Você está na página 1de 6

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/21275/anos-iniciais-o-que-levar-
em-conta-ao-avaliar-a-aprendizagem-dos-alunos
Publicado em NOVA ESCOLA 22 de Junho | 2022

Recomposição de aprendizagens

Anos Iniciais: o que levar


em conta ao avaliar a
aprendizagem dos alunos
Professores e especialistas falam sobre a importância desse
processo ser multidimensional para garantir o
desenvolvimento integral dos estudantes do 1º ao 5º ano
Camila Cecílio

Foto: Getty Images


Nos dicionários, avaliar tem diversas definições: “fazer análise de (algo),
pesando suas vantagens e desvantagens; estimar, calcular; atribuir valor ou
preço a; examinar conhecimento adquirido por (para conferir peso ou nota); e
reconhecer a grandeza, a intensidade, a força de ” são alguns exemplos. Já na
escola, avaliar deve ter um significado comum a todos os educadores: buscar
melhorias no processo de ensino e aprendizagem. Em termos pedagógicos,
trata-se de evidenciar aprendizagens para a tomada de decisão frente aos
processos de ensino e aprendizagem.
É o que defende Kátia Chiaradia, pesquisadora nas áreas de Literatura e
Educação e consultora de materiais da NOVA ESCOLA. “Não importa qual seja a
avaliação ou o tipo de contexto, avaliar sempre significa analisar dados para
pensar em intervenções, ou seja, em melhorias para o desenvolvimento
integral dos estudantes.”
Mas avaliar não é uma missão fácil para os professores, ainda mais nos Anos
Iniciais (1º ao 5º ano). É quando ocorre a transição da Educação Infantil e depois
para os Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano), e o que está em jogo
é a ampliação de repertório das aprendizagens cognitivas, além da
compreensão básica dos conhecimentos.
“Quando colocamos na mesa tudo que se trabalha nos Anos Iniciais,
percebemos que, quando bem feito e embasado na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), estamos falando de um trabalho multidimensional. Se ele
tem muitas dimensões, isso significa que precisa ser avaliado de diferentes
maneiras”, enfatiza a especialista.
Kátia explica que, quando o professor apresenta um plano ou uma sequência
didática e propõe avaliações, seja de aspectos socioemocionais, de aplicação do
conhecimento, de oralidade, de produção escrita ou de pesquisa, são diferentes
competências e habilidades que os alunos desenvolvem ao longo do caminho,
o que faz esse processo ser multidimensional.
No dia a dia, alguns estudantes vão se sair melhor na pesquisa escrita na
biblioteca, enquanto outros, na pesquisa na internet, no desenho, na
comunicação oral e assim por diante. “Propor diferentes avaliações e fazer com
que sejam multidimensionais é respeitar a integralidade dos alunos e,
principalmente, as várias infâncias e as várias juventudes que encontramos nas
nossas salas de aula”, reforça a consultora.
Diagnosticar para planejar e critérios de avaliação
Vencedora do Prêmio Educador Nota 10 de 2020, Rita Marta Mozetti Silva
sempre levou esses aspectos em consideração na hora de avaliar a
aprendizagem dos seus alunos, mas não foi um caminho simples. A professora
polivalente esteve em sala de aula até o ano passado com uma turma do 5º ano
e hoje atua como coordenadora pedagógica na Secretaria de Educação de
Franca (SP). Para ela, antes de qualquer coisa, o professor deve entender que a
avaliação é um ciclo e que está a serviço do conhecimento.
“Tudo começa e termina na avaliação. O professor precisa, primeiro,
diagnosticar, interpretar e compreender os dados, e não guardá-los para si,
afinal, tais informações estão a favor do trabalho que será desenvolvido. Com
esses dados, é possível traçar um perfil da turma, de modo que tanto os
saberes quanto os não saberes passam a ter nomes, e a partir disso elaborar
um plano de trabalho”, afirma. Ela diz que os maiores desafios são entender o
que esses dados querem dizer e o que eles mostram e planejar para os alunos
partirem dos saberes que já têm. “Se o professor não souber o que os alunos já
sabem, não consegue planejar.”
A professora observa que hoje o foco é a aprendizagem, mas que não se pode
perder de vista a “ensinagem” (como o professor vai ensinar e mediar o ensino
para que o aluno avance nos conhecimento que já tem), o que só é possível se a
avaliação estiver de acordo com a turma em questão. O grande ‘x’ da questão é
ter claro qual concepção de avaliação seguir em determinadas situações e,
claro, definir os critérios.
“Eu sempre tive a necessidade mostrar para os meus alunos aonde nós vamos
chegar. Eu estabelecia com eles, por exemplo: ‘Vou avaliar vocês por meio de
uma produção de texto’. Daí perguntavam: ‘Mas, professora, o que você vai me
cobrar?’. Então, eu falava quais eram os critérios, ou seja, o que eles não
poderiam deixar de contemplar nessa produção de texto. É como se tivesse um
roteiro para eles seguirem: nessa produção de texto serão avaliados a
criatividade, se colocou título e se está de acordo com o que escreveu, se os
parágrafos estão interligados, se tem coerência e coesão”, conta.
Luciane Palma, coordenadora pedagógica da Secretaria de Educação de
Campinas (SP) e pesquisadora doutoranda na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), pontua que, para elaborar uma boa avaliação, é
importante que o professor tenha em mente o que ele pretende avaliar e como
os resultados que obterá vão contribuir para o planejamento (ou
replanejamento) de situações de aprendizagem com os estudantes.
“É sempre válido considerar que não há uma única forma de ter acesso aos
saberes dos alunos, e o próprio cotidiano escolar é rico em demonstrar ao
professor as características de cada um dos seus estudantes. Uma conversa
sobre algum assunto, a forma como cada um se relaciona com determinada
proposta, com um jogo, com um poema, com uma situação problema etc. Isso
quer dizer que um único instrumento não dá conta da complexidade que
envolve os conhecimentos e saberes dos alunos”, ressalta.
Diversidade de conhecimentos e saberes
O professor polivalente Helder Guastti da Silva também tem enfrentado muitos
desafios para avaliar suas duas turmas dos Anos Iniciais. O educador dá aulas
para alunos do 5º ano na EMEF Pedro Nolasco, em João Neiva (ES), e do 3º ano
na CMEB Mário Leal Silva, em Aracruz (ES).
Ele conta que a maior barreira é o próprio sistema educacional que muitas
vezes acaba impondo limitações aos professores, como a prova escrita como
único instrumento avaliativo. Por isso, aposta na diversidade de suas turmas
para avaliar, afinal, cada um tem suas características e peculiaridades, ainda
mais nesse pós-pandemia.
“Eu vejo que a heterogeneidade que já existia em sala ficou ainda mais gritante
com a pandemia. As dificuldades se multiplicaram, e as ferramentas avaliativas
deveriam ter se tornado mais amplas também, mas o sistema parece não
entender isso. Na rede em que eu trabalho com o 5º ano, só voltamos ao
presencial neste ano, sem considerar os dois anos de pandemia, pois
praticamente não tivemos ensino remoto aqui. Então, eu fico pensando em
como avaliar uma criança que nem está alfabetizada no 5º ano”, desabafa o
professor, que foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2022.
Não existe uma resposta pronta para a dúvida de Helder, mas ele segue o que
recomendam os especialistas e tem avaliado de acordo com o que cada aluno
consegue alcançar, com critérios estabelecidos. “A rede pede para avaliar por
escrito, mas eu considero também o dia a dia em sala, dentro das limitações de
cada um e de acordo com o nível de aprendizagem. Levo em consideração
produções em grupo, em duplas, trabalhos, registros e compartilhamento de
opiniões sobre os mais diversos assuntos, expressão oral, leitura em voz alta e
estudo de caso. Debates, diálogos e rodas de conversa sempre rendem muito,
principalmente em Ciências, Geografia e História”, explica.
No começo do ano, Helder tinha planejado desenvolver em Língua Portuguesa
um projeto baseado em leitura literária, mas, ao se deparar com as dificuldades
da turma, mudou o planejamento e optou por repertoriar as crianças com
narrativas de diversos gêneros e em suportes diferentes, com interpretações
mais robustas em sala. Somente no segundo trimestre, ao perceber o avanço
dos alunos, ele começou a colocar em prática o projeto, que consiste em se
aprofundar na obra do escritor Ricardo Azevedo.
“Começamos o projeto de leitura, e eles estão amando mais do que eu
imaginava. A ideia é realizar as leituras em sala, trazer pessoas da comunidade
e familiares para participar, fazer produções escritas e autorais e, ao final, criar
um livro de contos da turma”, relata. “O que tem me pegado muito ainda é a
Matemática. Estou tendo de retomar conteúdos de 1º e 2º anos e
experimentando o que dá certo com a turma, mas tem sido um eterno
replanejamento.”
O que ter em mente ao elaborar uma avaliação nos Anos Iniciais
1. Avaliar o cumprimento da tarefa com objetivos e critérios bem definidos;
2. Verificar se a forma como o estudante desenvolve a atividade, na resolução
de um problema de Matemática ou o gênero usado pelo aluno em uma
atividade de Língua Portuguesa, são condizentes com o que o professor espera;
3. Considerar o engajamento do estudante a partir de critérios pré-
estabelecidos;
4. Avaliar a clareza e a coerência na expressão (escrita, oral, visual,
multissemiótica) de sua produção
5. Avaliar a postura científica do aluno frente ao erro – por exemplo, se ele
percebe o erro como uma nova oportunidade.
Aprendizagens socioemocionais
O professor Helder salienta que, mais do que pensar em qualquer lista de
conteúdos, a questão socioemocional dos alunos é crucial no processo
avaliativo. “Vejo que algumas crianças estão mais retraídas e muito mais
dependentes. Então, é fundamental ter um olhar sensível, enxergar os
estudantes como seres humanos, olhar nos olhos, se abaixar. Se não
conhecermos a nossa turma, como vamos avaliar? Para mim, o que faz sentido
enquanto professor é saber que no dia a dia a criança está sentindo prazer em
aprender.”
Para a professora Rita, as competências socioemocionais sempre foram
importantes, mas nunca tão evidentes e necessárias quanto agora. “Estamos
preocupados com a recomposição de aprendizagens, que é sim essencial, mas
não existe aprender Matemática e ir bem em uma prova de Língua Portuguesa,
por exemplo, se o socioemocional não estiver em dia. Se não pensarmos agora
na saúde mental das crianças, a recomposição de aprendizagem não vai durar
três ou quatro anos, vai levar muito mais”, alerta a educadora.
Kátia reforça que as aprendizagens socioemocionais devem ser consideradas
na hora de construir instrumentos avaliativos para os Anos Iniciais. “Professores
dos Anos Iniciais, por serem pedagogos, estão muitíssimos preparados para
fazer avaliação do desempenho socioemocional e socioafetivo dos alunos.
Como são polivalentes, eles sabem um pouco sobre cada uma das ciências.”
Objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem
Ainda que tenha um olhar para a questão socioemocional, a BNCC é bastante
rígida na questão dos objetos de conhecimento. Ela exige certa dedicação
científica em todos os componentes, o que, de acordo com Kátia, é algo
desafiador para a maioria dos professores de Anos Iniciais, dada a sua
formação e o perfil dos currículos de Pedagogia no Brasil. “Então, se fosse
possível definir apenas dois elementos que não podem faltar na avaliação,
seriam a avaliação dos saberes científicos ao lado da avaliação das
socioemocionais.”
A especialista também destaca a importância de avaliar com foco nos objetivos
de aprendizagem. Ela observa que, no caso de Língua Portuguesa, por exemplo,
existem aprendizagens que são desenvolvidas ao longo de cerca de cinco anos
e, por isso, é importante olhar para as habilidades pensando em etapas que, na
verdade, são os objetivos de aprendizagem.
“Quando a gente diz para a criança que ela precisa se mostrar interessada em
leitura, isso vai acontecer no 1º ano, quando ela mal lê listas e legendas de
fotos, no 3º ano, ao ler receitas e fábulas, até chegar a textos mais complexos
no 5º ano. Isso significa então que não tem como a gente trabalhar certas
habilidades em um ano, menos ainda em uma única aula”, diz Kátia. Ela explica
que toda habilidade tem etapas que são chamadas de objetivos de
aprendizagem. E que fazer uma avaliação pautada em objetivos de
aprendizagem é, portanto, fazer uma avaliação com foco no caminho. “A gente
consegue identificar no caminho qual ponto precisa ser mais cuidado.”
Kátia complementa que as habilidades são muito amplas, e é importante que os
professores atentem se cada uma das etapas daquele caminho, ou seja, os
objetivos dentro dessas habilidades, foram desenvolvidos pelos estudantes.
Porque, se um não foi, possivelmente a deficiência no aprendizado dessa
habilidade, que tende a ser pré-requisito para outra, vai trazer dificuldades para
a criança.
“É importante avaliar por meio de objetivos de aprendizagem para que a gente
possa localizar o passo a passo, o detalhe e os pequenos aprendizados do
processo mais longo de desenvolvimento de aprendizagem. E também para
conseguir localizar e sanar qualquer problema, qualquer lacuna, em especial
aquelas que venham a gerar pré-requisitos para aprendizagens futuras. E, no
caso dos Anos Iniciais, isso diz respeito a praticamente todas as habilidades”,
afirma.
Como dar boas devolutivas e feedbacks formativos
Especialistas entrevistadas nesta reportagem sugerem algumas práticas
Segundo Kátia, é importante que o professor tenha muito claro quais critérios
ele quer avaliar. “Um exercício muito simples para mim, enquanto professora, é
redigir aquilo que eu espero que o meu estudante faça. Redigir um texto, uma
resposta para uma pergunta ou mesmo elaborar uma resposta oral. E dessa
minha expectativa, vou elencar os elementos que considero mais importantes e
criar critérios de avaliação a partir desses pontos principais”, exemplifica. “Ter
clareza daquilo que eu vou buscar na avaliação é a maneira mais eficiente de
dar um bom feedback formativo.”
De acordo com a educadora, outro aspecto interessante, mas que demanda
praticar muito a criação de rubricas, grades ou expectativas de respostas, é
fazer uma boa distribuição em etapas, de modo que não exista apenas uma
resposta ou só aquela resposta correta, pois ela também tem etapas. “Era
muito comum em questões abertas ter só uma resposta certa, mas isso está
mudando. Hoje, nós entendemos que precisamos graduar um pouco as
respostas para conseguir ajudar o estudante a identificar o que faltou ali”,
reforça.
Para Luciane, é fundamental que os professores possibilitem aos alunos
momentos de reflexão sobre seus saberes e discutam com eles as potências e
as fragilidades demonstradas. “[Isso deve ser feito] em uma perspectiva de
processo, de refazimento, e não de algo que finaliza em uma nota ou conceito e
não permite qualquer mudança de percurso.”

Material complementar para baixar


Para apoiar o professor na construção de um planejamento de avaliação para
os Anos Iniciais, disponibilizamos aqui um material complementar elaborado
pelas consultoras. Ele destaca o raciocínio por trás da construção de
instrumentos avaliativos em um planejamento de Ciências para o 3º ano do
Ensino Fundamental.
BAIXE AQUI O MATERIAL GRATUITAMENTE

Consultoria pedagógica: Alessandra Novak e Kátia Chiaradia


Esta reportagem faz parte do Especial Avaliação. Confira aqui os demais
conteúdos.

Você também pode gostar