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13 de Outubro de 2022

Testamento internacional e herança de bens no exterior: bicho


de sete cabeças?

Cada vez mais comum, a transnacionalidade nas sucessões exige


conhecimentos de teoria geral, direito internacional e estrangeiro.

Publicado por Julian Henrique Dias Rodrigues há 3 anos  5.092 visualizações

A temática do testamento internacional - sucessão ou herança


transnacional - parece não estar recebendo o merecido destaque nas
cadeiras de direito de família e sucessões.

Ainda são poucos os operadores do direito que observam que diante da


crescente mobilidade internacional, têm sido frequentes as sucessões com
bens e ativos espalhados por variados países.
A discussão sobre o assunto ganhou algum destaque na mídia por conta do
fatídico caso envolvendo o apresentador Augusto Liberato, o Gugu, e expôs
o pouco conhecimento sobre o tema por parte da maioria dos bacharéis em
direito brasileiros.

Será este, realmente, um "bicho de sete cabeças"?

Na minha prática profissional enquanto advogado em Portugal, me deparei


com inúmeras situações de inventário e partilha - por sucessão ou mesmo
extinção de vínculo matrimonial - envolvendo bens de brasileiros ou duplo-
nacionais na Europa e bens de europeus espalhados pelo mundo, com
sucessores brasileiros.

Na maioria dos casos, o viés contencioso do processo surgia quando da


análise da lei a ser aplicável.

A confusão se torna maior quando está em causa um testamento.

Pra resolver estes problemas surge em 1976 a Convenção de


Washington relativa a uma lei uniforme sobre a forma de um
testamento internacional, ratificada por boa parte dos países europeus.

Segundo os arts. 2.º e 5.º da Convenção, "um testamento será válido


quanto à forma, independentemente do lugar em que for feito, da
localização dos bens e da nacionalidade, domicílio ou residência do
testador, se elaborado nos moldes do testamento internacional".

A Convenção busca facilitar o inventário e partilha transnacional,


dispensando a averiguação sobre a lei a se aplicar.

O problema é que o Brasil não a ratificou, restando-nos o comando do art.


23, II, do CPC:

"Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer


outra, em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de
testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no
Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou
tenha domicílio fora do território nacional".
Na jurisprudência temos como exemplo de aplicação do art. 23, inciso II,
o acórdão no processo n.º 0300593-53.2017.8.21.7000, da 8.ª Câmara
Cível do TJRS, que analisou testamento particular feito em Hong Kong,
beneficiando filha brasileira com imóveis situados no Brasil.

O que se exigiu naquele caso, para a validade do testamento no Brasil, foi a


observância dos requisitos formais da lei de Hong Kong.

O que diz a LINDB?


A maior complexidade nos processos que envolvem sucessões
transnacionais reside nas situações onde prevalece o conflito positivo de
jurisdições. Ou seja, há mais de um ordenamento jurídico a dizer que o seu
direito é o aplicável.

Segundo a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei


n.º 4.657/1942, profundamente alterado em 2010), a sucessão por morte
ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o
desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens (art.
10).

Significa dizer que, como regra geral, prevalece a lei do domicílio do de


cujus.

Trata-se da teoria da lei domiciliar do autor da herança na sucessão


causa mortis.

Quanto aos bens situados no Brasil, de propriedade de estrangeiros, diz a


LINDB que a sucessão será regulada pela lei brasileira em benefício do
cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais
favorável a lei pessoal do de cujus (§ 1.º).

Eis o motivo pelo qual, no subtítulo deste artigo, destaco que a atuação
nesse segmento do direito poderá exigir do advogado conhecimentos de
direito estrangeiro: sem se conhecer a lei do domicílio do de cujus
(lei estrangeira), não será possível saber se a lei brasileira é
mais favorável.
Assim, em que pese a relativa complexidade que naturalmente envolve os
elementos de conexão internacional, o quebra-cabeças começa a se encaixar
a partir do exame apurado do domicílio do de cujus, da localização dos bens
e da observância dos requisitos formais do testamento.

E você, já se deparou com uma situação


complexa envolvendo questões
internacionais? Deixe o seu comentário.
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de-bens-no-exterior-bicho-de-sete-cabecas

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