Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Acórdão Nº 1348041
EMENTA
1. É fato notório que a pandemia provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da
COVID-19, levou várias unidades da federação, inclusive o Distrito Federal, a adotar medidas
restritivas de circulação e de isolamento social que afetaram de forma substancial a atividade
econômica.
2. A pandemia vem sendo compreendida como sendo uma situação excepcional, tanto que várias
medidas vem sendo implementadas pelo governo local e federal, através de ações pontuais e diversas
proposições legislativas que hoje alcançam a marca de 39 (trinta e nove) leis, a fim de minimizar os
efeitos devastadores na economia.
3. Não se pode desconsiderar a força de lei que tem o contrato firmado entre as partes. Estabelece o
Código Civil o pacta sunt servanda, com respeito aos princípios da função social, da boa-fé objetiva e
da equivalência material, mormente porque pautado na autonomia de vontade. No entanto, o mesmo
diploma legal contempla a possibilidade de revisão excepcional e de forma limitada para evitar a
resolução contratual, temperando o princípio do pacta sunt servanda, conforme parágrafo único do art.
421 e inciso III do art. 421-A, ambos introduzidos pela Lei n. 13.874/2019, com a Teoria da
Imprevisão, albergada pelos arts. 478 e seguintes do Código Civil.
4. Mesmo diante da conjuntura atual, frente à pandemia da COVID-19, não se pode perder de vista que
a intervenção do Judiciário sobre a atividade econômica - em especial aquela desenvolvida por
particulares em pé de igualdade - reveste-se de caráter subsidiário e excepcional, notadamente diante
do prestígio de que goza a liberdade contratual no ordenamento jurídico.
5. Dessa forma, a interpretação e aplicação da revisão contratual, diante da onerosidade excessiva, deve
privilegiar a maximização do princípio da solidariedade social, de tal modo que os ônus decorrentes da
pandemia COVID-19 não sejam suportados exclusivamente por um dos contratantes.
6. Merece reforma a sentença que não observa a ocorrência de uma divisão igualitária das perdas, as
quais devem ser suportadas pelo locador e pelo locatário, sob pena de restarem malferidos os princípios
da solidariedade social, da função social e da preservação dos contratos.
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
Opostos embargos de declaração (Id 24626226), foram eles rejeitados (Id 24626239).
Colaciona lição de doutrinadores que entende amparar sua tese e, pugna, ao final, pela reforma da
sentença para que sejam julgados improcedentes os pedidos ou, caso seja mantida a sentença, requer
seja a redução estabelecida no patamar máximo de 30% para cada mês de aluguel que a sentença
concedeu o desconto.
É o relatório.
VOTOS
Diz que os descontos concedidos pelo d. Julgador a quo causaram impactos em suas finanças, já que
deixou de receber valores essenciais para a sua saúde financeira por ser a locação de imóveis sua
atividade preponderante.
Argumenta que não pode ser desconsiderada a bilateralidade da relação pactuada e que não é possível
a aplicação, em abstrato, dos institutos do caso fortuito e da força maior, devendo o Julgador verificar
se há uma impossibilidade real e direta (causa e efeito) para que não ocorra a satisfação da obrigação.
Aduz que a dificuldade enfrentada em razão dos reflexos causados pela crise sanitária não se
enquadram nos conceitos dos referidos institutos, já que atinge ambas as contratantes, bem como
porque não houve a demonstração de vantagem indevida por parte do locador.
Requer sejam afastadas as reduções concedidas na sentença por entender que cada contratante é
responsável pelos riscos inerentes ao seu próprio negócio e defende a tese no sentido de que, por não
haver solidariedade no lucro percebido pela atividade, também não há que se falar em divisão de
eventuais prejuízos.
Pugna, assim, pela reforma da sentença para que sejam julgados improcedentes os pedidos constantes
da inicial ou, caso seja ela mantida, requer que a redução dos valores mensais do aluguel sejam
fixados no percentual máximo de 30% para cada mês em que houve a concessão dos descontos,
mantendo-se intactos os demais termos do contrato firmado entre as partes.
Após analise da matéria, verifico que o apelante tem razão apenas em parte.
Efetivamente, é fato notório que a pandemia provocada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2),
causador da COVID-19, levou várias unidades da federação, inclusive o Distrito Federal, a adotar
medidas restritivas de circulação e de isolamento social que afetaram de forma substancial a atividade
econômica.
Por certo, a pandemia deve ser compreendida como uma situação excepcional e várias medidas vêm
sendo implementadas pelo governo local e federal desde fevereiro do ano corrente, através de ações
pontuais e diversas proposições legislativas que hoje alcançam a marca de 39 (trinta e nove) leis, a fim
de minimizar seus efeitos devastadores na economia.
Não se desconsidera, contudo, a força de lei que tem o contrato firmado entre as partes, sendo que o
Código Civil estabelece o pacta sunt servanda, com respeito aos princípios da função social, da boa-fé
objetiva e da equivalência material, mormente porque pautado na autonomia de vontade.
O mesmo diploma legal, todavia, contempla a possibilidade de revisão excepcional e limitada para
evitar a resolução contratual, temperando o princípio do pacta sunt servanda, conforme parágrafo
único do art. 421 e inciso III do art. 421-A, ambos introduzidos pela Lei n. 13.874/2019, com a Teoria
da Imprevisão, albergada pelos arts. 478 e seguintes do Código Civil.
Dessa forma, a interpretação e aplicação da revisão contratual, diante da onerosidade excessiva, deve
privilegiar a maximização do princípio da solidariedade social, de tal modo que os ônus decorrentes
da pandemia COVID-19 não podem ser suportados exclusivamente por um dos contratantes.
Deve-se ter cautela, portanto, quando da análise de demandas que requerem a revisão judicial de
contratos, em especial quanto à capacidade econômica de ambos os contratantes, preservando, sempre
que possível, a vontade manifestada pelas partes.
Diante desse cenário, o pedido pode ser embasado na ocorrência de fato imprevisível e excepcional,
com amparo na teoria da imprevisão constantes do art. 478 e seguintes do CC, quando faz-se possível
uma revisão temporária na relação locatícia visando minimizar o desequilíbrio entre os contratantes e
distribuir, de forma mais equânime e solidária, as consequências advindas da pandemia na atividade
comercial.
Esse é o entendimento que vem sendo adotado por essa Relatoria, conforme se observa de aresto
publicado recentemente: Confira-se:
Diante desse cenário, observa-se que a sentença vergastada merece reparos, em parte.
Premente se faz a necessidade de uma revisão temporária na relação locatícia visando minimizar o
desequilíbrio entre os contratantes, no entanto, devem ser distribuídas, de forma mais equânime e
solidária, as consequências advindas da crise financeira provocada pela pandemia, sopesando-se os
termos contratuais a fim de atingir um razoável equilíbrio econômico-financeiro do contrato durante a
relação processual.
Não se reveste de razoabilidade a concessão de descontos mensais, no percentual de 70% (setenta por
cento), durante o período de maio a setembro/2020, sobre o valor originalmente previsto no contrato e
de 50% (cinquenta por cento), no mês de outubro/2020.
Isso porque não se observa a ocorrência de uma divisão igualitária das perdas, as quais deve ser
suportadas pelo locador e locatário, sob pena de restarem malferidos os princípios da solidariedade
social, da função social e da preservação dos contratos.
Posto isso, verifica-se que a redução dos descontos para o patamar de 50% (cinquenta por cento)
durante o período de maio a setembro/2020, e de 40% (quarenta por cento), no mês de outubro/2020,
sobre o valor originalmente previsto no contrato, bem como a manutenção do desconto de 30% (trinta
por cento) para no mês de novembro/2020, melhor atende a referidos princípios.
Esse entendimento se encontra em consonância com as decisões que vem sendo proferidas por essa e.
Turma, conforme se pode observar dos arestos abaixo colacionados:
Dessa forma, mesmo diante da conjuntura atual, frente à pandemia da COVID-19, não se pode perder
de vista que a intervenção do Judiciário sobre a atividade econômica - em especial aquela
desenvolvida por particulares em pé de igualdade - reveste-se de caráter subsidiário e excepcional,
notadamente diante do prestígio de que goza a liberdade contratual no ordenamento jurídico. (Lei nº
13.874/2019, art. 2º, inc. I e III).
De outro lado, a autora/apelante não ficará totalmente privada dos rendimentos do imóvel, nem se
exigirá o cumprimento de prestação momentaneamente excessiva ao locatário, o que se reputa justo e
coerente e resguarda os interesses de ambas as partes, com a preservação da empresa e do contrato
firmado entre eles.
Ante o exposto, conheço do recurso e a ele dou PARCIAL PROVIMENTOpara que a redução dos
descontos dos alugueis ocorra no patamar de 50% (cinquenta por cento) durante o período de maio a
setembro/2020, de 40% (quarenta por cento) no mês de outubro/2020, sobre o valor originalmente
previsto no contrato, devendo ser mantida a sentença em seus demais termos.
É como voto.
DECISÃO