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ANÁLISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO MOÇAMBICANO: UM OLHAR AO RESPEITO PELOS

DIREITOS HUMANOS DOS RECLUSOS

Osvaldo Iuate Ligonha1

RESUMO

O desígnio desta matéria é o de identificar a situação actual do sistema penitenciário moçambicano e elucidar os
seus fundamentais dilemas, indagando assim ao princípio da dignidade da pessoa humana. Em virtude desta,
teve-se como questão-problema a seguinte: Qual é o grau de respeito e salvaguarda dos direitos humanos no
sistema penitenciário moçambicano? Com o enfoque de obtenção de resultados fidedignos e reais, exaurimos
como objectivo geral do estudo o seguinte: analisar a problemática do sistema penitenciário moçambicano, sua
inserção nas políticas públicas de segurança, e os seus desafios tendo em alusão à figura do recluso como um
sujeito susceptível de direitos. A metodologia usada para lograr tais resultados baseou-se em quatro critérios,
nomeadamente, quanto a abordagem, aos objectivos, ao método e ao procedimento. No primeiro critério a
presente pesquisa classifica-se como qualitativa, no segundo como explicativa, no terceiro adoptou-se o método
dedutivo e no quarto e último critério, classifica-se a pesquisa como basicamente bibliográfica, servindo-se
também do método hermenêutico-interpretativo. De forma conclusiva, percebe-se que existe a necessidade de
revisão do sistema penitenciário moçambicano no que diz respeito a promoção dos serviços básicos, e
certamente uma conscientização do Estado sobre o recluso, como um cidadão moçambicano susceptível de
direitos. À vista disso, é inconstitucional violar o princípio da dignidade da pessoa humana. A função de
reintegração e ressocialização do recluso na esfera social constitui-se como a finalidade permanente do Estado
no que diz respeito ao encarceramento do indivíduo-infractor das normas legais. E em sentido desta, é necessário
que o Estado se comprometa e se responsabilize sobremaneira no que diz respeito ao bem-estar e garantia de
direitos a pessoa do recluso. Como sugestão, entendemos que há necessidade da sociedade e as autoridades
consciencializarem-se de que a principal solução para os problemas abordados é, primeiramente cumprir com a
legalidade, ou seja, com o previsto na Constituição, Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Lei de
Execução das Penas, em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, evitando assim, a
reincidência do recluso.

Palavras-chave: Sistema Penitenciário, Direitos Humanos, Recluso, Fins da Penas.

ABSTRACT

The purpose of this matter is to identify the current situation of the Mozambican penitentiary system and
elucidate its fundamental dilemmas, thus questioning the principle of human dignity. As a result of this, the
following problem was raised: What is the degree of respect and protection of human rights in the Mozambican
penitentiary system? With the focus on obtaining reliable and real results, we have exhausted the following
general objective of the study: to analyze the problem of the Mozambican penitentiary system, its insertion in
public security policies, and its challenges, alluding to the figure of the inmate as a subject susceptible of rights.
The methodology used to achieve such results was based on four criteria, namely, in terms of approach,
objectives, method and procedure. In the first criterion, the present research is classified as qualitative, in the
second as explanatory, in the third, the deductive method was adopted and in the fourth and last criterion, the
research is classified as basically bibliographic, also using the hermeneutic-interpretative method . Conclusively,
it is clear that there is a need to review the Mozambican penitentiary system with regard to the promotion of
basic services, and certainly an awareness of the State about the inmate, as a Mozambican citizen susceptible of
rights. In view of this, it is unconstitutional to violate the principle of human dignity. The function of
reintegration and resocialization of the inmate in the social sphere is constituted as the permanent purpose of the
State with regard to the incarceration of the individual-offender of legal norms. And in this sense, it is necessary

1
osvaldo.ligonha@gmail.com, estudante de Direito: 3 o Ano UCM-FADIR, 844357770/879435777.
1
for the State to commit and take great responsibility with regard to the well-being and guarantee of rights to the
person of the inmate. As a suggestion, we understand that there is a need for society and the authorities to be
aware that the main solution to the problems addressed is, first of all, to comply with legality, that is, with the
provisions of the Constitution, Universal Declaration of Human Rights and the Law of Execution of Penalties, in
accordance with the principle of human dignity, thus avoiding the recidivism of the inmate.

Key-words: Penitentiary System, Human Rights, Inmate, End of Sentences.

INTRODUÇÃO

O presente estudo cujo tópico prende-se na análise do sistema penitenciário, enquadra-se na


égide do direito penal mas propriamente no executivo, e tem como campo de estudo o
respeito pelos direitos humanos dos reclusos.

Frequentemente, os defeitos do sistema penitenciário de nosso país vem sendo expostos pela
imprensa e pela televisão, que retratam um quadro desolador, comum a toda África: centenas
de estabelecimentos penitenciários em deploráveis condições, superlotados, onde os direitos
humanos dos detentos são objecto de contínua violação.

Este estudo, objectivando, procura fazer uma análise crítica do Sistema Penitenciário
moçambicano e um estudo sobre a operacionalização do carácter correccional da pena,
procurando investigar o funcionamento do sistema penitenciário; identificar a necessidade de
mudanças na estrutura física das penitenciárias; no funcionamento interno das prisões e, por
fim, apontar possíveis métodos à viabilização do fim ressocializador da pena.

As instituições penitenciárias, tais como são estrutural e fisicamente administradas, mostram-


se insuficientes e ineficazes diante do aumento do número de condenados à privação de
liberdade suscitando enormes problemas para o sistema em si. Inicialmente será apresentada a
evolução histórica das penas e seus respectivos fins, tratando sobre seu conceito e origem.
Abordaremos também sobre a evolução da pena de prisão em Moçambique, logo falaremos da
origem do sistema penitenciário. Faremos um breve historial sobre o sistema penitenciário no
país, Passaremos a abordar também sobre os principais problemas enfrentados nos
estabelecimentos penitenciários tendo em conta as causas, consequências e possíveis
soluções.

2
Por fim concluímos nos perguntando, qual é o grau de respeito e salvaguarda dos direitos
humanos dos reclusos no sistema penitenciário moçambicano? Visto que existe a real
intenção de garantir o mínimo existencial e ressocializar o sentenciado.

No que concerne a metodologia usada nesta pesquisa, tiveram-se em conta quatro critérios,
nomeadamente da abordagem, dos objectivos, do método e do procedimento. No primeiro
critério a presente pesquisa classifica-se como qualitativa, no segundo como explicativa, no
terceiro adoptou-se o método dedutivo e no quarto e último critério, classifica-se a pesquisa
como basicamente bibliográfica, servindo-se também do método hermenêutico-interpretativo.
Quanto a estrutura do presente trabalho, este encontra-se organizado em três partes
nomeadamente: referencial teórico, referencial metodológico, e finalmente, a parte
concernente a apresentação, análise e discussão de dados, sucedida pela conclusão, propostas
e apresentação das referências bibliográficas.

1. REFERENCIAL TEÓRICO
1.1. ESTABELECIMENTO PENITENCIÁRIO: NOÇÕES GERAIS

A prisão, essa região sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não
ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de
objectividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença
se inscrever entre os discursos do saber.2

O Estabelecimento penitenciário é uma instituição designada a proteger a sociedade de


indivíduos considerados perigosos a manutenção da paz social, segrega o condenado, sem
preocupação inerente com seu bem-estar, de forma a concentrar todas as suas forças e
necessidades em um único local, cujas actividades são desenvolvidas na companhia de
diversas outras pessoas, de forma padronizada e sob a vigilância de uma única autoridade,
aspecto que reforça a perda da identidade do preso.3

A lei consagra que os estabelecimentos penitenciários são unidades comuns e especiais


adstritas aos Serviços Penitenciários e destinam-se à prisão preventiva, ao cumprimento de

2
FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: nascimento da prisão, Trad. Lígia M.Ponde Vassalo, Petrópolis: Vozes,
1987, pág. 284.
3
BITENCOURT, Cézar Roberto, Falencia da pena de prisão, s/ed., Editora Saraia, São Paulo, 2015, pag. 14.
3
penas e à execução de medidas de segurança privativas da liberdade, de cidadão que por
decisão judicial, tenha sido imposta medida ou pena privativa de liberdade.4

1.2. BREVE HISTÓRIA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO MOÇAMBICANO

Até o século XVIII a intenção da prisão era apenas de prevenir a fuga do acusado, pois a
punição iria além da privação da liberdade, os acusados eram torturados marcados por penas
cruéis e desumanas, o encarceramento era um meio, não era o fim da punição. Após o século
XVIII a natureza da prisão se modifica, e se torna a essência do sistema punitivo. A finalidade
do encarceramento passa a ser isolar e recuperar o infractor. 5

1.3. O CONCEITO DA PENA

Pena é espécie sanção penal, isto é, resposta estatal ao infractor da norma incriminadora
(crime ou contravenção), consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos
do agente. Sua imposição depende do devido processo legal, através do qual se constata a
autoria e materialidade de um comportamento típico, antijurídico e culpável não atingido por
causa extintiva da punibilidade.6

A palavra pena deriva do latim poena, que indica castigo ou suplício. Não se ignora, todavia,
a existência daqueles para os quais o vocábulo tem raiz grega – ponos, que significa trabalho
ou fadiga. Do ponto de vista jurídico-penal, pena é consequência atribuída por lei a um crime
ou a uma contravenção penal. Trata-se de uma sanção, de carácter aflitivo, consistente na
restrição a algum bem jurídico, cuja inflicção requer a prática de um injusto culpável.7

Outros autores defendem que, a pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante acção
penal, ao autor de uma infracção (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na
diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos.8 É a sanção penal de
carácter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática
de uma infracção penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja

4
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 26/2019, de 27 de Dezembro, que aprova o Código de Execução
de Penas, in Boletim da Republica, I série no 250 de 27 de Dezembro, art. 19.
5
CARVALHO FILHO, Luís Francisco, A prisão, Publifolha, São Paulo, 2002, pág. 21.
6
CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal, V.1, 3ª Edição, Editora JusPodvm, Salvador, 2015, pag.
383.
7
ESTEFAM, André, Direito Penal, 7ª Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2018, pag. 374.
8
JESUS, Damásio, Direito Penal: Parte Geral, 36ª Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2015, p. 563;
4
finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e
prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à colectividade.9

A pena é a principal consequência da prática de um crime (comportamento proibido pela


norma incriminadora). Todavia, a pena criminal é, também, uma manifestação do viver
comunitário organizado.10 A pena representa a reacção de uma comunidade de homens
àqueles comportamentos penalmente proibidos por essa mesma comunidade. O que bem
demonstra, em nosso ver, que a pena é o reflexo dos valores dessa comunidade em um certo
tempo e um certo espaço. A pena é, por sobre tudo, a refracção do entendimento do homem
sobre si próprio. Precisamente por isso, a pena repõe o sentido primevo da relação de cuidado-
perigo.11

1.4. Fins das Penas

A pena criminal, como as sanções jurídicas, em geral, é uma consequência desfavorável


normativamente prevista para o caso de violação de uma norma e pela qual se reforça a sua
imperatividade. As sanções não são condição da essência do Direito, embora sejam muito
importantes, porventura essenciais, para a sua vigência.12 Os objectivos, os fins do Direito, em
geral, e do Direito Penal, em especial, não se confundem com os fins imediatos das sanções
aplicáveis como consequência da violação das normas.13

Ora pode ser-se tentado a dizer, desde logo, que as sanções criminais correspondem a uma
necessidade de afirmar certos valores ou bens jurídicos. Só que com isto não fica, de modo
algum, dito em que consista tal afirmação de valores ou bens jurídicos, antes importa fixar-lhe
o seu preciso conteúdo e alcance. Para tanto dois caminhos são fundamentalmente possíveis:
De acordo com um deles, a reacção criminal é uma pura exigência de justiça, corresponde a
uma necessidade absoluta de afirmação. Doutro lado se afirma, pelo contrário, que a reacção
criminal tem em vista proteger certos interesses, conservá-los e defende-los, tirando a sua

9
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito penal: Parte Especial, 12ª Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2007, p.
538;
10
COSTA, José De Faria, Noções Fundamentais de Direito Penal, 3ª Edição, Editora Coimbra, Coimbra, 2012,
pag. 8.
11
Idem, pp. 9-10.
12
ASCENSÃO, José Oliveira, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 10ª Edição, Editora Coimbra, Coimbra,
1997, pag. 56.
13
SILVA, Germano Marques Da, Direito Penal Português, 2ª Edição, Editora Verbo, São Paulo, 2001, pag. 40.
5
razão de ser da necessidade de evitar que esses interesses venham a ser violados.14 A estes
dois grupos de teorias se dá respectivamente o nome de absolutas e relativas.

1.4.1. Teorias Absolutas

Para esse grupo de teorias a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação,
reparação ou compensação do mal do crime e nesta essência se esgota. Se, apesar de ser
assim, a pena pode assumir efeitos reflexos ou laterais socialmente relevantes (de intimidação
da generalidade das pessoas, de neutralização dos delinquentes, de ressocialização), nenhum
deles contende com a sua essência e natureza, nem se revela susceptível de a modificar: uma
tal essência e natureza é função exclusiva do facto que (no passado) se cometeu, é a justa
paga do mal que com o crime se realizou, é o justo equivalente do dano do facto e da culpa do
agente.15

De forma sumária, esta teoria considera a reacção criminal derivada de uma exigência da
própria violação (a punição tem lugar ‟quia peccatum‟).16 “a pena tem como fim fazer justiça,
nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena”,
e o fundamento da sanção estatal está no questionamento livre-arbítrio, entendido como a
capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto. 17 Mas esta teoria
deve ser recusada, logo porque ela não é (verdadeiramente não quer ser, nem pode ser) uma
teoria dos fins da pena. Ela visa justamente o contrário, isto é, a consideração da pena como
entidade independente de fins. E ainda deve ser recusada pela sua inadequação a legitimação,
a fundamentação e ao sentido da intervenção penal. Estas podem apenas resultar da
necessidade, que o Estado incumbe satisfazer, de proporcionar as condições de existência
comunitária, assegurando a cada pessoa o espaço possível de realização livre da sua
personalidade.18

1.4.2. Teorias Relativas

Contrariamente às teorias absolutas, as teorias relativas são, com plena propriedade, teorias de
fins. Também elas reconhecem que, segundo a sua essência, a pena se traduz num mal para

14
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal, s/ed., Editora Almedina, Lisboa, 2008, pp. 39-40.
15
DIAS, José De Figueiredo, Direito Penal, 2ª Edição, Editora Coimbra, 2012, pag. 45.
16
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal…, Op. Cit, pag. 40
17
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral, Editora Saraiva, São Paulo, 2015, pag.
134.
18
DIAS, José De Figueiredo, Direito Penal…, Op. Cit, pp. 47-48.
6
que sofre. Mas, como instrumento político-criminal destinado a actuar no mundo, não pode a
pena bastar-se com essa característica, em si mesma destituída de sentido social-positivo; para
como tal se justificar tem de usar desse mal para alcançar a finalidade precípua de toda a
política criminal, a prevenção ou profilaxia criminal.19

Também conhecida como teorias preventivas. Segundo esta teoria a pena se justifica não para
retribuir o facto delitivo cometido, mas, sim, para prevenir sua prática. De acordo com a teoria
absoluta, o castigo se atribui ao autor do delito somente porque delinquiu, já na teoria relativa
a pena se impõe para que não volte a delinquir. Ou seja, a pena deixa de ser concebida como
um fim em sim mesma, sua justificação deixa de estar baseada no fato passado, e passa a ser
concebida como meio para o alcance de fins futuros e a estar justificada pela sua necessidade:
a prevenção de delitos.20 Esta teoria faz derivar a razão de ser da sanção da necessidade de
evitar futuras violações (a punição tem lugar ‟ne peccetur‟). Por isso se poderá falar também
de teorias utilitaristas, finalistas.21

1.4.3. Teorias Mistas ou Unificadoras

É aliás concebível um terceiro grupo: o daquelas teorias que justamente entendem que o fim
ou razão de ser da sanção se cumpre ecleticamente, reagindo-se contra o passado e
procurando-se ao mesmo tempo evitar futuras violações (pune-se ‟quia peccatum ne
peccetur‟), e que poderão designar-se por teorias mistas.

Tais teorias tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Esta corrente tenta recolher
os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. As duas teorias em combinação
darão origem a uma terceira chamada mista ou ecléctica. Nota-se que a prevenção e
retributividade são figuras afins que de algum modo concorrem para o mesmo fim, o de
prevenir e o de punir o delinquente pelo mal cometido, não obstante a sua
complementaridade.22

Ser quiser reduzir-se a multiplicidade de pontos de vista que visam combinar a tese
fundamental da retribuição com as do pensamento preventivo, geral e especial, reconduzindo-
as a um corpo doutrinal predominante, poderá este ser definido como o de uma pena

19
Idem, pag. 49.
20
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral…, Op. Cit, pag. 142.
21
CORREIA, Eduardo, Direito Criminal…, Op. Cit, pag. 40
22
SILVA, Haroldo Caetano Da, Manual de Execução Penal, 2ª Edição, Editora Bookseller, Campinas, 2002,
pág. 35.
7
retributiva no seio da qual procura dar-se realização a pontos de vista de prevenção, geral e
especial; ou diferentemente no que toca a hierarquização das perspectivas integrantes, para
todavia se exprimir no fundo a mesma ideia, como o de uma pena preventiva através de justa
retribuição.

1.4.4. Teoria abraçada pelo ordenamento jurídico-penal moçambicano

Na senda de todas as teorias anteriormente exauridas e desmistificadas, surge a necessidade


de exprimir-se a qual teoria o sistema penal do país estaria adstrito. Percebe-se em base do
disposto estabelecido nos termos do Código Penal que: ‟sem prejuízo da sua natureza
repressiva, a aplicação das penas e medidas de segurança tem em vista a protecção de bens
jurídicos, a reparação dos danos causados, a ressocialização do agente e a prevenção da
reincidência23. E sob o mesmo cômputo, acrescenta que ‟a execução da pena de prisão tem
em vista, sem prejuízo da sua natureza repressiva, a regeneração dos condenados e sua
readaptação social‟24. Em base do disposto consagrado naqueles artigos, aufere-se,
indubitavelmente, que a teoria adoptada é a teoria mista ou unificadora. Esta que reúne
preceitos fundamentais das duas teorias antecedentes, procurando devotar uma uniformidade,
regulação e emenda finalista.

2. DIREITOS HUMANOS
2.1.1. Breve Historial e Conceito

O Direito Natural foi o precursor dos Direitos Humanos, tendo levantado a questão da
existência de princípios superiores as normas específicas, válidos para todos os povos, em
todas as épocas. Seu desenvolvimento é progressivo e constante ao longo dos tempos. Teve
origem na natureza racional do homem e se caracteriza por ser um direito universal, acima da
razão e das acções humanas.25

A origem dos direitos individuais do homem pode ser apontada no antigo Egipto e
Mesopotâmia, no terceiro milénio a.C., onde já eram previstos alguns mecanismos para a
protecção individual em relação ao Estado. O Código de Hammurabi (1960 a.C) talvez seja a
primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a

23
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 24/2019, de 24 de Dezembro, que aprova o Código Penal
Moçambicano, in Boletim da República, I SÉRIE no 248 de 24 de Dezembro, art. 59.
24
Idem, art. 62.
25
CARVALHO, Hamilton Sarto Serra De (Coordenação), Direitos Humanos, 1ª Edição, Editora Autografia,
Barcelona, 2022, pp. 33-34.
8
vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das
leis em relação aos governantes. A influência filosófica-religiosa nos direitos do homem pode
ser sentida com a propagação das ideias de Buda, basicamente sobre a igualdade de todos os
homens (500 a. C.).26

Posteriormente, já de forma mais coordenada, porém com uma concepção ainda muito diversa
da actual, surgem na Grécia vários estudos sobre a necessidade da igualdade e Liberdade do
homem, destacando-se as previsões de participação política dos cidadãos (democracia directa
de Péricles); a crença na existência de um direito natural anterior e superior às leis escritas,
defendida no pensamento dos sofistas e estóicos. Contudo, foi o Direito romano que
estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos individuais em
relação aos arbítrios estatais. A Lei das doze tábuas pode ser considerada a origem dos textos
escritos consagradores da Liberdade, da propriedade e da protecção aos direitos do cidadão. 27

Os Direitos Humanos revelam o conteúdo ínsito e nefrálgico da personalidade, são direitos de


exigir de outrem o respeito da própria personalidade. Tem por objective, não algo de exterior
ao indivíduo, mas um conjunto de maneiras que tipificam o estado físico e moral da pessoa,
i.e., modos que se caracterizam bens de personalidade física, moral e jurídica do ser
humano.28 Os direitos humanos são faculdades de agir ou poderes de exigir atribuídos ao
indivíduo para assegurar a dignidade humana nas dimensões da liberdade, igualdade e
solidariedade. Nascem na ordem jurídica supraestatal e são recepcionados nos países que se
comprometeram a assegurá-los e garanti-los em suas constituições.29 Estes constituem um
núcleo de direitos que protegem a vida e a dignidade da pessoa humana.30

3. REFERENCIAL METODOLÓGICO
3.1. Tipo de Pesquisa

Relativamente a metodologia de pesquisa que serve de base para este Artigo, foram levados
em consideração cinco (4) critérios de qualificação metodológica fornecidos pela doutrina de

26
MORAES, Alexandre De, Direitos Humanos Fundamentais, 8ª Edição, Editora Atlas, São Paulo. 2007, pag.
6.
27
MORAES, Alexandre De, Direitos Humanos Fundamentais…, Op. Cit, pag. 6.
28
CHIZIANE, Moisés, Delinquência e Menoridade em Moçambique, s/ed., Editora Escolar, Maputo, 2012, pág.
55.
29
SARMENTO, George, As gerações dos direitos humanos e os desafios da efectividade, s/ed., Editora
Campus, Rio de Janeiro, 1995, pag. 1.
30
CENTRO DE DIREITOS HUMANOS, Lições de Direitos Humanos, s/ed., Editora: Associação CDH, 2013,
pp. 10-11.
9
investigação científica nas mais variadas autorias, que são: quanto aos objectivos, quanto a
abordagem, quanto ao método e quanto ao procedimento.31

Quanto aos objectivos, a presente pesquisa é qualificada como explicativa, mas com algumas
nuances da descritiva. Isto porque o autor mais do que relatar as características do fenómeno-
problema que se apresenta neste estudo, objectiva encontrar os fundamentos que dão ensejo a
àquele fenómeno32, isto é, busca a razão, o motivo, a causa e o efeito da ocorrência daquele
fenómeno problema. Quanto a abordagem, a pesquisa é de índole qualitativa, muito em
função do tipo de informações que se pretende colher, não tendo como pretensão elementos
do tipo estatísticos33. Ademais, é a subjectividade dos agentes intervenientes nesta pesquisa e
a atenção que se terá aos aspectos não observáveis e insusceptíveis de qualificação, que
predomina neste estudo.34

Quanto ao método, usou-se o indutivo, devido ao facto de que o autor, para obter conclusões
com premissas gerais, partiu de observações específicas, ou seja, observou casos específicos e
isolados para tirar conclusões gerais e abrangentes.35 E por fim, quanto ao procedimento, a
pesquisa é basicamente bibliográfica, sem prejuízo de interpretações e observações indirectas
dos factos, fenómenos e aspectos ligados ao objecto do estudo.

3.2.Técnicas e instrumentos de recolha de dados


3.2.1. Técnicas de recolha de dados

São consideradas um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência; são,
também, a habilidade para usar esses preceitos ou normas, na obtenção de seus propósitos.
Correspondem, portanto, à parte prática de colecta de dados. Apresentam duas grandes
divisões: documentação indirecta, abrangendo a pesquisa documental e a bibliográfica e
documentação directa36

31
TRIVINOS, Augusto Nibaldo Silva, Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em
educação, 14ª reimpressão, Editora Atlas S.A., São Paulo, 2006.
32
MARCONI, Marina de Andrade & LAKATOS, Eva Maria, Metodologia do Trabalho Científico, 7ª Edição e
ampliada, Editora Atlas S.A., São Paulo, 2010.
33
MARCONI, Marina de Andrade & LAKATOS, Eva Maria, Fundamentos de Metodologia Científica…, Op.
Cit.
34
TRIVINOS, Augusto Nibaldo Silva, Op. Cit.
35
MARCONI, Marina de Andrade & LAKATOS, Eva Maria, Op. Cit
36
POCINHO, Margarida, Metodologia de Investigação e Comunicação do Conhecimento, Edições Técnica,
Lisboa, 2012, P. 111.
10
A documentação directa subdivide-se em observação directa intensiva e observação directa
extensiva37. Este estudo guia-se pela documentação directa na vertente da observação directa
intensiva, com a técnica de observação. É usada a técnica de observação, porque foram
utilizados os sentidos humanos na obtenção ou captação de determinados aspectos da
realidade. Não apensas a audição e visões foram necessárias, mas também uma capacidade
analítica dos factos e fenómeno que se desejou estudar.

4. APRESENTAÇÃO, ANALISE E DISCUSSÃO DE DADOS


4.1.INCURIALIDADES DECORRENTES DO SISTEMA PENITENCIÁRIO
MOÇAMBICANO

Como objectivo deste artigo, apresentar-se-ão as principais incurialidades que enfermam o


sistema penitenciário moçambicano, como a superlotação, a má higiene e saneamento do
meio, exploração sexual, saúde precária, maus tratos e desumanismo, má alimentação,
reincidência, prisão preventiva, e a prisão de menores.

4.1.1. Superlotação Penitenciária

"Há sempre espaço para mais um".

O número de estabelecimentos penitenciários existente no país é claramente insuficiente para


albergar o número de reclusos, que é maior. Este pode apresentar-se como a incurialidade de
maior consistência, no mento que a partir desta podem surgir outras. Muitas penitenciárias de
Moçambique estão superlotadas. Em carácter de exemplo temos a penitenciária Regional na
província central de manica, também conhecida como "Cabeça do Velho". A população da
penitenciária está estimada em mais de 3.200 reclusos, o que representa quase o dobro da
capacidade instalada. Ou, o estabelecimento penitenciário Provincial de Maputo, que conta
neste momento com mais de 3.000 reclusos, contra a capacidade instalada de 800. Também o
estabelecimento penitenciário distrital de Milange, na Província de Zambézia, este que que
tem uma superlotação de 200% (cerca de 300 reclusos com a capacidade para 100 pessoas).

Até Dezembro de 2021 o país contava com 157 EPs com uma capacidade para internar 8 998
reclusos. De acordo com os dados do SERNAP, no primeiro semestre de 2020 o país tinha 21
187 reclusos, número que reduziu para 16 902 em Julho do mesmo ano face à aplicação das

37
POCINHO, Margarida, Metodologia de Investigação e Comunicação do Conhecimento…,Op. Cit, pag. 111.
11
medidas da Lei de Amnistia e Perdão de Penas, no âmbito de esforços para prevenção da
propagação da Covid-19. O número da população reclusória voltou a subir para 18 752 em
finais de Dezembro de 2020. Até 31 de Dezembro de 2021 o país registou 20 517 indivíduos
encarcerados. Comparando com o ano 2020, a população reclusória aumentou em 1 765. Do
total dos indivíduos internados nos EPs em 2020, 12 765 (68,1%) estavam em cumprimento
de pena e 5 987 (31,9%) em prisão preventiva, enquanto em 2021, do total de indivíduos
internados 14 245 (69,4%) estavam em cumprimento de pena e 6 272 (30,6%) em prisão
preventiva.38

Em base desta incurialidade podemos consequentemente extrair diversos outros problemas do


mesmo, sendo estes: tráfico de drogas, transmissão de doenças, evasão penitenciária, mortes,
suicídio, homicídios, facções criminosas, insuficiência sanitária, entre outros. Mas um
exemplo claro que apareceu em virtude da superlotação, é evento em que um guarda prisional
atirou contra sete reclusos da penitenciária do distrito de Milange, província da Zambézia.
Dos sete reclusos atingidos, dois morreram no local e outros três perderam a caminho do
hospital devido à gravidade de ferimentos.

4.1.2. Má Higiene e saneamento

O código de execução de pénas consagra que: é assegurado ao recluso o acesso a instalações


sanitárias em condições de higiene e que garantam, na medida do possível, a sua privacidade.
E ainda acrescenta que são assegurados ao recluso um banho diário e artigos e utensílios
necessários a manutenção da sua higiene pessoal e da do seu alojamento. 39

O que ocorre neste aspecto é que, em virtude do postulado acima estabelecido, as condições
que procura-se esmiuçar, são meramente formais e não apresentam, em bom rigor, pelo
sistema a sua materialidade.

Na secção feminina da Cadeia Civil havia um vaso sanitário, uma pia e um chuveiro, embora
uma das mulheres entrevistadas dissesse que havia um banheiro na sua cela. Cada secção da
área masculina tinha quatro banheiros, três torneiras e um chuveiro. Dois reclusos disseram
que nos banheiros a água corria apenas no início da manhã, entre às 07h00 e às 09h00 e à

38
OAM, Relatório sobre direitos humanos em Moçambique, s/ed., Comissão da OAM, 2020-2021, Maputo,
2022, pag. 28.
39
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 26/2019, de 27 de Dezembro, que aprova o Código de Execução
de Penas, in Boletim da Republica, I série no 250 de 27 de Dezembro, art. 34.
12
tarde entre às 17h00 e às 18h00. Baldes, tanques de 200 litros e frascos são enchidos durante a
noite. Uma mulher disse que elas usavam sacos plásticos para aliviar-se durante a noite. O
acesso ao saneamento parecia ser pior na Cadeia Central do que na Cadeia Civil. Alguns
disseram que havia apenas uma casa de banho compartilhada por entre 50 e 80 prisioneiros. O
acesso à água potável na Cadeia Central foi melhorado devido à abertura de dois poços.
Enquanto os reclusos tinham acesso à água durante o dia, eles enchiam baldes, garrafas e
tanques de 200 litros para as noites.40

4.1.3. Exploração Sexual

A DUDH estabelece que todo indivíduo tem direito a vida, a Liberdade e a segurança
pessoal.41 E a Constituição consagra que todo o cidadão tem direito a vida e a integridade
física e moral e não pode ser sujeito a tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos.42

Um dos casos que podemos expressamente de mencionar, é a questão da cadeia feminina de


Ndlavela, na província de Maputo, onde os guardas forçam as reclusas do estabelecimento
penitenciário a prostituírem-se. As reclusas são tiradas da cadeia, ao dia ou mesmo a noite,
para lugares, como uma pensão a 500 metros do centro de reclusão.

4.1.4. Saúde Precária

A população reclusa necessita de mais


atenção em relação a saúde do que a
população em geral, embora sua
efectivação nas prisões continue sendo um
grande desafio para a sociedade.43

40
CIP, o Sistema penitenciário em Moçambique, Edição n. 15/2015, Centro de Integridade Pública, Maputo,
2015, pag. 8.
41
ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Assembleia Geral das Nações, 1948, art. 3.
42
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique, in Boletim da República I
SÉRIE n o 51, de 22 de Dezembro de 2004, Actualizada pela Lei no 1/2018, de 12 de Junho, art. 40.
43
ANLI, Cremilde, et. Al, A atenção a saúde dos reclusos em Maputo: é viável avaliar?, s/ed., Editora:
Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2020, pag. 2.
13
O código de execução de penas consagra que o recluso dispõe do direito de ter acesso ao
Serviço Nacional de Saúde em condições idênticas as que são asseguradas a todos os
cidadãos.44

Neste aspecto, percebe-se que existem esforços perpetrados pelo Governo para que tal seja
exequível, mas a principal inquietação encontra-se na componente burocrática para o alcance
de tais serviços hospitalares. No momento em que existem vários entraves no que concerne a
fruição e gozo dos serviços sanitários quando se mostram necessários. Outro quesito de
relevante importância é a de integração de reclusos patológicos em mesma instalação com os
reclusos saudáveis, aspecto este que pode consubstanciar-se no contágio e risco de saúde para
o estabelecimento penitenciário em si.

A saúde é um direito indispensável para a vida de todo o ser humano. A lei estabelece que os
reclusos devem gozar dos mesmos cuidados sanitários com os outros cidadãos em Liberdade.
Em base do preceito disposto, percebemos que a tal igualdade que perspectivamos e
desejamos ter, não torna-se exequível na totalidade. Além de todos os aspectos sanitários que
realmente enfermam o sistema, a situação mais preocupante são dos casos progressivos do
HIV-SIDA. Um exemplo claro que quase 300 dos 800 reclusos estão infectados pelo HIV, na
cadeia civil de Quelimane, na Zambézia, centro de Moçambique.

4.1.5. Maus tratos e Desumanismo

Ao disposto da nossa pesquisa, há que deixar claro, em bom rigor, que o recluso não deixa de
ser titular de uma personalidade jurídica, e nestes termos não perde a susceptibilidade de ser
um titular de direitos e obrigações. O que ocorre, e que deve deixar-se totalmente evidente é
que, o único direito pelo qual este perde é da Liberdade, este que foi a ele privado pela
execução de um ilícito penal. Ou seja, este continua sendo, antes, humano, cidadão, pois
exerce cidadania e acima de tudo, pessoa.

O Código de execução de penas consagra os direitos dos reclusos, e logo de princípio


estabelece que este dispõe da protecção da sua vida, saúde, integridade pessoal e Liberdade de
consciência, não podendo ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes

44
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 26/2019, de 27 de Dezembro, que aprova o Código de Execução
de Penas, in Boletim da Republica, I série no 250 de 27 de Dezembro, art. 12 no 1 alínea h) e art. 39 n.1.
14
ou desumanos.45 E sobre o mesmo postulado, acrescenta a declaração universal dos Direitos
Humanos que ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes.46

Este problema ocorre, especialmente por conta da actuação dos guardas prisionais que tratam
os reclusos de forma escrupulosa e submetem-nos a situações degradantes. Algo que deveria
ser diferente, pois é objectivo do SERNAP ilustrar a necessidade de se vencer os desafios que
se impõem em cada etapa de desenvolvimento do sistema penitenciário, incentivando
continuamente o respeito pela vida humana e tratamento condigno dos reclusos,
demonstrando comportamento e comprometimento dos membros do SERNAP em tornar o
estabelecimento penitenciário num ambiente saudável e harmonizado.

4.1.6. Má Alimentação

O Código de execução de penas consagra que o estabelecimento penitenciário assegura ao


recluso refeições em quantidade, qualidade e apresentação que correspondam as exigências
dietéticas, as especificidades da idade, do estado de saúde, natureza do trabalho prestado,
estação do ano e clima e as suas convicções religiosas. E a Direcção Geral dos Serviços
Penitenciários assegura, com regularidade, o controlo de qualidade, bem como a composição
e valor nutricional das refeições ministradas nos estabelecimentos.47

Problemas estes que podem suscitar a tentativa de evasão dos reclusos das penitenciárias,
como exemplo temos: Em Agosto de 2019, três reclusos morreram baleados após tumultos na
Cadeia Industrial de Nampula. No dia 14 de Julho de 2022, a Rádio Moçambique deu a
conhecer o caso de cinco reclusos que foram alvejados mortalmente por um guarda prisional,
quando tentavam fugir da penitenciária do distrito de Milange. Numa altura em que se servia
o jantar, quando um grupo numeroso de reclusos tentava fugir, alguns reclusos
protagonizaram uma evasão maciça. A Penitenciária Distrital da Província da Zambézia tem
capacidade para 150 reclusos, mas, à data dos factos, estavam naquele estabelecimento
prisional cerca de 300 pessoas, sob a vigilância de dois guardas prisionais.

45
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 26/2019, de 27 de Dezembro, que aprova o Código de Execução
de Penas, in Boletim da Republica, I série no 250 de 27 de Dezembro, art. 12 n 1 alínea a).
46
ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Assembleia Geral das Nações, 1948, art. 5.
47
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 26/2019, de 27 de Dezembro, que aprova o Código de Execução
de Penas, in Boletim da Republica, I série no 250 de 27 de Dezembro, art. 38 .
15
4.1.7. Reincidência

Podemos considerar que a reincidência se consagra e se configura como sendo a figura com
maior contrariedade material dos fins das penas, estabelecido nos termos do CP, no momento
em que deixa-se totalmente cristalino que aquele preceito da finalidade do Direito Penal que
coaduna com a finalidade das penas tem se mostrado inexequível.

Sendo que o preceito fulcral apresentado naquele disposto é a reparação dos danos causados, a
ressocialização do agente da infracção e a prevenção da reincidência48, percebe-se, em bom
rigor, que tem se verificado que os agentes que outrora tenham cumprido na íntegra de suas
penas não tenham mudado de comportamento e por sinal, cometem infracções sob mesma
natureza antes de terem se passado oito anos desde a sua condenação 49. Em virtude deste
postulado, aufere-se que algo no sistema não esteja a operar de bom agrado, e conclui-se neste
vertido que àqueles preceitos dos artigos diferem totalmente com a questão realística dos
mesmos, pressupondo assim que a realidade formal ou normativa se apresenta antagónica a
material.

4.1.8. Unidades da prisão preventiva

O Código de processo penal estabelece que a execução das penas e medidas de segurança e
dos que se encontram em regime de detenção ou prisão preventiva, realiza-se em absoluto
respeito pela dignidade da pessoa humana, assente nos princípios fundamentais consagrados
na Constituição da República de Moçambique, nos instrumentos de Direito Internacional e
nas demais leis.50 Acrescenta ainda a DUDH que toda a pessoa acusada de um acto delituoso
presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um
processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.51

48
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 24/2019, de 24 de Dezembro, que aprova o Código Penal
Moçambicano, in Boletim da República, I SÉRIE no 248 de 24 de Dezembro, art. 59 e 63.
49
Idem, art. 42 no 1.
50
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 25/2019 de 26 de Dezembro, que aprova o Código de Processo
Penal moçambicano, in Boletim da República, I SÉRIE no 249 de 26 de Dezembro, art. 5.
51
ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Assembleia Geral das Nações, 1948, art. 11.

16
Até Dezembro de 2021, o país contava com 6 272 indivíduos em prisão preventiva,
correspondente a 30,5% do total de internados69, contra 5 987 em 2020, número que
correspondia a 31,9% do total dos internados em todos EPs.52

Para iniciarmos com a nossa discussão neste computo, perguntaríamos em jeito de reflexão:
‟Qual seria a diferença entre um individuo com uma sentença condenatória e um
indivíduo que a aguarda pelo julgamento?‟. Percebemos que não existe uma discriminação
positiva no que concerne a este aspecto, no momento em que tanto os agentes sob suspeita da
lei como os que já foram declarados culpados são "encaminhados" para o mesmo cenário e
sob os mesmos tratamentos.

A problemática candente que nós aqui trazemos, é expressamente sobre a degradação do


sistema, este que suscita outros enormes problemas, não só indo de encontro ao atentado a
integridade física do agente mas também a moral/psicológica do mesmo. Em suma, o que
tentamos aqui é exaurir é que o sistema em si, por conta de sua bancarrota pode transformar
um homem íntegro, honesto, e com todas as qualidades possíveis, num homem contrário aos
preceitos jurídico-penais. De forma explicativa sobre o mesmo problema em alusão,
chamamos a colação de um preceito que é estabelecido nos termos do Código de Execução de
Penas, estabelecendo que: sem prejuízo do disposto no número anterior, devem existir
estabelecimentos penitenciários ou unidades especialmente vocacionados para a execução das
penas e medidas privativas da Liberdade aplicadas: a) a presos preventivos53. Preceito este
que também não dispõe de materialidade no momento em que os presos são mantidos de
forma conjunta no mesmo espaço e tratamentos que os reclusos não interessando a condição
de cada um.

4.1.9. Reclusão de Menores

A educação do menor é um investimento


para o futuro da sociedade e garantia da
renovação continua dos esforços do
desenvolvimento das sociedades, daí a
extrema necessidade de se estimular na
formação das crianças, enquanto
menores, para irem crescendo dentro do

52
OAM, Relatório sobre direitos humanos em Moçambique… Op. Cit, pag. 26.
53
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 26/2019, de 27 de Dezembro, que aprova o Código de Execução
de Penas, in Boletim da Republica, I série no 250 de 27 de Dezembro, art. 20 n. 2.
17
modelo social digno e enformador do
culto da personalidade.54

A carência de centros de acolhimento e reabilitação apropriados para cuidar das crianças


moçambicanas em conflito com a lei (envolvidas em delitos) sujeita milhares delas a
partilharem celas com perigosos cadastrados, facto que, de certa forma, tem comprometido o
seu futuro.

A Convenção sobre os Direitos da Criança, parte do quadro legal moçambicano desde o ano
de 1990, ano da sua ratificação pelo Moçambique, exorta que “nenhuma criança seja privada
de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária.” Ainda mais afirma que “A detenção, a reclusão
ou a prisão de uma criança devem ser efetuadas em conformidade com a lei e apenas como
último recurso, e pelo período de tempo mais breve possível.”55 O código penal
veementemente estabelece que os menores que não tiverem completado 16 anos de idade não
são susceptíveis de imputação.56

Estranhamente, o CEP não faz nenhuma referência à separação de crianças de adultos nos
estabelecimentos penitenciários.

4.2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não somos tão vendados ao ponto de não prestar atenção as acções levadas a cabo pelo
Governo no sentido de melhorar o sistema penitenciário Moçambicano, é evidente este
esforço. Mas para tal, acreditamos que há ainda um grande caminho a ser percorrido e muitas
fases e etapas a serem alcançadas. Conclui-se, ante a realidade do sistema prisional brasileiro
que o tratamento dos presos é totalmente indigno, uma vez que não são tratados como pessoas
detentoras de direitos e deveres, estes garantidos pela Constituição.57

A Lei de Execução das Penas expressa claramente que o Estado é o responsável pela
integridade física e moral do recluso, no entanto, esse factor na prática não é cumprido em
conformidade com esta lei. Enfatizando ainda, que se quer ocorre o cumprimento legal dos
direitos e garantias resguardadas ao recluso. É importante destacar que o fim das penas é
54
CHIZIANE, Moisés, Delinquência e Menoridade em Moçambique..,Op. Cit, pag. 57.
55
ONU, aprovada na Resolução 44/25 da Unidas-Convenção dos Direitos da Criança, Assembleia Geral das
Nações, 1989, art. 37
56
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 24/2019, de 24 de Dezembro, que aprova o Código Penal
Moçambicano, in Boletim da República, I SÉRIE no 248 de 24 de Dezembro, art. 48 alinea a).
57
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique, in Boletim da República I
SÉRIE n o 51, de 22 de Dezembro de 2004, Actualizada pela Lei no 1/2018, de 12 de Junho, art. 40 e 41.
18
estabelecido no código penal como sendo o de protecção de bens jurídicos, reparação dos
danos, ressocialização e prevenção da reincidência. Acrescenta ainda que esta tem carácter de
regeneração dos condenados e a sua readaptação. Por isso, o intuito de ressocializar o recluso
para que o indivíduo tenha uma nova chance de permanecer na sociedade, porém fazer com
que o mesmo não seja reincidente, ou seja, não venha a praticar nenhuma ilicitude novamente.

Chega-se a conclusão, ante o exposto neste artigo, que seria essencial e necessária a
construção de novas unidades prisionais, com objetivo de desafogar o sistema e solucionar
vários outros problemas como a falta de assistência médica, higiene e alimentação,
diminuindo consequentemente a transmissão de doenças, muitas vezes incuráveis, a
exploração sexual. Dessa forma, fazer com que ocorra o devido cumprimento legal.

4.3. Recomendações
 Investimentos nas infra-estruturas dos estabelecimentos penitenciários;
 Construção de mais penitenciárias no país (distrital, provincial)
 Qualificação das equipes técnicas das penitenciárias;
 Melhoria da qualidade dos serviços básicos prestados;
 Implementação de parcerias público-privadas para o trabalho recluso;
 Revisão da legislação quanto as bagatelas penais;
 Realização de inspecção periódica de modo a averiguar a situação dos reclusos;
 Revisão dos prazos e unidades da prisão preventiva;
 Formação de mais guardas penitenciários;
 Formação de mais juízes de modo que não haja estagnação de processos;
 Construção e implementação de reclusão específica de menores:
 Implementação da perspectiva formal na material;

4.4. REFERENCIAS

Legislação:

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 26/2019, de 27 de Dezembro, que aprova o


Código de Execução de Penas, in Boletim da Republica, I série no 250 de 27 de Dezembro.

REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Lei no 24/2019, de 24 de Dezembro, que aprova o


Código Penal Moçambicano, in Boletim da República, I SÉRIE no 248 de 24 de Dezembro

19
REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, Constituição da República de Moçambique, in Boletim
da República I SÉRIE n o 51, de 22 de Dezembro de 2004, Actualizada pela Lei no 1/2018,
de 12 de Junho.

ONU, aprovada na Resolução 44/25 da Unidas-Convenção dos Direitos da Criança,


Assembleia Geral das Nações, 1989.

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