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Teixeira de Sousa
I/1
I. ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS
I. Processos jurisdicionais
1. Necessidade do processo
A necessidade do processo civil resulta de duas vicissitudes que afectam as situações
subjectivas atribuídas pela ordem jurídica: a dúvida sobre a sua titularidade e a sua violação pelos
não titulares. Dúvida e violação são as grandes razões da necessidade do processo civil. Esta
dualidade de fundamentos corresponde à dualidade de tipos básicos de processo civil, o processo
declarativo, pelo qual se esclarecem dúvidas sobre situações subjectivas (art. 10.º, n.º 1 a 3), e o
processo executivo, pelo qual se reparam violações de direitos subjectivos (art. 10.º, n.º 1 e 4).
2. Elementos do processo
O processo é a sequência de actos destinados à apreciação de uma pretensão formulada
por uma parte contra outra, mediante a intervenção de um tribunal. Elementos desta definição de
processo são, portanto, os seguintes: como estrutura, uma sequência de actos; como objecto,
uma pretensão; como sujeitos, o tribunal e as partes; como meio, a justiça pública; como fim, a
tutela de uma pretensão.
3. Modalidades do processo
3.1. Enunciado geral
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ela é realizada através de uma acção popular, que pode ser, atendendo ao seu objecto, uma
acção popular administrativa (art. 12.º, n.º 1, LPPAP) ou uma acção popular civil (art. 12.º, n.º 2,
LPPAP). Esta última pertence à competência dos tribunais judiciais e é regulada pelo direito
processual civil.
4. Meios alternativos
4.1. Generalidades
a) A eles se refere o art. 202.º, n.º 4, CRP como os instrumentos e formas de composição
não jurisdicional de conflitos. Nestes meios de resolução de conflitos há que destacar os
seguintes:
− A negociação, que é uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios de carácter
cooperativo, em que os litigantes se empenham, através de um trabalho conjunto, na
obtenção de um acordo;
− A mediação realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou
mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência
de um mediador (art. 2.º, al. a), LM); este mediador é um terceiro, imparcial e
independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na
tentativa de construção de um acordo final sobre o objecto do litígio (art. 2.º, al. b),
LM);
− A conciliação, de carácter interactivo, em que os litigantes são levados a aceitar, de
forma voluntária, uma solução proposta por um terceiro; a conciliação pode conduzir à
celebração de uma transacção (art. 290.º, n.º 4; cf. art. 1248.º, n.º 1, CC);
− A arbitragem, de carácter contencioso, em que um ou mais árbitros proferem uma
decisão destinada a resolver o litígio entre as partes.
Por vezes, os meios alternativos de resolução de conflitos são combinados.
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3. Legislação complementar
3.1. Organização judiciária
O direito processual civil é aplicado nos tribunais judiciais, pelo que ele é necessariamente
completado pela legislação sobre a organização judiciária, em especial:
− A Constituição da República Portuguesa, em especial os art. 202.º a 220.º;
− A LOSJ;
− A Lei que regula a competência, a organização e o funcionamento dos julgados de
paz.
Alguma legislação avulsa regula outras formas de processo, além das previstas no Código de
Processo Civil. Importa destacar a seguinte legislação:
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4. Fontes europeias
O chamado Direito Processual Civil Europeu é o direito processual civil internacional que é
regulado por fontes europeias e aplicável nos Estados-membros da União Europeia. As suas
fontes são as seguintes:
− A Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Junho de
2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas
transacções comerciais4;
− O Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, relativo à
competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil
e comercial5;
− O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, relativo
à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial
e em matéria de responsabilidade parental
− O Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à
competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil
e comercial6; na sequência daquele Acordo, a Decis. 2006/325/CE7 alargou à
Dinamarca as disposições do Regulamento (CE) n.º 44/2001 e a Decis. 2006/326/CE 8
1
Alterada pela L 47/2007, de 28/8.
2
Alterada pela P 210/2008, de 29/2.
3
Alterado pela L 43/2008, de 27/8, pelo DL 181/2008, de 28/8, pela L 64 -A/2008, de 31/12 , pelo DL
52/2011, de 13/4, pela L 7/2012, de 13/2, e pelo DL 126/2013, de 30/8.
4
JO L 200, de 8/8/2000.
5
JO L 12, de 16/1/2001; rectificação: JO L 307, de 24/11/2001; o Reg. 44/2001 foi alterado pelo Acto relativo
às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da
Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da
República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia
(JO L 236, de 23/9/2003), pelo Reg. 1791/2006 (JO L 363, de 20/12/2006) e pelo Reg. 1103/2008 (JO L 304,
de 14/11/2008); os anexos do Reg. 44/2001 foram alterados pelo Reg. 1496/2002 (JO L 225, de 22/8/2002),
pelo Reg. 1937/2004 (JO L 334, de 10/11/2004), pelo Reg. 2245/2004 (JO L 381, de 28/12/2004), pelo Reg.
280/2009 (JO L 93, de 3/4/2009), pelo Reg. 156/2012 (JO L 50, de 23/2/2002) e pelo Reg. (UE) 566/2013 (JO L
167, de 19/6/2013).
6
JO L 299, de 16/11/2005.
7
JO L 120, de 5/5/2006.
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5. Fontes internacionais
O Direito Processual Civil Internacional possui algumas importantes fontes internacionais.
Das convenções internacionais multilaterais relativas ao Direito Processual Civil Internacional de que
Portugal é parte salientam-se as seguintes:
2. Características gerais
2.1. Direito público
A natureza pública do direito processual civil advém da sua estreita ligação com a função
jurisdicional. Partindo do conceito de função jurisdicional como o poder estadual de administração
da justiça (art. 202.º, n.º 2, CRP), é fácil verificar como a presença de um órgão jurisdicional – o
tribunal – coloca em planos distintos as duas classes de sujeitos processuais: o tribunal e as
partes.
8
JO L 120, de 5/5/2006; a Decis. 2006/326/CE foi alterada pela Decis. 2009/942/CE (JO L 331, de
16/12/2009).
9
JO L 147, de 10/6/2009; rectificação: JO L 115, de 5/5/2011; Decis. 2009/430/CE (JO L 147, de 10/6/2009);
as dúvidas sobre a competência da Comunidade para celebrar a CLug II foram dissipadas pelo Tribunal de
justiça: cf. TJ 7/2/2006 (Parecer 1/03).
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O direito processual civil é frequentemente qualificado como direito adjectivo, isto é, como
um ramo do direito que regula um elemento acessório – a garantia – das relações substantivas.
Como referia BENTHAM (1748-1832), “o que a lei substantiva promete aos cidadãos, a lei adjectiva
assegura-lhes os meios de o obter”. É ainda nesta acepção que hoje se emprega frequentemente a
expressão “direito adjectivo” para qualificar o direito processual, em confronto com o direito
substantivo ou direito material, que é o direito que fornece o critério de decisão utilizado pelo
tribunal na apreciação da causa.
Com esta ideia apenas se quer vincar uma característica que historicamente motivou a
génese do processo e que normalmente está presente na decisão da causa. No entanto, nem toda a
sentença tem este aspecto de mera sequela ou garantia do direito. Por vezes, a decisão contém
elementos essenciais – como o prazo para a realização da prestação ou o montante atribuído a
título de indemnização de danos – que o juiz fixa ou determina, ele próprio, sem os receber do
direito substantivo. Outras vezes, a decisão do litígio surge no próprio processo, como sucede no
caso da transacção (cf. art. 1248.º, n.º 1, CC; art. 283.º, n.º 1) ou da decisão segundo critérios de
equidade (cf. art. 4.º, al. a) e b), CC).
b) A função instrumental do direito processual significa que este serve de meio de tutela do
direito material. Disto não decorre, no entanto, que, nessa sua função, ele não possa utilizar meios
próprios. Por exemplo: o direito material reconhece o direito de propriedade; mas é estranho ao
direito material um direito à declaração da propriedade (e, mais ainda, um direito à declaração da
inexistência da propriedade); em contrapartida, o direito processual civil conhece um meio para
declarar a existência ou inexistência de um direito: é a chamada acção de simples apreciação (art.
10.º, n.º 3, al. a)). Portanto, da instrumentalidade processual decorre uma ligação funcional entre o
direito processual civil e o direito material, mas não uma pré-definição pelo direito material dos
meios a serem utilizados pelo direito processual civil.
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Convém acentuar que, para além desta função instrumental do direito processual perante o
direito substantivo, nem sempre é fácil distinguir entre o direito processual e o direito substantivo:
dificuldades evidentes suscitam-se quanto a regras constantes de legislação substantiva com uma
previsão processual (como é o caso, por exemplo, das regras constantes dos art. 323.º e 327.º CC)
ou quanto a regras com a mesma origem que só podem ter uma aplicação processual (como é o
caso das regras sobre a repartição do ónus da prova).
c) Como afirmou CAPPELLETTI (1927-2004): “O direito processual civil não é […] um fim em si
mesmo, antes é um instrumento para o fim da tutela do direito substantivo, público e privado; em
suma, ele está, por assim, dizer, ao serviço do direito substantivo, do qual tende a garantir a
efectividade, ou seja, a observância, e, para o caso da inobservância, a reintegração”. No seu
sentido negativo, a instrumentalidade do processo significa que ele “não é fim em si mesmo” e que,
por isso, as “suas regras não têm valor absoluto que sobrepuje as do direito substancial”; neste
sentido negativo, a instrumentalidade obsta a que o processo se constitua em obstáculo à
realização da justiça; no seu sentido positivo, a instrumentalidade do processo reporta-se à
efectividade do processo, “entendida como capacidade de exaurir os objectivos que o legitimam no
contexto jurídico-social e político”; neste sentido positivo, a instrumentalidade impõe que o
processo se torne um meio de realização da justiça.
d) Não é sempre idêntica a posição dos direitos subjectivos, dos interesses legalmente
protegidos e dos interesses difusos perante o direito processual. Imagine-se, por exemplo, que
alguém pretende estabelecer a sua paternidade; só o pode fazer através de uma acção (art. 1869.º
CC). Verifica-se assim que, se normalmente a instrumentalidade do direito processual civil é
sinónima de secundariedade na satisfação do direito subjectivo ou no respeito do interesse
legalmente protegido ou do interesse difuso, pois que, em regra, o titular obtém a satisfação do
seu crédito ou o respeito do seu interesse sem o recurso às vias jurisdicionais, circunstâncias há em
que o recurso à actividade jurisdicional é o meio indispensável, porque único, para o exercício de
um determinado direito subjectivo. Em contraposição a uma instrumentalidade acessória, que
abrange as situações como a do credor perante o seu direito de crédito, pode, por isso, falar-se de
uma instrumentalidade primária, para englobar as eventualidades em que o direito subjectivo é de
exercício necessariamente jurisdicional.
4. Valores processuais
No entanto, o direito processual civil opera com valores próprios dos actos processuais,
nomeadamente a admissibilidade, a relevância e a concludência:
− O acto é admissível quando preencha os pressupostos necessários para que o
tribunal se pronuncie sobre o que nele é pedido;
− O acto é relevante quando o seu conteúdo contenha matéria de facto ou de direito
pertinente para a decisão da causa;
− O acto é concludente quando fornece todos os elementos que são necessários para
que o que nele é pedido possa ser considerado procedente;
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I. Generalidades
1. Relevância
Todo o processo tem de ter um objecto. Este objecto é relevante para, entre outros, os
seguintes efeitos:
− A determinação do valor da causa (296.º, n.º 1), o que, por sua vez, releva para a
determinação do tribunal competente, a forma do processo de execução comum e
ainda a admissibilidade do recurso ordinário (296.º, n.º 2);
− A delimitação do âmbito do conhecimento do juiz da causa (609.º, n.º 1);
− A aferição da legitimidade das partes (30.º a 34.º) e das excepções de litispendência e
de caso julgado (580.º e 581.º).
3. Orientação jurídica
O conceito de processo implica o do seu objecto: a matéria ou o assunto de que o processo
trata, aquilo que também se chama o mérito ou o fundo da causa (art. 97.º, n.º 1, 278.º, n.º 3,
320.º, 571.º, n.º 2, 576.º, n.º 2, 590.º, n.º 2, al. c), 591.º, n.º 1, al. b), e 2, 595.º, n.º 1, al. b), 619.º,
n.º 1, e 644.º, n.º 1, al. b)), 671.º, n.º 1, e 985.º, n.º 1). Ora, esse objecto, quando perspectivado
numa óptica jurídica, pode ser configurado de dois modos distintos:
− Uma relação jurídica, a chamada relação jurídica subjacente, controvertida ou
material; no caso do processo civil, uma relação jurídica privada não laboral;
− Uma pretensão concreta, processualizada e fundamentada.
Em certos casos, não se descortina com facilidade a relação jurídica substantiva ou material
que é objecto do processo. Suponha-se, por exemplo, que E vendeu a F o objecto x; mas que,
tendo reconhecido ter sido enganado por F com dolo, quer anular a venda; E instaura uma acção de
anulação contra F (cf. art. 254.º e 287.º CC). Esta acção não tem imediata ou directamente por
objecto as relações jurídicas emergentes da compra e venda, pois nela discute-se a anulação do
contrato. No entanto, a doutrina civilista fala, neste caso, no direito potestativo a anular o contrato
e na correspondente posição passiva de sujeição: estaria aí a relação subjacente ou material. Nas
mesmas condições está a acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (art. 1779.º a
1785.º CC): não são as relações matrimoniais (de que o art. 1672.º CC foca o lado passivo) que são
o objecto do processo, mas a relação constituída pelo direito ao divórcio (art. 1779.º CC), que se
configura como um direito potestativo, e pela correspondente posição passiva, que é uma sujeição.
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2. Características da pretensão
2.1. Concretização da pretensão
a) A pretensão apresentada em tribunal tem de ser concreta. Não basta à parte que recorre
ao tribunal apresentar a este órgão uma situação subjectiva carecida de tutela, afirmando o seu
interesse como juridicamente tutelado e pedindo ao tribunal que conceda a tutela requerida. A
pretensão daquele que recorre ao tribunal não pode ser assim indeterminada (do tipo “protejam o
meu interesse!”).
a) A pretensão tem de ser fundamentada. A lei exige que o autor indique o facto jurídico de
que decorre a pretensão que deduz em juízo (art. 581.º, n.º 4) ou os factos que servem de
fundamento à ação: é o que se designa por causa de pedir (art. 186.º, n.º 2, e 552.º, n.º 1 al. d)).
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I/10
Se a causa de pedir parecer fundada ao tribunal, este acolherá o pedido; se não, rejeitá-lo-á – mas
rejeitá-lo-á, note-se, na medida em que resulta dessa causa de pedir e só nessa medida, podendo
o autor, mais tarde, repetir o pedido, se o basear em diversa causa petendi (art. 580.º, n.º 1).
Assim, se A pretende contra B a declaração judicial de ser proprietário de x, tem de fundamentar o
seu pedido numa causa constitutiva da propriedade (a compra, por exemplo); caso ganhe, fica
declarado proprietário com base nesse fundamento; se perder, pode repetir a acção declarativa de
propriedade, invocando outra causa de pedir (a usucapião).
3. Pedido
À pretensão deduzida em juízo, quando determinada materialmente (“Sou credor”, “Sou
proprietário”) e processualmente (“O tribunal condene”, “O tribunal execute”, “O tribunal arreste” ou
ainda “O tribunal embargue”), chama-se pedido (art. 186.º, n.º 2, al. a) e b), e 552.º, n.º 1, al. e)).
I. Generalidades
Os sujeitos processuais são o tribunal e as partes. Estes sujeitos são os titulares da relação
processual, que é uma relação triangular constituída pelo tribunal e pelas duas partes (uma activa
e outra passiva). A relação processual coincide com a instância a que se reportam nomeadamente
os art. 292.º a 361.º, respeitantes a diferentes estádios dessa relação (como o começo, a
suspensão e a extinção) e aos incidentes que nela podem verificar-se.
A relação processual é a relação entre o juiz e as partes, que se inicia com a propositura da acção e
que se extingue com a decisão final; dado que essa relação é dinâmica, nelas formam-se
constantemente novas situações jurídicas, porque, de acordo com os actos do tribunal e do juiz que
vão sendo praticados em juízo, alteram-se permanentemente as expectativas das partes quanto à
obtenção de uma decisão favorável ou desfavorável. Por exemplo: quando o autor propõe a acção,
ele tem, naturalmente, a expectativa de obter uma decisão favorável; esta expectativa pode
diminuir após a contestação do demandado, mas aquela expectativa do demandante pode voltar a
aumentar após a realização da prova pelo demandado (que, correlativamente, pode ver diminuir as
expectativas a uma decisão favorável que tinha adquirido após a apresentação da contestação).
II. Tribunal
1. Características do tribunal
Os órgãos especificamente investidos na função de tutela de situações jurídicas chamam-se
tribunais. O art. 202.º, n.º 1, CRP contém uma definição de tribunal: os tribunais são os órgãos de
soberania com competência para administrar justiça em nome do povo.
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2. Função jurisdicional
2.1. Âmbito da função
À função do Estado, desempenhada pelos tribunais e que tem por finalidade a composição
de conflitos de interesses, impondo a aceitação da hierarquização dos respectivos interesses e
vencendo para isso toda a resistência, dá-se o nome de jurisdição ou função jurisdicional; ao
poder correlativo, o de poder jurisdicional. Na “jurisdição”, abrange-se tanto o poder de declarar ou
dizer o direito (como é realizado no processo declarativo), como o de impor coercivamente o
direito para reparação de violações (que é a finalidade do processo executivo).
3. Poderes do tribunal
3.1. Deveres funcionais
Por vezes, a actividade do juiz assenta num poder discricionário: é o que ocorre quando o
critério de decisão é, segundo a definição legal do art. 152.º, n.º 4, o "prudente arbítrio". Ao
contrário do dever (que não pode deixar de ser exercido, sob pena de nulidade processual
(195.º/1), o poder discricionário pode ser exercido ou não exercido, de acordo com o “prudente
arbítrio” do juiz. É o que acontece nas situações previstas nos art. 37.º, n.º 2, 266.º, n.º 5
(admissibilidade da reconvenção interveniente).
Por vezes, o legislador fixa os pressupostos do exercício desse "prudente arbítrio", como
sucede, por exemplo, no art. 37.º, n.º 2 (interesse relevante ou justa composição do litígio), nos
art. 264.º e 266.º, n.º 5 (perturbação inconveniente na instrução, discussão e julgamento do pleito),
no art. 322.º, n.º 2 (perturbação indevida do normal andamento do processo).
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4. Actividade do tribunal
4.1. Decisões de mérito
As decisões de forma são aquelas em que o tribunal não se pronuncia sobre o mérito da
pretensão do autor. Estas decisões são proferidas ao longo do processo, mas também há
decisões de forma que são finais: entre elas, cabe destacar aquelas que absolvem o réu da
instância por não se encontrar preenchido um pressuposto processual (278.º/1, 576.º/ 2, e 577.º).
III. Partes
1. Noção
Segundo uma concepção formal, as partes são as entidades que pedem ou contra as quais
é pedida em juízo a tutela de uma SJ. Em processo declarativo, as partes são designadas por
autor e réu e, no processo executivo, por exequente e executado.
2. Situações subjectivas
2.1. Enunciado
I/13
I. Pressupostos processuais
1. Generalidades
a) O tribunal só se pode ocupar do mérito da causa quando estiverem preenchidas algumas
condições estabelecidas pela ordem processual. Assim, se um incapaz – um menor, um interdito
ou um inabilitado –, não representado legalmente em juízo, formular um pedido, o tribunal não vai
apreciar se tem razão antes de o vício ser sanado e não julga de mérito se esse vício não vier a
ser sanado: o tribunal recusa-se a julgar do fundo da causa, pois falta um requisito que a lei exige
quanto às partes, a capacidade judiciária (cf. art. 15.º, n.º 1).
As condições necessárias para o tribunal se ocupar do mérito da causa – isto é, para
proferir uma decisão de condenação ou de absolvição do réu do pedido ou para tomar as medidas
de execução contra o devedor – chamam-se pressupostos processuais.
2. Caracterização geral
2.1. Função dos pressupostos
b) Atendendo a esta função compreende-se que eles devam ser assegurados pelo autor da
acção que são as partes interessadas na decisão de mérito (favorável) e na satisfação efectiva do
seu direito. Incumbe a estas partes assegurar que estão preenchidos todos os pressupostos
processuais necessários para o proferimento da decisão de mérito ou para as medidas coercivas
contra o executado.
Desta afirmação resulta uma conclusão muito importante: ao réu nunca pode ser exigido o
preenchimento de nenhum pressuposto processual, porque não teria sentido que estas partes
pudessem obstar ao proferimento de uma decisão de mérito. O que decorre do afirmado é que
esses pressupostos são apenas pressupostos de actos e que a sua falta inquina somente o acto
praticado pela parte (sem impedir o proferimento de uma decisão de mérito). Por exemplo: nas
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causas de valor elevado, as partes têm de estar representadas por advogado (40.º, n.º 1, al. a));
assim, não é válida a contestação apresentada, numa dessas causas, pelo próprio réu; mas o
vício inquina apenas o acto praticado, sem que possa obstar ao proferimento de uma decisão de
mérito (se obstasse, é evidente que o réu nunca constituiria advogado; não seria justo que o autor
fosse prejudicado por um acto imputável ao réu).
Mas, se é verdade que o proferimento de uma decisão de mérito nunca depende do réu, já
não é verdade que esse mesmo proferimento ou essas mesmas medidas dependem da
verificação dos pressupostos de cada um dos actos que venha a praticado pelo autor. Um
exemplo simples demonstra esta asserção: suponha-se que o patrocínio judiciário é obrigatório;
imagine-se que o autor assina, ele próprio, a réplica; a consequência é a falta de um pressuposto
de um acto processual e não a falta de um pressuposto processual. É esta distinção que justifica a
diferença de regimes estabelecida nos art. 29.º, n.º 2, 41.º e 47.º, n.º 3, al. a) e b), e que subjaz à
qualificação como excepção dilatória apenas da falta de autorização ou deliberação que o autor
devesse obter (art. 577.º, al. d)), da falta de constituição de advogado pelo autor e da falta,
insuficiência ou irregularidade do mandato por parte do mandatário que propôs a acção (577.º, al.
h)).
Há, no entanto, um acto do autor que, se não for válido, obsta ao proferimento de uma
decisão de mérito: trata-se da petição inicial do autor (art. 552.º). Portanto, o mais correcto é dizer
que todos os actos das partes estão sujeitos a determinados pressupostos e que os requisitos que
condicionam a validade da petição inicial são igualmente pressupostos processuais.
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3. Excepções dilatórias
3.1. Caracterização geral
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a) A generalidade das excepções dilatórias conduz à absolvição da instância (576.º, n.º 2).
Esta absolvição, porque é uma decisão sobre matéria processual, produz apenas caso julgado
formal (620.º, n.º 1), pelo que não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto
(279.º, n.º 1). Este regime tem de ser objecto de uma interpretação restritiva, dado que há que
entender que a segunda acção só é admissível depois de a falta do pressuposto processual que
determinou a absolvição da instância ter sido corrigida ou sanada. Enquanto tal não suceder, o
caso julgado da decisão de absolvição da instância é suficiente para obstar à admissibilidade da
segunda acção, porque, não tendo havido a sanação do vício, não se verificou nenhuma alteração
na relação processual.
Os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se,
quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de trinta
dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância (279.º, n.º 2). Esta
conservação dos efeitos permite que se mantenha a interrupção da prescrição decorrente da
citação do réu na primeira acção (323.º, n.º 1, CC).
Se o réu tiver sido absolvido da instância por um fundamento que não seja a incompetência
absoluta, a nulidade do processo, a falta de personalidade ou capacidade judiciária e a
ilegitimidade processual, na nova acção que corra entre as mesmas partes podem ser
aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas (art.
279.º, n.º 3).
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significa ignorar que aquela parte jamais poderá obter, em qualquer outra acção, uma melhor
tutela dos seus interesses.
É por isso que o art. 278.º, n.º 3 2.ª parte, estabelece que a subsistência de uma excepção
dilatória não conduz à absolvição da instância quando, destinando-se essa excepção a tutelar o
interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste a que, no momento da sua apreciação,
se possa proferir uma decisão de mérito que deva ser integralmente favorável a essa parte.
Estes exemplos mostram que certos pressupostos processuais podem deixar de ser
apreciados quando a decisão de mérito deva ter um conteúdo de improcedência. Dito de outra
forma: da solução constante do art. 278.º, n.º 3 2.ª parte, decorre que certos pressupostos
processuais só condicionam uma decisão de procedência do pedido.
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Pode suceder que alguns factos controvertidos – isto é, factos alegados por uma parte e
impugnados pela outra – sejam relevantes quer para a apreciação do mérito da causa, quer para o
preenchimento de um pressuposto processual. Por exemplo: a celebração do contrato de compra e
venda que é alegada pelo autor é naturalmente relevante para a apreciação do mérito da causa, mas
também o pode ser para a aferição da competência internacional ou territorial.
Provada a não veracidade do facto controvertido, há que conjugar essa circunstância com a
qualidade absoluta ou relativa do pressuposto a que ele se refere. Em concreto:
I. Actos processuais
1. Generalidades
1.1. Noção
O acto processual é todo o acto que produz, de forma directa, efeitos em processo. Em
termos mais gerais, pode dizer-se que o acto processual é todo o acto do tribunal ou das partes
cujo efeito se traduz na constituição de uma situação processual, ou seja, é todo o acto que
conforma o processo.
1.2. Consequências da concepção
a) Segundo a concepção funcional, o que releva para a qualificação do acto como acto
processual é o seu efeito característico:
− Os actos não se tornam processuais pela circunstância de produzirem efeitos
processuais, se estes forem meramente secundários ou acessórios; por exemplo: o
pagamento de uma dívida não é um acto processual, apesar de ele permitir a
invocação em juízo da excepção peremptória de cumprimento (576.º, n.º 3);
− Os actos não deixam de ser processuais pela circunstância de serem praticados antes
da pendência de qualquer acção ou fora de uma acção pendente; por exemplo: a
concessão de mandato judicial a um advogado para a propositura de uma acção é um
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/20
acto processual, não obstante ela ser realizada antes da pendência da causa a
instaurar;
− Os actos não deixam de ser processuais pelo facto de serem regulados pelo direito
substantivo; por exemplo: a confissão pode ser anulada por falta ou vícios da vontade
(359.º, n.º 1, CC), mas isso não impede que ela seja um acto processual;
− Os actos também não deixam de ser processuais se eles, além de efeitos
processuais, também produzirem efeitos substantivos e de, por isso, poderem ser
qualificados como actos duplos; a citação do réu para a acção é um acto processual
(219.º, n.º 1), apesar de ela também implicar a interrupção da prescrição (323.º, n.º 1,
CC);
Quanto à origem, os actos processuais podem ser actos das partes ou actos do tribunal:
− Os actos das partes são os actos praticados pelas partes (cf. art. 144.º a 149.º); estes
actos podem ser unilaterais (como os articulados) ou bilaterais (como o pacto de
competência ou a transacção);
− Os actos do tribunal são os actos realizados pelo tribunal; alguns destes actos são
praticados pela secretaria (157.º a 162.º) (como a citação do réu), outros devem ser
praticados pelo juiz (150.º a 156.º) (como os despachos, as sentenças e os acórdãos).
I/21
− A notificação é o acto que serve para, sempre que não deva ser utilizada a citação,
chamar alguém a juízo ou dar a alguém o conhecimento de um facto (art. 219.º, n.º 2);
− As decisões são os actos pelos quais o tribunal aprecia uma causa ou um incidente ou
qualquer aspecto com eles relacionado (152.º, n.º 1); as decisões podem ser
sentenças – que são as decisões finais proferidas numa causa ou num incidente
(152.º, n.º 2) – ou despachos – que são, em regra, decisões interlocutórias.
a) Quanto aos efeitos produzidos em processo, os actos das partes podem ser actos
constitutivos e actos postulativos:
− Os actos constitutivos são os actos das partes que constituem uma nova situação
processual, como o acordo da parte para a alteração do pedido ou da causa de pedir
(264.º), a junção de documentos (423.º), a recusa da parte ou da testemunha a prestar
juramento (459.º e 513.º, n.º 1), a renúncia ao recurso (632.º, n.º 1); os actos
constitutivos produzem imediatamente efeitos em processo e os seus valores são a
eficácia ou a ineficácia;
− Os atos postulativos são os atos das partes que condicionam a actividade do tribunal
e, em última análise, as suas decisões, como, por exemplo, os pedidos formulados
pelas partes, as afirmações de factos que podem fundamentar esses pedidos e os
requerimentos de meios de prova; os actos postulativos só produzem efeitos em
processo depois da decisão do tribunal e os seus valores são tanto a admissibilidade
ou a inadmissibilidade, como a procedência ou a improcedência.
Importa notar que, muito frequentemente, os actos das partes são simultaneamente actos
constitutivos e actos postulativos. Por exemplo: a propositura de uma acção é, em simultâneo, um
acto constitutivo, porque inicia a instância (259.º, n.º 1), e um acto postulativo, porque nela é
formulado um pedido ao tribunal (552.º, n.º 1, al. e);
b) Quanto à origem dos efeitos realizados em processo, os actos das partes podem ser
actos stricto sensu ou negócios processuais:
− Os actos stricto sensu produzem os seus efeitos processuais ex lege, dado que as
partes não podem escolher ou determinar os seus efeitos; é o caso, por exemplo, da
apresentação de um articulado ou da junção de um documento;
− Os actos negociais produzem os seus efeitos processuais ex voluntate, pois que as
partes podem escolher ou determinar os seus efeitos;
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I/22
c) Quanto à sua inserção na marcha do processo, os actos das partes podem ser
iniciais ou subsequentes:
– Os actos iniciais são aqueles que iniciam um processo ou uma fase do processo: é o
caso, por exemplo, da petição inicial (552.º), do requerimento executivo (724.º) ou do
requerimento de interposição de recurso (637.º);
– Os actos subsequentes são aqueles que são praticados enquanto um processo está
pendente: é o caso, por exemplo, da contestação do réu (art. 569.º) ou das alegações
da parte recorrida (638.º, n.º 5).
A principal importância desta distinção radica na circunstância de que nenhum processo ou
fase processual pode existir ou persistir sem o respectivo acto inicial. Por exemplo: não pode existir
um processo sem petição inicial ou um recurso sem alegações do recorrente, mas podem existir
processos sem contestação do réu ou recursos sem alegações do recorrido. Assim, qualquer vício
que afecte um acto inicial repercute-se, necessariamente, em todo o processo. Por exemplo: se a
petição for inepta (cf. art. 186.º, n.º 1 e 2), o réu é absolvido da instância (cf. art. 577.º, al. b), e
278.º, n.º 1, al. b)).
Em processo também relevam factos processuais – como, por exemplo, o decurso do prazo
peremptório para a prática de um acto (cf. art. 139.º, n.º 3) –, mas essa relevância projecta-se no
processo sempre através de actos processuais. Isto verifica-se por uma de duas maneiras: ou
porque a eficácia do facto se projecta sobre a possibilidade ou impossibilidade da prática de um
acto processual, ou porque o facto só tem eficácia no processo quando aí for alegado mediante
um acto processual. Por exemplo: a morte de uma das partes suspende a instância (cf. art. 269.º,
n.º 1, al. a)), mas isso só acontece depois de o falecimento ter sido alegado em processo (cf. art.
270.º, n.º 1).
2. Sequência processual
2.1. Actos de sequência
b) Os actos que compõem o processo não são praticados de uma forma caótica e desligada:
esses actos formam uma ordem, uma sequência que se dirige para um fim, e valem apenas, em
regra, como actos dessa sequência. Por vezes, exprime-se esta ideia dizendo que os actos
processuais são actos de significação colectiva, cuja disciplina jurídica resulta da consideração de
serem enquadrados com outros actos num certo conjunto. Nesta categoria de actos incluem-se
duas subespécies:
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I/23
– Os actos de massa, cujo regime é traçado pela lei atendendo à circunstância de serem
praticados em mais ou menos largo número;
– Os actos de sequência, actos cujo valor e regime jurídico decorrem da sua integração
numa sequência ou sucessão; os actos processuais constituem exemplo de actos de
sequência.
A sequência em que o processo se traduz pode ser determinada na lei ou ser deixada ao
prudente critério do juiz, que, em cada momento, ordena o que lhe parecer mais adequado à
consecução do fim processual. No primeiro caso, o processo é rígido; no segundo, o processo é
maleável. O processo civil português fornece uma tramitação legal, mas o juiz tem, como corolário
do dever de gestão processual (6.º, n.º 1), a faculdade de adequar essa tramitação quando a
mesma não se adaptar à complexidade da causa (547.º).
I/24
b) Quanto aos actos das partes em geral, importa distinguir entre os pressupostos
subjectivos e objectivos:
− Os pressupostos subjectivos são a capacidade judiciária, que é a susceptibilidade de
praticar o acto pessoal e livremente e que é aferida pela capacidade de exercício
(15.º, n.º 2), e o patrocínio judiciário obrigatório, que é a necessidade de
representação da parte por um mandatário judicial (40.º, n.º 1, e 58.º); a legitimidade
processual – que pressupõe uma relação da parte com o acto – só constitui um
pressuposto dos actos postulativos;
− Os pressupostos objectivos são a determinação do objeto (art. 94.º, n.º 3, al. e) e a
sua licitude, tendo em conta a proibição de litigância de má fé (art. 8.º e 542.º) e de
simulação processual (art. 612.º).
a) Relativamente à falta dos pressupostos dos actos das partes, há que distinguir entre os
actos constitutivos e os actos postulativos:
− Quanto aos actos constitutivos, a consequência da falta dos seus pressupostos é, em
princípio, a ineficácia do acto praticado;
− Quanto aos actos postulativos, a consequência da falta de um pressuposto processual
é a sua inadmissibilidade;
A falta dos pressupostos dos actos processuais é conhecida oficiosamente pelo tribunal
e, em certos casos, é sanável através da renovação do acto ou mediante a ratificação do
acto (indevidamente) praticado. Estas duas formas de sanação da falta dos pressupostos
possuem consequências distintas:
– Se houver renovação ou repetição do acto, os efeitos do novo acto produzem-se, em
princípio, apenas ex nunc;
– Se houver ratificação do acto praticado, os efeitos produzem-se ex tunc
I/25
(615.º, n.º 1, al. d)). Aquela nulidade é sanável mediante a prática do acto pelo órgão competente
(art. 202.º), esta última é insanável.
3. Sujeição a condição
Os actos processuais constituem uma situação processual, conformando o processo na sua
sequência ou impondo uma certa decisão ao juiz da causa. Este efeito constitutivo obsta a que os
actos processuais possam ser sujeitos a uma condição (suspensiva ou resolutiva) porque os efeitos
produzidos em processo não podem permanecer incertos e inseguros. Assim, em concreto:
I/26
– Os actos postulativos são livremente revogáveis enquanto não tiverem constituído uma
situação favorável para a contraparte; depois disso, esses actos só podem ser
revogados nos casos expressamente previstos na lei (27.º, n.º 2) ou mediante acordo
da contraparte (286.º, n.º 1);
– Os actos constitutivos são irrevogáveis quando tenham constituído uma posição
favorável para a contraparte; neste sentido, são irrevogáveis, por exemplo, o acordo
para a alteração da causa de pedir depois da realização dessa alteração (cf. art. 264.º),)
ou a desistência ou confissão do pedido depois da sua homologação (290.º, n.º 3).
Os actos das partes são livremente revogáveis, qualquer que seja a sua natureza, quando se
verifique, ainda durante a pendência do processo, um dos fundamentos da revisão da sentença
(696.º), pois que não seria razoável exigir-se o trânsito em julgado da decisão para se poder
impugnar o acto praticado no respectivo processo. Assim, o acto praticado pela parte é livremente
revogável quando, por exemplo, tenha tido por base um documento ou um depoimento que uma
decisão transitada em julgado considerou ser falso (696.º, al. b)) ou quando surja um documento de
que a parte não tenha tido conhecimento ou de que não tenha podido fazer uso e que, por si só,
seja suficiente para modificar o acto praticado (696.º, al. c)).
6. Suprimento de deficiências
A parte pode rectificar erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça
processual apresentada (art. 146.º, n.º 1). É ainda admissível o suprimento ou a correcção de
vícios ou omissões puramente formais nos actos praticados, desde que a falta não deva imputar-
se a dolo ou culpa grave da parte e o suprimento ou a correcção não implique prejuízo relevante
para o regular andamento da causa (art. 146.º, n.º 2).
7. Prazos processuais
7.1. Modalidades do prazo
a) Muitas vezes a lei fixa prazos especiais para a prática dos actos processuais. Quando o
não faz, os prazos gerais são os seguintes:
− Para as partes, dez dias (art. 149.º, n.º 1);
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I/27
− Para o juiz, dez dias, para os despachos que não sejam de mero expediente (art.
156.º, n.º 1): estes serão proferidos no prazo máximo de dois dias (art. 156.º, n.º 3);
− Para o Ministério Público, dez dias (art. 156.º, n.º 2);
− Para a secretaria, cinco dias (art. 162.º, n.º 1).
b) Se decorrerem três meses sobre o termo do prazo fixado para a prática do acto pelo juiz
sem que o mesmo tenha sido praticado, deve aquele consignar a concreta razão da inobservância
do prazo (art. 156.º, n.º 4). A secretaria deve remeter, mensalmente, ao presidente do tribunal
informação discriminada dos casos em que se mostrem decorridos três meses sobre o termo do
prazo fixado para a prática de ato próprio do juiz, ainda que o acto tenha sido entretanto praticado,
incumbindo ao presidente do tribunal remeter o expediente à entidade com competência disciplinar
(156.º, n.º 5). Um regime paralelo encontra-se estabelecido para o decurso do prazo relativamente
a actos da competência da secretaria (162.º, n.º 4 e 5).
O prazo judicial é contínuo (138.º, n.º 1 1.ª parte). Este prazo suspende-se, no entanto,
durante as férias judiciais, salvo se a duração dele for igual ou superior a seis meses ou, em
princípio, se tratar de actos que devam ser praticados em processos que a lei considere urgentes
(138.º, n.º 1 2.ª parte). O mesmo acontece com os prazos (de caducidade) relativos à propositura
de acções previstos na legislação processual civil (art. 138.º, n.º 4)
As férias judiciais - art. 28.º LOSJ.
I/28
b) A parte que alega o justo impedimento deve oferecer logo a respectiva prova (140.º, n.º 2
1.ª parte), excepto se o impedimento constituir facto notório (140.º, n.º 3). Após ouvir a parte
contrária, o juiz admite o requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o
impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele tiver cessado (140.º,
n.º 2).
A lei fixa os prazos processuais, mas é possível a sua prorrogação quer por disposição legal
(art. 141.º, n.º 1 – 569º/4), quer por acordo das partes (art. 141.º, n.º 2).
2. Hipóteses de relevância
2.1. Actos das partes
Nos actos das partes, verifica-se a relevância da falta e dos vícios da vontade nos negócios
processuais. Assim, se a parte confessou o pedido (art. 283.º, n.º 1), desistiu da instância (art.
285.º, n.º 2) ou do pedido (art. 283.º, n.º 1, e 285.º, n.º 1), transigiu sobre o objecto da acção (art.
283.º, n.º 2) ou confessou um facto (art. 352.º CC), todos esses actos podem ser declarados nulos
ou anulados nos termos aplicáveis a qualquer acto jurídico (art. 291.º, n.º 1; art. 359.º, n.º 1, CC). A
falta de vontade também releva no caso da simulação processual, a qual, além de fundamentar o
recurso de revisão pelo terceiro prejudicado (art. 696.º, al. g)), permite que o tribunal, visando
obstar aos fins prosseguidos pelas partes, ponha termo ao processo (art. 612.º).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/29
Nos actos do tribunal, o lapso – decorrente de erro do tribunal – pode ser corrigido por
despacho, a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz (art. 614.º, n.º 1). O lapso manifesto
quanto a matéria de direito ou de facto também justifica o requerimento de reforma da sentença, se
esta não admitir recurso ordinário (cf. art. 616.º, n.º 2).
Além da nulidade de processo, a lei prevê, no art. 615.º, a figura da nulidade de sentença.
Quanto aos acórdãos dos tribunais superiores, as causas da sua nulidade encontram-se previstas
no art. 666.º, n.º 1.
2. Modalidades
2.1. Enunciado
I/30
destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que
não lhe seja imputável (art. 188.º, n.º 1);
− A nulidade da citação (art. 191.º); quando não tenham sido observadas na citação as
formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1);
− O erro na forma de processo (art. 193.º); esta nulidade verifica-se quando se tenha
utilizado uma forma de processo diferente daquela que deveria ter sido utilizada;
− A falta de vista ou exame ao Ministério Público (art. 194.º); esta utilidade ocorre
quando, devendo o Ministério Público intervir como parte acessória, não lhe seja
facultada a vista ou o exame do processo (194.º, n.º 1).
a) O art. 195.º, n.º 1, fixa um regime geral: a prática de um acto que a lei não admita, bem
como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade
quanto a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão
da causa. Portanto, prevêem-se no art. 195.º, n.º 1, as seguintes hipóteses:
− A prática de um acto que a lei não admita; por exemplo: o réu apresenta um articulado
não previsto na lei;
− A omissão de um acto que a lei prescreva; por exemplo, o mandatário judicial do
apresentante não notifica o mandatário judicial da contraparte (art. 221.º, n.º 1);
− A omissão de uma formalidade que a lei imponha; por exemplo: a omissão do
juramento da parte ou da testemunha (459.º, n.º 1 e 2, e 513.º, n.º 1).
As nulidades processuais são vícios em função da sequência processual, nunca se
ocupando a lei processual civil de vícios do acto em si mesmo (como aqueles que respeitam à
falta e aos vícios da vontade).
c) As decisões sobre as nulidades inominadas – que são aquelas que estão previstas no art.
195.º, n.º 1 – só são recorríveis se a alegada nulidade contender com os princípios da igualdade
das partes ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de
meios probatórios (art. 630.º, n.º 2).
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I/31
3. Efeitos
Decorre do art. 195.º, n.º 1, que, em regra, uma irregularidade na sequência processual só
releva se afectar a finalidade desta sequência. Mas, se na sequência processual se verificar uma
nulidade, não é só o acto viciado que é afectado, mas também a sequência ulterior, embora nos
estritos limites do que dependa do acto viciado: é o que estabelecem os n.º 2 e 3 do art. 195.º.
I. Preliminares
O processo civil – como, aliás, todos os demais processos jurisdicionais – caracteriza-se
essencialmente pelo seu fim: é uma sequência de actos que se destinam ao proferimento de uma
decisão (no caso do processo declarativo) ou à satisfação efectiva de um credor (na hipótese do
processo executivo). Num plano mais geral, pode dizer-se que o fim do processo civil é a tutela de
situações subjectivas.
As regras processuais destinam-se a terminar com as situações de incerteza sobre essas
mesmas situações.
Concluído que o processo civil tem por fim a tutela de situações subjectivas, importa
acrescentar que essa tutela pode concretizar-se de diversas formas, que são as seguintes:
Nem sempre o processo termina com a tutela da situação subjectiva alegada pelo autor ou
pelo exequente, pois que o resultado de um certo processo nem sempre representa o atingir do fim
do processo. É o que acontece quando se verifica a absolvição da instância pela falta de
pressupostos processuais (278.º, n.º 1) ou quando a instância se extingue pelo compromisso
arbitral (277.º, al. b), e 280.º), pela desistência do pedido pelo autor ou pela impossibilidade ou
inutilidade superveniente da lide (art. 277.º, al. e)).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/32
O art. 10.º, n.º 1, começa por estabelecer que as acções são declarativas ou executivas. As
acções declarativas, diz o art. 10.º, n.º 2, podem ser de simples apreciação, de condenação ou
constitutivas.
Esta classificação, embora gizada primariamente para os pedidos, reporta-se mediatamente
ao direito de pedir e ao processo. Quanto a este, há que fazer as seguintes ressalvas. Antes do
mais, a distinção dos processos declarativos em três tipos não implica nenhuma diferença na sua
marcha. Acresce ainda que é possível cumular num único processo vários pedidos (cf. art. 555.º),
até de natureza diferente, pelo que pode haver processos mistos, em que se peça pedido de sim-
ples apreciação pedido constitutivo e ainda pedido de condenação.
A enumeração que consta do art. 10.º, n.º 2 e 3, é, acima de tudo, de ordem doutrinária, pois
que, em parte alguma, a legislação processual retira consequências da distinção entre os diversos
tipos de acção declarativa, pelo que essa enumeração não pode ser considerada taxativa.
a) As acções de simples apreciação são definidas pelo art. 10.º, n.º 3, al. a), como aquelas
que têm por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de
um facto.
I/33
− A acção é positiva quando tiver por fim obter a declaração da existência de um direito
ou de um facto; é o que sucede com a acção de declaração de nulidade de um
negócio jurídico ou com a acção de declaração da propriedade de um imóvel;
− A acção é negativa quando tiver por fim obter a declaração da inexistência de um
direito ou de um facto; é o caso da acção destinada a obter a declaração de que o
autor não é devedor do réu.
Uma modalidade específica das acções de simples apreciação é a acção de apreciação
incidental. Qualquer das partes pode requerer que uma questão ou um incidente que tenha sido
suscitado numa acção pendente seja decidido com força de caso julgado material desde que o
tribunal da acção tenha competência internacional, material e hierárquica para essa apreciação
(art. 91.º, n.º 2).
a) Segundo a definição do art. 10.º, n.º 3, al. b), as acções de condenação são as que têm
por fim exigir a prestação duma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação dum
direito.
As acções condenatórias podem ser acções ex praeterito, quando pressupõem a violação
de um direito e visam obter a condenação no cumprimento de uma prestação já vencida, ou in
futurum, quando prevêem a violação de um direito e procuram obter a condenação do réu no
cumprimento de uma prestação no momento em que esta se vencer (10.º, n.º 3, al. b)). As acções
de condenação in futurum são admissíveis nas condições previstas no art. 557.º, n.º 1 e 2.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/34
a) As acções constitutivas são definidas pelo art. 10.º, n.º 3, al. c), como as que têm por fim
autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. A relação material nestas acções é uma
relação potestativa: o autor exerce (ou pretende exercer) um direito potestativo, estando os efeitos
de tal exercício sujeitos à condicio juris de uma sentença favorável que reconheça e declare o
direito, implicitamente autorizando ou desencadeando tais efeitos. Assim, são acções constitutivas
todas aquelas em que sejam exercidos direitos potestativos, como, por exemplo, aqueles que se
referem à impugnação ou revogação de actos jurídicos, denúncia ou resolução de negócios
jurídicos, à destituição de cargos sociais ou ao exercício de direitos de preferência.
Embora não se baseiem num direito potestativo, também podem ser consideradas acções
constitutivas algumas acções que visam modificar ou impedir a produção de certos efeitos
jurídicos. É o caso, por exemplo, das acções que visam modificar a prestação de alimentos ou
outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua
duração (619.º, n.º 2), assim como dos embargos de terceiro (cf. art. 342.º, n.º 1).
I/35
3. Acções executivas
3.1. Generalidades
A acção executiva tem uma característica fundamental: toda a execução tem por base um
título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 10.º, n.º 5). O tribunal
não pode tomar providências executivas de carácter material, sem primeiro se assegurar de que o
direito assim coercivamente satisfeito existe realmente. A lei fixa por que meios pode ser realizada
esta demonstração da existência do direito. Tais meios traduzem-se sempre em documentos e
vêm taxativamente enumerados no art. 703.º, n.º 1.
Nos termos do 10.º, n.º 6, a acção executiva apresenta três subespécies, profundamente
diferentes em termos de tramitação: a execução para pagamento de quantia certa (724.º a 858.º),
a execução para entrega de coisa certa (859.º a 867.º) e a execução para prestação de facto
(868.º a 877.º).
A uma acção declarativa não se segue necessariamente uma acção executiva. Se a acção
for julgada improcedente e se nela não for proferida nenhuma condenação, nada há a executar.
Mas, mesmo que a acção declarativa termine com uma sentença condenatória, também não se
segue a execução se aquela sentença for voluntariamente cumprida pela parte condenada.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/36
Acresce que, considerado o elenco dos títulos executivos que consta do 703.º, n.º 1, nem
toda a execução pressupõe uma anterior acção declarativa. A execução pode iniciar-se com base,
por exemplo, num título de carácter negocial, como uma escritura pública (703.º, n.º 1, al. b)).
I/37
3. Critério da distinção
3.1. Preliminares
Antigamente, era muito comum distinguir os dois tipos de jurisdição da seguinte forma: a
contenciosa desenrola-se entre pessoas que não estão de acordo, inter nolentes ou inter invitos; a
graciosa decorre entre pessoas que estão de acordo, inter volentes: Assim, o art. 1.º § 1.º,
CPC/1876 estabelecia: “O processo é contencioso quando mantém os direitos que são
contestados; gracioso, quando regula os actos jurídicos sem contestação de parte”.
No entanto, não é a verificação ou não verificação de controvérsia (isto é, de um conflito de
opiniões), nem sequer a sua possibilidade ou impossibilidade, que caracteriza os dois tipos de
jurisdição e processo. Pode não haver controvérsia em processo contencioso, se o réu não
contestar ou até confessar logo o pedido. Paralelamente, pode haver processos graciosos em que
a controvérsia se pode verificar: assim, por exemplo, se um dos cônjuges quiser pedir ao tribunal o
suprimento do consentimento do outro cônjuge para vender um bem imóvel (art. 1682.º-A, n.º 1, e
1684.º, n.º 3, CC), intenta um processo de jurisdição voluntária no qual pode haver contestação da
parte demandada (art. 1000.º, n.º 1 e 2).
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I/38
I/39
a adequação das providências às circunstâncias do caso (70.º, n.º 2, CC) – não permite aplicar
àquele processo as características gerais dos processos graciosos (986.º a 988.º). Em todo o
caso, aquele critério de decisão não permite a interposição de recurso para o STJ, dado que a
revista exige, como fundamento específico, a alegação da violação de lei substantiva (674.º/ 1, a)).
I/40
3. Processo de declaração
3.1. Generalidades
a) Apesar de todo o processo declarativo comum seguir uma única forma (548.º), há
algumas especialidades no respectivo procedimento em função do valor da causa. Assim:
− Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação a tramitação
posterior à fase dos articulados é distinta da tramitação das acções cujo valor exceda
esse quantitativo (art. 597.º);
− Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a perícia é
realizada por um único perito (art. 468.º, n.º 5);
− Nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, o limite do
número de testemunhas é reduzido para metade do que é admissível nas causas de
valor superior a essa alçada (art. 511.º, n.º 1 2.ª parte);
− Nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, os períodos
previstos para as alegações orais dos advogados e respectivas réplicas são
reduzidos para metade daqueles que valem para as demais acções (art. 604.º, n.º 5
2.ª parte).
b) O entendimento destes regimes depende da análise de duas noções: a de valor da causa
e a de alçada do tribunal.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/41
a) O art. 296.º, n.º 1, estabelece que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo,
expresso em moeda legal; nenhuma petição inicial é recebida se dela não constar a indicação do
valor da causa (558.º, al. e)). Todo o processo tem um valor em dinheiro, determinado quer natu-
ralmente pela avaliação dos interesses em causa (art. 297.º a 310.º), quer, quando se trate de
interesses não patrimoniais e não avaliáveis em dinheiro, artificialmente (303.º).
O valor processual interessa para determinar a competência do tribunal, a forma do
processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (art. 296.º, n.º 2).
I/42
A base da organização judiciária dos tribunais judiciais é o tribunal de 1.ª instância, que é,
em regra, um tribunal de comarca (210.º, n.º 3, CRP; 29.º, n.º 3, e 79.º LOSJ); além dos tribunais
de 1.ª instância, existem tribunais superiores – os tribunais da Relação (210.º, n.º 4, CRP; 29.º, n.º
2, e 67.º, n.º 1, LOSJ) e o STJ (210.º, n.º 1, CRP; 29.º, n.º 1, al. a), e 31.º, n.º 1, LOSJ). Dos
tribunais de 1.ª instância, em tese geral, pode recorrer-se para os da Relação e destes para o STJ.
A lei não permite sempre a interposição de recurso. Muitas vezes, a lei estabelece um limite
até ao qual o tribunal menos categorizado julga sem recurso, só cabendo recurso para o tribunal
mais elevado em categoria a partir desse limite (629.º, n.º 1). Ao limite até ao qual certo tribunal
julga sem recurso chama-se alçada desse tribunal. Em matéria civil, a alçada da Relação é de €
30000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5000 (44.º, n.º 1, LOSJ).
I. Interpretação e integração
O grande princípio geral que domina a matéria da interpretação e integração do direito
processual civil é o de que este ramo de direito se integra quase completamente na teoria geral do
direito. Designadamente, são aplicáveis ao processo civil as soluções que, naquela teoria, forem
dadas aos problemas levantados pela interpretação e integração da lei. Em especial, as
disposições comummente entendidas como de teoria geral sobre o assunto – maxime, as
constantes dos art. 9.º e 10.º CC – são plenamente aplicáveis em processo civil. Apenas importa
acrescentar que, atendendo à função instrumental do processo civil, a interpretação das regras
processuais civis deve facilitar a tutela das situações decorrentes do direito material.
Desta ordem de ideias resulta ainda uma consequência de interesse: podem considerar-se
como regras de teoria geral do direito certas regras que despontaram no direito processual sobre a
interpretação e a integração da lei. É o caso designadamente do art. 8.º CC, que versa sobre a
obrigação de julgar e o dever de obediência à lei.
a) Em regra, todas as leis são de aplicação imediata (12.º, n.º 1 1.ª parte, CC), pois que
todas as leis entram em vigor para se aplicarem de imediato às situações que elas abrangem. As
leis novas devem aplicar-se, todavia, com respeito do domínio regido pela lei antiga, ou seja, não
devem aplicar-se de forma retroactiva (art. 12.º, n.º 1 2.ª parte, CC).
Não se tem que atender à lei processual vigente ao tempo em que se constituiu ou extinguiu
o direito ou relação jurídica litigada, mas à lei vigente ao tempo do processo.
A nova lei processual aplica-se imediatamente aos processos pendentes, pelo que respeita
aos actos que de futuro neles hajam de ser praticados. Aqui o termo de referência é a SJ processual
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/43
em curso. Neste sentido as leis processuais são de aplicação imediata justamente por serem as leis
em vigor ao tempo da realização dos actos a que se referem. Como, porém, o processo é uma SJ em
curso, bem pode acontecer que a aplicação da LN possa, indirectamente, e sem retroactividade,
inutilizar actos processuais passados”.
b) A ideia expressa no art. 12.º CC é a seguinte: deve ver-se com atenção que ponto regula
a lei nova; entende-se, em princípio, que esse ponto é regulado pela lei nova só do momento da
sua entrada em vigor em diante. Se este ponto for um facto ou um efeito jurídico, a lei nova só se
aplica aos factos posteriores, respeitando-se plenamente os factos anteriores em todos os seus
efeitos (12.º, n.º 1, CC); mas se a lei nova regular directamente efeitos jurídicos, aplica-se aos
efeitos que existam após a sua entrada em vigor, ainda que produzidos por factos passados (12.º,
n.º 2 2.ª parte, CC).
I/44
O 44.º, n.º 3, LOSJ estabelece que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é
regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção. Isto significa que um recurso
que era admissível no momento da propositura da acção não deixa de ser admissível se, durante
a pendência da mesma, o montante da alçada aumentar e se, por esse motivo, o valor da causa
passar a ser inferior ao montante da alçada (cf. art. 629.º, n.º 1).
À validade dos negócios processuais aplica-se o 12.º, n.º 2 1.ª parte, CC: a validade,
substancial ou formal, desses negócios é regulada, em regra, pelo regime no momento da sua
celebração.
Todas as teorias sobre a aplicação da lei no tempo ressalvam, antes de considerações gerais,
que a regra jurídica pode vir dar solução legal aos problemas dessa aplicação, através de
disposições transitórias, podendo fazê-lo por duas formas: por disposições transitórias, quanto a
certos problemas de aplicação das leis no tempo, e por disposições transitórias, quanto a uma certa
sucessão de leis no tempo.
2. Concretização
2.1. Princípio da territorialidade
Diz o art. 25.º CC que “o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de
família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos”. Como o
art. 15.º, n.º 2, estabelece o princípio da correspondência entre a capacidade de exercício de
direitos substantivos e a capacidade de exercício de direitos processuais (capacidade judiciária),
daqui poder-se-ia tirar a conclusão de que, em matéria de capacidade judiciária, haveria que
preterir, muitas vezes, a lei processual portuguesa e aplicar extraterritorialmente uma lei
estrangeira. De novo a conclusão é precipitada. Por força do 25.º CC pode haver que preterir a lei
portuguesa e aplicar uma lei estrangeira em matéria de capacidade civil; mas, uma vez fixada esta,
a regra processual que se aplica no ordenamento português é sempre a do art. 15.º, n.º 2. Assim,
se, num país estrangeiro, não vigorar a regra da correspondência, havendo pessoas civilmente
capazes mas judiciariamente incapazes, num foro português essas pessoas consideram-se
civilmente capazes, por força do art. 25.º CC, e judiciariamente capazes também, por força do art.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/45
15.º, n.º 2; a inversa é igualmente verdadeira: ainda que a sua lei pessoal não lhes atribua
capacidade judiciária, todas as pessoas com capacidade de exercício possuem, em Portugal,
capacidade judiciária.
As leis processuais envolvidas na resolução destes problemas são de aplicação territorial, não
podendo ser preteridas por leis estrangeiras. Assim, por exemplo, as pessoas meramente
judiciárias – aquelas que têm personalidade judiciária sem terem PJ (12.º e 13.º) – gozam de
personalidade judiciária, ainda que provenientes de um país que lhes não reconheça tal atributo.
I/46
processual civil português (princípios de ordem pública processual internacional), entre os quais é
de contar os princípios da igualdade das partes e do contraditório (30.º, n.º 1, al. b) e c), LAV).
O princípio da aplicação da lex fori não obsta a que existam, no ordenamento processual
português, algumas regras que só são aplicáveis quando a acção apresenta uma conexão com
várias ordens jurídicas. Nesta hipótese, há, por vezes, que recorrer a regras de conflitos de
jurisdições para determinar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para
apreciar a acção (cf., no âmbito do direito interno, art. 59.º) e há que aplicar regras específicas para
verificar a relevância da pendência da acção num tribunal estrangeiro (art. 580.º, n.º 3). É também
através de regras próprias do processo civil internacional que se analisa se uma sentença
estrangeira pode ser reconhecida em Portugal (art. 978.º a 985.º).
2. Consequências
2.1. Generalidades
a) Os efeitos jurídicos que não estão na disponibilidade das partes são efeitos jurídicos
indisponíveis, falando a lei, por vezes, de direitos indisponíveis (345.º n.º 1, e 354.º, al. b), CC), de
relações jurídicas indisponíveis (4.º, al. b), CC) ou de matéria excluída da disponibilidade das
partes (333.º e 602.º CC). O princípio da instrumentalidade implica não só que não podem ser
válidos os negócios processuais de desistência ou de confissão do pedido (283.º, n.º 1, e 289.º, n.º
1) e de transacção (283.º, n.º 2, e 289.º, n.º 1) celebrados nas acções que tenham por objecto
direitos indisponíveis, mas também que, nessas mesmas acções, a revelia do réu não pode ser
operante (567.º, n.º 1, e 568.º, al. c)). É ainda pelo receio de se transformarem em meios
indirectos de conseguir um efeito indisponível que a lei proíbe nestes casos o julgamento segundo
a equidade (4.º, al. b), CC).
Para melhor compreensão do princípio da instrumentalidade, considerem-se os exemplos
seguintes:
− O 2008.º, n.º 1, CC estatui que “o direito a alimentos não pode ser renunciado”; trata-
se, portanto, de uma relação jurídica indisponível; ora, se uma pessoa propusesse
uma acção de alimentos contra outra, e seguidamente desistisse do pedido, obtinha,
com esta actuação, em face do disposto no 285.º, n.º 1, o mesmo resultado que
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/47
obteria com uma renúncia ao seu direito; o princípio da instrumentalidade impõe que,
nesta hipótese, a desistência do pedido seja nula (289.º, n.º 1);
− Proposta uma acção de investigação da paternidade, poderia o réu confessar, não o
pedido em si, mas os factos em que tal pedido se funda; se tal confissão, como é
normal, fizesse prova de tais factos (358.º, n.º 1, CC), dar-se-ia, embora
indirectamente, o estabelecimento voluntário da paternidade; daí que, em obediência
ao princípio da instrumentalidade, a lei recuse a esta confissão o valor probatório
pleno (354.º, al. b), CC); por essa mesma razão, naquela acção a falta de
contestação do réu não implica a confissão dos factos articulados pelo autor (567.º,
n.º 1, 568.º, al. c)) e a não impugnação destes factos também não determina a sua
admissão por acordo (574.º, n.º 2).
b) A lei leva mais longe ainda o seu cuidado: quando um efeito jurídico for indisponível, a lei
chega mesmo a restringir as acções de que esse efeito jurídico seja mera consequência eventual.
Tome-se como exemplo o limite substantivo constante do 1682.º-A, n.º 1, al. a), CC: fora do caso
de casamento em regime de separação de bens, nenhum cônjuge pode alienar imóveis, mesmo
próprios, sem o consentimento do outro; por força do princípio da instrumentalidade, o art. 34.º/1,
impõe que, mesmo só para pôr em risco um imóvel através de uma acção (reivindicado um imóvel,
se o autor perder, fica assente que o imóvel não é dele), é necessário que ambos os cônjuges
estejam em juízo ou que um deles dê o seu consentimento ao cônjuge autor (786/1 a)).
I/48
I/49
− Acção (de simples apreciação) destinada a fixar a data provável da concepção (art.
1800.º, n.º 1, CC): é admissível a desistência do pedido; não é admissível confissão do
pedido, nem transacção;
− Acção de impugnação da maternidade (art. 1807.º CC): é admissível a desistência do
pedido; não é admissível a confissão do pedido, nem a transacção;
− Acção de investigação de maternidade (oficiosa ou particular) (art. 1808.º e 1814.º
CC): não parece admissível nem a desistência do pedido, nem a transacção; todavia, na
acção de investigação oficiosa, a pretensa mãe pode confirmar a maternidade (cf. art.
1808.º, n.º 3, CC), o que equivale a uma confissão do pedido; por analogia, o mesmo
pode suceder numa acção de investigação particular;
− Acção de impugnação da paternidade presumida (art. 1838.º CC): é admissível a
desistência do pedido; não é admissível nem a confissão do pedido, nem a transacção;
− Acção de investigação de paternidade (oficiosa ou particular) (art. 1864.º e 1869.º CC):
não parece admissível nem a desistência do pedido, nem a transacção; no entanto,
nesta acção é admissível o reconhecimento da paternidade através da perfilhação (cf.
art. 1853.º, al. d), e 1865.º, n.º 3, CC), o que equivale a uma confissão do pedido;
− Acção de alimentos: não é admissível a desistência do pedido (cf. art. 2008.º, n.º 1,
CC); são admissíveis a confissão do pedido e a transacção.
2. Âmbito
2.1. Concepção privatística
I/50
consagrados no art. 411.º (como expressão do princípio do inquisitório) e nos art. 6.º, n.º 2, e 578.º
(como manifestação do princípio da oficiosidade). Predomina hoje, na doutrina e na legislação,
uma concepção publicística, não contratualista ou social do processo que encontra a sua
expressão mais vincada no dever de gestão processual (cf. art. 6.º).
Esta concepção significa que o princípio dispositivo deixou de poder ser entendido como um
princípio constitutivo do processo civil e passou a ser concebido como um princípio operativo: o
processo está na disponibilidade das partes sempre que o interesse público não seja afectado
pela disponibilidade dos titulares sobre o “se”, o “quando” e o “como” da tutela das suas situações
subjectivas. Quando a ordem jurídica entende que a tutela de situações privadas não deve ficar na
disponibilidade dos respectivos titulares atribui um poder de tutela a um órgão próprio e distinto do
tribunal – o MP.
3. Princípio do impulso
Em processo civil, o tribunal não pode decidir iniciar um processo – é sempre uma parte que
tem de o fazer (art. 3.º, n.º 1). O tribunal superior também não se ocupa da causa sem a parte
legitimada interpor o competente recurso (art. 637.º, n.º 1).
Às partes também incumbe o impulso subsequente do processo. A falta deste impulso pode
conduzir, entre outras consequências (281.º, n.º 2, 648, n.º 1, e 763.º, n.º 1), à deserção da
instância (281.º, n.º 1). Em regra, as partes também podem pôr termo ao processo,
nomeadamente através de um negócio processual concluído numa causa (277.º, al. b) e d), 280.º
e 291.º) ou num recurso pendente (632.º, n.º 5).
4. Princípio da disponibilidade
4.1. Generalidades
4.2. Pedido
I/51
mostrar que esta só está interessada no “tudo ou nada”, a concessão de um minus é sempre
possível em relação a pedidos quantitativos. Assim, o tribunal pode condenar o demandado por
uma dívida pecuniária em menos do que o autor pede e pode reconhecer a propriedade do autor
apenas sobre uma parcela do imóvel.
Mais problemática é a obtenção pela parte, tomando como parâmetro o que esta pede, de
um minus qualitativo. Em regra, a atribuição de um minus qualitativo é admissível quando o autor
tenha formulado um pedido de condenação (10.º, n.º 3, al. b)) e o tribunal, embora não possa
condenar o réu na realização da prestação, possa reconhecer o direito alegado pelo autor (10.º,
n.º 3, al. a)). Para além desta situação, a condenação do réu num minus qualitativo só é
admissível com base numa expressa previsão legal. Por exemplo, se a dívida, alegada pelo autor
como vencida, ainda não se encontrar vencida no momento do encerramento da discussão (611.º,
n.º 1), o tribunal pode condenar o réu a cumprir a prestação quando esta se vencer (610.º, n.º 1).
Importa ainda acrescentar que a obtenção de um minus em relação ao pedido formulado é
sempre admissível se for consequência de um pedido da contraparte. Por exemplo: se o autor
pedir a condenação do réu a pagar o preço da coisa que lhe alienou, o tribunal pode condenar o
réu a realizar essa prestação depois de o autor lhe entregar a coisa se esta parte invocar a
exceptio non adimpleti contractus (428.º, n.º 1, CC); se o autor tiver pedido o reconhecimento da
propriedade de um imóvel, o tribunal pode reconhecer que o autor é apenas usufrutuário se o réu
tiver pedido, em reconvenção (266.º, n.º 1 e 2, al. a)), o reconhecimento de que é o nu proprietário
do imóvel; se o autor pedir, para reparação do dano, a reconstituição natural, o tribunal pode
condenar o réu no pagamento de uma indemnização se esta parte alegar e provar que aquela
reconstituição lhe é demasiado onerosa (cf. art. 566.º, n.º 1, CC).
b) Por vezes, as partes formulam pedidos em que quantificam o montante que pretendem
conseguir em “pelo menos €….”. Em regra, o montante indicado determina o limite da condenação
do demandado, a menos que se possa concluir que esse montante é apenas uma parcela de um
montante mais elevado e ainda não liquidável no momento da formulação do pedido (609.º, n.º 2).
O tribunal deve conhecer de todos os factos invocados pelas partes no momento processual
adequado, sejam eles factos principais – isto é, factos que constituem a causa de pedir ou factos
que fundamentam a excepção – ou factos complementares – isto é, factos que complementam ou
concretizam os factos principais (5.º, n.º 2, al. b)).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/52
Note-se que o tribunal deve conhecer de todos os factos alegados pelas partes,
independentemente de eles serem favoráveis ou desfavoráveis à parte que os alegou em juízo.
Se, por exemplo, o réu invocar factos dos quais resulta o reconhecimento do crédito do autor,
ainda assim o tribunal pode utilizar esses factos como fundamento da procedência da acção
contra essa mesma parte. Pode falar-se de um princípio de aquisição processual: factos alegados
por qualquer das partes são sempre factos adquiridos para o processo, não importando se eles
são favoráveis ou desfavoráveis à parte que os invocou em juízo.
A situação também é possível quanto ao autor. Suponha-se, por exemplo, que o autor alega
factos dos quais resulta a nulidade do contrato que celebrou com o réu; em princípio, o tribunal
também se pode servir desses factos para declarar a nulidade do contrato. No entanto, quando o
autor, na petição inicial, alega factos favoráveis ao réu, verificar-se-á normalmente uma ineptidão
da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido, o que conduz, em regra, ao
indeferimento liminar daquela petição (cf. art. 186.º, n.º 1, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1).
b) Desta limitação resulta que o juiz só pode servir-se, em regra, dos factos articulados
pelas partes como causa de pedir ou como fundamento da excepção. Uma das consequências
deste regime é o de que o juiz não pode utilizar factos que resultem do seu conhecimento privado,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/53
diferentemente do que acontece quanto aos factos de conhecimento funcional (5.º, n.º 1, al. c)): o
juiz que entende dever considerar factos do seu conhecimento privado deve declarar-se impedido
e oferecer-se para depor como testemunha sobre esses factos (115.º, n.º 1, al. h), e 116.º, n.º 1).
− O ónus de alegação: compete ao autor invocar factos que integram a causa de pedir
(5.º, n.º 1, e 552.º, n.º 1, al. d)) e cabe ao réu alegar os factos em que se baseiam as
excepções, dilatórias ou peremptórias (5.º, n.º 1, e 571.º, n.º 1 e 2 2.ª parte);
− O ónus de impugnação: cabe ao réu impugnar os factos articulados pelo autor na
petição inicial (571.º, n.º 1 e 2 1.ª parte);
− O ónus da prova: compete às partes a prova dos factos controvertidos, isto é, dos
factos alegados por uma parte e impugnados pela outra (342.º a 344.º CC).
I/54
b) Como se pode concluir do exposto, não se verifica, no processo civil português, nenhuma
relação entre a indisponibilidade sobre o objecto (por este se referir a uma relação jurídica
indisponível) e o processo inquisitório, dado que em parte alguma se estabelece que, quando as
partes não podem dispor do objecto do processo o juiz tem poderes inquisitórios. As
consequências da indisponibilidade sobre o objecto são puramente unilaterais: apenas as partes
ficam limitadas na sua actuação em processo, dado que, quando o objecto é indisponível, não é
admissível a confissão, a desistência ou transacção (289.º, n.º 1), sem que isso se reflicta num
correspondente aumento dos poderes do tribunal.
5. Princípio da oficiosidade
5.1. Matéria de direito
I/55
I/56
2. Aspecto substancial
2.1. Generalidades
Sem prejuízo do impulso que incumbe às partes, cumpre ao juiz, no âmbito do dever de
gestão processual, providenciar pelo andamento regular e célere do processo (6.º, n.º 1).
2.2. Concretização
I/57
3. Aspecto instrumental
3.1. Generalidades
a) O dever de condução do processo que recai sobre o juiz serve-se, como instrumento, do
poder de simplificar e de agilizar o processo, isto é, do poder de modificar a tramitação processual
ou os actos processuais: atribui ao juiz o poder de adequar o procedimento à pequena ou grande
complexidade da causa. A simplificação e agilização são aferidas, naturalmente, em referência ao
standard legal. Assim, a simplificação implica uma tramitação menos pesada do que aquela que
consta da lei; a agilização, em contrapartida, envolve uma forma mais fácil de atingir a justa
composição do litígio: nuns casos, a agilização pode traduzir-se numa simplificação da tramitação,
mas, noutros, a agilização pode envolver a prática de actos não previstos na lei.
Para obter a simplificação ou agilização o juiz dispõe do poder de adequação formal. O juiz
deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o
conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo
equitativo (art. 547.º). Portanto, o juiz pode alterar a tramitação legal da causa – tanto prescindindo
da realização de certos actos impostos pela lei, como impondo a prática de actos não previstos na
lei – e pode ainda modificar o conteúdo e a forma dos actos.
O direito português, limita-se a fornecer, como critério para o exercício do poder de
adequação formal, o parâmetro do processo equitativo (art. 547.º in fine). Este critério tem de ser
visto em conjugação com o overriding objective estabelecido no art. 6.º, n.º 1 in fine: a justa
composição do litígio em prazo razoável, isto é, num prazo que garanta a utilidade da tutela
requerida. Isto justifica que aquele critério deve ser aplicado pelo juiz numa dupla vertente: o
processo equitativo deve servir de limite à adequação formal, no sentido de que esta adequação
não pode violar as garantias daquele processo, mas também deve ser utilizado como orientador
da decisão do juiz, na acepção de que este deve utilizar o poder de adequação formal para
construir um processo equitativo. Neste sentido, pode dizer-se que a adequação formal impõe ao
juiz da causa uma “optimização” do processo equitativo.
Do exposto decorre que o tempo do procedimento não é tudo o que importa considerar na
determinação pelo juiz de uma tramitação alternativa. O critério que deve orientar a adequação
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/58
formal é um critério de proporcionalidade: o processo deve ter uma tramitação com uma estrutura
proporcional à complexidade da causa, pelo que causas de menor complexidade devem ter uma
tramitação mais simples do que a legalmente definida e causas de maior complexidade podem ter
uma tramitação mais pesada do que aquela que se encontra estabelecida na lei. No fundo, há que
utilizar na adequação formal um critério de proporcionalidade: só as causas de valor mais elevado
admitem uma tramitação mais complexa que inclui a fase de recurso.
A adequação formal permite estabelecer uma tramitação construída à medida da
complexidade da causa. Com a possibilidade desta adequação, a exigência do processo equitativo
ganha uma nova dimensão: a equidade processual passa também a impor uma tramitação
adequada à complexidade da causa.
A adequação formal requer a prévia audição das partes (6.º, n.º 1), pelo que comete uma
nulidade processual o juiz que determinar essa adequação sem previamente ouvir as partes
(195.º, n.º 1).
Ocorre uma nulidade processual quando é praticado um acto que a lei não admite ou
quando é omitido um acto que a lei prescreve (195.º, n.º 1). Constitui uma nulidade processual a
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/59
realização de um acto não estabelecido nessa tramitação, bem como a omissão de um acto nela
previsto.
A tramitação do processo declarativo comum comporta, depois da fase dos articulados, uma
fase de gestão processual. Nesta encontra-se regulada quer uma gestão inicial – destinada,
designadamente, a providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias (590.º, n.º 2, al. a)) e a
controlar os articulados das partes (590.º, n.º 1, e 2, al. b), 3 e 4) –, quer uma gestão subsequente
– respeitante, nomeadamente, à dispensa da audiência prévia (593.º, n.º 1), à escolha de uma ou
várias opções nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação (597.º) e à
programação da audiência final (591.º, n.º 1, al. g)).
A adequação formal, enquanto acto de gestão processual, pode ser ordenada pelo juiz a
qualquer momento da tramitação da causa, mas ela é normalmente determinada na fase da
gestão processual. Na verdade, a adequação pode ser decidida quer na audiência prévia (590.º,
n.º 1, al. e)), quer no despacho que substitui essa audiência (593.º, n.º 2, al. b), e 597.º, al. d)).
4. Limites legais
4.1. Pressupostos da adequação
I/60
Dentro deste enquadramento geral, a tramitação definida pelo juiz deve respeitar os princípios da
igualdade das partes e do contraditório e não contender com a aquisição processual de factos,
nem com a admissibilidade de meios probatórios: é o que pode ser retirado do disposto no 630.º,
n.º 2, quanto aos fundamentos da recorribilidade da decisão de adequação formal.
Importa referir que, quando seja interposto recurso da decisão de simplificação ou de
agilização, ao tribunal de recurso compete apenas verificar se os princípios da igualdade das
partes ou do contraditório foram violados ou se a aquisição de factos ou a admissibilidade de
meios de prova foram desrespeitadas, não cabendo a esse tribunal substituir-se ao tribunal
recorrido na medida de adequação formal a tomar.
V. Princípio da cooperação
1. Caracterização
Segundo o princípio da cooperação, as partes e o tribunal devem colaborar entre si na
resolução do conflito de interesses subjacente à acção.
2. Concretização
2.1. Posição das partes
O dever de cooperação assenta, quanto às partes, num dever de actuação orientado pela
eficiência e proporcionalidade. Em concreto, o dever de cooperação traduz-se no dever de
litigância de boa fé (art. 8.º), bem como no dever de fornecer, a convite do juiz, os esclarecimentos
sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes (art. 7.º, n.º 2). A infracção do
dever de cooperação implica, quando seja grave, a litigância de má fé da parte (542.º, n.º 2, al. c)).
O dever de cooperação das partes estende-se igualmente à área da prova. O art. 417.º, n.º
1, estabelece, na sequência do direito do tribunal à coadjuvação de outras entidades (202.º, n.º 3,
CRP; 23.º, n.º 1, LOSJ), que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de
prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for
perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e
praticando os actos que forem determinados.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/61
I/62
d) Quais as consequências que decorrem do não cumprimento pelo juiz dos deveres de
prevenção e de consulta. A omissão destes deveres traduz-se numa nulidade processual, porque
o tribunal deixa de praticar um acto que não pode omitir (195.º, n.º 1). Sucede, no entanto, que
esta nulidade só se torna patente quando o tribunal profere uma decisão, apontando, por exemplo,
a falta de um pressuposto processual que não convidou a parte a sanar ou decidindo uma questão
de direito que as partes não discutiram no processo. Isto significa que a nulidade processual
decorrente da omissão de um acto devido é consumida pela nulidade da decisão que conhece de
matéria de que, nas condições em que o faz, não podia conhecer (615.º, n.º 1, al. d)).
a) As partes devem situar-se numa posição de plena igualdade entre si e ambas devem ser
iguais perante o tribunal. É nisto que consiste o princípio da igualdade das partes, que é um dos
corolários dos princípios da igualdade perante a lei (13.º, n.º 1, CRP) e da imparcialidade do órgão
incumbido de compor o litígio.
Em concreto, o princípio da igualdade das partes traduz-se, antes do mais, numa igualdade
de chances e de riscos: ambas as partes devem ter as mesmas chances de obter uma decisão
favorável e sobre ambas as partes deve recair o mesmo risco de o tribunal vir a proferir uma
decisão desfavorável. Durante o desenrolar do processo, ambas as partes devem ter as mesmas
oportunidades de influenciar o seu resultado: é o que, por vezes, acentuando uma concepção
“duelística” do processo, se designa por igualdade de armas.
1.2. Ónus das partes
O princípio da igualdade das partes implica que as partes têm de ser tratadas de forma
igual, sem qualquer distinção entre parte activa e parte passiva. Esta igualdade formal não obsta a
que as partes não possam criar, através do seu comportamento em juízo, situações de
desigualdade. Estas situações são um corolário directo dos ónus que recaem sobre cada uma das
partes processuais e das consequências do seu não cumprimento.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/63
2. Relevância da igualdade
2.1. Generalidades
O art. 4.º impõe que o tribunal assegure, durante todo o processo, um estatuto de igualdade
entre as partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na
aplicação de cominações ou de sanções processuais. Esta igualdade substancial implica, para o
tribunal, um duplo dever: o dever de corrigir factores de desigualdade e o dever de não criar
situações de desigualdade.
É realizada através da função assistencial do juiz. Por exemplo: o art. 590.º, n.º 2, al. b),
impõe que o juiz convide as partes a aperfeiçoarem os seus articulados; se o articulado de uma
delas for deficiente, o juiz, além de impedir a boa administração da justiça, infringe, no caso
concreto, o princípio da igualdade substancial das partes se não a convidar a aperfeiçoá-lo. Essa
função assistencial permite alcançar a igualdade das partes através de uma actuação do tribunal.
I/64
3. Princípio do contraditório
3.1. Caracterização
3.2. Fundamento
O princípio do contraditório deriva do princípio da igualdade das partes, dado que este
último impõe que ambas as partes tenham iguais oportunidades de expor as suas razões,
procurando convencer o tribunal a decidir a seu favor.
3.3. Consequências
I/65
não deviam ignorar o valor do meio de prova. Dito de outro modo: o dever de consulta não
depende de nenhuma avaliação da diligência das partes.
c) A não audição prévia das partes constitui uma nulidade processual (195.º, n.º 1),
normalmente consumida pela nulidade de uma decisão: se, apesar de não ter ouvido previamente
as partes, o tribunal considerar a questão na sua decisão, esta é nula por excesso de pronúncia
(porque o tribunal conhece uma questão de que não podia conhecer: 615.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte).
3.4. Exercício
3.5. Excepções
I/66
2. Concretização
2.1. Má fé unilateral
a) A litigância de má fé pressupõe que a parte actua de forma diferente daquela que era a
devida e a esperada. Em concreto:
− Deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (art. 542.º,
n.º 2, al. a)); é o que sucede, por exemplo quando o réu, que anteriormente invocara
a preterição de tribunal arbitral, vem arguir, uma vez instaurada a acção no tribunal
arbitral, a incompetência deste tribunal (venire contra factum proprium);
− Praticar omissão grave do dever de cooperação (art. 542.º, n.º 2, al. c); cf. art. 7.º);
− Fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com
o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a
acção da justiça ou protelar, sem fundamento, o trânsito em julgado da decisão (art.
542.º, n.º 2, al. d));
− Alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa
(542.º, n.º 2, al. b)), isto é, violar o dever de verdade e o dever de completude nas
suas afirmações; estes deveres são deveres da parte quer perante a contraparte,
quer perante o tribunal.
a) O dever de verdade implica que a parte não deve alegar factos que sabe que não são
verdadeiros e não deve impugnar factos que sabe que são verdadeiros. Assim, o dever de
verdade é violado quando a parte alega factos que sabe que não são verdadeiros, não quando a
parte alega factos que está convencida de que são verdadeiros mas que não tem a certeza de que
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/67
são verdadeiros, nem quando a parte contesta factos alegados pela contraparte de que não tem a
certeza de que não são verdadeiros.
É esta circunstância de ser imposto à parte que não minta, mas não que tenha a certeza do
que afirma, que justifica a admissibilidade da formulação de um pedido subsidiário sem que a
parte possa ser acusada de violar o dever de verdade. Por exemplo: o autor pode pedir a
condenação do réu na restituição de uma quantia, invocando que a emprestou ao réu; para o caso
de tal não ser reconhecido e de se entender que a quantia foi entregue ao réu a título de doação, o
autor pode pedir a restituição dessa mesma quantia alegando a invalidade deste contrato; ainda
que o pedido principal fundado no mútuo seja considerado improcedente, isso não justifica a
condenação do autor como litigante de má fé por violação do dever de verdade, excepto se se
demonstrar que o autor sabia que a quantia não tinha sido emprestada ao réu.
É pelo mesmo parâmetro de proibição da mentira que há que analisar a alegação de factos
que a parte não pode saber se são verdadeiros. Assim, a afirmação de meras hipóteses ou
conjecturas, a descrição de estados anímicos alheios ou a formulação de uma prognose sobre
acontecimentos futuros não violam o dever de verdade se a parte fornecer alguns indícios para
corroborar o que afirma. Em contrapartida, dificilmente a parte que alega factos “a ver se pega” ou
afirma algo “ao acaso” desconhece que não é verdade o que expõe; portanto, essa parte viola o
dever de verdade.
b) Pode discutir-se se o dever de verdade exige que a parte reponha a verdade quanto a
uma afirmação inexacta realizada pela parte contrária e desfavorável a esta parte. Por exemplo: o
autor afirma que emprestou € 5000 ao réu; esta parte sabe que o empréstimo foi de € 10000; pode
perguntar-se se o dever de verdade é violado se o réu não corrigir o autor. Realisticamente, há
que entender que o dever de verdade só impõe que a parte não minta em afirmações próprias e a
seu favor, não que diga a verdade sobre uma afirmação errada que lhe é favorável mas
desfavorável para a contraparte que a profere.
O dever de completude impõe que a parte tem o dever de alegar todos os factos que são
relevantes para a apreciação da causa, abrangendo, assim, tanto os factos que lhe são favoráveis,
como os factos que lhe são desfavoráveis. A parte tem o dever de alegar toda verdade, pelo que a
parte não pode omitir um facto que sabe ser verdadeiro, ainda que o mesmo lhe seja adverso.
O dever de completude tem como limite a faculdade de recusa da colaboração da parte em
matéria probatória. Exemplo: nenhuma parte é obrigada a revelar factos da sua vida privada ou
familiar (417.º, n.º 3, al. b)), nem factos relativos a segredo profissional ou de Estado (417.º, n.º 3,
al. c)), nem ainda factos criminosos ou torpes (454.º, n.º 2). Isto significa não só que a parte não
tem o ónus de alegar esses factos, mas também que a parte não tem o ónus de impugnar esses
factos quando alegados pela parte contrária. Por exemplo: admita-se que, numa acção de
despejo, é alegado pelo autor que o réu manteve uma relação adulterina com uma vizinha; a não
impugnação deste facto não pode implicar a sua admissão por acordo.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/68
b) Ao contrário do que sucede no regime geral – que exige uma actuação dolosa ou
gravemente negligente da parte (art. 542.º, n.º 2 pr.) –, os regimes especiais previstos nos art.
374.º, n.º 1, 858.º e 866.º operam com a mera negligência, o que aumenta as hipóteses de
responsabilização da parte. Como é evidente, estes regimes especiais continuam aplicáveis
quando a parte actua com negligência grave ou mesmo com dolo e não obstam à aplicação do
regime geral em hipóteses por eles não abrangidas.
2.5. Má fé bilateral
3. Abuso de direito
3.1. Generalidades
O conceito de acção abusiva diz respeito ao autor que faz a acção desempenhar uma
função diversa da obtenção de tutela jurisdicional, designadamente a de prejudicar ou incomodar o
réu. Por exemplo: (i) A, apenas para fatigar B, move-lhe continuamente acções declarativas da
propriedade de todos os objectos que possui; A abusa do seu direito de acção, porque utiliza os
meios processuais para obter uma finalidade ilegal; (ii) C é credor de D no montante de € 20000;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/69
em vez de demandar D numa única acção, C vai propondo sucessivamente várias acções
respeitantes a montantes parcelares, procurando não só importunar D, mas também evitar que a
acção tenha um valor que permita a D interpor um eventual recurso; C abusa do direito de acção,
porque se serve da acção para a prossecução de objectivos ilegais; (iii) E instaura uma acção de
reivindicação contra F; na iminência da improcedência da acção, E transmite, visando dificultar a
posição da outra parte no processo, a coisa ou o direito em litígio ao terceiro G (263.º, n.º 2, e
356.º, n.º 1, al. a)); E abusa do direito de acção, porque se serve do processo para obter uma
finalidade ilegal.
O abuso do direito de acção é um abuso do processo: a parte que abusa do seu direito de
recorrer aos tribunais faz um uso indevido do processo. Este uso indevido também se verifica
quando o processo é utilizado para o exercício abusivo de um direito, ou seja, quando o processo
serve de meio (ou de instrumento) para o abuso do direito.
No direito português, o abuso do direito de acção é mais amplo do que o exercício abusivo
de um direito em juízo: aquele abuso abrange todas as hipóteses reguladas no art. 542.º, n.º 2, o
exercício abusivo de um direito em processo só é subsumível ao disposto no art. 542.º, n.º 2, al. a)
(dedução de pretensão ou oposição com conhecimento da falta da sua fundamentação). Dito de
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/70
outro modo: na óptica da conduta processual das partes, o art. 542.º é mais amplo do que o art.
334.º CC: aquele preceito envolve situações de exercício abusivo de um direito em processo (cf.
art. 542.º, n.º 2, al. a)) e hipóteses que são apenas de abuso do processo (cf. art. 542.º, n.º 2, al.
b), c) e d)); o art. 334.º CC só se refere ao exercício abusivo de um direito.
Basta esta conclusão para demonstrar que o direito positivo trata o exercício abusivo de um
direito em processo como uma (possível) situação de litigância de má fé: em concreto, é esse o
sentido do disposto no art. 542.º, n.º 2, al. a). Aliás, se assim não se entendesse, o art. 542.º, n.º 2,
al. a), ficaria sem campo de aplicação possível, porque o preceito só se pode referir a situações de
exercício abusivo de um direito. Deste modo, tal como nenhuma das outras situações de abuso do
direito de acção pode relevar se não estiverem preenchidas as condições necessárias para a
litigância de má fé (nomeadamente: 542.º, n.º 2), também o exercício abusivo de um direito em
processo só pode ter relevância se for subsumível ao regime da litigância de má fé.
Não se deve entender que todo o abuso de direito corresponde a um abuso do direito de
acção que deve ser sancionado com a condenação da parte como litigante de má fé: a acção
também pode improceder, simplesmente porque o tribunal entende que o que o autor pede é
abusivo, sem que haja motivo para condenar esta parte como litigante de má fé com base numa
actuação gravemente negligente ou dolosa, ou seja, sem que se justifique sancionar essa parte
por abuso do direito de acção. Por exemplo: (i) as partes celebraram um contrato de mútuo que é
nulo por falta de forma; no entanto, o devedor pagou, durante vários anos, os juros do empréstimo;
é abusivo o pedido feito por este devedor de devolução da quantia paga em consequência da
nulidade do contrato; (ii) um banco accionou uma livrança, que os executados tinham avalizado
em branco, vários anos depois de estes se terem afastado da sociedade subscritora; aquele
exequente actua com venire contra factum proprium, se tinha conhecimento de que os executados
só avalizaram a livrança por serem pessoas com interesse na sociedade subscritora e se,
sabendo que os executados se sentiam desobrigados e que era bastante a garantia dos restantes
avalistas, ainda assim continuou a conceder crédito à sociedade através da renovação do contrato
de abertura de crédito. Em qualquer destes casos, se não houver abuso do direito de acção, não
há motivo para condenar o demandante como litigante de má fé.
I/71
prudência devida, uma oposição manifestamente improcedente deve ser condenado numa taxa
sancionatória especial (531.º).
2. Formas processuais
2.1. Tramitação processual
O princípio da legalidade das formas processuais pode ser visto em dois domínios: no
domínio do esquema da marcha do processo, em geral, e no domínio da forma de cada acto
processual, em particular. Quanto ao esquema da marcha do processo, este pode ser rígido (por
ter a sua marcha fixada na lei) ou flexível (por a sua marcha ser estabelecida pelo juiz ou pelas
próprias partes). O processo civil português é um processo flexível – a marcha do processo não é
necessariamente aquela que estiver fixada pela lei, dado que o juiz, fazendo uso dos seus
poderes de gestão processual, pode tomar as medidas de agilização e simplificação que
assegurem a justa composição do litígio num prazo razoável (6.º, n.º 1).
O que é concedido ao juiz não é, no entanto, permitido às partes. É nulo, por
impossibilidade legal (280.º, n.º 1, CC), o acordo pelo qual as partes convencionem que uma
acção deva seguir a tramitação por elas acordada.
Quanto à forma de cada acto processual, também não se aplica o princípio da legalidade.
Embora a lei regule efectivamente muitíssimos pontos de forma dos actos processuais, a regra
ainda é a que resulta do art. 130.º, n.º 1: os actos processuais têm a forma que, nos termos mais
simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir.
3. Conteúdo da decisão
O princípio da legalidade do conteúdo da decisão exprime-se desta forma: em regra, o
tribunal deve decidir segundo a lei. O princípio da legalidade relaciona-se com o da independência
dos juízes: esta conexão resulta com clareza do disposto no 203.º CRP: os tribunais são
independentes e apenas estão sujeitos à lei.
O princípio da legalidade do conteúdo da decisão apresenta algumas exceções:
− As excepções resultantes do princípio dispositivo; em regra, as partes podem
determinar, por desistência da instância ou do pedido, por confissão do pedido, o
conteúdo da decisão do tribunal da causa (283.º a 291.º);
− A excepção decorrente do chamado juízo de equidade; nos termos previstos no 4.º
CC e no 39.º, n.º 1, LAV, as partes podem pedir que a solução para uma questão seja
determinada, não ex iure stricto, mas ex aequo et bono;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/72
2. Plano individual
No plano individual – isto é, no plano de cada processo em concreto –, o princípio da
economia processual proíbe a prática de atos inúteis (130.º). Este princípio obsta a que se
pratiquem em juízo atos tanto objetiva (aqueles que não respeitam à matéria discutida), como
subjectivamente (aqueles que nada acrescentam para a convicção já formada do juiz) inúteis num
processo.
A inutilidade objectiva é facilmente demonstrável (se se discute x, não interessa praticar um
acto relativo a y), mas a inutilidade subjectiva tem na base um pressuposto indemonstrável: o acto
é inútil na pressuposição de que nada vai acrescentar ao que já está adquirido para a convicção
do juiz, mas, se o acto não é realizado, nunca se pode saber se ele seria realmente inútil, porque
nunca se pode ter a certeza de que o ato omitido, se tivesse sido realizado, não iria abalar a
convicção do juiz. A economia processual fundamenta, por isso, a irrelevância virtual de um acto,
isto é, a irrelevância de um acto que, apesar de ser admissível, é considerado irrelevante antes
mesmo de ser praticado: o juiz que já adquiriu a convicção sobre uma questão pode dispensar um
acto processual a ela respeitante, sem que tenha de se preocupar com o que poderia ter resultado
desse acto e com a possível utilidade do acto omitido para um outro tribunal (recurso).
X. Princípio da auto-suficiência
1. Caracterização
Em processo civil, a aparência vale como realidade para o efeito de determinar se o é ou
não e esta determinação é realizada no próprio processo.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/73
2. Concretização
A mera invocação de um direito permite à parte instaurar uma causa, o que, em rigor, só
deveria ser permitido àquele que fosse efectivamente titular desse direito; mas a causa visa
precisamente averiguar se o autor é ou não titular do direito que invoca. O mesmo se passa no
plano dos pressupostos processuais: a apreciação destes pressupostos é realizada na própria
acção em que eles condicionam a apreciação do mérito. Assim, a parte ilegítima é legítima para
sustentar a sua ilegitimidade e o tribunal incompetente é competente para decidir da sua
competência.
1. Organização judiciária
I. Órgãos jurisdicionais
1. Generalidades
1.1. Noção de tribunal
Os sujeitos do processo civil são o tribunal – que é um sujeito público – e as partes – que
são, em regra, sujeitos privados. Importa começar por analisar o primeiro sujeito processual: o
tribunal, que pode ser definido como o órgão de soberania investido especificamente na função
jurisdicional (cf. art. 202.º, n.º 1, CRP; art. 2.º, n.º 1, LOSJ).
Os tribunais são órgãos imparciais que utilizam, em regra, o direito substantivo como critério
de decisão e que têm competência para proferir decisões dotadas de valores próprios, como são
os de caso julgado (indiscutibilidade da decisão) e de executoriedade (susceptibilidade da decisão,
quando não voluntariamente cumprida, ser executada em processo próprio). Como corolário da
função jurisdicional, as suas decisões são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas
e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (205.º, n.º 2, CRP; 24.º, n.º 2, LOSJ).
I/74
de comarca recorre-se, em regra, para as Relações, e destas para o Supremo), tal como o formam
os tribunais administrativos de círculo, os Tribunais Centrais Administrativos e o STA.
Chama-se tribunal comum àquele que pertence a uma ordem de tribunais a que, no seu
conjunto, é atribuída competência genérica, isto é, competência para dirimir todos os litígios, salvo
apenas os que, por lei, estejam reservados a tribunais de outra ordem (211.º, n.º 1, CRP; 40.º, n.º
1, LOSJ). Chama-se tribunal especial àquele que pertence a uma ordem de tribunais cuja
competência é delimitada por lei. Há uma ordem de tribunais comuns – a ordem dos tribunais
judiciais (209.º, n.º 1, al. a), e 210.º, n.º 1, CRP; 29.º, n.º 1, al. a), LOSJ) – e uma ordem de
tribunais especiais – a ordem dos tribunais administrativos e fiscais (209.º, n.º 1, al. b), e 212.º, n.º
1, CRP; 29.º, n.º 1, al. b), LOSJ).
Dado que a qualificação de um tribunal como comum ou especial não depende tanto da
competência desse tribunal como da ordem a que pertence, compreende-se que, dentro da ordem
comum, alguns tribunais partilhem da característica geral desta ordem – serem tribunais de
competência-regra – e outros tenham a sua competência limitada por lei. Os primeiros são
tribunais comuns de competência genérica (211.º, n.º 1, CRP; 40.º, n.º 1, LOSJ); os segundos são
subdivididos em tribunais comuns de competência específica e tribunais comuns de competência
especializada (211.º, n.º 2, CRP).
A classificação referida no 211.º, n.º 2, CRP – que, ao distinguir entre tribunais comuns de
competência específica e tribunais comuns de competência especializada, parece ter em vista a
competência em função da forma de processo e a competência em função da matéria – não é
muito clara, pois que as formas de processo distribuem-se fundamentalmente em função da
matéria. Mas como há um outro factor que pode influir na determinação da forma de processo – e
que é o valor da causa –, supõe-se que o que o 211.º, n.º 2, CRP quer dizer é que a lei ordinária,
além de poder criar tribunais competentes para certas matérias (tribunal de competência
especializada), também pode criar tribunais competentes só até um certo valor (tribunal de
competência específica).
Refira-se que a LOSJ não utiliza, quanto aos tribunais de comarca, a distinção entre
tribunais de competência especializada e tribunais de competência específica (80.º, n.º 2, LOSJ).
Os tribunais superiores contêm secções especializadas (47.º, n.º 1 e 2, LOSJ, quanto ao STJ, e
67.º, n.º 2 e 3, LOSJ, quanto aos tribunais da Relação).
Ao lado dos tribunais estaduais existem os tribunais arbitrais (209.º, n.º 2, CRP; 29.º, n.º 4, e
150.º, n.º 1, LOSJ). A nota característica do tribunal arbitral é fundamentalmente esta: a de que a
sua competência depende da aceitação e vontade de ambas as partes, expressa num negócio
jurídico que tem o nome de convenção de arbitragem (art. 1.º, n.º 1, LAV). Por exemplo: A discute
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/75
3.2. Classificações
− Quando a lei permite às partes resolverem o seu litígio em tribunal arbitral, o tribunal é
voluntário; a arbitragem voluntária é instituída através de uma convenção de
arbitragem (1.º, n.º 1, LAV);
− Quando a lei impõe o recurso à arbitragem, o tribunal arbitral é necessário (1082.º a
1085.º); é o que se verifica, nomeadamente, na fixação do valor da indemnização por
expropriação, na resolução dos conflitos relativos à celebração ou revisão de uma
convenção colectiva de trabalho e ainda na definição dos serviços mínimos que devem
ser assegurados em caso de greve.
4. Arbitragem voluntária
4.1. Convenção arbitral
I/76
a) O tribunal arbitral voluntário deve ser composto por um número ímpar de membros,
podendo funcionar com um único árbitro (8.º, n.º 1, LAV). No silêncio da convenção, o tribunal
arbitral é composto por três árbitros (8.º, n.º 2, LAV). No caso de o tribunal arbitral ser composto
por três ou mais árbitros, cada parte deve designar igual número de árbitros e os árbitros assim
designados devem escolher outro árbitro, que actua como presidente do tribunal arbitral. A
designação dos árbitros pode ser feita pelas partes logo na convenção de arbitragem ou em escrito
posterior (art. 10.º, n.º 1, LAV).
Os árbitros podem recusar a designação, mas, uma vez designados e tendo aceite o encargo,
só podem obter escusa das funções se esta for fundada em causa superveniente que impossibilite o
designado do exercício da função. O árbitro que se escuse injustificadamente a prosseguir o
exercício da função responde pelos danos a que der causa. No caso de falecimento, escusa ou
incapacidade do árbitro, procede-se à substituição do árbitro.
b) No que respeita ao funcionamento do tribunal arbitral, o respetivo lugar pode ser fixado
pelas partes e, na falta de acordo, pelo próprio tribunal arbitral. Podem igualmente ser objeto de
acordo das partes as regras de processo a observar na arbitragem; na falta desse acordo, o tribunal
arbitral define as regras processuais que entenda adequadas. Em qualquer caso, o procedimento
arbitral deve respeitar o direito de defesa, a igualdade das partes e o princípio do contraditório.
O tribunal arbitral voluntário pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo
que, para isso, seja necessário apreciar quer a existência, a validade ou a eficácia da convenção de
arbitragem ou do contrato em que ela se insira, quer a aplicabilidade daquela. Perante esta regra,
os tribunais estaduais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral
voluntário deduzida por uma das partes (578.º) quando seja manifesto que a convenção invocada é
nula ou se tornou ineficaz ou inexequível (5.º, n.º 1 in fine, LAV).
Se as partes não tiverem fixado prazo para ser proferida decisão arbitral, esta decisão deve
ser proferida dentro do prazo de doze meses a contar da data da aceitação do último árbitro (43.º,
n.º 1, LAV). A lei confere a esta o valor de caso julgado e atribui-lhe a força executiva das sentenças
dos tribunais estaduais.
A decisão arbitral pode ser anulada pelo tribunal judicial com certos fundamentos (46.º, n.º
3, LAV), devendo a ação de anulação ser proposta no prazo de 60 dias a contar da notificação da
decisão (46.º, n.º 6, LAV). O decurso deste prazo não impede que a parte possa opor-se à execução
da decisão com o fundamento da anulação (48.º, n.º 1, LAV).
Aos tribunais cabe um dos poderes e funções do Estado: a jurisdição (202.º, n.º 1, CRP; 2.º,
n.º 1, LOSJ).
a) O poder jurisdicional reparte-se entre os tribunais de todo o Mundo, pelo que os tribunais
portugueses não podem pretender ser os únicos a resolver todos os litígios. Os tribunais
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/77
portugueses encarregam-se apenas de uma certa extensão desse poder jurisdicional, a que se
chama competência internacional (59.º; 37.º, n.º 2, LOSJ).
A medida de jurisdição de cada tribunal português é a sua competência interna, que pode
ser delimitada em função de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a matéria do litígio, o valor
da causa, a hierarquia judiciária e o território em que o tribunal está instalado e sobre o qual se
estende o seu poder jurisdicional (60.º, n.º 2; 37.º, n.º 1, 40.º, 41.º, 42.º e 43.º LOSJ).
1.3. Relações teóricas
Mais importantes que as relações teóricas que se podem estabelecer entre a competência
internacional e a competência interna são as relações práticas entre estas modalidades da
competência jurisdicional:
− A aferição da competência internacional pode determinar simultaneamente a
competência territorial; neste caso, diz-se que a regra que afere a competência
internacional é dotada de uma dupla funcionalidade;
− A aferição da competência territorial pode determinar simultaneamente a competência
internacional; nesta hipótese é a regra relativa à competência territorial que é dotada
de dupla funcionalidade; por exemplo: para uma acção de divórcio é competente o
tribunal (português) do lugar do domicílio do autor (72.º), mesmo que, por exemplo, o
réu seja brasileiro e tenha domicílio no Brasil.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/78
2. Competência funcional
2.1. Generalidades
O tribunal judicial de 1.ª instância pode ser singular ou colectivo (85.º, n.º 1, LOSJ): o
tribunal singular é composto por um juiz (132.º, n.º 1, LOSJ) e o tribunal colectivo, em regra, por
três juízes privativos (133.º, n.º 1, LOSJ), mas, em certos casos, é integrado por juízes sociais
(85.º, n.º 4, LOSJ). O tribunal coletivo é presidido pelo juiz do processo (135.º, n.º 1, LOSJ), ao
qual compete, além do mais, dirigir as audiências de discussão e julgamento (135.º, n.º 2, al. a),
LOSJ), proferir a sentença final (135.º, n.º 2, al. c), LOSJ) e suprir as deficiências das sentenças e
acórdãos, esclarecê-los, reformá-los e sustentá-los (135.º, n.º 2, al. d), LOSJ).
A repartição de competências entre o tribunal singular e o tribunal coletivo e, neste, entre o
seu presidente e os demais juízes, é uma repartição de competências funcionais:
− Compete ao tribunal coletivo julgar as questões de facto e de direito nas ações e nos
incidentes e execuções que sigam os termos do processo de declaração, sempre que
a lei do processo o determine (134.º, al. b), LOSJ); no âmbito do processo civil, são
muito raras as situações em que a lei prevê a intervenção do tribunal coletivo em 1.ª
instância (125.º, n.º 2, LOSJ);
− Compete ao tribunal singular julgar os processos que não devam ser julgados pelo
tribunal coletivo (132.º, n.º 2;).
3. Competência decisória
Os tribunais não têm todos a mesma competência decisória. Assim, por exemplo, nos
recursos que aprecie, o STJ só tem competência para se pronunciar sobre matéria de direito, não
sobre a de facto (46.º LOSJ; 682.º, n.º 1 e 2).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/79
I. Ordens de tribunais
A organização judiciária portuguesa comporta tribunais de várias espécies. A esta matéria
se refere o 209.º, n.º 1, CRP, que estabelece que, além do TC (221.º a 224.º CRP) e do Tribunal
de Contas (214.º CRP), existem, o STJ e os tribunais judiciais de 1.ª e 2.ª instância, bem como o
STA e os demais tribunais administrativos e fiscais.
Abstraindo do TC e do Tribunal de Contas, vê-se que o 209.º, n.º 1, CRP fala em duas
“categorias de tribunais”, que são, justamente, as ordens de tribunais previstas na lei: os tribunais
judiciais e os tribunais administrativos e fiscais. Entre estas duas categorias há uma distinção
muito importante a fazer: os tribunais judiciais são tribunais comuns em matéria cível e criminal e,
além disso, exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outros tribunais (211.º, n.º 1,
CRP; 64.º); em contrapartida, os tribunais administrativos e fiscais são tribunais especiais.
3. Tribunais da Relação
Os tribunais da Relação funcionam em plenário e por secções (67.º, n.º 2, LOSJ; 211.º, n.º
4, CRP). Os tribunais da Relação compreendem secções em matéria cível, em matéria penal, em
matéria social, em matéria de família e menores, em matéria de comércio, de propriedade
intelectual e de concorrência, regulação e supervisão (67.º, n.º 3, LOSJ). No entanto, a existência
das secções social, de família e menores e de comércio, de propriedade intelectual e de
concorrência, regulação e supervisão depende do volume ou da complexidade do serviço (67.º, n.º
3, LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/80
Os tribunais judiciais de 1.ª instância podem ser tribunais de competência territorial alargada
e tribunais de comarca (33.º, n.º 1, LOSJ): os tribunais de competência territorial alargada são
tribunais cuja área abrange mais do que uma comarca ou é determinada especialmente pela lei
(83.º, n.º 1); os tribunais de comarca são tribunais cuja área de competência é restrita à comarca
(33.º, n.º 3, e 79.º LOSJ).
Os tribunais judiciais de 1.ª instância são, em regra, os tribunais de comarca (29.º, n.º 3, e
79.º LOSJ). Os tribunais de comarca desdobram-se em instâncias centrais, que integram secções
de competência especializada (81.º, n.º 1, al. a), LOSJ), e locais, que integram secções de
competência genérica e secções de proximidade (81.º, n.º 1, al. b), LOSJ).
Nas instâncias centrais podem ser criadas, entre outras, as seguintes secções de
competência especializada: secção cível (81.º, n.º 2, al. a), LOSJ), secção de família e menores
(81.º, n.º 2, al. d), LOSJ), secção de comércio (81.º, n.º 2, al. f), LOSJ) e secção de execução
(81.º, n.º 2, al. g), LOSJ). Nas instâncias locais, podem ser criadas secções cíveis (81.º, n.º 3, e
130.º, n.º 2, LOSJ).
I/81
70.º, n.º 5, LTC). Estabelece-se ainda que, se a decisão admitir recurso para uniformização de
jurisprudência, a não interposição de recurso para o TC não faz precludir o direito de interpô-lo da
ulterior decisão que venha a confirmar a primeira decisão (70.º, n.º 6, LTC). Afasta-se assim
qualquer possibilidade de considerar verificar-se nesse caso a aceitação tácita da decisão não
recorrida (art. 632.º, n.º 2 e 3).
2. Julgados de Paz
2.1. Generalidades
O art. 209.º, n.º 2, CRP permite a existência de julgados de paz, que são tribunais não
integrados em nenhuma ordem jurisdicional (29.º, n.º 4, LOSJ). Os julgados de paz constituem
uma forma alternativa de resolução de litígios, de natureza exclusivamente cível, em causas de
valor reduzido e em causas que não envolvam matéria de direito da família, direito das sucessões
e direito do trabalho (art. 151.º, n.º 1, LOSJ).
3. Tribunal de Conflitos
3.1. Generalidades
Segundo o disposto no art. 209.º, n.º 3, CRP, incumbe à lei determinar os casos e as formas
em que os tribunais das diversas ordens se podem constituir em tribunais de conflitos.
O tribunal limita-se a apreciar se é competente para julgar a causa, pelo que a aceitação da
competência pelo tribunal da causa nunca significa a exclusão de outros tribunais competentes e a
rejeição da competência nunca é acompanhada da determinação do tribunal competente. Pode
assim suceder que, acerca de uma mesma questão, os tribunais plausivelmente indicáveis como
competentes se considerem todos incompetentes para o dirimir; ou que, pelo contrário, mais do
que um tribunal aceite essa competência. Em ambas as hipóteses fala-se de um conflito – conflito
negativo no primeiro caso, conflito positivo no segundo. São possíveis conflitos de jurisdição e de
competência:
− Há conflito de jurisdição quando dois ou mais tribunais, integrados em ordens
jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma
questão; o conflito diz-se positivo no primeiro caso, e negativo no segundo (109.º1);
− Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da
mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para
conhecer da mesma questão (109.º, n.º 2).
I/82
4. Tribunal de Contas
I. Preliminares
Os tribunais são órgãos complexos, formados fundamentalmente por quatro elementos: o
juiz ou corpo de juízes, o Ministério Público, a secretaria e um ou vários órgãos de gestão.
II. Juiz
1. Generalidades
O primeiro elemento do tribunal é o juiz ou corpo de juízes. O juiz é o elemento do tribunal a
que cabe a função de julgar. Nas acções declarativas, a decisão representa a parte fundamental
do exercício da função jurisdicional; nas acções executivas, as medidas executivas são realizadas
de facto por órgãos auxiliares, mas são decididas ou, pelo menos, controladas pelo juiz.
Costuma chamar-se magistrado ao funcionário civil revestido de autoridade. Esta
designação aplica-se em sentido mais restrito e próprio aos juízes e aos magistrados do MP. A
qualidade destes agentes judiciais, e o seu conjunto, têm o nome de magistratura: magistratura
judicial, magistratura do Ministério Público.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/83
2. Estatuto
2.1. Generalidades
Segundo o 215.º, n.º 1, CRP, os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e
regem-se por um só estatuto (7.º, n.º 1, LOSJ).
Em virtude das necessidades especiais das funções que ocupam, os juízes gozam de
garantias especiais, garantias de que tais funções são exercidas de modo legal e justo. Entre
estas garantias judiciais avultam a independência, a irresponsabilidade e a inamovibilidade (203.º
e 216.º, n.º 1 e 2, CRP; 4.º e 5.º LOSJ).
2.2. Independência
2.3. Imparcialidade
a) A lei restringe a possibilidade de uma causa ser decidida por um juiz que com ela tenha
uma ligação pessoal estreita. Às medidas que a lei toma com este fim chamam-se garantias de
imparcialidade e às ligações de um juiz com certa causa chamam-se impedimentos e suspeições.
I/84
2.4. Irresponsabilidade
I/85
Atento o disposto no art. 14.º, n.º 1, RRCE – segundo o qual os magistrados judiciais não
podem ser diretamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos atos que pratiquem no
exercício das funções –, o lesado nunca pode responsabilizar diretamente o magistrado judicial:
esse lesado tem de responsabilizar o Estado (demandando este nos tribunais administrativos) e
de exercer perante este o seu direito à indemnização. No caso de o magistrado judicial ter actuado
com dolo ou culpa grave, o Estado goza do direito de regresso contra ele (art. 14.º, n.º 1 in fine,
RRCE).
2.5. Inamovibilidade
Os juízes são inamovíveis, pelo que não podem ser transferidos, suspensos, aposentados
ou demitidos senão nos casos previstos na lei (216.º, n.º 1, CRP; 5.º, n.º 1, LOSJ). Compete ao
Conselho Superior da Magistratura a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos
juízes dos tribunais judiciais, bem como o exercício da acção disciplinar.
Dando cumprimento ao disposto no art. 215.º, n.º 2, CRP, o art. 40.º EMJ define os
requisitos para exercer as funções de juiz de direito: ser cidadão português, estar no pleno gozo
dos direitos políticos e civis, possuir licenciatura em Direito, ter frequentado com aproveitamento
os cursos e estágios de formação e, por fim, satisfazer os demais requisitos estabelecidos na lei
para a nomeação de funcionários do Estado. O provimento de vagas de juiz da Relação faz-
se por promoção, mediante concurso curricular entre juízes da 1.ª instância, com prevalência do
critério do mérito (art. 215.º, n.º 3, CRP; art. 7.º, n.º 3, LOSJ; art. 46.º EMJ). O acesso ao STJ faz-
se por concurso curricular aberto aos magistrados judiciais e do MP e a outros juristas de mérito
(215.º, n.º 4, CRP; 7.º, n.º 4, LOSJ; 50.º EMJ).
III. MP
1. Generalidades
Junto de cada tribunal, o Estado tem um ou mais agentes investidos na função de
representar o próprio Estado e certas categorias de pessoas a que o Estado entende dispensar
protecção: são os agentes ou magistrados do MP (219.º, n.º 1, CRP; 3.º, n.º 1, LOSJ; art. 1.º
EMP). O MP é representado no STJ pelo Procurador -Geral da República e por procuradores-
gerais-adjuntos (art. 10.º, n.º 1, al. a), e 66.º LOSJ), nos tribunais da Relação por procuradores-
gerais-adjuntos (art. 10.º, n.º 1, al. b), e 70.º LOSJ) e, por fim, nos tribunais de competência
territorial alargada, nas secções da instância central e da instância local por procuradores-gerais-
adjuntos, por procuradores da República e por procuradores-adjuntos (art. 10.º, n.º 1, al. c),
LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/86
I. Generalidades
1. Enquadramento
1.1. Dualidade da competência
I/87
Além desta hipótese mais frequente, há que contar ainda com as seguintes hipóteses:
2. Divisão territorial
2.1. Tribunais judiciais
I/88
O STJ tem competência sobre todo o território nacional (43.º, n.º 1, LOSJ).
2. Critério material
3.1. Generalidades
I/89
proximidade da instância local não tem competência jurisdicional, mas apenas funcional (130.º, n.º
4, LOSJ).
b) Nos assuntos relativos a menores e a filhos maiores, a prática dos actos urgentes é
assegurada pelas secções de competência genérica de instância local, ainda que a respectiva
comarca seja servida por secção de família e menores, nos casos em que esta se encontre
sediada em diferente município (123.º, n.º 4, LOSJ).
I/90
4. Critério do valor
a) A delimitação da competência das secções cíveis da instância central (117.º, n.º 1, LOSJ)
perante a competência das secções de competência genérica da instância local (130.º, n.º 1,
LOSJ) é realizada em função do valor da causa. Assim, compete às secções cíveis das instâncias
centrais:
− A preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de
valor superior a € 50000 (117.º, n.º 1, al. a), LOSJ);
− Exercer, no âmbito das acções executivas de natureza cível de valor superior a €
50000, as competências previstas no CPC, em circunscrições não abrangidas pela
competência de outra secção ou tribunal (art 117.º, n.º 1, al. b), LOSJ);
− Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam acções da sua
competência (art. 117.º, n.º 1, al. c), LOSJ).
As secções de competência genérica da instância local possuem, nestas mesmas matérias,
uma competência residual em função do valor (130.º, n.º 1, al. a) e d), LOSJ).
b) Nas comarcas onde não haja secção de comércio, a competência pertence, verificado o
mesmo requisito quanto ao valor da causa, à secção cível da instância central (117.º, n.º 2, LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/91
5. Critério hierárquico
Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões
(art. 42.º, n.º 1, LOSJ). Assim, em regra, o STJ conhece, em recurso, das causas cujo valor
exceda a alçada das Relações e estas conhecem das causas cujo valor exceda a alçada dos
tribunais de 1.ª instância (art. 42.º, n.º 2, LOSJ).
O tribunal de comarca é competente para conhecer dos recursos das sentenças proferidas
pelos julgados de paz (62.º, n.º 1, LJP), bem como dos recursos de decisões dos notários e dos
conservadores.
6. Critério territorial
6.1. Generalidades
b) Se o réu for uma pessoa colectiva (incluindo uma sociedade comercial), será demandado
no tribunal da sede da administração principal ou no da sede da sucursal, agência, filial, delegação
ou representação, conforme a acção seja dirigida contra aquela ou contra estas (art. 81.º, n.º 2 1.ª
parte; cf. art. 13.º, n.º 1). A acção contra pessoas colectivas ou sociedades estrangeiras que
tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação em Portugal pode ser proposta no
tribunal da sede destas, ainda que a acção seja proposta contra a sociedade-mãe (art. 81.º, n.º 2
2.ª parte). Importa observar que esta regra não pode ser utilizada para contornar o disposto nos
art. 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 5, Reg. 44/2001, pelo que tem um campo de aplicação bastante limitado:
em concreto, aquela regra só pode aplicar-se quando a sociedade-mãe não tenha a sua sede no
território de um Estado-membro da União Europeia (cf. art. 4.º, n.º 1, Reg. 44/2001).
Se o réu for o Estado, este será demandado, em regra, no tribunal do domicílio do autor (art.
81.º, n.º 1). A solução é justificada pela circunstância de o Estado não ter sede.
c) Se houver mais de um réu na mesma causa, devem ser todos demandados no domicílio
do maior número (art. 82.º, n.º 1 1.ª parte); se for igual o número nos diferentes domicílios, o autor
pode escolher o de qualquer deles (art. 82.º, n.º 1 2.ª parte). A esta regra constituem excepções os
regimes definidos para a cumulação de pedidos:
− Na hipótese de cumulação simples ou alternativa de pedidos (553.º e 555.º), a acção
deve ser proposta no tribunal cuja competência relativa seja determinada por um
elemento de conexão de conhecimento oficioso (82.º, n.º 2; 104.º, n.º 1 e 2); portanto,
se a incompetência territorial do tribunal for de conhecimento oficioso em relação a
todos os pedidos, o autor pode escolher qualquer dos tribunais competentes;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/92
a) A regra geral comporta inúmeras excepções, das quais importa destacar as regras
aplicáveis às ações relativas a direitos reais sobre imóveis (art. 70.º), às ações obrigacionais e por
responsabilidade obrigacional (art. 71.º, n.º 1), às ações por responsabilidade extra-obrigacional
(art. 71.º, n.º 2), às ações de divórcio e separação de pessoas e bens (art. 72.º) e às ações que
apresentam uma conexão com o juiz da comarca (art. 84.º). Existem ainda outras excepções
menos utilizadas, como as regras relativas às ações de honorários (art. 73.º), às questões de
direito marítimo (art. 74.º a 77.º) e aos procedimentos cautelares e diligências antecipadas (art.
78.º).
b) As acções referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, bem como as
acções de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência, de execução específica sobre
imóveis e de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas, devem ser propostas no
tribunal da situação dos bens (art. 70.º, n.º 1). Note-se que, tratando-se de acções respeitantes a
móveis, seguem-se as regras gerais dos art. 80.º e 81.º.
No art. 70.º, n.º 1, estão previstas as acções reais imobiliárias, ou seja, aquelas que têm por
objecto um direito real sobre um imóvel. Se A compra a B um prédio e B se recusa a entregar-lho,
a acção de posse ou entrega judicial deverá ser intentada no tribunal da comarca onde estiver
situado o prédio. Se C quiser pedir, em acção de simples apreciação proposta contra D, a
declaração de que é proprietário de certo prédio rústico, é no tribunal de comarca onde este
estiver situado que deverá propor tal acção.
I/93
a) O pacto ou convenção sobre a competência interna é regulado pelo 95.º. Esse pacto é
válido na medida em que derrogue regras de competência em razão do território, salvo nos casos
em que a incompetência territorial deva ser conhecida oficiosamente (95.º, n.º 1); o pacto que
derrogar regras de competência em razão da matéria, do valor ou da hierarquia é nulo, por
violação de uma regra de carácter imperativo (294.º CC).
O pacto há-de satisfazer os requisitos de forma do contrato de que emerge o litígio ou
litígios a que provê, contanto que tal forma seja escrita (95.º, n.º 2 1.ª parte): “mínimo formal” para
a validade do pacto. Há-de igualmente designar as questões a que se refere e o critério de
determinação do tribunal que fica sendo competente (95.º, n.º 2 2.ª parte). Assim, o tribunal ao
qual é atribuída competência deve ser individualizado (por exemplo, o de Lisboa) ou deve ser
determinável pelo critério definido pelas partes (por exemplo, o tribunal do lugar do domicílio do
autor no momento da propositura da acção), pelo que não pode ser indicado genericamente (por
exemplo, o tribunal que o autor quiser escolher).
Verificados estes requisitos, a competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a
que deriva da lei (95.º, n.º 3). Isto é, a violação do pacto conduz à incompetência do tribunal no
qual a acção venha a ser indevidamente proposta (102.º).
b) No âmbito das cláusulas contratuais gerais são relativamente proibidas as cláusulas que
estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem
que os interesses da outra o justifiquem (19.º, al. g), LCCG).
I/94
regulação e supervisão (83.º, n.º 3, al. b), e 112.º LOSJ) e o tribunal marítimo (83.º, n.º 3, al. c), e
113.º LOSJ).
2. Competência material
2.1. Tribunal da propriedade intelectual
a) O tribunal da propriedade intelectual tem competência para conhecer das açoes do 111º/1
LOSJ
2. Competência jurisdicional
2.1. Critério material
Compete às secções cíveis das Relações julgar as causas que não estejam atribuídas às
demais secções (74.º, n.º 1, e 54.º, n.º 1, LOSJ) - as secções cíveis possuem competência
material residual.
I/95
instância (44.º, n.º 1, LOSJ), pois que as decisões da 1.ª instância só são recorríveis para a
Relação quando, além do mais, o valor da causa exceder a alçada do tribunal recorrido (629.º, n.º
1).
I/96
2. Competência jurisdicional
2.1. Critério material
Compete às secções cíveis do STJ julgar as causas que não estejam atribuídas às demais
secções (54.º, n.º 1, LOSJ) - competência material residual. De molde a facilitar a especialização
dos juízes e a uniformização de jurisprudência, as causas sobre matéria de propriedade
intelectual, sobre questões marítimas e sobre assuntos de comércio são sempre distribuídas à
mesma secção cível (54.º, n.º 2. LOSJ).
No que se refere ao valor, a competência do STJ é apenas limitada pela alçada da Relação,
pois que, em regra, não é possível recorrer para o Supremo de decisões proferidas em causas
cujo valor cabe na alçada da Relação (44.º, n.º 1, LOSJ).
O STJ não tem limites de competência em razão do território, dado que tem competência
em todo o território nacional (43.º, n.º 1, LOSJ).
2. Competência internacional
I. Fontes europeias
1. Enunciado
As fontes europeias relativas à competência internacional dos tribunais portugueses são as
seguintes:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/97
2. Convenção de Lugano II
2.1. Generalidades
2.2. Texto
O texto da Convenção de Lugano II é muito próximo do texto do Reg. 44/2001, pelo que se
pode dizer que o objectivo da Convenção de Lugano II é o de alargar o regime do Reg. 44/2001
aos Estados que integram a EFTA.
Entre o Reg. 44/2001 e a Convenção de Lugano II existe, porém, uma diferença importante:
enquanto o Reg. 44/2001 deixou de se aplicar à obrigação de alimentos (cf. art. 68.º, n.º 1, Reg.
4/2009), a Convenção de Lugano II continua a aplicar-se a essa obrigação (cf. art. 5.º, n.º 2, CLug
II).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/98
2.3. Delimitação
I/99
I. Generalidades
2. Vinculação
O Reg. 1215/2012 é vinculativo para todos os Estados da UE.
II. Âmbito de aplicação
1. Âmbito material
1.1. Delimitação positiva
b) Nas situações de concurso de pretensões, pode suceder que apenas uma delas caia no
âmbito de aplicação do Reg. O Reg. não deixa de ser aplicável à pretensão abrangida pelo seu
âmbito, mas cabe ao direito interno do Estado do foro verificar se o tribunal também é competente
para as demais pretensões concorrentes. Algo de semelhante vale para os pedidos alternativos se
só um deles for abrangido pelo Reg. 44/2001.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/100
2. Âmbito espacial
2.1. Competência internacional
c) O Reg é aplicável sempre que o demandado tenha o seu domicílio num dos Estados-
membros, não sendo necessário que o elemento de estraneidade da acção resulte de uma
conexão com um outro daqueles Estados.
3. Âmbito temporal
3.1. Competência internacional
5. Competência territorial
Alguns preceitos do Reg são dotados de uma dupla funcionalidade, dado que eles aferem
simultaneamente o tribunal internacional e territorialmente competente: é o caso dos art. 7º, 12º,
13º, 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2. A generalidade dos preceitos do Reg. limita-se, no entanto, a atribuir a
competência internacional aos tribunais de um Estado-membro. Neste caso, há que proceder à
determinação do tribunal territorialmente competente, havendo, para isso, que fazer as seguintes
operações:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/101
− Procura-se nos art. 70.º a 84.º se, em função do objecto, é possível atribuir
competência territorial a um tribunal português;
− Se de nenhum desses preceitos resultar a atribuição de competência territorial a um
tribunal português, há que determinar o tribunal competente de acordo com os
critérios estabelecidos no art. 80.º, n.º 3.
3. Domicílio extracomunitário
Na situação em que o demandado não tem domicílio num Estado-membro:
− A competência é regulada, em princípio, pela lei interna do Estado, sem prejuízo da
aplicação das regras relativas à competência exclusiva (24º) e aos pactos de
jurisdição (25º) - 6º/1;
I/102
2. Critérios especiais
2.1. Generalidades
a) Em matéria contratual é competente o tribunal do lugar onde a obrigação foi ou deva ser
cumprida (7º/1 a)). A matéria contratual refere-se apenas a obrigações assumidas de forma
voluntária, pelo que não cabe a responsabilidade por culpa in contrahendo.
O 7º/1 é aplicável às acções relativas ao cumprimento do contrato, ainda que a existência
do contrato seja controversa, às acções respeitantes à validade e à eficácia do contrato e ainda às
acções relativas à modificação e ao termo do contrato. A “matéria contratual” abrange igualmente,
através de uma interpretação extensiva, os negócios unilaterais.
I/103
.
2.3. Matéria extracontratual
a) Nas acções relativas a matéria extracontratual, o réu pode ser demandado perante o
tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso (7º/2): como lugar do dano só é
relevante aquele em que o demandado, e não um terceiro, tenha alegadamente praticado o facto
que lhe é imputado. O regime é aplicável à ação de declaração negativa na qual se requer que
seja declarada a inexistência de responsabilidade extracontratual.
O lugar onde ocorreu o facto danoso é o lugar onde o dano inicial surgiu devido à utilização
normal do produto para os fins a que se destina. Se o lugar do facto danoso não coincidir com o
lugar onde se produziu ou poderá produzir o dano, a acção também pode ser instaurada no
tribunal deste último.
b) A matéria extracontratual constitui um conceito que deve ser interpretado cabendo nele
tudo o que não se inclui no conceito de matéria contratual do 7º/1 a). Assim, o 7º/2 é aplicável à
acção em que se invoca a responsabilidade pré-contratual do demandado, às acções inibitórias do
uso ou recomendação de cláusulas contratuais gerais propostas por associações de
consumidores, à acção judicial em que é pedida a indemnização dos danos resultantes de uma
acção colectiva proposta por um sindicato ou à acção intentada por um credor de uma sociedade
anónima destinada a responsabilizar pelas dívidas dessa sociedade, por um lado, um membro do
seu conselho de administração e, por outro, um accionista da mesma sociedade.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/104
a) Nas ações relativas à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro
estabelecimento, é competente o tribunal da sua situação (7º/5). A teleologia do regime legal é a
proteção daquele que celebrou negócios com a sucursal, a agência ou o estabelecimento de uma
sociedade estrangeira no próprio Estado dessa sucursal, agência ou estabelecimento, pelo que o
disposto só é aplicável quando a ação seja proposta contra uma destas entidades (não, portanto,
quando uma dessas entidades pretenda propor uma ação).
I/105
demandados no tribunal competente segundo o critério do 4º/1 –, desde que os pedidos estejam
ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados
simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem
apreciadas separadamente (8º/1). Este regime pressupõe que a acção é proposta no tribunal
competente segundo o disposto no Reg. e que há uma mesma conexão entre todos os
demandados, sendo aplicável ainda que os pedidos formulados contra os vários réus tenham
fundamentos jurídicos distintos ou tenham bases legais nacionais que diferem segundo os
Estados-membros. O 8º/1 é aplicável independentemente de qualquer juízo sobre a procedência
da acção contra o demandado com domicílio na circunscrição do tribunal e mesmo que a acção
proposta contra um dos demandados seja considerada inadmissível por força da legislação
nacional (nomeadamente, porque foi declarada a insolvência do principal demandado).
c) Qualquer garante ou outro terceiro pode ser chamado a intervir numa acção pendente,
salvo se a escolha do tribunal onde a ação foi proposta tiver tido o único e exclusivo intuito de
subtrair o terceiro à jurisdição do tribunal que seria competente (8º/2). Este preceito pressupõe que
a competência do tribunal da ação é determinada pelos critérios do Reg, mas não obriga o juiz
nacional a admitir o chamamento de um garante à acção, pelo que o juiz pode aplicar o seu direito
nacional para avaliar a admissibilidade de tal chamamento.
3. Critérios específicos
3.1. Generalidades
b) Como decorre da ressalva constante dos 10º 17º/1 e 20º/1 ao 6º, o regime relativo a
seguros, a contratos celebrados por consumidores e a contratos individuais de trabalho só é
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/106
aplicável se o demandado tiver domicílio num EM. Note-se, no entanto, que, tal como decorre do
estabelecido nos 11º/2, 17º/2, e 20º/2, o regime é igualmente aplicável se o demandado tiver uma
sucursal num Estado-membro (mesmo que não seja o da parte contratual mais fraca).
I/107
Se o contrato for misto – isto é, se for relativo a um bem destinado a uma utilização
parcialmente profissional e parcialmente estranha à actividade profissional –, o regime especial em
matéria de contratos celebrados por consumidores só é aplicável se a utilização profissional for
marginal, a ponto de apenas ter um papel despiciendo no contexto global da operação em causa.
V. Competência exclusiva
1. Generalidades
1.1. Carácter universal
O 24º enumera os casos de competência exclusiva dos tribunais dos EM. Esta competência,
porque é exclusiva, prevalece sobre a competência determinada por quaisquer outros critérios,
gerais ou especiais (4º e 7º a 24º) e impede a celebração de um pacto de jurisdição (25º/4). A sua
violação é sempre de conhecimento oficioso (27º).
A competência exclusiva é independente do lugar do domicílio do demandado (24º), pelo
que se mantém mesmo que o réu não seja domiciliado num EM. A razão de ser das regras de
competência exclusiva é a existência de um nexo de ligação particularmente estreito entre o litígio
e um EM, independentemente do domicílio tanto do demandante, como do demandado. Assim,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/108
essas regras têm um âmbito universal, pois que valem mesmo em relação a interessados
domiciliados em Estados terceiros.
2. Enunciado
2.1. Acções reais
I/109
2. Validade
2.1. Generalidades
I/110
− Por escrito (25º/1 a)), sendo equivalente à forma escrita qualquer comunicação por via
electrónica que permita um registo duradouro do pacto (25º/2);
− Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si (25º/1 b));
− No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou
devam conhecer e que, no ramo comercial considerado, sejam amplamente
conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo
(25º/1 c));
3. Efeitos
3.1. Efeitos processuais
4. Pacto tácito
4.1. Aplicação
a) O 26º prevê um pacto tácito de jurisdição: se a parte comparecer em juízo e não arguir a
incompetência do tribunal, este torna-se competente para conhecer do litígio, mesmo que o
demandado seja uma parte a que – por exemplo, como segurado, consumidor ou trabalhador – o
Reg atribui uma especial protecção.
O 26º é aplicável nos casos em que a ação foi intentada em violação das disposições do
Reg. e implica que a comparência do demandado no processo possa ser considerada uma
aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a ação e, portanto, uma extensão
da sua competência. O regime vale igualmente quando a incompetência do tribunal da causa
resultar de um pacto de jurisdição, ou seja, também é aplicável quando as partes tenham retirado
convencionalmente competência ao tribunal no qual é proposta a acção.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/111
4.2. Excepção
2. Consequências
O Reg. não define quais as consequências da incompetência do tribunal, pelo que elas
devem ser procuradas no direito interno do Estado do foro.
Em concreto, as hipóteses são as seguintes:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/112
I. Generalidades
1. Objectivos
O Reg. 2201/2003 visa completar o regime instituído pelo Reg. 1215/2012, que não é
aplicável a matérias relativas ao estado das pessoas singulares (art. 1.º, n.º 2, al. a)). Nele se
contendo regras sobre os seguintes aspectos:
− Competência para as acções de divórcio, de separação ou de anulação do casamento
e reconhecimento das decisões aí proferidas;
− Competência para as acções relativas à responsabilidade parental e o
reconhecimento e execução das correspondentes decisões, actos autênticos ou
acordos;
− Cooperação internacional em matéria de responsabilidade parental.
−
2. Vinculação
O Reg. 2201/2003 é vinculativo para todos os Estados-membros da União Europeia, com
excepção da Dinamarca (2.º, n.º 3).
O Reg. 2201/2003 aplica-se apenas a matérias civis, embora não releve a natureza da
jurisdição. Por isso, para efeitos do Reg. 2201/2003, o termo tribunal abrange todas as
autoridades que nos EM tenham competência nas matérias às quais se aplica o Reg. 2201/2003
(2.º/1).
I/113
2. Âmbito espacial
2.1. Competência internacional
a) O Reg. 2201/2003 é aplicável sempre que um dos elementos de conexão referidos nos
art. 3.º a 7.º ou 8.º a 15.º Reg. 2201/2003 atribua competência aos tribunais de um EM. Para que o
Reg. 2201/2003 seja aplicado, não é necessário que um dos cônjuges seja nacional de um desses
Estados (3º/1 a)), ou que a criança cuja responsabilidade parental é regulada tenha residência
habitual num dos EM (12º/4).
Os principais elementos de conexão pelos quais se afere a competência dos tribunais dos
EM são os seguintes:
− A residência habitual de um ou de ambos os cônjuges (3º/1 a)) ou da criança (8º/1) no
território de um EM; numa definição autónoma, pode entender-se que a residência
habitual corresponde ao local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir
um carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses;
− A nacionalidade de ambos os cônjuges, quando ela seja a de um dos EM (3º/1 b));
− O “domicílio” de um ou de ambos os cônjuges, entendido na acepção que lhe é dada
pelos sistemas jurídicos do Reino Unido e da Irlanda (3.º, n.º 2).
b) O Reg. 2201/2003 admite, em vários aspectos, uma relação com Estados terceiros
(estabelecida, por exemplo, através da nacionalidade ou da residência habitual dos cônjuges ou
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/114
3. Âmbito temporal
O Reg. 2201/2003 entrou em vigor em 1/4/2004, embora só se tenha tornado aplicável a
partir de 1/3/2005 (72.º). O Reg. 2201/2003 só é aplicável às acções judiciais, aos actos autênticos
e às transacções celebradas em tribunal que sejam posteriores à sua entrada em vigor (64.º, n.º
1).
6. Competência territorial
O Reg. 2201/2003 limita-se a atribuir competência internacional aos tribunais de um EM: é o
que sucede quer em matéria matrimonial (3.º), quer em matéria relativa às responsabilidades
parentais (8.º). Sendo assim, importa proceder à determinação do tribunal português
territorialmente competente, de acordo com as seguintes regras:
− Procura-se determinar, através dos critérios utilizados nos art. 72.º e 80.º e no art.
155.º OTM, qual o tribunal territorialmente competente;
− Se de nenhum desses preceitos resultar a competência territorial de um tribunal
português, há que aferir o tribunal competente segundo os critérios constantes do art.
80.º, n.º 3.
I. Generalidades
1. Regime legal
O art. 37.º, n.º 2, LOSJ dispõe que incumbe à lei de processo fixar os factores de que
depende a competência internacional dos tribunais judiciais. Por sua vez, o art. 59.º estabelece
que os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das
circunstâncias mencionadas nos art. 62.º e 63.º (competência legal) e no art. 94.º (competência
convencional).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/115
2. Âmbito de aplicação
2.1. Carácter residual
Como se acautela no art. 59.º, n.º 1, se o caso couber no âmbito de aplicação dos
regulamentos, é sempre por estes que se afere a competência internacional dos tribunais
portugueses. Deste primado do direito europeu sobre o direito interno português resultam, na
matéria em análise, as seguintes consequências:
− Qualquer divergência entre o disposto nos Regs e o estabelecido no direito interno
português é resolvida através da aplicação daqueles actos europeus;
− Se for aplicável os Regs e dos seus preceitos não resultar a atribuição de
competência internacional aos tribunais portugueses, também não é possível aferir
essa competência através da aplicação do direito interno.
3. Critérios aferidores
3.1. Enunciado
Para que um tribunal português seja competente para apreciar um litígio, é necessário que
entre o litígio e a organização judiciária portuguesa haja um elemento de conexão considerado
pela lei suficientemente relevante para justificar o julgamento desse litígio. Esses elementos de
conexão formam o conteúdo de quatro critérios: o critério da coincidência (art. 62.º, al. a); art.
63.º), o critério da causalidade (art. 62.º, al. b)), o critério da necessidade (art. 62.º, al. c)) e o
critério da vontade das partes (art. 94.º). Estes critérios são alternativos: basta a verificação de um
deles para os tribunais portugueses serem internacionalmente competentes.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/116
O art. 62.º, al. a), estabelece que os tribunais portugueses são competentes quando a acção
deva ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei
portuguesa. Os 70.º a 84.º procuram fixar para cada litígio uma sede territorial e indicam como
competente o tribunal do lugar onde essa sede se situa. Ora, se esse lugar se encontrar em
Portugal, por esse facto os tribunais portugueses são internacionalmente competentes. É o
princípio da coincidência entre a competência internacional e a competência interna territorial.
I/117
2. Critério da causalidade
Por força do critério da causalidade, a competência internacional dos tribunais portugueses
resulta de ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção
ou algum dos factos que integram essa causa petendi (art. 62.º, al. b)). A causa de pedir é o acto
ou facto jurídico que individualiza a pretensão material alegada pelo autor, pelo que, para que os
tribunais portugueses sejam competentes segundo o critério da causalidade, é necessário que,
pelo menos, um dos factos que integram a causa de pedir tenha sido praticado em Portugal.
Assim, por exemplo, basta que o contrato tenha sido celebrado em Portugal, para atribuir
competência internacional aos tribunais portugueses para a apreciação da acção proposta pelo
segurado contra a seguradora.
A justificação do critério da causalidade é bastante discutível, porque a conexão que ele
permite estabelecer com a ordem jurídica portuguesa está longe de ser algo que possa ser
considerado, de uma forma incontroversa, suficiente para justificar a competência internacional dos
tribunais portugueses. É difícil que o critério da causalidade não conduza a uma competência
exorbitante desses tribunais.
3. Critério da necessidade
Segundo o princípio da necessidade, os tribunais portugueses são internacionalmente
competentes no caso de o direito não poder tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta
em tribunal português ou na hipótese de constituir para o autor dificuldade apreciável a sua
propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto da acção e o território português exista um
elemento ponderoso de conexão pessoal ou real (art. 62.º, al. c)).
A impossibilidade referida pode ser impossibilidade jurídica ou impossibilidade prática:
− Existe impossibilidade jurídica quando, pela conjugação das regras de competência
internacional dos vários países, o litígio fica sem tribunal competente para o dirimir,
isto é, quando se verifica um conflito negativo de competências internacionais;
− Verifica-se a impossibilidade prática quando, em virtude de facto, natural ou material,
(corte de relações diplomáticas, de guerra) a propositura da acção no estrangeiro
constituir para o autor dificuldade apreciável.
4. Pactos de jurisdição
4.1. Generalidades
I/118
Convém lembrar que o regime estabelecido no 94.º cede perante o regime que consta do
Reg. sempre que as partes tenham atribuído competência aos tribunais de um EM.
Se a relação controvertida tiver conexão com várias ordens jurídicas, as partes podem
convencionar qual é a jurisdição competente para apreciar um litígio determinado ou os litígios
eventualmente decorrentes dessa relação (94.º, n.º 1). A designação convencional pode envolver
a atribuição, aos tribunais portugueses ou estrangeiros, de competência exclusiva ou alternativa,
presumindo-se, em caso de dúvida, que ela é exclusiva.
5. Competência territorial
5.1. Generalidades
5.2. Concretização
I/119
competente para a acção o tribunal do domicílio do réu; esta regra pode ser atributiva
de competência internacional aos tribunais portugueses, em conjugação com o art.
62.º, al. a); por exemplo: a acção de investigação de paternidade segue o foro geral do
art. 80.º, n.º 1; por força do art. 62.º, al. a), pode-se investigar em Portugal a
paternidade se o réu ou réus tiverem domicílio em Portugal;
− O art. 80.º contém ainda regras de outro tipo: regras que, falhando a conexão primária
(domicílio do réu), estabelecem uma conexão secundária: é o caso do n.º 2 1.ª parte;
assim, se uma pessoa quiser investigar a sua filiação de um investigado ausente, ou
sem residência habitual, pode fazê-lo nos tribunais portugueses se ele tiver domicílio
em Portugal;
− Por fim, há no art. 80.º regras por assim dizer de recurso, regras que estabelecem a
competência interna segundo critérios que se não podem considerar de ligação ou
conexão relevante com o litígio, isto é, regras de competência territorial que não são
dotadas de dupla funcionalidade, mas que permitem, referenciar um tribunal português
territorialmente competente, nem que seja o de Lisboa: é o que se dispõe no n.º 3.
Para efeitos do 62.º, al. a) (princípio da coincidência), estas regras de recurso não podem
contar. Elas pressupõem que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes e
arranjam maneira de encontrar um tribunal territorialmente competente, nem que seja o de Lisboa.
A tomar em conta para efeitos do 62.º, al. a), o disposto art. 80.º, n.º 3, então haveria que concluir
que os tribunais portugueses seriam sempre competentes para qualquer acção em que o autor ou
o réu tivessem domicílio no estrangeiro. Portanto, o 80.º, n.º 3, não pode atribuir, por si só,
nenhuma competência territorial e só pode ser aplicado em conjugação com as regras da
competência internacional.
No 80.º encontram-se, portanto, regras que se baseiam numa ligação relevante, embora
secundária, com elementos do litígio (domicílio do autor), e regras que se não baseiam em tal,
mas só na necessidade de determinar um tribunal internamente competente. Só as primeiras
contam para, conjugadas com o 62.º a), delimitarem a competência internacional dos tribunais
portugueses.
3. Regime da competência
I. Nexo de competência
1. Noção
Toda a causa tem um tribunal onde deve ser proposta. Há assim entre essa causa e esse
tribunal um nexo jurídico: só aquele tribunal pode julgar tal causa e esta causa só pode ser julgada
naquele tribunal. A este nexo pode chamar-se nexo de competência. Por vezes chama-se-lhe só
competência, mas este termo deve ser reservado para o sentido que lhe foi dado atrás: a medida
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/120
de jurisdição atribuída a um tribunal, o que se refere, não a uma causa só, mas a uma categoria
de pleitos que a lei destina para esse tribunal.
2. Perpetuatio iurisdictionis
2.1. Enunciado
O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes
que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa (91.º, n.º 1): trata-se
de uma extensão que pode abranger qualquer critério de aferição da competência, com excepção,
em certas circunstâncias, do critério do valor, dado que a alteração do valor da causa pode
implicar a remessa do processo pendente na instância local para a instância central (117.º/3
LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/121
O 92.º, n.º 1, dispõe que, se o conhecimento do objecto de uma acção depender da decisão
de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, o juiz
pode sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie. Portanto, os tribunais
cíveis não conhecem, em regra, de questões prejudiciais que sejam da competência dos tribunais
criminais ou admin.
1.5. Competência territorial
Verifica-se uma extensão de competência territorial quando se proponha uma acção, das
que devam correr no tribunal do domicílio do réu, contra vários réus (A e B, domiciliados em
Castelo Branco, C em Beja e D em Coimbra); neste caso, é competente um só tribunal (o de
Castelo Branco), que vê a sua competência alargada quanto aos outros réus, dado que contra
estes isoladamente o processo deveria ser proposto noutros tribunais (Beja e Coimbra) (art. 82.º,
n.º 1).
O mesmo se passa no caso de cumulação simples de pedidos (555.º, n.º 1). Por exemplo: A
demanda B, domiciliado em Faro, reivindicando um prédio situado em Fafe (tribunal competente: o
de Fafe (70.º, n.º 1)) e pedindo, no mesmo processo, a condenação de B a pagar-lhe € 15000
(tribunal competente: o de Faro (71.º, n.º 1)); a acção deve ser proposta no tribunal de Fafe (82.º,
n.º 2, e 104.º, n.º 1, al. a)), que vê a sua competência estendida quanto à causa para que, tomada
isolada e autonomamente, não seria competente.
2. Modificação da competência
As modificações da competência decorrem de factores que, no caso concreto, deslocam
para outro tribunal a competência do tribunal que, em face da lei, a possui. As modificações da
competência são fenómenos relativos a um caso concreto e que, quanto a esse caso concreto qua
tale, alteram a competência fixada na lei, desviando-a para outro tribunal.
As modificações de competência são proibidas, em princípio, pela proibição de
desaforamento (39.º LOSJ). Em certos casos, essas modificações são admitidas: é o que sucede
por exemplo, no 84.º, n.º 2 (remessa do processo para outra circunscrição numa acção em que
seja parte um juiz ou um seu familiar).
I/122
2. Modalidades da incompetência
O nexo de competência é um pressuposto processual subjectivo relativo a um dos sujeitos
processuais – o tribunal. Se ele faltar, a acção proposta é inadmissível; o tribunal é incompetente,
verifica-se a incompetência. A lei admite dois tipos de incompetência, com consequências
diferentes: a absoluta (96.º a 101.º) e a incompetência relativa (102.º a 108.º);
3. Incompetência absoluta
3.1. Generalidades
A incompetência absoluta vem regulada nos 96.º a 101.º. O 96.º diz quando se verifica esta
excepção dilatória: a infracção das regras da competência em razão da matéria e da hierarquia e
das regras de competência internacional, legal ou convencional (96.º, al. a)), e a preterição de
tribunal arbitral, voluntário ou necessário (96.º, al. b)), determinam a incompetência absoluta do
tribunal. A incompetência absoluta é uma excepção dilatória nominada (577.º, al. a)).
3.2. Regime
a) Quanto à legitimidade para arguir a incompetência absoluta, dispõe o 97.º, n.º 1, que
essa incompetência pode ser arguida pelas partes e, excepto se decorrer da violação de pacto
privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada
oficiosamente pelo tribunal (também 578.º). O tribunal, em certo momento do processo, no do
despacho saneador, tem mesmo de certificar-se – se não o fez já – da sua competência absoluta
(595.º, n.º 1, al. a)).
b) Quanto à oportunidade para arguir a incompetência absoluta, o 97.º fornece a regra geral
(que o 98.º particulariza) e a única excepção: a regra é a de que a questão da incompetência
absoluta deve ser levantada e decidida em qualquer estado do processo, enquanto não houver
sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (97.º, n.º 1), embora tenha o
seu momento normal para o tribunal conhecer dela – o despacho saneador (595.º, n.º 1. al. a)).
Além disso, a incompetência absoluta, quando seja manifesta, é causa de indeferimento liminar
(590.º, n.º 1).
Este regime é particularizado pelo que dispõe no 98.º: se a incompetência absoluta for
arguida antes de ser proferido o despacho saneador, pode conhecer-se dela imediatamente ou
reservar-se a sua apreciação para aquele despacho (98.º 1.ª parte); se a incompetência for
arguida posteriormente ao despacho saneador, deve conhecer-se logo da arguição (98.º 2.ª parte).
Assim, tendo passado o momento do despacho liminar, e tendo sido citado o réu, se este, como é
normal, acusa na contestação a incompetência absoluta do tribunal, a lei dá ao juiz uma
alternativa: conhecer imediatamente da excepção ou reservar o conhecimento para o saneador.
Há que entender com algum cuidado aquele conhecimento imediato: tendo a incompetência
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/123
absoluta sido arguida pelo réu na contestação, o seu conhecimento tem de aguardar o
funcionamento do contraditório, pelo que não pode ocorrer antes da resposta do autor (3.º, n.º 4).
A excepção a este regime é a que vem referida no 97.º, n.º 2: a violação das regras da
competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser
arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido o despacho saneador ou, se a tramitação
da causa não o comportar, até ao início da audiência de discussão e julgamento. É o caso, por
exemplo, de a acção ser da competência do tribunal de família e ter sido proposta perante o
tribunal de trabalho. A regra geral do 97.º, n.º 1, é, porém, aplicável se, por exemplo, uma acção
de anulação de um acto administrativo for instaurada num tribunal judicial. Assim, o regime é mais
brando para a hipótese de a violação da competência em razão da matéria se verificar no âmbito
dos tribunais judiciais e mais grave se ela ocorrer entre um tribunal judicial e um tribunal não
judicial.
3.3. Efeitos
I/124
4. Incompetência relativa
4.1. Generalidades
4.2. Regime
I/125
− Quando haja violação das regras relativas aos procedimentos cautelares e diligências
antecipadas (78.º);
− Quando seja violada a regra respeitante ao tribunal competente para apreciar o
recurso (83.º);
− Quando, sendo parte o juiz ou um seu familiar, a acção não seja proposta ou remetida
para o tribunal da circunscrição judicial cuja sede esteja a menor distância do tribunal
normalmente competente (84.º);
− Quando, numa execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o
requerimento executivo não for apresentado no processo em que foi proferida a
decisão (85.º, n.º 1);
− Quando, numa execução para pagamento de quantia certa baseada numa decisão
estrangeira ou num título extrajudicial, a mesma não seja instaurada no tribunal do
domicílio do demandado (89.º, n.º 1 1.ª parte);
− Quando, numa execução para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real,
a mesma não seja proposta, respectivamente, no tribunal onde a coisa se encontra ou
no tribunal da situação dos bens onerados (89.º, n.º 2).
A incompetência territorial deve ainda ser conhecida oficiosamente:
− Nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido (104º/1, al.
b)); é o caso, por exemplo, da execução sumária para pagamento de quantia certa
(856º/1);
− Nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro processo (104º/1
c)); é o que sucede, por exemplo, da acção de honorários (73.º, n.º 1).
I/126
intervenção que ele tiver no processo (108.º/1). Ao julgamento da excepção são aplicáveis, com as
necessárias adaptações, as disposições respeitantes à sua apreciação em 1.ª instância (108.º/2).
4.3. Efeitos
5. Apreciação prévia
A competência absoluta constitui um pressuposto processual absoluto, isto é, um
pressuposto sem cuja verificação não é admissível nenhuma decisão de mérito. Diferente é o caso
da competência relativa: mesmo que esta falte, é admissível proferir uma decisão de mérito
favorável ao demandado (278.º, n.º 3 2.ª parte), dado que não teria sentido remeter o processo
para o tribunal competente quando a acção não pode ser julgada procedente neste tribunal.
A prioridade da apreciação da incompetência absoluta impõe que a falta de prova de um
facto duplo, ou seja, de um facto que é relevante para a apreciação quer daquela competência,
quer do mérito da causa, implique a incompetência absoluta do tribunal. Em contrapartida, a falta
de um facto duplo relevante para a aferição da incompetência relativa determina a improcedência
da causa.
Além do tribunal, os outros dois sujeitos da relação jurídica processual são as partes ou
litigantes. Noutros termos, parte é aquele que pede em juízo uma determinada forma de tutela
jurídica e aquele contra o qual essa forma de tutela é pedida.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/127
2.2. Relevância
3. Qualidade de parte
3.1. Concepções de parte
I/128
sujeitos (581.º, n.º 2) ou na regra que determina o impedimento do juiz, porque ele
próprio, o seu cônjuge ou algum parente ou afim próximo é titular de um interesse que
lhe permite ser parte (115.º, n.º 1, al. a) e b);
a) Terceiros são todos os sujeitos que são nem autores, nem réus numa acção. No entanto,
nem todos os terceiros perante o processo podem ser considerados terceiros perante o autor ou o
réu, ou seja, nem todos os sujeitos que não participam de uma acção podem ser considerados,
em termos processuais, sujeitos distintos do autor ou do réu. Os terceiros perante o processo que
não podem ser considerados terceiros perante alguma das partes processuais são partes em
sentido material.
Esta conclusão permite concluir que há que distinguir duas situações:
− Há terceiros que são perante o processo e perante qualquer das partes da causa; são
terceiros tanto em sentido formal, como em material;
− Há terceiros que são perante o processo, mas não perante alguma das partes da
acção; são terceiros em sentido formal, mas partes em sentido material.
b) A dificuldade nesta matéria não reside tanto no estabelecimento desta distinção, mas na
circunstância de a lei não recorrer a um único critério para distinguir entre um terceiro em sentido
material e uma parte em sentido material. O que pode ser dito é o seguinte:
− No caso julgado, a distinção entre terceiro e parte em sentido material é estabelecida
através do critério da qualidade jurídica: são partes em sentido material os terceiros
que tenham a mesma qualidade jurídica de alguma das partes da causa (581.º, n.º 2);
− No âmbito dos impedimentos do juiz, a distinção entre terceiro e parte em sentido
material é realizada através do interesse: são partes em sentido material os terceiros
que tenham um interesse que lhes teria permitido ser autor ou réu (115.º/1, al. a) e b)).
Pelo menos inicialmente, a identidade das partes está na disponibilidade dos autores –
formulam os pedidos e indicam contra quem os querem formular. A este respeito, convém deixar
firmes duas observações:
− Parte é quem o é; se A quer fazer anular em juízo um contrato que celebrou com B e
C, deve propor a acção contra ambos; se propuser só contra B, ou só contra C, cada
um destes é parte ilegítima (33.º, n.º 1); mas só o demandado é parte, embora
ilegítima; quem não for demandado (embora devendo sê-lo) não é parte, enquanto
não for;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/129
Todo o processo exige duas partes, isto é, uma ou mais partes activas e uma ou mais
partes passivas: é o que pode ser designado pelo princípio da dualidade das partes. Deste
princípio decorre a proibição dos “processos consigo próprio”, isto é, dos processos em que o
autor e o réu sejam a mesma pessoa. Assim: não é admissível o processo em que o representante
da parte litiga contra esta parte, nem o processo em que duas filiais de uma mesma sociedade
litigam entre si; também não é admissível a acção de dívida em que, posteriormente à sua
instauração, se verifique a confusão, isto é, a reunião na mesma pessoa da qualidade de credor e
de devedor da mesma obrigação (868.º CC), como pode suceder, por exemplo, em consequência
de uma fusão de sociedades. Do mesmo modo, deixa de ser admissível uma acção em que uma
das partes se torna sucessora da outra.
Esta proibição não impede a admissibilidade de acções entre órgãos da mesma pessoa
colectiva. Por exemplo: o órgão de fiscalização de uma sociedade pode propor, contra a própria
sociedade, uma acção de declaração de nulidade ou de anulação de uma deliberação da sua
assembleia geral (57.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, CSC).
a) Nos termos do 552.º, n.º 1, al. a), as partes devem ser identificadas pelo autor através da
indicação dos seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, números de identificação
civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho. Quanto ao autor (ou autores), será
certamente muito rara qualquer divergência entre a parte identificada e aquela a que o próprio
autor se pretende referir. Mais frequente pode ser a verificação de problemas quanto à parte
identificada como réu, havendo que considerar três situações:
− O réu é correctamente identificado pelo autor, mas é diferente da pessoa que ele
queria demandar; o erro só pode ser corrigido através de uma desistência do pedido
pelo autor (283.º, n.º 1); se tal não suceder, a acção será julgada improcedente;
− O réu é incorrectamente identificado pelo autor, não havendo, contudo, dúvidas sobre
a sua identidade; se a citação puder ser dada como realizada na pessoa certa, não há
nenhum vício e o erro pode ser corrigido, por analogia com o disposto no 614.º, n.º 1,
a requerimento do autor;
− O réu é correctamente identificado pelo autor, mas é citada uma pessoa diferente da
indicada pelo demandante; nesta hipótese, a citação é inexistente (188.º, n.º 1, al. b))
pois este nunca chega a tornar-se réu da acção (há apenas um réu aparente, pelo que
há que proceder à citação do verdadeiro réu).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/130
Nos casos de patrocínio judiciário obrigatório (40.º, n.º 1, e 58.º), as partes têm de estar
representadas por advogado. Fora destas hipóteses, é possível uma representação voluntária das
partes, mas, como decorre do disposto no 42.º, essa representação tem de ser realizada, pelo
menos, por um advogado estagiário ou por um solicitador.
2. Espécies de partes
2.1. Partes principais e acessórias
A noção que foi formulada de parte convém às chamadas partes principais. Ao lado destas
há as partes acessórias, que são os titulares de interesses conexos com os interesses em causa e
que, por isso, podem auxiliar uma das partes principais. As partes acessórias defendem no
processo um interesse próprio, conexo com o de uma das partes principais; e defendem -no
auxiliando esta parte principal, perante a qual tomam uma posição de subordinação.
Caso típico de parte acessória é o assistente, a que se referem os 326.º a 332.º. O
assistente começa por ser um terceiro interessado, que passa a parte em virtude de um incidente
de intervenção de terceiros, chamado intervenção acessória (321.º).
3. Espécies de terceiros
Àqueles que não são partes dá-se o nome de terceiros:
I/131
I. Enquadramento geral
1. Noção
Diz o art. 11.º, n.º 1, que a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte.
2. Caracterização
A personalidade judiciária é um fenómeno de personalidade jurídica, embora limitado pela
sua eficácia ou relevância: só produz efeitos dentro do processo. É isso que justifica a existência
de entidades dotadas de personalidade judiciária, mas não de personalidade jurídica (12.º e 13.º).
Morto o réu, sem deixar herdeiros determinados, para não demorar o processo em prejuízo do
credor, pode este mover a acção contra a herança como sucessora do mesmo réu (12.º, al. a)). A
herança é tida para efeitos processuais como sucessora do réu, quer quanto aos direitos e
deveres processuais deste, quer mesmo quanto aos direitos e deveres de carácter substantivo.
Para efeitos processuais, a herança de titular não determinado é pessoa e o ser pessoa quer dizer
que se lhe atribui personalidade jurídica no domínio do processo. A personalidade judiciária é, por
isso, um conceito processual, apenas eventualmente coincidente com o de personalidade jurídica
e nunca dependente de qualquer capacidade de gozo.
A personalidade judiciária das pessoas meramente judiciárias é restrita ao campo do
processo civil. É mesmo possível avançar um pouco mais: essa personalidade é restrita ao campo
de certo processo civil.
3. Função
A personalidade judiciária ocupa um lugar muito especial entre os pressupostos: é o
pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes. Com efeito, a
legitimidade ou a capacidade judiciária, por exemplo, são atributos das partes. As partes é que são
legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos por seu turno
pressupõem uma parte, de que são atributos, e de que a susceptibilidade de o ser funciona, num
plano anterior, como pressuposto.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/132
Se falta a legitimidade, por exemplo, a instância trava-se entre o tribunal e duas partes,
sendo uma ilegítima. Se falta a personalidade judiciária, falta a própria susceptibilidade para ser
parte.
2. Outros critérios
2.1. Generalidades
I/133
Há, no entanto, casos em que a herança não pode suceder ao de cuius – são os casos de
acções respeitantes a direitos pessoais. Há casos, pelo contrário, em que a lei parece impor a
habilitação da herança. Assim, querendo o sucessível, mesmo antes de aceitar a herança,
prosseguir uma causa com ela relacionada, parece que pode fazê-lo nos termos do art. 2047.º CC;
habilitar-se-á então, não nomine proprio, mas como substituto processual da herança, em
qualquer caso se afastando o art. 355.º, n.º 1.
Se o cabeça-de-casal ou o curador agirem como substitutos processuais da herança jacente
(nos termos dos art. 2088.º, 2089.º e 2048.º CC, remetendo para o art. 94.º, n.º 2, CC), propondo,
em nome próprio, acções em substituição da herança, também parece que se pode afastar a
aplicação do art. 355.º, n.º 1. A própria substituição processual do Ministério Público (355.º, n.º 2)
pode ser vista como uma substituição primo gradu da herança (12.º, al. a)) e só reflexamente de
incertos (22.º; cf. art. 5.º, n.º 1, al. c), EMP).
I/134
Portugal (13.º, n.º 2) ou tenha sido cedida a uma destas pessoas. É importante recordar que esta
regra cede perante o disposto no Reg., dado que, quanto às sucursais de sociedades com sede
num EM da UE, elas só podem demandar ou ser demandadas quando se tratar de um litígio
relativo à sua exploração. Portanto, não sendo este o caso, a verificação das condições do 13.º,
n.º 2, não é suficiente para atribuir personalidade judiciária a sucursais de sociedades de um EM
Segundo parece, o autor pode, no mesmo processo, accionar simultaneamente a sociedade e
a sua agência, como litisconsortes (32.º, n.º 1 1.ª parte), escolhendo depois a entidade a executar.
3. Natureza jurídica
3.2. Consequências
a) Em regra, a falta de personalidade judiciária não é sanável, mas o 14.º admite a sanação
da falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações
mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado. A
intervenção daquela administração não pode ser realizada nos termos do art. 311.º, pois que não
se trata de constituir uma pluralidade de partes, mas antes de substituir uma parte sem
personalidade judiciária por outra parte dotada dessa personalidade. O art. 14.º refere-se, por isso,
a uma intervenção inominada.
Apesar de a letra do preceito exigir sempre a ratificação do processado ou a sua repetição,
a verdade é que há que distinguir consoante a falta afete parte ativa ou passiva:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/135
b) O 14.º prevê uma hipótese em que uma parte sem personalidade judiciária é substituída
por uma parte dotada dessa personalidade. Assim, o preceito deve ser igualmente aplicado
quando tenha sido indevidamente demandada uma associação, fundação ou sociedade sem
personalidade jurídica que tenha adquirido essa personalidade antes da propositura da acção.
O 351.º, n.º 2, prevê a instauração do processo contra uma parte falecida e, portanto,
carecendo de personalidade judiciária; segundo o estabelecido no preceito, neste caso o vício
sana-se pela habilitação dos sucessores.
2. Cessação do vício
Verifica-se a sanação do vício quando, persistindo este, se lança mão de um remédio
permitido por lei para possibilitar a marcha do processo e regularizá-lo ex tunc. Coisa diferente é a
relevância da cessação da causa do vício. Por exemplo: mesmo depois de efectuado o registo da
sociedade, o contrato de sociedade pode padecer de vícios que determinam a sua nulidade (42.º,
n.º 1, CSC); se estes vícios forem sanados por deliberação dos sócios (42.º, n.º 2, CSC), cessa a
falta de personalidade judiciária que decorria da irregularidade da sociedade.
3. Subsistência do vício
Quando a falta de personalidade judiciária for insuprível e manifesta logo na petição inicial,
esta deverá ser objecto de indeferimento liminar (590, n.º 1, conjugado com o disposto nos art.
577.º, al. c), e 578.º). Se não for, o réu é absolvido da instância (278.º, n.º 1, al. c)), ex officio
judicis ou por arguição da parte (578.º).
I. Preliminares
1. Generalidades
Para o processo se constituir e correr regularmente ante tribunais portugueses, é preciso
não só que estes sejam competentes e as partes dotadas de personalidade judiciária, mas ainda
que ambas as partes sejam sujeitas à jurisdição portuguesa. A não sujeição de uma parte à
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/136
jurisdição portuguesa gera exceção dilatória que conduz à absolvição da instância (576.º/2, e
278.º/1, al. e)).
Uma sentença proferida em Portugal com violação da sujeição à jurisdição portuguesa é
ineficaz e não constitui, por isso, título executivo, dado que, sem renúncia pelo beneficiário, os
tribunais portugueses não têm jurisdição em relação a essa parte. Uma sentença proferida no
estrangeiro em relação a uma parte não sujeita à jurisdição do foro não pode ser reconhecida em
Portugal: na falta de melhor fundamento para essa recusa de reconhecimento, pode invocar-se a
violação da ordem pública internacional do Estado português (980.º, al. f)).
2. Imunidades
Em regra, todas as pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras,
domiciliadas ou não em Portugal, consideram-se sujeitas à jurisdição portuguesa.
Há, no entanto, algumas entidades que gozam da imunidade - não poderem ser, sem o seu
consentimento, sujeitos à jurisdição portuguesa. Estão nessas situações:
− Os Estados estrangeiros;
− As organizações internacionais;
− As pessoas singulares dotadas de imunidade.
Importa referir que, além da imunidade dos Estados estrangeiros e das organizações
internacionais e de algumas pessoas, certos objectos ou locais gozam do benefício da
extraterritorialidade: é o caso dos locais de missões diplomáticas e de instalações consulares, dos
arquivos e documentos das missões diplomáticas e dos postos consulares, da correspondência
oficial das missões diplomáticas e dos postos consulares, da mala diplomática e consular, bem
como da residência particular dos agentes diplomáticos.
− Por actos de soberania não se pode demandar um Estado estrangeiro (a não ser que
este se submeta a tal); envolvem os atos de guerra e de controlo alfandegário
(incluindo os realizados por aviões ou barcos);
− Pelos actos que o Estado estrangeiro pratique como pessoa colectiva, que não sejam
próprios da sua qualidade de ente soberano e que sejam praticados – como a compra
de mercadorias no estrangeiro ou a contratação de um empreiteiro para fazer obras no
edifício da embaixada, por exemplo –, é sujeito à jurisdição como qualquer outra
pessoa colectiva; o mesmo regime é aplicável a empresas pertencentes a Estados
estrangeiros, dado que estas dificilmente praticam actos de soberania.
2. Renúncia à imunidade
I/137
A imunidade de jurisdição faz parte das chamadas imunidades diplomáticas, embora seja
renunciável. No que diz respeito aos agentes diplomáticos, a matéria está regulada pelo 31.º, n.º 1,
CRelDipl, que estabelece que o agente goza de imunidade de jurisdição penal, civil e administrativa
no Estado acreditador, salvo se se tratar de uma acção real sobre imóvel privado situado no
território do Estado acreditador e o agente diplomático não o possuir por conta do Estado
acreditante para os fins da missão, de uma acção sucessória na qual o agente diplomático figure, a
título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou
legatário, ou ainda de uma acção referente a qualquer actividade profissional ou comercial exercida
pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais. Os agentes
diplomáticos gozam, no mesmo âmbito, de imunidade de execução (art. 31.º, n.º 3, CRelDipl).
Quanto aos funcionários e empregados consulares, rege o art. 43.º CRelCons: esses
funcionários empregados não estão sujeitos à jurisdição das autoridades judiciárias e
administrativas do Estado receptor pelos actos realizados no exercício das funções consulares,
excepto em acção civil resultante da conclusão de um contrato feito por um funcionário consular ou
um empregado consular que não o tenha cumprido expressa ou implicitamente como mandatário
do Estado que envia ou que seja intentada por um terceiro como consequência de danos causados
por acidente de veículo, navio ou aeronave ocorrido no Estado receptor.
b) O agente diplomático e o funcionário consular podem renunciar à sua imunidade, mas não
necessitam desta renúncia para intentar uma acção no Estado receptor. Nesta acção, agente ou
funcionário não pode alegar a sua imunidade quanto a qualquer pedido de reconvenção
directamente ligado à demanda principal.
A renúncia à imunidade de jurisdição quanto a acções civis ou administrativas não implica a
renúncia à imunidade quanto a medidas de execução da sentença, para as quais é necessária uma
renúncia distinta.
Os locais da missão diplomática e consular são invioláveis, pelo que os agentes do Estado
acreditador não poderão neles penetrar sem o consentimento do chefe de missão. Os arquivos e
documentos da missão também são invioláveis, em qualquer momento e onde quer que se
encontrem. O mesmo pode ser dito da correspondência oficial e da mala diplomática ou consular.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/138
I. Enquadramento geral
1. Noção
A capacidade judiciária é definida no 15.º/1, como a suscetibilidade de estar, por si, em
juízo. Trata-se de uma capacidade de exercício, capacidade de exercício de direitos e deveres
processuais. Procurando caracterizá-la com maior rigor, a capacidade judiciária pode ser definida
como a susceptibilidade de a pessoa por si, pessoal e livremente, decidir sobre a orientação da
defesa dos seus interesses em juízo, em aspectos que não são de mera técnica jurídica.
Esta última restrição é imposta pela circunstância de que, nos casos de patrocínio judiciário
obrigatório (40.º, n.º 1, e 58.º), também se verifica, em última análise, um fenómeno de
incapacidade de exercício: a parte não pode estar por si em juízo, só representada pelo seu
advogado. Esta representação, porém, é limitada à técnica do processo (por exemplo, como há-de
redigir a petição inicial); quanto à política do processo, a parte guarda o seu poder de disposição
sobre as grandes linhas da defesa judicial dos seus interesses (será ela que deve decidir
demandar). Assim se conjugam, como realidades compatíveis, capacidade judiciária e patrocínio
judiciário obrigatório.
2. Organização
A capacidade de exercício pode ser jurídica ou naturalmente organizada:
− A capacidade das pessoas colectivas é juridicamente organizada: estas têm uma
capacidade de exercício que resulta designadamente da existência de órgãos através
dos quais elas estão por si em juízo; representação orgânica;
− A capacidade das pessoas singulares é natural: estas têm capacidade judiciária
quando possam estar por si em juízo, sendo que por si significa pessoal e livremente;
representação legal.
Depois de o 24.º, n.º 1, dispor que o Estado é representado pelo MP, o 25.º, n.º 1, estatui
que as demais pessoas colectivas e as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos
ou o pacto social designarem. Assim, em concreto:
− Quanto às pessoas colectivas stricto sensu, o art. 163.º, n.º 1, CC dispõe que a sua
representação cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição
estatutária, à administração ou a quem por ela for designado;
− Quanto às sociedades civis, dispõe o 996.º n.º 1, CC, que elas são representadas,
pelos seus administradores, nos termos do contrato ou de harmonia com as regras
legais (985.º CC);
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/139
Quando a pessoa colectiva ou sociedade não tiver representante ou quando for com o
representante que tenha que se trave o litígio, aplica-se o regime dos n.º 2 e 3 do art. 25.º: essa
representação é atribuída, em regra, a um representante especial.
2. Pessoas judiciárias
Quanto às pessoas meramente judiciárias, dispõe o 26.º que a sua representação é:
− Os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores (2047.º e
2048.º CC, quanto à herança jacente; 1437.º CC, quanto ao condomínio);
− As sociedades e as associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as
sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam
como directores, gerentes ou administradores (195.º, n.º 1, 163.º, n.º 1, CC, quanto às
associações sem personalidade jurídica; 996.º CC, quanto às sociedades civis; 38.º a
40.º CSC, quanto às sociedades comerciais não registadas).
O 15.º, n.º 2, dispõe que a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade
de exercício de direitos. Este preceito pode ser interpretado de duas maneiras:
− A capacidade ou incapacidade judiciária resulta da capacidade ou incapacidade para
a prática do acto jurídico substantivo que é causa de pedir na acção;
− A capacidade ou incapacidade judiciária decorre da capacidade ou incapacidade para,
voluntariamente, provocar efeitos jurídicos idênticos aos efeitos possíveis da acção.
I/140
A interpretação do 15.º, n.º 2, deve ser esta: sempre que um dos efeitos possíveis da acção
seja um efeito que a pessoa não podia produzir por si, pessoal e livremente, para essa acção a
pessoa é judiciariamente incapaz. Esta solução está de harmonia com o princípio da
instrumentalidade: aquilo que se não pode fazer por vontade das partes através de NJ, não se
pode fazer por vontade das partes através do processo.
2. Aplicação do critério
2.1. Parte activa
A regra é a de que, se certa pessoa não pode dispor de um bem senão representada por
certa outra, ou autorizada por certa outra –, não poderá correspondentemente pôr em jogo a
titularidade desse bem através da propositura de uma acção, senão representada ou autorizada.
Este regime pode ser desenvolvido através da sua análise em dois sub-princípios:
− A regra da representação: quem não possa celebrar negócios jurídicos sem ser por
intermédio de representante legal, também não pode propor acções senão através de
representante legal; quem não possa praticar certos negócios jurídicos sem ser por
intermédio de representante legal, também não pode propor, senão através de
representante legal, as acções de que seja efeito possível algum efeito que seja
conteúdo dos negócios para que é incapaz (16.º, n.º 1);
− A regra de assistência: se certa pessoa pode praticar certos actos pessoal, mas não
livremente, carecendo de autorização para propor qualquer processo que possa ter
como eventum litis um efeito semelhante ao do acto, carece de autorização (16.º/1);
esta autorização é prévia em relação à acção e não se repete durante ela; deve,
contudo, entender-se que quaisquer actos que impliquem disposição dos interesses
nela envolvidos – maxime, a desistência do pedido ou a transacção (283.º) – exigem
igualmente autorização prévia (290.º, n.º 3).
É menor quem não tiver completado dezoito anos de idade (122.º CC). Os menores
carecem, em princípio, de capacidade para o exercício de direitos (123.º CC), pelo que, por força
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/141
do 16.º, n.º 2, carecem de capacidade judiciária. A incapacidade dos menores é suprida pelo
exercício das responsabilidades parentais e, subsidiariamente, pela tutela (124.º CC), havendo
ainda a contar com a administração de bens (1922.º e 1967.º a 1972.º CC).
b) Os representantes legais do menor não têm em regra liberdade para propor acções.
Segundo o 1938.º, n.º 1, al. e), CC, o tutor necessita de autorização para intentar acções, salvo as
destinadas à cobrança de prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo.
Essa competência pertence ao MP. Esta doutrina aplica-se também ao administrador de bens do
menor (1971.º, n.º 1, CC). Como se vê, portanto, trata-se de autorização para acionar. No domínio
da capacidade judiciária passiva não há nenhuma restrição.
Note-se que, neste domínio, o pai e a mãe gozam de um regime muito especial de favor.
Com efeito, não carecem de nenhuma autorização para representar o menor em juízo, excepto em
duas hipóteses constantes do art. 1889.º, n.º 1, al. n), CC: acções de divisão de coisa comum e
acções de liquidação e partilha de patrimónios sociais. Quando necessária, essa autorização cabe
ao MP.
2.3. Capacidade do menor
I/142
6. Subsuprimento
6.1. Incapazes
O 21.º, n.º 1, prevê um subsuprimento da incapacidade pelo MP, sempre que o incapaz, ou
os seus representantes, não deduzirem oposição. Como se infere do disposto no 21.º, n.º 3, para
que o MP intervenha não basta que o representante do incapaz não conteste (revelia relativa); é
preciso que não conteste nem constitua mandatário judicial (hipótese de revelia absoluta: 566.º).
Repare-se ainda que o MP é citado para garantir a defesa dos interesses do incapaz, mas não
necessariamente para contestar. Assim, se o autor tiver razão, parece que o MP não irá contestar.
6.2. Ausentes
V. Incapacidade judiciária
1. Enquadramento legal
1.1. Generalidades
I/143
Se o autor propuser uma acção, por si só, sendo menor ou interdito, ou se estiver
irregularmente representado, ou ainda se, sendo inabilitado, não tiver obtido autorização do
curador o próprio processo, nascem inquinados. É o próprio autor que é incapaz, um elemento
essencial da instância ou relação jurídica processual. Do mesmo modo, se o autor instaurar uma
acção contra um incapaz, sem indicar o representante ou indicando-o mal, a parte ré é, ela
própria, incapaz. Para evitar esta incapacidade, o autor tem, por isso, o ónus de indicar a
incapacidade do réu e o modo do seu suprimento (incluindo a nomeação de um curador especial
do réu: 17.º, n.º 4).
Num e noutro caso falta um pressuposto processual subjectivo relativo a uma das partes: a
capacidade judiciária. Essa falta, se não for sanada, conduz, de um modo geral à absolvição do
réu da instância: art. 27.º a 29.º, 278.º, n.º 1, al. c), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. c).
I/144
Além do suprimento, também quanto à incapacidade judiciária há que fazer a distinção entre
a sanação e a cessação da incapacidade judiciária:
− A sanação da incapacidade verifica-se quando essa viciou o processo, mas a lei
faculta um meio de fazer cessar retroactivamente os efeitos do vício;
− A cessação da incapacidade verifica-se quando, por exemplo, no decorrer do
processo o menor atinge a maioridade, é levantada a interdição ou inabilitação do
incapaz ou a irregularidade da representação é corrigida.
2. Sanação da incapacidade
2.1. Espécies de incapacidade
Com a designação de incapacidade judiciária podem ser designados vários vícios que a lei
distingue e que se podem agrupar em três espécies (27.º a 29.º):
− Incapacidade judiciária em sentido estrito; verifica-se quando um incapaz que carece
de representação está por si em juízo, contra o estabelecido no 16.º, n.º 1;
− Irregularidade da representação; quando está em juízo um incapaz ou uma pessoa
colectiva representada por pessoa diferente daquela a que compete a representação;
é o caso de o avô propor uma acção em nome do neto; ela verifica -se sempre que
alguém invoca poderes de representação que não tem;
− Falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei e do seu
suprimento judicial, quando possível; o vício pode consistir em carecer a parte ou o
seu representante de uma autorização, deliberação ou consentimento alheio, ou do
seu suprimento judicial, quando possível, e não se mostrar munido desse requisito,
por exemplo: o tutor propõe uma acção, em representação do menor, sem ter obtido a
autorização exigida pelo art. 1938.º, n.º 1, al. e), CC.
Qualquer destes vícios só produz efeitos se não for sanado (278.º, n.º 2 in fine), pelo que,
por isso, convém analisar, a respeito de cada vício, a forma de sanação e os efeitos (se insanado).
I/145
c) Sendo citado o representante legal do réu depois da contestação, de novo tem este
representante legal uma tripla conduta possível:
− Ou ratifica pura e simplesmente tudo o que foi feito; neste caso, o processo segue
como se o vício não tivesse existido (art. 27.º, n.º 2 1.ª parte);
− Ou pratica de novo os actos irregularmente praticados, ou parte deles (27.º/2);
− Ou nega pura e simplesmente a ratificação do acto praticado; nesta hipótese, o
processo segue à revelia, ficando sem efeito a contestação irregular (e os actos,
praticados pelo incapaz ou pelo irregular representante, que se lhe seguiram) e
procedendo-se à citação do MP, nos termos do 21.°, n.º 1 e 3, para, se quiser impedir
a revelia, praticar de novo os actos que ficaram sem efeito.
I/146
caso de incapacidade activa, a mera citação do representante legal não chega para sanar o vício:
tem de haver, por parte deste, ratificação ou repetição dos actos irregularmente praticados, sob
pena de absolvição da instância.
c) A circunstância de, em algumas situações, o patrocínio judiciário ser obrigatório (40.º, n.º
1, e 58.º) implica que o vício decorrente da preterição do representante passa a ser o da
irregularidade do mandato. Suponha-se, por exemplo, que, devendo a sociedade ser representada
por dois gerentes, apenas um deles passa a procuração ao mandatário judicial; o mandato é
irregular (48.º, n.º 1). Pode assim concluir-se que, sempre que a parte deva ser representada por
mandatário judicial, o regime da irregularidade da representação é consumido pelo regime da
irregularidade do mandato.
I/147
3. Cessação da incapacidade
Dado que o ex-menor, atingida a maioridade, pode pedir a anulação dos actos que praticou
enquanto menor (125.º, n.º 1, al. b), CC), parece que, quando se dê no processo pelo vício, o
incapaz deva ser notificado para tomar uma das atitudes que, nos termos do 28.º, n.º 2, cabe ao
seu representante.
Parece, no entanto, mais curial considerar a prática de qualquer acto no processo
posteriormente à maioridade ou emancipação, sem reserva, como significando a ratificação tácita
de tudo quanto irregularmente foi praticado.
I. Enquadramento geral
1. Patrocínio judiciário
O patrocínio judiciário é a representação das partes por profissionais do foro (advogados,
candidatos à advocacia ou solicitadores) na condução e orientação técnico-jurídica do processo,
mediante a prática dos actos processuais adequados. O patrocínio judiciário é um direito
constitucionalmente garantido (20.º, n.º 2, CRP; 26.º, n.º 2, LOSJ).
São duas as razões justificativas da necessidade da representação da parte por um
profissional forense. De um lado, uma razão técnica: a não ser quando elas próprias sejam
licenciadas em Direito e práticas em assuntos forenses, as partes carecem de preparação, de
conhecimentos para saberem conduzir a prossecução dos seus interesses em juízo. Por outro
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/148
lado, uma razão psicológica: as partes não têm, em regra, a serenidade suficiente para ajuizarem
objectivamente das situações e ponderarem com inteira racionalidade os seus direitos e deveres.
Por estes motivos se permite – e se impõe até, por vezes – o patrocínio judiciário, que o art. 208.º
CRP qualifica como um elemento essencial à administração da justiça.
2. Mandato judicial
O patrocínio judiciário representa o exercício de poderes de representação em qualquer
tribunal – os chamados poderes forenses –, ao conjunto dos quais se chama mandato judicial. A
expressão “mandato judicial” pode ter ainda um outro sentido. Na grande maioria dos casos, o
patrocínio judiciário é uma representação voluntária, que deriva de um contrato a que pode
chamar-se igualmente mandato judicial (1157.º CC).
2. Advogados
2.1. Generalidades
I/149
3. Advogados estagiários
3.1. Generalidades
3.2. Competência
O advogado estagiário pode, sempre sob orientação do patrono, praticar todos os actos da
competência dos solicitadores, exercer a advocacia em processos da competência dos tribunais de
menores e em processos de divórcio por mútuo consentimento e exercer a consulta jurídica (189.º,
n.º 1, EOA). Além disso, o advogado estagiário pode praticar quaisquer actos de advocacia quando
acompanhado de advogado que assegure a tutela do seu tirocínio (art. 189.º, n.º 2, EOA).
4. Solicitadores
4.1. Generalidades
4.2. Competência
Os solicitadores podem exercer o mandato judicial nos tribunais de 1.ª instância em causas
em que não seja obrigatória a constituição de advogado (42.º; 40.º, n.º 1, e 58) e podem fazer, em
qualquer processo, requerimentos em que não se levantem questões de direito (art. 40.º, n.º 2).
I/150
na lei e tendo-se respeitado as formalidades por ela prescritas. Em princípio, porque, em casos de
urgência, o patrocínio judiciário pode ser exercido como gestão de negócios (49.º, n.º 1), embora
sempre por pessoas com a devida habilitação.
Normalmente, porém, a representação forense resulta de atribuição prévia dos respectivos
poderes através do mandato judicial. Entre as formas de conferir o mandato judicial, há que
estabelecer uma primeira classificação, distinguindo as duas seguintes grandes categorias:
− Nomeação do mandatário pela própria parte representada (ou representante legal);
− Nomeação do mandatário por outra entidade.
2. Forma de atribuição
2.1. Generalidades
b) Em direito processual civil, como em teoria geral do direito privado, há que distinguir entre
o contrato de mandato e o acto (unilateral) de procuração:
− O contrato de mandato pode traduzir-se num mandato sem representação ou com
representação (1157.º e 1180.º CC); a segunda é a única em que se insere o mandato
judicial;
− A procuração é um acto unilateral, pelo qual a parte confere poderes de
representação; desde o momento, em que é passada em seu favor procuração, o
mandatário pode praticar actos judiciais em nome do representado; se a procuração
for junta a certo processo, pode praticar tais actos nesse processo.
Se a procuração não representar, porém, o desenvolvimento de um contrato de mandato,
implicando, portanto, o consentimento do mandatário, não envolve para ele o dever de usar dos
poderes que lhe são conferidos.
Há casos em que a escolha e investidura do mandatário não são feitas pela própria parte
que vai ser por ele representada, mas por outrem. Importa considerar os seguintes casos:
− Nomeação pela Ordem dos Advogados;
− Nomeação oficiosa pelo juiz;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/151
O mandatário é nomeado pela Ordem dos Advogados se tiver sido concedida à parte apoio
judiciário na modalidade de nomeação de patrono (30.º, n.º 1, LADT; 16.º, n.º 1, al. b) e d), LADT),
se tal for solicitado pelo juiz da causa (641, n.º 3) ou se a parte não encontrar na circunscrição
judicial quem aceite voluntariamente o seu patrocínio (51.º, n.º 1).
O juiz nomeia ou pode nomear advogado a uma das partes em várias hipóteses,
nomeadamente em casos de urgência (51.º, n.º 3) e ainda noutros casos (275.º, n.º 1, e 420.º/2).
3. Apoio judiciário
Segundo o 20.º, n.º 1, CRP, a todos é assegurado o acesso aos tribunais para a defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos. O instituto do apoio judiciário visa garantir, na
prática, o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, através, nomeadamente, da
nomeação e pagamento, total ou faseado, de patrono (16.º, n.º 1, al. b) e e), LADT), do
pagamento, total ou faseado, de defensor oficioso (16.º, n.º 1, al. c) e f), LADT).
4. Extinção do mandato
O mandato judicial pode ser revogado pelo mandante e o mandatário pode renunciar ao
mandato (47.º, n.º 1). Assim, apesar do mandato ser em regra oneroso, não se aplica o 1170.º, n.º
2, CC: o mandato judicial pode ser revogado pelo mandante, mesmo sem o consentimento.
2. Extensão especial
a) Uma restrição importante à normal extensão do mandato judicial é a que se encontra
referida no 45.º, n.º 2: os mandatários judiciais só podem confessar o pedido, transigir sobre o seu
objecto e desistir do pedido ou da instância quando estejam munidos de procuração que os
autorize expressamente a praticar qualquer desses actos (283.º).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/152
V. Obrigatoriedade do patrocínio
1. Generalidades
Em certos casos, a lei impõe que a parte – se não puder litigar em nome próprio – se faça
assistir por advogado.
A este propósito convém deixar as seguintes observações:
− Nos demais casos, a constituição de advogado não é proibida, só que não é imposta;
− Nunca é obrigatória constituição doutro mandatário judicial (estagiário ou solicitador).
A enumeração dos casos de patrocínio judiciário obrigatório é diferente para o processo em
geral, designadamente, para o processo declarativo, e para o processo executivo (40.º/1, e 58.º).
2. Exigência legal
Para o processo em geral, designadamente para o declarativo, rege fundamentalmente o
40.º, n.º 1, que determina que a constituição de advogado é obrigatória:
− Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso
ordinário (40.º, n.º 1, al. a) - nas causas com valor superior a € 5000 (44.º/1, LOSJ);
− Nas causas em que seja sempre admissível recurso ordinário, independentemente do
valor da causa (40.º, n.º 1, al. b)); assim, esse recurso é sempre admissível nas
situações previstas no 629.º, n.º 3, al. a);
− Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores (40.º, n.º 1, al. c)).
As partes podem pleitear por si ou fazerem-se representar por estagiário ou solicitador nos
restantes casos (42.º). É o que sucede designadamente nas causas em que, atendendo ao valor
da causa, não seja admissível recurso ordinário.
3. Actos pessoais
Pode perguntar-se se a obrigatoriedade do patrocínio envolve a prática de todo e qualquer
acto das partes. Parece dever responder-se negativamente quanto a actos iminentemente
pessoais das partes, designadamente quanto aos negócios processuais que extinguem, total ou
parcialmente, a instância (confissão e a desistência do pedido, a desistência da instância e a
transacção: 283.º e 286.º). Aliás, não faz sentido que a parte tenha de conceder poderes especiais
ao seu mandatário para confessar a acção, transigir sobre o seu objecto e desistir do pedido ou da
instância (45.º, n.º 2), mas não possa praticar ela própria esses actos em juízo.
I/153
I/154
I. Generalidades
1. Noção
A legitimidade processual é a possibilidade de estar em juízo quanto a um certo objecto.
Mais em concreto, a legitimidade ad causam é a faculdade de demandar (legitimidade activa) e a
sujeição a ser demandado (legitimidade passiva) quanto a um determinado objecto.
2. Justificação
A legitimidade processual destina-se a assegurar que estão em juízo, como autor e como
réu, sujeitos que têm uma relação com esse objecto.
3. Modalidades
3.1. Enunciado
3.2. Atribuição
Genericamente, pode dizer-se que a legitimidade pode pertencer quer a quem é o alegado
titular da situação subjectiva alegada em juízo (legitimidade directa), quer a quem, apesar de não
ser esse titular, está autorizado, por lei ou acto negocial, a estar em juízo como parte (legitimidade
indirecta).
− Em regra, quem é o alegado titular do objecto do processo tem legitimidade
processual; apenas em casos excepcionais o alegado titular do objecto do processo
não tem legitimidade processual;
− Em regra, quem não é o alegado titular do objecto do processo não tem legitimidade
processual; somente em casos excepcionais quem não é titular do objecto do
processo tem legitimidade processual.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/155
a) A substituição processual também pode ser voluntária, isto é, também pode ter por
fundamento um acto processual de carácter negocial: dado que, apesar de a autorização
concedida pelo titular da situação jurídica ser regida pelo direito substantivo, os seus efeitos
essenciais se produzem em processo, a concessão de legitimidade ao terceiro não pode deixar de
ser um acto processual. Por exemplo: um dos cônjuges pode autorizar o outro a propor uma acção
relativa a um bem comum (34.º, n.º 1) e pode conceder mandato ao outro cônjuge para administrar
os seus bens próprios (1678.º, n.º 2, al. g), CC).
A substituição processual voluntária só pode verificar-se quanto à parte activa e, porque,
com excepção da transmissão ou cessão do direito litigioso na pendência da causa (263.º, n.º 1),
não é admissível a substituição voluntária de uma parte por outra, essa substituição só é eficaz se
for autorizada antes da propositura da acção. De molde a assegurar que a parte contrária não é
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/156
2. Tipologia
2.1. Representativa vs. não representativa
I/157
3. Efeitos
Um dos efeitos típicos da substituição processual é a extensão à parte substituída do caso
julgado formado na acção em que intervém o substituto processual.
Perante a morte deste substituto deve habilitar-se a ocupar a sua posição como parte, não
os seus herdeiros, mas a substituída. A esta habilitação haplica-se, por analogia, os 351º - 354º
I/158
Dado que o direito subjectivo representa uma posição de vantagem para o seu titular e
porque esse direito pode ser tutelado através dos tribunais, o titular de um direito subjectivo é
igualmente o titular do interesse em demandar e em contradizer. Sempre que aquele direito seja
violado, sempre que sobre ele exista uma situação de incerteza ou ainda sempre que ele só possa
ser exercido através dos tribunais, coloca-se o problema de saber quem pode reagir contra essa
violação ou incerteza ou quem pode exercer o direito. A resposta é intuitiva: esse interesse em
demandar e em contradizer cabe, em primeira linha, ao próprio titular activo e passivo do direito.
A coincidência entre a titularidade do direito subjectivo e a titularidade do interesse em
demandar e em contradizer é o critério utilizado no 30.º, n.º 1, para aferir a legitimidade singular: o
autor é parte legítima quando tiver interesse directo em demandar e o réu possui legitimidade
quando tiver interesse direto em contradizer. O 30.º/3, concretiza a aferição da legitimidade
singular através da titularidade desses interesses, afirmando que são partes legítimas os titulares
da relação material controvertida. Em conclusão: os (alegados) titulares do direito possuem um
interesse em demandar e em contradizer que decorre da titularidade do direito e são, por isso,
partes legítimas numa acção cujo objecto seja esse mesmo direito.
1.2. Aferição
I/159
nulidade ou a anulação de um negócio ou acto jurídico: a legitimidade para instaurar esta acção
pertence a qualquer interessado (286.º e 287.º, n.º 1, CC), o que significa que é parte legítima
quem tiver interesse na procedência da acção, ou seja, quem retirar alguma vantagem da decisão
que reconhece a invalidade do negócio ou do acto jurídico.
A legitimidade do possuidor ou detentor para ser demandado numa acção de reivindicação
(1311.º, n.º 1, CC) também constitui exemplo de uma situação em que a legitimidade é atribuída
em função do interesse em contradizer. O possuidor ou detentor tem interesse em continuar na
posse ou detenção da coisa, pelo que é ele que tem interesse em discutir com o autor a
propriedade da coisa e em obter uma decisão de improcedência numa acção de reivindicação
proposta pelo proprietário.
1.3. Autonomia
2. Delimitação negativa
2.1. Generalidades
I/160
O 30.º, n.º 1, afere a legitimidade das partes através de um interesse directo em demandar
ou em contradizer, pelo que o que conta para a aferição desses interesses é a relação entre a
parte e o objecto litigioso. Dito de outro modo: o que o 30.º, n.º 1, estabelece é que tem interesse
em demandar e contradizer quem for o titular, activo e passivo, do objecto do processo.
O mesmo não pode ser dito dos interesses em demandar e em contradizer definidos no
30.º, n.º 2: estes interesses exprimem-se pela utilidade decorrente para o autor da procedência da
acção e pelo prejuízo sofrido pelo réu com essa mesma procedência. Não se trata, pois, de um
interesse decorrente da titularidade do direito, mas de um interesse que é aferido pela
necessidade e utilidade da tutela jurisdicional. Os interesses em demandar e em contradizer do
30.º, n.º 2, são aferidos pela utilidade ou prejuízo que uma decisão de procedência importa,
respectivamente, para a parte activa e para a parte passiva.
Esta avaliação pressupõe uma comparação das situações que existem antes e depois da
concessão daquela tutela jurisdicional. Assim, o autor tem interesse em demandar quando,
relativamente à situação em que se encontra antes do processo, aquela tutela lhe atribuir uma
vantagem e o réu tem interesse em contradizer quando aquela tutela representar uma
desvantagem. Por isso, no 30.º, n.º 2, o autor não tem interesse em demandar e o réu não possui
interesse em contradizer quando a tutela jurisdicional não conceder nenhuma vantagem ao autor
ou não implicar nenhuma desvantagem para o réu. Pode assim concluir-se que o interesse em
demandar e em contradizer referidos no 30.º, n.º 2, não correspondem ao interesse em demandar
e em contradizer subjacente à legitimidade processual, mas ao interesse processual ou em agir.
3.2. Concretização
I/161
− O interesse processual (30.º, n.º 2) avalia a utilidade dessa tutela jurisdicional, isto é,
averigua se esta tutela implica alguma vantagem para o autor e alguma correlativa
desvantagem para o réu; o interesse processual destina-se a evitar acções inúteis.
V. Elemento material
1. Generalidades
O interesse em demandar e em contradizer não é suficiente para atribuir legitimidade a uma
parte. É ainda indispensável que esta parte possa produzir todos os efeitos materiais que podem
resultar da decisão de procedência ou de improcedência que é solicitada ao tribunal.
2. Concretização
2.1. Legitimidade activa
Para o réu, a improcedência da acção importa um efeito liberatório, porque não é atingido
na sua situação jurídica por qualquer obrigação ou oneração; todavia, a procedência da acção
produz, para o réu, um efeito dispositivo, quando o bem é reconhecido como pertencendo à esfera
jurídica do autor, ou um efeito vinculativo, quando o réu fica adstrito a uma obrigação ou a uma
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/162
mudança na sua situação jurídica. Quando o réu litiga com base num direito ou interesse próprio,
não se coloca nenhum problema quanto à determinação do sujeito que beneficia do efeito
liberatório, mas coloca-se o problema de saber se pode produzir efeitos dispositivo e vinculativo.
Na verdade, a titularidade do direito nem sempre é acompanhada do poder de disposição:
quando assim suceda, o titular, tal como não tem legitimidade para demandar, também não a
possui para ser demandado. Assim apesar de o imóvel ser próprio de um dos cônjuges, estes
devem, em regra, ser demandados numa acção de reivindicação desse imóvel (34.º, n.º 1 e 3),
porque, excepto se entre eles vigorar o regime de separação de bens, a alienação de qualquer
daqueles bens carece do consentimento de ambos os cônjuges (1682.º-A, n.º 1, CC).
Quanto ao efeito vinculativo, ele pode, em regra, ser produzido pelo sujeito que contraiu a
obrigação, pelo que, quando isso suceda, este sujeito tem legitimidade para ser demandado na
respectiva acção de cumprimento. No entanto, a faculdade de vinculação pode não ser suficiente:
pense-se nos casos em que a responsabilidade patrimonial pela satisfação da obrigação não
pertence ao sujeito obrigado, ou seja, nas hipóteses em que não coincidem o sujeito que contraiu
a obrigação e o titular do património responsável pela obrigação. Assim ainda que a dívida tenha
sido contraída por um dos cônjuges, a acção de cobrança deve ser proposta contra ambos se a
dívida for comunicável e se por ela deverem responder bens comuns (1695º/1, CC; 34º/3).
I. Enquadramento geral
1. Âmbito da análise
Na sua forma mais simples, o processo tem duas partes: demandante e demandado, autor
e réu; pode suceder, porém, que o processo tenha mais de duas partes.
Das considerações subsequentes exclui-se um tipo integrado na categoria da cumulação
subjectiva: o da pluralidade de partes por subordinação, situação que se verifica quando há, em
processo, além das duas partes principais, uma ou mais partes acessórias (326.º, n.º 1, e 328.º,
n.º 1). Ou seja: o que vier a ser dito aplica-se só à pluralidade de partes por coordenação, situação
em que existem mais do que duas partes principais.
I/163
I/164
5.3. Consequências
Para o litisconsórcio stricto sensu diz o 35.º que a acção em litisconsórcio necessário se
toma sempre como una, em litisconsórcio voluntário sempre como plúrima (há tantas relações
processuais quantos os litisconsortes). Desta regra decorrem as outras diferenças de regime,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/165
como as que constam dos art. 190.º (falta de citação), 288.º (confissão, desistência e transacção)
e 634.º, n.º 1 e 2 (extensão do recurso a compartes), bem como do art. 353.º, n.º 2, CC (confissão
de factos). Assim, quanto ao litisconsórcio necessário, vigora o princípio da interdependência dos
litisconsortes; quanto ao voluntário, o princípio da independência (embora nem sempre respeitado:
cf. art. 528.º, n.º 1 (responsabilidades pelas custas), 568.º, al. a) (revelia inoperante), e 569.º, n.º 2
e 3 (prazo para a apresentação da contestação).
O 35.º refere-se mais às consequências dos actos dos litisconsortes do que a estes
mesmos actos. A regra é a da autonomia de cada um dos litisconsortes, qualquer que seja a
modalidade. Assim, se o litisconsórcio for activo, cada autor pode replicar e recorrer por si; se o
litisconsórcio for passivo, cada réu pode contestar por si, como, aliás, se pode inferir do 569.º/2.
O litisconsórcio parciário é aquele em que a decisão da causa pode ser distinta para cada
um dos litisconsortes: se dois devedores forem demandados para pagamento de uma dívida, um
deles pode ser condenado e outro absolvido por já ter pago a sua quota. O litisconsórcio unitário é
aquele em que a decisão da causa tem de ser uniforme para todos os litisconsortes. Se for
proposta uma acção de impugnação da paternidade pelo MP (1841.º, n.º 1, CC) – acção que tem
de ser proposta contra a mãe, o filho e o presumido pai (1846.º, n.º 1, CC) –, é claro que a decisão
de procedência ou de improcedência tem de ser uniforme para todos os demandados.
6.2. Consagração legal
− O 288.º, n.º 1, admite que cada um dos litisconsortes voluntários pode confessar,
desistir ou transigir, mas apenas dentro dos limites do interesse de cada um na causa;
portanto, a desistência, a confissão e a transacção não são admissíveis se, apesar de o
litisconsórcio ser voluntário, houver um interesse indivisível comum a todos os
litisconsortes, isto é, se o litisconsórcio for unitário; por exemplo: (i) a acção pode ser
proposta, no regime de litisconsórcio voluntário, contra todos os devedores solidários
(32.º, n.º 2; art. 517.º, n.º 1, CC); todavia, nenhum dos demandados pode isoladamente
confessar o pedido, dado que, não obstante o litisconsórcio ser voluntário, a obrigação
só pode ser reconhecida por todos os devedores; (ii) o art. 59.º, n.º 1, CSC permite que
qualquer sócio proponha uma acção de anulação de uma deliberação social; no
entanto, se a acção for proposta por vários sócios, apesar de o litisconsórcio ser
voluntário, nenhum deles pode desistir do pedido, dado que a mesma deliberação
social não pode ser válida para alguns sócios e inválida para outros sócios; o mesmo
pode ser dito do 353.º, n.º 2, CC, relativo à confissão de factos;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/166
− O 634.º, n.º 1, dispõe que o recurso interposto por uma das partes vencidas aproveita
aos seus compartes no caso de o litisconsórcio entre eles ser necessário; no entanto,
mesmo que o litisconsórcio seja necessário, essa extensão dos efeitos do recurso não
se verifica se não houver um interesse comum a todos os litisconsortes, ou seja, se o
litisconsórcio entre eles não for unitário; por exemplo: o litisconsórcio entre dois
devedores pode ser necessário, nomeadamente por imposição do negócio celebrado
entre as partes (33.º, n.º 1); mas se ambos os devedores forem condenados e só um
deles recorrer, a extensão dos efeitos do recurso só se verifica se a decisão incidir
sobre um interesse comum e indivisível entre eles (e, por isso, o reconhecimento de
que o devedor recorrente já pagou não se pode estender ao devedor não recorrente);
portanto, o que releva, para que se verifique o aproveitamento do recurso, não é se o
litisconsórcio é necessário, mas sim se ele é unitário.
Se a acção for intentada por um só ou parte dos interessados ou contra um só ou parte dos
interessados, deve o tribunal conhecer unicamente das quotas-partes do interesse ou da
responsabilidade das partes em juízo, ainda que o pedido abranja a totalidade (32.º, n.º 1). Este
regime comporta, no entanto, duas excepções:
− Se a lei ou o contrato permitirem que por menos que todos ou contra menos que todos
seja formulado o pedido por inteiro (32.º, n.º 2); por exemplo: (i): A é credor de B, C e
D por € 6000; pede essa quantia em juízo só a B e C; se a obrigação for conjunta, o
tribunal condena-os a pagar € 4000; se solidária, € 6000 (512.º, n.º 1, e 519.º, n.º 1,
CC); o litisconsórcio é voluntário – se A quisesse, demandava só B, ou só C, ou só D,
ou propunha três acções separadas; (ii) E e F são credores de G quanto a uma
prestação indivisível; qualquer deles tem o direito de exigi-la por inteiro (538.º/1, CC);
− Em caso de contitularidade de direitos (não obrigacionais) em que a lei permite a um
só dos contitulares agir em juízo pela totalidade do direito; fundamental é o 1405.º/2,
CC, segundo o qual cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem
que este possa opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro; as regras da
compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de
quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles
(1404.º CC; quanto à posse, o 1286.º, n.º 1, CC e, quanto à petição da herança,
2078.º, n.º 1, CC).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/167
I/168
a) Quanto aos bens próprios de um dos cônjuges, a regra é a de que cada um deles
administra esses bens (1678.º, n.º 1, CC) e pode aliená-los livremente (1682.º, n.º 2, CC). Por isso,
em regra, o cônjuge tem legitimidade para propor sozinho as acções referentes a esses bens e
contra ele podem ser propostas as acções com o mesmo objecto. Exceções:
I/169
I/170
a) Quanto aos bens comuns, há que fazer uma importante distinção entre:
I/171
− As acções de administração podem ser propostas por qualquer dos cônjuges; por
exemplo: A e B, casados, administram em conjunto o prédio comum x; A vende a
colheita de laranjas do prédio a C, que não paga; A ou B podem sozinhos acionar C;
nesta hipótese, a situação jurídica do prédio não é posta em causa, só as
consequências da normal administração deste;
− As acções de disposição carecem de ser propostas por ambos os cônjuges, ou, quando
por um só, com consentimento do outro.
As ações de arrendamento são casos muito especiais. O arrendamento típico parece ser hoje
acto de administração extraordinária, mesmo independentemente dos seis anos a que se referem
os 1024.º e 1889.º, n.º 1, al. m), CC. É possível deduzir este regime do art. 1682.º-A, n.º 1, CC, que
equipara o arrendamento à alienação ou oneração.
Segundo o disposto no 34.º, n.º 3, devem ser propostas contra ambos os cônjuges:
− As acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges;
− As acções emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda
obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns ou sobre bens
próprios do outro;
− As acções de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só possam ser
alienados por ambos ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos,
incluindo as acções que tenham por objecto a casa de família (34.º, n.º 1).
a)
− As dívidas incomunicáveis podem fazer-se valer contra o cônjuge devedor, só ele;
− As dívidas comunicáveis só podem fazer-se valer contra ambos os cônjuges.
Chamam-se dívidas incomunicáveis às que são da exclusiva responsabilidade do cônjuge a
que respeitam (1692.º CC); são as que constam dos art. 1692.º e 1693.º CC e ligam -se ao regime
do art. 1696.º, n.º 1, CC: só respondem em regra por elas os bens próprios do cônjuge devedor.
Esta regra tem excepções: alguns bens comuns respondem ao mesmo tempo que os bens
próprios: são os previstos no 1696.º, n.º 2, CC.
Chamam-se dívidas comunicáveis as que são da responsabilidade de ambos os cônjuges
(1691.º CC). Estas dívidas constam dos 1691.º e 1694.º CC e ligam-se ao regime do 1695.º, n.º 1,
CC: pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens
comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, os bens próprios de qualquer dos cônjuges.
Por uma dívida comunicável, o credor paga-se primeiro pelos bens comuns; antes de excutir os
bens comuns, não pode pagar-se por bens próprios. Portanto, o credor de uma dívida comunicável
tem de ter possibilidade de executar os bens comuns, sob pena de não poder executar nenhuns e
não obter satisfação do seu crédito.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/172
Sendo assim, é possível estabelecer a seguinte regra: para que a execução possa vir a
incidir sobre bens comuns, a acção executiva, bem como a declarativa que a prepare, têm de ser
movidas contra os dois cônjuges:
− Não se pode, em regra, penhorar bens comuns sem ambos os cônjuges serem partes
na execução; sendo só um dos cônjuges parte, só podem ser penhorados os bens
próprios e a meação nos bens comuns (1696.º, n.º 1, CC); é este regime que justifica
o disposto no 825.º, n.º 2 e 6; se forem penhorados bens comuns, o cônjuge não
demandado pode defendê-los mediante os embargos de terceiro (343.º);
− Não se pode mover execução contra ambos os cônjuges, sem terem sido ambos
partes na acção declarativa precedente (53.º, n.º 1); note-se que a comunicabilidade
da dívida só pode ser estabelecida na execução se o título executivo não for uma
sentença proferida num anterior processo declarativo (741.º, n.º 1, e 742.º, n.º 1).
Esta solução não é aceite por alguma doutrina (Lebre), entendendo que a regra do 1695.º, n.º
1, CC é uma regra de protecção ao cônjuge devedor, que a ela pode renunciar, permitindo que os
seus bens próprios sejam penhorados e vendidos antes dos comuns; e entender-se-á sempre que
renuncia, se não cumprir um ónus que a lei lhe impõe – o de chamar o outro cônjuge a intervir na
acção nos termos do art. 316.º, n.º 1. A verdade é que a prioridade de execução dos bens comuns
não está na disponibilidade do devedor – está estabelecida no 1695.º, n.º 1, CC e reflectida nos
741.º, n.º 1, e 742.º, n.º 1. Daqui resulta que a acção movida só con tra um dos cônjuges, por uma
dívida comunicável, estaria de antemão votada ao insucesso, pelo menos no plano prático. Para
evitar este resultado, o 34.º, n.º 3, manda propor a acção contra ambos os cônjuges.
Para a referida doutrina, esta objecção não colhe. O credor sempre poderia demandar um só
dos cônjuges, e, depois, de duas, uma: ou esse cônjuge chamava a intervir o outro – hipótese em
que a acção corria contra os dois e podiam executar-se os bens comuns; ou não chamava, e com
isso renunciava à protecção dada pelo 1695.º, n.º 1, CC e via os seus bens próprios penhorados
antes dos comuns. Isto traduzir-se-ia, portanto, na imposição ao cônjuge demandado sozinho do
ónus de fazer uso do 316.º, n.º 1, sob a cominação de perda do privilégio de excussão dos bens
comuns. Os 741.º, n.º 1, e 742.º, n.º 1, mostram que o regime das dívidas dos cônjuges não se
encontra na disponibilidade das partes e que uma dívida comum implica um litisconsórcio
necessário legal entre os cônjuges (34.º, n.º 3).
b) Só se podem penhorar bens comuns com a presença dos dois cônjuges na acção executiva
apresenta excepções importantes. Para as enunciar, é necessário considerar o disposto no 1696.º,
n.º 2, CC, do qual resulta que é admissível penhorar bens comuns:
− Se, no momento do contraimento da dívida, eram próprios do cônjuge executado
(1696.º, n.º 2, al. a), CC) ou foram sub-rogados no lugar destes (1696.º, n.º 2, al. c),
CC); por exemplo: A contrai uma dívida de 4000 para com B, tendo 5000 de património
para responder por ela; em seguida, casa em comunhão geral de bens com C; na falta
daquela disposição, o crédito de B não se poderia fazer pagar pelos 5000 que A co-
municou à mulher, o que seria injusto;
− Se são bens comuns adquiridos posteriormente por um dos cônjuges a título gratuito
(1696.º, n.º 2, al. a), CC) ou pelo trabalho ou exercício de direitos de autor (1696.º, n.º
2, al. b), CC); estes bens comuns são aqueles que são administrados por um só dos
cônjuges e de que ele pode dispor sozinho, ou seja, são os referidos nas al. a), b) e c)
do n.º 2 do 1678.º CC.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/173
Com efeito, para se poderem penhorar bens próprios, é necessária a excussão dos comuns
(1695.º, n.º 1, CC). Portanto, em caso de dívida comunicável e havendo bens comuns, a acção deve
ser proposta em termos de permitir essa excussão, portanto contra ambos os cônjuges.
a) 34, n.º 3 estatui que os cônjuges devem estar ambos em juízo como réus em três casos:
− Acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges;
− Acções emergentes de facto praticado por um dos cônjuges, mas em que pretenda
obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns ou sobre bens
próprios do outro;
− Acções do tipo das contempladas no art. 34.º, n.º 1, ou seja, acções de que possa
resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a
perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos.
b) Segundo o estabelecido no 34.º, n.º 3, devem ser propostas contra ambos os cônjuges as
acções emergentes de acto praticado por ambos: se ambos pediram emprestado ou compraram a
crédito, e não pagaram, ambos devem ser demandados. Se for demandado um só, este é parte
ilegítima: há litisconsórcio necessário imposto pelo 34.º, n.º 3, pelo que se aplica o 33.º, n.º 1.
Exige-se nesta hipótese a presença dos dois cônjuges, porque as dívidas provenientes de acto
praticado por ambos são comunicáveis, nos termos do 1691.º, n.º 1, al. a), CC. Ora, as dívidas
comunicáveis têm de fazer-se valer contra ambos os cônjuges: só assim se poderão executar an-
tes de mais bens comuns, como o exige o 1696.º, n.º 1, CC.
Note-se que este regime não é o geral, aplicável a todos: ele só vale para os cônjuges. Se A
e B pedirem 4000 emprestados a C, este pode, em regra, demandar só A ou só B, por 2000 (32.º,
n.º 1 2.ª parte); se A e B forem cônjuges, C só pode demandar aos dois - litisconsórcio necessário.
c) De acordo com o estatuído no 34.º, n.º 3, também devem ser propostas contra ambos os
cônjuges as acções emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se
decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns ou sobre bens próprios do outro
cônjuge. Estes actos podem ser actos dispositivos (transmissão de direitos sobre os bens comuns
ou próprios do outro) ou actos vinculativos ou obrigacionais (actos constitutivos de obrigações
patrimoniais, a que os bens do devedor estão afectados como garantia comum):
− Quanto aos actos dispositivos, tudo se reduz a ver se o bem de que se dispõe pode
ser penhorado ou apreendido em execução sem estar em juízo o outro cônjuge;
1682.º a 1683.º CC;
− Quanto aos actos vinculativos, os casos em que, por acto praticado por um só dos
cônjuges, poderão ser executados bens comuns ou próprios do outro, são os previstos
no art. 1691.º CC (com exclusão do pr. da al. a) do n.º 1), conjugado com o 1695.º CC.
Sendo assim, importa considerar, no âmbito destes actos vinculativos, o regime de bens em
vigor entre os cônjuges:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/174
− O regime de bens entre os cônjuges é tal que possa haver bens comuns; neste caso, na
futura execução, a penhora deve começar pelos bens comuns; por isso, devem ser
demandados ambos os cônjuges, em litisconsórcio necessário;
− O regime de bens entre os cônjuges é tal que não possa haver bens comuns (separação
de bens, designadamente, art. 1735.º a 1737.º CC); neste caso, na futura execução
penhorar-se-ão bens próprios de qualquer dos cônjuges; então o autor pode optar: se
demandar ambos os cônjuges pode executar na futura acção executiva os bens de
qualquer dos dois (litisconsórcio conveniente); mas se demandar um, está no seu
direito – somente terá a desvantagem de, na execução, só poder executar bens deste.
Note-se que, num e noutro caso, o cônjuge presente na acção pode sanar a ilegitimidade
resultante de preterição de litisconsórcio necessário ou assegurar ao autor o litisconsórcio
conveniente, chamando o cônjuge que não é réu a intervir na acção nos termos do 316.º, n.º 1.
c) Atendendo à remissão realizada pelo 34.º, n.º 3 in fine, para o 34.º, n.º 1, devem ser
propostas contra ambos os cônjuges as acções de disposição de bens cuja faculdade de
disposição só em ambos os cônjuges resida: as acções de que possa resultar a perda ou a
oneração de bens que só por ambos possam ser alienados, ou a perda de direitos que só por
ambos possam ser exercidos devem ser propostas contra ambos os cônjuges.
Diz o 33.º, n.º 2, que é necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela
própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu
efeito útil normal. No 33.º, n.º 3, procura-se concretizar o que seja este efeito útil normal. A
definição deve ser entendida, não tanto como determinando pela positiva a necessidade do
litisconsórcio natural, mas mais como delimitando pela negativa os casos em que não é
necessário: este litisconsórcio não é necessário quando, havendo vários interessados, a decisão
proferida em relação a alguns deles seja definitiva.
Suponha-se que A celebra com B, C e D um contrato, que posteriormente pretende anular;
se propuser a acção só contra B, a sentença de anulação, produzindo caso julgado só em face
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/175
deste, deixa o acto nulo em face de uns, válido em face dos outros; por esta razão, tem-se
entendido que, para a decisão a obter produzir o seu efeito útil normal, a acção de anu lação deve
ser proposta contra todos os celebrantes do negócio anulando; é um caso de litisconsórcio
necessário natural. Esta solução só se impõe, no entanto, quando o vício envolver todos os
interessados, ou seja, quando o objecto da causa for indivisível por várias partes processuais .
Assim, por exemplo, não impõe um litisconsórcio natural a impugnação, por invalidade, de um
testamento que beneficia vários herdeiros, porque o testamento pode ser válido para certos
herdeiros e inválido (nomeadamente, por erro, dolo ou coação: 2201.º CC) para outros.
O litisconsórcio natural é um litisconsórcio unitário, dado que a decisão do tribunal da causa
tem de ser uniforme em relação em todos os litisconsortes. Por exemplo: (i) a acção de
impugnação pauliana tem de ser instaurada pelo terceiro prejudicado contra o alienante e o
adquirente (610.º CC) e essa impugnação só pode ser julgada procedente ou improcedente contra
ou a favor de ambos os demandados; (ii) a acção proposta por um alegado sócio de uma
sociedade em nome colectivo ou por quotas para a verificação da sua qualidade de sócio tem de
ser proposta contra todos os sócios e a decisão tem de ser uniforme em relação a todos eles.
6.2. Critério
I. Aspectos gerais
1. Noção
O interesse processual (ou interesse em agir) pode ser definido como o interesse da parte
activa em obter a tutela jurisdicional de uma situação subjectiva através de um determinado meio
processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela.
A referência do interesse processual são a necessidade e a adequação da tutela jurisdicional.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/176
2. Justificação
O 20.º, n.º 1, CRP atribui a todos o direito de acesso aos tribunais. O interesse processual
define as condições do exercício deste direito à jurisdição, dado que ele condiciona o recurso aos
tribunais à inexistência de qualquer outro meio, processual ou extraprocessual, de exercício e
tutela da situação subjectiva e à necessidade de obter a tutela jurisdicional requerida. A sua
justificação prende-se, assim, com razões de economia, porque a administração da justiça é um
bem escasso que não deve ser exaurido na apreciação de ações inúteis. Assim, o interesse
processual visa evitar que sejam impostos custos e incómodos ao tribunal e ao demandado numa
situação em que não se justifica o recurso aos órgãos jurisdicionais.
I/177
2.2. Concretização
2. Critérios de aferição
2.1. Necessidade de tutela jurisdicional
I/178
a) O meio só é o adequado se não houver alternativa mais rápida e económica. Isto significa
que a parte não tem interesse processual quando possa obter o mesmo resultado visado com a
propositura da acção através de um outro meio, processual ou extraprocessual, que importe
menos custos e incómodos. Exemplo: (i) o autor não tem interesse processual para intentar uma
acção de simples apreciação se lhe for possível propor, desde logo, uma acção condenatória,
porque, como daquela acção não resulta nenhum comando de cumprimento, o autor tem sempre
de instaurar uma acção de condenação para obviar ao incumprimento do devedor; (ii) o
requerente da revisão de uma sentença estrangeira não tem interesse processual quando, por
força de um regulamento europeu, essa sentença é reconhecida automaticamente em Portugal;
(iii) o Estado só pode requerer a providência cautelar de embargo de obra nova quando careça de
competência para decretar o embargo administrativo (398.º, n.º 1).
Contudo, a possibilidade de obter extrajudicialmente o mesmo resultado através da acção
directa ou da legítima defesa em nada contende com o interesse processual. Não só porque a
tutela judicial é a forma normal de defesa dos direitos subjectivos perante a qual devem ceder
quaisquer outras formas de exercício desses direitos (1.º), mas também porque essas formas de
autotutela só podem ser usadas quando não for viável o recurso aos tribunais (336.º, n.º 1, e 337.º,
n.º 1, CC), pelo que a parte nunca tem, numa situação concreta, a opção entre utilizar a justiça
privada ou recorrer aos tribunais.
b) Também falta o interesse processual quando o autor recorre a um meio judicial que só
pode ser utilizado se não for admissível recorrer a um outro meio legalmente previsto e, no caso,
seja admissível recorrer a esse outro meio. Havendo um meio processual que é subsidiário perante
um outro (meio principal), aquele primeiro, na verdade, só pode ser usado quando não seja viável o
uso deste último, repercutindo-se o uso indevido do meio no interesse processual.
I/179
judicial requerida ou que o meio processual escolhido não é o adequado a essa tutela; quando o
réu contesta o mérito, está a contestar, não a necessidade daquela tutela ou a propriedade
daquele meio, mas a própria procedência da acção.
2. Orientações negativistas
2.1. Apresentação
O 535.º, n.º 1, estabelece que, quando o réu não tenha dado causa à ação e a não
conteste, as custas são pagas pelo autor. Perante o disposto alguma doutrina nega a qualificação
do interesse processual como um pressuposto processual, porque a falta daquele interesse
implica, não a inadmissibilidade de conhecer do mérito da causa, mas a responsabilidade do autor
pelas custas da acção, ainda que esta seja considerada procedente. Em concreto, as
eventualidades nas quais o autor, apesar da procedência da acção, é responsável pelas custas
encontram-se referidas no 535.º, n.º 2 - pagamento das custas incumbe a essa parte:
− O autor exerce um direito potestativo que não tem origem em nenhum facto ilícito
praticado pelo réu (535.º, n.º 2, al. a)); exemplo: o autor propõe uma acção para
constituição de uma servidão de passagem (1550.º CC), não tendo o réu jamais
levantado qualquer objecção a essa constituição;
− A obrigação do réu só se vence com a sua citação ou depois da propositura da acção
(535.º, n.º 2, al. b)); por exemplo: o autor intenta uma acção pedindo a condenação do
réu no pagamento de uma obrigação pura;
− O autor, munido de um título executivo, intenta uma ação condenatória (535.º, n.º 2,
al. c)); exemplo: o sacador de uma letra propõe uma acção condenatória do sacado
(703.º, n.º 1, al. c));
− O autor, podendo interpor recurso de revisão, usa sem necessidade do processo de
declaração (535.º, n.º 2, al. d)); por exemplo: desistente, em vez de recorrer ao
recurso de revisão para impugnar a decisão transitada com fundamento na nulidade
da desistência (696.º, al. d)), intenta uma acção para declaração daquela desistência
(291.º, n.º 1); apesar de o art. 291.º, n.º 2, admitir a alternativa entre a propositura da
acção de declaração de nulidade e a interposição do recurso de revisão, a verdade é
que, pelo menos na perspectiva do autor, a escolha não é indiferente.
Para alguma doutrina, estes casos são exemplos de acções inúteis – isto é, de acções
propostas sem interesse processual –, sem que, contudo, essa inutilidade implique a absolvição
do réu da instância, mas apenas a responsabilidade do autor pelas custas – Castro Mendes.
Um outro problema do 535.º, n.º 1, é o de saber se os casos em que se considera que o réu
deu causa à acção são apenas aqueles que constam do art. 535.º, n.º 2, ou se aquele preceito pode
ter o sentido de uma cláusula geral. A melhor solução é a primeira. Se não se considerasse que o
n.º 2 do art. 535.º limita o âmbito de aplicação do n.º 1, então, desde que estivesse assegurada a
responsabilidade do autor pelas custas, qualquer acção seria admissível. Como bem se
compreende, uma solução que leva a concluir que o sistema processual deve aceitar toda e
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/180
qualquer acção, desde que o autor esteja disposto a suportar as respectivas custas é contrária a
qualquer ideia de eficiência desse sistema.
Acções daquele tipo devem terminar com a absolvição da instância do réu com fundamento
em falta de interesse processual (278.º, nº 1, al. e), e 576.º, n.º 2 – o que implica a responsabilidade
do autor pelas custas do processo (527.º, n.º 2) –, podendo ainda ponderar-se a condenação do
autor como litigante de má fé (542.º, n.º 2, al. d)).
2.2. Valoração
A análise de algumas situações previstas no art. 535.º, n.º 2, permite retirar a seguinte
conclusão: aquele preceito define, na al. c) e d), para situações que, em teoria, poderiam ser
vistas como falta de interesse processual, um regime distinto da falta de um pressuposto
processual.
Da análise do art. 535.º, n.º 2, também decorre que, nas hipóteses previstas na a) e b), esse
preceito se refere a situações em que, apesar de o réu não ter dado causa à acção, ainda assim
há que reconhecer interesse processual ao autor. Sendo assim, há que concluir que o interesse
processual e o comportamento do réu são realidades distintas: aquele interesse não depende
deste comportamento.
O ponto essencial é, no entanto, o de que a responsabilidade pelas custas e o interesse
processual nada têm em comum. Esta afirmação pode ser demonstrada através do disposto no
próprio art. 535.º. Se o art. 535.º, n.º 1 – porque atribui ao autor a responsabilidade pelas custas –
significa que o autor não tem interesse processual, então há que concluir que o 535.º, n.º 3 – que
responsabiliza o réu pelo pagamento das custas – reconhece interesse processual ao autor. Esta
conclusão é, no entanto, contrária ao disposto no próprio 535.º, n.º 3, porque a regra nele contida
pressupõe que o interessado na tutela é o réu. Isto demonstra que a responsabilidade pelas custas
e o interesse processual se movem em planos distintos.
V. Regime jurídico-positivo
1. Funções
Dado que o 535.º, n.º 2, absorve algumas das situações em que a parte, apesar de ser
titular de uma situação subjectiva, não tem interesse processual, no direito português este
interesse visa essencialmente definir as condições nas quais uma parte pode recorrer aos
tribunais quando o direito por ela alegado não lhe atribuir, por si só, a faculdade de requerer a
tutela judicial. Um proprietário, apenas pelo facto de o ser, não pode intentar uma acção de
simples apreciação contra qualquer sujeito, pois que o seu direito de propriedade não comporta tal
faculdade; contudo, se houver uma ameaça grave à violação desse seu direito, então o
proprietário pode propor uma acção para reconhecimento do seu direito contra o autor da ameaça.
2. Consagração
2.1. Apreciação geral
I/181
Além do 30.º, n.º 2, o interesse processual encontra concretizações nos seguintes institutos:
− A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (277.º, al. e)); o interesse
processual tem de existir durante toda a pendência da causa, ocorrendo aquela
extinção quando o autor perde o interesse processual durante a pendência da acção
(849.º, n.º 1, al. c)); por exemplo: o autor intentou uma acção para protecção de uma
patente; durante a pendência da causa verifica-se a caducidade da patente; o autor
deixou de ter interesse processual, porque a tutela judicial lhe é inútil;
− A intervenção de um terceiro como assistente (326.º, n.º 1); esta intervenção exige
que o interveniente tenha um interesse jurídico em que a decisão da causa seja
favorável à parte que vai auxiliar (326.º, n.º 1 e 2); por exemplo: o sublocatário pode
intervir como assistente numa acção de despejo, procurando auxiliar o réu locatário.
3. Apreciação
3.1. Caracterização
I/182
favorável. Por exemplo: o autor propõe uma acção de condenação in futurum sem que estejam
preenchidas as condições estabelecidas no 557.º, n.º 2 in fine; o réu demonstra que não celebrou
nenhum negócio com o autor do qual decorra a prestação que este exige; a decisão de
improcedência é a que melhor tutela os interesses do réu, pelo que o tribunal não deve absolvê-lo
da instância com base na falta de interesse processual.
3.2. Conhecimento
4. Casuísmo
4.1. Acções condenatórias
I/183
a) Nas acções de simples apreciação não se faz valer um direito subjectivo, pelo que a
necessidade e a adequação da tutela que aferem o interesse só podem tomar como referência a
própria declaração da existência ou inexistência do direito ou do facto. A verdade é, no entanto,
que não há, quanto a este aspecto, nenhuma especialidade das acções de simples apreciação,
dado que também nas acções condenatórias e nas acções constitutivas o interesse processual é
aferido em função da necessidade e da adequação da tutela requerida pelo autor.
Nas acções de simples apreciação, existe interesse processual quando haja uma incerteza
objectiva sobre a situação jurídica do autor e a declaração que se pode obter através daquela
acção possa destruir essa incerteza. Por exemplo: o autor tem interesse em intentar uma acção de
simples apreciação para obter a declaração da sua propriedade sobre um imóvel que é
reivindicado (extrajudicialmente) pelo réu.
Também não existe interesse processual numa acção de simples apreciação quando o
autor pode intentar uma acção condenatória. Esta acção é então o meio adequado para o autor
fazer valer o seu direito, dado que só nela o tribunal pode condenar o réu no cumprimento da
obrigação e só dela pode resultar o título executivo que o autor pode utilizar para conseguir a
realização coactiva da prestação. Isto demonstra que as acções de mera apreciação – que só são
admissíveis quando não for possível instaurar uma condenatória – são, perante estas acções de
condenação, um meio judicial subsidiário.
I/184
autor interesse processual para propor uma acção na qual é pedida a declaração da inexistência
do direito invocado pelo réu. Nesta ação incumbe ao autor provar os factos invocados como causa
de pedir; se não conseguir realizar essa prova, a acção é improcedente, ou seja, o tribunal não
declara inexistente o direito alegado pelo réu. Mas o réu também pode obter nessa mesma acção
a declaração da existência do direito que se arroga: nessa hipótese tem de formular, em
reconvenção (266.º, n.º 1 e 2, al. d)), o correspondente pedido de apreciação (positiva) desse
direito e alegar e provar os respectivos factos constitutivos (343.º, n.º 1, CC).
A improcedência do pedido do autor não implica o reconhecimento de que o direito invocado
pelo autor pertence ao réu. Por exemplo: da improcedência de uma acção de reivindicação resulta
que o autor não é proprietário, mas disso não se infere que o réu seja o proprietário; o réu só pode
obter a declaração de que é proprietário se tiver formulado o correspondente pedido
(reconvencional, 266.º, n.º 2, al. d)), porque apenas nessa hipótese o tribunal, depois de verificar
que o autor não é proprietário, averigua se a titularidade dessa propriedade pertence ao réu.
Correspondentemente, o réu de uma acção de mera apreciação negativa pode assumir uma de duas
condutas: ou limitar-se a impugnar os factos invocados pelo autor, caso em que a improcedência
da acção apenas define que o autor não provou a inexistência desse direito; ou cumular com essa
impugnação a alegação dos factos constitutivos do direito que se arroga, hipótese em que o
tribunal, se considerar procedente esta sua alegação, o julga como titular desse direito.
I. Preliminares
As partes (iniciais) são determinadas pelo autor na petição inicial; citado o réu, a instância
deve, em princípio, manter-se a mesma quanto a essas partes (260.º). No entanto, podem
verificar-se modificações subjectivas da instância. Tais modificações podem ser (262.º):
− A habilitação, que é utilizada para promover a intervenção de um terceiro perante o
processo mas não perante alguma das partes, isto é, a intervenção de uma parte em
sentido material (351.º, quanto à habilitação do sucessor mortis causa, e 356.º, quanto
à habilitação do adquirente ou cessionário); por isso, é à habilitação que há que
recorrer para provocar a substituição do transmitente ou cedente da coisa ou direito
litigioso pelo adquirente ou cessionário (263.º, n.º 1);
− A intervenção de terceiros, que é utilizada para promover a intervenção de alguém
que é terceiro perante o processo e perante qualquer das partes do processo, ou seja,
a intervenção de um terceiro em sentido material (311.º a 350.º).
A habilitação possibilita a mudança da parte inicial por uma subsequente. Mas a habilitação
só pode verificar-se nos casos previstos na lei = não é admissível uma mudança voluntária de uma
parte por outra.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa
I/185
II. Habilitação
1. Noção
Chama-se habilitação à prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de
um direito ou direitos ou de outra situação jurídica ou situações jurídicas.
2. Espécies de habilitação
2.1. Enunciado
2.2. Habilitação-incidente
I/186
b) Se for parte na causa uma pessoa colectiva que se extinga, a habilitação dos sucessores
faz-se em conformidade com o regime geral (354.º, n.º 3). Há que considerar, no entanto, o regime
especial aplicável às sociedades comerciais: após a extinção da sociedade comercial, esta
considera-se substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (162.º,
n.º 1, CSC), não havendo lugar nem a suspensão da instância, nem à habilitação de sucessores
(162.º, n.º 2, CSC).
3. Morte ou extinção
3.1. Casuísmo
b) Abstraindo destes casos particulares, a morte de uma das partes não dá lugarà extinção
ou limitação da instância: o processo continua com o mesmo objecto. Vão então suceder-se:
− A comunicação e prova da morte; em caso de morte de uma das partes, qualquer das
partes sobrevivas tem o dever de comunicar esse facto no processo e de o documentar
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(270.º, n.º 2); igual dever tem o mandatário da parte falecida: trata-se de uma
manifestação do dever de colaboração com a justiça, porque o mandato caducou com a
morte (1174.º, al. a), e 1175.º CC);
− A suspensão da instância; o juiz deve lavrar despacho, suspendendo a instância,
retroactivamente ao momento da morte em si: 269.º, n.º 1, al. a), e 270.º, n.º 3; a suspensão
ex vi do art. 269.º, n.º 1, al. a), é de ordenar ex officio; são nulos os actos praticados no
processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção em relação
aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se
extinguiu (270.º, n.º 3);
− A habilitação (351.º, n.º 1); suspensa a instância, deve proceder-se à habilitação; esta
não é de iniciativa oficiosa, podendo ser requerida pelas pessoas referidas no 351.º, n.º
1: qualquer das partes sobreviventes e qualquer dos sucessores.
3.2. Procedimento
− o “outro processo” a que se refere o 353.º, n.º 1, pode ser um processo dirigido
especificamente a habilitar – habilitação-acção – ou um processo em que se realizou a
habilitação-incidente; mas tem de ser um processo em que hajam sido partes as
pessoas a quem se opõe a habilitação, pois que a decisão sobre esta não produz efeitos
erga omnes;
− Se a qualidade de herdeiro estiver dependente da decisão de alguma causa ou de
questões que devam ser resolvidas noutro processo, a habilitação não se suspende,
não se aplicando, por isso, o regime geral do 272.º, n.º 1; a lei segue antes o sistema
de chamar todos os interessados a serem partes (354.º, n.º 2);
− Se correr inventário, têm-se por habilitados os herdeiros nele reconhecidos (353.º/4);
− Não se verificando nenhum dos casos previstos antes, a habilitação é feita com base na
prova apresentada pelo requerente (351.º, n.º 1, e 293.º, n.º 1).
Se, depois de habilitados certos sucessores, estes (todos ou alguns) repudiarem a herança,
este repúdio tem de ter reflexo na legitimidade da parte. O repúdio da herança representa o
desaparecimento dos sucessores habilitados. É obrigatório comunicar esse repúdio no processo,
seguindo-se a suspensão da instância e nova habilitação. Se a demora no repúdio foi determinada
pelo desejo de perturbar ou demorar o processo, o herdeiro litiga de má fé (542.º, n.º 2, al. d)).
b) O incidente de habilitação é autuado por apenso (352.º, n.º 2) e consta dos se guintes
trâmites:
− Requerimento, com junção dos documentos probatórios e indicação dos restantes
meios de prova (351.º, n.º 1; 293.º, n.º 1); no caso de a legitimidade do sucessor já se
encontrar estabelecida, observa-se o disposto no 353.º;
− Citação dos sucessores do falecido que não forem nem requerentes nem partes e
notificação das partes não requerentes; por exemplo: A demanda B e C; B morre,
deixando como herdeiros D e E; qualquer dos sobreviventes – A, C, D ou E – pode
requerer a habilitação, suponha-se que é A quem a requer; C é notificado do facto e D
e E são citados (219.º, n.º 1 e 2);
− Contestação no prazo de 10 dias (293.º, n.º 1 e 2); a falta de contestação é inoperante
(353.º, n.º 3, e 354.º, n.º 1), pois que, de outra forma, não se compreenderia a
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exigência, realizada pelo 354.º, n.º 1, da produção da prova depois de findo o prazo da
contestação;
− Produção de prova, se a ela houver lugar (354.º, n.º 1 + 352.º, n.º 2, e 353.º);
− Decisão, que tem o valor de sentença: sentença de habilitação (353.º, n.º 3, e 354.º/1);
− Notificação desta decisão às partes na habilitação, notificação que faz cessar a
suspensão da instância, nos termos do art. 276.º, n.º 1, al. a).
3.3. Decisão
a) Ainda mais melindroso é o caso da habilitação por transmissão entre vivos, previsto no
356.º, sendo de ter em conta o 263.º quanto à qualidade de substituto processual que é atribuída
ao transmitente ou cedente. A habilitação por transmissão entre vivos pressupõe a transmissão de
direito ou dever litigioso. Apesar de, em relação ao réu, a propositura da acção só produzir efeitos
depois da citação (259.º, n.º 2), há que entender que qualquer transmissão ocorrida depois da
propositura da acção determina a aplicação do 263.º, o que significa que, se a transmissão foi
realizada pelo réu antes da citação, essa parte é citada como substituto processual do adquirente.
Tanto a transmissão da posição do autor – direito de crédito, direito real –, como a
transmissão da posição jurídica do réu – dever, posse, aparente direito de crédito, aparente direito
real – justificam a habilitação.
A habilitação pode ter por base termo de cessão ou requerimento de habilitação em
conjunto com o título da aquisição ou da cessão (356.º, n.º 1, al. a)). Depois de ser lavrado o termo
de cessão ou junto o requerimento de habilitação, é notificada a parte contrária para contestar
(356.º, n.º 1, al. a) 1.ª parte). O notificado pode impugnar a validade do acto ou alegar que a
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transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo (356.º, n.º 1, al. a) 2.ª
parte), isto é, invocar que o substituto agiu de má fé (542.º, n.º 2, al. d)). Se houver contestação, o
requerente pode responder-lhe e em seguida, depois de produzidas as provas, é proferida decisão
(356.º, n.º 1, al. b) 1.ª parte); se não houver contestação, verifica-se se o documento prova a
aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário
(356.º, n.º 1, al. b) 2.ª parte).
c) Também pode suceder que a transmissão do direito não seja conhecida da contraparte e
do tribunal, porque a parte transmitente ou cedente não a deu a conhecer em juízo. Nesta
hipótese, a transmissão ou cessão não opera nenhuma mudança na legitimidade do transmitente
ou cedente (não se verifica nenhuma substituição) e, em princípio, qualquer cumprimento da
obrigação àquela parte pelo réu condenado é liberatório deste demandado (583.º CC).
b) O primeiro problema é resolvido pelo 263.º, n.º 3. Suponha-se que A move uma acção
contra B, pedindo a declaração de ser ele A, e não B, proprietário de x; suponha-se ainda que, no
decurso da acção A transmite a C entre vivos os seus direitos sobre x ou que B transmite a D
entre vivos os seus direitos sobre x. Como continuação da hipótese, suponha-se que esta
transmissão não dá lugar a nenhuma modificação subjectiva da instância, pelo que sobrevém
sentença e que esta transita em julgado. O problema é o de saber se esta sentença vincula C ou
D (podendo, em caso afirmativo, A mover acção executiva contra o mesmo D, ou C contra B).
A tese negativa apoiar-se-ia na limitação subjectiva do caso julgado. O processo entre A e B
é para C e D res inter alios acta. A sentença respectiva não vincularia portanto C ou D – caso A
tivesse perdido, C poderia repropor a acção; caso tivesse ganho, D poderia voltar a afirmar-se
proprietário. Aliás, bem se poderia dizer que a sentença deveria ser de absolvição da instância, por
ilegitimidade superveniente de A ou de B.
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Não é este o sistema da lei, como se vê do referido art. 263.º. Mantém -se a legitimidade do
transmitente (art. 263.º, n.º 1) e a sentença proferida entre A e B vincula C e D, excepto no caso de
a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da
acção (263.º, n.º 3). Este regime não é contrário à limitação subjectiva do caso julgado, porque o
transmissário C (ou D) é, em relação a A (ou B) a mesma parte, sob o ponto de vista da sua
qualidade jurídica (581.º, n.º 2). Declarado por sentença contra B que A é proprietário de x, ou que
o não é, isso beneficia ou vincula tanto A e B, como todos os seus sucessores.
Os interesses de C e D – que podem ter a correr contra si e conduzidos por outrem um processo em
que se trate dos seus interesses – são garantidos:
− Pela possibilidade, nos termos gerais, de anular por erro a compra se C ou D não
souber que x é litigioso (251.º e 253.º CC);
− Pelas regras dos art. 892.º a 904.º CC (aquilo que antigamente se chamava evicção);
− Pela possibilidade de C ou D deduzirem a habilitação; 263.º/1, mostra que o
adquirente pode ser admitido a substituir o transmitente, promovendo a habilitação
(356.º, n.º 2).
Iniciado o processo, ficam determinadas as partes principais e aqueles que o não são ficam
na posição de terceiros. Estes terceiros, no entanto, podem passar a partes no processo, no
decorrer deste: ou por se habilitarem como sucessores de uma das partes (262.º, al. a)) ou através
das várias formas de intervenção de terceiros (262.º, al. b), e 311.º a 350.º). A intervenção pode
mesmo ser espontânea. Como incidentes da instância, são aplicáveis à intervenção de terceiros
as disposições gerais dos 292.º a 295.º.
O terceiro interveniente pode assumir uma posição paralela à do autor ou do réu, uma
oposição ao autor ou o réu, ou ainda uma posição de auxílio ao autor ou ao réu. Sendo assim, são
três as figuras a analisar: a intervenção principal, a oposição e a assistência.
I/191
2. Intervenção principal
2.1. Modalidades gerais
Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode intervir nela como parte
principal aquele que em relação ao objecto da causa tiver um interesse igual ao do autor ou do réu
(311.º), isto é, aquele que for titular de um direito próprio, mas paralelo ao do autor ou do réu
(312.º), e que, por isso se possa litisconsorciar com qualquer daquelas partes. A intervenção
principal dá origem a um litisconsórcio sucessivo, do tipo de um só pedido ou pedidos idênticos ou
indiscriminados, mas o litisconsórcio decorrente da intervenção pode ser voluntário (311.º (em
referência ao 32.º) e 316.º/2 e 3) ou necessário (311.º (em referência aos art. e 33.º e 34.º) e
326.º/1).
A intervenção principal caracteriza-se por se destinar a permitir a intervenção de um terceiro
que se vai litisconsorciar com uma das partes primitivas e fazer valer um direito próprio contra a
outra parte. Esta intervenção pode ser espontânea – isto é, da iniciativa do terceiro (311.º) – ou
provocada por qualquer das partes já presentes no processo (316.º). A intervenção espontânea
pode ser activa ou passiva (311.º) e qualquer destas pode ser adesiva ou autónoma (312.º).
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causa, apresentar e requerer provas, depor como parte, impugnar decisões e intervir em negócios
processuais (desistência, confissão e transacção).
A intervenção principal adesiva é admissível a todo o tempo enquanto a causa não estiver
definitivamente julgada (313.º, n.º 1): trata-se de uma simples adesão à causa, no estado em que
esta estiver. Essa intervenção só não é admissível, se a parte contrária tiver uma defesa pessoal a
opor ao interveniente e o estado do processo já não lhe permitir fazer valer essa defesa (313.º, n.º
4). Exemplo: estando pendente uma acção entre A, um dos credores solidários, e B, C, um outro
dos credores solidários, adere ao processo; a intervenção não é admissível se o demandado B
invocar que o estado do processo já não lhe permite invocar uma defesa pessoal contra C. Em
regra, tal é o que sucede quando o processo já não se encontrar na fase dos articulados.
Na hipótese de o réu poder fazer valer uma defesa pessoal contra o interveniente e de a
intervenção adesiva ser admitida (313.º/4), o interveniente pode responder num articulado a
apresentar num prazo de dez dias (regra geral dos incidentes da instância: 293.º/2). Em termos
sistemáticos, esta solução não é, no entanto, muito coerente: se uma semelhante defesa pessoal for
deduzida contra o autor originário na contestação e se o processo não comportar réplica nos
termos do 584.º, a resposta daquela parte só pode acontecer na audiência prévia ou,
subsidiariamente, na audiência final (3.º/4).
A intervenção principal espontânea também pode ser autónoma: o interveniente formula, até
ao termo da fase dos articulados, a sua própria petição, se pretender intervir como autor, ou
contesta a pretensão do autor, se pretender intervir como réu (314.º). Por exemplo: (i) A, B e C são
credores de D de 60000; D nega a dívida; A demanda D por 20000; no decurso do processo, C e
D podem espontaneamente vir tentar cobrar as suas parcelas no crédito, entrando para a posição
de autores ao lado de A; (ii) E é credor de uma dívida solidária de F, G e H; E demanda F; G e H
podem intervir como réus, procurando demonstrar que o crédito alegado por E não existe.
O interveniente principal autónomo faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do
réu, através da apresentação de um articulado próprio (314.º). Ambas as partes primitivas podem
responder à intervenção requerida pelo terceiro (315.º/1). Se a intervenção for admitida, seguem-
se os demais articulados (315.º/1): à petição inicial do interveniente segue-se a contestação do
réu, mas, em regra, à contestação desse interveniente, não se segue a réplica (584.º).
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intervenção dos demais (535.º/1 CC); (ii) numa acção que tem por objecto o pagamento de uma
dívida comunicável, foi demandado apenas um dos cônjuges; o demandante pode promover a
intervenção do outro (34.º/3; 1695.º/1 CC).
Esta intervenção pode ser provocada por qualquer das partes até ao termo da fase dos
articulados ou até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por
não se encontrar em juízo determinada pessoa (318.º, n.º 1, al. a)).
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discutir no processo apenas o direito de regresso invocado pelo demandado inicial contra o
interveniente (317.º/2).
3. Oposição
3.1. Generalidades
a) A noção de oposição pode ser extraída do disposto no 333.º/1: estando pendente uma
causa entre duas ou mais, pode um terceiro intervir nela como opoente para fazer valer um direito
próprio, incompatível com a pretensão do autor ou do reconvinte. A oposição pode ser definida
como a intervenção que dá origem a um litisconsórcio recíproco, material e formal. Enquanto na
intervenção principal o interveniente se litisconsorcia com uma das partes primitivas e se opõe à
outra (312.º), na oposição o interveniente opõe-se a ambas as partes (333.º/1).
A oposição assegura uma tutela do terceiro contra a “usurpação de direitos que lhe
pertencem”. Exemplos: (i) A reivindica x a B; C, que se considera proprietário de x, pode intervir
nesta acção como terceiro opoente, reivindicando x para si; (ii) D propõe uma acção contra E,
pedindo o cumprimento de um crédito; F pode intervir como opoente, alegando que a cessão do
crédito que fez para D é inválida e que, portanto, continua a ser o credor. Em geral, o opoente
pede contra o autor a apreciação de um facto e contra o réu a condenação numa prestação.
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A oposição pode ser espontânea (333.º/1) ou provocada pelo réu, quando esta parte esteja
pronta a satisfazer a prestação, mas tenha conhecimento de que um terceiro se arroga ou pode
arrogar-se direito incompatível com o do autor (338.º).
a) No caso da oposição espontânea, o opoente deduz a sua pretensão por meio de petição
(334.º) e assume a posição de parte principal (335.º/1), podendo verificar-se:
− Se alguma das partes da causa principal reconhecer o direito do opoente, o processo
segue apenas entre a outra parte e o opoente (337.º/1);
− Se ambas as partes impugnarem o direito do opoente, a instância segue entre as
partes, havendo neste caso duas causas conexas, uma entre as partes primitivas e
outra entre o opoente e aquelas (337.º/2).
b) A parte que reconhecer o direito do opoente é excluída da acção (337.º/1), porque o litígio
se verifica apenas entre a outra parte e o opoente. O reconhecimento pode ser realizado pelo
primitivo autor, mas a situação mais comum é aquela em que é o réu que reconhece o direito do
opoente. Exemplo: o devedor demandado numa acção de cobrança de dívida reconhece que o 3º
é o verdadeiro credor; a acção continua apenas entre o primitivo autor e o opoente, para se
determinar qual deles é o credor da prestação do réu.
O objecto deste segundo processo é distinto do objecto do primeiro processo entre o autor e
o primitivo réu. Nele, o primitivo autor pede que o opoente o reconheça como titular do direito.
Normalmente, o opoente não pretende obter uma decisão de improcedência (que determina
apenas que o primitivo autor não é o titular), mas antes uma decisão de condenação desse
primitivo autor a reconhecer a sua titularidade do direito. Para isso, o opoente tem de formular um
pedido de tipo reconvencional contra o primitivo autor.
Muito frequentemente, este segundo processo termina com decisão que reconhece uma
das partes (primitivo autor ou opoente) como titular do direito. Não se pode excluir que processo
finde com uma decisão de improcedência: nenhuma das partes é reconhecida como titular.
O réu pode estar disposto a satisfazer a prestação que lhe é exigida pelo autor, mas
conhecer de que um terceiro se arroga ou pode arrogar‐se de um direito incompatível com o da
parte: aqui o réu pode requerer, dentro do prazo, que o terceiro seja citado para deduzir,
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4. Intervenção acessória
4.1. Noção
A intervenção acessória pode definir-se como a intervenção de uma parte acessória. A parte
acessória é alguém que pode ser atingido pela decisão da causa e que, por isso, auxilia uma das
partes principais a evitar que uma decisão desfavorável venha a ser proferida.
Não é difícil distinguir entre a intervenção acessória e a intervenção principal adesiva. A
diferença entre ambas reside tanto nos pressupostos, como no resultado: a intervenção acessória
pressupõe que o interveniente é titular de uma situação subjectiva dependente daquela que
constitui o objecto do processo (321.º/1, e 326.º/1) e conduz à entrada de uma parte acessória na
ação (323.º/1, e 326.º/1); a intervenção adesiva requer que o interveniente seja titular de uma
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tenha praticado (porque a não prática do acto pelo assistido preclude, de vez, a sua realização). A
assistência não afecta os direitos das partes principais, que podem livremente confessar, desistir
ou transigir, findando em qualquer destes casos a intervenção (331.º).
O assistente não é uma parte principal, pelo que não pode formular pedidos para defesa
dos seus interesses próprios (não pode, por exemplo formular um pedido reconvencional: 266.º/1),
nem contra ele podem ser formulados quaisquer pedidos. Pela mesma razão, o assistente não
pode desistir, confessar ou transigir sobre o objecto da causa (283.º) e também não pode acordar
com a contraparte do seu assistido sobre a alteração do pedido ou da causa de pedir (264.º). No
entanto, o assistente pode depor como parte (455.º), pelo que está impedido de depor como
testemunha (496.º).
Se o assistido for revel, o assistente é considerado como seu substituto (329.º). Isto significa
que o assistente passa a assumir a posição de parte principal e que, se ainda houver prazo para a
apresentação da contestação, o assistente pode contestar a acção.
c) A assistência cessa com a extinção da instância. Além disso, por analogia com o 285º/2,
quanto à desistência da instância pela principal, o assistente pode desistir da sua intervenção.
Esta desistência não tem nenhum efeito retroativo, pelo que permanecem eficazes os actos
anteriormente praticados pelo assistente.
Ao contrário do que sucede quanto ao falecimento ou extinção de uma principal (269.º/1,
a)), a morte ou extinção do assistente não conduz à suspensão da instância. Ninguém se pode
habilitar a ocupar a posição de um assistente falecido ou extinto.
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pedir a E o preço que pagou e a indemnização a que se refere o 898.º CC; E tem assim interesse
em que D ganhe o pleito, pelo que D pode provocar a sua intervenção em juízo.
b) O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, se o réu não quiser contestar, no
prazo em que aquela devia ser apresentada (322.º/1). O chamamento só é deferido quando o juiz
entenda que a intervenção do terceiro não perturba indevidamente o normal andamento do
processo e quando se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua dependência das
questões a decidir na causa principal (322.º/2). A intervenção do chamado circunscreve-se à
discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso (321.º/2), mas esse
chamado pode contestar a acção e passa a beneficiar do estatuto de assistente (323.º/1). O
chamado fica vinculado ao caso julgado da decisão da causa nos mesmos termos do assistente
(323.º/4).
O chamamento interrompe a prescrição do direito de regresso do réu contra o terceiro, pois
que a citação deste mostra a intenção do réu de vir a exercer esse seu direito (323.º/1, CC).
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5. Intervenções inominadas
Além destes casos de intervenções de terceiros, ainda conta a lei processual com outras
hipóteses em que se verifica igualmente a entrada de um novo sujeito no processo para nele
defender os seus interesses na posição de parte: é o caso do disposto nos 741.º/2, 742.º/1, e
786.º/1.
Se as partes puderem e quiserem fazer terminar a instância por uma transacção judicial,
podem, se isso lhes convier, alargar o objecto da transacção objectivamente para fora do pleito, e
subjectivamente a outras pessoas, ainda que não partes na causa. Essas pessoas intervêm no
processo unicamente para transigirem, pelo que, quanto a elas, a transacção é extrajudicial. Não há
nenhuma razão que se oponha a que a transacção judicial resolva litígios ultra petita (264.º) e para
além das partes iniciais do processo.