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CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA
EMENTA:
Origem e história da Psicologia Comunitária; correntes européias, estadounidenses e latino-
americana; conceitos básicos; o papel do Psicólogo Comunitário; métodos e técnicas de
investigação e de intervenção em Psicologia Comunitária; trabalho de campo.
OBJETIVOS:
• Facilitar um processo de aprendizagem sobre Psicologia Comunitária;
• Propiciar um conhecimento mais aprofundado no manejo do processo e de técnicas de
intervenção comunitária;
• Compreender as influências psicossociais dos problemas sociais na vida das pessoas.
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:
UNIDADE I – História e conceituação da Psicologia Comunitária
• Bases da Psicologia Comunitária: Crítica, Libertação e América Profunda na América
Latina;
• Análise histórica e marcos teórico-metodológicos da Psicologia Comunitária;
• Psicologia Comunitária e suas categorias: atividade comunitária e estigma
METODOLOGIA
Roteiro da 2ª AP:
Análise crítica do contexto social e psicossocial das comunidades/bairros
1. Introdução
2. Caracterização dos aspectos relevantes da comunidade/bairro
3. Análise crítica de alguma categoria/tema da Psicologia Comunitária
4. Potencialidades e fragilidades da comunidade/bairro
5. Conclusões
6. Referências
A nota da disciplina será a soma da nota da 1ª AP e da 2ª AP dividida por dois, que gerará
a média. A data da Avaliação Final (AF) será definida posteriormente no final da
disciplina. O/a aluno/a deverá cumprir 75% de freqüência e poderá ter no máximo 12 faltas
2
que equivalem a 4 dias de aula. É importante salientar que o número excessivo de faltas
causará a reprovação na disciplina.
CRONOGRAMA
Mês Dia Conteúdo Texto
Agosto 16 Semana
Pedagógica
Agosto 23 Apresentação
da disciplina e
dos/as
participantes e
levantamento
das expectativas
da disciplina
Agosto 30 Apresentação
da disciplina e
dos/as
participantes e
levantamento
das expectativas
da disciplina
Setembro 06 Crítica e 1. Cap. Montero (2009)
libertação na
América Latina
Setembro 13 América 2. Cap. Gois et al. (2016)
Profunda e
Psicologia
Comunitária
Setembro 20 Análise 3. Artigo: Gonçalves e Portugal (2016)
histórica da
Psicologia
Comunitária
3
Núcleo de Vídeo: Vídeo Institucional – NUCOM -
Psicologia https://www.youtube.com/watch?v=00Idft--4dA&t=4s
Podcast: Cadeira na Calçada: Ep. #01 - Primeiramente, olá
Comunitária –
fanbase mundinho NUCOM!
caminho https://open.spotify.com/episode/1KFJceU0dWtdSynZpis4YP
histórico
Outubro 11 Discussão e Preparação para a 1ª Avaliação Parcial
articulação de
todos os
conteúdos
teóricos
Outubro 18 1ª Avaliação
Parcial
(1º AP)
Outubro 25 Psicologia 6. Cap. Moura Jr. e Sarriera (2016)
Comunitária e
Obs.: Esclarecimentos para realização do trabalho 2º AP e
Estigma
definição das equipes
REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
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partir da realidade social – Desvelar das implicações psicossociais da pobreza. In: Stella, C.
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6
GÓIS, C.W.; OLIVEIRA, L.; GÓIS, S.; SILVA.A. O conceito de América profunda e
suas implicações na Psicologia Comunitária de base latinoamericana. In: XIMENES,
V., SARRIERA, J, BOMFIM, Z., ALFARO, J. (Org.). Psicologia Comunitária no
mundo atual: desafios, limites e fazeres. 1ed.Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora,
2016, p. 235-250.
1 INTRODUÇÃO
De que trata a noção de América Profunda, passível de ser
aplicada em qualquer país americano, e qual a sua importância para
a Psicologia Comunitária? O conceito de América Profunda (Kusch,
2012a) desvela criticamente uma realidade etnicamente soterrada e,
paradoxalmente, visível, não sendo reconhecida com a ênfase que se
deveria dar com relação à formação do americano atual, porém evidente
em sua constituição e cotidiano (Kusch, 2009). Ademais, a ideia
de culturas subalternas e profundas é pouco considerada na academia
quando se questiona o novo que fazer nas ciências humanas na América.
Na Psicologia, é óbvio o desconhecimento ou desconsideração
com o tema.
En América, ya lo dije en mi primer libro, se plantea ante todo un problema
de integridad mental y la solución consiste en retomar el antiguo
mundo para ganar la salud. Si no se hace así, el antiguo mundo continuará
siendo autónomo y, por lo tanto, será una fuente de traumas para
nuestra vida psíquica y social (Kusch, 2012a, p. 8).
Santos, B.S. (2013). Para além do pensamento abissal: Das linhas globais a uma
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Torres, N.M. (2013). A topologia do ser e a geopolítica do conhecimento:
modernidade, império e colonialidade. In: B.S. Santos & M.P. Meneses
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latino-americana. In: Guzzo, R. & Lacerda Jr., F. Psicologia
e Sociedade: Interfaces no debate da questão social. (pp. 45-64) Campinas:
Alínea.
Gonçalves, M. A. & Portugal, F. T. (2016). Análise histórica da psicologia social comunitária no Brasil.
Resumo
Este texto apresenta debates relativos ao campo da Psicologia Social Comunitária (PSC) tomando como base
suas produções textuais nas últimas duas décadas (1990-2010). O mapeamento do conjunto de artigos, teses,
dissertações e livros produzidos sob o signo PSC foi o procedimento utilizado para problematizar o que tem
sido realizado por este movimento que se constitui como uma das versões contemporâneas da Psicologia Social.
Contextualizamos as produções a partir das mudanças de rumo da profissão e da reivindicação por uma nova
direção para a Psicologia Social produzida em território latino-americano. A exposição está centrada em dois
pontos principais: as vinculações teórico-epistemológicas da PSC e a caracterização do trabalho do psicólogo
comunitário. Concluímos o artigo indicando que as reflexões em torno da diversidade das vinculações teórico-
epistemológicas e da tentativa de unificação da PSC nublaram a análise do problema central dos efeitos de sua
prática e de seus compromissos éticos e políticos.
Palavras-chave: psicologia social comunitária; história da PSC no Brasil; teorias da PSC; trabalho do psicólogo.
Resumen
Este articulo presenta debates sobre el campo de la Psicología Social Comunitaria (PSC) utilizando producciones
textuales de las últimas décadas (1990-2010) como base de pesquisa. El mapeo del conjunto de la producción
bajo el signo del PSC fue el procedimiento empleado para hablar de lo que ha hecho este movimiento que es
una de las versiones contemporáneas de la psicología social. Contextualizamos las producciones a partir de los
cambios en los rumbos de la profesión y de la reivindicación de una nueva dirección para la psicología social
producida en territorio latinoamericano. La exposición se centra en los enlaces teóricos y epistemológicos de
la PSC y la caracterización del trabajo del psicólogo comunitario. Se concluye que las reflexiones sobre la
diversidad de los enlaces teóricos y epistemológicos y el intento de unificar el PSC nublaron el análisis del
problema central de los efectos de su práctica y de sus compromisos éticos y políticos.
Palabras clave: psicología social comunitaria; história de la PSC en Brasil; teorias de la PSC; trabajo del
psicólogo.
Abstract
This paper presents discussions on the field of Community Social Psychology (CSP) based on textual productions
done over the last decades (1990-2010). The mapping of the set of articles, theses, dissertations and books
produced under the CSP sign was the procedure used to discuss what has been done by this movement that has
been conceived as one of the contemporary versions of Social Psychology. Those productions are contextualized
considering the changes in the course of the profession and the demand for new direction for Social Psychology
produced in Latin American territory. The exposition is focused on the theoretical and epistemological bindings
of the CSP and the depiction of the community psychologist work. We conclude the work indicating that the
diversity of theoretical and epistemological bindings of CSP and the attempt to unify it disregarded the central
problem of the effects of their practice and their ethical and political commitments.
Keywords: community social psychology; history of CSP in Brazil; theories of CSP; Psychologist practice.
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Psicologia & Sociedade, 28(3), 562-571.
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Gonçalves, M. A. & Portugal, F. T. (2016). Análise histórica da psicologia social comunitária no Brasil.
A história da PSC é comumente narrada a partir de dos caminhos da Psicologia Social no estado, com o
uma divisão primordial entre um percurso norte e objetivo de produzir novas formas de fazer e pesquisar
latino-americano. Não pretendemos afirmar que não Psicologia no Brasil (Lima, 2012). Como parte desse
há diferença entre estes percursos, reconhecemos mesmo movimento, em 1974, foi criada a disciplina
suas singularidades. Há, no entanto, referenciais Psicologia Comunitária e Ecologia Humana na UFMG
e pressupostos da Psicologia Comunitária norte- no curso de graduação em Psicologia, caracterizado
americana que circularam, e ainda circulam, na PSC pelas articulações entre questões comunitárias e
brasileira (Gallindo, 1981; Sarriera, 2010). ecológicas.
No território norte-americano, o surgimento da No Rio de Janeiro, desde o fim da década de
Psicologia Comunitária ocorreu em meados da década 1970, identificamos experiências de inserção de
de 1960, relacionado aos movimentos sociais comuni- estudantes e profissionais de Psicologia para as favelas
tários, em especial os de saúde mental (Álvaro & Gar- cariocas. O incômodo com o que era produzido nas
rido, 2006; Bennet et al., 1966). Inspirados nos pres- universidades e a já mencionada crise de atuação no
supostos da Psiquiatria Preventiva, tais movimentos modelo liberal voltado às categorias de alta renda
tinham como objetivo não somente tratar as doenças podem ter motivado esse movimento de inserção dos
mentais, mas também preveni-las. As intervenções, referidos estudantes e profissionais de Psicologia para
antes limitadas aos indivíduos, foram ampliadas para as favelas. Os trabalhos realizados por tais psicólogos
seu entorno – também chamado comunidade – conce- e estudantes estavam vinculados a projetos de
bido como fonte dos problemas mentais e, ao mesmo extensão, instituições públicas de assistência e estágios
tempo, como agente potencialmente terapêutico. curriculares3. Convém notar que as experiências de
atuação em comunidades no Rio de Janeiro não foram
A PSC foi apresentada na América Latina como
identificadas como práticas de Psicologia ou Psicologia
um dos produtos das problematizações instituídas no
Comunitária. Quando esses profissionais se lançaram
campo da Psicologia Social e não da Psiquiatria, como
em práticas não hegemônicas, não respaldadas por
no caso norte-americano. Mesmo quando vinculado
referenciais teóricos e metodológicos consagrados
ao campo da saúde mental (Vasconcelos, 1985), é
até aquele momento, houve um desconforto e certa
preciso reconhecer que este movimento adquiriu
relutância em afirmar que tal atuação estava vinculada
características distintas nos contextos norte-americano
à Psicologia (Soares, 2001).
e brasileiro (Amarante, 1995). Assim sendo, a PSC
teria sido uma das saídas para a crise da Psicologia No Ceará, a Psicologia Comunitária surgiu
Social (Cruz & Stralen, 2012) na medida em que em outubro de 1980, com o curso de formação de
propunha redirecionamentos para as intervenções animadores populares para a alfabetização de adultos.
psi. No Brasil, o surgimento da PSC foi atrelado aos A ideia, nessa época, era criar círculos de cultura
movimentos sociais e às reformulações na área de saúde na periferia de Fortaleza para a luta e organização
mental. O processo de pauperização da população, as comunitária. O objetivo inicial era aproximar a
Reformas Sanitária e Psiquiátrica e as políticas sociais Psicologia dos grupos pobres do estado e suas
pós-Constituição de 1988 (Yamamoto & Oliveira, primeiras atividades eram trabalho com grupos de
2010) compõem o cenário em que aconteceram as jovens marginalizados e alfabetização de adultos
primeiras experiências de atuação da Psicologia em (Góis, 2003).
comunidades. Nesse contexto, inicia-se um projeto de
Dentre as experiências brasileiras, destacamos intervenção no bairro Nossa Senhora das Graças do
aquelas que tiveram curso em São Paulo, Minas Pirambu, vinculado ao Departamento de Psicologia da
Gerais, Rio de Janeiro e Ceará por sua relevância Universidade Federal do Ceará (UFC). Esse projeto
histórica para a PSC. de atendimento psicossocial “tinha o objetivo de
compreender os moradores e suas práticas enquanto
Ao historiar a PSC no Brasil, Lane (1996)
pessoas e cidadãos, em lugar de moradia e convivência,
reconhece dois pontos relevantes nesta trajetória: a
além de facilitar processos de mudança social no
criação dos Centros Comunitários de Saúde Mental
bairro” (Mendes & Correia, 1999, p. 21). Vale lembrar
cuja finalidade foi transformar, na década de 1970, o
que esses primeiros trabalhos eram denominados
modelo de atenção psiquiátrica vigente e os trabalhos
de Psicologia Popular. Posteriormente, passaram a
de alfabetização de adultos, inspirados na Educação
se chamar Psicopedagogia Popular, uma união entre
Popular de Paulo Freire.
Psicologia e Educação Popular, e somente em 1987
Em Minas Gerais, o Setor de Psicologia Social tais práticas começaram a ser intituladas Psicologia
da UFMG representava o movimento de redefinição Comunitária. Assim,
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Psicologia & Sociedade, 28(3), 562-571.
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Gonçalves, M. A. & Portugal, F. T. (2016). Análise histórica da psicologia social comunitária no Brasil.
aos setores populares tendo como direção produzir negação de uma prática. É preciso não fazer clínica
algum tipo de mudança ou transformação social. para que alguma coisa diferente possa acontecer.
Este campo aliou-se fundamentalmente à Psicologia
Social, em sua perspectiva crítica, a fim de produzir Na análise das produções textuais, deparamo-
intervenções sociais de caráter coletivo. A Psicologia nos com duas dicotomias principais na descrição do
Positiva surge nos Estados Unidos no fim da década trabalho dos psicólogos comunitários: uma diz respeito
de 1990 e se define como um movimento que pretende à oposição individual versus coletivo-comunitário;
contribuir para o florescimento e o funcionamento e outra está associada às dimensões concreta versus
saudável de pessoas, grupos e organizações por meio subjetiva. É comum encontrar pelo menos uma dessas
do fortalecimento das competências ao invés de duas oposições no relato de suas tarefas. Além disso,
corrigir deficiências. A Psicologia Positiva reconhece apresentamos também as discussões sobre a formação,
o sofrimento humano, situações de risco e patologias, pois ela está diretamente atrelada ao debate sobre o
mas pretende investigar outra face das questões, trabalho do psicólogo.
por exemplo, o altruísmo e a felicidade. (Paludo
& Koller, 2005, 2007). Essa elaboração enfatiza a A (não) formação
individualização de aspectos relacionais e purifica as
É possível afirmar que a temática da formação
relações profundamente desiguais constitutivas da
circula nos referenciais da PSC. Há uma ideia de que é
história de nossas classes populares comparada aos
preciso construir um arcabouço teórico-metodológico
segmentos mais privilegiados de nossa sociedade.
consistente para instrumentalizar aqueles que atuam
Torna-se interessante observar que os autores em comunidades. Não ter referenciais para a atuação é
de referência de tal paradigma são norte-americanos um desafio e causa desconforto aos profissionais. Logo,
e as publicações citadas referem-se às décadas de a ideia de que eles devem estar munidos de teorias
1970 e 1980 (Saforcada, 2010; Sarriera, 2010, 2011). consistentes para intervir em contextos comunitários
Dentre eles, são apontados, sobretudo James Kelly parece ter alguma relação com o aparecimento da
(1966, 1986), Edison Trickett (1972, 1984), e Julian temática da formação. Essa ideia está intimamente
Rapapport (1981), conforme Sarriera e Saforcada, relacionada com as defesas de constituição de um
2010. A referência a esses autores assinala a tentativa campo e de uma especialidade em PSC. Na medida
de aproximação entre o passado norte-americano e o em que temos um campo de trabalho, com teorias
presente latino-americano na medida em que alguns e metodologias próprias, é necessário formar
autores da PSC se esforçam em distinguir o surgimento profissionais que tenham domínio sobre ele. Este é o
e as trajetórias da disciplina nos dois continentes. processo de construção de um especialista.
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Psicologia & Sociedade, 28(3), 562-571.
567
Gonçalves, M. A. & Portugal, F. T. (2016). Análise histórica da psicologia social comunitária no Brasil.
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Psicologia & Sociedade, 28(3), 562-571.
O estabelecimento de uma área que chamamos nos faz ver algumas proveniências e investimentos
PSC faz parte de um processo histórico. Não é sociais da PSC. Nem pelos seus referenciais teórico-
consequência natural de uma sucessão de fatos, mas metodológicos, nem pelo que define como sendo
fruto de estratégias e esforços daqueles que pretendem objetivo de suas intervenções é possível afirmar
defender esta etiqueta e sua especificidade. Há quem uma identidade à PSC. É importante destacar que o
argumente ser uma vantagem o fato de que a PSC é hoje investimento em defender uma unidade para o campo nos
uma área bem definida, com seus próprios referenciais parece uma tentativa de captura institucional com seus
teóricos e metodológicos e com um escopo de trabalho efeitos hierarquizantes. Em seu lugar, julgamos mais
reservado dentro da Psicologia. Esse parece ser o interessante pensar que práticas estamos produzindo
lugar onde se queria chegar. O horizonte daqueles que ao nos aproximarmos das maiorias populares, se elas
pertencem ao campo. realmente instauram novas formas de fazer Psicologia,
quais são seus efeitos, e, principalmente, qual é o seu
Ao perseguir a sua constituição como um
compromisso ético-político.
campo específico, a PSC limita aqueles que podem
falar e intervir em seu nome. Como se, para lidar
com questões sociais, se aproximar de determinados Notas
espaços da cidade e das maiorias populares, o
psicólogo necessariamente precisasse estar vinculado
1
Para nos referirmos à PSC, optamos, preferencialmente,
pelo vocábulo “movimento” na medida em que estamos
a este campo. Assim, acabamos caindo no perigoso
interessados no caráter dinâmico de proposições autorais,
raciocínio de que só psicólogos comunitários devem reflexões não sistemáticas, teorias e suas ações sociais. A
se implicar com questões políticas e sociais, só eles caracterização da PSC em uma teoria, em um campo, em
devem estar atentos às maiorias populares, só eles um paradigma – categorias de uso comum em trabalhos que
devem se deslocar até os espaços de exclusão, só eles buscam caracterização epistemológica – não constitui nosso
devem pensar novas formas de fazer Psicologia. objetivo. Não pretendemos estabelecer um critério para
determinar o que é e o que não é PSC, pretensão própria
O movimento em direção às comunidades pode a análises – vale reiterar – epistemológicas que sempre
produzem divisores entre o verdadeiro e o falso. Buscamos
ter representado uma novidade para a profissão. Um
empreender uma análise histórico-crítica das argumentações
impulso para construir novas práticas. Todavia, ao produzidas na PSC em torno da profissão de psicólogo e de
longo do tempo, o que foi efetivamente feito em seu querelas epistemológicas produzidas nas últimas décadas
nome parece, algumas vezes, se aproximar de práticas em busca de uma identidade teórica. Sem pretender indicar
realizadas pela Psicologia hegemônica. Em relação a legitimidade epistemológica da PSC ou, mesmo, defender
a isso, o que identificamos é uma contradição entre uma ação profissional respaldada na PSC, interessa-nos
mapear estas trajetórias, indicar seus movimentos para que
buscar práticas que se distanciem das hegemônicas,
uma análise crítica possa surgir daí.
tendo a clínica como uma delas, e apontar como uma 2
O termo maiorias populares, diante da literatura revisada,
de suas bases teórico-metodológicas referenciais da parece ser usado para fazer oposição ao termo elite, visto
própria Psicologia Clínica, como a Psicanálise ou que circulava uma crítica à elitização da psicologia.
a Teoria Rogeriana. Não que os referenciais em si 3
Para adensar os estudos sobre as atuações comunitárias na
definam o sucesso de uma prática e garantam seus cidade do Rio de Janeiro, ver o trabalho de Soares (2001),
efeitos. Uma intervenção clínica pode produzir efeitos Landin e Lemgruber (1980), Aguiar e Brasil (1991), Souza
positivos, enquanto uma prática em Psicologia Social (1985).
pode se configurar de forma reacionária. No entanto,
se a PSC representou uma tentativa dentro do campo Referências
profissional de instaurar novas formas de fazer
Psicologia, talvez tenhamos que estar atentos e não Aguiar, K. & Brasil, V. V. (1991). História de andanças de
perder de vista tal objetivo. técnicos em favelas: da “Alegria” ao “Sossego” e vice-versa.
In O. Saidon & V. R. Kamkhagi (Orgs.), Análise institucional
A PSC existe como realidade histórica, produz no Brasil (pp. 86-122). Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.
pesquisas e intervenções com esse nome. Estabelecer Álvaro, J. L. & Garrido, A. (2006). Psicologia social:
os limites da PSC valendo-se exclusivamente de uma perspectivas psicológicas e sociológicas. São Paulo:
análise epistemológica institui divisores binários na McGrawHill.
variedade da produção histórica elaborada sob este Amarante, P. (Org.). (1995). Loucos pela vida: a trajetória da
signo. Procedimento que usualmente opera exclusões reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz.
Amorim, K. M. O. (2010). Compromisso social do psicólogo
por meio de especialismos. Respeitar a variedade da em artigos publicados em periódicos científicos no Brasil.
produção histórica e privilegiar a análise dos efeitos Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em
das ações empreendidas pela PSC não nos levou à Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
unificação, anseio epistemológico corriqueiro, mas Natal.
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Gonçalves, M. A. & Portugal, F. T. (2016). Análise histórica da psicologia social comunitária no Brasil.
570
Psicologia & Sociedade, 28(3), 562-571.
Mariana Alves Gonçalves é doutoranda do Programa de Francisco Teixeira Portugal é doutor em Psicologia
Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica
Rio de Janeiro - UFRJ. do Rio de Janeiro. Professor do Programa de Pós-
Endereço: UFRJ, Instituto de Psicologia. Av. Pasteur, 250, graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Pavilhão Nilton Campos, Praia Vermelha. CEP 22290-240 de Janeiro. - UFRJ. Bolsista de Produtividade em Pesquisa
Rio de Janeiro/RJ, Brasil. do CNPq - Nível 2.
E-mail: mariana.alvespsi@gmail.com E-mail: fportugal@ufrj.br
571
GOIS, C. W. Cap. 3. Atividade Humana. In: C. GOIS. Psicologia Comunitária:
atividade e consciência. Fortaleza: Publicações Instituto Paulo Freire, 2005, p. 75-90.
3. ATIVIDADE HUMANA
Neste capítulo, trataremos de algumas das questões relativas ao problema
da atividade humana, situando esta no campo da Psicologia e, por
conseguinte, na área da Psicologia Comunitária na forma de atividade
comunitária. Para isso, buscamos basear-nos em determinadas
concepções gerais, na teoria psicológica da atividade e na teoria histórico-
cultural da mente, as quais enfocam a atividade humana do ponto de vista
da interação dialética indivíduo-mundo e da perspectiva de que o
desenvolvimento social e o desenvolvimento dos processos psíquicos
superiores são aspectos de um só processo de desenvolvimento cultural
de um povo.
1 INTRODUÇÃO
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[T]
[R]
Resumo
[a]
Psicóloga, mestre em Psicologia O artigo a visa a análise da percepção dos jovens sobre a comunidade a partir da metodologia
pela Universidade Federal do
de facilitação comunitária denominada de Mapeamento Psicossocial Participativo com alunos
Ceará (UFC), especialista em
Educação Inclusiva (UECE) e do ProJovem Urbano, com base no referencial teórico da psicologia comunitária. Essa meto-
Educação a Distância (Senac), dologia promove o conhecimento da comunidade, sensibilização com o meio, interação com
Integrante do Nucepec,
os moradores e a participação em atividades, bem como o reconhecimento das dificuldades
Fortaleza, CE - Brasil, e-mail:
deyseanelima@yahoo.com.br vivenciadas e os potenciais a serem desenvolvidos. A pesquisa desenvolveu-se com natureza
qualitativa pautada no método dialógico vivencial. Teve como amostra dez alunos do ProJovem
[b]
Doutora em Psicologia Social
Urbano da Escola Papa João XXIII, no Bairro Vila União, em Fortaleza. Utilizamos a observação
pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), participante e a realização do mapeamento psicossocial participativo e de círculos de cultura.
professora do Departamento Para a análise, recorremos à construção de sentidos. Observamos, portanto, que os jovens par-
de Psicologia da Universidade
ticipantes tendiam geralmente a se afastar da comunidade, não participando das atividades
Federal do Ceará (UFC) e
do mestrado em Psicologia comunitárias e nem se sentiam pertercentes àquele meio social, necessitando de metodologias
da mesma Universidade, participativas para realizar a reinserção social com a comunidade. Concluímos que o mapea-
coordenadora do Laboratório de
Psicologia Ambiental (Locus),
mento psicossocial participativo propicia uma reflexão sobre a reinserção e ressocialização
Fortaleza, CE - Brasil, e-mail: dos jovens na sua comunidade, pois consistiu em uma forma de diálogo e de problematização
zulaurea@uol.com.br da realidade, por meio do conhecimento e da sensibilização em relação ao contexto social. [#]
[P]
tripé: teoria, prática e compromisso social. A psicolo- afirmação no mundo com os outros. Possibilita o
gia comunitária, para Góis (2008, p. 82), anúncio das insatisfações pela situação de opressão
e exclusão social (Freire, 1983).
... se orienta por uma práxis libertadora, a partir das Esta concepção é similar a psicologia comunitária,
próprias condições (atuais e potenciais) de desen- pois, ao partir da atividade desenvolvida pelos mora-
volvimento da comunidade e de seus moradores. O dores da comunidade, é possível promover a transi-
fundamental é a compreensão do modo de vida da co- tividade da consciência em relação ao seu modo de
munidade e a realização de seus potenciais de desen- vida, à cooperação e à participação social.
volvimento pessoal e social.
Ao assumir a conscientização como horizonte do que-
fazer psicológico, reconhece-se a necessária centra-
Neste sentido, essa psicologia preocupa-se com a
lização da psicologia no âmbito do pessoal, mas não
realidade local, a articulação entre morador-comu-
como terreno oposto ou alheio ao social, mas como
nidade-municipalidade, com a participação social, as
seu correlato dialético e, portanto, incompreensível
mudanças sociopolíticas, a co-construção de sujeitos sem a sua referência constitutiva. Não há pessoa sem
comunitários, a vivência e a análise da atividade comu- família, aprendizagem sem cultura, loucura sem or-
nitária, o desenvolvimento comunitário dentre outros. dem social; portanto, não pode tampouco haver um
A atividade comunitária é considerada um pro- eu sem um nós, um saber sem um sistema simbólico,
cesso interativo (Leontiev, 1978; Vygotsky, 2004), uma desordem que não se remeta a normas morais e
dialógico e cooperativo (Freire, 1983) realizado pe- a uma normalidade social (Martín-Baró, 1996, p. 17).
los moradores como sujeitos comunitários, em prol
da satisfação das necessidades e o desenvolvimento A comunidade, para Góis (2005), é um espa-
comunitário. Relaciona-se com as ações condizen- ço físico, social e ambiental em que seus morado-
tes com o modo de vida dos moradores, propiciando res estabelecem laços afetivos e um sentimento
mudanças pessoais e sociais (Góis, 2005). de pertencimento. Estes vivenciam dificuldades,
Além de visar ao diálogo sobre as problemáticas necessidades, problemas e representações sociais
da comunidade, proporciona uma ação transfor- semelhantes, num território que é compartilhado e
madora na realidade. É “orientada por ela mesma e delimitado geograficamente.
pelo significado (sentido coletivo) e sentido (signi- Propicia interações sociais entre os moradores, a
ficado pessoal) que a própria atividade e a vida co- realização de atividades e a reivindicação dos direi-
munitária têm para os moradores da comunidade” tos. Para os jovens, é um espaço fora do meio fami-
(Góis, 2005, p. 89). liar de desenvolvimento pessoal e coletivo. A partir
Por sua vez, a consciência relaciona-se ao mundo de atividades comunitárias, os jovens conhecem o
de forma dialética, histórica, social e crítica a par- modo de vida local e estabelecem o vínculo com o
tir da atividade. Neste sentido, observamos que a lugar e moradores.
atividade e a consciência estão vinculadas, pois se O aprofundamento da consciência dos moradores
baseia na ação e no diálogo dos sujeitos, que possi- em relação ao seu modo de vida deflagra o desenvol-
bilita o processo de conscientização. vimento do sujeito comunitário e da comunidade.
... compreendemos a consciência como a propriedade O que distingue o sujeito da comunidade do indivíduo
da mente que dá sentido, tanto à vida psíquica, como dependente, rebelde ou submisso que ali vive, é que
à própria atividade externa dos indivíduos, e que esta o primeiro tem uma consciência transitiva que lhe
atividade, por sua vez, orienta e dá a substância da permite compreender o modo de vida de sua comu-
própria consciência. Portanto, esta é formada, sob de- nidade e de si mesma, além de reconhecer seu valor
terminadas condições da atividade prática social e da e poder para desenvolvê-la e desenvolver-se numa
própria mente ... (Góis, 2005, p. 318). perspectiva dialógica e solidária ... (Góis, 2005, p. 53).
crescimento pessoal e social. É corresponsável pela Freitas (1998) nos alerta sobre o desafio e as in-
realidade histórico-social em que vive (participante) certezas do processo de inserção, pois há um mo-
e possui potencial para desenvolvê-la e transformá- mento de aceitação, de entrada e de permanência
-la à medida em que se transforma, como sujeito da na comunidade. É essencial saber como atuar, como
realidade (Góis, 2008). superar as dificuldades e minimizar os preconceitos.
Ao realizarmos uma facilitação com a comunida-
de, é fundamental a inserção social do psicólogo co- El lengaje esterotipado, o formal y cauteloso, los ro-
munitário. Segundo Montero (2006), ao entrar em deos y, peor aún, las expresiones inadecuadas, usadas
contato com ela o profissional como agente externo por desconocimiento de la cultura y de los modos es-
conhece a realidade e realiza seu trabalho. O profis- pecíficos de una comunidad, son productos de la au-
sional é reconhecido pela comunidade, isso promo- sencia de familirización y tienen consecuencias que
ve a sensibilização e o estabelecimento da confiança dificultan lo que introducen desviaciones en el traba-
e do respeito mútuo. jo psicológico comunitario (Montero, 2006, p. 83).
Quando o psicólogo insere-se na comunidade
gera curiosidade, questionamentos e estranhamen- A aceitação do profissional no âmbito comunitá-
to pelos moradores, pois o profissional é inicial- rio possibilita a realização do seu trabalho e promove
mente alheio à realidade. reflexões sobre a comunidade. Esta pode identificar
Com base nisto, Freitas (1998) afirma que a rela- os problemas, buscar ações para resolver as dificul-
ção deve acontecer dos dois lados, o psicólogo tem dades e promover mudanças sociais significativas.
seus conhecimentos científicos, seus estudos, sua Freitas (1998) cita instrumentos utilizados na
práxis; e a comunidade tem sua dinâmica que é ine- inserção com a comunidade, como entrevistas (in-
rente, complexidade, valores e concepções. dividuais ou coletivas), registros em diários de cam-
O mútuo reconhecimento propicia a relação ho- po, pesquisa documental, recuperação da história
rizontal e a relevância do saber popular e científi- do lugar, conversas informais (bares, calçada, mer-
co. Góis (2005, p. 66), ressalta a postura do psicó- cados, padarias...), caminhadas pela rua, participa-
logo comunitário: ção em reuniões comunitárias, visitas a casa, a festa
ou a um evento da comunidade.
O importante, a nosso ver, é que haja uma integração e Na psicologia comunitária, a presença de me-
relação pedagógica entre agente externo e comunidade, todologias participativas potencializa a atuação do
na qual se reconheça o papel e a importância de cada profissional da área por meio de instrumentos cons-
interlocutor na definição do rumo e do modo de desen-
truídos de acordo com a necessidade do local e dos
volvimento apropriados à realidade sócio ambiental
fatores políticos, históricos, pessoais e ambientais.
do lugar. O sentido do desenvolvimento e o controle da
Neste estudo, enfocamos uma das metodologias de
ação devem ser da comunidade ... ou, pelo menos, defi-
nidos e compartilhados de comum acordo. Isso implica facilitação comunitária, o mapeamento psicossocial
um desenvolvimento participativo, autossustentável, de participativo, que facilita a compreensão dos sabe-
busca de autonomia local, de interdependência, e não de res e assuntos da comunidade e as influências nos
dependência ao exterior da comunidade. processos sociais.
que traga o máximo possível de elementos relacio- de dados pelo psicólogo no contexto comunitário
nados ao lugar, suas pessoas, como vivenciam, como de forma cooperativa e dialógica. É a vivência da
é seu modo de vida. comunidade, conhecimento das atividades comuni-
É psicossocial por envolver aspectos subjetivos tárias, percepção dos significados, os sentidos e os
e sociais. Isto não acontece de maneira dicotômi- sentimentos dos moradores em relação ao lugar em
ca, mas percebendo os aspectos na sua totalidade, que vivem. Isso ocorre a partir da caminhada pela
como, por exemplo, a afetividade, as desigualdades comunidade e por conversas com os moradores e
sociais e a exclusão. Rodrigues (2007, p. 13) afirma os líderes comunitários. O mapeamento, ao ser re-
que o “mapeamento ... deve enfatizar a dimensão alizado com a comunidade, conforme Góis (2008),
sociopsicológica do lugar e não apenas quantitativa, promove a análise dos aspectos sociais, psicológicos
demográfica e econômica”. e ambientais da comunidade, tanto pelo psicólogo
Neste sentido, acrescentamos a perspectiva da par- comunitário quanto pela comunidade, facilitando a
ticipação, pois o mapeamento deve ser realizado coo- interação entre estes.
perativamente com ênfase no social, psicológico e am-
biental. Para Bordenave (2002, p. 16) a participação “é O processo de mapeamento se divide em dois: o ma-
uma necessidade fundamental do ser humano”, que se peamento interno e o externo. O mapeamento interno
refere a uma intervenção na construção da sociedade, consiste na investigação e organização dos dados for-
necidos pela documentação de segmentos fundamen-
na interação com os outros, na expressão de sentimen-
tais da administração municipal, a saber, as Secreta-
tos e o desenvolvimento pessoal e social.
rias de Infraestrutura, Educação, Cultura e Desporto
A participação não deve ser atribuída apenas a
e Saúde e Ação Social. Esta ação resulta [grifo nosso]
fazer parte do consumo, dos bens materiais, mas numa maior valorização da sistematização do conhe-
reivindicar os seus direitos, o desenvolvimento das cimento que estes setores possuem sobre o município
políticas públicas, constitui e transforma o homem (Oliveira & Diogo, 2002, p. 190).
e a sociedade (Bodernave, 2002). Em resumo, a
participação não é algo em que o estado autoriza a Sobre o mapeamento interno, Montero (2006,
sociedade, não é a recepção passiva dos direitos e, p. 79) complementa que
portanto, não deve ter uma óptica assistencialista
nem compensatória. Antes de entrar a una comunidad es necessario infor-
marse de la manera más completa posible sobre ella.
É relevante a presença de espaços públicos per-
Si existen registros públicos en los cuales se puedan
meados pelos interesses individuais e coletivos; e
obtener datos demográficos, ellos deben ser consul-
pelos trabalhos conjuntos e cooperativos, que são
tados, al igual que su historia a través de crônicas y
presenciados na participação comunitária (Góis, noticias de prensa. Otros datos de interés también
2005). É uma luta pela cidadania dos atores locais, puden encontrarse em los archivos de instituiciones
sujeitos de direitos e da sua história e não apenas públicas que hayan tenido que ver con la comunidad
usuários do serviço público. objeto de estudio.
A participação comunitária remete a manifesta-
ção e mobilização dos moradores da comunidade a Já, o mapeamento externo, segundo Oliveira e
partir da realidade, compreendendo-a como inte- Diogo (2002, p. 190), “é realizado através de visitas
grante da sociedade. às localidades, onde se procura conhecer a realida-
É possível, para Bodernave (2002), que a par- de local através dos moradores”. Além disto, é possí-
ticipação, no âmbito comunitário, promova o en- vel reconhecer as atividades de produção e de lazer,
gajamento dos seus moradores na sociedade como os estilos de vida, os hábitos, os potenciais e os pro-
cidadãos participativos. blemas do cotidiano pelos moradores que convivem
Esta breve discussão sobre a participação nos faz em uma comunidade.
refletir sobre o a papel do psicólogo na inserção da Destacamos, então, que o mapeamento não é só
comunidade, pois é fundamental que a comunidade uma visita à comunidade na busca de seus equipa-
se responsabilize, aproprie-se do processo e possa mentos, monumentos, estruturas e as organizações
construir com o profissional. sociais. Mas, sim, uma forma de apreensão da rea-
Efetuamos, na pesquisa, o mapeamento psicos- lidade, a forma como os moradores estão inseri-
social participativo, que se refere ao levantamento dos, como pensam, sentem e vivenciam. Pode-se
observar a maneira como os moradores vinculam- A mediação é presente no estudo de Sánchez Vidal
-se ao lugar e às pessoas, o fortalecimento dos laços (1991) sobre a comunidade, em que é caracterizada
afetivos, dentre outros. pela interação entre os moradores e a sociedade, é a
Para a comunidade, é o reconhecimento de seu expressão das instituições sociais que a compõe, po-
próprio contexto e de efetivação de mudanças a dendo satisfazer as necessidades mútuas.
partir de momentos de definição conjunta entre
profissional e moradores, pois o objetivo não seria
a transmissão de informações, nem a palestra, mas Procedimentos metodológicos
a problematização da realidade, sua reconstrução a
partir do diálogo e ação coletiva. A pesquisa foi de natureza qualitativa, com base
Então, ressaltamos, que, para Montero (2006), no método dialógico vivencial (MDV), cuja análise
não é interessante que as pessoas digam só o que do material coletado foi feito com base na constru-
o pesquisador/profissional quer escutar, pois apre- ção de sentidos (Moreira, 2004).
senta as aparências e referem-se às expectativas Foram investigados dez alunos da Escola Papa
dos moradores em relação a estes. João XXIII do ProJovem Urbano, com idade entre 18
É essencial que os moradores possam verbalizar a 29 anos. O lócus do estudo foi a comunidade Vila
o que realmente acontece na sua comunidade. E o União, situada nas proximidades da Avenida Borges
psicólogo possa entrar em contato por meio da ca- de Melo, na Regional IV, em Fortaleza.
minhada comunitária e por conversas com os mora- Apresenta dificuldades referentes ao saneamen-
dores e os líderes comunitários. Essas visitas devem to básico, à segurança pública e à existência de um
ser orientadas por pessoas que morem no lugar, canal na região. Os moradores são envolvidos em lu-
para torná-las proveitosas e agregar informações, tas sociais e participação comunitária, propiciando
além de possibilitar parcerias. reivindicações à prefeitura.
Segundo Góis (2008), “andar pela comunidade O pesquisador, ao vivenciar a comunidade, deve-
é muito mais do que simplesmente passar pelos rá introduzir-se nas relações cotidianas e conhecer
lugares, é olhar para cada ponto, cada lugar, cada o modo de vida comunitário. Essa compreensão en-
morador, cada situação que se apresenta no local de fatiza-se na dinâmica e no impacto psicossocial na
andança, com um olhar sensível e perceptivo ...”. comunidade.
Portanto é uma metodologia participativa que pro-
move a inserção e a reinserção com a comunidade. A partir da necessidade desse processo de trans-
O mapeamento inclui levantamento de dados de ordem formação sujeito-comunidade, a psicologia comunitá-
documental (dados já escritos sobre a comunidade), ca- ria utiliza o método dialógico-vivencial (Góis, 2008)
para conhecer e aprofundar a leitura dessa realidade
minhada comunitária e problematização da comunida-
concreta da comunidade. Como o nome indica, esse
de pelos moradores. Para Castro (2009, p. 38),
método tem como premissas básicas a vivência da
comunidade e o diálogo com seus atores, seus gru-
Falar em convivência significa um compromisso e en-
pos e suas instituições. ... Vivenciar o modo de vida
volvimento ético e amoroso do psicólogo comunitário
comunitário significa compartilhar junto a pessoas
com a comunidade com a qual trabalha. Não se pode
da comunidade sentimentos, sentidos, significados
falar em atuação comunitária sem que esta seja pre-
que surgem a partir do seu dia a dia naquele lugar ...
cedida de inserção, ou seja, de um mergulho profundo
(Ximenes, Amaral, Rebouças & Barros, 2008, p. 92).
no modo de vida da comunidade, suas histórias, an-
gústias, cultura, significados, equipamentos sociais,
relações, lideranças, entre muitos outros aspectos Permite, assim, a transformação da realidade,
que a realização do mapeamento psicossocial partici- demonstra a práxis do psicólogo comunitário e a
pativo permite compreender e vivenciar. interação com a comunidade. Possibilita deflagrar
processos nos moradores referentes ao lugar, uma
A comunidade é um espaço mediado pela socie- releitura da realidade e ações transformadoras a
dade, os laços familiares, o município, a sociedade e partir do facilitar-pesquisando.
as relações interpessoais, que permite a construção Utiliza-se o método facilitar-pesquisando (Góis,
da identidade dos seus moradores e reconhecimen- 2008), que envolve facilitação e pesquisa em um
to de si, do outro e do contexto. processo contínuo de construção de conhecimento,
interação socioambiental e desenvolvimento pessoal O diário de campo foi usado durante o estudo,
e coletivo dos profissionais e da comunidade. que consiste, para Montero (2006), em descrições
Na pesquisa, realizamos a observação parti- do que aconteceu no campo, suas observações,
cipante e os círculos de cultura com os jovens do dúvidas, questionamentos, acertos, a superação e
programa na sala de aula. Inicialmente explicamos aprendizagem com seus erros.
os objetivos e desenvolvimento da pesquisa e os
estudantes interessados assinaram o termo de con-
sentimento. Depois, fizemos atividades pautadas na Percepções dos jovens sobre a comunidade
discussão das questões ambientais vivenciadas na
comunidade, efetuando um momento de sensibi- O mapeamento psicossocial participativo é uma
lização para as trilhas urbanas pautado na relação forma de conhecer a comunidade sob a perspectiva
que têm com o ambiente e o compromisso com o dos seus moradores. Assim, o psicólogo insere-se no
contexto. No segundo dia, realizamos uma trilha na contexto, familiariza-se, conhece as necessidades e
escola e, após a sua efetuação, facilitamos um círcu- percebe os potenciais. À medida que a comunida-
lo de cultura sobre o que pensaram e sentiram na- de conhece o profissional, conhece seus objetivos
quele momento, além de relacionar com o ProJovem e interage, gerando uma confiança mútua entre os
Urbano. Passamos uma atividade de casa sobre a sujeitos (Montero, 2006).
comunidade Vila União, em que deveriam fazer uma Permite a visão ampla da realidade, pois concebe
pesquisa sobre o bairro. No terceiro dia, falaram so- os aspectos demográficos, sociais, culturais, econô-
bre a história da comunidade a partir das matérias micos, históricos e afetivos, buscando os conheci-
sobre o Vila União. No quarto dia, para finalizar, fi- mentos objetivos e s subjetivos da comunidade.
zemos uma trilha pela comunidade e efetuamos um O mapeamento psicossocial participativo com-
círculo de cultura para que pudessem verbalizar so- preende a pesquisa documental, o levantamento
bre o que perceberam no encontro. de dados, a reflexão sobre a comunidade e a cami-
O círculo de cultura, por meio do diálogo proble- nhada comunitária. Não seria somente conhecer
matizador, deflagra a vivência dos jovens em rela- a comunidade sem perceber a realidade dos seus
ção às metodologias por meio de trocas simbólicas moradores, o seu modo de vida comunitário e a sua
e do processo grupal, gerando questionamentos e subjetividade. Diante disto, podemos conhecer a co-
reflexões, além da construção de novos sentidos, co- munidade da Vila União sob a óptica dos estudantes
nhecimentos e leituras da realidade. Segundo Góis do ProJovem Urbano e observar a percepção sobre
(2008, p. 188), a metodologia de facilitação, como no caso do alu-
no: “a comunidade Vila União é calma e tranquila, te-
O círculo de cultura faz parte do eixo metodológico mos praças, hospital de criança que é o Albert Sabin”
que parte de uma educação como prática de liberta- (aluno 1, 26 anos, estudante).
ção. Círculo quer dizer a forma como as pessoas estão A partir da discussão e da problematização da
sentadas fazendo a palavra ‘circular’ por entre todas,
comunidade, percebemos aspectos relevantes da
estando cada uma em pé de igualdade para falar e
realidade, pois o aluno comenta que onde mora é
ouvir atentamente. Cultura, por que todos ali têm um
conhecimento e uma experiência de vida, fazem parte
tranquilo. Há opiniões diferenciadas sobre a segu-
daquele lugar; pensam, agem, criam e têm algo a dizer rança, pois alguns participantes do grupo acreditam
para os outros, contribuindo para o conhecimento co- que é um bairro perigoso, já que presenciaram fatos
letivo e transformação da realidade. de violência, assaltos em suas casas, ou na vizinhan-
ça. Esse diálogo possibilita uma reflexão e acolhi-
Neste estudo, realizamos as trilhas guiadas. Seria mento do comentário do colega, respeitando o seu
relevante perceber a trilha com os jovens, promoven- posicionamento, propiciando novas significações
do a apreensão da realidade pelo público-alvo, per- sobre o lugar. Assim, segundo a estudante: “não
mitindo a interação entre o grupo e o pesquisador. acho que o Vila União seja um bairro calmo” (aluna
Na coleta de dados utilizamos a gravação e a 2, 20 anos, estudante).
transcrição dos diálogos para assegurar o registro Comparam a sua comunidade com outros luga-
preciso. Não utilizamos fotografias, pois os jovens res, para que, a partir disto, consigam perceber o
não aceitaram. lugar onde moram pacificamente, afirmando que
podem andar pela rua, pedir informação, sem que uma vez, mas foi complicado, sabia. É muito caro, né e
ocorra violência. Refletem os estereótipos que são ainda tem o material, o lanche, que é por minha conta
apresentados na televisão e nos jornais sobre a ou- (aluna 6, 18 anos, estudante).
tra comunidade. Então, uma jovem comenta que:
“o Lagamar é muito mais violento e perigoso” (aluna 4, Na perspectiva da educação, os jovens percebem
24 anos, estudante). as diferenças sociais e verbalizam os seus sonhos
Retratam as dificuldades na comunidade e de- para os seus filhos. Em referência à religião, nota-
monstram uma postura individualista, sem se preo- mos que a maior parte é católica, mas há pessoas
cupar com o contexto comunitário e o grupo social, evangélicas e que praticam religiões africanas, como
como é relatado pela estudante: “problema no Vila é relatado: “a maioria é católica, né, mas tem mui-
União tem, mas ninguém pode resolver o problema de ta gente evangélica. Há preconceito com as pessoas
todo mundo. Cada um tenta resolver o seu problema, evangélicas aqui, o povo não gosta muito, mas é claro
a sua dificuldade ...” (aluna 4, 24 anos, estudante). que tem gente que é muito exagerado ...” (aluno 1, 26
Essa reflexão sobre a comunidade faz parte do ma- anos, estudante).
peamento psicossocial participativo, pois consiste em O lugar que chama atenção dos jovens é a praça.
levantamento de dados sobre o contexto e um reco- É o lugar mais frequentado, pois encontram os co-
nhecimento da realidade comunitária sob a óptica dos legas, namoram e dançam. Associa-se ao passeio e
seus moradores, além de observar a percepção que à diversão com os grupos sociais, pois na juventude
apresentam em relação ao lugar e a sua transformação. há construção de novos interesses além da família,
A comunidade é um lugar de aprendizado e so- como afirma: �nós desenhamos a praça, que é um lu-
cialização entre os moradores. Possui a dimensão gar que nós frequentamos bastante, é bem animado
física, o território, o lugar, que a retrata geografica- todos os dia” (aluno 1, 26 anos, estudante).
mente, além de um viés sociopsicológico, uma inte- Apreendemos a relevância atribuída aos serviços,
ração das pessoas com o lugar (Góis, 2005). aos equipamentos sociais e aos transportes, como,
Vila União é um lugar bom de morar, há uma por exemplo, os colégios, os postos de saúde, o hos-
apropriação dos moradores em relação ao lugar, bem pital, as praças, além de compreender a questão da
como o sentimento de pertença e a afetividade em saúde, da religião, da educação, do lazer e esporte.
relação às pessoas e à comunidade, como podemos Conhecemos a localização da Vila União, ou seja,
perceber no comentário: “acho que é um lugar que onde começa e termina o bairro sob a perspectiva dos
tudo que nós queremos nós conseguimos, é um lugar jovens. Além disto, retrataram a história do bairro.
que tudo é perto” (aluna 6, 18 anos, estudante).
No item sobre a saúde na comunidade Vila União, Começa lá na Borges de Melo, passa pela escola, e ter-
como comenta a aluna: “percebi que a praça é muito mina lá na lagoa perto do aeroporto velho, onde tem a
bem localizada, mas se envolvem com coisas estra- praça do boi (que não lembro o nome certo, mas todo
nhas, como drogas, não fazem sexo com camisinha, mundo aqui chama desse modo), tem uma delegacia
aí pode pegar alguma doença, alguma coisa ruim ...” (aluno 1, 26 anos, estudante).
(aluna 6, 18 anos, estudante).
Diante disto, percebemos que os jovens, geral- A atividade propiciou o interesse para procurar
mente, não se protegem contra as doenças e a gra- os dados, que finalizou com a atividade de casa, que
videz de forma consciente e que usam drogas. No seria procurar matérias sobre o bairro, tais como a
decorrer da vida do jovem, os comportamentos de percepção do lugar que moram, presentificando-se
risco podem incluir a atividade sexual arriscada, o um sentimento de comunidade, de pertencimento
uso de álcool, a violência, o abandono da escola, a àquele contexto social, pois seria a realidade maior,
pouca interação social e o desemprego. que reflete a comunidade em que vivem, mostran-
Em relação à saúde, sobre os hospitais do bairro, do valores e condições sociais, presente no trecho
o aluno comenta a sua percepção: “o hospital é maior do diálogo a seguir: “Achei massa este texto, por que
do que imaginava” (aluno 10, 27 anos, estudante). relembro as histórias do meu avô sobre a nossa co-
munidade. Apesar de não em lembrar direito” (aluna 6).
Tem o colégio dos ricos da região bem perto, dava pra “Não conhecia esta história. Que legal! Massa! ...”
ver direito. Sonho em colocar meus filhos lá, até liguei (aluna 2).
Assim, os jovens leram o que pesquisaram em casa estórias, saber da história do lugar, dar-se a conhecer
sobre a comunidade, conheceram um pouco da his- e estabelecer laços de convivência, estar mais dentro e
tória do seu bairro, surgindo momentos de surpresa, por dentro do cotidiano do lugar. A caminhada comuni-
lembranças das histórias dos avôs, entre outros. As- tária quer dizer um andar coletivo, visando a olhar junto,
sim, a aluna comenta: “eu vi esta matéria na televisão, compreender junto e atuar junto (Góis, 2008, p. 197).
é muito bom ter o nosso bairro valorizado e divulgado
para a cidade” (aluna 6, 18 anos, estudante). Quando caminham juntos, fica mais fácil a inte-
Neste sentido, jovens reconheceram e sentiram ração entre os jovens ou outros participantes, que se
valorizados em relação ao seu bairro, quando foi surpreendem com o lugar, com as pessoas que estão
apresentado na televisão na cidade. Concordaram presentes, podem perguntar, conversar com os outros
com o material coletado, pois havia identificação moradores e trocar impressões. É na comunidade que
com o conteúdo proposto e mostraram lugares que ocorre a formação de grupos, o estabelecimento de
já comentaram e relataram a história do bairro, que vínculos, a expressão de sentimentos e a convivência.
até esta pesquisa não conheciam bem. Assim, de acordo com Castro (2009, p. 38),
Compreendemos que o mapeamento psicosso-
cial participativo não se resume somente à cami- Falar em convivência significa um compromisso e en-
nhada comunitária, mas ao material e ao conteúdo volvimento ético e amoroso do psicólogo comunitário
já produzido sobre o local. É importante realizar a com a comunidade com a qual trabalha. Não se pode
falar em atuação comunitária sem que esta seja pre-
pesquisa documental, como por exemplo, buscar re-
cedida de inserção, ou seja, de um mergulho profundo
latórios, documentos, matérias de jornais, escritos
no modo de vida da comunidade, suas histórias, an-
da comunidade, que devem ser lidos pela comuni-
gústias, cultura, significados, equipamentos sociais,
dade e pelos profissionais, gerando um posiciona- relações, lideranças, entre muitos outros aspectos
mento crítico. que a realização do mapeamento psicossocial partici-
Além de discutir, levantar os dados e pesquisar em pativo permite compreender e vivenciar.
documentos é relevante a caminhada comunitária,
pois possibilita vivenciar a realidade pelos moradores Portanto, enfatizamos a participação dos jovens
e pelo psicólogo, propiciando um conhecimento do na caminhada comunitária, bem como na tomada
contexto social em sua práxis. A partir da caminhada, de decisões e a responsabilidade pelo processo.
discutimos sobre os lugares a partir de um elemento
diferencial: a vivência. Demonstravam então a sensibi- A tomada de atitude que me refiro representa a par-
lidade, a afetividade e a mudança da percepção. ticipação na construção e melhoria do seu lugar de
vida. Entendo que esta só acontece, de fato, quando
Andar pela comunidade é muito mais do que simples- existem sentimentos de implicação entre os indivídu-
mente passar pelos lugares, é olhar para cada ponto, os e destes com seu lugar. A participação comunitária
cada lugar, cada morador, cada situação que se apre- fornece a base para o fenômeno do aprofundamento
senta no local de andança, com olhar sensível e per- da consciência (Rodrigues, 2007, p. 62-63).
ceptivo. Um olhar que une o etnográfico ao psicológi-
co, um olhar etnopsicológico alicerçado no compro-
misso social, um olhar amigo que busca compreender Além disto, notamos as pessoas que frequentam
a comunidade do ponto de vista científico, vivencial e o lugar, a identificação com as casas, as diferenças
solidário (Góis, 2008, p. 197). entre um lugar do bairro e de outro, o movimento
e o silêncio nas ruas, ou a opção por não observar,
Podemos experienciar o cotidiano dos morado- sendo consciente ou não. Sentiram diferença das
res, os lugares que gostam de ir, os idosos na cal- ruas perto da escola, em comparação ao lugar onde
çada, os casais namorando, constituindo-se a convi- vivem e habitam.
vência comunitária. Quando realizavam caminhadas no ProJovem
Urbano com os professores, estes não caminhavam,
A caminhada comunitária é um andar realizado em pegavam seus carros e chegavam no ponto marcado.
grupo, no qual se juntam para caminhar pelas ruas da
comunidade profissionais de saúde e moradores, com o Foi boa a caminhada, vocês foram com a gente, é di-
fim de conhecer os locais, as pessoas, as situações, ouvir ferente das que acontecem no ProJovem, que vamos
caminhando e os professores vão de carro, eles não sobre o ProJovem Urbano. Foi um instrumento que
acompanham a gente, podemos ir brincando, conver- permitiu a verbalização sobre o programa, sendo um
sando, tem gente que vai embora depois da presença e campo fértil para a facilitação e a realização de pes-
pronto. Isto desmotiva os alunos, sabe. Vocês foram com quisas na área da psicologia, da educação e da saúde.
a gente, conversando com a gente, perguntando algu- Sobre a participação no grupo, os jovens comen-
mas coisas... (aluno 1, 26 anos, estudante). taram que propiciou o desvelamento da realidade:
“... caminhamos, conhecemos mais a nossa comunida-
Acreditamos que a postura de distanciamento de, o nosso bairro, e também pudemos falar algumas
do professor/educador pode deixar os jovens dis- coisas que estavam engasgados sobre o ProJovem”
persos, podem ir para a casa (sem participar da ati- (aluno 1, 26 anos, estudante). Assim, observamos
vidade) e não permite a vinculação, a troca de in- que a pesquisa, com o uso do mapeamento psicos-
formações, a construção do processo, dentre outros. social participativo, promoveu a aproximação dos
Em relação aos estudantes do ProJovem Urbano, jovens à realidade, iniciando o processo de perten-
já conhecem a comunidade, mas geralmente não há cimento, sensibilização e interesse em referência à
interação com os seus moradores e a realização de comunidade.
atividades comunitárias. Os relatos dos estudantes
confirmam que são essenciais atividades que per-
mitam a sua aproximação, a reinserção, a vincula- Considerações finais
ção dos jovens com a comunidade.
A realização do mapeamento psicossocial par-
Quando caminhamos é que realmente conhecemos o ticipativo foi importante tanto para o pesquisador
lugar, quando ando de ônibus pelos cantos é tão rápi- quanto para os jovens, pois possibilitou refletir e
do que não dá para notar nada, né. Mas, caminhando é sentir a comunidade. Promoveu o reconhecimento
diferente, você passa por cada lugar e ele fica marcado
da comunidade e as possibilidades de transforma-
em você de alguma forma. Eu já havia passado diversas
ção, fortalecendo o trabalho comunitário e desvin-
vezes por esta praça, desta foi diferente, consegui pas-
culando as situações de opressão. Propiciou a iden-
sar com calma e perceber a importância para a nossa
comunidade e sua boa localização, num precisa andar tificação e pertencimento ao grupo, bem como o
muito para ir ao médico, comprar alguma coisa, ir ao resgate das redes sociais e o exercício da cidadania,
colégio... (aluno 1, 26 anos, estudante). pela diminuição dos preconceitos e a superação dos
sentimentos de rejeição, de insegurança, de vergo-
Para o mapeamento psicossocial participativo, nha e de culpa.
é importante que a caminhada aconteça em vários Tem um viés de facilitação comunitária, de pes-
momentos (fins de semana e na semana) e horários quisa, de inserção e reinserção com a comunidade,
(manhã, tarde e noite), para compreender o cotidia- de conhecimento e reconhecimento dos participan-
no da comunidade e os modos de experienciar cada tes. É possível trabalhar várias temáticas com a co-
momento. À noite, a realidade pode se apresentar de munidade a partir de suas demandas.
forma diversificada, com a presença de elementos Para a psicologia comunitária, essa metodologia
para mudar a percepção sobre o lugar (Góis, 2008). possibilita o conhecimento de equipamentos so-
Nesta pesquisa, realizamos uma caminhada co- ciais, que poderia efetivar uma parceria de trabalho,
munitária com os jovens à noite. É necessário para o buscando, entre outros processos, a potencialização
processo de mapeamento que ocorra encontros com a das atividades comunitárias presentes, a discussão
comunidade, com duração de quatro a seis meses, ou das problemáticas encontradas e a busca de solu-
mais tempo de acordo com a necessidade, como pre- ções. Assim, diante da realidade vivenciada, reco-
coniza o aluno: “eu gostei porque a caminhada fez com nhecemos os objetivos em comuns com os parcei-
que a conversa toda chegasse na nossa discussão sobre ros e a comunidade, que levem ao desenvolvimento
o ProJovem daqui mesmo, nem sei como isto aconteceu, comunitário e atuação comprometida.
né. Foi assim que foi...” (aluno 10, 27 anos, estudante). Tanto para o profissional de saúde como para o
Ao realizarmos o diálogo sobre a comunidade, o morador que participa da caminhada comunitária,
levantamento de dados, a pesquisa documental e a esta gera um pertencer e um sentido maior da vida
caminhada, percebemos que os jovens comentaram da comunidade, um conhecimento impossível de se
obter ficando dentro de um posto de saúde, de casa, Montero, M. (2006). Hacer para Transformar: El método
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