viloso, doen-
antígeno carcinoembrionário por imuno-histoquímica ças inflamatórias ou irradiação.

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139
15 Câncer colorretal (CC)

Figura 15.3 Pontos de referência anatômicos de adenomas pediculados e sésseis.

Em 1985, Haggit e colaboradores propuseram uma classificação para pólipos contendo câncer de acordo
com a profundidade da invasão conforme segue:
Nível 0: carcinoma não invade a muscular da mucosa (o carcinoma in situ ou carcinoma intramural).
Nível 1: carcinoma invade através da muscular da mucosa para dentro da submucosa, mas é limitada à ca-
beça do pólipo.
Nível 2: carcinoma invade o nível do colo do pólipo (junção entre a cabeça e a haste).
Nível 3: carcinoma invade qualquer parte da haste.
Nível 4: carcinoma invade para dentro da submucosa da parede do intestino abaixo da haste do pólipo, mas
acima da muscular própria.
Por definição, todos os pólipos sésseis com carcinoma invasivo são nível 4 pelos critérios de Haggit.
A fim de avaliar o grau de malignidade do tumor e obter dados para estabelecer o prognóstico, procurou-
-se classificar os tumores quanto ao grau de diferenciação de suas células. A classificação histopatológica foi
idealizada por Broders et al., que classifica os tumores malignos do cólon e do reto, baseando-se no grau de
diferenciação de suas células e no conhecimento de que o tumor é tanto mais maligno quanto maior
sua indiferenciação celular.
Quatro são os grupos propostos por esses autores:
– Grupo I: tumores constituídos de 75% de células diferenciadas e somente 25% de indiferenciadas.
– Grupo II: tumores constituídos de 50% de células diferenciadas e 50% de indiferenciadas.
– Grupo III: tumores que apresentam até 75% de suas células indiferenciadas e 25% de diferenciadas.
– Grupo IV: tumores que apresentam mais de 75% de células indiferenciadas.

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140
Coloproctologia

Patogenia
O crescimento dos CCR é de forma circunferencial, podendo envolver completamente a luz intestinal e ori-
ginar, como consequência, quadros oclusivos. Essa situação é mais evidente no cólon esquerdo (lesão em anel de
guardanapo), que apresenta menor calibre que o direito e, habitualmente, é necessário cerca de um ano para a lesão
ocupar três quartos da circunferência intestinal. Ocorre também uma infiltração da submucosa com invasão da
cadeia linfática intramural. A extensão radial da lesão também infiltra outras camadas da parede intestinal, poden-
do, por contiguidade, atingir outras estruturas vizinhas.
O tumor poderá infiltrar também os vasos colônicos e, pela veia porta, conduzir células neoplásicas que
desenvolverão metástases hepáticas. Através das veias lombares e vertebrais, levam a focos metastáticos nos pul-
mões e no cérebro. O câncer retal é disseminado pelas veias hipogástricas. A invasão venosa está presente
em até 50% dos casos, mesmo não produzindo metástases a distância.
A manipulação cirúrgica do tumor deve ser extremamente cuidadosa, no sentido de evitar a liberação de
metástases hematogênicas. A disseminação mais frequente dos CCR é por meio do comprometimento linfonodal,
(disseminação linfática), sendo a disseminação longitudinal pela cadeia linfática extramural um importante me-
canismo desse processo. Assim, nos procedimentos cirúrgicos, é necessária a complementação com remoção dos
linfonodos comprometidos, o que é encontrado em cerca de 50% dos casos.
Em algumas situações, células neoplásicas extravasam da luz intestinal para a cavidade peritoneal, produ-
zindo implantes locais ou, então, carcinomatose abdominal generalizada.
Células tumorais poderão ser liberadas e levadas pela corrente fecal para serem implantadas, a distância, em
mucosa normal. Esse tipo de situação é de ocorrência rara, e grande parte das recidivas nas anastomoses é causa-
da por células provenientes de fora da parede intestinal, principalmente de linfáticos do mesocólon.
Com base na fisiopatologia do processo tumoral, procurou-se estabelecer o estadiamento da doença para
que fosse possível não só avaliar a perspectiva de sobrevida do paciente, mas também a necessidade de uma tera-
pia adjuvante.
A classificação de Dukes, proposta em 1932 e posteriormente modificada por Astler-Coller com a inclusão
de subgrupos, é utilizada de forma universal (veja página 113). Porém, atualmente, a classificação TNM passou a
ser mais utilizada, pois permite melhor estadiamento do processo.

Figura 15.4 Cascata das metástases. A metástase é um processo de múltiplas etapas. Para as células tumorais
poderem formar focos metastáticos em locais distantes, deverão ser capazes de completar todos os estágios desse
processo complexo.

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141
15 Câncer colorretal (CC)

Quadro clínico
É importante a tomada da história clínica, com
judiciosa avaliação de todos os sintomas, tais como:
alteração do hábito intestinal com mudança das carac-
terísticas do bolo fecal, presença de sangue e/ou muco
nas fezes, dor abdominal precedendo evacuação e sin-
tomas gerais, como astenia, anemia e emagrecimento.
Os sintomas dos CCR estão na dependência da
localização anatômica da lesão, seu tipo e extensão e
eventual presença de complicações, como perfuração,
obstrução e hemorragias.
O tempo médio para o diagnóstico dos CCR, a
partir dos sintomas relatados, é de sete a nove me- Figura 15.5 Localização do câncer colorretal.
ses. A responsabilidade desse tempo prolongado é dos
pacientes, que minimizam os sintomas e protelam a
procura ao médico, ou, então, do próprio médico que
não valoriza as queixas relatadas.
No cólon direito, que apresenta maior calibre, Exame físico
paredes finas e distensíveis, com conteúdo fecal líqui-
do, a presença de neoplasia se manifesta mais tar- O exame físico é importante para avaliar o local e a
diamente, e as lesões atingem grandes volumes antes extensão da doença, ou então detectar metástases a dis-
de serem diagnosticadas. Os pacientes apresentam tância e/ou comprometimento de outros órgãos ou siste-
queixas vagas de astenia, debilidade física e anemia, mas que, inclusive, poderão influenciar no tratamento.
com sensação de desconforto no abdome direito. A A palpação da região inguinal e supraclavicular
presença de anemia hipocrômica microcítica é si- é importante para a verificação de nódulos metastá-
nal importante na pesquisa da neoplasia de cólon ticos. O exame do abdome poderá revelar presença de
direito. Geralmente, não ocorre alteração do hábito massa, hepatomegalia ou circulação colateral em pare-
intestinal e, em cerca de 10% dos casos, a primeira evi- de, indicando obstrução portal.
dência é de massa palpável na região, observada pelo
paciente ou pelo médico. Quando o ritmo intestinal se O câncer retal poderá ser identificado através do
modifica, a diarreia é a queixa mais comum. toque digital, não somente pela percepção da massa
tumoral, mas também pela presença de sangue na luva
No cólon esquerdo, o calibre da luz intestinal é
do exame. A avaliação ginecológica poderá detectar
menor e o conteúdo fecal é formado por material se-
comprometimento regional e, também, permitir pal-
missólido. Assim, o crescimento das neoplasias nes-
par gânglios retrorretais.
sa região, com oclusão progressiva do lúmen, leva a
alterações mais precoces da evacuação. Essa situação O toque digital do reto permite não apenas a
poderá evoluir para uma obstrução parcial ou completa identificação da lesão, determinação de sua distância
do local. A presença de sangue nas fezes é frequente, da borda anal bem como da superfície retal mais aco-
porém não sob a forma de perdas maiores, geralmente metida, mas também possibilita avaliar a mobilidade
de coloração escurecida e associada com muco. da lesão e dessa forma o grau de penetração do tumor
No câncer retal, o sintoma mais frequente é na parede intestinal com acurácia que pode atingir
a perda de sangue claro, juntamente com as fezes, mais de 80%. Através do toque também deve-se pro-
associada ou não à presença de muco. Outra mani- ceder à avaliação da invasão do aparelho esfinctérico
festação relatada com frequência é a sensação de eva- (anel anorretal) o que fornece a mais importante im-
cuação incompleta e “puxos” no canal retal, indepen- pressão no pré-operatório acerca da possibilidade de
dentemente da movimentação intestinal. preservação esfinctérica bem como avaliar o grau de
infiltração do septo retovaginal em mulheres.
Outra finalidade crucial do toque digital do reto
Distribuição do câncer colorretal é inferir sobre a função esfinctérica. Associado à ana-
Retossigmoide 30% mnese e à eletromanometria anorretal, o toque digital do
Sigmoide 25% reto permite avaliar o tônus de repouso do canal anal e a
Descendente 5% resposta à solicitação de contração esfinctérica. Pacientes
Transverso 15% com grau importante de comprometimento da função
Ceco-ascendente 25% esfinctérica são maus candidatos às operações de preser-
Tabela 15.4 vação esfinctérica (retossigmoidectomias).

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142
Coloproctologia

Após a realização do toque digital, com o auxílio ditivo positivo do guaiaco foi de 12% contra 60% para
de um retoscópio rígido, é possível determinar com imunoquímica. Isso mostra a importância do exame
bastante acurácia a distância da borda anal bem como fecal específico, para hemoglobina humana, na detec-
determinar o aspecto endoscópico da lesão (se ulcera- ção precoce de adenomas e neoplasias do cólon.
da, polipoide ou infiltrativa) e se permite a passagem
do aparelho ou não (tumor obstrutivo). A retossigmoi-
doscopia flexível tem as vantagens de ser mais confor-
tável ao paciente e ao examinador bem como permite Teste DNA fecal
documentar o aspecto endoscópico da lesão. O exame de DNA nas fezes é baseado no conceito da
progressão adenoma para carcinoma e de que o desenvol-
vimento do CCR é o resultado do acúmulo de alterações
Formas clínicas de apresentação dos genéticas envolvendo os genes supressores tumorais (por
tumores de cólon e reto exemplo, APC e p53), os oncogenes (p. ex., K-ras) e os ge-
Manifestam-se igualmente em nes de reparação do DNA (por exemplo, hMLH1, hMSH2).
Sintomas gerais
todas as localizações A pesquisa dessas alterações é realizada nas células tumo-
Mais frequente nos tumores do rais que descamam para a luz intestinal e são obtidas nas
Forma anêmica
cólon direito fezes. Estudos iniciais procuram determinar um painel de
Mais frequente do lado esquerdo e avaliação dessas mutações (por exemplo, K-ras, APC, p53)
Forma hemorrá-
manifesta-se de forma aguda com que apresente boa acurácia no diagnóstico dos CCR.
gica
enterorragia
Mais frequente nos tumores do
Forma oclusiva
lado esquerdo
Forma tumoral*
Mais frequente nos tumores do Marcadores tumorais
lado direito
Os marcadores tumorais mais utilizados são:
Característica dos tumores do lado
Forma dispéptica CEA (proteína oncofetal) e o CA 19.9. A principal utili-
direito
dade do CEA tem sido no segmento de pacientes após
Tabela 15.5* Possibilidade de palpar massa tumoral
ressecções de câncer colorretal. A maioria dos carcino-
ao exame físico.
mas precoces está associada a níveis normais de CEA.

Condições que elevam o CEA


€ Câncer colorretal
Diagnóstico complementar € Cirrose hepática
€ Enfisema pulmonar
€ DII
€ Diverticulite
Hemograma completo € Diabetes melito
Frequentemente mostra anemia com o padrão € Doenças benignas de mama
microcítico e hipocrômico compatível com anemia fer- € Polipose intestinal
ripriva. A ferritina sérica e os demais parâmetros para € Câncer de pulmão
anemia carencial por deficiência de ferro confirmam € Qualquer estado inflamatório crônico
este diagnóstico. € Câncer de ovário, mama, útero
Valores normais de referência: até 3 µg/L e até 5 µg/L
para fumantes. Níveis > 10 µg/mL raramente estão
presentes em condições benignas. Valores acima de 25
Pesquisa de sangue oculto µg/L levam à suspeita de doença metastática, e valores
acima de 50 µg/L podem ser considerados como prova
nas fezes de doença metastática.
Esse exame tem baixa sensibilidade e pequeno Tabela 15.6
valor preditivo e, por isso, é empregado como mé-
todo de rastreamento populacional e não como
recurso diagnóstico.
Vários estudos convergem para mostrar que a Exames radiológicos
sensibilidade do guaiaco e imunoquímica foi de 75%. A radiografia de tórax deve ser considerada como
A especificidade do teste feito com o guaiaco foi de procedimento de rotina em pacientes com CCR, para
34%, e a com imunoquímica foi de 94%. O valor pre- avaliação de metástases pulmonares.

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143
15 Câncer colorretal (CC)

na parede do reto (definição T do sistema TNM


Clister opaco
de estadiamento) bem como avaliar ainda que
Exame radiológico realizado com duplo contras- menos precisamente a intensidade e localiza-
te (bário e ar), amplamente utilizado no passado, atu- ção do acometimento linfonodal (definição N). A
almente em desuso como método de diagnóstico pois fim de entender adequadamente o valor de USER no
apesar de avaliar todo o colo, pequenos pólipos e neo- estadiamento local do CCR, é necessário interpretar
plasias podem não ser detectados. as imagens que são geradas e classificadas conforme
descritas por Beynon. É possível identificar cinco
camadas ecográficas que correspondem à muco-
sa, muscular da mucosa, submucosa, muscular
Colonoscopia própria e a serosa ou gordura perirretal.
É o único procedimento diagnóstico e tera-
Para os pacientes não submetidos a tratamen-
pêutico, pois é capaz de detectar e remover le-
to inicial por radioterapia para o CCR, a acurácia do
sões pré-malignas. Por se tratar de um procedimen-
USER no diagnóstico do grau de invasão na parede
to examinador dependente, sua sensibilidade para
do reto é superior à do toque digital e situada en-
diagnóstico na prática é de difícil mensuração, visto
tre 76% e 95%. Da mesma forma, à tomografia com-
que o resultado encontrado na maioria das pesquisas
putadorizada (TC) não é possível diferenciar entre as
é influenciado pelo nível de experise do examinador.
camadas da parede retal e nem distinguir entre lesões
T1 e T2 à TC.
A acurácia da USER para o diagnóstico do aco-
Tomogra昀椀a computadorizada e metimento linfonodal está estimada entre 62% e
ressonância magnética 85%. Essa eficácia no diagnóstico da definição N do
estadiamento pode ser aumentada com a possibilida-
Esses dois procedimentos não são importantes de de a USER guiar a obtenção de biópsias transretais
para o diagnóstico dos CCR, porém servem para ava- com agulha.
liar o comprometimento extramural no câncer do reto
e para a detecção de metástases. O mesmo ocorre com Infelizmente, a USER não está ainda disponível
a ultrassonografia abdominal, que, pela sua facilidade na maioria dos centros médicos. No entanto, deve
e baixo custo, poderá ser utilizada com mais frequên- ser realizada sempre quando houver evidência de
cia na avaliação desses pacientes. confinamento do tumor na parede do reto e, conse-
quentemente, quando a possibilidade de ressecção
local curativa está aventada a fim de comprovar a
infiltração superficial da parede do reto e a ausên-
Colonogra昀椀a por tomogra昀椀a cia de metástases linfonodais.

Também conhecida como colonoscopia virtu-


al, é o estudo dos cólons por meio de tomografia com-
putadorizada que permite identificar as diversas alte- Ultrassonogra昀椀a intraoperatória
rações da parede intestinal. Sua acurácia é de quase
A ultrassonografia intraoperatória é supe-
100% para tumores vegetantes e de cerca de 90%
rior à TC e à inspeção e palpação intraoperató-
para pólipos com mais de 0,8 cm de diâmetro.
rias no diagnóstico de metástases hepáticas de
Apesar da vantagem de ser um método não invasivo,
câncer colorretal. Aproximadamente 10% de lesões
necessita de preparo intestinal e manuseio para sua
adicionais serão encontradas. A ultrassonografia he-
realização semelhante à do enema opaco. Além disso,
não permite a realização de procedimentos terapêu- pática intraoperatória permite o diagnóstico diferen-
ticos. No presente, tem sido indicada principal- cial mais fidedigno entre tumor secundário no fígado e
mente para pacientes de maior risco para câncer cistos ou hemangiomas. Também é capaz de fornecer
colorretal como uma opção à colonoscopia. informações valiosas acerca da localização de ramos
venosos hepáticos e portais que serão úteis ao cirur-
gião no momento de planejar a ressecção cirúrgica.

Ultrassonogra昀椀a endorretal
Com o advento da ultrassonografia endorretal Papel da videolaparoscopia diag-
(USER), a definição detalhada das camadas da parede
retal assim como dos tecidos circunjacentes (ressal-
nóstica no estadiamento
tem-se aqui os linfonodos) foi possibilitada de forma A vídeolaparoscopia diagnóstica não repre-
que a USER tornou-se a ferramenta ideal para o senta um procedimento de rotina a ser realizado
estadiamento do grau de infiltração do tumor em pacientes com CCR. No entanto, trata-se de

SJT Residência Médica – 2016


144
Coloproctologia

método diagnóstico extremamente útil na confir-


mação da suspeita de metástases hepáticas, mas
sobretudo de metástases peritoneais conforme
identificadas pela TC. A possibilidade de confirmar
o diagnóstico de neoplasia incurável pela laparos-
copia com ou sem biópsia, prescindindo de incisão
abdominal é uma alternativa atraente nessa situa-
ção. Para os pacientes muito sintomáticos ou com
sinais de suboclusão intestinal, a paliação através
de colostomia por acesso videolaparoscópico pode
ser realizada.

Figura 15.8 Lesão anelar maligna. O flagrante do cólon


transverso mostra este carcinoma colônico como uma le-
são anelar focal com margens abruptas em prateleira (se-
tas curtas) e mucosa nodular (seta aberta). O acentuado
grau de estreitamento luminal (seta dupla) significa que
a lesão atingiu pelo menos a muscular própria.

Figura 15.6 Ultrassonografia endorretal de um pa-


ciente com câncer retal T3N1. O câncer penetrou atra-
vés de todas as camadas da parede retal e um linfonodo
aumentado é nitidamente visível.

Figura 15.7 Clister opaco – Defeito no contorno. O


flagrante do cólon transverso mostra um adenocarcino- Figura 15.9 A: lesão em sela. O carcinoma colônico
ma originário de um adenoma tubuloviloso como uma polipoide (seta grande) está se propagando circunfe-
perda do contorno luminal normal – um defeito do con- rencialmente pela parede intestinal (pontas de seta)
torno (setas brancas) e uma fila de enchimento radio- fazendo com que a lesão tenha o aspecto de uma sela.
transparente lobulada no bário (setas pretas) com uma B: colonoscopia. Lesão tumoral subestenosante em
superfície nodular quando vista de frente (seta aberta). cólon sigmoide.

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145
15 Câncer colorretal (CC)

Figura 15.10 Peça do cólon sigmoide mostrando car-


cinoma infiltrativo e obstrutivo.

Figura 15.12 A: colonoscopia de carcinoma do sig-


moide com sangramento ativo. B: carcinoma do cólon
com sangramento intermitente.

Figura 15.11 Colonoscopia evidenciando carcinoma Figura 15.13 A: carcinoma infiltrativo de ceco. B: clis-
de ceco com aspecto polipoide. ter opaco com lesão infiltrativa de ceco.

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146
Coloproctologia

Estadiamento
O câncer pode ser classificado segundo a International Union Against Cancer (UICC) – tumor-node-metasta-
sis, TNM – ou pela classificação de Dukes ou Astler Coller.
Os procedimentos para avaliação das categorias T, N e M são os seguintes:
€ Categorias T – Exame físico, diagnóstico por imagem, endoscopia e/ou exploração cirúrgica.
€ Categorias N – Exame físico, diagnóstico por imagem e/ou exploração cirúrgica.
€ Categorias M – Exame físico, diagnóstico por imagem e/ou exploração cirúrgica.
Para cada localização específica, um diferente grupamento linfonodal terá sua própria expressão prognósti-
ca, conforme a seguir:
€ Apêdice: ileocólico
€ Ceco: ileocólico, cólico direito.
€ Cólon ascendente: ileocólico, cólico direito, cólico médio.
€ Ângulo hepático: cólicos médios, cólicos direitos.
€ Cólon transverso: cólico direito, cólico médio, cólico esquerdo, mesentérico inferior.
€ Ângulo esplênico: cólico médio, cólico esquerdo, mesentérico inferior.
€ Cólon descendente: cólico esquerdo, mesentérico inferior.
€ Cólon sigmoide: cólico esquerdo, retal superior (hemorroidal), mesentérico inferior e retossigmoide.

Estadiamento do câncer colorretal conforme AJCC 7ª edição


Estádio T N M
0 Tis N0 M0
I T1 N0 M0
T2 N0 M0
IIA T3 N0 M0
IIB T4a N0 M0
IIC T4b N0 M0
IIIA T1-T2 N1/N1c M0
T1 N2a M0
IIB T3-T4a N1/N1c M0
T2-T3 N2a M0
T1-T2 N2b M0
IIIC T4a N2a M0
T3-T4a N2b M0
T4b N1-N2 M0
IVA qqT qqN M1a
IVB qqT qqN M1a
TX: tumor primário não pode ser avaliado; T0: sem evidência de tumor primário; Tis: carcinoma in situ: intraepitelial ou inva-
são da lâmina própria; T1: tumor invade a submucosa; T2: tumor invade a muscular própria; T3: tumor atravessa a muscular
própria, atingindo tecidos tecidos pericólicos; T4a: tumor penetra a superfície do peritônio visceral; T4b: tumor invade direta-
mente órgãos adjacentes ou está aderido a eles. NX: linfonodos regionais não podem ser avaliados; N0: ausência de metás-
tases em linfonodos regionais; N1: metástase em 1 a 3 linfonodos regionais; N1a: metástase em 1 linfonodo regional; N1b:
metástase em 2 a 3 linfonodos regionais; N1c: depósito(s) tumoral(is) na subserosa mesentérica em 4 ou mais linfonodos
regionais; N2a: metástase em 4 a 6 linfonodos regionais; N2b: metástase em 7 ou mais linfonodos regionais.
M0: ausência de metástases à distância; M1: presença de metástases à distância; M1a: metástases confinadas a um
órgão ou sítio de metástase (ex: fígado, pulmão, ovário, linfonodo não regional); M1b: metástases em mais de um
órgão/sítio de metástase ou peritônio.
Tabela 15.7

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147
15 Câncer colorretal (CC)

Sistema de Dukes Tratamento cirúrgico


O sistema de Dukes é baseado na observa-
ção de que a profundidade de invasão do carcino-
ma relaciona-se com a sobrevida. Foi Dukes, jun-
Preparo pré-operatório
tamente com Lockhart-Mummery, quem propôs pela O preparo do cólon é controverso, porém a des-
primeira vez a sequência adenoma-carcinoma. Dukes peito de um enorme número de estudo mostrar que
não tem impacto na segurança da cirurgia ou nas taxas
relatou que todos os carcinomas se originavam e pro-
de fístula anastomótica, a maioria dos serviços conti-
grediam de um modo ordenado desde a malignidade in nua realizando este procedimento. Os produtos mais
situ em adenomas, até lesões metastáticas. Existe uma utilizados são manitol 10%, fosfato de sódio e o polie-
grande confusão a respeito do uso preciso do sistema tilenoglicol. É preciso ter cuidado com os riscos do uso
de Dukes, devido, em grande parte, a muitas modifi- de fosfato de sódio nos pacientes com disfunção renal
cações que recebeu este sistema de classificação três e idosos: hipocalemia, hiperfosfatemia e hipocalemia.
vezes em 10 anos; desde então, têm sido publicadas
grandes modificações por Simpson, Kirklin, Astler
e Coller, Turnbull e cols., Gunderson e Sosin; além Antibioticopro昀椀laxia
disso, grandes esforços nacionais foram feitos, parti- Antibiótico com cobertura para germes Gram-
cularmente na Austrália e nos Estados Unidos, para -negativos e anaeróbios. Uso intravenoso e deve ser
reorganizar os sistemas de classificação. A modificação feito em no máximo 1 hora antes da cirurgia, ou na
mais utilizada do sistema de Dukes é a descrita por indução anestésica.
Gunderson e Sosin.

Pro昀椀laxia de
Estadiamento patológico de Dukes tromboembolismo
do câncer colorretal
A recomendação é formal. O uso de heparina não
A: lesões limitadas à mucosa, linfonodos negativos fracionada, heparina de baixo peso molecular e com-
pressão intermitente da panturilha são eficazes em
B1: extensão através da mucosa, mas dentro da pare- reduzir a incidência dos fenômenos tromboembólicos.
de intestinal, linfonodos negativos

B2: extensão através da parede instestinal, linfonodos


negativos A cirurgia
B2m: extensão somente microscópica através da parede A exploração abdominal global é sempre o primei-
intestinal ro passo cirúrgico e se presta a avaliar a presença de do-
ença metastática e de lesões incidentais. A área onde se
B3: tumores que estão aderidos e/ou invadem estru- localiza o tumor deve ser examinada por último, quanto
turas adjacentes, submetidos ao espécime patológico; à ressecabilidade, invasão de órgãos adjacentes, implan-
linfonodos negativos te peritoneal, perfuração e presença de infecção.
C1: B1 com linfonodos positivos Na atualidade a ressecção laparoscópica é o
melhor método para o tratamento do câncer de có-
C2: B2 com linfonodos positivos lon. Quanto à margem de segurança acredita-se que
5 cm de margem proximal e distal são suficientes
C2m: B2m com linfonodos positivos
para ressecar a disseminação intramural tumoral.
C3: B3 com linfonodos positivos Mais recentemente diversos estudos mostraram que ra-
ramente ocorre migração mural maior que 2 cm proximal
Adendo: 1. estádio D de Turnbull: tumores com metás- ou distal à lesão macroscópica. Para ser considerada
tases hepáticas, pulmonares, ósseas, implantes perito- uma cirurgia oncologicamente adequada, reco-
neais ou tumor irressecável devido à invasão parietal; menda-se que pelo menos 12 linfonodos estejam
invasão de órgãos adjacentes. 2. Características clínicas contidos no segmento ressecado. Tumores sincrôni-
preditoras de recorrência local do Projeto Britânico do cos devem ser submetidos à colectomia total com anas-
Câncer do Intestino Grosso: fixação do tumor, obstru- tomose ileorretal. O estudo do linfonodo sentinela
ção do intestino grosso e perfuração do tumor. mapeado por injeção de tinta ou por radioisótopo
Tabela 15.8 Modificação de Gunderson e Sosin/ durante o ato operatório não demonstrou melhora
Astler Coller. na acurácia do estadiamento desses pacientes.

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148
Coloproctologia

O tratamento do adenocarcinoma em pólipo deve Estágio II: fatores de alto risco na


seguir as orientações abaixo. Lesões restritas à mucosa quimioterapia adjuvante
e ressecadas integralmente pelo método colonoscópi- € T4
co podem ser tratadas unicamente pela endoscopia. As
características histopatológicas favoráveis incluem € Grau histológico alto (G3 ou G4)
margens livres de ressecção, tumores bem diferenciados, € Obstrução intestinal
sem invasão linfática ou vascular; e o endoscopista tem € Perfuração intestinal
que estar certo de que ressecou integralmente a lesão. € Invasão angiolinfática ou perineural
Com essas características, e com invasão no máximo à
primeira camada da submucosa, a chance do paciente
€ Amostra de linfonodos insuficiente (menor que 12)
apresentar metástases linfonodais é menor do que 5%. Tabela 15.10
O segmento colonoscópico deve ser realizado
três meses após a polipectomia. Se a colonoscopia
for normal solicitar um novo exame após um ano.

Tratamento adjuvante
Pacientes com tumor estágio III, correspondem
ao grupo para o qual há claro benefício do tratamento
quimioterápico.
Quimioterapia adjuvante: esquemas sugeridos
Ox 85 mg/m2 EV em 2 h no D1; AF
400 mg/m2 EV em 2 h no D1; 5 FU
FOLFOX6 400 mg/m2 EV bolus no D1; seguido
de 5 FU 2.400 mg/m2 IC por 46 h, a
cada 2 semanas, por 12 ciclos
Ox 130 mg/m2 EV em 2 h no D1; Ca-
XELOX pecitabina 2.000 mg/m2/dia VO D1- Figura 15.14 Anatomia do cólon e reto e irrigação do
D14 a cada 3 semanas por 8 ciclos cólon. MAS: artéria mesentérica superior; AMI: artéria me-
Semanas 1, 3 e 5: Ox 85 mg/m2 EV em sentérica inferior; AIC: artéria ileocólica; ACD: artéria cólica
2 h; Semanas 1-6: 5 FU 500 mg/m2 direita; ACM: artéria cólica média; ACE: artéria cólica esquer-
FLOX3
EV bolus com AF 500 mg/m2; repetir da; AS: artéria sigmoidea; ARS: artéria retal superior.
a cada 8 semanas, por 3 ciclos
5 FU 500 mg/m2 EV bolus; AF 500
Roswell Park3 mg/m2, repetir a cada 8 semanas,
por 3 ciclos
AF 400 mg/m2 EV em 2 h no D1; 5 FU
400 mg/m2 EV bolus no D1; seguido
LV5FU2
de 5 FU 2.400 mg/m2 IC por 46 h, a
cada 2 semanas, por 12 ciclos
5 FU 370 mg/m2 EV; AF 50 mg (dose
QUASAR
fica) IV; semana por 30 semanas
Capecitabina 200 mg VO/dia D1-
Capecitabina
14, a cada 3 semanas, por 8 ciclos
1
Esquemas com oxaliplatina: preferencialmente pa-
cientes estágio III e até 75 anos.
2
Doses de AF para forma d-leucovorin.
3
Opcionalmente, reduzir dose de AF para 20 mg/m2.
Ox: oxaliplatina; AF: ácido folínico; 5 FU: flurouracil.
Tabela 15.9 Figura 15.15 Ressecções para câncer de cólon e reto.
A: colectomia direita; B: colectomia direita ampliada; C:
Ao contrário do benefício estabelecido em pa- transversectomia; D: colectomia esquerda; E: sigmoidec-
cientes com estágio III, o tratamento de pacientes tomia; F: retossigmoidectomia; G: anastomose coloanal
em estágio II é controverso. Um grupo de alto risco (direta, com reservatório em J); H: amputação de reto. Um
foi reconhecido para o qual a quimioterapia adju- mínimo de doze (12) amostras de linfonodos é considerado
vante é benéfica. necessário para definir com precisão o estágio do tumor.

SJT Residência Médica – 2016


149
15 Câncer colorretal (CC)
tu o do
ângulo
esplênico

tumor
de ceco

Figura 15.16 Esquema mostrando a extensão da


ressecção para tumor de ceco. Colectomia direita con-
vencional com ligadura alta das artérias ileocólica e cólica
Figura 15.19 Esquema mostrando a extensão da
direita e ramo direito da artéria cólica média. A fixação do
ressecção convencional para tumor da flexura es-
tumor pode ocorrer no duodeno ou pâncreas, incluindo
plênica e a porção esquerda do cólon transverso.
a avaliação de ressecção em bloco nesses casos.
Ligadura da artéria cólica média (ramo esquerdo) e da
artéria cólica esquerda preservando-se as artérias sig-
moidianas e retal superior. Reconstrução do cólon direi-
tumor do
ângulo to ao sigmoide proximal.
hepático

tumor do
cólon
descendente

Figura 15.17 Esquema mostrando a colectomia di-


reita ampliada, ressecção de tumor, ângulo hepáti-
co e porção direita do cólon transverso. Ligadura do
ramo esquerdo da artéria cólica média.

tumor do
Figura 15.20 Amplitude de ressecção para tumor
cólon transverso do cólon descendente. Colectomia esquerda con-
vencional com ligadura de artéria mesentérica inferior.
Anastomose colorretal alta.

tumor do
Figura 15.18 Esquema mostrando os limites da res- sigmoide
secção para tumor do cólon transverso. O suprimento
sanguíneo dessa região deriva da artéria cólica média e
dos vasos cólicos direito e esquerdo. A flexura esplênica
tem maior risco de comprometimento da vascularização, Figura 15.21 Amplitude de ressecção para tumo-
em decorrência de seu arco vascular ser mais tênue e res de sigmoide. A mobilização do ângulo esplênico fa-
com maior comprimento, dificultando a irrigação (ver o cilita a realização da anastomose do cólon descendente
artigo). A localização da lesão indica disseminação para do reto. A ligadura da artéria mesentérica inferior na
os linfáticos regionais da cólica média, cólica direita e ra- origem em relação à ligadura de ramos sigmoideanos
mos da cólica esquerda. Em geral, na lesão proximal indi- é o princípio a ser seguido para as lesões no cólon sig-
ca-se a hemicolectomia direita estendida e no transverso moide. Atenção deve ser dada ao detalhe de se deixar
distal a hemicolectomia esquerda estendida. Na lesão da remanescente cerca de 1 cm de coto de artéria mesen-
porção média do cólon transverso, realiza-se a colecto- térica inferior, a fim de não comprometer a preservação
mia do transverso limitada. simpática dos nervos esplâncnicos pélvicos.

SJT Residência Médica – 2016


150
Coloproctologia

dido a cada 3 meses por 2 anos após a ressecção, e


a cada 6 meses por mais 3 anos. As tomografias de-
vem ser, no mínimo, anuais nos 3 primeiros anos.
Em relação à colonoscopia, caso o paciente não
a tenha realizado antes da cirurgia (ou não tenha sido
possível a visualização de todo o cólon), deve ser feita
em 3 a 6 meses após o tratamento cirúrgico. A colo-
noscopia deve ser realizada no primeiro ano para
detectar lesões metacrônicas. Se normal, repetir
em 3 anos e, após, em 5 anos. Em caso do achado de
adenoma, o intervalo da colonoscopia deve ser menor,
principalmente se os achados incluirem pólipo viloso,
ou pólipo > 1 cm ou presença de displasia de alto grau
tumor
(recomendando repetição do exame em 1 ano). Os in-
da junção
tervalos devem ser menores também para pacientes
retos-
com história familiar, idade ou teste que indique a
sigmoidiana
presença de síndrome de câncer colorretal hereditário.
Figura 15.22 Esquema mostrando a amplitude de ressec-
ção para tumor da junção retossigmoidiana ou reto alto. Após os 5 primeiros anos, a taxa de recor-
rência é extremamente baixa (inferior a 1,5% ao
ano e após 8 anos inferior a 0,5% ao ano).

tumores tumores Cirurgia do câncer colorretal


sincrônicos sincrônicos
complicado

Obstrução
Em até 10% dos casos, os portadores de câncer
colorretal apresentam quadro oclusivo, necessitando
de abordagem cirúrgica de urgência, a qual vai variar
de acordo com a localização do tumor:
Figura 15.23 Esquema mostrando a amplitude de res- 1) cólon direito: a conduta habitual é realizar-se
secção para tumores sincrônicos e para pólipos múltiplos e a colectomia direita, com anastomose ileotransversa
polipose adenomatosa familiar do cólon – colectomia total imediata;
ileorretoanastomose. Lembrar que na PAF a cirurgia ideal é 2) cólon esquerdo e reto: as opções variam em
proctocolectomia com bolsa ileal. função das condições do paciente e da experiência e
preferência do cirurgião. A ressecção primária com
anastomose imediata tem sido cada vez mais indica-
da e, como rotina, é a nossa preferida. Caso o cólon
contenha muita matéria fecal, pode-se proceder à
Seguimento lavagem intraoperatória, que não é associada a um
maior índice de infecção. Alguns cirurgiões preferem
Embora cerca de 80% dos pacientes com proteger essa anastomose com uma transversosto-
câncer colorretal apresentem margens cirúrgicas mia temporária. Outra opção a ser considerada é a
manoscopicamente livres da doença, 50% destes ressecção primária, sem a reconstrução do trânsito,
apresentarão doença recorrente. A maioria des- configurando a cirurgia de Hartman. A colectomia
sas recorrências ocorrerá dentro dos 24 meses subtotal com anastomose ileorretal é sugerida por
subsequentes à cirurgia. alguns, mas nos parece ser uma cirurgia mais exten-
sa do que o necessário, a não ser naqueles casos onde
História e exame físico associado com dosagem de ocorre a obstrução com alça fechada e o ceco apresen-
CEA em intervalos regulares podem detectar recorrên- tar algum sofrimento de sua parede. Nas mãos de ci-
cia. A sensibilidade de se detectar recorrências precoces rurgiões menos experientes ou, então, em pacientes
é ao redor de 60% quando se utiliza a TC e o CEA, princi- com más condições gerais, pode-se proceder apenas à
palmente para recorrência pélvica. O CEA deve ser me- transversostomia ou ileostomia em alça.

SJT Residência Médica – 2016


151
15 Câncer colorretal (CC)

Uma alternativa que vem sendo empregada em te, a formulação de estratégias, combinando diferentes
casos selecionados é a desobstrução parcial do cólon ou modalidades de tratamento em uma cronologia precisa,
do reto por meio de laser ou, então, a colocação de stent expandiram as indicações de ressecção.
para permear o tumor via colonoscopia, com o intuito Tradicionalmente, a presença de doença ex-
de se preparar melhor o paciente para a cirurgia. tra-hepática, quatro ou mais metástases hepáti-
cas, margens exíguas e incapacidade de ressecar a
doença por completo no fígado têm sido conside-
Perfuração radas contraindicações à hepatectomia. A única
destas contraindicações históricas que permanece
Ao constatar perfuração do tumor, o cirurgião atualmente é a incapacidade de ressecar toda a do-
deve promover ampla limpeza da cavidade abdo- ença, publicações recentes mostraram que a hepatecto-
minal e, obrigatoriamente, realizar a ressecção in- mia de quatro ou mais metástases está associada a uma
testinal. Nos casos de peritonite importante, com taxa aproximada de sobrevida em 5 anos de 33%, apesar
muitas horas de evolução, deve-se optar pela não de uma taxa de recidiva de pelo menos 80%. Embora a
reconstrução do trânsito, exteriorizando-se ambas margem cirúrgica exígua tenha se mostrado associada ao
as bocas na colectomia direita, ou executando-se resultado, ela é frequentemente confundida por sua rela-
a cirurgia de Hartman para as lesões de cólon es- ção com o mau prognóstico geral do tumor (i. e.: tumores
querdo. Naqueles pacientes onde a contaminação sincrônicos múltiplos). Entretanto, margens exíguas ou
da cavidade é limitada ou por poucas horas, pode-se comprometidas não parecem excluir a possibilidade de
realizar a anastomose primária. sobrevida a longo prazo. Todavia as tentativas de mar-
gens superiores a 1 cm são apropriadas quando possíveis
Ressecção de metástases extra-hepáticas que se apresen-
te simultaneamente com metástases hepáticas têm re-
Tratamento da doença centemente se mostrado associadas à sobrevida a longo
prazo em casos altamente selecionados. Os locais que pa-
avançada recem estar associados a melhores resultados nesta situ-
ação são metásatases pulmonares limitadas, recorrências
locorregionais do tumor primário e linfonodos portais.
Metástases hepáticas A seleção do doente é importante e geralmente requer
quimioterapia pré-operatória para excluir progressão e
O fígado é o órgão mais comum de acome- estabelecer o quadro sistêmico da doença.
timento de metástases colorretais, sendo que
aproximadamente 50% dos pacientes com câncer
colorretal desenvolverão metástases hepáticas
em algum período de sua doença. Metástases pulmonares
Em 15-25% dos pacientes com doença colorretal, A ressecção de metástases pulmonares está indi-
a doença metastática hepática é descoberta na mesma cada desde que não se reconheçam lesões em outros
época do tratamento da doença primária (lesão sin- locais. O limite do número de metástases a se tratar ci-
crônica). Em 25-50% dos casos, a doença metastática rurgicamente é variável, e depende da localização dos
irá desenvolver-se durante o acompanhamento do pa- nódulos. Os resultados para esse procedimento mos-
ciente, após o tratamento da doença primária (lesão tram índices de sobrevida de cinco anos de 20 a 25%
metacrônica). As lesões metacrônicas estão associadas para pacientes com metástase única ressecada e de 10
ao estágio III (TNM) da doença primária em 60% dos a 15% para aqueles com múltiplos tumores extirpados.
casos, e o intervalo livre de doença geralmente é me- Mesmo quando do diagnóstico de metástases
nor do que dois anos. sincrônicas, deve-se postergar seu tratamento cirúr-
Atualmente a ressecção hepática é conside- gico para cerca de um mês após a cirurgia do tumor
rada o padrão-ouro no tratamento das metástases primário. A abordagem pulmonar é feita por toracoto-
hepáticas do câncer colorretal. Em centros de refe- mia, mais ou menos ampliada, ou, então, por toracos-
rência, a mortalidade cirúrgica deve ser menor que 5%, copia. A extensão das ressecções depende do tamanho
incluindo-se grandes ressecções hepáticas, com índices e da localização das lesões. Contudo, sempre que pos-
de sobrevida em 5 anos de 25-58%, sobrevida média de sível, realizam-se ressecções em cunha.
30-40 meses e provável cura em alguns pacientes, resul-
tados de sobrevida superiores aos obtidos com o trata-
mento cirúrgico de outros tumores não metastáticos do
trato gastrointestinal , tais como de estômago 36% em 5 Metástases cerebrais
anos de pâncreas 24%. Apesar dos bons resultados, até As metástases cerebrais associam-se a um prog-
recentemente só era oferecido cirurgia a 15% dos pa- nóstico extremamente reservado, mesmo quando úni-
cientes com CCR metastático. A utilização de regimes de cas e o tratamento cirúrgico não se mostra superior
quimioterapia com altas taxas de resposta, um melhor à radioterapia. Assim, alguns preferem não indicar a
conhecimento da regeneração hepática e, principalmen- cirurgia nesta eventualidade.

SJT Residência Médica – 2016


152
Coloproctologia

tastática não ressecável, com resposta de 40 a 50%.


Recidiva locorregional Já a combinação de três drogas como oxaliplatina, iri-
A recidiva locorregional é muito mais comum após notecano e 5-FU (FOLFOXIRI) tem demonstrado res-
cirurgia do câncer retal. Nestes casos, sua característica postas objetivas superiores a regimes contendo ape-
é infiltrativa, comprometendo órgãos e estruturas pa- nas duas drogas, mas, devido a sua maior toxicidade,
rietais, o que habitualmente impede sua abordagem reserva-se este regime quimioterápico para pacientes
cirúrgica com intenção curativa. Contudo, em alguns onde se planeja resseção de metástases após redução
casos, a recidiva ocorre a partir da anastomose, o que
do volume das lesões.
permite uma eventual abordagem do tumor, cuja resse-
ção é facilitada pelo uso da radioterapia pré-operatória, Em 2004, o bevacizumabe, anticorpo mo-
habitualmente na dosagem de 45 a 50 cGy, potencia- noclonal com ação antiangiogênica, demonstrou
lizada pela utilização concomitante de quimioterapia aumentar a sobrevida de pacientes com tumor
com 5-fluorouracil. Nesta situação, a cirurgia realizada de cólon quando combinado à quimioterapia de
é, comumente, a amputação abdominoperineal do reto. primeira linha. Mais recentemente, o cetuxima-
be anticorpo monoclonal contra EGFR, também
se demonstrou efetivo no aumento de resposta e
Doença metastática aumento de sobrevida em tratamento de primei-
ra linha. Por esta razão, a introdução de agentes bio-
não ressecável lógicos tornou-se essencial no manejo de portadores
Até alguns anos atrás, o 5-fluorouracil (5-FU), ad- de câncer colorretal avançado.
ministrado de forma infusional ou em bolo e associado
ou não à leucovorina (LV) era a única droga quimioterá-
pica com algum grau de efetividade no tratamento sis-
têmico da doença disseminada. Entretanto, nos últimos
anos, novas drogas contra o câncer colorretal possibili- Prognóstico
taram um grande evolução no tratamentos da doença
O principal fator prognóstico do câncer colorre-
avançada e a combinação de drogas como irinotecano
tal é o seu estágio TNM. Os tumores de cólon possuem
ou oxaliplatina com 5-FU demonstrou importante au-
um melhor prognóstico do que os tumores de reto. A
mento na resposta objetiva, com aumento de sobrevida
extensão local do tumor, a presença de metástases
livre de progressão e sobrevida global.
distantes, o número de linfonodos comprometidos, a
Assim, os regimes FOLFOX (contendo oxalipla- invasão vascular, a presença de tumor residual, o tipo
tina) e FOLFIRI (contendo irinotecano) são conside- histológico e os níveis séricos do antígeno carcinoem-
rados opções iniciais de tratamento para doença me- briônico são sempre considerados.

Fatores prognósticos do câncer colorretal


Fator Associação
Histopatológicos
Grau de diferenciação tumoral Tumores indiferenciados têm pior prognóstico
Tumores produtores de mucina tendem a recorrer lo-
Produção de mucina
calmente
Invasão de vasos sanguíneos, linfáticos e perineural Prognóstico desfavorável
Infiltração linfocítica do tumor e de histiócitos nos gânglios
Prognóstico menos desfavorável
linfáticos regionais
Tumores ulcerados têm um prognóstico pior que os tu-
Formato do tumor
mores com crescimento exofítico
Biomoleculares
Conteúdo de DNA celular Presença de aneuploida é fator de mau prognóstico
Antígeno carcinoembrionário Cifras elevadas são índice de mau prognóstico
Clínicos
Nos pacientes < 40 anos, o câncer se apresenta de uma
Idade
forma mais avançada e a evolução é mais rápida
Forma de aparecimento dos sintomas Pacientes com sintomas precoces têm pior prognóstico
Os tumores de reto e retossigmoide têm menor índice
Localização do tumor
de sobrevida
Obstrução e perfuração Prognóstico desfavorável
Necessidade de transfusão durante a operação Prognóstico desfavorável
Tabela 15.11

SJT Residência Médica – 2016


153
15 Câncer colorretal (CC)

Detecção precoce do câncer colorretal


As formas de prevenção do câncer colorretal recomendadas pela Sociedade Americana de Câncer de acordo
com a população de risco (ver abaixo), ficam definidas nas tabelas a seguir:
- baixo risco: indivíduos com idade superior a 50 anos e sem outros fatores de risco;
- risco moderado: pacientes com história familiar de câncer do intestino em um ou mais parentes de
primeiro grau, história pessoal de pólipo maior que 1 cm ou múltiplos pólipos de qualquer tamanho e indi-
víduos com antecedente pessoal de câncer do intestino tratado com intenção curativa; portador de doença
inflamatória;
- alto risco: indivíduos com história familiar de polipose adenomatosa familiar (FAP) ou CCR hereditário
sem polipose (HNPCC), ou com diagnóstico de doença intestinal inflamatória.

Avaliação dos membros de famílias com HNPCC


Órgão Exame Início (idade) Periodicidade
Cólon e reto Colonoscopia 20-25 anos Cada 2 anos
Exame ginecológico 30-35 anos Cada 1 a 2 anos
Útero US abdominal
US endovaginal
Estômago Gastroscopia 30-35 anos Cada 2 a 3 anos
Urina I 30-35 anos Cada 1 a 2 anos
Vias urinárias
US Cada 2 a 3 anos
Tabela 15.12 Sem estudo genético ou portadores de mutações em genes de reparo.

Avaliação de membros de famílias com poliposes


Síndrome Exame Início (idade) Periodicidade
PAR APC+ Colonoscopia 12 anos Anual
PAF, APC Colonoscopia 18 anos 25 e 35 anos
Colonoscopia 12 a 15 anos Anual
Turcot
Exame neurológico quando necessário –
Peutz-Jeghers TGI > 20 anos –
Polipose juvenil Colonoscopia > 12 anos Cada 3 a 5 anos
Tabela 15.13

Avaliação de outras populações de alto risco


Condição clínica Exame Periodicidade
Anual, com biópsias seriadas, após 8-10 anos de história
Retocolite ulcerativa Colonoscopia
clínica
Ureterossigmoidostomia Colonoscopia Anual, após 7 anos de cirurgia
Polipectomizado Colonoscopia Bienal
Colectomizado Colonoscopia Bienal
Filhos de portadores de câncer color-
Colonoscopia Trienal, após 40 anos de idade
retal
Tabela 15.14

SJT Residência Médica – 2016


154
Coloproctologia

fáscia parietal, junto às paredes pélvicas, até o plano


Prevenção primária dos músculos elevadores para tumores de reto médio
e distal ou, então, até 4 a 5 cm abaixo da margem dis-
Vários fármacos de uso oral já tiveram seu uso tal de tumores de reto alto. Estudos que analisaram o
proposto para inibir o câncer de cólon. Os mais efi- espécime cirúrgico de adenocarcinomas de reto alto
cazes na quimioprevenção são o ácido acetilsa- demonstraram que raramente existem linfonodos com-
licílico e outros AINE: Acredita-se que inibam prometidos no mesorreto numa extensão 5 cm distais à
a proliferação celular ao bloquear a síntese de borda inferior do tumor. Dessa forma, tumores do reto
prostaglandinas. O uso regular de ácido acetilsalicí- alto podem ser tratados com uma ressecção parcial do
lico reduz o risco de adenomas e carcinomas de cólon, mesorreto (de 5 cm além do limite inferior da lesão).
bem como o de morte por câncer do intestino grosso. No que diz respeito às margens cirúrgicas de
Esses fármacos parecem diminuir também a possibi- segurança nos tumores de reto alto, conforme men-
lidade do surgimento de outros adenomas pré-malig- cionado, busca-se uma margem distal de 5 cm. Para
nos após o tratamento de um carcinoma de cólon. Esse tumores do reto extraperitoneal, estima-se que 2 cm
efeito do ácido acetilsalicílico na carcinogênese colôni- de margem distal seja adequada para evitar a dissemi-
ca aumenta de acordo com a duração e dosagem do uso nação intramural. Não obstante, em tumores de reto
do fármaco. Suplementos orais de ácido fólico e/ou de distal se acredita que margem distal de 1 cm seja su-
cálcio diminuíram o risco de pólipos adenomatosos e ficiente, em especial quando se emprega o uso de qui-
de cânceres colorretais em estudos caso-controle. As miorradioterapia pré-operatória.
vitaminas antioxidantes, como o ácido ascórbico, os No câncer retal, a ressecção linfática e vas-
tocoferóis e o betacaroteno, são ineficazes em reduzir cular deve seguir até a resseção na origem da
a incidência de adenomas subsequentes em pacientes artéria retal superior. Não existem evidências que
nos quais se removeu um adenoma colônico. A terapia recomendam a dissecação dos gânglios linfáticos das
de reposição de estrogênio está associada a uma redu- cadeias ilíacas, exceto se estes apresentarem sinais de
ção do risco de câncer colorretal em mulheres, o que comprometimento neoplásico.
talvez se deva a um efeito sobre a síntese e composição As neoplasias do reto superior são tratadas por
de ácidos biliares, ou à diminuição da síntese de IGF-1. ressecção anterior (proctossigmoidectomia anterior
A redução inexplicada da mortalidade por câncer co- com anastomose colorretal; este procedimento indi-
lorretal em mulheres pode advir do uso disseminado ca a ressecção do reto proximal ou do reto sigmoide
da reposição de estrogênio após a menopausa. acima da reflexão peritoneal)e a maioria dos tumores
malignos do terço médio também podem ser tratados
com ressecção anterior com uso de grampeadores me-
cânicos (stapler).
A cirurgia do câncer de reto As neoplasias malignas do terço distal do reto
podem ser tratadas pela: 1. ressecção abdominoperi-
O reto pode ser dividido em três partes. Reto su- neal (operação de Miles) com colostomia definitiva, 2.
perior ou proximal estende-se da sua junção com o có- ressecção abdominoperineal com anastomose coloa-
lon sigmoide na reflexão peritoneal posterior (15 a 16 nal e preservação do ânus, e 3. excisão local transanal.
cm da linha pectínea) até 11 cm da linha pectínea. O Em pacientes selecionados, a excisão local do câncer
reto médio estende-se de 11 cm da linha pectínea até retal é uma alternativa à ressecção abdominoperineal
a porção mais inferior da reflexão peritoneal anterior, do reto (pode ser realizada por via transanal ou com
também denominada de fundo-de-saco de Douglas TEM). Apresenta menor morbidade e mortalidade,
(6 a 7 cm da linha pectínea na mulher, e 7 a 8 cm no além de não causar os distúrbios de imagem corporal
homem). O reto distal inferior estende-se da relexão da cirurgia radical.
peritoneal anterior à linha pectínea e é totalmente ex-
traperitoneal. Critérios de indicação para excisão local transanal
Tamanho da
A cirurgia do câncer do reto pode ser realizada Menor que 4 cm
lesão
tanto por laparotomia, quanto por via laparoscópica.
Extensão da Envolve menos de um terço da circun-
É interessante ressaltar que, independente da via de
lesão ferência
acesso empregada, as etapas e preocupações do cirur-
gião serão sempre as mesmas: execução da excisão to- Localização A menos de 8 cm da margem anal
tal do mesorreto, obtenção de margem radial e preser- Morfologia Tumor móvel, não ulcerado
vação esfincteriana. Bem ou moderadamente diferen-
Histologia
ciado
O conceito de excisão mesorretal total (EMT)
Idealmente T1
se baseia no padrão de recidiva locoregional do carci-
noma retal. Essa técnica consiste na retirada de todo o Sem qualquer suspeita de linfono-
Estádio N
tecido gorduroso perirretal através de dissecção precisa dos
do reto no plano situado entre sua fáscia própria e sua Tabela 15.15

SJT Residência Médica – 2016


155
15 Câncer colorretal (CC)

A microcirurgia endoscópica transanal (TEM) possibilidade de se realizar cirurgia com preservação


utiliza um proctoscópio de 40 mm que permite re- esfincteriana (em especial para lesões distais); opor-
alizar insuflação de CO2, irrigação de água, sucção e tunidade de melhor definição do alvo do tratamento
monitoramento da pressão intrarretal. Um cabo de radioterápico e menor irradiação de tecidos normais
fibra óptica é acoplado ao sistema, permitindo a visu- em relação ao tratamento pós-operatório; chance de
alização das imagens em um monitor convencional. O se testar a interação de novas drogas pela avaliação da
proctoscópio apresenta portais onde são inseridas as resposta patológica após cirurgia; informação prog-
pinças de trabalho que farão a ressecção da lesão, simi- nóstica relacionada com a intensidade de resposta.
larmente à laparoscopia. A despeito da clara vantagem do tratamento neo-
As vantagens desta técnica incluem excelente adjuvante na era da TME, ainda não existe consenso
acesso ao reto médio e proximal e a possibilidade de sobre a real necessidade de RTQT pré-operatória para
ser realizada em pacientes com alto risco cirúrgico. os tumores T3N0 mais distantes da borda anal. Os
Como desvantagens podemos citar o custo elevado estudos randomizados incluiram pacientes com mar-
do equipamento e a longa curva de aprendizagem. gem distal do tumor até 12 a 15 cm da borda anal, e
não há dados prospectivos randomizados na literatura
As complicações relacionadas ao procedimento são
médica quanto à recorrência pélvica baseada na altura
pequenas e incluem: sangramento, perfuração retal
do tumor no reto. Algumas análises de subgrupo de
e incontinência fecal. Quando indicada para tumores
pacientes (não estratificados pela distância do tumor
especificados anteriormente, os resultados são exce-
do ânus) em estudos randomizados sugerem que tu-
lentes, com baixa taxa de recidiva.
mores do reto alto (> 10 cm da borda anal) têm menor
A amputação de reto está indicada para incidência de recorrência local quando comparados
tumores que, mesmo com neoadjuvância, en- aos tumores do reto médio ou baixo. Na falta de da-
comtram-se até 2 a 3 cm da linha pectínea; me- dos mais robustos que respaldem a não utilização de
canismo esfincteriano prejudicado pela idade ou RTQT neoadjuvante nessa situação, e diante da elava-
lesão prévia; maior facilidade de se cuidar de um da chance de linfonodos positivos, decisões de trata-
ostoma do que das alterações funcionais decor- mento não devem ser tomadas com base na distância
rentes de anastomoses baixas. do tumor no reto se for < 12 cm do ânus.
A ressecção em bloco está indicada para O esquema de quimiorradiação pré-operatória
aqueles casos em que o tumor invade as estru- mais utilizado consistem em 4.500 a 5.040 cGY de
turas adjacentes. Se as margens da ressecção em radiação junto com quimioterapia infusional baseada
bloco estiverem livres do tumor, a sobrevida desses em 5-FU.
pacientes que apresentam tumor sem invasão de ór-
gãos adjacentes. A perfuração involuntária do reto
durante a dissecção cirúrgica aumenta o risco de reci-
diva local e atua como um fator independente para o
Tratamento adjuvante
prognóstico de tais pacientes. A ooforectomia profi- Para os pacientes que foram submetidos a uma
lática não aumenta a sobrevida das pacientes, porém ressecção potencialmente curativa, a recidiva da doen-
pode ser considerada nas pacientes que já se encon- ça poderá ser decorrente de micrometástases clinica-
tram na menopausa. mente ocultas que estavam presentes no momento da
cirurgia. O objetivo do tratamento adjuvante é erra-
dicar estas micrometástases, aumentando, assim, os
índices de cura.
Tratamento neoadjuvante Quando o paciente é diagnosticado como
A neoadjuvância tem sido indicada como ro- portador de um tumor T3, T4 ou N+ e não foi
tina para tumores T3-4 localizados em reto baixo submetido à terapia prévia com RQT como atual-
e médio, sendo discutível seu benefício em lesões mente preconizado, este se faz necessária neste
na altura da reflexão peritoneal. Para lesões T1-2 momento para um melhor controle local, pois,
pode ser indicada quando existe comprovadamente diferente do câncer de cólon, onde o padrão de
envolvimento linfonodal peritumoral ou, então, quan-
recidiva é predominante a distância, os locais de
do se pretende realizar cirurgia de ressecção local.
recidiva nos pacientes com câncer retal são igual-
O racional para o tratamento neoadjuvan- mente distribuídos entre recidiva local (pelve) e
te do câncer de reto com radioterapia associada a distância (fígado e pulmões).
à quimioterapia, ou de forma exclusiva, funda-
menta-se nos seguintes aspectos: possibilidade de Sempre que possível é preferível esquema de
redução tumoral favorecendo a completa ressecção do 5-FU infusional ao esquema embolos associado à ra-
tumor (principalmente em lesões T3-4); aumento da dioterapia.

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CAPÍTULO

16
Doenças anorretais

Doença hemorroidária
Anatomia
A vascularização da região anorretal é constituída por um rica rede de arteríolas e vênulas que se comunicam
diretamente, formando os corpos cavernosos do canal anal, chamados de plexos hemorroidários, um interno ou
superior e outro externo ou inferior.

Plexo hemorroidário interno


Localiza-se no espaço submucoso do canal anal, acima da linha pectínea (proximal), sendo formado por uma
rede de vasos sanguíneos calibrosos. É vascularizado pelos três ramos terminais da artéria retal superior, dois à
direita (um anterior e outro posterior) e um lateral esquerdo. Drena para o sistema portal pela veia retal superior,
tributária da veia mesentérica inferior.
Em 1963, Stelzner criou o termo “corpos cavernosos” para descrever essa estrutura angiocavernosa que constitui o
plexo hemorroidário interno do canal anal. Esses corpos cavernosos são sustentados, segundo Thomson, pelas fibras do
músculo liso localizado na submucosa do canal anal (descrito por Treitz em 1853) e que auxiliam, também, a fixá-los nessa
localização. Eles permanecem continuamente preenchidos com sangue e murcham apenas no ato evacuatório, para facilitar a
passagem das fezes, e, como consequência, também contribuem para a continência anal, em especial a gases e fezes líquidas.

Plexo hemorroidário externo


Situa-se no espaço subcutâneo do canal anal, abaixo da linha pectínea (distal), sendo vascularizado pelos ra-
mos terminais das artérias retais inferiores, e drena para a circulação sistêmica (veia cava inferior) pelas veias retais
inferiores, tributárias das veias pudendas e ilíacas internas. Ambos os plexos se comunicam, por apresentarem anas-
tomoses arteriovenosas entre si.
As teorias mais aceitas na etiologia das hemorroidas são: (1) dilatação anormal das veias do plexo he-
morroidário interno, uma trama de tributárias das veias hemorroidárias médias e superiores; (2) dilatação anor-
mal das anastomoses arteriovenosas, que se encontram na mesma localização dos coxins vasculares; (3) desloca-
mento para baixo ou prolapso dos coxins vasculares; (4) destruição do tecido conjuntivo de sustentação (estroma
de sustentação). As hemorroidas podem ser causadas por mais de um fator. Embora haja alguma evidência de que
as hemorroidas possam ser familiares, ainda não é conhecido se há um fator hereditário (vaso de parede mais
fraca, atróficos ou com suporte fibrocolagenoso defeituoso) ou se ocorrem por fatores ambientais (membros de
uma mesma família podem ter o mesmo hábito alimentar ou intestinal).
157
16 Doenças anorretais

Etiopagenia da doença hemorroidária


Hiperplasia vascular
Veia varicosa
Hemodinâmica
Doença degenerativa
Disfunção do esfíncter anal interno
Alteração mecânica
Predisposição genética
Tabela 16.1

Músculo longitudinal
Músculo levantador do ânus
conjunto
Coluna retal (Morgagni)

Profundo

Plexo hemorroidário interno


Esfíncter
Superficial Seio retal
externo

Muscular submucosa
Subcutâneo

Esfíncter Linha pectínea (denteada)


interno
Linha
interesfinctérica

Figura 16.1 Anatomia da região anal.

Pressão
diminuída
Pressão aumentada

Espaço
vascular

Linha
pectínea

Figura 16.2 Corpos cavernosos: esquema da submucosa do canal anal e o espaço vascular dos corpos cavernosos,
sob pressão aumentada e diminuída, contribuindo para a continência fecal.

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158
Coloproctologia

Aorta
Cólica esquerda
Mesentérica inferior

Sacral média Sigmoideas

Retal superior
(bifurcação)
Ilíaca interna

Pudenda interna
Retal média

Retal inferior

Figura 16.3 Circulação arterial de anorreto. Representação esquemática das principais artérias da região anorretal.

vaso sanitário ou em ambos. Ocasionalmente, a perda


Classi昀椀cação sanguínea pode ser acentuada a ponto de provocar
As hemorroidas são classificadas, por sua lo- uma anemia profunda. Dor não é um sintoma co-
calização, em externas, internas ou mistas; ou, por mum às hemorroidas, a menos que haja trombose,
seu grau de evolução, de primeiro, segundo, ter- ulceração ou necrose. A causa mais comum da dor é
ceiro e quarto graus. As hemorroidas externas origi- a fissura anal. Prolapso com redução espontânea ou
nam-se do plexo hemorroidário inferior e são recober- necessitando de redução manual é uma forma comum
tas por epitélio escamoso modificado. Elas ocorrem de apresentação das hemorroidas, mas em algumas
abaixo da linha pectínea e podem trombosar ou ulce- ocasiões elas são irredutíveis. Prurido anal é com fre-
rar. As hemorroidas internas originam-se acima da quência atribuído às hemorroidas, mas na maior par-
linha pectínea, do plexo hemorroidário superior,
te das vezes as hemorroidas mostram-se de volume
e são recobertas por mucosa. Hemorroidas mistas
médio ou pequeno. Isso explica por que, infelizmente,
(externas e internas) podem apresentar-se com pro-
pacientes que tenham sido submetidos a hemorroi-
lapso, trombose ou ulceração. Originam-se dos plexos
dectomia descobrem que os seus sintomas pregressos
hemorroidários superior e inferior com comunicação
persistem após a operação. O prurido anal é uma afec-
entre si e através de um plexo intermediário virtual.
ção de tratamento clínico, incluindo orientação dieté-
Nas hemorroidas de primeiro grau, as veias do tica, hábito intestinal, higiene anal e ocasionalmente
canal anal estão aumentadas em número e volume, medicação.
podendo eventualmente sangrar durante a evacuação.
Elas não apresentam prolapso, mas se projetam para Constipação não é um sintoma das hemorroidas,
dentro da luz do canal anal. As hemorroidas de segun- mas a evacuação pode ser dificultada quando existem
do grau exteriorizam-se durante a evacuação, retor- trombose ou gangrena com muita dor. Os pacientes
nando espontaneamente para dentro do canal anal, evitam o uso de toalete quando os sintomas hemor-
onde permanecem. Hemorroidas de terceiro grau ex- roidários são exacerbados pela evacuação, e isso pode
teriorizam-se com os esforços e necessitam de redução resultar em constipação intestinal.
manual. Hemorroidas de quarto grau são irredutíveis
e permanecem exteriorizadas.

Diagnóstico diferencial
Diagnóstico diferencial com as seguintes enfer-
Quadro clínico midades: procidência retal, papila anal hipertrófica,
A queixa mais comum dos pacientes portado- hemangiomas perianais, condiloma, plicomas, fissu-
res de hemorroidas é o sangramento. Este ocorre ra anal, processos infecciosos (criptites, papilites ou
geralmente durante ou imediatamente após a evacua- abscessos), doenças inflamatórias, tumores benignos
ção, exacerbando-se com o esforço ou evacuações fre- ou malignos do canal anal e tumores retais prolabados
quentes. O sangramento pode ser visível no papel, no benignos ou malignos.

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159
16 Doenças anorretais

e anti-inflamatório não hormonal por via sistêmica,


Tratamento deixando o tratamento cirúrgico radical definitivo
O tratamento da doença hemorroidária depen- para uma outra ocasião. No caso de uma trombose
derá de ela ser sintomática, do tipo e da gravidade des- única, deve-se evitar a simples trombectomia, mas
se sintoma e do grau de seu prolapso. realizar, se a opção for cirúrgica, a ressecção de todo
A doença hemorroidária que não ocasiona sin- o mamilo trombosado.
tomas ao paciente não necessita de tratamento es- Quando a dor se associa a uma fissura anal, a he-
pecífico, mas de cuidados higienodietéticos. Para o morroidectomia deve ser realizada, complementando-
sucesso do tratamento da doença hemorroidária, é -se o ato cirúrgico com uma esfincterotomia interna
fundamental que o médico tenha conhecimento ade- lateral parcial.
quado da sua fisiopatologia e de suas várias formas
de apresentação clínica, grande familiaridade com a
anatomia do canal anal, habilidade técnica e, sobre-
tudo, experiência e competência com as várias técni- Tratamento cirúrgico
cas de abordagem conservadora. O tratamento curativo da doença hemorroidária
sintomática é cirúrgico. No entanto, para a obtenção
de bons resultados, é necessária a combinação de uma
indicação cirúrgica criteriosa, de técnica operatória
Sangramento apurada e de cuidados pós-operatórios adequados.
Se ocasional e relacionado ao esforço de evacua- Vários métodos terapêuticos podem ser utiliza-
ção ou diarreia, deve ser tratado clinicamente, e este dos, desde os mais conservadores aos mais radicais. A
dirigido à causa do sangramento. Constipação intes- arte da proctologia é encontrar aquele mais adequado
tinal deve ser tratada com dieta apropriada, rica em para o tipo de doença hemorroidária a ser tratada e
fibras, eventualmente laxativos. Se o sangramento que melhor se aplique ao perfil de cada enfermo.
persistir apesar das medidas terapêuticas citadas, al-
guma forma de terapêutica intervencionista deverá O tratamento cirúrgico tem como objetivo rea-
ser utilizada. Se o paciente acha que o sangramento é lizar um procedimento que seja de execução simples,
secundário à hemorroida e não procura recursos mé- que acarrete nenhuma ou mínima dor, que permita
dicos, ou se o médico aceita esse diagnóstico sem uma uma evacuação fisiológica, de baixa morbidade e, se
investigação mais profunda, corre-se o risco de não se possível, nenhuma mortalidade, sendo de rápida recu-
fazer o diagnóstico de uma eventual neoplasia. Essa peração, possibilitando o precoce retorno às ativida-
situação tira as oportunidades de diagnóstico precoce des diárias, apresentando baixo custo e, de preferên-
e de tratamento adequado. cia, sem necessitar de hospitalização.

Escleroterapia
Prolapso
Na presença de mamilos hemorroidários inter-
Prolapso de hemorroidas, que se reduz esponta-
nos de 1º e 2º graus, um método muito utilizado é a
neamente ou que necessita de redução manual, pode
escleroterapia desses mamilos na submucosa do canal
frequentemente ser tratado por métodos alternativos
anal. É de realização simples, com boa eficácia quando
em caráter ambulatorial, os quais serão discutidos
bem indicado.
mais adiante. Se o prolapso é irredutível, ou o com-
ponente externo é muito exuberante, a ressecção Consiste na injeção perivasal de óleo fenolado a
radical é o tratamento cirúrgico de eleição. 5%, cranialmente ao mamilo, provocando sua fixação
à submucosa, por fibrose, o que impede a estase san-
guínea no plexo hemorroidário.
Hemorroidas internas sangrantes sem prolap-
Dor so constituem-se na melhor indicação para o trata-
Como já foi mencionado, a dor é geralmente se- mento esclerosante.
cundária a trombose hemorroidária acompanhada de
edema, ulceração ou necrose, e melhora espontanea-
mente quando o trombo é expelido devido à necrose.
Nessa situação, o paciente pode ser tratado cirurgica- Crioterapia
mente de modo definitivo, com uma ressecção radical Para o tratamento de mamilos hemorroidários
de todos os mamilos hemorroidários, ou clinicamen- internos de 1º grau, há a opção de realizar-se a crio-
te, de modo paliativo, com a utilização de calor local terapia (congelamento do mamilo), método ideali-
sob a forma de banhos, um creme heparinoide tópico zado por Fraser e Grill em 1967, em substituição à

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160
Coloproctologia

escleroterapia. É baseada no fato de que toda célula A incidência de complicações com esses méto-
submetida a um rápido e intenso congelamento tem dos ambulatoriais para tratamento das hemorroidas
solidificado seu líquido intracelular, que rompe a internas é pequena, sendo principalmente dor e san-
membrana celular, provocando sua destruição. Essa gramento.
técnica consiste na aplicação de nitrogênio líquido
sobre o mamilo hemorroidário interno, à tempera-
tura de 196º centígrados negativos, por meio de uma Doença hemorroidária interna: conduta
haste metálica, durante dois minutos, provocando 1º grau: Crioterapia ou fotocoagulação
sua necrose por congelamento.
2º grau: Fotocoagulação ou ligadura elástica
3º grau: Ligadura elástica
4º grau: Ligadura elástica ou hemorroidectomia ambu-
Fotocoagulação latorial
É um método muito prático e de feitura rápida Tabela 16.2
para a terapêutica dos mamilos hemorroidários inter-
nos de 1º e 2º graus, desenvolvido por Nath e colabo-
radores em 1977. Esse método também é denominado
infrared. Utiliza-se um aparelho de raios infraverme-
lhos que, aplicados na mucosa e na submucosa onde
Trombose hemorroidária
se encontra o mamilo hemorroidário, provoca sua ne- Alguns pacientes podem apresentar estase san-
crose pela evaporação dos líquidos intracelulares, con- guínea, aguda e volumosa nos plexos hemorroidários,
sequente à coagulação de suas proteínas. tanto externo quanto interno, que, com frequência,
evolui para um processo inflamatório endoflebítico,
Esses raios devem ser aplicados ao redor do ma-
desencadeando uma trombose hemorroidária.
milo interno, como uma coroa em seu ápice, produzin-
do vários pontos de necrose e ocasionando a fibrose da
submucosa, o que impedirá o aporte sanguíneo a esse
plexo vascular.
Os raios infravermelhos são gerados neste apa-
relho por uma lâmpada halógena de wolfrânio, ali-
mentada com 15 volts, que se enfoca por meio de um
refletor elipsoide, e o calor gerado em sua extremidade
atinge 100º centígrados positivos na mucosa e 60º po- Plexo interno
sitivos na submucosa. A recomendação é fazer três a
quatro sessões com intervalo de duas semanas. Trombose
hemorroidária

Plexo externo
Ligadura elástica
É método de feitura bastante simples, seguro, Figura 16.4 Trombose hemorroidária. Representação
de baixo custo e o mais utilizado para tratamento de esquemática do processo inflamatório tromboflebítico
mamilos hemorroidários internos de 2º e 3º graus. no canal anal.
Em alguns casos selecionados, poderá ser utilizado,
também, em mamilos de 4º grau. A ligadura elástica
foi idealizada por Blaisdell, em 1954, e largamente di-
fundida por Baron a partir de 1962.
Qulalquer paciente que tenha hemorroidas in-
ternas que se manifestem por sangramento e com
prolapso por excesso de mucosa tem indicação de tra-
tamento por ligadura elástica.
Consta de um aparelho aplicador de anéis de
borracha que traciona o mamilo hemorroidário para
dentro dele, permitindo colocar em sua base esse anel
elástico, sempre acima da linha pectínea, provocando
sua necrose por isquemia e queda em sete a dez dias.
Repete-se a cada duas semanas, com uma ligadura por
vez, em um total de 3-4 aplicações.

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161
16 Doenças anorretais

O tratamento da trombose das hemorroidas in-


ternas não é tão satisfatório como o das externas. Fe-
lizmente, no entanto, dor não é uma queixa frequente
porque elas estão localizadas acima da linha pectínea.
A excisão da hemorroida interna requer uma instru-
mentação maior, bem como uma infiltração local mais
adequada, além da hemostasia completa por sutura,
uma vez que compressão local não pode ser exercida
nessa região.
Recomendam-se banhos em água morna no pós-
-operatório, associados a um analgésico por via sis-
têmica, e eventualmente um creme anestésico, bem
Figura 16.5 Trombose hemorroidária. Presença de
como agentes formadores de massa, para que as eva-
extensos processos inflamatórios endoflebíticos, com
cuações sejam mais fáceis.
intenso edema local.
Caso o paciente apresente outras patologias as-
sociadas, como fissuras, plicomas exuberantes, papilas
Quando a trombose hemorroidária é extensa, hipertróficas etc., recomenda-se uma cirurgia radical
também pode ser chamada de pseudoestrangulamen- em ambiente hospitalar.
to hemorroidário. Caracteriza-se por apresentar, além
do processo inflamatório endoflebítico, intenso ede-
ma e necrose. Sem tratamento correto, pode evoluir
para ulceração e dor intensa da região afetada. Hemorroidas gangrenadas
Seu aparecimento é rápido e abrupto. Causa, O paciente que se apresenta com hemorroidas
frequentemente, dor local intensa, contínua e late- gangrenadas, com dor anal severa e debilitante, ne-
jante, que impede as atividades normais dos enfer- cessita de tratamento médico de urgência, e se possí-
mos. Há também importante edema local e sensação vel da hemorroidectomia nas primeiras 24 horas. Os
de tenesmo retal. Poderá haver secreção perianal com sintomas mais comuns são: dor, edema, sangramento,
mau cheiro associado ou não ao sangramento do ma- secreção fétida e dificuldade para evacuar. Antes da
milo trombosado e provocar dificuldade evacuatória e crise hemorroidária é comum a história de prolapso
até mesmo retenção urinária. recorrente. O exame proctológico com anuscopia e re-
Caso o paciente seja visto dentro das primeiras 24 a tossigmoidoscopia mostra hemorroidas edemaciadas,
48 horas da ocorrência da trombose externa, esta poderá trombosadas e irredutíveis.
ser ressecada, porém nunca incisada para a retirada do Quando no ambulatório ou consultório, o pa-
trombo. A incisão frequentemente causa hemorragia no
ciente pode ser submetido a uma anestesia perianal
tecido subcutâneo e formação de novo trombo. A região
com uma solução a 0,5% de bupivacaína (marcaína)
é infiltrada com anestésico local da preferência do cirur-
com 1:200.000 U de adrenalina, adicionando-se 200
gião (por exemplo, solução a 0,5% de bupivacaína com
1:200.000 U de epinefrina). A hemorroida trombosada a 400 NF unidades de hialuronidase. São realizadas
é ressecada com uma pequena borda de pele. O sangra- uma infiltração subcutânea circunferencial do ânus
mento é controlado por compressão ou cauterização e ao e quatro infiltrações profundas no espaço interes-
final utiliza-se um pequeno curativo. O paciente é orien- fincteriano em cada quadrante, complementando-
tado para manter o curativo no local por algumas horas; -se com uma anestesia perianal total. Durante as
em seguida este é removido, e iniciam-se os banhos em infiltrações profundas, deve-se introduzir um dedo
água morna. Caso haja algum sangramento, este é facil- no reto para evitar perfurações com a agulha para
mente controlado com um curativo local. A ferida geral- a luz do intestino. Deve-se, também, ter o cuidado
mente cicatriza em sete a dez dias. para não haver perfurações para a vagina, próstata
ou uretra durante a infiltração do quadrante ante-
rior. Após alguns minutos, quando o anestésico já
Quadro clínico da trombose hemorroidária estiver agindo, realiza-se leve massagem sobre as
Dor local intensa hemorroidas gangrenadas, obtendo-se uma redução
Aparecimento abrupto dos mamilos. As nádegas são aproximadas com es-
Sangramento paradrapo, e o paciente tem um alívio da sintomato-
Edema e secreção perianal logia, devendo então ser encaminhado ao hospital
Tenesmo retal para uma hemorroidectomia radical definitiva no
Tabela 16.3 dia seguinte.

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162
Coloproctologia

A posição de Buie é obtida colocando-se o enfer-


Tratamento cirúrgico: mo em decúbito ventral e com a flexão de suas coxas
sobre o seu abdome, com elevação da pelve por meio
hemorroidectomia de coxim e tração de suas nádegas, por duas tiras de
esparadrapo. Essa posição possibilita uma excelente
Para os enfermos que apresentam mamilos he- exposição da região perianal e do canal anal.
morroidários externos ou mistos, a melhor opção
curativa é a hemorroidectomia. Esse procedimento
pode ser realizado em ambulatório ou com o paciente
hospitalizado. Técnica aberta
Durante a dissecção dos mamilos hemorroi- Existem várias técnicas descritas para a hemor-
dários é importante a correta delimitação do plano roidectomia denominada aberta. Seu princípio básico
anatômico entre eles e o esfíncter anal interno, pois é a excisão do mamilo hemorroidário com ligadura do
sua lesão poderá acarretar graus variáveis de incon- seu pedículo vascular, mantendo-se a área de dissecção
tinência fecal. aberta para a sua cicatrização por segunda intenção.
O uso rotineiro da esfincterotomia é preconiza- A descrita por Milligan e Morgan, em 1937, é a
do por alguns autores, por julgarem que haverá me- mais utilizada pelos cirurgiões. Após o toque digital
nor dor pós-operatória pela diminuição do espasmo suave para dilatação do ânus, introduz-se a valva anal
muscular. Essa não é a experiência geral e, por isso, (Pintanga) e, com pinça de Kelly, tracionam-se as regi-
alguns só executam esse procedimento nos casos em ões cutaneomucosas onde estão os mamilos hemorroi-
que há hipertonia esfincteriana pela concomitância dários mistos para sua exposição e eversão. A seguir,
de fissura anal. faz-se a dissecção cuidadosa de cada mamilo, na dire-
ção da pele à mucosa do canal anal, interessando a pele
e o tecido celular subcutâneo com auxílio de tesoura
ou bisturi a frio, elétrico, ultrassônico ou a laser. Essa
Pré-operatório dissecção tem, em geral, o formato de raquete ou de
triângulo, cuja área cruenta será submetida a rigorosa
Após avaliação clínica criteriosa, exame procto- hemostasia. Atingida a mucosa, procede-se à ligadu-
lógico completo e exames laboratoriais individuali- ra do pedículo hemorroidário com ponto transfixante
zados (os essenciais são: hemograma, tempo de san- de fio absorvível sintético (ácido poliglicólico) nº 000,
gramento e coagulação), orientar o paciente sobre a removendo em seguida o mamilo. Esse procedimen-
escolha do procedimento, o tipo de anestesia e o local to é repetido para cada mamilo hemorroidário a ser
de sua realização (em ambulatório ou hospital). Profi- ressecado. As feridas operatórias são deixadas abertas
laxia com antibiótico é recomendada. para cicatrização por segunda intenção. O tempo de
cicatrização é de aproximadamente quatro semanas.
Um princípio técnico é fundamental na hemor-
roidectomia aberta: a manutenção de pontes cutane-
Anestesia omucosas intactas entre os locais de excisão dos ma-
A melhor e mais segura é a anestesia regional por milos (áreas cruentas) e evitar-se a retirada excessiva
bloqueio peridural ou intradural lombar. Essa aneste- de anoderma, pois dessa maneira o risco de estenose
sia raquidiana é, certamente, o método mais emprega- pós-operatória é minimizado.
do, podendo ser usada, inclusive, na cirurgia ambula-
torial. Suas desvantagens em relação à anestesia local
são a incidência maior de complicações, tais como ce-
faleia, retenção urinária etc., e a necessidade de recu- Técnica fechada
peração pós-anestésica por seis a oito horas. Seu princípio é o fechamento das feridas opera-
tórias com sutura contínua, tendo como vantagens a
cicatrização mais rápida (duas semanas), pouca secre-
ção local e a menor incidência de defeitos cicatriciais.
Posição cirúrgica do paciente Foi idealizada por Ferguson em 1959. Nela a
A exposição do canal anal é fundamental para a incisão, a dissecção e a excisão dos mamilos hemorroi-
realização da hemorroidectomia, daí a sua importân- dários são feitas de modo semelhante à técnica aber-
cia. O enfermo poderá ser colocado na posição clássica ta. A ferida operatória é em seguida fechada por meio
de litotomia, a descrita por Buie ou a de Sims. A posi- de sutura contínua, tipo chuleio, de fio absorvível
ção de Sims é a de preferência para a cirurgia realizada sintético (ácido poliglicólico) nº 0000. Durante essa
em ambulatório e a de Buie, para a hospitalar. sutura envolve-se o músculo subjacente com o obje-

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163
16 Doenças anorretais

tivo de evitar a formação de espaço morto, ajudando Essa técnica é repetida para cada um dos outros
a prevenir a deiscência da sutura durante a evacuação, mamilos hemorroidários existentes. Terminado o pro-
porém com a possibilidade de poder aumentar a dor cedimento, faz-se a dilatação digital suave do canal
pós-operatória. Quando se emprega a técnica fechada, anal. A ferida operatória é protegida com gaze untada
deve-se fazer o uso rotineiro da antibioticoprofilaxia em pomada analgésica.
com gentamicina (160 mg). O período médio de hospitalização, nesses ca-
sos, é de 24 horas. Os resultados pós-operatórios têm
apresentado baixa morbidade, nenhuma mortalidade,
defecação fisiológica precoce, rápida cicatrização da
Técnica semifechada ferida operatória (média de 14 dias) e precoce retorno
Essa técnica foi descrita por Obando-Reis do paciente às atividades normais.
Neto em 1972. Seus tempos operatórios são:
€ assepsia de toda a área cirúrgica com solução de
PVPI (composto de polivinil pirrolidona-iodo) Hemorroidectomia
seguida de dilatação anal suave, identificação e
estudo pormenorizado dos mamilos hemorroi- ambulatorial
dários a serem ressecados; A hemorroidectomia ambulatorial poderá ser
€ exposição de um dos mamilos internos a ser tra- efetuada em clínicas médicas especializadas, desde
tado com a introdução da valva anal, untada em que devidamente equipadas e adequadas para a sua
vaselina, e reparo desse mamilo com pinça, pró- realização de acordo com as normas exigidas pelo Con-
ximo à linha pectínea, com tração para melhor selho Federal de Medicina (nº 1409/94).
visão do plexo interno;
€ aplicação de um ponto, com fio absorvível sin- Normas do CFM para realização de
tético (ácido poliglicólico) nº 00, em agulha cur- cirurgias ambulatoriais
va atraumática, internamente, interessando a € adequadas condições estruturais da clínica e da sala
mucosa e a submucosa, sagitalmente ao eixo do cirúrgica, em especial com assepsia e antisepsia;
canal anal, a cerca de 3 mm a 4 mm acima da € tipo de anestesia a ser utilizado (local ou bloqueio), com
linha pectínea; aposição de dois ou três pontos a necessidade da presença ou não de um anestesista;
idênticos, equidistantes, em direção caudocefá- € rigoroso cuidado na avaliação para a alta do enfermo
lica, devendo o último se situar cerca de 3 cm após o tratamento;
da linha pectínea, amarrando-se os fios à medi- € obrigatoriedade de o paciente estar acompanhado
da que for sendo feita a aplicação; incisão entre de um adulto responsável;
esses pontos apodados, interessando a mucosa, € viabilidade e segurança de seu transporte até sua re-
com a finalidade de bloquear a circulação colate- sidência;
ral e evitar a congestão dos tecidos entre estas; € observância de assistência médica durante as 24
horas, nos dias de pós-operatório mediatos ao tra-
€ depois, realiza-se a ressecção do plexo externo,
tamento;
que deve iniciar entre o primeiro ponto aloca-
do para o tratamento do plexo interno e a linha
€ suporte hospitalar na eventualidade de internação.
pectínea, interessando inicialmente a mucosa e, a Tabela 16.4
seguir, a pele e o tecido celular subcutâneo, com
exérese de um segmento mucocutâneo, de forma-
to elipsoide, englobando todo o mamilo externo e Técnica para hemorroidectomia
a linha pectínea com a cripta anal correspondente;
ambulatorial aberta
€ a extensão dessa ferida externa é, a seguir, di-
minuída pelo seu semifechamento por meio de Consiste na ressecção do mamilo hemorroidário
sutura contínua, tipo chuleio, realizada com externo ou misto por meio de bisturi diatérmico ou,
fio absorvível sintético nº 0000, em agulha mais recentemente, pelo uso do laser cirúrgico de CO2
curva atraumática, iniciada em uma das bor- com raios infravermelhos (10,6 µm) de ondas contí-
das da mucosa seccionada e prolongando-se nuas (0,5 ~ 20 W), permanecendo a ferida externa
pela pele, dando volta na incisão e terminando aberta até sua cicatrização.
na borda da mucosa oposta. A borda cutânea é
tracionada, sem tensão, para o centro da feri-
Nessas técnicas, tanto a diatérmica quanto a com
da externa, a fim de permitir a fixação da pele, laser de CO2, faz-se a ressecção de ambos os plexos
reduzindo-se a ferida cutânea a um pequeno hemorroidários, externo e interno, produzindo uma
leito de drenagem. Finalmente, as extremi- cauterização superficial, com hemostasia rigorosa do
dades desse fio de sutura são amarradas para leito cirúrgico, permanecendo a ferida aberta para a
aproximar as bordas da ferida. sua cicatrização por segunda intenção.

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164
Coloproctologia

Está indicada para os portadores de hemorroidas


Técnica para hemorroidectomia
internas de 3º e 4º graus e contraindicada nos enfer-
ambulatorial fechada mos com trombose hemorroidária. Deve-se enfatizar
Faz-se a ressecção do mamilo hemorroidário que essa técnica não apresenta bons resultados nos
misto com fechamento imediato da ferida externa, pacientes portadores de doença hemorroidária exter-
com ligadura do pedículo vascular interno. Nessa na e de plicomas. o alto custo do grampeador é tam-
técnica efetua-se a ressecção dos plexos hemorroi- bém o fator limitante desta técnica.
dários, externo e interno, no sentido da pele peria-
nal em direção à mucosa do canal anal, em uma feri-
da cirúrgica de configuração elipsoide, podendo-se
utilizar tesoura, bisturi de lâmina fria ou bisturi a Pós-operatório das
laser de CO2. hemorroidectomias
A ligadura do pedículo vascular interno pode ser Nos enfermos submetidos à hemorroidectomia am-
realizada de duas maneiras: bulatorial com anestesia local, a alta é dada, de imediato,
€ por meio da colocação de dois anéis de borracha, 30 a 60 minutos após sua recuperação e orientação.
iguais aos utilizados para a ligadura elástica; ou Para analgesia, indicamos anti-inflamatório
€ por meio de um ponto transfixante, com fio ab- não hormonal de administração local e/ou parente-
sorvível sintético nº 00. ral, podendo ser suplementado com opiáceos quando
Faz-se, a seguir, o fechamento dessa ferida exter- necessário. Indicamos a ingestão de dieta rica em fi-
na, com fio absorvível sintético (ácido poliglicólico) nº bras e auxiliares da evacuação, como folhas de sene e
0000, em sutura contínua, tipo chuleio, iniciando-se semente de plantago. Para os pacientes que não defe-
na mucosa da base do pedículo vascular, previamente cam em 48-72 horas, após avaliação, indica-se enema
evacuatório.
ligado, e terminando na pele perianal.
O curativo deverá ser feito de três a quatro vezes
Os resultados pós-operatórios com ambas as téc-
ao dia, constando de banhos de assento com água mor-
nicas ambulatoriais de hemorroidectomia são muito
na e uso local de pomada analgésica e anti-inflamatória.
bons, com mínima morbidade, rápido retorno do en-
fermo às suas atividades diárias e com ótima aceitação
dos pacientes. Complicações da hemorroidectomia
O período de cicatrização, porém, é maior para Dor
o procedimento da ressecção diatérmica (média de 25 Sangramento
dias) quando comparado à feita por meio do bisturi a Fecaloma
laser de CO2 (média de 17 dias) ou por qualquer méto- Retenção urinária
do quando a ferida externa é fechada por pontos (mé- Estenose anal
dia de 14 dias). Fissura anal
Infecção da ferida operatória
Tabela 16.5

Hemorroidectomia por
grampeamento Hematoma perianal
O cirurgião Antonio Longo, da Universidade de
Palermo, em 1993, idealizou essa técnica de hemor- O hematoma perianal é uma coleção sanguínea sub-
cutânea (extravasal) decorrente da ruptura de um ou mais
roidectomia. Ela objetiva reduzir o prolapso hemor-
vasos da pele perianal, associado a trauma local, constipa-
roidário mediante a excisão de uma faixa transversal
ção intestinal, crise de diarreia e esforço evacuatório.
de mucosa localizada cerca de 4 cm acima da linha
pectínea, entre a ampola retal e o canal anal proxi- Os hematomas ficam confinados ao anoderma,
mal, com anastomose mucomucosa mecânica. Com não ultrapassando a linha pectínea em direção à mu-
essa técnica faz-se a interrupção das ramificações cosa do canal anal.
terminais das artérias hemorroidárias, com conse- É uma das doenças anorretais mais comuns,
quente redução do fluxo sanguíneo para os corpos ca- apresentando alta incidência em todas as faixas etá-
vernosos e ressecção do prolapso mucoso, eliminan- rias e sem preferência quanto ao sexo. Têm apareci-
do, pelo menos teoricamente, os principais fatores mento abrupto, caracterizado pela presença no ano-
envolvidos nos sintomas da doença hemorroidária. derma do canal anal de um ou mais nódulos dolorosos
Como esse local tem poucos receptores sensitivos, a de tamanhos variados e que, na sua maioria, têm a
dor pós-operatória é discreta. coloração azulada.

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165
16 Doenças anorretais

Etiologia dos hematomas perianais Para tratamento clínico, prescrevem-se banhos


de assento mornos, analgésicos e anti-inflamatórios
€ constipação intestinal
tópicos e orais, correção da higiene anal e auxiliares
€ diarreia da evacuação.
€ esforço evacuatório
Os nódulos maiores, com dor anal intensa e que
€ exercícios físicos exagerados
não diminuem em 48 horas, devem ter tratamento ci-
€ maus hábitos higiênicos, como a limpeza anal com rúrgico. A excisão do hematoma perianal poderá ser
papel feita em regime ambulatorial, sob anestesia local, por
Tabela 16.6 meio de incisão elíptica na pele do hematoma, com exé-
rese completa dos coágulos e fechamento da ferida com
fio absorvível sintético (ácido poliglicólico) nº 0000.
Quadro clínico As complicações pós-operatórias são raras, os
A dor local é o principal sintoma, de aparecimen- cuidados da ferida cirúrgica são simples (limpeza local
to abrupto, com intensidade variável, frequentemente e uso de pomada analgésica tópica) e a recuperação do
contínua e que raramente se altera com a evacuação. enfermo é rápida.
Essa dor costuma permanecer por dois a três dias con-
secutivos, quando então tende a diminuir, concomi-
tante à dissolução do hematoma, que acaba por desa-
parecer após sete a dez dias.
Fissura anal
Os hematomas perianais, em especial os com nó-
dulos maiores que 2 cm, permanecem, em geral, por Fissura anal é uma laceração da pele que recobre o
um período maior e, após se dissolverem, podem re- canal anal e que se estende da linha pectínea até a ano-
sultar em um excesso de pele perianal, denominado cutânea. É caracterizada por dor severa, sangramento
plicoma residual. vivo, e atinge igualmente ambos os sexos, em especial
Às vezes, pode ocorrer ulceração da pele que re- os adultos jovens. Se não for tratada adequadamente,
cobre o hematoma, e essa ruptura provoca a elimina- alcançará uma forma crônica associada a um desconfor-
ção espontânea dos coágulos extravasais, aliviando de to evacuacional desproporcional ao tamanho da lesão.
imediato seus sintomas. Esse sangramento perianal,
no entanto, pode preocupar o paciente, fazendo-o pro-
curar orientação médica.
Etiopatogenia
A etiologia da doença fissurária, embora contro-
versa, apresenta vários fatores que são causais, desen-
Diagnóstico cadeantes e agravantes.
A anamnese é bem característica, com o paciente A fissura está diretamente relacionada à consti-
referindo a presença de um ou mais nódulos doloro- pação com evacuação de fezes endurecidas. Existe uma
sos na região perianal, de aparecimento abrupto. À solução de continuidade no anoderma após o trauma
inspeção estática observam-se um ou mais nódulos, evacuatório, desencadeando uma reação inflamatória
dolorosos ao toque, de tamanhos variados, em geral local, espasmo esfincteriano, principalmente do es-
de cor azulada. fíncter interno. As evacuações subsequentes agravam
O exame proctológico deverá ser completo, embo- o quadro, perpetuando a dor, a reação inflamatória e,
ra, em alguns enfermos, a dor o impeça. Nesses casos, principalmente, o espasmo esfincteriano, impedindo a
ele deverá ser completado após a melhora dos sintomas. cicatrização espontânea da fissura. Em estudos da mi-
A realização da retossigmoidoscopia é impor- crocirculação do canal anal, verificou-se uma diminui-
tante para avaliar a concomitância de outras doenças ção de fluxo sanguíneo na linha média posterior, agra-
anorretais. vado quando há espasmo no esfíncter interno, levando
a uma isquemia local e consequente dificuldade de ci-
catrização. Ocorre igualmente em homens e mulheres,
mais frequentemente em adultos jovens. Localiza-se
Tratamento mais na linha média posterior do canal anal, sendo que
Pela tendência dos hematomas perianais de dis- a linha média anterior é mais acometida em mulheres.
solverem-se ou romperem-se espontaneamente, seu No homem, 99% ocorrem na linha média poste-
tratamento é conservador, objetivando a diminuição rior e na mulher 90% ocorrem nesta localização e 9%
da dor local e a eliminação do nódulo (hematoma), evi- na linha média anterior. Somente 1% ocorre fora da
tando sua recidiva. linha média anterior ou posterior.

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166
Coloproctologia

Quadro clínico
A dor é o principal sintoma, sempre de grande
intensidade, aguda no momento da evacuação, po-
dendo permanecer por minutos ou horas. A dor que
se mantém após a evacuação tem uma característica
latejante ou ardente, levando muitos pacientes a um
desconforto desproporcional ao tamanho da lesão.
A presença de sangramento anal vivo, produ-
zido pelo trauma da lesão durante a passagem das
fezes, é demonstrada por meio de algumas gotas no
vaso sanitário ou pela cor avermelhada presente no
papel higiênico. Figura 16.6 Lesão fissurária da doença de Crohn: le-
Raramente é de grande intensidade, mas, associada são ulcerada do canal anal com bordas definidas e ele-
à dor, costuma levar os pacientes a um consultório médi- vadas de localização posterolateral esquerda.
co. A infecção secundária das fissuras promove a drena-
gem de secreção anal, que poderá ser causa desencadean-
te de prurido ou ardência da pele perianal. A criptite e a
O exame digital do ânus é, também, muito do-
infecção da glândula de Chiari correspondente poderão
loroso, e o toque retal, com frequência, só é possível
originar o aparecimento de pequeno abscesso local, que
após analgesia local. Ao realizá-lo, deve-se observar a
normalmente drena espontaneamente, provocando o
presença ou não de papila hipertrófica e verificar a in-
aparecimento de fístula anal em linha média posterior,
tensidade do espasmo esfincteriano.
com aumento da drenagem purulenta.
É importante lembrar que o exame proctológi-
A obstipação intestinal está frequentemente as-
co completo deve sempre ser realizado na procura
sociada à fissura anal, e, pelo medo da dor, muitos pa-
de enfermidades anorretais associadas, especial-
cientes evitam voluntariamente o ato da defecação, o
mente nos pacientes idosos, porém após analgesia
que às vezes provoca a formação de fecalomas.
local ou posteriormente, quando da melhora do
quadro doloroso.
Quadro clínico da fissura anal
Dor anal Diagnóstico diferencial com a fissura anal
Obstipação intestinal
Sangramento anal € carcinomas do canal anal
Irritação perianal € ulcerações sifilíticas primárias
Infecção local € lesões resultantes de enfermidades inflamatórias in-
Tabela 16.7 testinais inespecíficas, tais como a retocolite ulcera-
tiva e a doença de Crohn
€ lesões hepáticas
€ ulcerações tuberculosas
Diagnóstico € prurido anal
O diagnóstico da fissura anal é, em geral, fácil e Tabela 16.8
simples. Na anamnese, a queixa de dores anais intensas,
durante e/ou imediatamente após a defecação, do tipo
latejante e/ou em queimação, já permite essa suspeição.
Mediante o afastamento das nádegas e da expo-
sição cuidadosa do canal anal para inspeção, observa-
Tratamento clínico
-se lesão ulcerada no anoderma, de forma elíptica,
medindo, em geral, de 1 cm a 2 cm de extensão, em Esfincterotomia química
seu maior eixo longitudinal. Pode haver associação
ou não do plicoma sentinela. A fissura anal, em geral,
€ Óxido nítrico
é única. Nos casos em que são múltiplas ou quando € Nifedipina
está localizada fora da linha média, deve-se procu- € Indoramina
rar e/ou afastar sua relação com o quadro clínico de € Toxina botulínica
afecções sistêmicas de manifestação no canal anal,
tais como a doença de Crohn. Tabela 16.9

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167
16 Doenças anorretais

Óxido nítrico Cirurgia


Foi estudado por O’Kelly e cols., em 1994, de- Nas fissuras anais crônicas, além de todas as me-
monstrando ser ele o neurotransmissor que medeia o didas já citadas, o tratamento cirúrgico é responsável
reflexo inibitório retoanal. pela cura de mais de 90% dos pacientes, mas com risco
de aparecimento de incontinência anal.
Com esse efeito, tem-se empregado seu uso
para a esfincterotomia química, em especial nas fis- O tratamento cirúrgico das fissuras anais é ba-
suras agudas. Utiliza-se a pomada tópica de gliceril seado na secção das fibras do esfíncter interno e leva
trinitrato (GTN) a 0,2%, duas vezes ao dia, por no a índices de cura que atingem 90 a 98%. O resultado
mínimo quatro semanas, ou a aplicação local, três ve- é imediato, ao contrário da esfincterotomia química,
que necessita de seis a oito semanas para obter índices
zes ao dia, também durante quatro semanas, de solu-
de cura em torno de 65%.
ção cremosa com dinitrato de isossorbida a 1 ou 2%,
diluída em vaselina.
O óbice desse tratamento é a cefaleia, de mode-
rada a intensa, que incide em aproximadamente 30% Es昀椀ncterotomia posterior
dos pacientes, e a hipotensão ortostática, que pode É realizada no próprio leito da fissura anal. A
ocorrer em até 5% dos casos. Ambas melhoram so- técnica descrita por Eisenhammer, em 1951, con-
mente com a suspensão do uso da droga. Esse fato tem siste em seccionar-se o músculo esfíncter interno do
desencorajado seu uso rotineiro. ânus por meio de uma incisão na linha média da pa-
rede posterior do canal anal, diretamente no leito da
fissura, deixando a ferida aberta para cicatrização por
segunda intenção.
Nifedipina
A administração da nifedipina oral, um blo-
queador dos canais de cálcio, também diminui a Es昀椀ncterotomia lateral
pressão anal, podendo levar à cura da fissura anal.
Essa técnica preserva a ferida fissurária, reali-
É utilizada na dose de 20 mg, duas vezes ao dia, por
zando a esfincterotomia anal na região lateral do ânus.
oito semanas.
A técnica descrita por Parks, em 1975, consiste na
secção parcial do músculo esfíncter anal interno, por
meio de uma incisão de 2 cm de extensão, na pele da
Toxina botulínica região posterolateral esquerda do canal anal, distante
cerca de 2 cm a 3 cm da linha pectínea, e, sob visão
Essa toxina provoca uma denervação química direta, faz-se a esfincterotomia, em uma extensão de
do esfíncter anal interno, impedindo sua contração 1 cm a 2 cm, com posterior fechamento da pele com
efetiva e permitindo a cura da fissura. É administra- pontos de fio absorvível sintético nº 0000.
da por meio de injeções com 20 U de toxina botulíni-
Outra técnica de esfincterotomia lateral foi pro-
ca (volume total de 0,4 mL) dentro do esfíncter in-
posta, originalmente, por um cirurgião brasileiro, Mil-
terno, em uma única sessão. Essa técnica não requer
ton César Ribeiro, que publicou sua primeira experi-
hospitalização e é bem tolerada. Suas vantagens são
ência com esta técnica em 1958, com 398 pacientes.
a ausência dos riscos inerentes aos procedimentos Ele propôs a realização de uma pequena incisão (0,5
cirúrgicos e a incidência reduzida de incontinência, cm) na pele, também localizada na região posterola-
que, quando ocorre, é transitória, desaparecendo por teral esquerda do ânus, pela qual o cirurgião aborda o
volta de seis meses. músculo esfíncter interno do ânus “às cegas”.
O músculo esfincteriano é identificado por meio
do toque do dedo indicador da mão esquerda, que re-
Indoramina conhece, também, o degrau existente entre os esfíncte-
res interno e externo do ânus. Após essa identificação,
A ação do esfíncter anal interno é estimulada realiza-se a secção do esfíncter anal interno, por meio
pela inervação simpática dos alfa-adrenoceptores. Sua de bisturi de lâmina fria ou de tesoura. O leito fissurário
inibição pelo uso de seu antagonista, a indoramina, não é atingido e sua cicatrização acontece entre oito e
em dose única de 20 mg, poderá provocar o relaxa- catorze dias depois. A técnica da esfincterotomia la-
mento esfincteriano pela diminuição da pressão do teral, por ser fechada, tem a vantagem de proporcio-
canal anal e a cura da fissura. Estudos nesse sentido nar maior conforto ao paciente, rápida cicatrização,
foram realizados por Pitt e cols. menos dor e ausência de secreção mucosa.

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168
Coloproctologia

Em enfermos com fissura anal crônica, utiliza- existente entre o esfíncter anal interno e o esfíncter
-se essa intervenção, em ambulatório, sob anestesia extremo; são em número de oito a doze, e seus ductos
local, com acesso anal em região lateral esquerda, desembocam nas bases das criptas anais. Pelos seus
subcutaneomucosa, sem remoção da lesão fissurária. ductos é que ocorre a contaminação glandular, origi-
Apresenta baixa incidência de dor e complicações pós- nária de uma criptite preexistente.
-operatórias e há precoce retorno do paciente às suas
atividades diárias.

Incidência
Crioterapia A maior incidência é no grupo etário entre 30 e
50 anos de idade, com predominância no sexo mascu-
Outra opção, mais recente, que temos utilizado, lino, provavelmente pelos melhores cuidados higiêni-
com bons resultados, é a “esfincterotomia física”, na cos utilizados pela população feminina e maior ativi-
qual fazemos o congelamento do leito fissurário com dade física dos homens.
nitrogênio líquido a 196ºC abaixo de zero, durante
dois minutos. A crioterapia produz uma esfincteroto-
mia anal interna parcial por agente físico e promove a
cicatrização da lesão fissurária em, aproximadamente, Classi昀椀cação
duas semanas.
Os abscessos são classificados conforme a sua
localização nos espaços anorretais. De acordo com a
classificação de Eisenhammer e modificada por McE-
Fissurectomia e es昀椀ncterotomia lwain et al., os abscessos são divididos em perianais,
submucosos, interesfincterianos altos, interesfincte-
A esfincterotomia anal interna, associada à fis-
rianos baixos e isquiorretais. Os abscessos retrorre-
surectomia (excisão da ferida fissurária), foi descrita
tais e pararretais são extensão dos interesfincterianos
por Gabriel, no início do século passado (1919). Está
altos. O abscesso mais comum é o perianal.
indicada somente na fissura anal infectada, em que
é necessário realizar-se a remoção da lesão fissurária
e do tecido infectado circundante, incluindo a região Criptite
afetada das criptas anais, permanecendo a ferida ci- Trauma na cripta anal = infecção
rúrgica aberta para cicatrização por segunda intenção,
semelhante ao tratamento dos abscessos perianais.
Abscesso anorretal
Contaminação da glândula anal

Pós-operatório das
es昀椀ncterotomias Fístula anorretal
Drenagem do abscesso = fase crônica
O pós-operatório é conduzido com anti-infla-
matórios administrados por via oral, mucilagens e/ou Figura 16.7 Etiopatogenia das afecções criptoglandulares.
fibras e cuidados locais com banhos de assento com
água morna, pomada anti-inflamatória e analgésica,
além da proibição do uso de papel higiênico para lim-
peza local, da ingestão de bebidas alcoólicas e de ali-
mentos condimentados.

Abscesso anal
Os abscessos e as fístulas anais podem ser con-
siderados dois estágios diferentes de uma mesma do-
ença no que concerne à sua etiologia; na maioria das
vezes, a fístula é consequência de um abscesso, e este
Figura 16.8 Classificação de abscessos anorretais de
se origina no canal anal, mais precisamente em uma
acordo com McElwain: A: submucosa. B: interesfincte-
cripta anal. As glândulas anais localizam-se ao redor
riano alto. C: interesfincteriano baixo. D: isquiorretal.
do canal anal, no nível da linha pectínea, no espaço
E: perianal.

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16 Doenças anorretais

Os abscessos suora-elevadores podem ser sub-


Perianais divididos em quatro subtipos: retro-retal, retovesical,
São os mais comum, respondendo por 40 a 45% retroperitoneal e pelvirretal.
dos casos, e situam-se superficialmente no espaço pe-
rianal. No exmae físico, são facilmente identificados
por abaulamento doloroso, hiperemia e flutuação na
margem perianal. Submucosos
São coleções localizadas no plano submucoso,
decorrentes da migração do processo infeccioso em di-
reção à luz intestinal, através do esfíncter interno do
Isquiorretais ânus. São pouco frequentes, com incidência que varia
Ocorrem quando a coleção purulenta ocupa o de 0,5 a 3%.
espaço delimitado pela canal anal e parte inferior do
reto medialmente, e pela parede pélvica lateralmente.
O ápice do espaço isquiorretal é representado pela ori-
gem do músculo elevador do ânus na fáscia obturado- Etiologia e patologia
ra, e sua base é o espaço perianal. Representam cerca A grande maioria dos abscessos é devida à in-
de 20 a 25% dos casos e, por causa da comunicação fecção nas glândulas anais, as quais se localizam nas
posterior entre as fossas isquiorretais, podem se pro- criptas anais (teoria criptoglandular). A obstrução dos
pagar para o lado oposto, dando origem aos abscessos ductos dessas glândulas por fezes, corpos estranhos
e às fístulas em ferradura. ou trauma (edema) resulta em estase e infecção. Estu-
dos anatômicos clássicos evidenciaram a presença de
seis a dez glândulas no canal anal, sendo que cada uma
delas desemboca em uma cripta, podendo haver duas
Insteres昀椀ncterianos glândulas para uma cripta.
São pouco frequentes, com incidência inferior a Causas específicas de abscesso anal incluem do-
5%. Localizam-se no plano interesfincteriano e costu- ença de Crohn, retocolite ulcerativa, tuberculose, ac-
mam dissecar nesse espaço em direção cranial, provo- tinomicose, corpo estranho, carcinoma, linfogranu-
cando dor e desconforto sem nenhuma evidência de loma venéreo, inflamação pélvica, trauma, radiação,
abaulamento ao exame superficial. Na proctoscopia, leucemia e linfoma. Embora muitos micro-organismos
geralmente se identifica uma cripta inflamada no ca- possam estar presentes, a bactéria mais comumente
nal anal e um abaulamentona parte distal do reto. encontrada nessas infecções é a Escherichia coli, mos-
Esse tipo de coleção é a principal envolvida nos casos trando a provável comunicação do trajeto fistuloso
de sepse recorrente. com o canal anal ou a ampola retal.

Supra-elevadores Sinais e sintomas


Estão localizados acima dos músculos elevadores O sintoma inicial e principal de um abscesso anal
do ânus, podendo ressaltar de afecções inflamatórias é o quadro doloroso localizado na região perianal, que
pélvicas (apendicite, diverticulite, doença de Crohn, se inicia abruptamente e piora com a movimentação
salpingite etc.), pós-operatórios de cirurgias pélvicas do paciente, ou com o simples fato de tossir, assoar o
e como extensão cefálica de um abscesso isquiorretal nariz, sentar-se ou tentar o esforço defecatório.
ou interesfincteriano decorrente de infecção anal crip-
toglandular. Mais raramente, esses abscessos são de A febre geralmente está ausente, pelo menos
etiologia criptogenética, e nessa situação, eles podem na fase inicial do processo, com exceção daqueles ca-
se formar de três maneiras: 1) após a infecção glan- sos de abscessos muito volumosos. Existe dificulda-
dular, a coleção purulenta escorre pelo espaço inte- de para o diagnóstico clínico dos casos de abscessos
resfincteriano até o plano supra-elevador; 2) após a de localização muito alta, como o pelvirretal. Nesse
infecção glandular, tem-se a formação de um grande tipo de abscesso, o quadro doloroso nem sempre é
abscesso isquiorretal, e posteriormente a coleção mi- importante, e os pacientes relatam um “mal-estar
gra cranialmente para o espaço supra-elevador; 3) o anal” maldefinido.
abscesso pode ser decorrente de evolução ou compli- Edema, endurecimento (“massa ou tumor”) e
cação de fístula transesfincteriana. Felizmente, esses rubor podem ocorrer nos abscessos superficiais. Nos
abscessos são raros, com incidência na literatura osci- profundos, como nos intermusculares e submucosos, o
lando entre 2,5 e 9,1%. endurecimento poderá ser percebido pelo toque retal.

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170
Coloproctologia

Diagnóstico Pós-operatório
O diagnóstico de certeza é obtido, na maioria das O uso profilático de antibióticos como rotina é mui-
vezes, pelo exame físico, que evidencia tumoração ge- to importante, sendo administrados previamente à dre-
ralmente avermelhada, dolorosa ao contato manual e nagem cirúrgica dos abscessos, à exceção dos pacientes
com consistência macia. imunocomprometidos, debilitados, idosos ou diabéticos
etc., quando deverão ser utilizados como terapia.
Analgésicos e anti-inflamatórios orais ou paren-
terais são, também, sempre empregados. Auxilia-se a
Tratamento evacuação com dieta rica em fibras e/ou mucilagens.
É essencialmente cirúrgico. Os abscessos, após Os cuidados locais pós-operatórios são fundamentais,
diagnosticados, deverão ser sempre drenados. indicando-se curativos diários, inicialmente até cinco
a seis vezes ao dia, com limpeza exaustiva da ferida
operatória de drenagem, mediante sua lavagem com
água corrente e sua proteção com gazes e pomadas
Drenagem simples analgésicas e anti-inflamatórias, até sua cicatrização
total. Associam-se banhos de assento com permanga-
Uma de suas opções operatórias é a drenagem nato de potássio, na diluição de 1:40.000, como solu-
simples da coleção purulenta, por meio da incisão do ção antisséptica, após cada evacuação, nos primeiros
local do abscesso, para permitir sua ampla drenagem, sete dias de pós-operatório.
impedindo o fechamento prematuro da ferida e com
isso a sua recidiva.
Nos processos superficiais e pequenos, essa dre-
nagem pode ser realizada, sob anestesia local, ambu-
Fístula anal
latorialmente. Já nos abscessos profundos e amplos, Fístula é um pertuito com infecção crônica, ligan-
deverá ser efetuada, sob bloqueio medular, em centro do duas superfícies com revestimento epitelial (pele ou
cirúrgico. A ferida cirúrgica na pele deverá permane- mucosa). Na fístula anal, o orifício interno ou primário
cer aberta até total limpeza pós-operatória da cavida- localiza-se sempre na linha pectínea (denteada), e o ex-
de do abscesso. terno, na pele perianal ou, muito raramente, no reto.

Ocorrendo a cicatrização total do abscesso, o


paciente será considerado curado. Não raro, porém,
após a drenagem, há a persistência de um trajeto Patogenia
fistuloso, com eliminação contínua de secreção pu- O mecanismo de formação da fístula anal é igual ao
rulenta pelo seu orifício, que exigirá nova cirurgia do abscesso anal. A fístula é uma manifestação crônica, e
para a correção dessa fístula anorretal, além da ne- o abscesso, uma manifestação aguda da mesma condição.
cessidade de tratar-se a origem do abscesso, ou seja, No caso da fístula, a cronicidade do processo é possivel-
a cripta infectada. mente devida à persistência do epitélio da glândula anal
em parte do trajeto fistuloso, que impede a cicatrização.

Drenagem e 昀椀stulotomia
Etiologia
Outra tática operatória para os abscessos con-
siste em realizar-se, juntamente com a sua drena- A grande maioria das fístulas é secundária a
infecção criptoglandular, como explicado anterior-
gem, a pesquisa da cripta infectada ou do orifício
mente. Raramente podem ser associadas a doenças es-
interno no canal anal, origem do abscesso. Sendo
pecíficas como neoplasias, doença de Crohn, retocolite
identificada essa cripta ou seu orifício interno, de- ulcerativa, tuberculose, actinomicose e linfogranuloma
ve-se efetuar uma ampla abertura de todo o trajeto, venéreo. Fístulas anais congênitas são excepcionais.
desde a cavidade do abscesso até a cripta infectada
no canal anal, com a curetagem desse leito operató-
rio, deixando-se a ferida operatória aberta até sua
completa cicatrização. Assim, pretende-se evitar, na Classi昀椀cação
maioria das vezes, a recidiva do abscesso ou a ne- As fístulas são divididas em quatro grupos:
cessidade de nova cirurgia para a correção de uma interesfincteriana, transesfincteriana, supraes-
provável fístula residual. fincteriana e extraesfincteriana.

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171
16 Doenças anorretais

O interessante dessa classificação é o fato de le- após drenado, espontânea ou cirurgicamente, passou
var em consideração as relações anatômicas das partes a apresentar a eliminação de secreção purulenta peria-
específicas dos músculos esfinctéricos envolvidos; as nal, relativamente indolor. A dor ou a febre poderão
fístulas submucosas e as subcutâneas são excluídas estar presentes nos casos de fístulas com recidiva do
dessa classificação, por se considerar que, na maioria processo infeccioso supurativo.
dos casos, elas são apêndices de algum outro tipo de
Nas fístulas superficiais, pode-se palpar o traje-
fístula, especialmente tipo interesfincteriano.
to fistuloso subcutâneo, entre o seu orifício externo
As fístulas dos tipos interesfincteriano e tran- e o canal anal. Ao toque retal, bidigital, pode-se iden-
sesfincteriano constituem a imensa maioria dos casos tificar o tecido fibroso na região anorretal. Essa com-
(65 e 30% respectivamente). pressão palpatória, com frequência, permite a saída de
As fístulas interesfincterianas iniciam-se na secreção pelo orifício da fístula e pode causar algum
cripta anal (orifício interno), atravessam o esfíncter desconforto ao enfermo.
interno e alcançam o espaço compreendido entre o Em alguns pacientes, é possível reconhecer o ori-
esfíncter interno e o externo, e dali dirigem-se para a fício interno da fístula pela anuscopia, inclusive com a
pele, onde constituem o orifício externo.
saída de secreção purulenta. A exploração instrumen-
A fístula transesfincteriana inicia-se na cripta anal tal do trajeto fistuloso, com estilete, deverá ser extre-
e atravessa os dois esfíncteres antes de alcançar a pele. mamente cuidadosa para não provocar dor ou falso
A fistula supraesfincteriana inicia-se na cripta trajeto, induzindo a erro quanto à localização da cripta
anal, atravessa o esfíncter interno, atinge o espaço comprometida, inicialmente, pela infecção.
interesfincteriano e daí progride cefalicamente, pas-
sando pelo ápice do puborretal, descendo pela fossa
isquiorretal até atingir a pele.
A fístula extraesfincteriana não surge obrigato- Diagnóstico
riamente da cripta anal; muitas vezes origina-se da É estabelecido, com certa facilidade, pela his-
parede do reto, atravessa o músculo elevador do ânus tória e pelo exame físico do paciente. O estudo por
e se dirige para a pele, atravessando nesse percurso imagens raramente é necessário. A fistulografia, a
o espaço isquiorretal; é grave, com alta incidência e ultrassonografia transanal e a ressonância magnéti-
maus resultados no seu tratamento. Felizmente trata- ca podem auxiliar o diagnóstico das fístulas comple-
-se de uma condição muito rara (< 2% casos). xas, em especial, identificando com alguma precisão
seu trajeto.
A 45% B 30%

Tratamento
O procedimento é realizado sob anestesia raqui-
medular, por proporcionar um bom relaxamento da
Tipo 1 Tipo 2 região anorretal, e a posição do paciente na mesa ci-
C 20% D 5% rúrgica é a de litotomia.
O tratamento consiste na abertura de todo o tra-
jeto fistuloso, da cripta ao orifício externo. Essa inci-
são deverá incluir todos os planos, inclusive muscular.
Se a massa esfincteriana for pequena, poderá ser sec-
cionada ao mesmo tempo em que os outros planos. A
Tipo 3 Tipo 4 cirurgia será então realizada em um só tempo. Quan-
Figura 16.9 Localização anatômica das fístulas anor-
do a massa esfincteriana for grande, a secção deverá
retais – Interesfincteriana em A, transesfincteriana em B, ser feita em um segundo tempo, pois há risco de in-
supraesfincteriana em C e extraesfincteriana em D. continência, em razão do afastamento das extremida-
des dos músculos seccionados.
O trajeto fistuloso na técnica da fistulectomia é
curetado e excisado, e a ferida é deixada aberta até a
sua cicatrização total por segunda intenção.
Quadro clínico O sucesso do procedimento depende de localizar
Os pacientes referem, com frequência, ter senti- o orifício interno. A localização do orifício externo já
do previamente dor anorretal latejante ou até mesmo é um indicativo, não um determinante, de onde deve-
a ocorrência pregressa de um abscesso anorretal que, rá se localizar o orifício interno, segundo a regra de

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172
Coloproctologia

Goodsall-Salmon. É importante salientar que tal regra Lesão pré-maligna: neoplasia intraeptelial do
não se aplica nos casos em que o orifício externo esteja ânus, que ocorre até 48% de homossexuais com infec-
situado a mais de 5 cm da borda anal. ção pelo HIV.
O orifício interno das fístulas anais pode ser A lesão precursora é a NIA, que se divide mor-
determinado pela aplicação da regra de Goodsall. fologicamente em lesões de baixo ou alto grau. A pro-
Esta regra tem o objetivo de localizar o orifício in-
gressão da NIA para carcinoma de células escamosas
terno (sempre situado na linha pectínea) de acordo
com a localização do oríficio externo.
de canal anal invasivo está relacionada a vários fato-
res, incluindo infecção pelo HIV, baixa contagem de
De acordo com esse esquema, todo orifício fistu- CD4, subtipo de HPV e pelo elevado nível de DNA dos
loso externo que estiver situado na metade anterior
subtipos de HPV de alto risco no canal anal.
do ânus corresponde a uma fístula retilínea, com ori-
fício interno na linha pectínea, no mesmo raio do ex- A capacidade de eliminar a infecção viral por
terno. Todo orifício externo que se localiza na metade HPV está reduzida em indivíduos imunossuprimidos.
posterior do ânus (mais de 80% das fístulas) corres- Observou-se um aumento da incidência de NIA em
ponde a uma fístula cujo orifício interno localiza-se na homens que fazem sexo com homens HIV-positivo
cripta anal (linha pectínea) da linha média posterior. (risco relativo para NIA e lesões intraepiteliais de alto
Exceção a essa regra são os orifícios externos locali- grau de 5,7). A incidência de infecção pelo HPV e le-
zados na metade posterior do ânus, a mais de 3 cm sões malignas e pré-malignas, associadas ao HPV, é
do canal anal. Nesses casos, o orifício interno localiza- maior em pacientes infectados pelo HIV, independen-
-se na linha pectínea no mesmo raio do externo, com te do tipo de prática sexual. Entretanto, o impacto glo-
um trajeto retilíneo. Orifícios externos situados mui- bal da infecção pelo HIV na incidência do câncer anal
to distantes do orifício anal (mais de 4-5 cm) prova-
ainda permanece desconhecido. Sabe-se que a neopla-
velmente correspondem a fístulas em conexão com o
sia anal ocorre em idade mais precoce em indivíduos
aparelho urogenital, com um cisto pilonidal ou com
HIV-positivos (idade média 37 anos) que em homens
uma fístula pelvirretal.
HIV-negativos (idade média 58 anos) e mulheres HIV-
-negativas (idade 65 anos).
o Outras causas de imunossupressão crônica tam-
a bém estão associadas a risco aumentado para desen-
o a volverem câncer de canal anal ou lesões precurssoras.
Pacientes submetidos a transplante de órgão têm um
o b b risco para câncer de canal de 10 a 100 vezes maior que
a população geral.

Dorsal Etiopatogenia
Figura 16.10 Regra de Goodsall.
O conduto anal é revestido por epitélio cilín-
drico e escamoso em seus terços superior e inferior,
respectivamente. Entre estas duas regiões, existe
uma zona recoberta por epitélio cilíndrico estrati-
ficado e por células de transição remanescentes da
Tumores malignos do ânus formação embrionária do reto e do canal anal. Essas
e canal anal células podem desenvolver metaplasia escamosa,
dando origem à maioria dos tumores malignos do
O canal anal, com sua variedade de componentes canal anal.
celulares, pode ser sede de diversos tipos de tumores A disseminação metastática se processa por via
malignos. Todos eles são bastante raros. O carcinoma linfática para os linfonodos das regiões inguinais e para
de células escamosas é a neoplasia mais frequen- os gânglios da cadeia hemorroidária superior. O mela-
te, representando cerca de 3% dos carcinomas da noma também se dissemina por via hematogênica.
porção terminal do tubo digestivo. O melanoma, o
O principal fator de risco para o carcinoma anal é
carcinoma de células basais ou cloacogênicas, a doen-
ça extramamária de Paget e a doença de Bowen são infecção pelo HPV (sorotipos 16 e 18).
muito raros na região anal, representando 25% dos Vários estudos identificaram o tabagismo como
tumores anais. um fator de risco para o câncer anal.

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173
16 Doenças anorretais

Carcinoma de células Doença extramamária


escamosas do canal anal de Paget
Nas fases iniciais, enquanto a neoplasia se loca- Raramente acomete a região perineal, existindo
liza no canal anal, os sintomas consistem em descon- poucos casos descritos na literatura. Assemelha-se
forto anal, sangramento e dificuldades para evacuar. a áreas eczematosas e pruriginosas. Não se propaga
Nos casos avançados, invade a pele perianal, possibili- para o canal anal. Quando está associada a carcinoma
tando o diagnóstico através da inspeção e palpação. O invasivo, adquire consistência firme. Sua propagação
toque retal revela, nos casos iniciais, pequeno nódulo se processa por via linfática para os gânglios inguinais.
Frequentemente está associada a carcinoma do tubo
de consistência firme e indolor. Nas mulheres, o toque
digestivo. Portanto, antes de o paciente se submeter
vaginal contribui para identificar o comprometimento
ao tratamento da lesão anal, deve ser efetuada investi-
da parede posterior da vagina. A comprovação diag-
gação minuciosa de todo o tubo digestivo.
nóstica só é obtida através da biópsia e histopatologia.
Esse exame é imprescindível em qualquer lesão anal
pouco comum e, na maioria das vezes, tem que ser efe-
tuado sob anestesia geral. As regiões inguinais devem Carcinoma de células
ser examinadas minuciosamente, à procura de linfo- escamosas da margem
nodos hipertrofiados.
Apresenta características e comportamento típi-
O carcinoma basaloide ou cloacogênico é uma cos de tumor cutâneo. Cresce lentamente e é pouco in-
variante de carcinoma de células escamosas. Ori- vasivo. São lesões ulceradas da margem anal, de bordas
gina-se da zona de transição do canal anal. Clini- regulares e consistência dura. Nos estágios avançados,
camente, comporta-se como o carcinoma de células o carcinoma pode acometer os gânglios inguinais.
escamosas do canal anal.

Diagnóstico
Melanoma A anamnese e a exploração minuciosa da região
anal, por meio da inspeção, palpação e toque retal, le-
O melanoma raramente se localiza na região
vam à suspeita diagnóstica de lesão maligna, e a bióp-
anorretal. O paciente refere queixas vagas, tais como sia do tumor com exame anatomopatológico do frag-
sensação de tumor no reto e pequeno sangramento. mento ressecado confirma a suspeita clínica.
A dor só aparece nas fases mais avançadas da doença.
A retossigmoidoscopia nem sempre é exequível,
Por sua coloração escura, pode ser confundido com he-
por causa da dor e da estenose anal provocadas por
morroidas trombosadas.
estes tumores.
A pigmentação do tumor só ocorre em 60% dos
casos. Os melanomas não pigmentados são de diag-
nóstico difícil, podendo ser confundidos com outras
doenças anorretais. Estadiamento
O estadiamento inicial do CCA é clínico e feito
através dos exames de toque retal e anuscopia, além de
palpação de gânglios inguinais. Para a pesquisa de do-
Carcinoma de células basais ença metastática (que ocorre principalmente para o fí-
É um tumor raríssimo, compreende 0,2% dos tu- gado e para os linfonodos pélvicos), a TC de abdome e
mores anorretais. Apresenta-se como pequena lesão de pelve é o exame de escolha. Os linfonodos inguinais
ulcerada, de crescimento lento, na linha anorretal. considerados suspeitos devem ser aspirados por agulha
fina. Apesar de menos de 15% dos doentes apresentarem
metástases a distância ao diagnóstico inicial, a realização
de radiografia de tórax é prudente. Sugere-se também a
Doença de Bowen realização do teste de HIV. O prognóstico do CCA está
relacionado com o tamanho do tumor primário e a
É um carcinoma de células escamosas intraepi- disseminação para os linfonodos regionais; pacientes
dérmicas, de crescimento lento. Instala-se na margem com tumores menores do que 2 cm têm taxas de cura de
anal, sob a forma de placa avermelhada com aspecto aproximadamente 80% com o tratamento quimiorradio-
eczematoso, que pode ser reconhecida pela inspeção terápico, enquanto aqueles com tumores maiores do que
e palpação. 5 cm são curados em 50% dos casos.

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174
Coloproctologia

Estadiamento do câncer do canal anal* ressecção do reto fica restrita aos casos de tumores mais
avançados, volumosos ou quando não houver resposta
T1 T2 T3 T4
completa ao tratamento rádio e quimioterápico.
N0 Estágio I Estágio II Estágio II Estágio IIIb
Estágio Estágio Estágio Didaticamente dividimos a escolha da técnica ci-
N1 Estágio IIIb rúrgica a ser utilizada por alguns parâmetros.
IIIa IIIa IIIa
Estágio Estágio Estágio 1. Para tumores de 5 a 6 cm da margem anal,
N2 Estágio IIIb
IIIb IIIb IIIb a cirurgia mais utilizada é a ressecção abdomi-
Estágio Estágio Estágio noperineal do reto, ficando a alternativa de res-
N3 Estágio IIIb
IIIb IIIb IIIb secções locais para casos selecionados como des-
M1 Estágio IV Estágio IV Estágio IV Estágio IV critos anteriormente. Nesta cirurgia é realizada a
T1: até 2 cm na maior extensão ligadura da artéria mesentérica inferior, ressecção de
T2: entre 2 e 5 cm na maior extensão todo o reto e ânus, e confecção de uma colostomia ter-
T3: mais de 5 cm na maior extensão minal da sigmoide. Por via abdominal são realizadas as
T4: invade estruturas vizinhas (vagina, uretra e bexi- ligaduras das asas laterais do reto, cortados os vasos re-
ga) tais médios e dissecado o plano anterior e posterior do
N0: ausência de metástases em linfonodos regionais reto. Neste último devemos ter o cuidado de não lesar
N1: metástases em linfonodos perirretais as veias sacrais que podem levar a graves hemorragias.
N2: metástases acometendo unilateralmente linfono- Esta dissecção é realizada até o nível da musculatura
dos ilíacos internos ou inguinais elevadora do ânus conjuntamente com a dissecção peri-
N3: metástases em linfonodos perirretais e inguinais neal. Após a extirpação do reto e ânus, a ferida perineal
e/ou bilaterais em linfonodos ilíacos internos e/ou in- é fechada, associada a uma drenagem do espaço pélvico
guinais residual e fechamento da folha peritoneal por via abdo-
M0: ausência de metástases a distância minal, a fim de que outros órgãos intra-abdominais não
M1: presença de metástases a distância venham a preencher este espaço pélvico.
Tabela 16.10 *De acordo com o UICC.
2. Para tumores acima de 5 a 6 cm, a ressec-
ção anterior por via abdominal é o procedimento
de escolha com a realização de anastomose color-
retal que vem sendo facilitada pelo advento dos
Diagnóstico diferencial grampeadores intraluminares. A técnica mais
Qualquer doença anorretal de longa duração utilizada é a do duplo grampeio.
pode estar associada a tumor maligno. Embora esta A atenção para os princípios oncológicos é impor-
associação seja muito rara, o exame anatomopatoló- tante. A ligadura da artéria mesentérica inferior e a re-
gico de todo o tecido anal ressecado é indispensável. moção do meso acometido devem ser sempre realizados.
O carcinoma de células escamosas difere dos ma- Alguns estudos atuais demonstram a validade da remo-
milos hemorroidários por sua consistência firme e su- ção total do mesorreto nestas ressecções. A colocação de
perfície regular. drenos nas anastomoses colorretais baixas é controver-
sa, com alguns estudos mostrando um índice maior de
deiscências quando drenadas, entretanto estas drena-
gens ainda são muito utilizadas. A confecção de ostomia
Tratamento de proteção também é controversa nestas anastomoses
baixas, e a tendência atual é de serem necessárias apenas
O tratamento do carcinoma de células escamosas em pacientes de alto risco ou naqueles que apresentaram
do ânus é multidisciplinar. dificuldade técnica no momento da cirurgia.
A amputação abdominoperineal do reto, larga- A sobrevida média de cinco anos, após a amputa-
mente utilizada no tratamento desses tumores, foi ção abdomino-perineal do reto, é de 50%, enquanto,
substituída pela radioterapia e quimioterapia. com o tratamento multidisciplinar, a sobrevida proje-
A associação de radioterapia, 5-fluorouracil e mi- tada de cinco anos passou a 83%.
tomicina C (esquema de Nigro) leva ao desaparecimento O melanoma do canal anal, em razão do seu mau
das células tumorais em torno de 90% dos casos quando prognóstico, deve ser tratado pela amputação abdomi-
o tumor tem o diâmetro igual ou inferior a 3 cm. noperineal do reto. As operações menos radicais apre-
Quatro a seis semanas após o tratamento radio- sentam sobrevida semelhante à amputação do reto.
terápico, a área tumoral é reexaminada e biopsiada. Na Entretanto, esta é mais efetiva na prevenção da recidi-
maioria das vezes, o exame anatomopatológico revela va local e proporciona melhor qualidade de sobrevida
ausência de células malignas. Neste caso, o doente deve para os pacientes. O prognóstico de melanoma é pés-
ser mantido em observação com revisões frequentes. A simo, e a sobrevida de três anos é mínima.

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16 Doenças anorretais

A doença extramamária de Paget e a doença de € Integridade da parede retal, que, pela sua elas-
Bowen são tratadas pela ressecção ampla da área com- ticidade, mantém a complacência e modula a
prometida. Biópsias prévias múltiplas delimitam com pressão intrarretal.
segurança a zona de ressecção. € Inervação do canal anal tanto sensitiva quanto
Nos raros casos em que essas doenças estão asso- motora.
ciadas a carcinoma invasivo, está indicada a amputação € Aparelho esfincteriano, que mantém um tônus
abdominoperineal do reto. Nestes casos, o prognóstico de repouso no canal anal, com pressão mais alta
é mau, com sobrevida de cinco anos muito baixa. que no reto, mantendo-o fechado.
€ Mecanismo valvular, criado pela angulação
anorretal mantida pelo tônus do músculo pu-
borretal.
Recidiva local
A recidiva local ocorre em aproximadamente Qualquer alteração em um desses elementos
50% dos casos. O tratamento preconizado é a combi- pode acarretar incontinência.
nação de cisplatina e 5-FU a um reforço de 9 Gy. Se não As doenças neoplásicas ou inflamatórias do reto,
houver resposta, a amputação anorretal em conjunto principalmente a doença de Crohn e a retite radiógena
com a linfadenectomia é recomendada. provocam espessamento das doenças do sistema nervo-
so central, tais como TCE, infecção, traumatismo raqui-
medular, e as do sistema nervoso periférico associadas
ao diabete podem levar à incontinência anal. A inervação
Doença metastática sensitiva do canal anal pode ser lesada nas mucossecto-
Devido à baixa prevalência do CCA e da efetividade mias e nas hemorroidectomias. A inervação motora é
do tratamento primário, a disseminação da doença não comprometida nas constipações crônicas que obrigam
é um fenômeno comum de ser visto na prática clínica. a esforços intensos durante a defecação, ou durante os
A literatura mostra que esses doentes têm um prognós- partos laboriosos, por estiramento das fibras nervosas.
tico reservado e existem apenas relatos anedóticos em A lesão iatrogênica dos esfíncteres anais, prin-
relação ao tratamento, sendo as drogas quimioterápicas cipalmente em cirurgias para fístulas anais, é causa
mais utilizadas o 5-FU, a mitomicina-C e a cisplatina. frequente de incontinência. O trauma obstétrico, a
episiotomia e os traumatismos perineais são outras
causas de incontinência fecal. A denervação e o relaxa-
mento do assoalho pélvico, decorrentes da idade avan-
Seguimento çada, levam à abertura do ângulo anorretal, resultan-
Inicialmente, os pacientes deverão ser avaliados a do em perda de mecanismo valvular.
cada seis semanas com exame físico retal e anuscopia
até a remissão total, que pode ocorrer em até 12 meses.
Pacientes com remissão completa do tumor deverão ser Diagnóstico
acompanhados a cada três meses nos dois primeiros
anos e a cada seis meses do terceiro ao quinto ano. O exame clínico completo é indispensável para
fazer o diagnóstico da incontinência fecal.
É importante uma história clínica minuciosa, es-
tabelecendo se a incontinência é total, para fezes sóli-
Incontinência anal das e líquidas, ou parcial, somente para fezes líquidas
ou gases, presença de doenças associadas, como pro-
Incontinência anal é a impossibilidade de con- lapso retal ou uterino, o passado obstétrico, o relato
trolar voluntariamente a eliminação de gases e fezes. de traumatismo e operações anorretais.
É mais frequente do que se pode estimar, pois seus O períneo deve ser inspecionado para a presen-
sintomas são bastante constrangedores, levando ao ça de cicatrizes, fístulas, deformidade em fechadura
isolamento do paciente e a graves perturbações psí- (keyhole) e outras lesões. O toque retal revela hipoto-
quicas, sociais e profissionais. mia ou atonia esfincteriana, ou descontinuidade da
musculatura anal.
A defecografia é um exame radiológico dinâmico
utilizado para avaliação funcional do assoalho pélvico
Etiopatogenia e para medida do ângulo anorretal. É particularmente
Os principais fatores responsáveis pela conti- útil no diagnóstico de procidência do reto ou síndro-
nência anal são: me do períneo relaxado.

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176
Coloproctologia

A manometria anorretal mostra, em caso de in-


Restabelecimento do ângulo
continência anal, diminuição das pressões de repouso
e de contração voluntária da musculatura esfincte- anorretal (reparo posterior)
riana. Pode avaliar a complacência retal e o volume Essa operação é feita através de uma miorrafia
máximo tolerado, que, na incontinência, se apresenta posterior do puborretal na linha média, acentuando o
bastante reduzido. ângulo anorretal. Visando melhor resultado funcional,
O estudo elétrico do aparelho esfincteriano deve alguns cirurgiões recomendam a realização do reparo
compreender não somente a eletromiografia do es- anterior durante o mesmo tempo cirúrgico. Está indi-
fíncter externo, mas também o estudo da latência de cado nos casos em que a musculatura esfincteriana en-
condução nervosa motora e sensitiva. contra-se íntegra e existe lesão da inervação motora dos
esfíncteres anais. Atualmente esta operação não des-
Nos casos de incontinência anal, observamos di-
perta o mesmo entusiasmo da época de sua divulgação.
minuição da atividade motora esfincteriana e aumen-
to na latência de condução nervosa (nervo pudendo).
Modernamente, o ultrassom endorretal é um Colostomia
método propedêutico importante nos casos de lesão É considerado como último recurso, quando os
cirúrgica ou traumática dos esfíncteres anais. Revela o demais procedimentos falham no restabelecimento da
local da lesão muscular e sua extensão. continência.

Tratamento Prolapso retal


O tratamento da incontinência anal depende do
diagnóstico correto de sua causa. O prolapso do reto, ou procidência, é um proble-
ma incomum de etiologia obscura, caracterizado pela
O tratamento conservador, com a utilização de
eversão em toda a espessura da parede retal através do
antidiarreicos, como loperamida, e formadores de
ânus. A causa exata é obscura, mas o distúrbio tende
massa fecal, apresenta resultados pouco satisfatórios.
a predominar em mulheres, naqueles que se esforçam
Outros métodos conservadores, tais como exercício de
excessivamente e nos portadores de doenças mentais
contração da musculatura esfincteriana, estimulação
crônicas. A gravidez e o parto não podem ser importan-
elétrica dos músculos, através da implantação de plugs,
tes, pois a condição pode ocorrer em homens e em mu-
e o treinamento por biofeedback apresentam resultados
lheres nulíparas. Os estudos corroboram fortemente o
controversos no tratamento da incontinência anal.
conceito de que o prolapso retal é o resultado de uma
A cirurgia para incontinência anal visa corrigir os intussuscepção ou de uma dobradura para dentro do
defeitos nos mecanismos de continência. reto ou do retossigmoide. Conforme a intussuscepção
progride caudalmente, o intussuscepto gradualmente
puxa a parede retal superior para longe das amarras
Reparação do esfíncter anal sacrais e laterais. Com o esforço continuado, o intesti-
(es昀椀ncteroplastias) no continua a rolar-se de dentro para fora ou até que
O reparo esfincteriano está indicado nos casos de inicialmente a junção mucocutânea e, eventualmente,
incontinência secundária à lesão traumática da mus- a parede retal everta-se completamente. Este fenôme-
culatura esfincteriana anal, porém com integridade da no progressivo pode explicar por que alguns pacientes
inervação motora e sensitiva. É um método simples têm prolapso oculto e por que o mesentério sigmoide
que leva a bons resultados na maioria dos casos. pode alongar-se, o fundo-de-saco pode aprofundar-se e
a musculatura do soalho pélvico pode progressivamen-
te se enfraquecer. Tais achados foram implicados como
Plásticas musculares causais, mas é mais provável que eles sejam o resultado
A plástica consiste na transposição de um mús- de um processo prolongado de prolapso gradual do reto.
culo extrínseco, em torno do ânus, criando um neoes-
fíncter. Os músculos mais utilizados são o grácil e os
glúteos. Esta operação permaneceu abandonada por
longo tempo, pois seus resultados eram discutíveis. Quadro clínico
Atualmente esta técnica voltou a ser utilizada por um Os sintomas de prolapso precoce podem ser va-
número cada vez maior de cirurgiões, na maioria das gos, incluindo-se o desconforto ou uma sensação de
vezes associada à implantação de plugs visando à esti- evacuação incompleta durante a defecação. É comum
mulação elétrica do músculo transplantado. Entretan- uma longa história de constipação e esforço excessivo.
to, os resultados não são uniformemente bons. Quando o prolapso é completo, nota-se a protrusão

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177
16 Doenças anorretais

do reto como uma massa durante e após a defecação. apresenta uma elevada taxa de recorrência; portanto,
Em pacientes com prolapso oculto, uma sensação de ela é ideal para os pacientes com elevado risco cirúr-
pressão e de evacuação incompleta podem ser os úni- gico e expectativa de vida limitada. Uma abordagem
cos sintomas. abdominal é preferida para os pacientes jovens e sau-
dáveis, pois eles podem tolerar o procedimento com
um baixo risco e apresentam menor possibilidade de
sofrer uma recorrência que precise de reoperação.
Avaliação pré-operatória
A avaliação pré-operatória do paciente deve en-
focar o estabelecimento da extensão do prolapso; o
estado geral de saúde do paciente; a presença de do- Procedimentos perineais
enças intestinais associadas, como a constipação; e O procedimento de Delorme é essencialmente
complicações como a incontinência. Todos estes fa- uma proctectomia mucosa e um procedimento de pli-
tores influenciam na estratégia cirúrgica. Na história, catura da mucosa. Ela é ideal para ser aplicada a pa-
quase a metade dos pacientes apresenta constipação, e cientes com mais de 3 a 4 cm de prolapso, mesmo que
a maioria deles tem incontinência fecal. Observando- o tubo mucoso ressecado se estenda por até 15 cm.
-se o paciente enquanto faz esforço na cômoda, a pre- Mesmo em pacientes frágeis, idosos, o procedimento
sença e a extensão do prolapso podem ser verificados. de Delorme está associado a baixas taxas de morta-
O prolapso completo demonstra uma protrusão retal lidade e de grande morbidade, aproximadamente 1 e
em toda a extensão com anéis concêntricos. Pacientes 14%, respectivamente. A incontinência melhora em
idosos e frágeis e aqueles sob alto risco de comorbi- até 69% dos pacientes. A recorrência do prolapso não
dades ou com expectativa de vida limitada são ideais é incomum, e provavelmente é subestimada, pois este
para os procedimentos perianais. Os pacientes jovens, procedimento é realizado em pacientes com expectati-
particularmente aqueles com constipação ou evidên- vas de vida limitadas e, portanto, períodos de acompa-
cias de distúrbios da defecação, evoluem melhor com nhamento curtos.
a ressecção e a fixação, usando-se as abordagens a céu O procedimento de Altemeier é similar ao de
aberto ou a laparoscopia. Delorme, mas, em vez de ser uma ressecção mucosa,
As avaliações gastrointestinais inferiores com- realiza-se uma ressecção retal em espessura completa,
pletas são realizadas conforme indicadas. Na endos- começando 1 a 2 cm acima da linha denteada. O in-
copia, podem estar presentes uma vermelhidão da testino e o mesentério associado são ressecados. Pelo
mucosa retal anterior ou uma úlcera retal solitária, 6 fato de se penetrar na cavidade pélvica, é preciso evi-
a 8 cm anteriormente. Numerosos testes adicionais tar lesionar o intestino delgado. É realizada uma anas-
podem ser solicitados, mas apresentam um valor limi- tomose em toda a espessura, após se completar uma
tado e não são tipicamente necessários. A manome- ressecção em extensão completa. Para os pacientes
tria documenta a presença de danos esfincterianos, com incontinência, pode-se acrescentar uma plástica
mas não prediz recuperação. Uma latência anormal dos elevadores à ressecção. Os resultados são similares
do nervo pudendo motor terminal prediz um elevado aos descritos para o procedimento de Delorme.
risco de incontinência anal pós-operatória, mas rara-
mente influencia no tratamento. A defecografia pode
demonstrar a extensão do prolapso, e os estudos de
trânsito, a extensão da constipação. Pelo fato de um Procedimentos abdominais
paciente com prolongamento significativo no tempo
As opções abdominais incluem a resseccão intes-
de trânsito poder responder melhor a uma ressecção
tinal e a retopexia, com ou sem tela, realizada isolada
colônica mais extensa, isto pode ser indicado a pacien-
ou conjuntamente. É necessária a mobilização com-
tes selecionados com constipação. pleta do reto para os procedimentos abdominais; há
divergências se os ligamentos laterais devem ser pre-
servados. Acredita-se que a preservação dos ligamen-
tos proporciona melhores resultados funcionais, mas
Correção cirúrgica aumenta o risco de recorrência. Embora a totalidade
Empregam-se duas abordagens gerais para se ob- do reto seja mobilizada no nível dos elevadores, se
ter uma correção cirúrgica do prolapso retal: a aborda- estiverem sendo realizadas ressecção e anastomose,
gem perineal, que inclui os procedimentos de Delorme elas devem ser realizadas em um nível alto em vez de
e o de Altemeier, e a abordagem abdominal, que inclui baixo no reto, essencialmente uma ressecção anterior.
mas não é limitada à ressecção anterior, com ou sem Isto minimiza o risco para as complicações anastomó-
retopexia e fixação com uma tela. A abordagem peri- ticas. A retopexia é realizada ancorando-se o reto aos
neal é menos lesiva para o paciente mas, ainda assim, tecidos pré-sacrais. A ressecção com a retopexia está

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Coloproctologia

associada a baixas taxas de recorrência (0 a 9%) e pode Vários segmentos cólicos são acometidos. Fre-
ser realizada com segurança, com taxas de morbidade quentemente é encontrada nos cólons ascendente,
e de mortalidade compatíveis com qualquer ressecção transverso e descendente. O sigmoide e o reto são me-
do intestino grosso. A constipação melhora em até a nos afetados. É mais comum em idosos.
metade dos pacientes, e a incontinência, na maioria
dos pacientes.
Apenas a retopexia com a fixação por tela é Etiologia
um procedimento bem descrito, de eleição em al-
guns centros. Os riscos de ressecção e de anasto- A causa da melanosis coli permanece desconheci-
mose são evitados, e as taxas de recorrência em ge- da. Estudos em microscópio eletrônico revelam que o
ral são baixas. No entanto, as complicações podem pigmento está localizado no citoplasma de macrófa-
gos localizados na submucosa. O pigmento origina-se
resultar da presença de corpo estranho, e os sinto-
da degradação de mitocôndrias das células epiteliais.
mas de constipação com frequência são agravados.
Inicialmente, acreditava-se que o pigmento era cons-
Os procedimentos abdominais podem ser realiza-
tituído de melanina. Atualmente, ele foi identificado
dos por meio de uma laparotomia-padrão ou com
como derivado da pseudomelanina ou lipofucsina.
a utilização de técnicas laparoscópicas. Os resulta-
dos sugerem que a recuperação pós-operatória tem
a característica de ser mais rápida após a ressecção
laparoscópica com retopexia. Além do mais, as ta- Diagnóstico
xas de morbidade, de mortalidade, de recorrência A história do uso frequente de laxativo como a
e de melhora funcional são as mesmas com as téc- cáscara e o achado endoscópico de pigmentação de cor
nicas laparoscópica e a céu aberto. marrom-escura ou negra na mucosa colônica selam o
diagnóstico. Os tumores benignos ou malignos, quan-
do presentes na mucosa intestinal, não são tingidos
pelo pigmento, sobressaindo-se por sua cor vermelho-
-brilhante.
Melanosis coli
Melanosis coli é uma doença benigna encontrada
em indivíduos que utilizam com frequência laxativos Tratamento
à base de antraquinona. Caracteriza-se pela presença A melanosis coli é assintomática e não necessi-
de pigmentação de cor marrom ou negra na mucosa ta de tratamento. A suspensão do uso de laxativos
colônica. A incidência da melanosis coli é relativamente derivados da antraquinona leva ao desaparecimento
baixa, variando em 0,25 a 5,3% nas biópsias retais. da pigmentação.

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