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J. de Castro Mendes/M.

Teixeira de Sousa

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I. ELEMENTOS INTRODUTÓRIOS

§ 1.º Noções preliminares

I. Processos jurisdicionais
1. Necessidade do processo
A necessidade do processo civil resulta de duas vicissitudes que afectam as situações
subjectivas atribuídas pela ordem jurídica: a dúvida sobre a sua titularidade e a sua violação pelos
não titulares. Dúvida e violação são as grandes razões da necessidade do processo civil. Esta
dualidade de fundamentos corresponde à dualidade de tipos básicos de processo civil, o processo
declarativo, pelo qual se esclarecem dúvidas sobre situações subjectivas (art. 10.º, n.º 1 a 3), e o
processo executivo, pelo qual se reparam violações de direitos subjectivos (art. 10.º, n.º 1 e 4).

2. Elementos do processo
O processo é a sequência de actos destinados à apreciação de uma pretensão formulada
por uma parte contra outra, mediante a intervenção de um tribunal. Elementos desta definição de
processo são, portanto, os seguintes: como estrutura, uma sequência de actos; como objecto,
uma pretensão; como sujeitos, o tribunal e as partes; como meio, a justiça pública; como fim, a
tutela de uma pretensão.

3. Modalidades do processo
3.1. Enunciado geral

A tradicional tripartição do processo em civil, penal e administrativo tem de ser completada,


nos tempos actuais, com uma referência ao processo de trabalho, ao processo fiscal e, num plano
mais limitado, ao processo constitucional. Assim, em concreto:
− O processo civil é regulado pelo Código de Processo Civil;
− O processo penal, pelo Código de Processo Penal;
− O contencioso administrativo, pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
− O processo de trabalho, pelo Código de Processo do Trabalho;
− O processo fiscal, pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário;
− O processo constitucional, pela Lei do Tribunal Constitucional;

3.2. Processo civil

a) O processo civil é o ramo processual que corresponde ao direito civil e ao direito


comercial, pelo que tem como objecto situações subjectivas civis ou comerciais. O processo civil
compartilha com o processo penal e o processo do trabalho a competência dos tribunais judiciais
(art. 211.º, n.º 1, CRP).
O âmbito do processo civil acompanha a distinção entre a tutela dos direitos e interesses
legalmente protegidos a que se refere o art. 20.º, n.º 1, CRP e a tutela dos interesses difusos a
que se reporta o art. 52.º, n.º 3, CRP. Quanto à tutela destes interesses difusos, importa referir que
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ela é realizada através de uma acção popular, que pode ser, atendendo ao seu objecto, uma
acção popular administrativa (art. 12.º, n.º 1, LPPAP) ou uma acção popular civil (art. 12.º, n.º 2,
LPPAP). Esta última pertence à competência dos tribunais judiciais e é regulada pelo direito
processual civil.

b) De molde a assegurar a tutela das situações subjectivas privadas, o processo civil


comporta (art. 2.º, n.º 2):
− O processo declarativo, que é o processo destinado a obter a apreciação, a satisfação
ou o exercício de situações subjectivas (art. 10.º, n.º 2 e 3);
− O processo executivo, que é o processo destinado à satisfação efectiva de situações
subjectivas violadas (art. 10.º, n.º 1 e 4);
− Os procedimentos cautelares, que são os procedimentos destinados a acautelar o
efeito útil da acção e da decisão que nela venha a ser proferida (art. 2.º, n.º 2 in fine).

4. Meios alternativos
4.1. Generalidades

a) A eles se refere o art. 202.º, n.º 4, CRP como os instrumentos e formas de composição
não jurisdicional de conflitos. Nestes meios de resolução de conflitos há que destacar os
seguintes:
− A negociação, que é uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios de carácter
cooperativo, em que os litigantes se empenham, através de um trabalho conjunto, na
obtenção de um acordo;
− A mediação realizada por entidades públicas ou privadas, através do qual duas ou
mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência
de um mediador (art. 2.º, al. a), LM); este mediador é um terceiro, imparcial e
independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na
tentativa de construção de um acordo final sobre o objecto do litígio (art. 2.º, al. b),
LM);
− A conciliação, de carácter interactivo, em que os litigantes são levados a aceitar, de
forma voluntária, uma solução proposta por um terceiro; a conciliação pode conduzir à
celebração de uma transacção (art. 290.º, n.º 4; cf. art. 1248.º, n.º 1, CC);
− A arbitragem, de carácter contencioso, em que um ou mais árbitros proferem uma
decisão destinada a resolver o litígio entre as partes.
Por vezes, os meios alternativos de resolução de conflitos são combinados.

b) O processo civil continua a ser uma forma de resolução de litígios insubstituível em


muitas áreas – nomeadamente naquelas que respeitam à definição dos estados pessoais – e tem
de continuar a ser reservado para todas aquelas situações em que as partes não querem recorrer
a um meio alternativo ou em que o recurso a esse meio se mostrou infrutífero.
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4.2. Momento da mediação

A mediação pode ser pré-judicial ou pós-judicial:

– As partes podem, previamente à apresentação de qualquer litígio em tribunal, recorrer


a sistemas de mediação para a resolução de litígios (art. 13.º, n.º 1, LM); se da
mediação resultar um acordo, as partes podem requerer a sua homologação por um
juiz (art. 14.º, n.º 1, LM);
– Sempre que o entenda conveniente e não havendo oposição de nenhuma das partes, o
juiz pode determinar a remessa do processo para mediação (art. 273.º, n.º 1; as partes
podem também acordar em resolver o litígio por mediação (art. 273.º, n.º 2); nesta
hipótese, se for alcançado acordo na mediação, o mesmo é remetido ao tribunal, para
que este o possa homologar (art. 273.º, n.º 5).

II. Fontes do processo civil


2. Legislação primária
As principais fontes do direito processual civil são:
− A Constituição da República Portuguesa, em especial os seus art. 2.º (elementos do
Estado de direito democrático), 13.º (princípio da igualdade), 18.º (força jurídica dos
preceitos constitucionais relativos aos direitos, liberdades e garantias), 20.º (acesso ao
direito e tutela jurisdicional efectiva) e 205.º (fundamentação das decisões dos
tribunais);
− O Código de Processo Civil

3. Legislação complementar
3.1. Organização judiciária

O direito processual civil é aplicado nos tribunais judiciais, pelo que ele é necessariamente
completado pela legislação sobre a organização judiciária, em especial:
− A Constituição da República Portuguesa, em especial os art. 202.º a 220.º;
− A LOSJ;
− A Lei que regula a competência, a organização e o funcionamento dos julgados de
paz.

3.2. Formas de processo

Alguma legislação avulsa regula outras formas de processo, além das previstas no Código de
Processo Civil. Importa destacar a seguinte legislação:

– O DL 269/98, de 1/9: aprova os regimes da acção declarativa especial para


cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e da injunção;
– O DL 32/2003, de 17/2: estabelece o regime especial relativo aos atrasos de
pagamento em transacções comerciais;
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3.3. Outra legislação

De entre a mais importante legislação complementar ao Código de Processo Civil, importa


destacar a seguinte:

– A L 34/2004, de 29/7 1, o DL 71/2005, de 17/3, a P 1396/2004, de 10/11, a P


10/2008, de 3/12, e a P 11/2008, de 3/1: regulam o acesso ao direito e aos tribunais;
– O Regulamento das Custas Processuais (DL 34/2008, de 26/2) 3;
– A L 63/2011, de 14/12: regula a arbitragem voluntária;
– A L 29/2013, de 19/4: estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada
em Portugal, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos
mediadores e da mediação pública.

4. Fontes europeias
O chamado Direito Processual Civil Europeu é o direito processual civil internacional que é
regulado por fontes europeias e aplicável nos Estados-membros da União Europeia. As suas
fontes são as seguintes:
− A Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 29 de Junho de
2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas
transacções comerciais4;
− O Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, relativo à
competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil
e comercial5;
− O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003, relativo
à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial
e em matéria de responsabilidade parental
− O Acordo entre a Comunidade Europeia e o Reino da Dinamarca relativo à
competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil
e comercial6; na sequência daquele Acordo, a Decis. 2006/325/CE7 alargou à
Dinamarca as disposições do Regulamento (CE) n.º 44/2001 e a Decis. 2006/326/CE 8

1
Alterada pela L 47/2007, de 28/8.
2
Alterada pela P 210/2008, de 29/2.
3
Alterado pela L 43/2008, de 27/8, pelo DL 181/2008, de 28/8, pela L 64 -A/2008, de 31/12 , pelo DL
52/2011, de 13/4, pela L 7/2012, de 13/2, e pelo DL 126/2013, de 30/8.
4
JO L 200, de 8/8/2000.
5
JO L 12, de 16/1/2001; rectificação: JO L 307, de 24/11/2001; o Reg. 44/2001 foi alterado pelo Acto relativo
às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da
Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da
República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia
(JO L 236, de 23/9/2003), pelo Reg. 1791/2006 (JO L 363, de 20/12/2006) e pelo Reg. 1103/2008 (JO L 304,
de 14/11/2008); os anexos do Reg. 44/2001 foram alterados pelo Reg. 1496/2002 (JO L 225, de 22/8/2002),
pelo Reg. 1937/2004 (JO L 334, de 10/11/2004), pelo Reg. 2245/2004 (JO L 381, de 28/12/2004), pelo Reg.
280/2009 (JO L 93, de 3/4/2009), pelo Reg. 156/2012 (JO L 50, de 23/2/2002) e pelo Reg. (UE) 566/2013 (JO L
167, de 19/6/2013).
6
JO L 299, de 16/11/2005.
7
JO L 120, de 5/5/2006.
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estendeu àquele Estado o Regulamento (CE) n.º 1348/2000; posteriormenteas


disposições deste Regulamento passaram a ser aplicáveis à Dinamarca.
− O Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de
dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução
de decisões em matéria civil e comercial;
− O Regulamento (EU) n.º 524/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de
maio de 2013 sobre a resolução de litígios de consumo em linha, que altera o
Regulamento (CE) n.º 2006/2004 e a Diretiva 2009/22/CE (Regulamento RLL).
Num outro plano importa ainda referir o Regulamento (CE) n.º 664/2009 do Conselho de 7
de Julho de 2009, que estabelece um procedimento para a negociação e a celebração de acordos
entre Estados-membros e países terceiros relativamente à competência, ao reconhecimento e à
execução de sentenças e decisões em matéria matrimonial, de responsabilidade parental e de
obrigações de alimentos, bem como à lei aplicável em matéria de obrigações de alimentos.

5. Fontes internacionais
O Direito Processual Civil Internacional possui algumas importantes fontes internacionais.
Das convenções internacionais multilaterais relativas ao Direito Processual Civil Internacional de que
Portugal é parte salientam-se as seguintes:

– Sobre imunidades diplomáticas e consulares: Convenção sobre Relações Diplomáticas


(Viena, 18/4/1961);
– Sobre competência internacional: Convenção Relativa à Competência Judiciária, ao
Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (Convenção de
Lugano II) (Lugano, 30/10/2007)9:

III. Direito processual civil


1. Noção
O direito processual civil é o conjunto de princípios e de regras jurídicas que regulam o
processo civil.

2. Características gerais
2.1. Direito público

A natureza pública do direito processual civil advém da sua estreita ligação com a função
jurisdicional. Partindo do conceito de função jurisdicional como o poder estadual de administração
da justiça (art. 202.º, n.º 2, CRP), é fácil verificar como a presença de um órgão jurisdicional – o
tribunal – coloca em planos distintos as duas classes de sujeitos processuais: o tribunal e as
partes.

8
JO L 120, de 5/5/2006; a Decis. 2006/326/CE foi alterada pela Decis. 2009/942/CE (JO L 331, de
16/12/2009).
9
JO L 147, de 10/6/2009; rectificação: JO L 115, de 5/5/2011; Decis. 2009/430/CE (JO L 147, de 10/6/2009);
as dúvidas sobre a competência da Comunidade para celebrar a CLug II foram dissipadas pelo Tribunal de
justiça: cf. TJ 7/2/2006 (Parecer 1/03).
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O tribunal encontra-se numa posição de supra-ordenação, correspondente à sua posição de


ius imperii, órgão perante o qual as partes pretendem obter a tutela jurisdicional para os seus
interesses. Deste modo, segundo o chamado critério da posição dos sujeitos na relação jurídica
(ou processual) o direito processual civil é direito público.

2.2. Direito adjectivo

O direito processual civil é frequentemente qualificado como direito adjectivo, isto é, como
um ramo do direito que regula um elemento acessório – a garantia – das relações substantivas.
Como referia BENTHAM (1748-1832), “o que a lei substantiva promete aos cidadãos, a lei adjectiva
assegura-lhes os meios de o obter”. É ainda nesta acepção que hoje se emprega frequentemente a
expressão “direito adjectivo” para qualificar o direito processual, em confronto com o direito
substantivo ou direito material, que é o direito que fornece o critério de decisão utilizado pelo
tribunal na apreciação da causa.
Com esta ideia apenas se quer vincar uma característica que historicamente motivou a
génese do processo e que normalmente está presente na decisão da causa. No entanto, nem toda a
sentença tem este aspecto de mera sequela ou garantia do direito. Por vezes, a decisão contém
elementos essenciais – como o prazo para a realização da prestação ou o montante atribuído a
título de indemnização de danos – que o juiz fixa ou determina, ele próprio, sem os receber do
direito substantivo. Outras vezes, a decisão do litígio surge no próprio processo, como sucede no
caso da transacção (cf. art. 1248.º, n.º 1, CC; art. 283.º, n.º 1) ou da decisão segundo critérios de
equidade (cf. art. 4.º, al. a) e b), CC).

2.3. Direito instrumental

a) A instrumentalidade do direito processual civil é uma consequência directa da sua função


específica de tutela de situações subjectivas. Dado que compete ao direito processual civil
estabelecer os meios adequados à tutela jurídica dos direitos subjectivos, dos interesses
legalmente protegidos e dos interesses difusos atribuídos pelo direito privado, pode afirmar-se que
estes direitos e interesses são servidos pela lei processual, pelo que esta lei surge como
instrumental em relação àqueles direitos e interesses. Assim, por exemplo, se o devedor não
cumprir a sua prestação, o credor usa da faculdade de, através dos meios processuais, conseguir
a condenação do devedor (art. 10.º, n.º 3, al. b)) e de obter o pagamento coercivo da dívida (art.
817.º CC).

b) A função instrumental do direito processual significa que este serve de meio de tutela do
direito material. Disto não decorre, no entanto, que, nessa sua função, ele não possa utilizar meios
próprios. Por exemplo: o direito material reconhece o direito de propriedade; mas é estranho ao
direito material um direito à declaração da propriedade (e, mais ainda, um direito à declaração da
inexistência da propriedade); em contrapartida, o direito processual civil conhece um meio para
declarar a existência ou inexistência de um direito: é a chamada acção de simples apreciação (art.
10.º, n.º 3, al. a)). Portanto, da instrumentalidade processual decorre uma ligação funcional entre o
direito processual civil e o direito material, mas não uma pré-definição pelo direito material dos
meios a serem utilizados pelo direito processual civil.
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Convém acentuar que, para além desta função instrumental do direito processual perante o
direito substantivo, nem sempre é fácil distinguir entre o direito processual e o direito substantivo:
dificuldades evidentes suscitam-se quanto a regras constantes de legislação substantiva com uma
previsão processual (como é o caso, por exemplo, das regras constantes dos art. 323.º e 327.º CC)
ou quanto a regras com a mesma origem que só podem ter uma aplicação processual (como é o
caso das regras sobre a repartição do ónus da prova).

c) Como afirmou CAPPELLETTI (1927-2004): “O direito processual civil não é […] um fim em si
mesmo, antes é um instrumento para o fim da tutela do direito substantivo, público e privado; em
suma, ele está, por assim, dizer, ao serviço do direito substantivo, do qual tende a garantir a
efectividade, ou seja, a observância, e, para o caso da inobservância, a reintegração”. No seu
sentido negativo, a instrumentalidade do processo significa que ele “não é fim em si mesmo” e que,
por isso, as “suas regras não têm valor absoluto que sobrepuje as do direito substancial”; neste
sentido negativo, a instrumentalidade obsta a que o processo se constitua em obstáculo à
realização da justiça; no seu sentido positivo, a instrumentalidade do processo reporta-se à
efectividade do processo, “entendida como capacidade de exaurir os objectivos que o legitimam no
contexto jurídico-social e político”; neste sentido positivo, a instrumentalidade impõe que o
processo se torne um meio de realização da justiça.
d) Não é sempre idêntica a posição dos direitos subjectivos, dos interesses legalmente
protegidos e dos interesses difusos perante o direito processual. Imagine-se, por exemplo, que
alguém pretende estabelecer a sua paternidade; só o pode fazer através de uma acção (art. 1869.º
CC). Verifica-se assim que, se normalmente a instrumentalidade do direito processual civil é
sinónima de secundariedade na satisfação do direito subjectivo ou no respeito do interesse
legalmente protegido ou do interesse difuso, pois que, em regra, o titular obtém a satisfação do
seu crédito ou o respeito do seu interesse sem o recurso às vias jurisdicionais, circunstâncias há em
que o recurso à actividade jurisdicional é o meio indispensável, porque único, para o exercício de
um determinado direito subjectivo. Em contraposição a uma instrumentalidade acessória, que
abrange as situações como a do credor perante o seu direito de crédito, pode, por isso, falar-se de
uma instrumentalidade primária, para englobar as eventualidades em que o direito subjectivo é de
exercício necessariamente jurisdicional.

4. Valores processuais
No entanto, o direito processual civil opera com valores próprios dos actos processuais,
nomeadamente a admissibilidade, a relevância e a concludência:
− O acto é admissível quando preencha os pressupostos necessários para que o
tribunal se pronuncie sobre o que nele é pedido;
− O acto é relevante quando o seu conteúdo contenha matéria de facto ou de direito
pertinente para a decisão da causa;
− O acto é concludente quando fornece todos os elementos que são necessários para
que o que nele é pedido possa ser considerado procedente;
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§ 2.º Objecto do processo civil

I. Generalidades
1. Relevância
Todo o processo tem de ter um objecto. Este objecto é relevante para, entre outros, os
seguintes efeitos:
− A determinação do valor da causa (296.º, n.º 1), o que, por sua vez, releva para a
determinação do tribunal competente, a forma do processo de execução comum e
ainda a admissibilidade do recurso ordinário (296.º, n.º 2);
− A delimitação do âmbito do conhecimento do juiz da causa (609.º, n.º 1);
− A aferição da legitimidade das partes (30.º a 34.º) e das excepções de litispendência e
de caso julgado (580.º e 581.º).

3. Orientação jurídica
O conceito de processo implica o do seu objecto: a matéria ou o assunto de que o processo
trata, aquilo que também se chama o mérito ou o fundo da causa (art. 97.º, n.º 1, 278.º, n.º 3,
320.º, 571.º, n.º 2, 576.º, n.º 2, 590.º, n.º 2, al. c), 591.º, n.º 1, al. b), e 2, 595.º, n.º 1, al. b), 619.º,
n.º 1, e 644.º, n.º 1, al. b)), 671.º, n.º 1, e 985.º, n.º 1). Ora, esse objecto, quando perspectivado
numa óptica jurídica, pode ser configurado de dois modos distintos:
− Uma relação jurídica, a chamada relação jurídica subjacente, controvertida ou
material; no caso do processo civil, uma relação jurídica privada não laboral;
− Uma pretensão concreta, processualizada e fundamentada.

II. Relação jurídica subjacente


1. Apresentação
Pode entender-se que o processo tem por objecto uma relação jurídica, relação jurídica
subjacente, controvertida ou material (30.º, n.º 3).

Em certos casos, não se descortina com facilidade a relação jurídica substantiva ou material
que é objecto do processo. Suponha-se, por exemplo, que E vendeu a F o objecto x; mas que,
tendo reconhecido ter sido enganado por F com dolo, quer anular a venda; E instaura uma acção de
anulação contra F (cf. art. 254.º e 287.º CC). Esta acção não tem imediata ou directamente por
objecto as relações jurídicas emergentes da compra e venda, pois nela discute-se a anulação do
contrato. No entanto, a doutrina civilista fala, neste caso, no direito potestativo a anular o contrato
e na correspondente posição passiva de sujeição: estaria aí a relação subjacente ou material. Nas
mesmas condições está a acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (art. 1779.º a
1785.º CC): não são as relações matrimoniais (de que o art. 1672.º CC foca o lado passivo) que são
o objecto do processo, mas a relação constituída pelo direito ao divórcio (art. 1779.º CC), que se
configura como um direito potestativo, e pela correspondente posição passiva, que é uma sujeição.
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III. Pretensão fundamentada


1. Generalidades
As dificuldades decorrentes da concepção do objecto do processo como uma relação
material controvertida impõem a recondução desse objecto a uma pretensão concreta,
processualizada e fundamentada. A própria lei refere-se, em alguns preceitos, à “pretensão” como
objecto do processo: é o que sucede, a título de exemplo, nos art. 2.º, n.º 1, 314.º, 326.º, n.º 2,
333.º, n.º 1, 334.º, 338.º, 339.º, 344.º, n.º 2, 536.º, n.º 2, al. a) e b), e 4, 542.º, n.º 2, al. a), 572.º, al.
b), 581.º, n.º 4, 625.º, n.º 1, 921.º, n.º 1, e 922.º, n.º 3.

2. Características da pretensão
2.1. Concretização da pretensão

a) A pretensão apresentada em tribunal tem de ser concreta. Não basta à parte que recorre
ao tribunal apresentar a este órgão uma situação subjectiva carecida de tutela, afirmando o seu
interesse como juridicamente tutelado e pedindo ao tribunal que conceda a tutela requerida. A
pretensão daquele que recorre ao tribunal não pode ser assim indeterminada (do tipo “protejam o
meu interesse!”).

b) A necessidade de concretizar a pretensão traduz-se na circunstância de o pretendente


dever indicar ao tribunal a forma e a medida de tutela que retira da ordem substantiva para o seu
direito à prestação – pretensão material –, e, bem assim, na de dever indicar ao tribunal o tipo de
decisão que pretende obter em seu favor – pretensão processual. Assim, não basta ao autor num
processo dizer (pretensão material): “Sou credor, faça o tribunal o que for necessário para o meu
crédito ser satisfeito” ou ”Sou proprietário, proteja o tribunal, como entender, o meu direito de
propriedade”; essa parte tem de concretamente pedir (pretensão processual): “Sou credor,
condenem o devedor”, “Sou credor, executem o património do devedor”, “Sou proprietário de y,
condenem o réu a restituir-me y”.
A pretensão processual é a forma de tutela que a parte pretende obter em juízo. Nem
sempre a pretensão processual se reporta a uma pretensão material, isto é, exigir uma acção ou
omissão. Em certos casos, a pretensão processual decorre de um direito potestativo; por exemplo:
a parte alega a anulabilidade do NJ e requer a sua anulação pelo tribunal. Noutros casos, a
pretensão processual não decorre de nenhum direito subjectivo; por exemplo: a parte alega que
não é devedor do réu e requer a declaração desse facto ou invoca que é proprietário de um bem e
requer a declaração do respetivo direito de propriedade.

2.2. Fundamentação da pretensão

a) A pretensão tem de ser fundamentada. A lei exige que o autor indique o facto jurídico de
que decorre a pretensão que deduz em juízo (art. 581.º, n.º 4) ou os factos que servem de
fundamento à ação: é o que se designa por causa de pedir (art. 186.º, n.º 2, e 552.º, n.º 1 al. d)).
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Se a causa de pedir parecer fundada ao tribunal, este acolherá o pedido; se não, rejeitá-lo-á – mas
rejeitá-lo-á, note-se, na medida em que resulta dessa causa de pedir e só nessa medida, podendo
o autor, mais tarde, repetir o pedido, se o basear em diversa causa petendi (art. 580.º, n.º 1).
Assim, se A pretende contra B a declaração judicial de ser proprietário de x, tem de fundamentar o
seu pedido numa causa constitutiva da propriedade (a compra, por exemplo); caso ganhe, fica
declarado proprietário com base nesse fundamento; se perder, pode repetir a acção declarativa de
propriedade, invocando outra causa de pedir (a usucapião).

b) A fundamentação da pretensão permite distinguir uma pretensão de outra pretensão: dois


fundamentos distintos individualizam duas pretensões distintas. É claro que, por exemplo, dois
contratos de compra e venda distintos permitem formular duas pretensões, igualmente distintas,
de pagamento do preço ou que dois acidentes de viação distintos justificam a dedução de duas
pretensões indemnizatórias igualmente distintas.

3. Pedido
À pretensão deduzida em juízo, quando determinada materialmente (“Sou credor”, “Sou
proprietário”) e processualmente (“O tribunal condene”, “O tribunal execute”, “O tribunal arreste” ou
ainda “O tribunal embargue”), chama-se pedido (art. 186.º, n.º 2, al. a) e b), e 552.º, n.º 1, al. e)).

§ 3.º Sujeitos processuais

I. Generalidades
Os sujeitos processuais são o tribunal e as partes. Estes sujeitos são os titulares da relação
processual, que é uma relação triangular constituída pelo tribunal e pelas duas partes (uma activa
e outra passiva). A relação processual coincide com a instância a que se reportam nomeadamente
os art. 292.º a 361.º, respeitantes a diferentes estádios dessa relação (como o começo, a
suspensão e a extinção) e aos incidentes que nela podem verificar-se.
A relação processual é a relação entre o juiz e as partes, que se inicia com a propositura da acção e
que se extingue com a decisão final; dado que essa relação é dinâmica, nelas formam-se
constantemente novas situações jurídicas, porque, de acordo com os actos do tribunal e do juiz que
vão sendo praticados em juízo, alteram-se permanentemente as expectativas das partes quanto à
obtenção de uma decisão favorável ou desfavorável. Por exemplo: quando o autor propõe a acção,
ele tem, naturalmente, a expectativa de obter uma decisão favorável; esta expectativa pode
diminuir após a contestação do demandado, mas aquela expectativa do demandante pode voltar a
aumentar após a realização da prova pelo demandado (que, correlativamente, pode ver diminuir as
expectativas a uma decisão favorável que tinha adquirido após a apresentação da contestação).

II. Tribunal
1. Características do tribunal
Os órgãos especificamente investidos na função de tutela de situações jurídicas chamam-se
tribunais. O art. 202.º, n.º 1, CRP contém uma definição de tribunal: os tribunais são os órgãos de
soberania com competência para administrar justiça em nome do povo.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2. Função jurisdicional
2.1. Âmbito da função

À função do Estado, desempenhada pelos tribunais e que tem por finalidade a composição
de conflitos de interesses, impondo a aceitação da hierarquização dos respectivos interesses e
vencendo para isso toda a resistência, dá-se o nome de jurisdição ou função jurisdicional; ao
poder correlativo, o de poder jurisdicional. Na “jurisdição”, abrange-se tanto o poder de declarar ou
dizer o direito (como é realizado no processo declarativo), como o de impor coercivamente o
direito para reparação de violações (que é a finalidade do processo executivo).

2.2. Reserva de jurisdição

As relações entre os tribunais e a jurisdição podem ser de vários tipos. Em princípio, só os


tribunais estaduais podem exercer a jurisdição: é a chamada reserva da função jurisdicional, com
expressão nos art. 111.º, n.º 2, e 202.º, n.º 1, CRP.
No entanto, importa ter presente que a função jurisdicional pode ser exercida por tribunais
arbitrais (art. 209.º, n.º 2, CRP). A arbitragem pode ser voluntária, se resultar de uma convenção de
arbitragem celebrada pelos interessados, ou necessária, se for imposta pela lei (art. 1525.º a
1528.º): é o que sucede, por exemplo, na fixação do valor da indemnização por expropriação (art.
38.º, n.º 1, CExp).

3. Poderes do tribunal
3.1. Deveres funcionais

A actividade do tribunal assenta, quase sempre, em poderes-deveres, isto é, em poderes


que devem ser exercidos pelo tribunal de molde a assegurar a melhor administração da justiça. É
assim que, por exemplo, o tribunal tem o dever de gerir o processo (6.º, n.º 1), de cooperar com as
partes (7.º, n.º 1) e de proferir a decisão (152.º, n.º 1).

3.2. Poderes discricionários

Por vezes, a actividade do juiz assenta num poder discricionário: é o que ocorre quando o
critério de decisão é, segundo a definição legal do art. 152.º, n.º 4, o "prudente arbítrio". Ao
contrário do dever (que não pode deixar de ser exercido, sob pena de nulidade processual
(195.º/1), o poder discricionário pode ser exercido ou não exercido, de acordo com o “prudente
arbítrio” do juiz. É o que acontece nas situações previstas nos art. 37.º, n.º 2, 266.º, n.º 5
(admissibilidade da reconvenção interveniente).
Por vezes, o legislador fixa os pressupostos do exercício desse "prudente arbítrio", como
sucede, por exemplo, no art. 37.º, n.º 2 (interesse relevante ou justa composição do litígio), nos
art. 264.º e 266.º, n.º 5 (perturbação inconveniente na instrução, discussão e julgamento do pleito),
no art. 322.º, n.º 2 (perturbação indevida do normal andamento do processo).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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4. Actividade do tribunal
4.1. Decisões de mérito

Em processo declarativo, a composição do litígio resulta da sentença, a qual deixa


indiscutível a resolução da dúvida que foi posta ao tribunal. A sentença pode acolher o pedido do
autor: condenação do réu. Chama-se condenação, lato sensu, ao acolhimento do pedido do autor
em processo declarativo, seja a acção de condenação (10.º, n.º 3, al. b)), seja de natureza
diferente (10.º, n.º 3, al. a) e c)).
A sentença também pode analisar o fundo ou mérito da causa e rejeitar o pedido ou
pretensão do autor: tem então por conteúdo a absolvição do réu do pedido. A absolvição do
pedido é uma forma de composição do litígio, ainda que negativa – fica assente que o autor não
tem razão e que o seu interesse não é tutelado juridicamente do modo como pretende.

4.2. Decisões de forma

As decisões de forma são aquelas em que o tribunal não se pronuncia sobre o mérito da
pretensão do autor. Estas decisões são proferidas ao longo do processo, mas também há
decisões de forma que são finais: entre elas, cabe destacar aquelas que absolvem o réu da
instância por não se encontrar preenchido um pressuposto processual (278.º/1, 576.º/ 2, e 577.º).

III. Partes
1. Noção
Segundo uma concepção formal, as partes são as entidades que pedem ou contra as quais
é pedida em juízo a tutela de uma SJ. Em processo declarativo, as partes são designadas por
autor e réu e, no processo executivo, por exequente e executado.

2. Situações subjectivas
2.1. Enunciado

a) As situações subjectivas das partes em processo são fundamentalmente ónus e deveres:


− Os ónus são situações subjectivas cujo exercício determina a aquisição de uma
posição favorável para a parte e cujo não exercício implica uma posição desvantajosa
para essa mesma; a parte onerada pode comportar-se como entender, mas, se não
observar um comportamento que a lei considera necessário, sofre uma desvantagem;
como exemplos de ónus processuais temos o ónus da prova (342.º CC);
− As faculdades são situações subjectivas activas que permitem uma determinada
conduta da parte; faculdades das partes são, em regra, consumidos pelos respectivos
ónus, pelo que não têm autonomia perante estes; por exemplo: (i) a parte tem a
faculdade de apresentar a sua defesa; no entanto, se não contestar entra em revelia e
pode vir a obter uma decisão desfavorável (cf. art. 567.º, n.º 1); portanto, a faculdade
de contestar é consumida pelo ónus da contestação;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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− Os deveres são situações subjectivas passivas que impõem um determinado


comportamento; a parte sobre a qual recai o dever não tem qualquer opção de
comportamento e sofre uma sanção se violar o dever; como exemplo de dever
processual pode ser referido o dever de litigância de boa fé e de cooperação (8.º),
traduzido, p.ex, no dever de comparência e de esclarecimento (7.º, n.º 3), e o dever de
recíproca correcção entre as partes e perante os magistrados (9.º, n.º 1);

§ 4.º Meio do processo civil

I. Pressupostos processuais
1. Generalidades
a) O tribunal só se pode ocupar do mérito da causa quando estiverem preenchidas algumas
condições estabelecidas pela ordem processual. Assim, se um incapaz – um menor, um interdito
ou um inabilitado –, não representado legalmente em juízo, formular um pedido, o tribunal não vai
apreciar se tem razão antes de o vício ser sanado e não julga de mérito se esse vício não vier a
ser sanado: o tribunal recusa-se a julgar do fundo da causa, pois falta um requisito que a lei exige
quanto às partes, a capacidade judiciária (cf. art. 15.º, n.º 1).
As condições necessárias para o tribunal se ocupar do mérito da causa – isto é, para
proferir uma decisão de condenação ou de absolvição do réu do pedido ou para tomar as medidas
de execução contra o devedor – chamam-se pressupostos processuais.

b) Os pressupostos processuais verificam-se quanto ao tribunal e às partes – que são os


sujeitos do processo– e quanto ao objecto do processo.

2. Caracterização geral
2.1. Função dos pressupostos

a) Os pressupostos processuais tornam admissível o proferimento de uma decisão de


mérito ou a tomada de medidas coercivas contra o executado. Correspondentemente, a falta dos
pressupostos processuais torna inadmissíveis a decisão de mérito ou as medidas executivas.

b) Atendendo a esta função compreende-se que eles devam ser assegurados pelo autor da
acção que são as partes interessadas na decisão de mérito (favorável) e na satisfação efectiva do
seu direito. Incumbe a estas partes assegurar que estão preenchidos todos os pressupostos
processuais necessários para o proferimento da decisão de mérito ou para as medidas coercivas
contra o executado.
Desta afirmação resulta uma conclusão muito importante: ao réu nunca pode ser exigido o
preenchimento de nenhum pressuposto processual, porque não teria sentido que estas partes
pudessem obstar ao proferimento de uma decisão de mérito. O que decorre do afirmado é que
esses pressupostos são apenas pressupostos de actos e que a sua falta inquina somente o acto
praticado pela parte (sem impedir o proferimento de uma decisão de mérito). Por exemplo: nas
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/14

causas de valor elevado, as partes têm de estar representadas por advogado (40.º, n.º 1, al. a));
assim, não é válida a contestação apresentada, numa dessas causas, pelo próprio réu; mas o
vício inquina apenas o acto praticado, sem que possa obstar ao proferimento de uma decisão de
mérito (se obstasse, é evidente que o réu nunca constituiria advogado; não seria justo que o autor
fosse prejudicado por um acto imputável ao réu).
Mas, se é verdade que o proferimento de uma decisão de mérito nunca depende do réu, já
não é verdade que esse mesmo proferimento ou essas mesmas medidas dependem da
verificação dos pressupostos de cada um dos actos que venha a praticado pelo autor. Um
exemplo simples demonstra esta asserção: suponha-se que o patrocínio judiciário é obrigatório;
imagine-se que o autor assina, ele próprio, a réplica; a consequência é a falta de um pressuposto
de um acto processual e não a falta de um pressuposto processual. É esta distinção que justifica a
diferença de regimes estabelecida nos art. 29.º, n.º 2, 41.º e 47.º, n.º 3, al. a) e b), e que subjaz à
qualificação como excepção dilatória apenas da falta de autorização ou deliberação que o autor
devesse obter (art. 577.º, al. d)), da falta de constituição de advogado pelo autor e da falta,
insuficiência ou irregularidade do mandato por parte do mandatário que propôs a acção (577.º, al.
h)).
Há, no entanto, um acto do autor que, se não for válido, obsta ao proferimento de uma
decisão de mérito: trata-se da petição inicial do autor (art. 552.º). Portanto, o mais correcto é dizer
que todos os actos das partes estão sujeitos a determinados pressupostos e que os requisitos que
condicionam a validade da petição inicial são igualmente pressupostos processuais.

2.3. Controlo dos pressupostos

Os pressupostos processuais têm de estar preenchidos desde o início da causa e até ao


encerramento da discussão em 1.ª instância. Com excepção da competência do tribunal – que se
fixa no momento da propositura da acção (38.º, n.º 1, LOSJ) –, é relevante a falta de qualquer
pressuposto processual que ocorra até esse momento e, em princípio, irrelevante qualquer falta
que se verifique depois daquele encerramento.
O tribunal tem o dever de providenciar pelo suprimento da falta dos pressupostos
processuais e de, sempre que a sanação dependa de acto que deva ser praticado por uma das
partes, de a convidar a promover a sanação (art. 6.º, n.º 2).

2.4. Tipos de pressupostos

a) Há pressupostos processuais de dois graus diferentes. Num primeiro plano, são


pressupostos processuais a pendência da causa num tribunal, a existência de uma parte activa e
de uma parte passiva e a definição de um objecto para o processo. Se, por exemplo, faltar o
objecto do processo, se não se formular pedido algum, o tribunal não se pode pronunciar sobre
nada: no art. 186.º, n.º 2, al. a), sob a designação de “ineptidão da petição inicial”, abrangem-se
hipóteses deste tipo. Isto é, há pressupostos processuais cuja falta impede a constituição da
relação processual (ou da instância - art. 259.º).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Em segundo plano, são pressupostos processuais as condições que se devem verificar,


quanto ao tribunal, às partes e ao objecto, para o tribunal se poder ocupar do mérito da causa.
Esses requisitos (ou condições) podem ser qualidades (como a capacidade judiciária das partes,
por exemplo) ou relações entre os referidos elementos do processo (como a competência do
tribunal, que é, no fundo, uma relação tribunal-objecto, a sujeição à jurisdição portuguesa, que é
uma relação tribunal-partes, e ainda a legitimidade das partes, que é uma relação partes-objecto).

3. Excepções dilatórias
3.1. Caracterização geral

a) A falta de um pressuposto processual positivo ou a verificação de um pressuposto


processual negativo constitui o que se chama uma excepção dilatória (576.º, n.º 1 e 2, e 577.º).
Esta designação indicia o efeito da falta de preenchimento de um pressuposto processual positivo
ou o efeito do preenchimento de um pressuposto processual negativo: o tribunal não pode ocupar-
se do mérito da causa, mas pode vir a fazê-lo, num momento posterior, quando o pressuposto em
falta se encontre, respectivamente, preenchido ou não preenchido. Em concreto, perante uma
excepção dilatória, o juiz deve recusar ocupar-se do mérito da causa e deve absolver o réu da
instância ou remeter o processo para o tribunal competente (art. 576.º, n.º 2). A regra é, no
entanto, a de que as excepções dilatórias conduzem à absolvição do réu da instância, pois que
apenas a incompetência relativa determina – e, aliás, nem sempre – a remessa do processo para
o tribunal competente (art. 105.º, n.º 3).
Explicando melhor: como, pela verificação de uma excepção dilatória, é inadmissível o
conhecimento do mérito da acção, o tribunal profere uma decisão de conteúdo meramente
processual que nada define quanto à situação substantiva das. Porque a absolvição da instância
nada deixa definido quanto ao mérito da causa, ela não obsta a que seja proposta uma nova
acção entre as mesmas partes sobre o mesmo objecto (art. 279.º, n.º 1) – naturalmente, depois de
sanada a excepção dilatória que justificou aquela absolvição.

b) Apesar de a lei, no 577.º, qualificar como excepção dilatória tanto a falta de um


pressuposto processual positivo (577.º, a) a h)), como a verificação de um pressuposto processual
negativo (577.º, al. i)), não deve passar despercebida a diferença entre os correspondentes tipos
de excepção: no primeiro caso, a excepção decorre do não preenchimento da previsão de uma
regra que fundamenta a admissibilidade da acção; no segundo, do preenchimento da previsão de
uma regra que impede a admissibilidade da acção.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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3.2. Conhecimento oficioso

A generalidade das excepções dilatórias – mesmo daqueles que não constam da


enumeração (não taxativa) do art. 577.º – é de conhecimento oficioso (art. 578.º). São poucas as
excepções dilatórias de que o tribunal não pode conhecer oficiosamente: entre elas incluem-se
algumas hipóteses de incompetência e a preterição de tribunal arbitral voluntário (578.º 2.ª parte).
Nos raros casos em que as excepções dilatórias não são de conhecimento oficioso, nenhuma das
partes tem o ónus da sua invocação, isto é, qualquer das partes pode renunciar à sua invocação –
pelo que o processo é apreciado como se a excepção não se verificasse ou estivesse sanada.
Incumbe ao juiz da causa providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento das
excepções dilatórias que sejam susceptíveis de sanação, em última análise convidando as partes
a realizar os actos necessários para essa sanação (6.º, n.º 2). As excepções dilatórias constituem
fundamento para a contestação do réu (571.º, n.º 2 2.ª parte).

3.4. Sanação da excepção

A falta de alguns pressupostos processuais é sanável. Por exemplo: a incapacidade


judiciária de uma parte é sanável através da intervenção ou citação do representante legal dessa
parte (27.º, n.º 1). A sanação é um acto processual que produz efeitos retroactivos: a partir da
sanação é como se a falta do pressuposto nunca se tivesse verificado.

3.5. Absolvição da instância

a) A generalidade das excepções dilatórias conduz à absolvição da instância (576.º, n.º 2).
Esta absolvição, porque é uma decisão sobre matéria processual, produz apenas caso julgado
formal (620.º, n.º 1), pelo que não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto
(279.º, n.º 1). Este regime tem de ser objecto de uma interpretação restritiva, dado que há que
entender que a segunda acção só é admissível depois de a falta do pressuposto processual que
determinou a absolvição da instância ter sido corrigida ou sanada. Enquanto tal não suceder, o
caso julgado da decisão de absolvição da instância é suficiente para obstar à admissibilidade da
segunda acção, porque, não tendo havido a sanação do vício, não se verificou nenhuma alteração
na relação processual.
Os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se,
quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de trinta
dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância (279.º, n.º 2). Esta
conservação dos efeitos permite que se mantenha a interrupção da prescrição decorrente da
citação do réu na primeira acção (323.º, n.º 1, CC).
Se o réu tiver sido absolvido da instância por um fundamento que não seja a incompetência
absoluta, a nulidade do processo, a falta de personalidade ou capacidade judiciária e a
ilegitimidade processual, na nova acção que corra entre as mesmas partes podem ser
aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas (art.
279.º, n.º 3).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/17

b) A absolvição da instância é sempre temporária: depois de corrigido ou de sanado o vício,


é sempre admissível a propositura de uma nova acção com o mesmo objecto e entre as mesmas
partes (279.º, n.º 1).

4. Apreciação dos pressupostos


4.1. Apreciação prévia

a) No processo declarativo, os pressupostos processuais podem ser apreciados no


despacho liminar (590.º, n.º 1), mas, em regra, eles são apreciados no despacho saneador (595.º,
n.º 1, al. a)). Em todo o caso, a decisão final, antes de conhecer do mérito, também deve conhecer
das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância (608.º, n.º 1). Prevê-
se mesmo um caso em que a excepção dilatória pode ser apreciada oficiosamente até ao trânsito
em julgado da sentença proferida sobre o mérito da causa: é a incompetência absoluta do tribunal
(96.º e 97.º, n.º 1).
Quando os pressupostos processuais sejam apreciados no despacho saneador, este
despacho só adquire o valor de caso julgado formal (620.º, n.º 1) quanto às questões
concretamente apreciadas (595.º, n.º 3 1.ª parte). Isto significa que a simples afirmação de que
não existem quaisquer excepções dilatórias que obstem ao conhecimento do mérito da causa não
se torna vinculativa nem sequer no próprio processo no qual foi proferido esse despacho, o que
justifica que o preenchimento dos pressupostos possa voltar a ser apreciado na sentença final
(608.º, n.º 1).
Em princípio, não há nenhuma ordem na apreciação dos pressupostos processuais:
nenhum pressuposto processual tem precedência na sua apreciação pelo tribunal. Dado que a
generalidade das excepções dilatórias conduz à absolvição do réu da instância (576.º, n.º 2),
qualquer delas constitui um fundamento concorrente para essa absolvição. Há que introduzir
apenas uma excepção a esta solução: antes de o tribunal remeter o processo para o tribunal
competente com fundamento na sua incompetência relativa (105.º, n.º 3), importa que esse
mesmo tribunal aprecie a existência de alguma excepção dilatória que implique a absolvição do
réu da instância.

4.2. Dispensa da apreciação

Dado que os pressupostos processuais condicionam a apreciação do mérito da causa, não


deve ser proferida nenhuma decisão de mérito sem que esteja assegurado o preenchimento de
todos aqueles pressupostos. No entanto, esta prioridade da apreciação dos pressupostos
processuais pode mostrar-se desnecessária em algumas circunstâncias. Quando o pressuposto
processual prossegue uma finalidade de protecção da parte não tem sentido recusar o
proferimento de uma decisão de mérito favorável à parte que se procura proteger com o
fundamento de que falta esse pressuposto processual. Com efeito, deixar de proferir uma decisão
de mérito favorável à parte com o fundamento de que falta um pressuposto que a visa proteger
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/18

significa ignorar que aquela parte jamais poderá obter, em qualquer outra acção, uma melhor
tutela dos seus interesses.
É por isso que o art. 278.º, n.º 3 2.ª parte, estabelece que a subsistência de uma excepção
dilatória não conduz à absolvição da instância quando, destinando-se essa excepção a tutelar o
interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste a que, no momento da sua apreciação,
se possa proferir uma decisão de mérito que deva ser integralmente favorável a essa parte.
Estes exemplos mostram que certos pressupostos processuais podem deixar de ser
apreciados quando a decisão de mérito deva ter um conteúdo de improcedência. Dito de outra
forma: da solução constante do art. 278.º, n.º 3 2.ª parte, decorre que certos pressupostos
processuais só condicionam uma decisão de procedência do pedido.

4.3. Ónus da prova

a) O preenchimento de um pressuposto processual torna-se controvertido quando o réu


arguir a correspondente excepção dilatória (art. 577.º). Nesta hipótese, coloca-se o problema da
distribuição do ónus da prova da verificação desse pressuposto.
Ao autor incumbe a prova de todos os pressupostos processuais absolutos, ou seja, de
todos os pressupostos sem cuja verificação não é admissível o proferimento de nenhuma decisão
de mérito.
Os pressupostos processuais relativos visam a protecção de uma das partes, isto é, apenas
têm de estar verificados para o proferimento de uma decisão desfavorável ao autor ou ao réu. Se
o réu alegar que algum desses pressupostos não se encontra preenchido, a distribuição do ónus
da prova observa as seguintes regras:
− Se o réu alegar que não se encontra preenchido um pressuposto destinado a protegê-
lo, o ónus da prova recai sobre o autor; por exemplo: incumbe ao autor provar a
competência territorial do tribunal; na falta ou insuficiência de prova, o pressuposto
considera-se não preenchido;
− Se o réu invocar o não preenchimento de um pressuposto destinado a proteger o
autor, o ónus da prova incide sobre o réu; por exemplo: incumbe ao réu provar a
incapacidade judiciária do autor; na falta ou insuficiência de prova, o pressuposto
considera-se preenchido.

b) Os pressupostos processuais negativos – isto é, os impedimentos processuais – devem


ser provados pelo réu. Por exemplo: incumbe ao demandado a prova das excepções de
litispendência e de caso julgado.
c) A distribuição do ónus da prova da falta de um pressuposto processual mostra que nem
todas as excepções dilatórias se comportam como verdadeiras excepções. Salvaguardadas as
excepções de litispendência e de caso julgado, as demais excepções dilatórias operam como meios
de impugnação de factos alegados (ou pressupostos) pelo autor. É por isso que após a alegação de
uma dessas excepções pode recair sobre o autor o ónus da prova da verificação do pressuposto
processual.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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4.4. Factos duplos

Pode suceder que alguns factos controvertidos – isto é, factos alegados por uma parte e
impugnados pela outra – sejam relevantes quer para a apreciação do mérito da causa, quer para o
preenchimento de um pressuposto processual. Por exemplo: a celebração do contrato de compra e
venda que é alegada pelo autor é naturalmente relevante para a apreciação do mérito da causa, mas
também o pode ser para a aferição da competência internacional ou territorial.
Provada a não veracidade do facto controvertido, há que conjugar essa circunstância com a
qualidade absoluta ou relativa do pressuposto a que ele se refere. Em concreto:

– Se faltar um facto do qual depende o preenchimento de um pressuposto absoluto, o


tribunal da causa deve abster-se de conhecer do mérito da causa; por exemplo: o
domicílio do réu num certo Estado era indispensável para a verificação da competência
internacional do tribunal da causa; prova-se que o demandado não tem domicílio nesse
Estado; o tribunal não pode conhecer do mérito da causa, devendo absolver o réu da
instância;
– Se faltar um facto essencial para o preenchimento de um pressuposto relativo, há que
verificar se, ainda assim, o tribunal está em condições de proferir uma decisão de
mérito favorável à parte que o pressuposto visa proteger: se assim suceder, nada
impede o proferimento dessa decisão; por exemplo: da prova do lugar de cumprimento
da obrigação pelo demandado depende a competência territorial do tribunal da causa;
prova-se que o lugar do cumprimento da obrigação era outro; a falta de competência
territorial do tribunal da causa não deve obstar a que este tribunal absolva o réu do
pedido com fundamento no facto de, afinal, esse demandado já ter cumprido a
obrigação.

§ 5.º Estrutura do processo civil

I. Actos processuais
1. Generalidades
1.1. Noção

O acto processual é todo o acto que produz, de forma directa, efeitos em processo. Em
termos mais gerais, pode dizer-se que o acto processual é todo o acto do tribunal ou das partes
cujo efeito se traduz na constituição de uma situação processual, ou seja, é todo o acto que
conforma o processo.
1.2. Consequências da concepção

a) Segundo a concepção funcional, o que releva para a qualificação do acto como acto
processual é o seu efeito característico:
− Os actos não se tornam processuais pela circunstância de produzirem efeitos
processuais, se estes forem meramente secundários ou acessórios; por exemplo: o
pagamento de uma dívida não é um acto processual, apesar de ele permitir a
invocação em juízo da excepção peremptória de cumprimento (576.º, n.º 3);
− Os actos não deixam de ser processuais pela circunstância de serem praticados antes
da pendência de qualquer acção ou fora de uma acção pendente; por exemplo: a
concessão de mandato judicial a um advogado para a propositura de uma acção é um
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/20

acto processual, não obstante ela ser realizada antes da pendência da causa a
instaurar;
− Os actos não deixam de ser processuais pelo facto de serem regulados pelo direito
substantivo; por exemplo: a confissão pode ser anulada por falta ou vícios da vontade
(359.º, n.º 1, CC), mas isso não impede que ela seja um acto processual;
− Os actos também não deixam de ser processuais se eles, além de efeitos
processuais, também produzirem efeitos substantivos e de, por isso, poderem ser
qualificados como actos duplos; a citação do réu para a acção é um acto processual
(219.º, n.º 1), apesar de ela também implicar a interrupção da prescrição (323.º, n.º 1,
CC);

b) Atendendo aos efeitos característicos que produzem, há determinados actos que


tanto podem ser processuais, como substantivos: estes actos podem ser designados por
actos mistos. Exemplo típico destes actos é a transacção, que é um acto processual
quando determinar a extinção de uma instância (transacção judicial: 277.º, al. d), e 283.º,
n.º 2), e um acto substantivo quando se destinar a prevenir ou a terminar um litígio
(transacção preventiva ou extrajudicial: 1248.º, n.º 1, CC).

1.3. Modalidades dos actos

Quanto à origem, os actos processuais podem ser actos das partes ou actos do tribunal:
− Os actos das partes são os actos praticados pelas partes (cf. art. 144.º a 149.º); estes
actos podem ser unilaterais (como os articulados) ou bilaterais (como o pacto de
competência ou a transacção);
− Os actos do tribunal são os actos realizados pelo tribunal; alguns destes actos são
praticados pela secretaria (157.º a 162.º) (como a citação do réu), outros devem ser
praticados pelo juiz (150.º a 156.º) (como os despachos, as sentenças e os acórdãos).

1.4. Actos do tribunal

a) Nos actos do tribunal incluem-se, entre outros, os actos rogatórios, os mandados, a


distribuição, as citações, as notificações e as decisões:
− Os actos rogatórios são os actos pelos quais um tribunal solicita a prática de actos
processuais a outros tribunais ou autoridades;
− Os mandados são os actos pelos quais o tribunal ordena a execução de um acto
processual a uma entidade que lhe esteja funcionalmente subordinada (172.º, n.º 2);
− A distribuição é o ato destinado a designar a secção e a vara ou juízo em que o
processo há-de correr ou o juiz que há-de exercer as funções de relator (203.º);
− A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que contra ele foi proposta
uma ação e se chama o réu ao processo para se defender, bem como o ato pelo qual
se chama, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada (219/1);
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− A notificação é o acto que serve para, sempre que não deva ser utilizada a citação,
chamar alguém a juízo ou dar a alguém o conhecimento de um facto (art. 219.º, n.º 2);
− As decisões são os actos pelos quais o tribunal aprecia uma causa ou um incidente ou
qualquer aspecto com eles relacionado (152.º, n.º 1); as decisões podem ser
sentenças – que são as decisões finais proferidas numa causa ou num incidente
(152.º, n.º 2) – ou despachos – que são, em regra, decisões interlocutórias.

b) As decisões do tribunal são susceptíveis de várias classificações. Uma das mais


importantes é a que distingue entre decisões de fundo – que são aquelas que se pronunciam
sobre o mérito, absolvendo ou condenando o réu no pedido formulado pelo autor – e decisões de
forma – que são aquelas que se pronunciam sobre questões processuais.

1.5. Actos das partes

a) Quanto aos efeitos produzidos em processo, os actos das partes podem ser actos
constitutivos e actos postulativos:
− Os actos constitutivos são os actos das partes que constituem uma nova situação
processual, como o acordo da parte para a alteração do pedido ou da causa de pedir
(264.º), a junção de documentos (423.º), a recusa da parte ou da testemunha a prestar
juramento (459.º e 513.º, n.º 1), a renúncia ao recurso (632.º, n.º 1); os actos
constitutivos produzem imediatamente efeitos em processo e os seus valores são a
eficácia ou a ineficácia;
− Os atos postulativos são os atos das partes que condicionam a actividade do tribunal
e, em última análise, as suas decisões, como, por exemplo, os pedidos formulados
pelas partes, as afirmações de factos que podem fundamentar esses pedidos e os
requerimentos de meios de prova; os actos postulativos só produzem efeitos em
processo depois da decisão do tribunal e os seus valores são tanto a admissibilidade
ou a inadmissibilidade, como a procedência ou a improcedência.
Importa notar que, muito frequentemente, os actos das partes são simultaneamente actos
constitutivos e actos postulativos. Por exemplo: a propositura de uma acção é, em simultâneo, um
acto constitutivo, porque inicia a instância (259.º, n.º 1), e um acto postulativo, porque nela é
formulado um pedido ao tribunal (552.º, n.º 1, al. e);

b) Quanto à origem dos efeitos realizados em processo, os actos das partes podem ser
actos stricto sensu ou negócios processuais:
− Os actos stricto sensu produzem os seus efeitos processuais ex lege, dado que as
partes não podem escolher ou determinar os seus efeitos; é o caso, por exemplo, da
apresentação de um articulado ou da junção de um documento;
− Os actos negociais produzem os seus efeitos processuais ex voluntate, pois que as
partes podem escolher ou determinar os seus efeitos;
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c) Quanto à sua inserção na marcha do processo, os actos das partes podem ser
iniciais ou subsequentes:
– Os actos iniciais são aqueles que iniciam um processo ou uma fase do processo: é o
caso, por exemplo, da petição inicial (552.º), do requerimento executivo (724.º) ou do
requerimento de interposição de recurso (637.º);
– Os actos subsequentes são aqueles que são praticados enquanto um processo está
pendente: é o caso, por exemplo, da contestação do réu (art. 569.º) ou das alegações
da parte recorrida (638.º, n.º 5).
A principal importância desta distinção radica na circunstância de que nenhum processo ou
fase processual pode existir ou persistir sem o respectivo acto inicial. Por exemplo: não pode existir
um processo sem petição inicial ou um recurso sem alegações do recorrente, mas podem existir
processos sem contestação do réu ou recursos sem alegações do recorrido. Assim, qualquer vício
que afecte um acto inicial repercute-se, necessariamente, em todo o processo. Por exemplo: se a
petição for inepta (cf. art. 186.º, n.º 1 e 2), o réu é absolvido da instância (cf. art. 577.º, al. b), e
278.º, n.º 1, al. b)).

1.6. Factos processuais

Em processo também relevam factos processuais – como, por exemplo, o decurso do prazo
peremptório para a prática de um acto (cf. art. 139.º, n.º 3) –, mas essa relevância projecta-se no
processo sempre através de actos processuais. Isto verifica-se por uma de duas maneiras: ou
porque a eficácia do facto se projecta sobre a possibilidade ou impossibilidade da prática de um
acto processual, ou porque o facto só tem eficácia no processo quando aí for alegado mediante
um acto processual. Por exemplo: a morte de uma das partes suspende a instância (cf. art. 269.º,
n.º 1, al. a)), mas isso só acontece depois de o falecimento ter sido alegado em processo (cf. art.
270.º, n.º 1).

2. Sequência processual
2.1. Actos de sequência

a) Estruturalmente, o processo é uma sequência de actos. A sequência processual institui


um formalismo que regula a actividade do juiz e das partes e que deve servir para assegurar a
realização e evitar a aniquilação do direito. Neste sentido, o formalismo processual cumpre uma
função de garantia. Não há processo equitativo sem formalismo processual. No entanto, do
mesmo modo que há que aceitar que o formalismo é essencial a qualquer processo, também há
que reconhecer que o que é considerado como formalismo essencial tem variado profundamente
ao longo dos tempos.

b) Os actos que compõem o processo não são praticados de uma forma caótica e desligada:
esses actos formam uma ordem, uma sequência que se dirige para um fim, e valem apenas, em
regra, como actos dessa sequência. Por vezes, exprime-se esta ideia dizendo que os actos
processuais são actos de significação colectiva, cuja disciplina jurídica resulta da consideração de
serem enquadrados com outros actos num certo conjunto. Nesta categoria de actos incluem-se
duas subespécies:
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– Os actos de massa, cujo regime é traçado pela lei atendendo à circunstância de serem
praticados em mais ou menos largo número;
– Os actos de sequência, actos cujo valor e regime jurídico decorrem da sua integração
numa sequência ou sucessão; os actos processuais constituem exemplo de actos de
sequência.

2.2. Definição da sequência

A sequência em que o processo se traduz pode ser determinada na lei ou ser deixada ao
prudente critério do juiz, que, em cada momento, ordena o que lhe parecer mais adequado à
consecução do fim processual. No primeiro caso, o processo é rígido; no segundo, o processo é
maleável. O processo civil português fornece uma tramitação legal, mas o juiz tem, como corolário
do dever de gestão processual (6.º, n.º 1), a faculdade de adequar essa tramitação quando a
mesma não se adaptar à complexidade da causa (547.º).

2.3. Princípio da preclusão

a) A sequência processual encontra-se submetida a um princípio de preclusão. Cada acto


processual tem o seu momento próprio para ser praticado dentro da respectiva sequência
processual; se o acto não for praticado nesse momento, não pode vir a ser praticado
posteriormente, pelo que a sua realização fica precludida.
O princípio da preclusão implica uma consequência: a de sobrecarregar as partes com a
alegação de factos e a prática de actos que o decurso do processo pode demonstrar que não
eram necessárias e, portanto, a de tornar o processo inutilmente complexo. Em contrapartida, o
princípio da preclusão não implica nenhuma sobrecarga do trabalho do juiz, porque para este é
irrelevante que as questões devam ser suscitadas pelas partes todas simultaneamente ou apenas
após uma dessas questões ter sido julgada improcedente.

b) Quanto aos actos das partes, a preclusão é independente de qualquer parâmetro de


negligência ou diligência. Há, no entanto, uma excepção: a preclusão da invocação de certos
factos pode ser afastada quando se demonstre que a parte não os invocou por os desconhecer
sem culpa; aí esses factos podem ser invocados como factos supervenientes (588.º, n.º 2).

II. Regulamentação legal


1. Pressupostos dos actos
a) Os actos do tribunal e os actos das partes têm diferentes pressupostos. Relativamente
aos actos do tribunal, o seu pressuposto é a competência funcional, que é a competência que
respeita a cada um dos órgãos do tribunal ou a cada um dos juízes de um tribunal colectivo, ou a
competência decisória, que respeita à repartição de competências entre o tribunal singular e o
tribunal colectivo ou à distribuição de competências para o conhecimento da matéria de facto e da
matéria de direito.
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b) Quanto aos actos das partes em geral, importa distinguir entre os pressupostos
subjectivos e objectivos:
− Os pressupostos subjectivos são a capacidade judiciária, que é a susceptibilidade de
praticar o acto pessoal e livremente e que é aferida pela capacidade de exercício
(15.º, n.º 2), e o patrocínio judiciário obrigatório, que é a necessidade de
representação da parte por um mandatário judicial (40.º, n.º 1, e 58.º); a legitimidade
processual – que pressupõe uma relação da parte com o acto – só constitui um
pressuposto dos actos postulativos;
− Os pressupostos objectivos são a determinação do objeto (art. 94.º, n.º 3, al. e) e a
sua licitude, tendo em conta a proibição de litigância de má fé (art. 8.º e 542.º) e de
simulação processual (art. 612.º).

c) Aos negócios processuais, em cumulação com o respectivo regime processual, são


aplicáveis, em princípio, as regras substantivas sobre os negócios jurídicos (291.º, n.º 1): a
admissibilidade e os efeitos dos negócios processuais regem-se pelo direito processual; a
celebração e conclusão desses negócios pelo direito material.
Em especial, os negócios processuais não se regem pelo princípio da autonomia privada,
mas pelos limites impostos pela disponibilidade das partes em processo e pela igualdade entre as
partes: é por isso que, por exemplo, o pacto de jurisdição só é válido se não envolver
inconveniente grave para uma das partes (94.º, n.º 3, al. c) e que a renúncia ao recurso não
impede a interposição de um recurso subordinado pelo renunciante (633.º, n.º 4).

1.2. Falta dos pressupostos

a) Relativamente à falta dos pressupostos dos actos das partes, há que distinguir entre os
actos constitutivos e os actos postulativos:
− Quanto aos actos constitutivos, a consequência da falta dos seus pressupostos é, em
princípio, a ineficácia do acto praticado;
− Quanto aos actos postulativos, a consequência da falta de um pressuposto processual
é a sua inadmissibilidade;
A falta dos pressupostos dos actos processuais é conhecida oficiosamente pelo tribunal
e, em certos casos, é sanável através da renovação do acto ou mediante a ratificação do
acto (indevidamente) praticado. Estas duas formas de sanação da falta dos pressupostos
possuem consequências distintas:
– Se houver renovação ou repetição do acto, os efeitos do novo acto produzem-se, em
princípio, apenas ex nunc;
– Se houver ratificação do acto praticado, os efeitos produzem-se ex tunc

b) Quando o tribunal pratica um acto sem a respectiva competência funcional ou decisória,


verifica-se uma nulidade processual, seja porque é realizado pelo tribunal um acto que a lei não
admite (195.º, n.º 1), seja porque o tribunal se pronuncia sobre matéria de que não podia conhecer
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(615.º, n.º 1, al. d)). Aquela nulidade é sanável mediante a prática do acto pelo órgão competente
(art. 202.º), esta última é insanável.

3. Sujeição a condição
Os actos processuais constituem uma situação processual, conformando o processo na sua
sequência ou impondo uma certa decisão ao juiz da causa. Este efeito constitutivo obsta a que os
actos processuais possam ser sujeitos a uma condição (suspensiva ou resolutiva) porque os efeitos
produzidos em processo não podem permanecer incertos e inseguros. Assim, em concreto:

– Os actos do tribunal (maxime, as decisões) não são susceptíveis de ser sujeitas a


nenhuma condição; o tribunal não pode proferir uma decisão, sujeitando a produção
dos seus efeitos à não reclamação das partes;
– Em regra, as partes também não podem sujeitar os seus actos a uma condição; por
exemplo, o autor não pode submeter a propositura da causa à obtenção de apoio
judiciário ou à não dedução pelo réu de um pedido reconvencional (cf. art. 266.º, n.º 1);
Em relação aos actos das partes, há, no entanto, algumas excepções. Estas excepções são de
dois tipos:
– Quanto aos actos de carácter negocial, eles podem ser, em regra, sujeitos a uma
condição; por exemplo: se, entre duas partes, estiverem pendentes duas acções em que
o autor de uma delas é o réu da outra, a desistência do pedido pelo autor de uma das
acções (283.º, n.º 1, e 285.º, n.º 1) pode ser condicionada à desistência do pedido pelo
autor da outra acção;
– Quanto aos pedidos, eles podem ser sujeitos à condição da improcedência de um outro
pedido; por exemplo: a parte pode formular um pedido subsidiário para a hipótese de
o pedido principal não ser considerado procedente (554.º, n.º 1); o réu pode deduzir o
pedido reconvencional para obter, por compensação, a extinção do crédito do autor (cf.
art. 266.º, n.º 1 e 2, al. c)), se a negação da existência desse crédito não for julgada
procedente.

4. Interpretação dos actos


À interpretação dos actos das partes podem aplicar-se os critérios definidos no art. 236.º
CC. Na interpretação dos pedidos das partes, há que considerar a respectiva fundamentação.
No entanto, havendo dúvida sobre o sentido de uma declaração da parte, o juiz tem o dever
de a convidar a fornecer os necessários esclarecimentos (7.º, n.º 2).

5. Revogabilidade dos actos


5.1. Actos do tribunal

Os actos do tribunal são, em princípio, irrevogáveis, porque, depois de proferida a sentença


ou o despacho, fica esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria decidida (613.º, n.º 1 e 3).
Porém, ao juiz é possível rectificar erros materiais, suprir nulidades e ainda reformar a sentença
quanto a custas e a multa ou para rectificação de lapsos manifestos (613.º, n.º 2; 614.º a 617.º).
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5.2. Actos das partes

Em relação aos actos das partes, o regime da revogação é o seguinte:

– Os actos postulativos são livremente revogáveis enquanto não tiverem constituído uma
situação favorável para a contraparte; depois disso, esses actos só podem ser
revogados nos casos expressamente previstos na lei (27.º, n.º 2) ou mediante acordo
da contraparte (286.º, n.º 1);
– Os actos constitutivos são irrevogáveis quando tenham constituído uma posição
favorável para a contraparte; neste sentido, são irrevogáveis, por exemplo, o acordo
para a alteração da causa de pedir depois da realização dessa alteração (cf. art. 264.º),)
ou a desistência ou confissão do pedido depois da sua homologação (290.º, n.º 3).
Os actos das partes são livremente revogáveis, qualquer que seja a sua natureza, quando se
verifique, ainda durante a pendência do processo, um dos fundamentos da revisão da sentença
(696.º), pois que não seria razoável exigir-se o trânsito em julgado da decisão para se poder
impugnar o acto praticado no respectivo processo. Assim, o acto praticado pela parte é livremente
revogável quando, por exemplo, tenha tido por base um documento ou um depoimento que uma
decisão transitada em julgado considerou ser falso (696.º, al. b)) ou quando surja um documento de
que a parte não tenha tido conhecimento ou de que não tenha podido fazer uso e que, por si só,
seja suficiente para modificar o acto praticado (696.º, al. c)).

6. Suprimento de deficiências
A parte pode rectificar erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça
processual apresentada (art. 146.º, n.º 1). É ainda admissível o suprimento ou a correcção de
vícios ou omissões puramente formais nos actos praticados, desde que a falta não deva imputar-
se a dolo ou culpa grave da parte e o suprimento ou a correcção não implique prejuízo relevante
para o regular andamento da causa (art. 146.º, n.º 2).

7. Prazos processuais
7.1. Modalidades do prazo

A prática dos actos processuais está normalmente sujeita a determinados prazos, ou seja, é


restringida a um período delimitado entre um termo inicial e um termo final. Os prazos processuais
podem ser dilatórios ou peremptórios (139.º, n.º 1):
− O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto
ou o início da contagem de um certo prazo (art. 139.º, n.º 2);
− O prazo peremptório, quando decorrido, extingue o direito de praticar o acto (art.
139.º, n.º 3).

7.2. Prazos gerais

a) Muitas vezes a lei fixa prazos especiais para a prática dos actos processuais. Quando o
não faz, os prazos gerais são os seguintes:
− Para as partes, dez dias (art. 149.º, n.º 1);
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− Para o juiz, dez dias, para os despachos que não sejam de mero expediente (art.
156.º, n.º 1): estes serão proferidos no prazo máximo de dois dias (art. 156.º, n.º 3);
− Para o Ministério Público, dez dias (art. 156.º, n.º 2);
− Para a secretaria, cinco dias (art. 162.º, n.º 1).
b) Se decorrerem três meses sobre o termo do prazo fixado para a prática do acto pelo juiz
sem que o mesmo tenha sido praticado, deve aquele consignar a concreta razão da inobservância
do prazo (art. 156.º, n.º 4). A secretaria deve remeter, mensalmente, ao presidente do tribunal
informação discriminada dos casos em que se mostrem decorridos três meses sobre o termo do
prazo fixado para a prática de ato próprio do juiz, ainda que o acto tenha sido entretanto praticado,
incumbindo ao presidente do tribunal remeter o expediente à entidade com competência disciplinar
(156.º, n.º 5). Um regime paralelo encontra-se estabelecido para o decurso do prazo relativamente
a actos da competência da secretaria (162.º, n.º 4 e 5).

7.3. Continuidade do prazo

O prazo judicial é contínuo (138.º, n.º 1 1.ª parte). Este prazo suspende-se, no entanto,
durante as férias judiciais, salvo se a duração dele for igual ou superior a seis meses ou, em
princípio, se tratar de actos que devam ser praticados em processos que a lei considere urgentes
(138.º, n.º 1 2.ª parte). O mesmo acontece com os prazos (de caducidade) relativos à propositura
de acções previstos na legislação processual civil (art. 138.º, n.º 4)
As férias judiciais - art. 28.º LOSJ.

7.4. Tolerância de prazo

a) A não prática de um acto dentro do prazo peremptório implica, em regra, a preclusão da


sua realização, o que pode suscitar várias consequências, como, por exemplo, a confissão dos
factos articulados pela contraparte (567.º, n.º 1). No entanto, a realização dos actos sujeitos a um
prazo peremptório pode verificar-se fora do prazo em duas situações: em caso de justo
impedimento (art. 139.º, n.º 4, e 140.º) e, em qualquer hipótese, dentro dos três dias úteis
subsequentes ao termo do prazo, embora a validade do acto fique dependente do pagamento
imediato de uma multa (art. 139.º, n.º 5). Em casos excepcionais, o juiz pode determinar a redução
ou dispensa da multa nos casos de carência económica ou quando o respectivo montante se
revele desproporcionado, em especial quando a parte litigue por si própria (art. 139.º, n.º 8).
O justo impedimento é o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou
mandatários, que obsta à prática atempada do acto (art. 140.º, n.º 1). Verifica-se quando a pessoa
que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade de o fazer, em virtude da ocorrência de
um facto que não lhe é imputável. Portanto, o justo impedimento permite a prática do acto fora do
prazo quando o evento que impediu a sua realização atempada não decorre de negligência da
parte ou dos seus representantes.
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b) A parte que alega o justo impedimento deve oferecer logo a respectiva prova (140.º, n.º 2
1.ª parte), excepto se o impedimento constituir facto notório (140.º, n.º 3). Após ouvir a parte
contrária, o juiz admite o requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o
impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele tiver cessado (140.º,
n.º 2).

7.5. Prorrogação do prazo

A lei fixa os prazos processuais, mas é possível a sua prorrogação quer por disposição legal
(art. 141.º, n.º 1 – 569º/4), quer por acordo das partes (art. 141.º, n.º 2).

7.6. Prevalência do prazo

A observância de um prazo peremptório pode levar à necessidade de desdobrar um acto


que poderia ser único em vários actos. Por exemplo: se cada um dos réus apresentar a sua
contestação e se o autor for notificado em momentos distintos dessa apresentação, esta parte tem
prazos igualmente distintos para apresentar a sua réplica (585.º). Portanto, a unidade do acto cede
perante a necessidade de respeitar o seu prazo de realização.

III. Falta e vícios da vontade


1. Generalidades
O princípio orientador nesta matéria é o da irrelevância da falta e dos vícios da vontade na
realização dos actos processuais. A permissão da revogação dos actos das partes atenua o rigor
deste princípio, pois que, se é verdade que essa revogação retira qualquer justificação à atribuição
de relevância à falta e aos vícios da vontade, também é claro que essa revogação pode basear-se
precisamente nessa falta ou nesses vícios.
A mesma irrelevância verifica-se igualmente nas omissões da parte: se, por exemplo, a
parte demandada deixou de contestar a incompetência do tribunal julgando que o tribunal era
competente para apreciar a causa, o tribunal torna-se realmente competente, admitindo-se que as
partes celebraram, de forma tácita, um pacto de competência ou de jurisdição (art. 24.º Reg.
44/2001).

2. Hipóteses de relevância
2.1. Actos das partes

Nos actos das partes, verifica-se a relevância da falta e dos vícios da vontade nos negócios
processuais. Assim, se a parte confessou o pedido (art. 283.º, n.º 1), desistiu da instância (art.
285.º, n.º 2) ou do pedido (art. 283.º, n.º 1, e 285.º, n.º 1), transigiu sobre o objecto da acção (art.
283.º, n.º 2) ou confessou um facto (art. 352.º CC), todos esses actos podem ser declarados nulos
ou anulados nos termos aplicáveis a qualquer acto jurídico (art. 291.º, n.º 1; art. 359.º, n.º 1, CC). A
falta de vontade também releva no caso da simulação processual, a qual, além de fundamentar o
recurso de revisão pelo terceiro prejudicado (art. 696.º, al. g)), permite que o tribunal, visando
obstar aos fins prosseguidos pelas partes, ponha termo ao processo (art. 612.º).
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2.2. Actos do tribunal

Nos actos do tribunal, o lapso – decorrente de erro do tribunal – pode ser corrigido por
despacho, a requerimento das partes ou por iniciativa do juiz (art. 614.º, n.º 1). O lapso manifesto
quanto a matéria de direito ou de facto também justifica o requerimento de reforma da sentença, se
esta não admitir recurso ordinário (cf. art. 616.º, n.º 2).

IV. Nulidades processuais


1. Generalidades
1.1. Nulidades dos actos

Diversamente, em processo civil, a invalidação de um certo acto implica a invalidação dos


actos posteriores da sequência que o tinham como pressuposto (195.º, n.º 2), embora tal
invalidação, em regra, só opere se o vício do acto puder prejudicar o fim da sequência processual
(195.º, n.º 1 in fine); é por isso que o art. 195.º, n.º 1, dispõe que certos actos ou omissões
“produzem nulidade”.
Assim estas nulidades estão próximas das situações de anulabilidade. Lembre-se que o
197.º, n.º 1, estabelece que essas nulidades só podem ser invocadas pelo interessado quer na
observância da formalidade, quer na repetição ou eliminação do acto dentro do prazo fixado no
199.º, n.º 1.

1.2. Nulidades da sentença

Além da nulidade de processo, a lei prevê, no art. 615.º, a figura da nulidade de sentença.
Quanto aos acórdãos dos tribunais superiores, as causas da sua nulidade encontram-se previstas
no art. 666.º, n.º 1.

2. Modalidades
2.1. Enunciado

As nulidades processuais podem ser nominadas ou principais (186.º a 194) ou inominadas


ou secundárias (cf. art. 195.º).

2.2. Nulidades nominadas

Os art. 186.º a 194.º contemplam os seguintes casos de nulidades processuais:


− A ineptidão da petição inicial (art. 186.º); esta nulidade decorre de vícios relativos ao
objecto do processo ou ao pedido e a causa de pedir (art. 186.º, n.º 2);
− A falta da citação do réu (art. 187.º a 190.º); esta nulidade verifica-se quando o acto
tenha sido omitido, quando tenha havido erro de identidade do citado, quando se
tenha empregado indevidamente a citação edital, quando se mostre que foi efectuada
depois do falecimento ou da extinção do citando e ainda quando se demonstre que o
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destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que
não lhe seja imputável (art. 188.º, n.º 1);
− A nulidade da citação (art. 191.º); quando não tenham sido observadas na citação as
formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1);
− O erro na forma de processo (art. 193.º); esta nulidade verifica-se quando se tenha
utilizado uma forma de processo diferente daquela que deveria ter sido utilizada;
− A falta de vista ou exame ao Ministério Público (art. 194.º); esta utilidade ocorre
quando, devendo o Ministério Público intervir como parte acessória, não lhe seja
facultada a vista ou o exame do processo (194.º, n.º 1).

2.3. Nulidades inominadas

a) O art. 195.º, n.º 1, fixa um regime geral: a prática de um acto que a lei não admita, bem
como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade
quanto a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão
da causa. Portanto, prevêem-se no art. 195.º, n.º 1, as seguintes hipóteses:
− A prática de um acto que a lei não admita; por exemplo: o réu apresenta um articulado
não previsto na lei;
− A omissão de um acto que a lei prescreva; por exemplo, o mandatário judicial do
apresentante não notifica o mandatário judicial da contraparte (art. 221.º, n.º 1);
− A omissão de uma formalidade que a lei imponha; por exemplo: a omissão do
juramento da parte ou da testemunha (459.º, n.º 1 e 2, e 513.º, n.º 1).
As nulidades processuais são vícios em função da sequência processual, nunca se
ocupando a lei processual civil de vícios do acto em si mesmo (como aqueles que respeitam à
falta e aos vícios da vontade).

b) As consequências destes vícios processuais são as seguintes:


− As que a lei impuser; a lei pode impor a nulidade (art. 195.º, n.º 1: “produzem nulidade
quando a lei o declare”), a inexistência (por exemplo, art. 511.º, n.º 3) ou qualquer
outro desvalor jurídico;
− Se a lei nada disser e se o vício puder influir no exame ou na decisão da causa, ele
releva como causa de nulidade (195.º, n.º 1 in fine); se assim não suceder, o vício é
irrelevante.

c) As decisões sobre as nulidades inominadas – que são aquelas que estão previstas no art.
195.º, n.º 1 – só são recorríveis se a alegada nulidade contender com os princípios da igualdade
das partes ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de
meios probatórios (art. 630.º, n.º 2).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/31

3. Efeitos
Decorre do art. 195.º, n.º 1, que, em regra, uma irregularidade na sequência processual só
releva se afectar a finalidade desta sequência. Mas, se na sequência processual se verificar uma
nulidade, não é só o acto viciado que é afectado, mas também a sequência ulterior, embora nos
estritos limites do que dependa do acto viciado: é o que estabelecem os n.º 2 e 3 do art. 195.º.

§ 6.º Fim do processo civil

I. Preliminares
O processo civil – como, aliás, todos os demais processos jurisdicionais – caracteriza-se
essencialmente pelo seu fim: é uma sequência de actos que se destinam ao proferimento de uma
decisão (no caso do processo declarativo) ou à satisfação efectiva de um credor (na hipótese do
processo executivo). Num plano mais geral, pode dizer-se que o fim do processo civil é a tutela de
situações subjectivas.
As regras processuais destinam-se a terminar com as situações de incerteza sobre essas
mesmas situações.

2.2. Concretização do fim

Concluído que o processo civil tem por fim a tutela de situações subjectivas, importa
acrescentar que essa tutela pode concretizar-se de diversas formas, que são as seguintes:

– Uma tutela preventiva: o processo civil possibilita a prevenção da violação de situações


subjectivas (2.º, n.º 2); os meios que o permitem são a acção inibitória (destinada a
evitar uma violação através de uma acção), a acção de remoção (dirigida a evitar uma
violação através de uma omissão) e a acção de simples apreciação (destinada a obter a
declaração da existência ou inexistência de um direito ou facto);
– Uma tutela cautelar: o processo civil permite acautelar o efeito útil da acção (2.º, n.º 2);
os meios que o possibilitam são as providências cautelares (362.º, n.º 1) (que visam
acautelar o efeito útil da acção e da sua decisão (2.º, n.º 2)) e a acção de condenação in
futurum (que visa impor o cumprimento de uma certa obrigação);
– Uma tutela repressiva: o processo civil possibilita reprimir a violação de situações
subjectivas (2.º, n.º 2); o meio que o permite é a acção condenatória (10.º, n.º 3, al. b));
– Uma tutela constitutiva: o processo civil permite a constituição, a modificação e a
extinção de situações subjectivas; o meio que o possibilita é a acção constitutiva (10.º,
n.º 3, al. c));
– Uma tutela executiva: o processo civil possibilita a realização coerciva de direitos (2.º,
n.º 2); o meio que o permite é a acção executiva (10.º, n.º 4).

2.3. Frustração do fim

Nem sempre o processo termina com a tutela da situação subjectiva alegada pelo autor ou
pelo exequente, pois que o resultado de um certo processo nem sempre representa o atingir do fim
do processo. É o que acontece quando se verifica a absolvição da instância pela falta de
pressupostos processuais (278.º, n.º 1) ou quando a instância se extingue pelo compromisso
arbitral (277.º, al. b), e 280.º), pela desistência do pedido pelo autor ou pela impossibilidade ou
inutilidade superveniente da lide (art. 277.º, al. e)).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/32

III. Interesse na tutela


Muito frequentemente, a tutela requerida pela parte é justificada pela própria situação
subjectiva por ela alegada. Por exemplo: o direito de crédito invocado pelo autor permite-lhe pedir
a condenação do devedor no cumprimento da respectiva prestação. O titular do direito é
igualmente o titular do interesse na tutela.
Mas nem sempre assim sucede. Por vezes, não basta ser titular de uma certa situação
subjectiva para justificar a tutela requerida. Considerem-se as seguintes hipóteses: (i) não é
suficiente ser titular de um direito da personalidade para poder solicitar a tutela da sua
personalidade; a tutela só é justificada se tiver havido ou houver a ameaça de uma ofensa à sua
personalidade (70.º, n.º 1, CC); (ii) não basta ser proprietário de um bem para poder pedir a
declaração do seu direito de propriedade; a acção de simples apreciação só é justificada se forem
levantadas dúvidas sobre a titularidade desse direito; (iii) não é suficiente ser proprietário de um
terreno para poder pedir a omissão da violação do seu direito de propriedade; a acção inibitória só
é justificada se houver o risco dessa violação ou de repetição de uma violação já ocorrida. A
admissibilidade daquelas formas de tutela depende da existência de um interesse na tutela, ou seja,
depende do preenchimento de um pressuposto processual específico, que é o interesse processual.

II. ASPECTOS GERAIS

§ 7.º Classificações do processo civil

II. Classificação pelo fim


2. Acções declarativas
2.1. Generalidades

O art. 10.º, n.º 1, começa por estabelecer que as acções são declarativas ou executivas. As
acções declarativas, diz o art. 10.º, n.º 2, podem ser de simples apreciação, de condenação ou
constitutivas.
Esta classificação, embora gizada primariamente para os pedidos, reporta-se mediatamente
ao direito de pedir e ao processo. Quanto a este, há que fazer as seguintes ressalvas. Antes do
mais, a distinção dos processos declarativos em três tipos não implica nenhuma diferença na sua
marcha. Acresce ainda que é possível cumular num único processo vários pedidos (cf. art. 555.º),
até de natureza diferente, pelo que pode haver processos mistos, em que se peça pedido de sim-
ples apreciação pedido constitutivo e ainda pedido de condenação.
A enumeração que consta do art. 10.º, n.º 2 e 3, é, acima de tudo, de ordem doutrinária, pois
que, em parte alguma, a legislação processual retira consequências da distinção entre os diversos
tipos de acção declarativa, pelo que essa enumeração não pode ser considerada taxativa.

2.2. Acções de simples apreciação

a) As acções de simples apreciação são definidas pelo art. 10.º, n.º 3, al. a), como aquelas
que têm por fim obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de
um facto.

b) As acções de simples apreciação podem ser positivas ou negativas:


J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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− A acção é positiva quando tiver por fim obter a declaração da existência de um direito
ou de um facto; é o que sucede com a acção de declaração de nulidade de um
negócio jurídico ou com a acção de declaração da propriedade de um imóvel;
− A acção é negativa quando tiver por fim obter a declaração da inexistência de um
direito ou de um facto; é o caso da acção destinada a obter a declaração de que o
autor não é devedor do réu.
Uma modalidade específica das acções de simples apreciação é a acção de apreciação
incidental. Qualquer das partes pode requerer que uma questão ou um incidente que tenha sido
suscitado numa acção pendente seja decidido com força de caso julgado material desde que o
tribunal da acção tenha competência internacional, material e hierárquica para essa apreciação
(art. 91.º, n.º 2).

c) Problemas específicos, quer no caso da acção de apreciação positiva, quer no caso da


acção de apreciação negativa. Antes de mais, não parece ser possível encontrar um fundamento
substantivo para as acções de simples apreciação, pois que não existe um direito à declaração da
existência ou inexistência de um direito ou de um facto. Por exemplo: o direito do credor ou o
direito do proprietário permitem exigir a prestação ao devedor ou reivindicar a coisa do esbulhador,
mas esses direitos não comportam o direito a ser declarado credor ou proprietário; também não há
nenhum direito à declaração de que não se é pai ou filho de determinada pessoa.
Além disso, tendo a acção de simples apreciação por objecto meros factos (cf. art. 10.º, n.º 3,
al. a)), podem suscitar-se dificuldades na delimitação dos factos susceptíveis de declaração em
juízo. Por exemplo: é absurdo pretender que o tribunal declare que choveu em certo dia.
d) A acção de simples apreciação negativa levanta ainda outras dificuldades. Em doutrina,
esta acção pode ser vista:
− Como uma acção normal, com um pedido determinado (inexistência de certo facto ou
de certo direito) e uma causa de pedir, igualmente determinada, do facto ou direito
negado pelo autor (186.º, n.º 2, al. a), e 581.º, n.º 4), que o autor deve alegar e provar;
por exemplo: “Declare o tribunal que eu, autor, não devo x ao réu, porque o contrato
que com ele celebrei é nulo por simulação, como provarei”;
− Como uma acção peculiar, em que o autor se pode limitar a negar certa relação
(possivelmente até determinada em abstracto: “Nada devo ao réu”), não invocando
nenhum fundamento, antes empurrando para o réu o ónus de precisar e de provar o
que impugna nessa negação e o respectivo fundamento (“O autor deve-me y, que eu
lhe emprestei, como provarei”).

2.3. Acções de condenação

a) Segundo a definição do art. 10.º, n.º 3, al. b), as acções de condenação são as que têm
por fim exigir a prestação duma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação dum
direito.
As acções condenatórias podem ser acções ex praeterito, quando pressupõem a violação
de um direito e visam obter a condenação no cumprimento de uma prestação já vencida, ou in
futurum, quando prevêem a violação de um direito e procuram obter a condenação do réu no
cumprimento de uma prestação no momento em que esta se vencer (10.º, n.º 3, al. b)). As acções
de condenação in futurum são admissíveis nas condições previstas no art. 557.º, n.º 1 e 2.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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b) Uma modalidade específica das acções condenatórias é constituída pelas acções


inibitórias, que são aquelas através das quais se exige a alguém a omissão da violação de um
direito: é o caso, por exemplo, da acção destinada a evitar a ofensa a direitos da personalidade. As
acções inibitórias não devem ser confundidas com as acções de condenação in futurum. A distinção
pode ser estabelecida da seguinte forma:

− As acções inibitórias impõem, de imediato, o cumprimento de um dever de omissão;


− As acções de condenação in futurum impõem, quando a obrigação se tornar exigível, o
seu cumprimento.
As acções inibitórias também não se confundem com as providências cautelares de conteúdo
inibitório:
− As acções inibitórias fornecem uma tutela definitiva;
− As providências cautelares de conteúdo inibitório – como uma providência não
especificada (362.º, n.º 1) ou o embargo de obra nova (397.º, n.º 1) – fornecem uma
tutela provisória até à definição da situação através da decisão que virá a ser proferida
na acção principal.

2.4. Acções constitutivas

a) As acções constitutivas são definidas pelo art. 10.º, n.º 3, al. c), como as que têm por fim
autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. A relação material nestas acções é uma
relação potestativa: o autor exerce (ou pretende exercer) um direito potestativo, estando os efeitos
de tal exercício sujeitos à condicio juris de uma sentença favorável que reconheça e declare o
direito, implicitamente autorizando ou desencadeando tais efeitos. Assim, são acções constitutivas
todas aquelas em que sejam exercidos direitos potestativos, como, por exemplo, aqueles que se
referem à impugnação ou revogação de actos jurídicos, denúncia ou resolução de negócios
jurídicos, à destituição de cargos sociais ou ao exercício de direitos de preferência.
Embora não se baseiem num direito potestativo, também podem ser consideradas acções
constitutivas algumas acções que visam modificar ou impedir a produção de certos efeitos
jurídicos. É o caso, por exemplo, das acções que visam modificar a prestação de alimentos ou
outras prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua
duração (619.º, n.º 2), assim como dos embargos de terceiro (cf. art. 342.º, n.º 1).

b) Os efeitos das acções constitutivas podem produzir-se ex tunc, isto é, retroactivamente


ou apenas ex nunc.

2.5. Hipóteses duvidosas

− A execução específica; verificadas certas condições, o contrato-promessa pode, nos


termos do art. 830.º CC, ser passível de “execução específica”, através de “sentença
que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso”; esta execução específica,
apesar do seu nome, opera mediante uma acção constitutiva;
− A acção de investigação de paternidade ou de maternidade; a sentença proferida nesta
acção faz mais que declarar a filiação natural: ela constitui a filiação jurídica; trata-se,
por isso, de uma acção constitutiva;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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− A acção de simples apreciação de direitos potestativos; embora possa ser defendida a


admissibilidade de uma acção de simples apreciação sobre um direito potestativo,
parece ser de rejeitar tal admissibilidade; por exemplo: não é admissível pedir a
simples declaração de que certo contrato é anulável ou de que há razões para requerer
o divórcio, sem formular o correspondente pedido de anulação ou de divórcio.
Algumas acções em que se pede a declaração de nulidade também podem levantar alguns
problemas. Pense-se, por exemplo, na acção de declaração de nulidade do registo de uma
hipoteca; na respectiva sentença não se trata de reconhecer um nihil, mas de “desconstituir” um
quid (cf. art. 687.º CC) Num contexto próximo deste, há quem fale de “sentenças declarativas
constitutivas”.

3. Acções executivas
3.1. Generalidades

As acções executivas são aquelas em que o autor requer as providências adequadas à


realização coactiva de um dever de prestação (10.º, n.º 4). A palavra “ execução”, quando referida
a uma sentença, tem dois sentidos possíveis:
− Um sentido lato, em que se abrange qualquer acto pelo qual se dá cumprimento à
sentença;
− Um sentido restrito, pelo qual se exprime a acção executiva através da qual se dá à
sentença cumprimento coercivo judicial.

3.2. Título executivo

A acção executiva tem uma característica fundamental: toda a execução tem por base um
título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 10.º, n.º 5). O tribunal
não pode tomar providências executivas de carácter material, sem primeiro se assegurar de que o
direito assim coercivamente satisfeito existe realmente. A lei fixa por que meios pode ser realizada
esta demonstração da existência do direito. Tais meios traduzem-se sempre em documentos e
vêm taxativamente enumerados no art. 703.º, n.º 1.

3.3. Modalidades da execução

Nos termos do 10.º, n.º 6, a acção executiva apresenta três subespécies, profundamente
diferentes em termos de tramitação: a execução para pagamento de quantia certa (724.º a 858.º),
a execução para entrega de coisa certa (859.º a 867.º) e a execução para prestação de facto
(868.º a 877.º).

3.4. Formas de articulação

A uma acção declarativa não se segue necessariamente uma acção executiva. Se a acção
for julgada improcedente e se nela não for proferida nenhuma condenação, nada há a executar.
Mas, mesmo que a acção declarativa termine com uma sentença condenatória, também não se
segue a execução se aquela sentença for voluntariamente cumprida pela parte condenada.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Acresce que, considerado o elenco dos títulos executivos que consta do 703.º, n.º 1, nem
toda a execução pressupõe uma anterior acção declarativa. A execução pode iniciar-se com base,
por exemplo, num título de carácter negocial, como uma escritura pública (703.º, n.º 1, al. b)).

II. Classificação pelo critério de decisão


1. Jurisdição contenciosa e voluntária
A jurisdição voluntária assenta na possibilidade de um ou mais interesses particulares se
encontrarem em situações anómalas que, sem serem necessariamente de litígio, justificam que a
prossecução dos mesmos interesses seja condicionada pela intervenção de uma entidade
desinteressada. Para fazer as vezes de tal entidade, a ordem jurídica recorre a uma entidade
decisória, que pode ser um tribunal. Assim, mesmo que o processo decorra inter volentes, a lei
impõe a intervenção de um terceiro com função decisória.
Os processos de jurisdição voluntária encontram-se regulados nos art. 986.º a 1081.º. Fora
do CPC importa referir os processos tutelares cíveis (146.º a 210.º OTM) – de que são exemplo o
processo de adopção, o processo de regulação do poder paternal e ainda o processo de
averiguação de maternidade ou de paternidade.

2. Tipologia da jurisdição graciosa


2.1. Enunciado da tipologia

Os processos de jurisdição graciosa apresentam uma contextura muito variada, o que


explica, em grande medida, a dificuldade da elaboração de uma teoria geral da jurisdição graciosa.
Podem indicar-se três tipos principais de processos de jurisdição graciosa:

− Casos em que o objecto do processo é um interesse, ou grupo de interesses


independentes de uma única pessoa, interesse ou interesses cuja forma de
prossecução é submetida às determinações da entidade decisória; esta submissão
pode resultar das circunstâncias especiais em que se encontra o titular dos interesses
– ausência (processo de nomeação de um curador provisório), incapacidade (processos
que se desenrolam perante o conselho de família), inexistência ou indeterminação
(processo de declaração de aceitação ou repúdio da herança, art. 1039.º a 1041.º),
processo para escusa ou remoção do testamenteiro, art. 1042.º a 1044.º);
− Casos em que o objecto do processo de jurisdição voluntária é composto por
interesses de duas pessoas – mas interesses solidários e não em conflito; exemplo
típico é o da separação ou divórcio por mútuo consentimento (art. 994.º a 999.º);
− Casos de desarmonia de interesses, isto é, casos em que se entrecruzam interesses
contrapostos, mas não no mesmo plano – um deles tem necessariamente uma posição
de primazia perante o outro; é o que sucede com as providências relativas aos filhos e
aos cônjuges, art. 989.º a 993.º (os interesses dos pais ou de um dos cônjuges são
tomados em conta só em segundo plano perante os interesses dos filhos ou do outro
cônjuge).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/37

2.2. Características gerais

A distinção entre os processos graciosos e contenciosos tem importância sobretudo porque


aqueles processos de jurisdição graciosa são sujeitos a um regime peculiar, que diverge do
regime geral dos processos contenciosos em quatro pontos fundamentais. São eles os seguintes:
− Predomínio da conveniência sobre a legalidade, porque, “nas providências a tomar o
tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em
cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna” (art. 987.º);
− Predomínio, quanto ao objecto do processo, do princípio inquisitório sobre o
dispositivo, dado que “o tribunal pode […] investigar livremente os factos” (art. 986.º,
n.º 2), não estando limitado aos factos articulados pelas partes, como sucede, em
regra, no processo contencioso (5.º, n.º 1);
− Inadmissibilidade da interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das
resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade (art. 988.º,
n.º 2); actualizando a doutrina definida no Ass. STJ de 6/5/1965, há que entender
que, nos processos de jurisdição voluntária em que se faça a interpretação e
aplicação de preceitos legais em relação a determinadas questões de direito, as
respectivas decisões podem ser impugnadas através do recurso para uniformização
de jurisprudência (688.º, n.º 1, e 691.º);
− Livre modificabilidade das resoluções, dado que estas podem ser alteradas, sem
prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes
(art. 988.º, n.º 1).

3. Critério da distinção
3.1. Preliminares

Antigamente, era muito comum distinguir os dois tipos de jurisdição da seguinte forma: a
contenciosa desenrola-se entre pessoas que não estão de acordo, inter nolentes ou inter invitos; a
graciosa decorre entre pessoas que estão de acordo, inter volentes: Assim, o art. 1.º § 1.º,
CPC/1876 estabelecia: “O processo é contencioso quando mantém os direitos que são
contestados; gracioso, quando regula os actos jurídicos sem contestação de parte”.
No entanto, não é a verificação ou não verificação de controvérsia (isto é, de um conflito de
opiniões), nem sequer a sua possibilidade ou impossibilidade, que caracteriza os dois tipos de
jurisdição e processo. Pode não haver controvérsia em processo contencioso, se o réu não
contestar ou até confessar logo o pedido. Paralelamente, pode haver processos graciosos em que
a controvérsia se pode verificar: assim, por exemplo, se um dos cônjuges quiser pedir ao tribunal o
suprimento do consentimento do outro cônjuge para vender um bem imóvel (art. 1682.º-A, n.º 1, e
1684.º, n.º 3, CC), intenta um processo de jurisdição voluntária no qual pode haver contestação da
parte demandada (art. 1000.º, n.º 1 e 2).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/38

3.2. Critério proposto

a) O art. 987.º contém o critério da distinção entre os processos graciosos e contenciosos:


são processos de jurisdição voluntária, aqueles em que as resoluções são tomadas segundo
critérios de conveniência e oportunidade. Dito de outro modo: são processos de jurisdição
voluntária aqueles em que o critério de decisão é a discricionariedade. Segundo este critério, o
processo especial de tutela da personalidade (cf. art. 878.º a 880.º) também é um processo de
jurisdição voluntária, porque, independentemente de qualquer pedido relativo à responsabilidade
civil, o autor pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de
evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida (art. 70.º, n.º 2, CC).
O processo de jurisdição voluntária termina por resolução (art. 988.º) ou sentença (art. 986.º, n.º
3). Ora o art. 987.º não diz que o tribunal de jurisdição graciosa escapa ao império da lei sempre
que profere quaisquer resoluções ou sentenças, mas só quando toma providências. Este termo dá
uma ideia geral de decisão tomada para certo fim, dentro de uma medida de prudente arbítrio
concedida a quem tem de a tomar. Há condicionalismos face aos quais a lei só reconhece uma
solução como admitida e lícita: por exemplo, se os cônjuges não acordarem sobre a prestação de
alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício das responsabilidades parentais relativamente
aos filhos menores e o destino da casa de morada de família, eles não se podem divorciar ou
separar por mútuo consentimento (art. 994.º; cf. art. 1778.º CC). Em face destas regras
imperativas e concretas, a entidade decisória está vinculada à solução legal, sem lhe aproveitar o
987.º.
Pode suceder, porém, que a lei tenha um sentido permissivo ou genérico: então funciona o
art. 987.º. Assim, se se verificar o condicionalismo do art. 994.º, a lei não impõe o divórcio:
permite-o, sendo possível quer a persistência do casamento, quer o divórcio. Acresce ainda que
há casos em que o conteúdo da decisão fica, em larga medida, na dependência da entidade
decisória, pelo que, de novo, existem várias alternativas de solução, todas elas possíveis e
jurídicas: por exemplo, na fixação judicial do prazo (art. 1026.º e 1027.º), o juiz pode fixar,
consoante o caso e dentro do pedido pelo requerente, um, dois ou três meses; no caso da tutela
da personalidade, a determinação da medida adequada não é feita pela lei, mas deixada às
circunstâncias do caso, naturalmente sem extravasar daquilo que o requerente solicitar (art. 878.º;
cf. art. 70.º a 81.º CC). É quanto à escolha entre vários consequentes (todos eles) permitidos que
o art. 987.º determina não dever a entidade decisória preocupar-se com razões legais (integrando
uma pretensa lacuna), mas antes julgar por conveniência e oportunidade. Neste caso, aquela
entidade pode negar, em nome destas razões, o divórcio ou a separação por mútuo
consentimento e pode atender a essas razões para fixar o prazo ou para tutelar a personalidade.

b) Atendendo a que o processo especial de tutela da personalidade (878.º a 880.º) não se


encontra integrado nos processos de jurisdição voluntária (986.º a 1081.º), a sua inclusão
doutrinária nestes processos atendendo ao critério de decisão que nele pode ser utilizado – que é
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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a adequação das providências às circunstâncias do caso (70.º, n.º 2, CC) – não permite aplicar
àquele processo as características gerais dos processos graciosos (986.º a 988.º). Em todo o
caso, aquele critério de decisão não permite a interposição de recurso para o STJ, dado que a
revista exige, como fundamento específico, a alegação da violação de lei substantiva (674.º/ 1, a)).

3.3. Natureza jurídica

Apesar de nos processos de jurisdição voluntária o critério de decisão ser a


discricionariedade e de esta ser tipicamente um critério de decisão característico da área
administrativa, não se pode concluir que aquela jurisdição tenha natureza administrativa. Contra
esta caracterização vale a circunstância de a ponderação do tribunal não incidir sobre o interesse
público, mas sobre o interesse privado de cada um dos particulares. Por exemplo: quando o
tribunal decide acerca da atribuição da casa de morada de família após o divórcio (990.º, n.º 1 e
3), o que releva é o interesse de cada um dos ex-cônjuges na permanência nessa casa.
A utilização do critério de decisão para distinguir a jurisdição voluntária da jurisdição
contenciosa permite concluir que pertencem materialmente à jurisdição voluntária aqueles
procedimentos que, por virtude de movimentos de desjudicialização, passaram a ser da
competência do MP (2.º e 4.ª DL 272/2001, de 13/10) ou dos conservadores do registo civil (5.º e
6.º, n.º 1, DL 272/2001).

III. Classificação pela forma


1. Processo comum e especial
Os processos classificam-se, quanto à forma, em especiais e comuns (art. 546.º, n.º 1). O
processo especial é aquele que se aplica aos casos expressamente designados na lei e o
processo comum o que é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial
(art. 546.º, n.º 2). Por conseguinte, o processo especial é a forma de processo cujo âmbito de
aplicação está definido na lei; o processo comum, a forma de processo cujo âmbito de aplicação
se alarga a todos os casos para que não esteja previsto processo especial.
Para se determinar se, em certo caso, se deve usar o processo especial ou o processo
comum, deve utilizar-se o seguinte critério: vê-se no Código de Processo Civil – sobretudo no
Livro V (art. 878.º a 1081.º) – e em leis avulsas se algum dos tipos de processos especiais aí
contemplados abrange, no seu âmbito de aplicação, a hipótese em causa; em caso negati vo,
recorre-se ao processo comum.

2. Regime do processo especial


Nos termos do art. 549.º, n.º 1, os processos declarativos especiais regulam-se, antes do
mais, pelas disposições que lhes são próprias e pelas disposições gerais e comuns e, em tudo
quanto não estiver regulado naquelas disposições, pelo que se encontra estabelecido para o
processo comum.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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3. Processo de declaração
3.1. Generalidades

O processo comum de declaração segue a forma única (art. 548.º).


3.2. Âmbito de aplicação

O âmbito de aplicação do processo declarativo comum é afectado por processos especiais


e procedimentos (naturalmente prevalecentes: art. 546.º, n.º 2 2.ª parte). São eles os seguintes:
− A acção declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias
emergentes de contratos (aprovada pelo art. 1.º DL 269/98, de 1/9), que se destina a
exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor
não superior a € 15000 (art. 1.º a 5.º RPOP);
− A injunção (também aprovada pelo art. 1.º DL 269/98); a injunção visa conferir força
executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias
emergentes de contratos de valor não superior a € 15000 (art. 7.º a 21.º RPOP); se o
incumprimento respeitar a uma transacção comercial, o credor tem direito a recorrer à
injunção, independentemente do valor da causa (art. 7.º, n.º 1, DL 32/2003, de 17/2);
− O regime especial relativo aos atrasos de pagamento em transacções comerciais,
constante do DL 32/2003, de 17/2;
− O procedimento europeu de injunção de pagamento, regido pelo Reg. 1896/2006;
− O processo europeu para acções de pequeno montante, regido pelo Reg. 861/2007.

3.3. Regimes especiais

a) Apesar de todo o processo declarativo comum seguir uma única forma (548.º), há
algumas especialidades no respectivo procedimento em função do valor da causa. Assim:
− Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação a tramitação
posterior à fase dos articulados é distinta da tramitação das acções cujo valor exceda
esse quantitativo (art. 597.º);
− Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a perícia é
realizada por um único perito (art. 468.º, n.º 5);
− Nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, o limite do
número de testemunhas é reduzido para metade do que é admissível nas causas de
valor superior a essa alçada (art. 511.º, n.º 1 2.ª parte);
− Nas acções de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância, os períodos
previstos para as alegações orais dos advogados e respectivas réplicas são
reduzidos para metade daqueles que valem para as demais acções (art. 604.º, n.º 5
2.ª parte).
b) O entendimento destes regimes depende da análise de duas noções: a de valor da causa
e a de alçada do tribunal.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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3.4. Valor da causa

a) O art. 296.º, n.º 1, estabelece que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo,
expresso em moeda legal; nenhuma petição inicial é recebida se dela não constar a indicação do
valor da causa (558.º, al. e)). Todo o processo tem um valor em dinheiro, determinado quer natu-
ralmente pela avaliação dos interesses em causa (art. 297.º a 310.º), quer, quando se trate de
interesses não patrimoniais e não avaliáveis em dinheiro, artificialmente (303.º).
O valor processual interessa para determinar a competência do tribunal, a forma do
processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal (art. 296.º, n.º 2).

b) Os mais importantes critérios de aferição do valor da causa são os seguintes:


− Se a acção tiver por objecto qualquer quantia certa em dinheiro, o valor da causa
corresponde a esse montante (art. 297.º, n.º 1 1.ª parte);
− Se a acção tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor
desta determina o valor da causa (art. 302.º, n.º 1);
− Se a acção versar sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais, o valor
da causa é o equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01 (art. 303.º, n.º 1);
− Se a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento,
modificação ou resolução de um acto jurídico, o valor da causa é aferido pelo valor do
acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes (art. 301.º, n.º 1);
− Se na acção se pedirem prestações vencidas e prestações vincendas, o valor da
causa é determinado pelo valor de umas e de outras (art. 300.º, n.º 1);
− Nas acções de alimentos definitivos e nas de contribuição para despesas domésticas,
o valor da causa é o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido (298.º, n.º 3);
− Nos outros processos relativos a prestações periódicas tem-se em consideração o
valor das prestações relativas a um ano multiplicado por 20 ou pelo número de anos
que a decisão abranger, se for inferior; caso seja impossível determinar o número de
anos, o valor é o da alçada da Relação e mais 0,01€ (art. 300.º, n.º 2);
− Nos processos referentes a contratos de locação financeira, o valor é o equivalente
ao da soma das prestações em dívida até ao fim do contrato acrescidos dos juros
moratórios vencidos (art. 298.º, n.º 2);
− Nas acções de despejo, o valor da causa é o da renda anual, acrescido das rendas
em dívida e da indemnização requerida (art. 298.º, n.º 1).

c) Se, em conjunto com o pedido de condenação na prestação de um tacto infungível, for


pedida a condenação do demandado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória
(829.º-A, n.º 1, CC), este pedido é irrelevante para a fixação do valor da causa, dado que, no
momento da sua formulação, o pagamento daquela sanção é apenas eventual.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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3.4. Alçada do tribunal

A base da organização judiciária dos tribunais judiciais é o tribunal de 1.ª instância, que é,
em regra, um tribunal de comarca (210.º, n.º 3, CRP; 29.º, n.º 3, e 79.º LOSJ); além dos tribunais
de 1.ª instância, existem tribunais superiores – os tribunais da Relação (210.º, n.º 4, CRP; 29.º, n.º
2, e 67.º, n.º 1, LOSJ) e o STJ (210.º, n.º 1, CRP; 29.º, n.º 1, al. a), e 31.º, n.º 1, LOSJ). Dos
tribunais de 1.ª instância, em tese geral, pode recorrer-se para os da Relação e destes para o STJ.
A lei não permite sempre a interposição de recurso. Muitas vezes, a lei estabelece um limite
até ao qual o tribunal menos categorizado julga sem recurso, só cabendo recurso para o tribunal
mais elevado em categoria a partir desse limite (629.º, n.º 1). Ao limite até ao qual certo tribunal
julga sem recurso chama-se alçada desse tribunal. Em matéria civil, a alçada da Relação é de €
30000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5000 (44.º, n.º 1, LOSJ).

§ 8.º Aplicação da lei processual civil

I. Interpretação e integração
O grande princípio geral que domina a matéria da interpretação e integração do direito
processual civil é o de que este ramo de direito se integra quase completamente na teoria geral do
direito. Designadamente, são aplicáveis ao processo civil as soluções que, naquela teoria, forem
dadas aos problemas levantados pela interpretação e integração da lei. Em especial, as
disposições comummente entendidas como de teoria geral sobre o assunto – maxime, as
constantes dos art. 9.º e 10.º CC – são plenamente aplicáveis em processo civil. Apenas importa
acrescentar que, atendendo à função instrumental do processo civil, a interpretação das regras
processuais civis deve facilitar a tutela das situações decorrentes do direito material.
Desta ordem de ideias resulta ainda uma consequência de interesse: podem considerar-se
como regras de teoria geral do direito certas regras que despontaram no direito processual sobre a
interpretação e a integração da lei. É o caso designadamente do art. 8.º CC, que versa sobre a
obrigação de julgar e o dever de obediência à lei.

II. Aplicação no tempo


2. Concretização
2.1. Regime geral

a) Em regra, todas as leis são de aplicação imediata (12.º, n.º 1 1.ª parte, CC), pois que
todas as leis entram em vigor para se aplicarem de imediato às situações que elas abrangem. As
leis novas devem aplicar-se, todavia, com respeito do domínio regido pela lei antiga, ou seja, não
devem aplicar-se de forma retroactiva (art. 12.º, n.º 1 2.ª parte, CC).
Não se tem que atender à lei processual vigente ao tempo em que se constituiu ou extinguiu
o direito ou relação jurídica litigada, mas à lei vigente ao tempo do processo.
A nova lei processual aplica-se imediatamente aos processos pendentes, pelo que respeita
aos actos que de futuro neles hajam de ser praticados. Aqui o termo de referência é a SJ processual
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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em curso. Neste sentido as leis processuais são de aplicação imediata justamente por serem as leis
em vigor ao tempo da realização dos actos a que se referem. Como, porém, o processo é uma SJ em
curso, bem pode acontecer que a aplicação da LN possa, indirectamente, e sem retroactividade,
inutilizar actos processuais passados”.

b) A ideia expressa no art. 12.º CC é a seguinte: deve ver-se com atenção que ponto regula
a lei nova; entende-se, em princípio, que esse ponto é regulado pela lei nova só do momento da
sua entrada em vigor em diante. Se este ponto for um facto ou um efeito jurídico, a lei nova só se
aplica aos factos posteriores, respeitando-se plenamente os factos anteriores em todos os seus
efeitos (12.º, n.º 1, CC); mas se a lei nova regular directamente efeitos jurídicos, aplica-se aos
efeitos que existam após a sua entrada em vigor, ainda que produzidos por factos passados (12.º,
n.º 2 2.ª parte, CC).

2.2. Actos processuais

Em processo, importa considerar não só os actos necessários ao desenvolvimento da


instância, mas também os efeitos processuais de actos processuais ou extraprocessuais. Quanto
àqueles actos, a regra é a aplicação imediata da lei nova aos processos pendentes (art. 12.º, n.º 1
1.ª parte, CC), o que implica a observância do princípio tempus regit actum na sua dupla vertente:
a de que os actos processuais são regidos pela lei vigente no momento da sua realização e a de
que, sem a retroactividade da lei nova, os actos praticados no domínio da lei antiga permanecem
válidos.
Quanto aos efeitos de actos, há que aplicar igualmente as regras de direito transitório formal
que constam do art. 12.º CC. Assim, por exemplo: (i): suponha-se que a lei nova afasta os títulos
de crédito do campo dos títulos executivos (703.º, n.º 1, al. c)); pode fazê-lo, incidindo a sua
regulamentação sobre a criação do título – hipótese em que os títulos de crédito já existentes
permanecem exequíveis (12.º, n.º 1, CC) –, ou sobre a própria exequibilidade dos títulos de
crédito, retirando-lhes a qualidade de títulos executivos – caso em que, mesmo os documentos
existentes, perdem a sua exequibilidade (12.º, n.º 2 2.ª parte, CC); (ii) admita-se que a lei nova,
modificando o disposto no art. 279.º, n.º 2, aumenta as condições em que se mantêm os efeitos
civis derivados da causa em que se verificou a absolvição da instância; a lei nova só é aplicável às
absolvições da instância proferidas após a sua entrada em vigor (art. 12.º, n.º 2 1.ª parte, CC).

2.3. Pressupostos processuais

Os pressupostos processuais terão de estar verificados até ao termo da audiência de


discussão e julgamento (611.º, n.º 1), pelo que eles são apreciados segundo a lei vigente no
momento da decisão do tribunal sobre o seu preenchimento. Há, no entanto, uma excepção: a
competência fixa-se quando a acção se propõe (art. 38.º, n.º 1, LOSJ), sendo, em regra,
irrelevantes quaisquer modificações legislativas que ocorram posteriormente a esse momento (art.
38.º, n.º 2, LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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O 44.º, n.º 3, LOSJ estabelece que a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é
regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção. Isto significa que um recurso
que era admissível no momento da propositura da acção não deixa de ser admissível se, durante
a pendência da mesma, o montante da alçada aumentar e se, por esse motivo, o valor da causa
passar a ser inferior ao montante da alçada (cf. art. 629.º, n.º 1).

2.4. Negócios processuais

À validade dos negócios processuais aplica-se o 12.º, n.º 2 1.ª parte, CC: a validade,
substancial ou formal, desses negócios é regulada, em regra, pelo regime no momento da sua
celebração.

2.5. Direito transitório

Todas as teorias sobre a aplicação da lei no tempo ressalvam, antes de considerações gerais,
que a regra jurídica pode vir dar solução legal aos problemas dessa aplicação, através de
disposições transitórias, podendo fazê-lo por duas formas: por disposições transitórias, quanto a
certos problemas de aplicação das leis no tempo, e por disposições transitórias, quanto a uma certa
sucessão de leis no tempo.

III. Aplicação no espaço


1. Generalidades
Quanto ao problema da aplicação no espaço das leis, vigora um princípio da territorialidade:
as leis emanadas de órgãos de um Estado aplicam-se, em princípio, apenas dentro do território
desse mesmo Estado.
Assim, mesmo que as partes sejam estrangeiras ou o objecto da causa apresente uma
qualquer conexão com outras ordens jurídicas, dentro do território português só se aplica o direito
processual civil vigente em Portugal. Deve ainda salientar-se que, mesmo em instrumentos de
harmonização legislativa, é comum a consagração do princípio da territorialidade.

2. Concretização
2.1. Princípio da territorialidade

Diz o art. 25.º CC que “o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de
família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos”. Como o
art. 15.º, n.º 2, estabelece o princípio da correspondência entre a capacidade de exercício de
direitos substantivos e a capacidade de exercício de direitos processuais (capacidade judiciária),
daqui poder-se-ia tirar a conclusão de que, em matéria de capacidade judiciária, haveria que
preterir, muitas vezes, a lei processual portuguesa e aplicar extraterritorialmente uma lei
estrangeira. De novo a conclusão é precipitada. Por força do 25.º CC pode haver que preterir a lei
portuguesa e aplicar uma lei estrangeira em matéria de capacidade civil; mas, uma vez fixada esta,
a regra processual que se aplica no ordenamento português é sempre a do art. 15.º, n.º 2. Assim,
se, num país estrangeiro, não vigorar a regra da correspondência, havendo pessoas civilmente
capazes mas judiciariamente incapazes, num foro português essas pessoas consideram-se
civilmente capazes, por força do art. 25.º CC, e judiciariamente capazes também, por força do art.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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15.º, n.º 2; a inversa é igualmente verdadeira: ainda que a sua lei pessoal não lhes atribua
capacidade judiciária, todas as pessoas com capacidade de exercício possuem, em Portugal,
capacidade judiciária.
As leis processuais envolvidas na resolução destes problemas são de aplicação territorial, não
podendo ser preteridas por leis estrangeiras. Assim, por exemplo, as pessoas meramente
judiciárias – aquelas que têm personalidade judiciária sem terem PJ (12.º e 13.º) – gozam de
personalidade judiciária, ainda que provenientes de um país que lhes não reconheça tal atributo.

2.2. Confirmação do princípio

a) Convém comparar algumas regras de carácter processual com o princípio da


territorialidade da lei processual, para mostrar como se movem em planos distintos, sem interfe-
rirem entre si. É o caso das regras que versam sobre os seguintes pontos:

− O da eficácia de actos processuais praticados no estrangeiro;


− O da cooperação internacional dos Estados no plano processual;
− O da recepção do direito internacional.
b) Do princípio da territorialidade das leis processuais não deve retirar-se que os actos
processuais validamente praticados à sombra de uma lei estrangeira não possam ser igualmente
reconhecidos como eficazes na nossa ordem jurídica. Pelo contrário: no direito interno português,
reconhece-se eficácia executiva às sentenças proferidas no estrangeiro, nomeadamente desde que
revistas e confirmadas por um tribunal da Relação (art. 706.º, n.º 1, e 978.º a 985.º); e reconhece-
se mesmo eficácia meramente probatória sem quaisquer formalidades prévias (art. 978.º, n.º 2).
Trata-se de um valor extraterritorial, por força da lei portuguesa, das sentenças, não das regras à
luz das quais elas foram proferidas.
A territorialidade das leis de processo também não obsta a que os tribunais dos vários
Estados cooperem no plano processual. No direito processual português, a lei permite que os
tribunais estrangeiros solicitem aos tribunais portugueses, através de cartas rogatórias, a prática de
actos processuais (art. 172.º, n.º 1, e 180.º a 183.º). Isto não quer dizer que a lei processual
portuguesa deixe de ser territorial, porque nos casos indicados – actos praticados no tribunal de
um Estado a rogo de outro Estado – observam-se as faculdades previstas na lei do país onde o acto
é praticado. Mesmo nos casos previstos no art. 7.º, n.º 1, Reg. 1393/2007, no art. 10.º, n.º 3, Reg.
1206/2001 ou no art. 182.º, n.º 2, o que se permite, não é que o tribunal português ace da a aplicar
uma lei estrangeira, mas que aceda a observar formalidades que não repugnem à lei portuguesa.
A lei processual civil remete, em certas matérias, para o direito internacional, através de
cláusulas gerais de recepção do direito internacional, nomeadamente de origem convencional ou
comunitária (8.º, n.º 2 e 4, CRP): é o que faz designadamente nos 59.º, n.º 1, 181.º, n.º 1, 239.º, n.º
1, 580.º, n.º 3, e 978.º, n.º 1. A lei portuguesa remete para o direito internacional ou europeu, pelo
que não há quebra do princípio da territorialidade da lei processual.

2.3. Excepções convencionais

Se o princípio da territorialidade da lei processual não apresenta excepções legais, ele


comporta, no entanto, uma excepção convencional. Em regra, as partes podem confiar o seu pleito
a um tribunal arbitral (voluntário), nos termos do art. 280.º e do art. 1.º, n.º 1, LAV, podendo
acordar sobre as regras do processo a observar na arbitragem. Ora, parece que nada proíbe que as
partes o façam por remissão para uma lei processual estrangeira, que assim se torna aplicável em
Portugal. É claro que a lei só será aplicável se não repugnar aos princípios fundamentais do direito
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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processual civil português (princípios de ordem pública processual internacional), entre os quais é
de contar os princípios da igualdade das partes e do contraditório (30.º, n.º 1, al. b) e c), LAV).

2.4. Processo civil internacional

O princípio da aplicação da lex fori não obsta a que existam, no ordenamento processual
português, algumas regras que só são aplicáveis quando a acção apresenta uma conexão com
várias ordens jurídicas. Nesta hipótese, há, por vezes, que recorrer a regras de conflitos de
jurisdições para determinar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para
apreciar a acção (cf., no âmbito do direito interno, art. 59.º) e há que aplicar regras específicas para
verificar a relevância da pendência da acção num tribunal estrangeiro (art. 580.º, n.º 3). É também
através de regras próprias do processo civil internacional que se analisa se uma sentença
estrangeira pode ser reconhecida em Portugal (art. 978.º a 985.º).

§ 9.º Princípios fundamentais

II. Princípio da instrumentalidade


Se a vontade das partes não pode conseguir certo efeito jurídico fora do processo, não deve ser
possível à pura vontade das partes conseguir tal efeito através de actuações processuais; não o
deve ser nem directamente, nem indirectamente, nem eventualmente. Dado que o processo civil
tem uma posição instrumental perante o direito substantivo, o que este não permite também não
pode ser alcançado através daquele processo.

2. Consequências
2.1. Generalidades

a) Os efeitos jurídicos que não estão na disponibilidade das partes são efeitos jurídicos
indisponíveis, falando a lei, por vezes, de direitos indisponíveis (345.º n.º 1, e 354.º, al. b), CC), de
relações jurídicas indisponíveis (4.º, al. b), CC) ou de matéria excluída da disponibilidade das
partes (333.º e 602.º CC). O princípio da instrumentalidade implica não só que não podem ser
válidos os negócios processuais de desistência ou de confissão do pedido (283.º, n.º 1, e 289.º, n.º
1) e de transacção (283.º, n.º 2, e 289.º, n.º 1) celebrados nas acções que tenham por objecto
direitos indisponíveis, mas também que, nessas mesmas acções, a revelia do réu não pode ser
operante (567.º, n.º 1, e 568.º, al. c)). É ainda pelo receio de se transformarem em meios
indirectos de conseguir um efeito indisponível que a lei proíbe nestes casos o julgamento segundo
a equidade (4.º, al. b), CC).
Para melhor compreensão do princípio da instrumentalidade, considerem-se os exemplos
seguintes:
− O 2008.º, n.º 1, CC estatui que “o direito a alimentos não pode ser renunciado”; trata-
se, portanto, de uma relação jurídica indisponível; ora, se uma pessoa propusesse
uma acção de alimentos contra outra, e seguidamente desistisse do pedido, obtinha,
com esta actuação, em face do disposto no 285.º, n.º 1, o mesmo resultado que
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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obteria com uma renúncia ao seu direito; o princípio da instrumentalidade impõe que,
nesta hipótese, a desistência do pedido seja nula (289.º, n.º 1);
− Proposta uma acção de investigação da paternidade, poderia o réu confessar, não o
pedido em si, mas os factos em que tal pedido se funda; se tal confissão, como é
normal, fizesse prova de tais factos (358.º, n.º 1, CC), dar-se-ia, embora
indirectamente, o estabelecimento voluntário da paternidade; daí que, em obediência
ao princípio da instrumentalidade, a lei recuse a esta confissão o valor probatório
pleno (354.º, al. b), CC); por essa mesma razão, naquela acção a falta de
contestação do réu não implica a confissão dos factos articulados pelo autor (567.º,
n.º 1, 568.º, al. c)) e a não impugnação destes factos também não determina a sua
admissão por acordo (574.º, n.º 2).

b) A lei leva mais longe ainda o seu cuidado: quando um efeito jurídico for indisponível, a lei
chega mesmo a restringir as acções de que esse efeito jurídico seja mera consequência eventual.
Tome-se como exemplo o limite substantivo constante do 1682.º-A, n.º 1, al. a), CC: fora do caso
de casamento em regime de separação de bens, nenhum cônjuge pode alienar imóveis, mesmo
próprios, sem o consentimento do outro; por força do princípio da instrumentalidade, o art. 34.º/1,
impõe que, mesmo só para pôr em risco um imóvel através de uma acção (reivindicado um imóvel,
se o autor perder, fica assente que o imóvel não é dele), é necessário que ambos os cônjuges
estejam em juízo ou que um deles dê o seu consentimento ao cônjuge autor (786/1 a)).

2.3. Indisponibilidade relativa

a) Em regra, a vontade das partes é determinante na constituição e na extinção de relações


jurídicas; a aquisição e a perda de direitos depende, normalmente, da vontade dos transmitentes e
dos adquirentes, por si só ou conjugada com outras vontades. Há, porém, relações jurídicas cuja
constituição ou extinção está subtraída à vontade das partes: estas são as relações jurídicas
indisponíveis. Simplesmente, é vulgar que, quanto a certa relação ou direito, certas vicissitudes
estejam vedadas à vontade das partes, outras não: está-se então perante relações jurídicas
relativamente indisponíveis.
Embora se possa renunciar a prestações já vencidas, o direito a alimentos, em si mesmo, não
pode ser renunciado (cf. art. 2008.º, n.º 1, CC); assim, numa acção de alimentos, em que se pede a
condenação do devedor a prestá-los no futuro, não se pode desistir do pedido (cf. art. 289.º, n.º 1).
Mas pode perguntar-se se o réu pode confessar o pedido de prestação de alimentos; a resposta é a
de que é admissível a confissão desse pedido, pois que, se é verdade que o direito a alimentos não
se pode extinguir ex voluntate, já, pelo contrário, esse direito pode constituir-se ex voluntate. Além
disso, como o montante dos alimentos pode ser fixado por acordo (cf. art. 2006.º CC; cf. art. 385.º,
n.º 1 e 2), se A tiver pedido a condenação de B a pagar-lhe € 500 por mês de alimentos (art.
2005.º, n.º 1, CC), A pode desistir de parte do pedido, quanto ao montante (desistir por exemplo de
€ 100 e passar a pedir só € 400), ou transigir relativamente ao montante dos alimentos (acordando
as partes que o devedor deve pagar € 350).

b) Numa acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, é admissível a


desistência do pedido (art. 289.º, n.º 2). Em contrapartida, o direito ao divórcio ou à separação é
inegociável; assim, por força do princípio da instrumentalidade, numa acção de divórcio litigioso a
transacção não é admissível.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Pode perguntar-se se é admissível a confissão do pedido numa acção de divórcio sem


consentimento de um dos cônjuges. A favor da admissibilidade desta confissão poderia invocar-se
o paralelismo entre os efeitos dessa confissão e a outra modalidade do divórcio, o divórcio por
mútuo consentimento (cf. art. 1773.º, n.º 1, CC). No entanto, contra a admissibilidade daquela
confissão parece poder alegar-se que o divórcio por mútuo consentimento só é admissível se
estiverem preenchidas as condições previstas no art. 1775.º, n.º 1, CC ou 994.º, n.º 1, condições
que não se satisfazem com a mera confissão do pedido formulado num processo de divórcio sem
consentimento de um dos cônjuges. Dito de outro modo: o divórcio através da via processual
“acção litigiosa, seguida de confissão do pedido” frustraria diligências essenciais do divórcio por
mútuo consentimento, nomeadamente o controlo sobre os acordos exigíveis pelo art. 1775.º, n.º 1,
CC ou pelo art. 994.º, n.º 1.

2.4. Determinação da indisponibilidade

a) Um outro factor de dificuldades na análise do princípio da instrumentalidade é a


circunstância de, por vezes, ser difícil determinar se, ou em que medida, a relação jurídica é
disponível ou indisponível. Por exemplo: pode discutir-se se o autor de uma acção de investigação
de paternidade (cf. art. 1869.º CC) pode desistir do pedido; a favor de uma resposta afirmativa
pode aduzir-se que o autor poderia ter deixado caducar o direito, não propondo a acção; contra
essa desistência pode invocar-se a irrenunciabilidade do estado pessoal. Pode ainda discutir-se se,
nessa mesma acção, o réu pode confessar o pedido: pode defender-se que, sendo a acção proposta
contra o investigado (cf. art. 1873.º e 1819.º, n.º 1, CC), o réu pode confessar o pedido, tal como
poderia perfilhar (cf. art. 1847.º CC), mas é certo que, sendo a acção proposta contra os herdeiros
(cf. igualmente art. 1873.º e 1819.º, n.º 1, CC), a confissão não é admissível. Parece impor-se, em
todos estes pontos, uma resposta negativa: na acção de investigação de paternidade não é
admissível nem a desistência do pedido – porque o estado civil é irrenunciável –, nem a confissão
do pedido – porque a relação de filiação não pode ser constituída ex voluntate.
b) Podem ser sucintamente analisadas algumas das principais acções respeitantes a relações
jurídicas indisponíveis:
− Acção de anulação do casamento, em geral (art. 1632.º CC): a desistência do pedido é
admissível, se o casamento for confirmável (art. 1633.º e 1635.º CC) e a acção tiver
sido proposta pelo cônjuge que o puder confirmar (art. 1639.º, n.º 1, 1640.º, n.º 2, e
1641.º CC); a confissão do pedido e a transacção são inadmissíveis;
− Acção de anulação do casamento por simulação (art. 1640.º, n.º. 1, CC): a desistência
do pedido é admissível; a confissão do pedido e a transacção são inadmissíveis;
− Acção de anulação do casamento por falta de testemunhas (art. 1642.º CC): não é
admissível nem a desistência do pedido, nem a confissão do pedido, nem a transacção;
− Acções de anulação ou declaração de nulidade de convenções antenupciais (celebrado
o casamento): é admissível a desistência do pedido, mas não a confissão do pedido,
nem a transacção (cf. art. 1701.º, n.º 1, e 1714.º CC);
− Acção de simples separação judicial de bens (art. 1767.º CC): é admissível a
desistência do pedido; não é admissível nem a confissão do pedido (cf. art. 1714.º CC),
nem a transacção;
− Acção de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens sem consentimento de
um dos cônjuges (art. 1779.º e 1794.º CC): é admissível a desistência do pedido (art.
289.º, n.º 2); não é admissível nem a confissão do pedido, nem a transacção;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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− Acção (de simples apreciação) destinada a fixar a data provável da concepção (art.
1800.º, n.º 1, CC): é admissível a desistência do pedido; não é admissível confissão do
pedido, nem transacção;
− Acção de impugnação da maternidade (art. 1807.º CC): é admissível a desistência do
pedido; não é admissível a confissão do pedido, nem a transacção;
− Acção de investigação de maternidade (oficiosa ou particular) (art. 1808.º e 1814.º
CC): não parece admissível nem a desistência do pedido, nem a transacção; todavia, na
acção de investigação oficiosa, a pretensa mãe pode confirmar a maternidade (cf. art.
1808.º, n.º 3, CC), o que equivale a uma confissão do pedido; por analogia, o mesmo
pode suceder numa acção de investigação particular;
− Acção de impugnação da paternidade presumida (art. 1838.º CC): é admissível a
desistência do pedido; não é admissível nem a confissão do pedido, nem a transacção;
− Acção de investigação de paternidade (oficiosa ou particular) (art. 1864.º e 1869.º CC):
não parece admissível nem a desistência do pedido, nem a transacção; no entanto,
nesta acção é admissível o reconhecimento da paternidade através da perfilhação (cf.
art. 1853.º, al. d), e 1865.º, n.º 3, CC), o que equivale a uma confissão do pedido;
− Acção de alimentos: não é admissível a desistência do pedido (cf. art. 2008.º, n.º 1,
CC); são admissíveis a confissão do pedido e a transacção.

III. Princípio dispositivo


1. Caracterização
O princípio dispositivo é aquele segundo o qual a vontade relevante e decisiva no processo
é a das partes, cabendo a estas o dominium litis e não incumbindo ao tribunal qualquer iniciativa
própria.
O processo civil português é dominado fundamentalmente pelo princípio dispositivo, embora
com importantes limitações: as partes determinam quem são os autores e os réus da ação, fixam
que processo haverá a decidir, o que haverá a decidir em cada processo e que processos serão
decididos.

2. Âmbito
2.1. Concepção privatística

A adopção do princípio dispositivo resulta da configuração do processo civil como um


assunto das partes, em que não há interesses públicos a tutelar e de que, portanto, as partes
podem dispor livremente.

2.2. Concepção publicística

a) Actualmente, reconhece-se que, se o processo civil visa a tutela de situações subjectivas,


a finalidade do mesmo é uma tutela justa dessas situações – justa por ser adequada à vontade
das partes mas também justa objectivamente, por ser séria e verdadeira.
Isto determina que a lei processual, no âmbito de uma tendência para o reforço do papel do
juiz, confira a este importantes poderes de iniciativa processual, traduzidos na admissão limitada
dos princípios do inquisitório e da oficiosidade. Entre esses poderes avultam os que estão
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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consagrados no art. 411.º (como expressão do princípio do inquisitório) e nos art. 6.º, n.º 2, e 578.º
(como manifestação do princípio da oficiosidade). Predomina hoje, na doutrina e na legislação,
uma concepção publicística, não contratualista ou social do processo que encontra a sua
expressão mais vincada no dever de gestão processual (cf. art. 6.º).
Esta concepção significa que o princípio dispositivo deixou de poder ser entendido como um
princípio constitutivo do processo civil e passou a ser concebido como um princípio operativo: o
processo está na disponibilidade das partes sempre que o interesse público não seja afectado
pela disponibilidade dos titulares sobre o “se”, o “quando” e o “como” da tutela das suas situações
subjectivas. Quando a ordem jurídica entende que a tutela de situações privadas não deve ficar na
disponibilidade dos respectivos titulares atribui um poder de tutela a um órgão próprio e distinto do
tribunal – o MP.

3. Princípio do impulso
Em processo civil, o tribunal não pode decidir iniciar um processo – é sempre uma parte que
tem de o fazer (art. 3.º, n.º 1). O tribunal superior também não se ocupa da causa sem a parte
legitimada interpor o competente recurso (art. 637.º, n.º 1).
Às partes também incumbe o impulso subsequente do processo. A falta deste impulso pode
conduzir, entre outras consequências (281.º, n.º 2, 648, n.º 1, e 763.º, n.º 1), à deserção da
instância (281.º, n.º 1). Em regra, as partes também podem pôr termo ao processo,
nomeadamente através de um negócio processual concluído numa causa (277.º, al. b) e d), 280.º
e 291.º) ou num recurso pendente (632.º, n.º 5).

4. Princípio da disponibilidade
4.1. Generalidades

O princípio da disponibilidade das partes sobre o objecto do processo civil é consequência


da autonomia das partes no âmbito do direito privado (405.º CC) e, em especial, da liberdade de
disposição e de exercício dos direitos pelos respectivos titulares.

4.2. Pedido

a) Relativamente à disponibilidade do objecto do processo, há que fazer uma distinção entre


a disponibilidade do pedido e a disponibilidade dos factos necessários à decisão do tribunal.
Quanto ao pedido, são as partes que o delimitam e fixam livremente (552.º, n.º 1, al. e), e 724.º,
n.º 1, al. f)). É por isso que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto
diverso do que for pedido pela parte (609.º, n.º 1), sob pena de ser uma decisão nula (615.º, n.º 1,
al. e)). Note-se que o tribunal pode absolver o réu (do pedido ou da instância), mesmo que este
demandado não tenha formulado nenhum pedido: a admissibilidade da absolvição decorre da
improcedência do pedido do autor ou da impossibilidade da apreciação do mérito da acção.
A vinculação do tribunal ao pedido da parte não impede que o tribunal profira uma decisão
que atribua menos do que a parte pediu. Salvo o caso raro de a interpretação do pedido da parte
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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mostrar que esta só está interessada no “tudo ou nada”, a concessão de um minus é sempre
possível em relação a pedidos quantitativos. Assim, o tribunal pode condenar o demandado por
uma dívida pecuniária em menos do que o autor pede e pode reconhecer a propriedade do autor
apenas sobre uma parcela do imóvel.
Mais problemática é a obtenção pela parte, tomando como parâmetro o que esta pede, de
um minus qualitativo. Em regra, a atribuição de um minus qualitativo é admissível quando o autor
tenha formulado um pedido de condenação (10.º, n.º 3, al. b)) e o tribunal, embora não possa
condenar o réu na realização da prestação, possa reconhecer o direito alegado pelo autor (10.º,
n.º 3, al. a)). Para além desta situação, a condenação do réu num minus qualitativo só é
admissível com base numa expressa previsão legal. Por exemplo, se a dívida, alegada pelo autor
como vencida, ainda não se encontrar vencida no momento do encerramento da discussão (611.º,
n.º 1), o tribunal pode condenar o réu a cumprir a prestação quando esta se vencer (610.º, n.º 1).
Importa ainda acrescentar que a obtenção de um minus em relação ao pedido formulado é
sempre admissível se for consequência de um pedido da contraparte. Por exemplo: se o autor
pedir a condenação do réu a pagar o preço da coisa que lhe alienou, o tribunal pode condenar o
réu a realizar essa prestação depois de o autor lhe entregar a coisa se esta parte invocar a
exceptio non adimpleti contractus (428.º, n.º 1, CC); se o autor tiver pedido o reconhecimento da
propriedade de um imóvel, o tribunal pode reconhecer que o autor é apenas usufrutuário se o réu
tiver pedido, em reconvenção (266.º, n.º 1 e 2, al. a)), o reconhecimento de que é o nu proprietário
do imóvel; se o autor pedir, para reparação do dano, a reconstituição natural, o tribunal pode
condenar o réu no pagamento de uma indemnização se esta parte alegar e provar que aquela
reconstituição lhe é demasiado onerosa (cf. art. 566.º, n.º 1, CC).

b) Por vezes, as partes formulam pedidos em que quantificam o montante que pretendem
conseguir em “pelo menos €….”. Em regra, o montante indicado determina o limite da condenação
do demandado, a menos que se possa concluir que esse montante é apenas uma parcela de um
montante mais elevado e ainda não liquidável no momento da formulação do pedido (609.º, n.º 2).

c) A regra da vinculação do tribunal ao pedido da parte comporta muito poucas exceções.


Uma delas encontra-se no 553.º, n.º 2: apesar de o autor ter formulado um único pedido, o tribunal
pode condenar o réu a satisfazer uma das obrigações alternativas que o devedor tenha a
faculdade de escolher; uma outra exceção consta do 376.º, n.º 3: o tribunal não está adstrito à
providência cautelar requerida no procedimento, podendo decretar uma providência, nominada ou
inominada, diferente daquela que foi solicitada pelo requerente.

4.3. Factos relevantes

O tribunal deve conhecer de todos os factos invocados pelas partes no momento processual
adequado, sejam eles factos principais – isto é, factos que constituem a causa de pedir ou factos
que fundamentam a excepção – ou factos complementares – isto é, factos que complementam ou
concretizam os factos principais (5.º, n.º 2, al. b)).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Note-se que o tribunal deve conhecer de todos os factos alegados pelas partes,
independentemente de eles serem favoráveis ou desfavoráveis à parte que os alegou em juízo.
Se, por exemplo, o réu invocar factos dos quais resulta o reconhecimento do crédito do autor,
ainda assim o tribunal pode utilizar esses factos como fundamento da procedência da acção
contra essa mesma parte. Pode falar-se de um princípio de aquisição processual: factos alegados
por qualquer das partes são sempre factos adquiridos para o processo, não importando se eles
são favoráveis ou desfavoráveis à parte que os invocou em juízo.
A situação também é possível quanto ao autor. Suponha-se, por exemplo, que o autor alega
factos dos quais resulta a nulidade do contrato que celebrou com o réu; em princípio, o tribunal
também se pode servir desses factos para declarar a nulidade do contrato. No entanto, quando o
autor, na petição inicial, alega factos favoráveis ao réu, verificar-se-á normalmente uma ineptidão
da petição inicial por contradição entre a causa de pedir e o pedido, o que conduz, em regra, ao
indeferimento liminar daquela petição (cf. art. 186.º, n.º 1, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1).

4.4. Factos principais

a) Também são as partes que livremente suscitam as questões e articulam os factos em


que o juiz se baseará para proferir a sua sentença (552.º, n.º 1, al. d)). Assim, o 608.º, n.º 2,
estabelece que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua
apreciação, exceptuadas apenas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a
outras, embora não possa ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo daquelas
que forem de conhecimento oficioso.
É nesta ordem de ideias que se filia a necessidade de invocação pelo autor de uma causa
de pedir (5.º, n.º 1, e 552.º, n.º 1, al. d)), sem a qual a sua petição será inepta (186.º, n.º 2, al. a)).
Era concebível que a lei permitisse às partes formular o pedido, cabendo depois ao tribunal
esgotar as possíveis vias de investigação desse pedido. O autor diria por exemplo: “Sou
proprietário de x, pelo que peço ao tribunal que o reconheça contra o réu”; o tribunal investigaria,
por sua iniciativa, todas as possíveis vias de constituição do direito, pelo que a pesquisa destes
meios seria livre para o tribunal, mas correlativamente também da sua exclusiva responsabilidade.
Logicamente, isto seria possível; pragmaticamente, porém, aquela solução tornaria o trabalho do
tribunal incomportável, porque este teria de examinar qualquer possível causa constitutiva da
pretensão do autor.
A lei impõe, por isso, que o autor indique o facto ou factos em que baseia a sua pretensão
(art. 5.º, n.º 1). Se o tribunal entender que esses factos se não verificaram, nega o direito do autor,
mas nega-o limitadamente àquela causa de pedir, pelo que o autor pode propor a mesma acção
com outra causa de pedir, art. 580.º e 581.º. Também quanto ao réu a lei impõe que ele deduza os
factos que tiver em sua defesa (art. 5.º, n.º 1).

b) Desta limitação resulta que o juiz só pode servir-se, em regra, dos factos articulados
pelas partes como causa de pedir ou como fundamento da excepção. Uma das consequências
deste regime é o de que o juiz não pode utilizar factos que resultem do seu conhecimento privado,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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diferentemente do que acontece quanto aos factos de conhecimento funcional (5.º, n.º 1, al. c)): o
juiz que entende dever considerar factos do seu conhecimento privado deve declarar-se impedido
e oferecer-se para depor como testemunha sobre esses factos (115.º, n.º 1, al. h), e 116.º, n.º 1).

c) As partes decidem da delimitação da matéria a resolver e, portanto, da matéria resolvida,


isto é, abrangida pelo caso julgado da decisão. Considerem-se os seguintes exemplos: (i) A pede
a anulação por dolo da venda de x a B e ganha; se não pediu a condenação de B a restituir x, o
tribunal não proferirá essa condenação; se B não restituir x voluntariamente, A terá de mover outra
acção pedindo a condenação de B nessa restituição; (ii) C pede a condenação de D a pagar o
preço de y, que lhe vendeu (mas ainda não entregou) e ganha; só fica decidido que D deve
entregar a C o preço de y, e nada mais; querendo fazer decidir que o contrato de compra e venda
é válido ou que C deve correspondentemente entregar a D y, é preciso que isso seja pedido por C
ou por D (em pedido reconvencional: cf. art. 266.º, n.º 1); senão, quando D vier em nova acção
pedir a condenação de C a entregar y, o tribunal é livre de, ao contrário do primeiro, considerar a
compra e venda nula e absolver C (que fica com o preço, sem ter de entregar a coisa);

4.5. Factos complementares

Os factos complementares são aqueles que concretizam ou complementam os factos


principais alegados pelas partes e que, embora não constituindo a causa de pedir, são
necessários para assegurar a concludência da alegação da parte.
A não alegação dos factos complementares na petição inicial ou na contestação não tem
qualquer efeito preclusivo e justifica que o juiz deva convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado
(590.º, n.º 2, al. b), e 4). Mesmo que esse convite não seja realizado, o tribunal pode considerar os
factos complementares que resultem da instrução da causa, desde que as partes tenham tido a
possibilidade de se pronunciarem sobre eles (5.º, n.º 2, al. b)).

4.6. Ónus das partes

− O ónus de alegação: compete ao autor invocar factos que integram a causa de pedir
(5.º, n.º 1, e 552.º, n.º 1, al. d)) e cabe ao réu alegar os factos em que se baseiam as
excepções, dilatórias ou peremptórias (5.º, n.º 1, e 571.º, n.º 1 e 2 2.ª parte);
− O ónus de impugnação: cabe ao réu impugnar os factos articulados pelo autor na
petição inicial (571.º, n.º 1 e 2 1.ª parte);
− O ónus da prova: compete às partes a prova dos factos controvertidos, isto é, dos
factos alegados por uma parte e impugnados pela outra (342.º a 344.º CC).

4.7. Cooperação do tribunal

O tribunal deve convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na


exposição ou concretização da matéria de facto alegada pelas partes (590.º, n.º 2, al. b), e 4):
trata-se de uma manifestação do dever de cooperação do tribunal com as partes.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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4.8. Princípio inquisitório

a) No âmbito do processo civil não são frequentes os processos submetidos à


inquisitoriedade do tribunal. Esta inquisitoriedade é justificada pelo especial critério de decisão que
é específico destes processos: o tribunal decide segundo o que entender ser mais conveniente e
oportuno (art. 987.º), isto é, segundo um critério de discricionariedade.
Num plano mais restrito, embora transversal à generalidade dos processos, incumbe ao juiz,
como expressão do princípio do inquisitório, realizar ou ordenar todas as diligências necessárias
ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que pode
conhecer (411.º). Estes factos sobre os quais o tribunal possui poderes instrutórios têm as
seguintes características:
− São factos alegados pelas partes ou factos complementares desses factos (5.º, n.º 1
e 2, al. b));
− São, além disso, factos controvertidos, isto é, factos que não se encontram admitidos
por acordo por falta de impugnação (574.º, n.º 2) ou que não se encontram assentes
por confissão do réu revel (567.º, n.º 1).

b) Como se pode concluir do exposto, não se verifica, no processo civil português, nenhuma
relação entre a indisponibilidade sobre o objecto (por este se referir a uma relação jurídica
indisponível) e o processo inquisitório, dado que em parte alguma se estabelece que, quando as
partes não podem dispor do objecto do processo o juiz tem poderes inquisitórios. As
consequências da indisponibilidade sobre o objecto são puramente unilaterais: apenas as partes
ficam limitadas na sua actuação em processo, dado que, quando o objecto é indisponível, não é
admissível a confissão, a desistência ou transacção (289.º, n.º 1), sem que isso se reflicta num
correspondente aumento dos poderes do tribunal.

5. Princípio da oficiosidade
5.1. Matéria de direito

a) O tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável:


− o tribunal não pode ser vinculado pelas partes quanto ao direito aplicável na decisão
da causa; daí que o tribunal possa corrigir uma deficiente qualificação jurídica
fornecida pelas partes;
− as partes não podem afastar a aplicação pelo tribunal das regras de carácter
imperativo, apesar de poderem dispor das regras de natureza supletiva através de
estipulações que as substituem; assim as partes não podem pretender que o tribunal
aprecie apenas a justificação para a denúncia de um contrato se o mesmo houver de
ser considerado inválido por violação da forma legal;
− Ainda um outro de carácter positivo: o tribunal deve analisar os factos alegados pelas
partes segundo todas as possíveis qualificações legais;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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b) O conhecimento oficioso da matéria de direito encontra a sua justificação na


circunstância de se pretender que a solução dada à hipótese presente ao tribunal seja a realmente
verdadeira e não apenas aquela que se justifica em face da maneira como decorreu o processo.
De molde a evitar as chamadas “decisões-surpresa”, o tribunal pode ter de ouvir as partes antes
de decidir com base numa diferente qualificação jurídica fornecida por qualquer delas (3.º, n.º 3).
Isto é: se o tribunal escolher uma “terceira via” que não coincide com nenhuma daquelas que
foram defendidas pelas partes, tem de ouvir estas partes previamente à decisão.
É também por isso que o tribunal pode conhecer oficiosamente de algumas nulidades
processuais (196.º) e da generalidade das excepções dilatórias (6.º, n.º 2, e 578.º). Em especial,
incumbe ao juiz suprir a falta de pressupostos processuais que seja susceptível de sanação: para
esse efeito, cabe-lhe determinar a realização dos actos necessários à regularização da instância
ou, quando estiver em causa uma modificação subjectiva da instância através da intervenção de
terceiros, convidar as partes a praticar os respectivos actos (6.º, n.º 2).

5.2. Factos acessórios

Os factos que constituem a causa de pedir, os factos que fundamentam a excepção


invocada pelo réu e os factos complementares estão submetidos ao princípio da disponibilidade
(5.º, n.º 1 e 2, al. b)): aqueles factos só podem ser considerados pelo tribunal se forem alegados
pelas partes; estes factos complementares podem ser considerados se forem alegados pelas
partes ou se, tendo esses factos surgido na instrução da causa, depois de as partes terem tido a
possibilidade de sobre eles se pronunciarem.
Diferente é o regime definido para os factos instrumentais - factos que indiciam, através de
presunções legais ou judiciais (349.º a 351.º CC), os factos principais ou complementares. Por
exemplo: a infiltração de águas da chuva prova que, na construção do imóvel, não foram
observadas as regras da boa construção de edifícios. Independentemente de qualquer alegação
das partes, estes factos instrumentais podem resultar da instrução da causa, hipótese em que
podem ser considerados oficiosamente pelo tribunal da causa (5.º, n.º 2, al. a)).

5.6. Caracterização do princípio

O princípio da oficiosidade não deve ser confundido com o princípio do inquisitório. O


tribunal conhece oficiosamente de determinadas matérias, independentemente de ter poderes para
as investigar ou de para elas coligir provas por sua iniciativa. Desta circunstância decorre que,
mesmo que nenhuma das partes invoque a incompetência absoluta do tribunal, este tem de
controlar, por sua iniciativa, se é competente em razão da matéria, da hierarquia e das regras da
competência internacional para apreciar a causa; mas deste conhecimento oficioso não decorre que
o tribunal tenha de investigar, igualmente por sua iniciativa, factos tendentes a comprovar a sua
competência material, hierárquica e internacional. No entanto, ainda que a matéria seja de
conhecimento oficioso, o tribunal deve ouvir previamente as partes antes de conhecer de uma
matéria sobre a qual elas ainda não se pronunciaram (art. 3.º, n.º 3).
O corolário da indisponibilidade das partes em processo é o conhecimento oficioso (e não a
inquisitoriedade judiciária): o que é de conhecimento oficioso pelo tribunal é indisponível para as
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partes, e vice-versa. Por exemplo: a generalidade das excepções dilatórias é de conhecimento


oficioso (cf. art. 578.º); portanto, a generalidade dessas excepções está subtraída à vontade das
partes; a violação de pacto privativo de jurisdição e a preterição de tribunal arbitral voluntário não
são de conhecimento oficioso (cf. art. 578.º); portanto, se o réu não invocar essas excepções, o
tribunal não pode conhecer delas.
Em regra, toda a matéria de direito é de conhecimento oficioso, incluindo nela a matéria de
direito processual, pelo que toda essa matéria está subtraída à disponibilidade das partes e o
tribunal conhece dela qualquer que seja a posição das partes quanto a ela. Quanto à matéria de
facto, fala-se de conhecimento oficioso para referir que o tribunal pode tomar conhecimento dela e
utilizá-la como fundamento da sua decisão, mesmo que as partes o não solicitem. Portanto,
enquanto a inquisitoriedade significa que o tribunal pode investigar, por sua iniciativa, matéria de
facto relevante, a oficiosidade implica que o tribunal pode conhecer, independentemente de
qualquer solicitação da parte, da matéria de facto que seja trazida ao processo, mesmo que não
seja por iniciativa das partes (art. 5.º, n.º 2).

IV. Princípio da gestão processual


1. Generalidades
Sem prejuízo do ónus de impulso que recai sobre as partes, o juiz tem o dever de dirigir
activamente o processo e de providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente
as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente
ou meramente dilatório e adoptando, depois de ouvir as partes, mecanismos de simplificação e
agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável (6.º, n.º 1). A
atribuição ao juiz de poderes de gestão processual insere-se na tendência para substituir um
processo rígido por um processo flexível resultante de uma decisão discricionária do juiz.
A gestão processual visa diminuir os custos, o tempo e a complexidade do procedimento.
Esta gestão pressupõe um juiz empenhado na resolução célere e justa da causa e traduz-se num
aspecto substancial – a condução do processo – e num aspecto instrumental – a adequação
formal (547.º). O dever de gestão processual procura ajudar a solucionar a “equação processual”:
uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e a menor
complexidade que forem possíveis no caso concreto.

2. Aspecto substancial
2.1. Generalidades

Sem prejuízo do impulso que incumbe às partes, cumpre ao juiz, no âmbito do dever de
gestão processual, providenciar pelo andamento regular e célere do processo (6.º, n.º 1).
2.2. Concretização

O aspecto substancial do dever de gestão processual expressa-se no dever de condução do


processo que recai sobre o juiz, dever que é justificado pela necessidade de o juiz providenciar
pelo andamento célere do processo (6.º, n.º 1). Para a obtenção deste fim, deve o juiz:
− Promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e recusar o
que for impertinente ou meramente dilatório (6.º, n.º 1);
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I/57

− Providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais


susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à
regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser
praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo (art. 6.º, n.º 2);

Um outro aspecto da condução do processo é aquele que respeita à programação, após a


audição dos mandatários, dos actos a realizar na audiência final, estabelecendo o número de
sessões e a sua provável duração e designando as respectivas datas (591.º, n.º 1, al. g)). A
solução do litígio através de um meio alternativo ou mediante a conciliação das partes também
corresponde ao exercício de poderes de gestão.

3. Aspecto instrumental
3.1. Generalidades

a) O dever de condução do processo que recai sobre o juiz serve-se, como instrumento, do
poder de simplificar e de agilizar o processo, isto é, do poder de modificar a tramitação processual
ou os actos processuais: atribui ao juiz o poder de adequar o procedimento à pequena ou grande
complexidade da causa. A simplificação e agilização são aferidas, naturalmente, em referência ao
standard legal. Assim, a simplificação implica uma tramitação menos pesada do que aquela que
consta da lei; a agilização, em contrapartida, envolve uma forma mais fácil de atingir a justa
composição do litígio: nuns casos, a agilização pode traduzir-se numa simplificação da tramitação,
mas, noutros, a agilização pode envolver a prática de actos não previstos na lei.
Para obter a simplificação ou agilização o juiz dispõe do poder de adequação formal. O juiz
deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o
conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo
equitativo (art. 547.º). Portanto, o juiz pode alterar a tramitação legal da causa – tanto prescindindo
da realização de certos actos impostos pela lei, como impondo a prática de actos não previstos na
lei – e pode ainda modificar o conteúdo e a forma dos actos.
O direito português, limita-se a fornecer, como critério para o exercício do poder de
adequação formal, o parâmetro do processo equitativo (art. 547.º in fine). Este critério tem de ser
visto em conjugação com o overriding objective estabelecido no art. 6.º, n.º 1 in fine: a justa
composição do litígio em prazo razoável, isto é, num prazo que garanta a utilidade da tutela
requerida. Isto justifica que aquele critério deve ser aplicado pelo juiz numa dupla vertente: o
processo equitativo deve servir de limite à adequação formal, no sentido de que esta adequação
não pode violar as garantias daquele processo, mas também deve ser utilizado como orientador
da decisão do juiz, na acepção de que este deve utilizar o poder de adequação formal para
construir um processo equitativo. Neste sentido, pode dizer-se que a adequação formal impõe ao
juiz da causa uma “optimização” do processo equitativo.
Do exposto decorre que o tempo do procedimento não é tudo o que importa considerar na
determinação pelo juiz de uma tramitação alternativa. O critério que deve orientar a adequação
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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formal é um critério de proporcionalidade: o processo deve ter uma tramitação com uma estrutura
proporcional à complexidade da causa, pelo que causas de menor complexidade devem ter uma
tramitação mais simples do que a legalmente definida e causas de maior complexidade podem ter
uma tramitação mais pesada do que aquela que se encontra estabelecida na lei. No fundo, há que
utilizar na adequação formal um critério de proporcionalidade: só as causas de valor mais elevado
admitem uma tramitação mais complexa que inclui a fase de recurso.
A adequação formal permite estabelecer uma tramitação construída à medida da
complexidade da causa. Com a possibilidade desta adequação, a exigência do processo equitativo
ganha uma nova dimensão: a equidade processual passa também a impor uma tramitação
adequada à complexidade da causa.

b) As hipóteses de utilização do poder de adequação formal são inúmeras, quer no âmbito


mais alargado de substituição da tramitação legal, quer no âmbito mais restrito de mera adaptação
dessa tramitação. Efectivamente, o poder de adequação formal permite a construção de uma
tramitação alternativa para o processo, mas também possibilita a mera adaptação de alguns
aspectos da tramitação legal. Por exemplo: o juiz pode determinar que uma questão prejudicial
seja apreciada antes de outras questões, de modo a evitar que a decisão dessa questão torne
inúteis todos os demais atos que seriam, entretanto, praticados na ação. A adequação formal,
nesta vertente de adaptação da tramitação legal, também possui algumas concretizações na lei:
podem ser referidas aquelas que estão previstas nos art. 37.º, n.º 2, e 555.º, n.º 1 (autorização da
cumulação de pedidos), no art. 40.º, n.º 3 (adequação da tramitação processual quando as
testemunhas são inquiridas pelo juiz).
Nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, a adequação formal
traduz-se ainda na possibilidade da escolha de uma ou várias alternativas de entre as opções
concedidas ao juiz (597.º). Em concreto, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do acto
ao fim do processo, pode convocar a audiência prévia (597.º, al. b); 591.º), proferir despacho
destinado a programar a audiência final e a designar as respectivas datas (art. 597.º, al. f)) e ainda
designar dia para esta audiência, mediante prévio acordo de datas com os mandatários das partes
(597.º, al. g); 151.º, n.º 1).

3.2. Audição das partes

A adequação formal requer a prévia audição das partes (6.º, n.º 1), pelo que comete uma
nulidade processual o juiz que determinar essa adequação sem previamente ouvir as partes
(195.º, n.º 1).

3.3. Nulidades processuais

Ocorre uma nulidade processual quando é praticado um acto que a lei não admite ou
quando é omitido um acto que a lei prescreve (195.º, n.º 1). Constitui uma nulidade processual a
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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realização de um acto não estabelecido nessa tramitação, bem como a omissão de um acto nela
previsto.

3.4. Fase da gestão processual

A tramitação do processo declarativo comum comporta, depois da fase dos articulados, uma
fase de gestão processual. Nesta encontra-se regulada quer uma gestão inicial – destinada,
designadamente, a providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias (590.º, n.º 2, al. a)) e a
controlar os articulados das partes (590.º, n.º 1, e 2, al. b), 3 e 4) –, quer uma gestão subsequente
– respeitante, nomeadamente, à dispensa da audiência prévia (593.º, n.º 1), à escolha de uma ou
várias opções nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação (597.º) e à
programação da audiência final (591.º, n.º 1, al. g)).
A adequação formal, enquanto acto de gestão processual, pode ser ordenada pelo juiz a
qualquer momento da tramitação da causa, mas ela é normalmente determinada na fase da
gestão processual. Na verdade, a adequação pode ser decidida quer na audiência prévia (590.º,
n.º 1, al. e)), quer no despacho que substitui essa audiência (593.º, n.º 2, al. b), e 597.º, al. d)).

4. Limites legais
4.1. Pressupostos da adequação

A simplificação e a agilização processuais devem assegurar um processo equitativo (cf. art.


547.º). A situação não é problemática quando uma complex litigation impõe que o juiz determine a
prática de actos não previstos na lei: se forem respeitados os princípios da igualdade das partes e
do contraditório, o acrescento de actos não estabelecidos na lei não levanta nenhum problema. A
questão é mais complicada quando se trata de simplificar a tramitação legal pois, nesta hipótese,
há que substituir uma tramitação legal por uma judicial sem afetar a equidade processual.
A resposta mais óbvia parece ser a de que, na decisão de adequação formal, não podem
ser afastadas pelo juiz regras imperativas. O que importa assegurar é que a tramitação alternativa
continue a garantir um processo equitativo, pelo que há que determinar qual é o standard mínimo
que resulta da tramitação legal e que deve ser respeitado em qualquer procedimento alternativo
definido pelo juiz. Nesta perspectiva, pode dizer-se que em qualquer tramitação tem de estar
assegurada a possibilidade de as partes alegarem as suas razões de facto e de direito e de
realizarem a prova dos factos controvertidos, bem como a oportunidade de o tribunal se
pronunciar tanto sobre a matéria de facto, como sobre a de direito e, quanto a esta última, quer
numa perspectiva processual, quer numa óptica substantiva. Respeitado este standard mínimo,
toda a tramitação determinada pelo juiz está em condições de ser válida.

4.2. Resultados da adequação

a) A tramitação determinada pelo juiz deve assegurar a possibilidade de as partes


exprimirem as suas razões de facto e de direito e de realizarem a prova dos factos controvertidos
e deve estabelecer um acto para o tribunal se pronunciar sobre a matéria de facto e de direito.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Dentro deste enquadramento geral, a tramitação definida pelo juiz deve respeitar os princípios da
igualdade das partes e do contraditório e não contender com a aquisição processual de factos,
nem com a admissibilidade de meios probatórios: é o que pode ser retirado do disposto no 630.º,
n.º 2, quanto aos fundamentos da recorribilidade da decisão de adequação formal.
Importa referir que, quando seja interposto recurso da decisão de simplificação ou de
agilização, ao tribunal de recurso compete apenas verificar se os princípios da igualdade das
partes ou do contraditório foram violados ou se a aquisição de factos ou a admissibilidade de
meios de prova foram desrespeitadas, não cabendo a esse tribunal substituir-se ao tribunal
recorrido na medida de adequação formal a tomar.

b) A simplificação e agilização processuais assentam na disponibilidade do juiz sobre o


procedimento. A adequação formal não contende, todavia, com o domínio das partes sobre o
processo no que respeita ao impulso processual. O juiz, ao simplificar ou agilizar o processo,
define uma tramitação alternativa, mas as partes continuam a ter a iniciativa do impulso
processual, ou seja, a ter o ónus de praticar os actos que enformam essa tramitação, e a poder
terminar o processo através da desistência do pedido ou da instância, da confissão do pedido ou
da celebração de uma transacção (277.º, al. e), e 283.º).

V. Princípio da cooperação
1. Caracterização
Segundo o princípio da cooperação, as partes e o tribunal devem colaborar entre si na
resolução do conflito de interesses subjacente à acção.

2. Concretização
2.1. Posição das partes

O dever de cooperação assenta, quanto às partes, num dever de actuação orientado pela
eficiência e proporcionalidade. Em concreto, o dever de cooperação traduz-se no dever de
litigância de boa fé (art. 8.º), bem como no dever de fornecer, a convite do juiz, os esclarecimentos
sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes (art. 7.º, n.º 2). A infracção do
dever de cooperação implica, quando seja grave, a litigância de má fé da parte (542.º, n.º 2, al. c)).
O dever de cooperação das partes estende-se igualmente à área da prova. O art. 417.º, n.º
1, estabelece, na sequência do direito do tribunal à coadjuvação de outras entidades (202.º, n.º 3,
CRP; 23.º, n.º 1, LOSJ), que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de
prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for
perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e
praticando os actos que forem determinados.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2.2. Posição do tribunal

a) O dever de colaboração do tribunal destina-se a incrementar a eficiência do processo, a


assegurar a igualdade de oportunidades das partes e a promover a descoberta da verdade.
O dever de cooperação não se trata de atribuir ao tribunal um poder para o mesmo utilizar
quando entender e como entender, mas de impor ao tribunal um dever de auxílio das partes:
− Dever de prevenção; o tribunal tem o dever de prevenir as partes sobre a falta de
alguns pressupostos processuais (6.º, n.º 2, e 508.º, n.º 1, al. a)) e sobre
irregularidades ou insuficiências das suas peças ou alegações (590.º, n.º 2, al. b),
591.º, n.º 1, al. c), 639.º, n.º 3, e 652.º, n.º 1, al. a));
− Dever de esclarecimento; o tribunal tem o dever de se esclarecer junto das partes
quanto às dúvidas que tenha sobre as suas alegações, pedidos ou posições em juízo
(6.º, n.º 2);
− Dever de consulta das partes; o tribunal tem o dever de consultar as partes sempre
que pretenda conhecer de matéria de facto ou de direito sobre a qual aquelas não
tenham tido a possibilidade de se pronunciarem (3.º, n.º 3); com o cumprimento deste
dever procura-se obviar às chamadas “decisões-surpresa”, isto é, às decisões com
fundamentos de facto ou de direito inesperados (591.º, n.º 1, al. b), 654.º, n.º 1, 655.º,
n.º 1, 665.º, n.º 3, e 687.º, n.º 2); exemplo: autor baseia o seu pedido num contrato
celebrado com o réu; esta não invoca a nulidade do contrato; o tribunal entende que o
contrato é nulo e pretende conhecer oficiosamente dessa nulidade (286.º CC); não o
deve fazer antes de consultar as partes sobre essa invalidade;
− Dever de auxílio das partes; o tribunal tem o dever de auxiliar as partes na remoção
das dificuldades ao exercício dos seus direitos ou faculdades ou no cumprimento dos
seus ónus ou deveres processuais (7.º, n.º 4); encontra-se uma concretização deste
dever de auxílio no 418, n.º 1, quanto à obtenção de informações na posse de
serviços administrativos.

b) Os deveres de prevenção e de esclarecimento não contrariam o princípio da


imparcialidade do juiz (115.º e 119.º) se essa colaboração tiver um carácter complementar ou
corrector da actividade da parte: o juiz não perde a sua imparcialidade por colaborar com qualquer
das partes na remoção de incoerências, obscuridades, ambiguidades ou lacunas nas suas peças,
na aclaração das questões por elas suscitadas ou na concretização de um pedido genérico (556.º,
n.º 1). O que é indispensável é que a colaboração do juiz seja realizada sem quebra da sua
imparcialidade, isto é, seja fornecida a ambas as partes de forma igual. Neste contexto, há que
concluir que não é a colaboração devida que é parcial; o que pode ser parcial é a ausência dessa
colaboração quando devida pela lei.

c) Também se pode perguntar se o dever de colaboração do tribunal deve ser observado


quando a parte esteja representada por advogado. A representação por advogado não dispensa o
tribunal de colaborar com as partes, embora a ausência dessa representação deva aumentar a
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/62

diligência do tribunal no cumprimento do dever de colaboração. Por exemplo: o tribunal deve


informar, de forma clara, fiável e oficial, a parte de um processo de adopção em que ela não se
encontra representada por advogado sobre as vias, formas e prazo de recurso da decisão que
decretou a adopção.

d) Quais as consequências que decorrem do não cumprimento pelo juiz dos deveres de
prevenção e de consulta. A omissão destes deveres traduz-se numa nulidade processual, porque
o tribunal deixa de praticar um acto que não pode omitir (195.º, n.º 1). Sucede, no entanto, que
esta nulidade só se torna patente quando o tribunal profere uma decisão, apontando, por exemplo,
a falta de um pressuposto processual que não convidou a parte a sanar ou decidindo uma questão
de direito que as partes não discutiram no processo. Isto significa que a nulidade processual
decorrente da omissão de um acto devido é consumida pela nulidade da decisão que conhece de
matéria de que, nas condições em que o faz, não podia conhecer (615.º, n.º 1, al. d)).

2.3. Posição comum

O princípio da cooperação também manifesta na posição recíproca de qualquer dos sujeitos


processuais perante todos os demais. Assim, todos os intervenientes no processo devem agir em
conformidade com um dever de correcção e de urbanidade (9.º, n.º 1) e a marcação do dia e hora
de qualquer diligência deve resultar de acordo entre o juiz e os mandatários judiciais (151.º, n.º 1).

VI. Princípio da igualdade das partes


1. Caracterização
1.1. Generalidades

a) As partes devem situar-se numa posição de plena igualdade entre si e ambas devem ser
iguais perante o tribunal. É nisto que consiste o princípio da igualdade das partes, que é um dos
corolários dos princípios da igualdade perante a lei (13.º, n.º 1, CRP) e da imparcialidade do órgão
incumbido de compor o litígio.
Em concreto, o princípio da igualdade das partes traduz-se, antes do mais, numa igualdade
de chances e de riscos: ambas as partes devem ter as mesmas chances de obter uma decisão
favorável e sobre ambas as partes deve recair o mesmo risco de o tribunal vir a proferir uma
decisão desfavorável. Durante o desenrolar do processo, ambas as partes devem ter as mesmas
oportunidades de influenciar o seu resultado: é o que, por vezes, acentuando uma concepção
“duelística” do processo, se designa por igualdade de armas.
1.2. Ónus das partes

O princípio da igualdade das partes implica que as partes têm de ser tratadas de forma
igual, sem qualquer distinção entre parte activa e parte passiva. Esta igualdade formal não obsta a
que as partes não possam criar, através do seu comportamento em juízo, situações de
desigualdade. Estas situações são um corolário directo dos ónus que recaem sobre cada uma das
partes processuais e das consequências do seu não cumprimento.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/63

Os ónus são situações subjectivas de cujo cumprimento depende a aquisição de uma


posição favorável para a parte; o não cumprimento do ónus implica a não aquisição dessa posição
favorável e, consequentemente, a não colocação da parte contrária na posição desfavorável de ter
de cumprir um contra-ónus. Por exemplo: (i) se o autor não provar os factos constitutivos do direito
que alega, o réu é absolvido do pedido (cf. art. 342.º, n.º 1, CC; art. 414.º); há um ónus de prova
do autor que, quando não cumprido, dispensa o réu do ónus da contraprova ou da prova do facto
contrário; (ii) se o réu não contestar, o autor é dispensado de provar os factos por ele alegados (cf.
art. 567.º, n.º 1); há um ónus de contestação do réu que, quando não cumprido, dispensa o autor
de provar os factos constitutivos do seu direito.

2. Relevância da igualdade
2.1. Generalidades

O art. 4.º impõe que o tribunal assegure, durante todo o processo, um estatuto de igualdade
entre as partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na
aplicação de cominações ou de sanções processuais. Esta igualdade substancial implica, para o
tribunal, um duplo dever: o dever de corrigir factores de desigualdade e o dever de não criar
situações de desigualdade.

2.2. Correcção de desigualdades

É realizada através da função assistencial do juiz. Por exemplo: o art. 590.º, n.º 2, al. b),
impõe que o juiz convide as partes a aperfeiçoarem os seus articulados; se o articulado de uma
delas for deficiente, o juiz, além de impedir a boa administração da justiça, infringe, no caso
concreto, o princípio da igualdade substancial das partes se não a convidar a aperfeiçoá-lo. Essa
função assistencial permite alcançar a igualdade das partes através de uma actuação do tribunal.

2.3. Proibição de desigualdades

a) O princípio da igualdade também impõe ao tribunal o dever de não originar situações de


desigualdade entre as partes, ou seja, proíbe que o tribunal trate de modo desigual as partes. Por
exemplo: devendo ambas as partes corrigir o rol de testemunhas que apresentaram, não deve o
juiz fixar prazos diferentes para cada uma delas.
Esta proibição de criação de situações de desigualdade entre as partes cede na situação
em que o tribunal deva tratar partes substancialmente desiguais de forma desigual. É o que
sucede, por exemplo, quando haja que definir o conteúdo da decisão atendendo à desigualdade
efectiva entre as partes. Como no caso da fixação de uma multa, pelo art. 139.º, n.º 8, que, aliás,
deve ser visto como uma concretização do princípio do tratamento desigual de partes desiguais.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/64

3. Princípio do contraditório
3.1. Caracterização

O princípio do contraditório consiste na regra segundo a qual, sendo formulado um pedido


ou oposto um argumento a uma parte, deve ser-lhe dada a oportunidade de se pronunciar sobre o
pedido ou o argumento, só depois se decidindo. Ninguém deve ser condenado sem ser ouvido:
este princípio é expressão de um direito a ser ouvido e é, em processo penal, regra constitucional,
conforme resulta do art. 32.º, n.º 1 e 6, CRP.

3.2. Fundamento

O princípio do contraditório deriva do princípio da igualdade das partes, dado que este
último impõe que ambas as partes tenham iguais oportunidades de expor as suas razões,
procurando convencer o tribunal a decidir a seu favor.

3.3. Consequências

a) Do princípio do contraditório decorre um direito de resposta: iniciando uma das partes um


processo, à outra parte deve ser dado conhecimento do que foi dito perante o tribunal e deve ser
dada oportunidade (que usará ou não) de expor as suas razões (3.º, n.º 1 in fine). Daqui decorre o
princípio da audiência contraditória das provas (415.º, n.º 1) e os cuidados de que a lei cerca a
citação do réu (187.º a 192.º e 225.º a 246.º).

b) Do princípio do contraditório também resulta um direito à audição prévia:


− Em regra, levantada por uma parte uma questão, o juiz deve ouvir a parte contrária
antes de decidir (3.º, n.º 3 1.ª parte);
− Em regra, de molde a evitar as “decisões-surpresa”, o juiz não pode decidir questões
de direito ou de facto, mesmo que sejam de conhecimento oficioso, sem que as
partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre elas (3.º, n.º 3 2.ª parte).
A audição prévia destinada a evitar as “decisões-surpresa” justifica-se nomeadamente nas
seguintes situações:
− Quando o tribunal considere relevante matéria de matéria de facto ou de direito que
as partes tenham considerado irrelevante ou que lhes tenha passado despercebida; a
necessidade da consulta das partes não decorre da circunstância de o direito ser
supletivo ou imperativo, mas do facto de as partes não se terem apercebido de um
regime supletivo ou imperativo aplicável ao caso;
− Quando o tribunal qualifique determinada matéria de facto de maneira diferente da
das partes ou entenda que a questão implica a aplicação de direito estrangeiro;
− Quando o tribunal não forneça a uma prova o valor q ambas as partes lhe atribuem.
O dever de consulta das partes não é dispensado quando o tribunal entenda que as partes
deviam ter considerado a matéria de facto ou de direito, deviam saber qual o direito aplicável ou
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/65

não deviam ignorar o valor do meio de prova. Dito de outro modo: o dever de consulta não
depende de nenhuma avaliação da diligência das partes.

c) A não audição prévia das partes constitui uma nulidade processual (195.º, n.º 1),
normalmente consumida pela nulidade de uma decisão: se, apesar de não ter ouvido previamente
as partes, o tribunal considerar a questão na sua decisão, esta é nula por excesso de pronúncia
(porque o tribunal conhece uma questão de que não podia conhecer: 615.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte).

3.4. Exercício

O contraditório atribui um direito de resposta à contraparte, que pode ser exercido de


diversas formas, como a apresentação de uma contestação, articulado complementar, resposta a
um requerimento ou alegação ou a produção de contraprova ou de prova do contrário. Existe, no
entanto, uma importante restrição quanto à forma e ao momento do exercício do direito de
resposta: segundo o estabelecido no 3.º, n.º 4, às excepções deduzidas no último articulado
admissível só pode a parte contrária responder na audiência prévia (591.º) ou, se esta não houver
de se realizar, no início da audiência final (604.º).

3.5. Excepções

As excepções mais frequentes ao direito de audição prévia verificam-se nas providências


cautelares, que são as providências destinadas a acautelar o efeito útil da acção (2.º, n.º 2 in fine).
Assim:
− A providência cautelar comum pode ser decretada sem o contraditório do requerido
quando a audiência deste puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência
(366.º, n.º 1);
− O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito
pode requerer o arresto de bens do devedor (619.º, n.º 1, CC); este é decretado sem
a audição da parte requerida (393.º, n.º 1).
O contraditório só pode ser afastado pela lei (3.º, n.º 2), não pela vontade das partes. Por
isso, é nulo o pacto pelo qual certa pessoa se comprometa a não se defender numa acção futura
(294.º CC), embora lhe seja permitido não se defender numa acção contra ele proposta.

VII. Princípio da boa fé


1. Caracterização
As partes devem actuar em juízo de boa fé (art. 8.º), pelo que o processo civil, ainda que
dominado pelo princípio dispositivo, encontra-se submetido a um princípio de boa fé. O dever de
actuação de boa fé constitui um limite ao domínio das partes sobre o processo resultante do
princípio dispositivo.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2. Concretização
2.1. Má fé unilateral

a) A litigância de má fé pressupõe que a parte actua de forma diferente daquela que era a
devida e a esperada. Em concreto:
− Deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (art. 542.º,
n.º 2, al. a)); é o que sucede, por exemplo quando o réu, que anteriormente invocara
a preterição de tribunal arbitral, vem arguir, uma vez instaurada a acção no tribunal
arbitral, a incompetência deste tribunal (venire contra factum proprium);
− Praticar omissão grave do dever de cooperação (art. 542.º, n.º 2, al. c); cf. art. 7.º);
− Fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com
o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a
acção da justiça ou protelar, sem fundamento, o trânsito em julgado da decisão (art.
542.º, n.º 2, al. d));
− Alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa
(542.º, n.º 2, al. b)), isto é, violar o dever de verdade e o dever de completude nas
suas afirmações; estes deveres são deveres da parte quer perante a contraparte,
quer perante o tribunal.

b) O recorte da litigância de má fé impõe a consideração de várias hipóteses:


− O autor demandou sem razão, mas de boa fé e sem culpa; essa parte decairá na
acção e normalmente pagará as custas (527.º, n.º 1 e 2); não há, porém, lugar a
indemnização, pois o autor não agiu ilícita ou abusivamente;
− O autor demandou sem razão, de boa fé, mas com culpa (acção leviana), pois não
investigou suficientemente a situação jurídica; essa parte decairá na acção e,
normalmente, pagará as custas (527.º, n.º 1 e 2); em regra, essa parte não deverá
qualquer indemnização, pois a lei só prevê e sanciona o dolo ou a negligência grave
(542.º, n.º 2 pr.); esta regra comporta a excepção regulada no 374.°, n.º 1, relativa à
responsabilidade do requerente dos procedimentos cautelares (621.° CC) e nos art.
858.º e 866.º, relativos à responsabilidade do exequente;
− O autor demandou sem razão e de má fé (acção temerária); essa parte decairá na
acção e normalmente pagará as custas (527.º, n.º 1 e 2) e está sujeita a multa e
indemnização como litigante de má fé (542.º, n.º 1).

2.2. Dever de verdade

a) O dever de verdade implica que a parte não deve alegar factos que sabe que não são
verdadeiros e não deve impugnar factos que sabe que são verdadeiros. Assim, o dever de
verdade é violado quando a parte alega factos que sabe que não são verdadeiros, não quando a
parte alega factos que está convencida de que são verdadeiros mas que não tem a certeza de que
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/67

são verdadeiros, nem quando a parte contesta factos alegados pela contraparte de que não tem a
certeza de que não são verdadeiros.
É esta circunstância de ser imposto à parte que não minta, mas não que tenha a certeza do
que afirma, que justifica a admissibilidade da formulação de um pedido subsidiário sem que a
parte possa ser acusada de violar o dever de verdade. Por exemplo: o autor pode pedir a
condenação do réu na restituição de uma quantia, invocando que a emprestou ao réu; para o caso
de tal não ser reconhecido e de se entender que a quantia foi entregue ao réu a título de doação, o
autor pode pedir a restituição dessa mesma quantia alegando a invalidade deste contrato; ainda
que o pedido principal fundado no mútuo seja considerado improcedente, isso não justifica a
condenação do autor como litigante de má fé por violação do dever de verdade, excepto se se
demonstrar que o autor sabia que a quantia não tinha sido emprestada ao réu.
É pelo mesmo parâmetro de proibição da mentira que há que analisar a alegação de factos
que a parte não pode saber se são verdadeiros. Assim, a afirmação de meras hipóteses ou
conjecturas, a descrição de estados anímicos alheios ou a formulação de uma prognose sobre
acontecimentos futuros não violam o dever de verdade se a parte fornecer alguns indícios para
corroborar o que afirma. Em contrapartida, dificilmente a parte que alega factos “a ver se pega” ou
afirma algo “ao acaso” desconhece que não é verdade o que expõe; portanto, essa parte viola o
dever de verdade.

b) Pode discutir-se se o dever de verdade exige que a parte reponha a verdade quanto a
uma afirmação inexacta realizada pela parte contrária e desfavorável a esta parte. Por exemplo: o
autor afirma que emprestou € 5000 ao réu; esta parte sabe que o empréstimo foi de € 10000; pode
perguntar-se se o dever de verdade é violado se o réu não corrigir o autor. Realisticamente, há
que entender que o dever de verdade só impõe que a parte não minta em afirmações próprias e a
seu favor, não que diga a verdade sobre uma afirmação errada que lhe é favorável mas
desfavorável para a contraparte que a profere.

2.3. Dever de completude

O dever de completude impõe que a parte tem o dever de alegar todos os factos que são
relevantes para a apreciação da causa, abrangendo, assim, tanto os factos que lhe são favoráveis,
como os factos que lhe são desfavoráveis. A parte tem o dever de alegar toda verdade, pelo que a
parte não pode omitir um facto que sabe ser verdadeiro, ainda que o mesmo lhe seja adverso.
O dever de completude tem como limite a faculdade de recusa da colaboração da parte em
matéria probatória. Exemplo: nenhuma parte é obrigada a revelar factos da sua vida privada ou
familiar (417.º, n.º 3, al. b)), nem factos relativos a segredo profissional ou de Estado (417.º, n.º 3,
al. c)), nem ainda factos criminosos ou torpes (454.º, n.º 2). Isto significa não só que a parte não
tem o ónus de alegar esses factos, mas também que a parte não tem o ónus de impugnar esses
factos quando alegados pela parte contrária. Por exemplo: admita-se que, numa acção de
despejo, é alegado pelo autor que o réu manteve uma relação adulterina com uma vizinha; a não
impugnação deste facto não pode implicar a sua admissão por acordo.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2.4. Consequências legais

a) A parte que litiga de má fé é sancionada com a condenação em multa e numa


indemnização à parte contrária, se esta a pedir (542.º, n.º 1): esta indemnização é quantificada
nos termos do 543.º, n.º 1 e 2, e não concorre com aquela que resulta do disposto no 483.º, n.º 1,
CC, pelo que não é possível procurar a responsabilização da parte que actua com mera
negligência. Pelas custas da acção, pela multa aplicada e pela indemnização devida podem ser
responsáveis, além de qualquer das partes da ação (542.º, n.º 1), quer os representantes de
incapazes (544.º), quer o mandatário judicial da parte (545.º).
A esta consequência geral podem acrescer outras consequências. Assim, no caso da
tentativa ilícita de desaforamento, o tribunal deve declarar-se incompetente (107.º) e, na hipótese
da propositura indevida de uma acção prejudicial, o tribunal da acção dependente não deve
decretar a suspensão da instância (272.º, n.º 2). Pode assim estabelecer-se a regra segundo a
qual, para além da multa e da indemnização, a litigância de má fé implica que o acto praticado
pela parte contra os ditames da boa fé não pode produzir nenhuns efeitos em juízo.

b) Ao contrário do que sucede no regime geral – que exige uma actuação dolosa ou
gravemente negligente da parte (art. 542.º, n.º 2 pr.) –, os regimes especiais previstos nos art.
374.º, n.º 1, 858.º e 866.º operam com a mera negligência, o que aumenta as hipóteses de
responsabilização da parte. Como é evidente, estes regimes especiais continuam aplicáveis
quando a parte actua com negligência grave ou mesmo com dolo e não obstam à aplicação do
regime geral em hipóteses por eles não abrangidas.

2.5. Má fé bilateral

A má fé é bilateral quando ambas as partes agem de má fé com o intuito de prejudicar


terceiros: verifica-se então a simulação processual (612.º). Por exemplo: as partes simulam uma
acção de reivindicação para, através da diminuição do património do demandado, afectarem a
garantia patrimonial dos seus credores (601.º CC). Apercebendo-se da simulação processual, o
juiz da causa deve abster-se de proferir qualquer decisão (612.º). Se esse juiz não se tiver
apercebido da simulação e tiver proferido uma decisão de mérito, o terceiro prejudicado pode
solicitar a revisão desta decisão (696.º, al. g)).

3. Abuso de direito
3.1. Generalidades

O conceito de acção abusiva diz respeito ao autor que faz a acção desempenhar uma
função diversa da obtenção de tutela jurisdicional, designadamente a de prejudicar ou incomodar o
réu. Por exemplo: (i) A, apenas para fatigar B, move-lhe continuamente acções declarativas da
propriedade de todos os objectos que possui; A abusa do seu direito de acção, porque utiliza os
meios processuais para obter uma finalidade ilegal; (ii) C é credor de D no montante de € 20000;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/69

em vez de demandar D numa única acção, C vai propondo sucessivamente várias acções
respeitantes a montantes parcelares, procurando não só importunar D, mas também evitar que a
acção tenha um valor que permita a D interpor um eventual recurso; C abusa do direito de acção,
porque se serve da acção para a prossecução de objectivos ilegais; (iii) E instaura uma acção de
reivindicação contra F; na iminência da improcedência da acção, E transmite, visando dificultar a
posição da outra parte no processo, a coisa ou o direito em litígio ao terceiro G (263.º, n.º 2, e
356.º, n.º 1, al. a)); E abusa do direito de acção, porque se serve do processo para obter uma
finalidade ilegal.
O abuso do direito de acção é um abuso do processo: a parte que abusa do seu direito de
recorrer aos tribunais faz um uso indevido do processo. Este uso indevido também se verifica
quando o processo é utilizado para o exercício abusivo de um direito, ou seja, quando o processo
serve de meio (ou de instrumento) para o abuso do direito.

3.2. Relevância legal

a) O abuso do processo tem autonomia perante a litigância de má fé, ou seja, se esse


abuso pode ser sancionado autonomamente da litigância de má fé? Atendendo a que a litigância
de má fé pressupõe o dolo ou a negligência grave da parte e que o abuso do direito é aferido
objectivamente, pode tender-se para uma resposta positiva à questão suscitada. Mas é duvidoso.
As consequências do abuso do direito de acção só podem ser procuradas na condenação da parte
no pagamento de uma multa e numa indemnização devida à parte contrária (542.º, n.º 1) ou na
aplicação de uma taxa sancionatória à parte (531.º). Dito de outra forma: o abuso do direito de
acção só releva se ele puder ser reconduzido, conforme as diferentes situações, a um tipo
subjectivo de dolo, negligência grave ou negligência.
Lembre-se que, para que a parte seja considerada litigante de má fé, é necessário que a
mesma actue com dolo ou negligência grave (542.º, n.º 2). Em contrapartida, para que a parte seja
condenada a pagar uma taxa sancionatória excepcional, basta que ela actue com falta de
diligência ou prudência ao propor acção, deduzir oposição, formular requerimento, interpor
recurso, apresentar reclamação ou levantar incidente manifestamente improcedente (531.º).

b) A análise da relevância do abuso de direito em processo implica considerar duas


situações: aquela em que o abuso de direito origina um abuso do direito de acção (abuso
qualificado) e aquela em que o abuso de direito não é acompanhado do abuso do direito de acção
(abuso simples).

3.3. Abuso qualificado

No direito português, o abuso do direito de acção é mais amplo do que o exercício abusivo
de um direito em juízo: aquele abuso abrange todas as hipóteses reguladas no art. 542.º, n.º 2, o
exercício abusivo de um direito em processo só é subsumível ao disposto no art. 542.º, n.º 2, al. a)
(dedução de pretensão ou oposição com conhecimento da falta da sua fundamentação). Dito de
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/70

outro modo: na óptica da conduta processual das partes, o art. 542.º é mais amplo do que o art.
334.º CC: aquele preceito envolve situações de exercício abusivo de um direito em processo (cf.
art. 542.º, n.º 2, al. a)) e hipóteses que são apenas de abuso do processo (cf. art. 542.º, n.º 2, al.
b), c) e d)); o art. 334.º CC só se refere ao exercício abusivo de um direito.
Basta esta conclusão para demonstrar que o direito positivo trata o exercício abusivo de um
direito em processo como uma (possível) situação de litigância de má fé: em concreto, é esse o
sentido do disposto no art. 542.º, n.º 2, al. a). Aliás, se assim não se entendesse, o art. 542.º, n.º 2,
al. a), ficaria sem campo de aplicação possível, porque o preceito só se pode referir a situações de
exercício abusivo de um direito. Deste modo, tal como nenhuma das outras situações de abuso do
direito de acção pode relevar se não estiverem preenchidas as condições necessárias para a
litigância de má fé (nomeadamente: 542.º, n.º 2), também o exercício abusivo de um direito em
processo só pode ter relevância se for subsumível ao regime da litigância de má fé.

3.4. Abuso simples

Não se deve entender que todo o abuso de direito corresponde a um abuso do direito de
acção que deve ser sancionado com a condenação da parte como litigante de má fé: a acção
também pode improceder, simplesmente porque o tribunal entende que o que o autor pede é
abusivo, sem que haja motivo para condenar esta parte como litigante de má fé com base numa
actuação gravemente negligente ou dolosa, ou seja, sem que se justifique sancionar essa parte
por abuso do direito de acção. Por exemplo: (i) as partes celebraram um contrato de mútuo que é
nulo por falta de forma; no entanto, o devedor pagou, durante vários anos, os juros do empréstimo;
é abusivo o pedido feito por este devedor de devolução da quantia paga em consequência da
nulidade do contrato; (ii) um banco accionou uma livrança, que os executados tinham avalizado
em branco, vários anos depois de estes se terem afastado da sociedade subscritora; aquele
exequente actua com venire contra factum proprium, se tinha conhecimento de que os executados
só avalizaram a livrança por serem pessoas com interesse na sociedade subscritora e se,
sabendo que os executados se sentiam desobrigados e que era bastante a garantia dos restantes
avalistas, ainda assim continuou a conceder crédito à sociedade através da renovação do contrato
de abertura de crédito. Em qualquer destes casos, se não houver abuso do direito de acção, não
há motivo para condenar o demandante como litigante de má fé.

3.5. Abuso de defesa

O abuso do direito de defesa tem, em princípio, as mesmas consequências do abuso do


direito de acção – a condenação do réu como litigante de má fé. Por exemplo: o réu que mente na
sua contestação abusa do seu direito de defesa e actua de má fé (542.º, n.º 2, al. a)). Quando o
abuso do direito de acção não implica a litigância de má fé por não se verificarem os seus
elementos objectivos e subjectivos, o abuso do direito de defesa implica a correspondente
consequência. Por exemplo: o demandado ou o requerido que deduziu, por não ter agido com a
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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prudência devida, uma oposição manifestamente improcedente deve ser condenado numa taxa
sancionatória especial (531.º).

VIII. Princípio da legalidade


1. Caracterização
Aparece sob dois aspetos: das formas processuais e do conteúdo da decisão.

2. Formas processuais
2.1. Tramitação processual

O princípio da legalidade das formas processuais pode ser visto em dois domínios: no
domínio do esquema da marcha do processo, em geral, e no domínio da forma de cada acto
processual, em particular. Quanto ao esquema da marcha do processo, este pode ser rígido (por
ter a sua marcha fixada na lei) ou flexível (por a sua marcha ser estabelecida pelo juiz ou pelas
próprias partes). O processo civil português é um processo flexível – a marcha do processo não é
necessariamente aquela que estiver fixada pela lei, dado que o juiz, fazendo uso dos seus
poderes de gestão processual, pode tomar as medidas de agilização e simplificação que
assegurem a justa composição do litígio num prazo razoável (6.º, n.º 1).
O que é concedido ao juiz não é, no entanto, permitido às partes. É nulo, por
impossibilidade legal (280.º, n.º 1, CC), o acordo pelo qual as partes convencionem que uma
acção deva seguir a tramitação por elas acordada.

2.2. Actos processuais

Quanto à forma de cada acto processual, também não se aplica o princípio da legalidade.
Embora a lei regule efectivamente muitíssimos pontos de forma dos actos processuais, a regra
ainda é a que resulta do art. 130.º, n.º 1: os actos processuais têm a forma que, nos termos mais
simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir.

3. Conteúdo da decisão
O princípio da legalidade do conteúdo da decisão exprime-se desta forma: em regra, o
tribunal deve decidir segundo a lei. O princípio da legalidade relaciona-se com o da independência
dos juízes: esta conexão resulta com clareza do disposto no 203.º CRP: os tribunais são
independentes e apenas estão sujeitos à lei.
O princípio da legalidade do conteúdo da decisão apresenta algumas exceções:
− As excepções resultantes do princípio dispositivo; em regra, as partes podem
determinar, por desistência da instância ou do pedido, por confissão do pedido, o
conteúdo da decisão do tribunal da causa (283.º a 291.º);
− A excepção decorrente do chamado juízo de equidade; nos termos previstos no 4.º
CC e no 39.º, n.º 1, LAV, as partes podem pedir que a solução para uma questão seja
determinada, não ex iure stricto, mas ex aequo et bono;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/72

− A excepção própria dos processos de jurisdição voluntária; nestes processos, as


resoluções assentam em critérios de conveniência e de oportunidade (art. 987.º).

IX. Princípio da economia processual


1. Plano institucional
O princípio da economia processual pode ser visto num plano institucional e num plano
individual. Num plano institucional, o processo não deve implicar custos desnecessários e não
proporcionais à prossecução da sua finalidade ou, numa outra formulação, os meios disponíveis
devem ser utilizados de molde a optimizar o fim do processo, evitando a perda de tempo e os
custos evitáveis. O princípio da economia processual orienta-se por um critério de eficiência e a
ele liga-se quer a necessidade de desonerar os tribunais de processos desnecessários, quer o
imperativo do andamento célere dos processos pendentes. Alguns institutos processuais são
decorrência do princípio da economia processual: é o caso, por exemplo, das excepções de
litispendência e de caso julgado e da suspensão da instância por prejudicialidade – que se
destinam a evitar uma duplicação de processos sobre a mesma questão –, bem como da
coligação de autores e réus, da reconvenção (266.º, n.º 1) e da cumulação de pedidos (553.º a
555.º) – que visam concentrar várias acções num único processo.

2. Plano individual
No plano individual – isto é, no plano de cada processo em concreto –, o princípio da
economia processual proíbe a prática de atos inúteis (130.º). Este princípio obsta a que se
pratiquem em juízo atos tanto objetiva (aqueles que não respeitam à matéria discutida), como
subjectivamente (aqueles que nada acrescentam para a convicção já formada do juiz) inúteis num
processo.
A inutilidade objectiva é facilmente demonstrável (se se discute x, não interessa praticar um
acto relativo a y), mas a inutilidade subjectiva tem na base um pressuposto indemonstrável: o acto
é inútil na pressuposição de que nada vai acrescentar ao que já está adquirido para a convicção
do juiz, mas, se o acto não é realizado, nunca se pode saber se ele seria realmente inútil, porque
nunca se pode ter a certeza de que o ato omitido, se tivesse sido realizado, não iria abalar a
convicção do juiz. A economia processual fundamenta, por isso, a irrelevância virtual de um acto,
isto é, a irrelevância de um acto que, apesar de ser admissível, é considerado irrelevante antes
mesmo de ser praticado: o juiz que já adquiriu a convicção sobre uma questão pode dispensar um
acto processual a ela respeitante, sem que tenha de se preocupar com o que poderia ter resultado
desse acto e com a possível utilidade do acto omitido para um outro tribunal (recurso).

X. Princípio da auto-suficiência
1. Caracterização
Em processo civil, a aparência vale como realidade para o efeito de determinar se o é ou
não e esta determinação é realizada no próprio processo.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2. Concretização
A mera invocação de um direito permite à parte instaurar uma causa, o que, em rigor, só
deveria ser permitido àquele que fosse efectivamente titular desse direito; mas a causa visa
precisamente averiguar se o autor é ou não titular do direito que invoca. O mesmo se passa no
plano dos pressupostos processuais: a apreciação destes pressupostos é realizada na própria
acção em que eles condicionam a apreciação do mérito. Assim, a parte ilegítima é legítima para
sustentar a sua ilegitimidade e o tribunal incompetente é competente para decidir da sua
competência.

III. TRIBUNAL E COMPETÊNCIA

1. Organização judiciária

§ 10.º Noções gerais

I. Órgãos jurisdicionais
1. Generalidades
1.1. Noção de tribunal

Os sujeitos do processo civil são o tribunal – que é um sujeito público – e as partes – que
são, em regra, sujeitos privados. Importa começar por analisar o primeiro sujeito processual: o
tribunal, que pode ser definido como o órgão de soberania investido especificamente na função
jurisdicional (cf. art. 202.º, n.º 1, CRP; art. 2.º, n.º 1, LOSJ).
Os tribunais são órgãos imparciais que utilizam, em regra, o direito substantivo como critério
de decisão e que têm competência para proferir decisões dotadas de valores próprios, como são
os de caso julgado (indiscutibilidade da decisão) e de executoriedade (susceptibilidade da decisão,
quando não voluntariamente cumprida, ser executada em processo próprio). Como corolário da
função jurisdicional, as suas decisões são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas
e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (205.º, n.º 2, CRP; 24.º, n.º 2, LOSJ).

1.2. Espécies de tribunais

Tribunais comuns e tribunais especiais; tribunais estaduais e tribunais arbitrais.

2. Tribunais comuns e especiais


2.1. Ordens de tribunais

Os tribunais integram-se em complexos hierarquizados e correlacionados entre si, que


constituem, no seu conjunto, o que se chama uma ordem jurisdicional (109.º, n.º 1). Assim, os
tribunais de comarca, as Relações e o STJ formam um todo judiciário, hierarquizado (dos tribunais
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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de comarca recorre-se, em regra, para as Relações, e destas para o Supremo), tal como o formam
os tribunais administrativos de círculo, os Tribunais Centrais Administrativos e o STA.
Chama-se tribunal comum àquele que pertence a uma ordem de tribunais a que, no seu
conjunto, é atribuída competência genérica, isto é, competência para dirimir todos os litígios, salvo
apenas os que, por lei, estejam reservados a tribunais de outra ordem (211.º, n.º 1, CRP; 40.º, n.º
1, LOSJ). Chama-se tribunal especial àquele que pertence a uma ordem de tribunais cuja
competência é delimitada por lei. Há uma ordem de tribunais comuns – a ordem dos tribunais
judiciais (209.º, n.º 1, al. a), e 210.º, n.º 1, CRP; 29.º, n.º 1, al. a), LOSJ) – e uma ordem de
tribunais especiais – a ordem dos tribunais administrativos e fiscais (209.º, n.º 1, al. b), e 212.º, n.º
1, CRP; 29.º, n.º 1, al. b), LOSJ).

2.2. Âmbito da competência

Dado que a qualificação de um tribunal como comum ou especial não depende tanto da
competência desse tribunal como da ordem a que pertence, compreende-se que, dentro da ordem
comum, alguns tribunais partilhem da característica geral desta ordem – serem tribunais de
competência-regra – e outros tenham a sua competência limitada por lei. Os primeiros são
tribunais comuns de competência genérica (211.º, n.º 1, CRP; 40.º, n.º 1, LOSJ); os segundos são
subdivididos em tribunais comuns de competência específica e tribunais comuns de competência
especializada (211.º, n.º 2, CRP).
A classificação referida no 211.º, n.º 2, CRP – que, ao distinguir entre tribunais comuns de
competência específica e tribunais comuns de competência especializada, parece ter em vista a
competência em função da forma de processo e a competência em função da matéria – não é
muito clara, pois que as formas de processo distribuem-se fundamentalmente em função da
matéria. Mas como há um outro factor que pode influir na determinação da forma de processo – e
que é o valor da causa –, supõe-se que o que o 211.º, n.º 2, CRP quer dizer é que a lei ordinária,
além de poder criar tribunais competentes para certas matérias (tribunal de competência
especializada), também pode criar tribunais competentes só até um certo valor (tribunal de
competência específica).
Refira-se que a LOSJ não utiliza, quanto aos tribunais de comarca, a distinção entre
tribunais de competência especializada e tribunais de competência específica (80.º, n.º 2, LOSJ).
Os tribunais superiores contêm secções especializadas (47.º, n.º 1 e 2, LOSJ, quanto ao STJ, e
67.º, n.º 2 e 3, LOSJ, quanto aos tribunais da Relação).

3. Tribunais estaduais e arbitrais


3.1. Distinção

Ao lado dos tribunais estaduais existem os tribunais arbitrais (209.º, n.º 2, CRP; 29.º, n.º 4, e
150.º, n.º 1, LOSJ). A nota característica do tribunal arbitral é fundamentalmente esta: a de que a
sua competência depende da aceitação e vontade de ambas as partes, expressa num negócio
jurídico que tem o nome de convenção de arbitragem (art. 1.º, n.º 1, LAV). Por exemplo: A discute
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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com B a propriedade de x, e resolve dirigir-se ao tribunal; por força do princípio dispositivo, o


tribunal só dirime este litígio se A lho pedir (3.º, n.º 1); basta a vontade de A, dado que B é julgado
e eventualmente condenado, qualquer que seja a sua vontade de estar em juízo. Porém, a lei
permite que A e B escolham um ou mais árbitros para julgarem o seu litígio; isso só é possível se A
e B concordarem em resolver o seu litígio através de um tribunal arbitral, exigindo a lei que se trate
de um litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial (1.º, n.º 1, LAV). Refira-se também
que os tribunais arbitrais só podem ter competência declarativa, não executiva (47.º, n.º 1, LAV).

3.2. Classificações

Os tribunais arbitrais distinguem-se em duas classes:

− Os tribunais arbitrais permanentes, que são aqueles que se encontram constituídos e


que estão à disposição das partes que, de comum acordo, a eles queiram recorrer;
Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo;
− Os tribunais arbitrais eventuais, que são aqueles que se constituem para julgar certo
litígio ou grupo delimitado de litígios e se dissolvem em seguida; nestes tribunais pode
decorrer uma arbitragem institucionalizada, quando as partes recorrem a um centro de
arbitragem que fornece um regulamento que as partes só limitadamente podem alterar
e que, em regra, só admite a escolha de árbitros próprios, ou uma arbitragem ad hoc,
quando as partes escolhem livremente as regras do processo e os árbitros; há diversos
organismos oferecidos às partes para regularem: entre eles avultam a ICC e o Centro de
Arbitragem Comercial.
Atendendo ao âmbito da escolha das partes, os tribunais arbitrais distinguem-se em
voluntários e necessários:

− Quando a lei permite às partes resolverem o seu litígio em tribunal arbitral, o tribunal é
voluntário; a arbitragem voluntária é instituída através de uma convenção de
arbitragem (1.º, n.º 1, LAV);
− Quando a lei impõe o recurso à arbitragem, o tribunal arbitral é necessário (1082.º a
1085.º); é o que se verifica, nomeadamente, na fixação do valor da indemnização por
expropriação, na resolução dos conflitos relativos à celebração ou revisão de uma
convenção colectiva de trabalho e ainda na definição dos serviços mínimos que devem
ser assegurados em caso de greve.

4. Arbitragem voluntária
4.1. Convenção arbitral

A arbitragem voluntária decorre da celebração de uma convenção de arbitragem, que é o


acordo pelo qual as partes decidem confiar a um tribunal arbitral voluntário o conhecimento de
litígios, actuais ou eventuais, que não estejam submetidos exclusivamente aos tribunais estaduais
ou a arbitragem necessária e que incidam sobre interesses de natureza patrimonial (1.º, n.º 1, LAV)
ou, mais genericamente, sobre matérias sobre as quais as partes possam celebrar transação (1.º,
n.º 2, LAV; 1249.º CC). A convenção de arbitragem tem de revestir a forma escrita (2.º, n.º 1, LAV).
A morte ou extinção das partes não faz caducar a convenção de arbitragem, nem extingue a
instância do tribunal arbitral, salvo convenção em contrário (4.º, n.º 4, LAV).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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4.2. Tribunal arbitral

a) O tribunal arbitral voluntário deve ser composto por um número ímpar de membros,
podendo funcionar com um único árbitro (8.º, n.º 1, LAV). No silêncio da convenção, o tribunal
arbitral é composto por três árbitros (8.º, n.º 2, LAV). No caso de o tribunal arbitral ser composto
por três ou mais árbitros, cada parte deve designar igual número de árbitros e os árbitros assim
designados devem escolher outro árbitro, que actua como presidente do tribunal arbitral. A
designação dos árbitros pode ser feita pelas partes logo na convenção de arbitragem ou em escrito
posterior (art. 10.º, n.º 1, LAV).
Os árbitros podem recusar a designação, mas, uma vez designados e tendo aceite o encargo,
só podem obter escusa das funções se esta for fundada em causa superveniente que impossibilite o
designado do exercício da função. O árbitro que se escuse injustificadamente a prosseguir o
exercício da função responde pelos danos a que der causa. No caso de falecimento, escusa ou
incapacidade do árbitro, procede-se à substituição do árbitro.

b) No que respeita ao funcionamento do tribunal arbitral, o respetivo lugar pode ser fixado
pelas partes e, na falta de acordo, pelo próprio tribunal arbitral. Podem igualmente ser objeto de
acordo das partes as regras de processo a observar na arbitragem; na falta desse acordo, o tribunal
arbitral define as regras processuais que entenda adequadas. Em qualquer caso, o procedimento
arbitral deve respeitar o direito de defesa, a igualdade das partes e o princípio do contraditório.

4.3. Decisão arbitral

O tribunal arbitral voluntário pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo
que, para isso, seja necessário apreciar quer a existência, a validade ou a eficácia da convenção de
arbitragem ou do contrato em que ela se insira, quer a aplicabilidade daquela. Perante esta regra,
os tribunais estaduais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral
voluntário deduzida por uma das partes (578.º) quando seja manifesto que a convenção invocada é
nula ou se tornou ineficaz ou inexequível (5.º, n.º 1 in fine, LAV).
Se as partes não tiverem fixado prazo para ser proferida decisão arbitral, esta decisão deve
ser proferida dentro do prazo de doze meses a contar da data da aceitação do último árbitro (43.º,
n.º 1, LAV). A lei confere a esta o valor de caso julgado e atribui-lhe a força executiva das sentenças
dos tribunais estaduais.
A decisão arbitral pode ser anulada pelo tribunal judicial com certos fundamentos (46.º, n.º
3, LAV), devendo a ação de anulação ser proposta no prazo de 60 dias a contar da notificação da
decisão (46.º, n.º 6, LAV). O decurso deste prazo não impede que a parte possa opor-se à execução
da decisão com o fundamento da anulação (48.º, n.º 1, LAV).

II. Jurisdição e competência


1. Competência jurisdicional
1.1. Noção

Aos tribunais cabe um dos poderes e funções do Estado: a jurisdição (202.º, n.º 1, CRP; 2.º,
n.º 1, LOSJ).

1.2. Modalidades da competência

a) O poder jurisdicional reparte-se entre os tribunais de todo o Mundo, pelo que os tribunais
portugueses não podem pretender ser os únicos a resolver todos os litígios. Os tribunais
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portugueses encarregam-se apenas de uma certa extensão desse poder jurisdicional, a que se
chama competência internacional (59.º; 37.º, n.º 2, LOSJ).
A medida de jurisdição de cada tribunal português é a sua competência interna, que pode
ser delimitada em função de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a matéria do litígio, o valor
da causa, a hierarquia judiciária e o território em que o tribunal está instalado e sobre o qual se
estende o seu poder jurisdicional (60.º, n.º 2; 37.º, n.º 1, 40.º, 41.º, 42.º e 43.º LOSJ).
1.3. Relações teóricas

Teoricamente, as relações entre a competência internacional e a competência interna


estabelecem-se da seguinte forma:
− A competência internacional resulta de uma repartição de competências entre várias
OJ; por exemplo: os tribunais da ordem jurídica x são competentes para as ações a, b
e c e os tribunais da ordem jurídica y são competentes para as ações d, e e f;
− A competência interna resulta da repartição da competência internacional pelos
tribunais de uma certa ordem jurídica; por exemplo: a ação a é atribuída ao tribunal s,
a ação b ao tribunal t e a ação c ao tribunal u.
Este modelo teórico só tem correspondência prática quando há uma autoridade supra-
estadual que reparte a competência internacional entre as várias ordens jurídicas (como sucede
no caso dos regulamentos europeus) ou quando os Estados acordam, através de uma convenção
internacional, em repartir entre eles a competência internacional. No entanto, quando o legislador
nacional define a competência internacional dos seus tribunais, fá-lo de uma forma unilateral, sem
se preocupar com a coordenação com a competência internacional que outros legisladores
nacionais atribuem aos seus tribunais: assim sendo, pode suceder que, para a mesma acção,
possuam competência internacional tribunais de ordens jurídicas diferentes.

1.4. Relações práticas

Mais importantes que as relações teóricas que se podem estabelecer entre a competência
internacional e a competência interna são as relações práticas entre estas modalidades da
competência jurisdicional:
− A aferição da competência internacional pode determinar simultaneamente a
competência territorial; neste caso, diz-se que a regra que afere a competência
internacional é dotada de uma dupla funcionalidade;
− A aferição da competência territorial pode determinar simultaneamente a competência
internacional; nesta hipótese é a regra relativa à competência territorial que é dotada
de dupla funcionalidade; por exemplo: para uma acção de divórcio é competente o
tribunal (português) do lugar do domicílio do autor (72.º), mesmo que, por exemplo, o
réu seja brasileiro e tenha domicílio no Brasil.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/78

2. Competência funcional
2.1. Generalidades

A máquina judiciária compõe-se de órgãos (tribunais), e estes subdividem-se em órgãos


parcelares, alguns conservando a natureza de tribunais, mas outros sendo elementos orgânicos
dos mesmos (juízes, agentes do Ministério Público, secretaria). A competência do tribunal
distribui-se por estes órgãos. Assim, ao lado da competência jurisdicional, distribuição dos atos em
que se exprime a jurisdição entre os tribunais, surge a competência funcional, distribuição dos atos
em que se exprime a jurisdição dentro de um tribunal pelos vários órgãos que o compõem.
A infracção da competência funcional levanta alguns problemas. Alguns deles são
resolvidos através do regime das nulidades processuais, sempre que o acto seja praticado por
uma entidade que não tem competência funcional para o acto (195.º, n.º 1). É o que sucede, por
exemplo, quando seja praticado pela secretaria um acto que só pode ser realizado pelo tribunal.

2.2. Tribunal singular e colectivo

O tribunal judicial de 1.ª instância pode ser singular ou colectivo (85.º, n.º 1, LOSJ): o
tribunal singular é composto por um juiz (132.º, n.º 1, LOSJ) e o tribunal colectivo, em regra, por
três juízes privativos (133.º, n.º 1, LOSJ), mas, em certos casos, é integrado por juízes sociais
(85.º, n.º 4, LOSJ). O tribunal coletivo é presidido pelo juiz do processo (135.º, n.º 1, LOSJ), ao
qual compete, além do mais, dirigir as audiências de discussão e julgamento (135.º, n.º 2, al. a),
LOSJ), proferir a sentença final (135.º, n.º 2, al. c), LOSJ) e suprir as deficiências das sentenças e
acórdãos, esclarecê-los, reformá-los e sustentá-los (135.º, n.º 2, al. d), LOSJ).
A repartição de competências entre o tribunal singular e o tribunal coletivo e, neste, entre o
seu presidente e os demais juízes, é uma repartição de competências funcionais:
− Compete ao tribunal coletivo julgar as questões de facto e de direito nas ações e nos
incidentes e execuções que sigam os termos do processo de declaração, sempre que
a lei do processo o determine (134.º, al. b), LOSJ); no âmbito do processo civil, são
muito raras as situações em que a lei prevê a intervenção do tribunal coletivo em 1.ª
instância (125.º, n.º 2, LOSJ);
− Compete ao tribunal singular julgar os processos que não devam ser julgados pelo
tribunal coletivo (132.º, n.º 2;).

3. Competência decisória
Os tribunais não têm todos a mesma competência decisória. Assim, por exemplo, nos
recursos que aprecie, o STJ só tem competência para se pronunciar sobre matéria de direito, não
sobre a de facto (46.º LOSJ; 682.º, n.º 1 e 2).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/79

§ 11.º Quadro geral dos tribunais

I. Ordens de tribunais
A organização judiciária portuguesa comporta tribunais de várias espécies. A esta matéria
se refere o 209.º, n.º 1, CRP, que estabelece que, além do TC (221.º a 224.º CRP) e do Tribunal
de Contas (214.º CRP), existem, o STJ e os tribunais judiciais de 1.ª e 2.ª instância, bem como o
STA e os demais tribunais administrativos e fiscais.
Abstraindo do TC e do Tribunal de Contas, vê-se que o 209.º, n.º 1, CRP fala em duas
“categorias de tribunais”, que são, justamente, as ordens de tribunais previstas na lei: os tribunais
judiciais e os tribunais administrativos e fiscais. Entre estas duas categorias há uma distinção
muito importante a fazer: os tribunais judiciais são tribunais comuns em matéria cível e criminal e,
além disso, exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outros tribunais (211.º, n.º 1,
CRP; 64.º); em contrapartida, os tribunais administrativos e fiscais são tribunais especiais.

II. Tribunais judiciais


1. Generalidades
O disposto no 210.º CRP permite traçar o seguinte quadro dos tribunais judiciais:
− O STJ é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais (210.º, n.º 1, CRP; 29.º,
n.º 1, al. a), e 31.º, n.º 1, LOSJ);
− As Relações são, em regra, os tribunais de 2.ª instância (210.º, n.º 4, CRP; 29.º, n.º 2,
e 67.º, n.º 1, LOSJ);
− Os tribunais judiciais de 1.ª instância são, em regra, tribunais de comarca (210.º, n.º 1,
CRP; 29.º, n.º 3, e 79.º LOSJ).

2. Supremo Tribunal de Justiça


O STJ pode funcionar em plenário, em pleno das secções especializadas ou por secções
(48.º, n.º 1, LOSJ; 211.º, n.º 4, CRP). O STJ compreende secções em matéria cível, em matéria
penal e em matéria social (47.º, n.º 1, LOSJ), havendo ainda uma secção com competência para o
julgamento dos recursos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura (47.º, n.º 2,
LOSJ).

3. Tribunais da Relação
Os tribunais da Relação funcionam em plenário e por secções (67.º, n.º 2, LOSJ; 211.º, n.º
4, CRP). Os tribunais da Relação compreendem secções em matéria cível, em matéria penal, em
matéria social, em matéria de família e menores, em matéria de comércio, de propriedade
intelectual e de concorrência, regulação e supervisão (67.º, n.º 3, LOSJ). No entanto, a existência
das secções social, de família e menores e de comércio, de propriedade intelectual e de
concorrência, regulação e supervisão depende do volume ou da complexidade do serviço (67.º, n.º
3, LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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4. Tribunais de 1.ª instância


4.1. Generalidades

Os tribunais judiciais de 1.ª instância podem ser tribunais de competência territorial alargada
e tribunais de comarca (33.º, n.º 1, LOSJ): os tribunais de competência territorial alargada são
tribunais cuja área abrange mais do que uma comarca ou é determinada especialmente pela lei
(83.º, n.º 1); os tribunais de comarca são tribunais cuja área de competência é restrita à comarca
(33.º, n.º 3, e 79.º LOSJ).

4.2. Tribunais de comarca

Os tribunais judiciais de 1.ª instância são, em regra, os tribunais de comarca (29.º, n.º 3, e
79.º LOSJ). Os tribunais de comarca desdobram-se em instâncias centrais, que integram secções
de competência especializada (81.º, n.º 1, al. a), LOSJ), e locais, que integram secções de
competência genérica e secções de proximidade (81.º, n.º 1, al. b), LOSJ).
Nas instâncias centrais podem ser criadas, entre outras, as seguintes secções de
competência especializada: secção cível (81.º, n.º 2, al. a), LOSJ), secção de família e menores
(81.º, n.º 2, al. d), LOSJ), secção de comércio (81.º, n.º 2, al. f), LOSJ) e secção de execução
(81.º, n.º 2, al. g), LOSJ). Nas instâncias locais, podem ser criadas secções cíveis (81.º, n.º 3, e
130.º, n.º 2, LOSJ).

4.3. Tribunais de competência alargada

Além de outros, são tribunais de competência territorial alargada o tribunal da propriedade


industrial (83.º, n.º 3, al. a), e 111.º LOSJ), o tribunal da concorrência, regulação e supervisão
(83.º, n.º 3, al. b), e 112.º LOSJ) e o tribunal marítimo (83.º, n.º 3, al. c), e 113.º LOSJ).

IV. Outros tribunais


1. Tribunal Constitucional
1.1. Generalidades

Na ordem jurídica portuguesa existe um TC com competência para a fiscalização da


constitucionalidade e da legalidade, em abstracto ou em concreto (221.º, n.º 1, e 278.º a 283.º
CRP; 30.º, n.º 1, LOSJ).
O TC exerce a sua jurisdição no âmbito de toda a ordem jurídica portuguesa.
1.4. Recursos

Os recursos a interpor para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da


inconstitucionalidade ou da ilegalidade (art. 280.º, n.º 6, CRP; art. 71.º, n.º 1, LTC). Os recursos de
constitucionalidade e de legalidade interpostos pela parte que sustentou sem êxito a
inconstitucionalidade ou ilegalidade de certa norma (art. 70.º, n.º 1, al. b) e f), LTC) apenas cabem
de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam (70.º, n.º 2, LTC). Não é admitido recurso directo para o TC
de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual (art.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/81

70.º, n.º 5, LTC). Estabelece-se ainda que, se a decisão admitir recurso para uniformização de
jurisprudência, a não interposição de recurso para o TC não faz precludir o direito de interpô-lo da
ulterior decisão que venha a confirmar a primeira decisão (70.º, n.º 6, LTC). Afasta-se assim
qualquer possibilidade de considerar verificar-se nesse caso a aceitação tácita da decisão não
recorrida (art. 632.º, n.º 2 e 3).

2. Julgados de Paz
2.1. Generalidades

O art. 209.º, n.º 2, CRP permite a existência de julgados de paz, que são tribunais não
integrados em nenhuma ordem jurisdicional (29.º, n.º 4, LOSJ). Os julgados de paz constituem
uma forma alternativa de resolução de litígios, de natureza exclusivamente cível, em causas de
valor reduzido e em causas que não envolvam matéria de direito da família, direito das sucessões
e direito do trabalho (art. 151.º, n.º 1, LOSJ).

3. Tribunal de Conflitos
3.1. Generalidades

Segundo o disposto no art. 209.º, n.º 3, CRP, incumbe à lei determinar os casos e as formas
em que os tribunais das diversas ordens se podem constituir em tribunais de conflitos.

3.2. Espécies de conflitos

O tribunal limita-se a apreciar se é competente para julgar a causa, pelo que a aceitação da
competência pelo tribunal da causa nunca significa a exclusão de outros tribunais competentes e a
rejeição da competência nunca é acompanhada da determinação do tribunal competente. Pode
assim suceder que, acerca de uma mesma questão, os tribunais plausivelmente indicáveis como
competentes se considerem todos incompetentes para o dirimir; ou que, pelo contrário, mais do
que um tribunal aceite essa competência. Em ambas as hipóteses fala-se de um conflito – conflito
negativo no primeiro caso, conflito positivo no segundo. São possíveis conflitos de jurisdição e de
competência:
− Há conflito de jurisdição quando dois ou mais tribunais, integrados em ordens
jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma
questão; o conflito diz-se positivo no primeiro caso, e negativo no segundo (109.º1);
− Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da
mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para
conhecer da mesma questão (109.º, n.º 2).

3.3. Resolução dos conflitos

Como os conflitos de competência se abrem no interior de uma ordem de tribunais, são


resolvidos pelo presidente (ou vice-presidente) do tribunal de menor categoria que exerça
jurisdição sobre as autoridades em conflito: é o que diz o 110.º, n.º 2. Assim, são dirimidos pelo
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/82

presidente ou pelo vice-presidente da respetiva Relação os conflitos entre tribunais de comarca da


área de competência do respetivo tribunal ou entre algum deles e um tribunal de competência
territorial alargada sediado nessa área (76.º, n.º 2, LOTJ); em contrapartida, são resolvidos pelo
presidente do STJ os conflitos entre os plenos das secções, as secções, os tribunais da Relação,
os tribunais da Relação e os tribunais de comarca ou os tribunais territoriais de competência
alargada e, por fim, os tribunais de comarca ou tribunal de competência territorial de competência
alargada sediados na área de diferentes tribunais da Relação (art. 62.º, n.º 3, LOSJ).
Quanto aos conflitos de jurisdição, há que observar, na sua resolução, as seguintes regras:
− A resolução dos conflitos de jurisdição cabe ao Tribunal dos Conflitos quando o
mesmo se verifique entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais
ou entre o Tribunal de Contas e o STA;
− A resolução dos demais conflitos de jurisdição – de que constitui exemplo o conflito
entre um tribunal judicial e um conservador do registo civil ou entre um julgado de paz
e um tribunal de pequena instância cível – cabe ao presidente do STJ (62.º, n.º 3,
LOSJ).
O Tribunal de Conflitos encontra-se previsto, nomeadamente, no art. 110.º, n.º 3, e no art.
62.º, n.º 3, LOSJ. Ele é composto, conforme as situações, por conselheiros do STJ, do STA ou do
Tribunal de Contas, pelo que é um tribunal de reunião não permanente.

4. Tribunal de Contas

§ 12.º Estrutura dos tribunais

I. Preliminares
Os tribunais são órgãos complexos, formados fundamentalmente por quatro elementos: o
juiz ou corpo de juízes, o Ministério Público, a secretaria e um ou vários órgãos de gestão.

II. Juiz
1. Generalidades
O primeiro elemento do tribunal é o juiz ou corpo de juízes. O juiz é o elemento do tribunal a
que cabe a função de julgar. Nas acções declarativas, a decisão representa a parte fundamental
do exercício da função jurisdicional; nas acções executivas, as medidas executivas são realizadas
de facto por órgãos auxiliares, mas são decididas ou, pelo menos, controladas pelo juiz.
Costuma chamar-se magistrado ao funcionário civil revestido de autoridade. Esta
designação aplica-se em sentido mais restrito e próprio aos juízes e aos magistrados do MP. A
qualidade destes agentes judiciais, e o seu conjunto, têm o nome de magistratura: magistratura
judicial, magistratura do Ministério Público.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/83

2. Estatuto
2.1. Generalidades

Segundo o 215.º, n.º 1, CRP, os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único e
regem-se por um só estatuto (7.º, n.º 1, LOSJ).
Em virtude das necessidades especiais das funções que ocupam, os juízes gozam de
garantias especiais, garantias de que tais funções são exercidas de modo legal e justo. Entre
estas garantias judiciais avultam a independência, a irresponsabilidade e a inamovibilidade (203.º
e 216.º, n.º 1 e 2, CRP; 4.º e 5.º LOSJ).

2.2. Independência

a) É em relação aos tribunais que o 203.º CRP estabelece o princípio da independência: os


tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei. O 4.º, n.º 1, LOSJ prefere uma
perspectiva subjectiva, referindo que os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei. A
independência é, na verdade, uma característica dos juízes, não propriamente dos tribunais.
Os juízes, ao desempenharem as suas funções específicas, só devem obediência à lei
(203.º CRP; 4.º, n.º 1, LOSJ; 4.º, n.º 1, EMJ). Note-se, porém, que os juízes também estão
vinculados pelas decisões de tribunais superiores, quando estes julguem em recurso (152.º, n.º 1
in fine; 4.º, n.º 1 in fine, LOSJ; 4.º, n.º 1, EMJ).

2.3. Imparcialidade

a) A lei restringe a possibilidade de uma causa ser decidida por um juiz que com ela tenha
uma ligação pessoal estreita. Às medidas que a lei toma com este fim chamam-se garantias de
imparcialidade e às ligações de um juiz com certa causa chamam-se impedimentos e suspeições.

b) O impedimento implica a proibição do juiz de julgar a causa (115.º a 118.º); a suspeição


não implica a proibição do juiz de julgar a causa, mas dá ao próprio juiz a faculdade de pedir
escusa (119.º, n.º 1) e às partes a faculdade de pedir ao presidente da Relação a substituição do
juiz pelo seu substituto (120.º a 123.º).
No caso de impedimento do juiz (115.º), a lei manda seguir uma de duas soluções: uma que
diz respeito ao tribunal, outro só ao juiz. São elas as seguintes:
− Se na circunscrição não houver nenhum outro juiz, verifica-se o deslocamento da
competência para julgar o processo para a comarca mais próxima daquela onde este
devesse correr – art. 84.º, n.º 1, permitindo o art. 84.º, n.º 2, que a medida seja
requerida se a ação for proposta na circunscrição em que serve o juiz impedido ou se
este for aí colocado encontrando-se pendente a ação;
− Se na circunscrição houver mais de um juiz, procede-se à substituição no processo do
juiz impedido por outro (84.º, n.º 4; 85.º, n.º 3, e 86.º, n.º 1 a 3, LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/84

2.4. Irresponsabilidade

a) O conteúdo da decisão não permite, em princípio, a responsabilização do juiz. Os juízes


não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei
quanto à responsabilidade civil, criminal ou disciplinar (art. 216.º, n.º 1, CRP; art. 4.º, n.º 2, LOSJ;
art. 5.º, n.º 1 e 2, EMJ). São assim excepcionais os casos de responsabilidade dos juízes. Em
concreto:
− A responsabilidade criminal pode resultar, nomeadamente, de violação do segredo de
justiça (371.º CP) ou de corrupção (372.º e 373.º CP);
− A responsabilidade disciplinar pode decorrer de factos, ainda que meramente
culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres
profissionais ou de actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam
e que sejam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas
funções (art. 82.º EMJ); as penas disciplinares são, conforme a gravidade do ilícito
disciplinar, a advertência, a multa, a transferência, a suspensão de exercício, a
inactividade, a aposentação compulsiva e a demissão (art. 85.º, n.º 1, e 86.º a 90.º
EMJ).

b) A responsabilidade civil dos juízes decorre das acções ou omissões adoptadas no


exercício da sua função jurisdicional e por causa desse exercício. Em especial, essa
responsabilidade pode decorrer da violação do direito a uma decisão em prazo razoável (12.º
RRCE) ou do proferimento de uma decisão manifestamente inconstitucional ou ilegal ou
injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto (art. 13.º, n.º
1, RRCE). Configura um erro grosseiro, por exemplo, a condenação do lesado numa multa de
montante elevado num processo-crime em que interveio como testemunha indicada pela
acusação.
Quando a responsabilidade decorra de erro judiciário, o pedido de indemnização do lesado
deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente (art. 13.º, n.º
2, RRCE). Esta revogação pode decorrer da procedência de um recurso de apelação ou de revista
interposto nos termos gerais ou da procedência do recurso extraordinário de revisão interposto
com base em crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções (cf. art. 696.º, al. a)). Isto
significa que, não sendo admissível recurso ordinário por motivos atinentes ao valor da causa ou
da sucumbência (cf. art. 629.º, n.º 1) ou porque a decisão foi proferida pelo STJ e não sendo
imputável ao juiz a prática de nenhum crime, o lesado pelo erro judiciário não pode exercer o
direito à indemnização. A solução é muito discutível. Impõe-se, por conseguinte, uma
interpretação conforme à Constituição do disposto no art. 13.º, n.º 2, RRCE e, por isso, uma
interpretação restritiva daquele preceito: o pedido de indemnização só exige a prévia revogação
da decisão danosa quando esta admita a sua impugnação. Em todo o caso, é inquestionável que,
quando o dano tiver sido provocado por outra causa, não se exige a prévia revogação da decisão
proferida.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/85

Atento o disposto no art. 14.º, n.º 1, RRCE – segundo o qual os magistrados judiciais não
podem ser diretamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos atos que pratiquem no
exercício das funções –, o lesado nunca pode responsabilizar diretamente o magistrado judicial:
esse lesado tem de responsabilizar o Estado (demandando este nos tribunais administrativos) e
de exercer perante este o seu direito à indemnização. No caso de o magistrado judicial ter actuado
com dolo ou culpa grave, o Estado goza do direito de regresso contra ele (art. 14.º, n.º 1 in fine,
RRCE).

2.5. Inamovibilidade

Os juízes são inamovíveis, pelo que não podem ser transferidos, suspensos, aposentados
ou demitidos senão nos casos previstos na lei (216.º, n.º 1, CRP; 5.º, n.º 1, LOSJ). Compete ao
Conselho Superior da Magistratura a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos
juízes dos tribunais judiciais, bem como o exercício da acção disciplinar.
Dando cumprimento ao disposto no art. 215.º, n.º 2, CRP, o art. 40.º EMJ define os
requisitos para exercer as funções de juiz de direito: ser cidadão português, estar no pleno gozo
dos direitos políticos e civis, possuir licenciatura em Direito, ter frequentado com aproveitamento
os cursos e estágios de formação e, por fim, satisfazer os demais requisitos estabelecidos na lei
para a nomeação de funcionários do Estado. O provimento de vagas de juiz da Relação faz-
se por promoção, mediante concurso curricular entre juízes da 1.ª instância, com prevalência do
critério do mérito (art. 215.º, n.º 3, CRP; art. 7.º, n.º 3, LOSJ; art. 46.º EMJ). O acesso ao STJ faz-
se por concurso curricular aberto aos magistrados judiciais e do MP e a outros juristas de mérito
(215.º, n.º 4, CRP; 7.º, n.º 4, LOSJ; 50.º EMJ).

III. MP
1. Generalidades
Junto de cada tribunal, o Estado tem um ou mais agentes investidos na função de
representar o próprio Estado e certas categorias de pessoas a que o Estado entende dispensar
protecção: são os agentes ou magistrados do MP (219.º, n.º 1, CRP; 3.º, n.º 1, LOSJ; art. 1.º
EMP). O MP é representado no STJ pelo Procurador -Geral da República e por procuradores-
gerais-adjuntos (art. 10.º, n.º 1, al. a), e 66.º LOSJ), nos tribunais da Relação por procuradores-
gerais-adjuntos (art. 10.º, n.º 1, al. b), e 70.º LOSJ) e, por fim, nos tribunais de competência
territorial alargada, nas secções da instância central e da instância local por procuradores-gerais-
adjuntos, por procuradores da República e por procuradores-adjuntos (art. 10.º, n.º 1, al. c),
LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/86

IV. Secretaria judicial


1. Generalidades
O terceiro elemento do tribunal é a secretaria. Nos termos do art. 1.º LOSecJ, o expediente
dos tribunais judiciais, incluindo o do MP, é assegurado por secretarias judiciais. A estrutura da
secretaria é variável consoante o tribunal: há uma secretaria no STJ (art. 9.º, n.º 1, LOSecJ), uma
em cada Relação (art. 9.º, n.º 2, LOSecJ) e uma em cada comarca (art. 138.º, n.º 1, LOSJ). Onde
a natureza e o volume do serviço o exijam, pode haver secretarias-gerais, abrangendo um ou mais
tribunais ou um ou mais serviços do MP (art. 13.º, n.º 1, LOSecJ).

§ 13.º Competência dos tribunais comuns

I. Generalidades
1. Enquadramento
1.1. Dualidade da competência

A competência é, grosso modo, a adstrição a certo tribunal de certa categoria de processos.


Vista pelo ângulo do tribunal, a competência pertence à organização judiciária e como tal é
regulada pelas leis de organização judiciária e, por vezes, pelo CPC (65.º e 66.º); considerada
pelo ângulo do processo, a competência pertence ao processo stricto sensu e como tal é remetida
para o Código de Processo Civil (37.º, n.º 2, 42.º, n.º 3, e 43.º, n.º 2, LOSJ). Assim, por exemplo, a
regra segundo o qual “O tribunal de comarca é competente para o processo de anulação de
deliberações sociais” é de organização judiciária; a regra “O processo de anulação de
deliberações sociais deve correr no tribunal de comarca” é de processo stricto sensu. A
competência é assim uma figura de fronteira, como, aliás, resulta do disposto no art. 60.º, n.º 1.

1.2. Competência interna

A competência dos tribunais judiciais reparte-se, na ordem interna, segundo a matéria, o


valor, a hierarquia e o território (37.º, n.º 1, LOSJ; art. 60.º, n.º 2).

1.3. Competência material

Na aferição da competência material, há que distinguir várias hipóteses. A hipótese mais


frequente é constituída pelos chamados casos sic-non, que são aqueles em que os factos
alegados pelo autor só permitem uma qualificação jurídica e em que o tribunal só é competente se
essa qualificação couber no âmbito da sua competência material. Por exemplo: o tribunal comum
só é competente se a relação alegada pelo autor puder ser qualificada como privada (e não, por
hipótese, como administrativa). Os factos que relevam para a aferição da competência material do
tribunal são igualmente relevantes para a apreciação do mérito da causa, ou seja, são factos
duplamente relevantes; por isso, para aferir essa competência, basta pressupor a veracidade
desses factos, mas, se depois de realizada a sua prova, eles não forem considerados verdadeiros,
a acção é julgada improcedente.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/87

Além desta hipótese mais frequente, há que contar ainda com as seguintes hipóteses:

− Casos aut-aut (alternatividade de qualificações mutuamente excludentes): o autor alega


factos que permitem uma de diversas qualificações jurídicas; por exemplo: o autor
invoca factos que constituem ou um contrato de prestação de serviços ou um contrato
de trabalho; para que a acção seja admissível basta que o tribunal seja (materialmente)
competente para apreciar a causa por uma das qualificações possíveis, mas esse
tribunal só pode pronunciar-se sobre a qualificação para a qual seja competente;
assim, o juízo de competência cível ou o tribunal do trabalho no qual foi instaurada a
acção só pode pronunciar-se sobre o mérito no âmbito da qualificação do contrato,
respectivamente, como de prestação de serviços ou de trabalho;
− Casos et-et (cumulação de qualificações compatíveis): o autor alega factos que
permitem diversas qualificações jurídicas; por exemplo: o autor invoca factos que
constituem, em simultâneo, responsabilidade contratual e delitual do réu; para que a
acção seja admissível, é necessário que o tribunal comum ou o tribunal de competência
especializada seja (materialmente) competente para apreciar todas essas qualificações
(cf., analogicamente, art. 555.º, n.º 1, e 37.º, n.º 1); se o não for, o tribunal da causa só
pode apreciar o mérito da acção, quanto à sua procedência ou improcedência, pela
perspectiva da qualificação para a qual seja competente.
Também nos casos aut-aut e et-et basta a pressuposição da existência dos factos alegados
pelo autor para aferir a competência do tribunal: o que releva, para este efeito, é apenas a
qualificação jurídica desses factos. Se esses factos forem suficientes para assegurar a competência
do tribunal, mas forem impugnados pelo réu, cabe ao autor fazer a prova deles (342.º, n.º 1, CC);
na falta desta prova, a acção é julgada improcedente.

1.4. Competência convencional

Verificadas determinadas condições, as partes podem determinar, através de uma


convenção, o tribunal competente para apreciar um determinado litígio (94.º e 95.º). A convenção
sobre a competência possui uma característica importante: essa convenção é autónoma do
contrato em que se insere, pelo que, mesmo que este seja inexistente, inválido ou ineficaz, aquela
convenção não é necessariamente inexistente, inválida ou ineficaz. Esta regra traduz-se em que
tem de ser o próprio tribunal que as partes definiram como competente a apreciar a eventual
inexistência, invalidade ou ineficácia daquele contrato.

2. Divisão territorial
2.1. Tribunais judiciais

Para efeitos de organização judiciária, o território nacional divide-se em 23 comarcas (33.º,


n.º 2, LOSJ): em cada comarca exerce jurisdição um tribunal de 1.ª instância denominado tribunal
de comarca (33.º, n.º 3, e 79.º LOSJ) – tribunal que, dentro da ordem dos tribunais judiciais, é
depositário da competência residual (210.º, n.º 3, CRP; art. 80.º, n.º 1, LOSJ). As 23 comarcas
constam do Anexo II à LOSJ (33.º, n.º 2, LOSJ).
A área de competência dos tribunais da Relação comporta várias comarcas (32.º, n.º 1,
LOSJ). O Anexo I da LOSJ enumera os tribunais da Relação atualmente em funcionamento –
Guimarães, Porto, Coimbra, Lisboa e Évora – e define a respetiva área de competência.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/88

O STJ tem competência sobre todo o território nacional (43.º, n.º 1, LOSJ).

2.2. Julgados de Paz

Os julgados de paz podem ter, como área de competência, um concelho ou um


agrupamento de concelhos (4.º, n.º 1, LJP).

3. Tribunais de 1.ª instância


Os tribunais de 1.* instância formam a base da organização judiciária cível, mas a sua
estrutura ou composição não é uniforme: os tribunais judiciais de 1.ª instância incluem os tribunais
de competência territorial alargada e os tribunais de comarca (33.º, n.º 1, LOSJ).

II. Tribunal de comarca


1. Estrutura
Os tribunais judiciais de 1.ª instância são, em regra, os tribunais de comarca (29.º, n.º 2, e
79.º LOSJ). Os tribunais de comarca desdobram-se em:
− Instâncias centrais, que integram secções de competência especializada (81.º, n.º 1,
al. a), LOSJ); podem ser criadas, entre outras, a secção cível, a de família e menores,
a de comércio e a de execução (81.º, n.º 2, LOSJ) e ainda secções de competência
especializada mista (81.º, n.º 4, LOSJ);
− Instâncias locais, que integram secções de competência genérica e secções de
proximidade (81.º, n.º 1, al. b), LOSJ); as secções de competência genérica podem
desdobrar-se em várias secções, nomeadamente cíveis (81.º, n.º 3, e 130.º, n.º 2,
LOSJ).

2. Critério material
3.1. Generalidades

a) Em razão da matéria, o tribunal de comarca goza de competência residual: tem


competência para todas as causas não abrangidas pela competência de outros tribunais (210.º, n.º
3, CRP; 80.º, n.º 1, LOSJ), ou seja, que, nomeadamente, não pertençam à competência dos
tribunais de competência territorial alargada ou dos tribunais administrativos e fiscais.
O tribunal de comarca também é residualmente competente nas circunscrições não
abrangidas pela área de competência territorial de um tribunal marítimo (113.º, n.º 3, LOSJ).
Portanto, nas circunscrições não abrangidas pela competência de um tribunal marítimo, é
competente o respetivo tribunal de comarca.

b) Os tribunais de comarca podem ser de competência genérica ou de competência


especializada (80.º, n.º 2, LOSJ), sendo a competência material distinta para as instâncias centrais
(117.º a 129.º LOSJ) e para as instâncias locais (130.º LOSJ). Convém referir que a secção de
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/89

proximidade da instância local não tem competência jurisdicional, mas apenas funcional (130.º, n.º
4, LOSJ).

3.2. Instância central

a) As instâncias centrais comportam secções de competência especializada (81.º, n.º 2,


LOSJ). Entre elas, há que destacar as seguintes:
− Secções de família e menores (81.º, n.º 2, al. d), LOSJ); estas secções são
nomeadamente competentes para os processos de jurisdição voluntária relativos a
cônjuges ou a situações de união de facto ou de economia comum, as acções de
separação de pessoas e bens e de divórcio, as acções de declaração de inexistência
ou de anulação do casamento civil, as acções e execuções por alimentos entre
cônjuges e ex-cônjuges (art. 122.º, n.º 1, al. f), LOSJ) e, em geral, para as acções
relativas ao estado civil das pessoas e família (art. 122.º, n.º 1, al. g), LOSJ); a secção
de família e menores também é competente para instaurar a tutela e a administração
de bens (art. 123.º, n.º 1, al. a), LOSJ), constituir o vínculo de adopção (art. 123.º, n.º
1, al. c), LOSJ), regular o exercício das responsabilidades parentais (art. 123.º, n.º 1,
al. d), LOSJ), fixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou
emancipados (art. 123.º, n.º 1, al. e), LOSJ);
− Secções de comércio (81.º, n.º 2, al. f), LOSJ); estas secções são competentes
designadamente para os processos de insolvência e de revitalização (128.º, n.º 1, al.
a), LOSJ), as acções relativas a sociedades (128.º, n.º 1, al. b) a h), LOSJ), as acções
de liquidação de instituições de crédito (128.º, n.º 1, al. i), LOSJ) e as impugnações
dos despachos dos conservadores do registo comercial (128.º, n.º 2, LOSJ);
− Secções de execução (81.º, n.º 2, al. g), LOSJ); os juízos de execução são
competentes para exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível,
as competências previstas no Código de Processo Civil (art. 129.º, n.º 1, LOSJ);
− Secções cíveis (art. 81.º, n.º 2, al. a), LOSJ); as secções cíveis têm uma competência
residual em relação à instância local determinada de acordo com uma competência
em função do valor (117.º, n.º 1, LOSJ).

b) Nos assuntos relativos a menores e a filhos maiores, a prática dos actos urgentes é
assegurada pelas secções de competência genérica de instância local, ainda que a respectiva
comarca seja servida por secção de família e menores, nos casos em que esta se encontre
sediada em diferente município (123.º, n.º 4, LOSJ).

3.3. Instância local

a) Compete às secções de competência genérica (ou cíveis) da instância local, além do


mais:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/90

− Preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da


instância central ou tribunal de competência territorial alargada (130.º, 1, al. a), LOSJ);
− Exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC,
onde não houver secção de execução ou outra secção ou tribunal de competência
especializada competente (130.º, n.º 1, al. d), LOSJ).

b) As secções de proximidade possuem uma competência funcional destinada a:


− Prestar informações de carácter geral (art. 130.º, n.º 4, al. a), LOSJ);
− Prestar informações de carácter processual, no âmbito da respectiva comarca, em
razão do especial interesse nos actos ou processos, desde que observadas as
limitações previstas na lei para a publicidade do processo e segredo de justiça (130.º,
n.º 4, al. b), LOSJ);
− Proceder à recepção de papéis, documentos e articulados destinados a processos
que corram ou tenham corrido termos em qualquer secção da comarca em que se
inserem (art. 130.º, n.º 4, al. c), LOSJ);
− Operacionalizar e acompanhar as diligências de audição através de videoconferência
(130.º, n.º 4, al. d), LOSJ);
− Praticar os actos que venham a ser determinados pelos órgãos de gestão, incluindo o
apoio à realização de audiências de julgamento (130.º, n.º 4, al. e), LOSJ);
− Acolher as audiências de julgamento ou outras diligências processuais cuja realização
aí seja determinada (art. 130.º, n.º 4, al. f), LOSJ).

4. Critério do valor
a) A delimitação da competência das secções cíveis da instância central (117.º, n.º 1, LOSJ)
perante a competência das secções de competência genérica da instância local (130.º, n.º 1,
LOSJ) é realizada em função do valor da causa. Assim, compete às secções cíveis das instâncias
centrais:
− A preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de
valor superior a € 50000 (117.º, n.º 1, al. a), LOSJ);
− Exercer, no âmbito das acções executivas de natureza cível de valor superior a €
50000, as competências previstas no CPC, em circunscrições não abrangidas pela
competência de outra secção ou tribunal (art 117.º, n.º 1, al. b), LOSJ);
− Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam acções da sua
competência (art. 117.º, n.º 1, al. c), LOSJ).
As secções de competência genérica da instância local possuem, nestas mesmas matérias,
uma competência residual em função do valor (130.º, n.º 1, al. a) e d), LOSJ).

b) Nas comarcas onde não haja secção de comércio, a competência pertence, verificado o
mesmo requisito quanto ao valor da causa, à secção cível da instância central (117.º, n.º 2, LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/91

5. Critério hierárquico
Os tribunais judiciais encontram-se hierarquizados para efeito de recurso das suas decisões
(art. 42.º, n.º 1, LOSJ). Assim, em regra, o STJ conhece, em recurso, das causas cujo valor
exceda a alçada das Relações e estas conhecem das causas cujo valor exceda a alçada dos
tribunais de 1.ª instância (art. 42.º, n.º 2, LOSJ).
O tribunal de comarca é competente para conhecer dos recursos das sentenças proferidas
pelos julgados de paz (62.º, n.º 1, LJP), bem como dos recursos de decisões dos notários e dos
conservadores.

6. Critério territorial
6.1. Generalidades

O País divide-se em comarcas, pelas quais se distribuem os processos; esta distribuição


obedece a critérios baseados no território, que constam dos art. 70.º a 84.º.

6.2. Regra geral

a) Para a acção declarativa, a regra geral é a de que é competente o tribunal do domicílio


do réu (art. 80.º, n.º 1).

b) Se o réu for uma pessoa colectiva (incluindo uma sociedade comercial), será demandado
no tribunal da sede da administração principal ou no da sede da sucursal, agência, filial, delegação
ou representação, conforme a acção seja dirigida contra aquela ou contra estas (art. 81.º, n.º 2 1.ª
parte; cf. art. 13.º, n.º 1). A acção contra pessoas colectivas ou sociedades estrangeiras que
tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação em Portugal pode ser proposta no
tribunal da sede destas, ainda que a acção seja proposta contra a sociedade-mãe (art. 81.º, n.º 2
2.ª parte). Importa observar que esta regra não pode ser utilizada para contornar o disposto nos
art. 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 5, Reg. 44/2001, pelo que tem um campo de aplicação bastante limitado:
em concreto, aquela regra só pode aplicar-se quando a sociedade-mãe não tenha a sua sede no
território de um Estado-membro da União Europeia (cf. art. 4.º, n.º 1, Reg. 44/2001).
Se o réu for o Estado, este será demandado, em regra, no tribunal do domicílio do autor (art.
81.º, n.º 1). A solução é justificada pela circunstância de o Estado não ter sede.

c) Se houver mais de um réu na mesma causa, devem ser todos demandados no domicílio
do maior número (art. 82.º, n.º 1 1.ª parte); se for igual o número nos diferentes domicílios, o autor
pode escolher o de qualquer deles (art. 82.º, n.º 1 2.ª parte). A esta regra constituem excepções os
regimes definidos para a cumulação de pedidos:
− Na hipótese de cumulação simples ou alternativa de pedidos (553.º e 555.º), a acção
deve ser proposta no tribunal cuja competência relativa seja determinada por um
elemento de conexão de conhecimento oficioso (82.º, n.º 2; 104.º, n.º 1 e 2); portanto,
se a incompetência territorial do tribunal for de conhecimento oficioso em relação a
todos os pedidos, o autor pode escolher qualquer dos tribunais competentes;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/92

− No caso de cumulação de pedidos entre os quais se verifique uma relação de


prejudicialidade ou de subsidiariedade (554.º), a ação deve ser instaurada no tribunal
competente para o pedido principal (82.º, n.º 3).

6.3. Regras especiais

a) A regra geral comporta inúmeras excepções, das quais importa destacar as regras
aplicáveis às ações relativas a direitos reais sobre imóveis (art. 70.º), às ações obrigacionais e por
responsabilidade obrigacional (art. 71.º, n.º 1), às ações por responsabilidade extra-obrigacional
(art. 71.º, n.º 2), às ações de divórcio e separação de pessoas e bens (art. 72.º) e às ações que
apresentam uma conexão com o juiz da comarca (art. 84.º). Existem ainda outras excepções
menos utilizadas, como as regras relativas às ações de honorários (art. 73.º), às questões de
direito marítimo (art. 74.º a 77.º) e aos procedimentos cautelares e diligências antecipadas (art.
78.º).

b) As acções referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, bem como as
acções de divisão de coisa comum, de despejo, de preferência, de execução específica sobre
imóveis e de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas, devem ser propostas no
tribunal da situação dos bens (art. 70.º, n.º 1). Note-se que, tratando-se de acções respeitantes a
móveis, seguem-se as regras gerais dos art. 80.º e 81.º.
No art. 70.º, n.º 1, estão previstas as acções reais imobiliárias, ou seja, aquelas que têm por
objecto um direito real sobre um imóvel. Se A compra a B um prédio e B se recusa a entregar-lho,
a acção de posse ou entrega judicial deverá ser intentada no tribunal da comarca onde estiver
situado o prédio. Se C quiser pedir, em acção de simples apreciação proposta contra D, a
declaração de que é proprietário de certo prédio rústico, é no tribunal de comarca onde este
estiver situado que deverá propor tal acção.

c) A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não


cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta de cumprimento
deve ser proposta no tribunal no domicílio do réu (71.º, n.º 1 1.ª parte). Porém, o credor pode optar
pelo tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida quando o réu seja uma pessoa
colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa e Porto, o
réu tenha domicílio nessa mesma área (71.º, n.º 1 2.ª parte).
O disposto no art. 71.º, n.º 1, afasta-se de uma regra bastante comum: a de que o lugar do
cumprimento da obrigação determina o tribunal territorialmente competente. Nada evidentes são as
razões pelas quais essa regra só é aplicável quando o credor e o devedor tenham domicílio em
qualquer das áreas metropolitanas de Lisboa ou do Porto, pois essa é a única situação em que o
credor pode optar por propor a acção no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação (art. 71.º,
n.º 1 2.ª parte). Não deixa de ser estranho que seja precisamente quando o credor e o devedor
tenham domicílio na mesma área metropolitana que o tribunal competente possa não ser o dessa
mesma área.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/93

d) Se a acção se destinar a efectivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou


fundada no risco, o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu (art.
71.º, n.º 2). Se o facto ilícito constar de material impresso ou difundido pela rádio ou pela televisão,
a sua ocorrência não se verifica num lugar específico, pelo que o autor da acção de
responsabilidade pode escolher o tribunal de qualquer lugar onde o facto ilícito tenha sido
cometido.

e) Para as acções de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o tribunal


do domicílio ou da residência do autor (72.º). O regime cede perante a aplicação do disposto nos
art. 3.º a 7.º Reg. 2201/2003.

f) Na hipótese de impedimento do juiz (115.º), e não havendo na circunscrição em que a


acção deva ser proposta nenhum outro juiz (84.º, n.º 4), torna-se competente para a ação o
tribunal da circunscrição judicial cuja sede esteja a menor distância (84.º, n.º 1).

6.4. Pacto de competência

a) O pacto ou convenção sobre a competência interna é regulado pelo 95.º. Esse pacto é
válido na medida em que derrogue regras de competência em razão do território, salvo nos casos
em que a incompetência territorial deva ser conhecida oficiosamente (95.º, n.º 1); o pacto que
derrogar regras de competência em razão da matéria, do valor ou da hierarquia é nulo, por
violação de uma regra de carácter imperativo (294.º CC).
O pacto há-de satisfazer os requisitos de forma do contrato de que emerge o litígio ou
litígios a que provê, contanto que tal forma seja escrita (95.º, n.º 2 1.ª parte): “mínimo formal” para
a validade do pacto. Há-de igualmente designar as questões a que se refere e o critério de
determinação do tribunal que fica sendo competente (95.º, n.º 2 2.ª parte). Assim, o tribunal ao
qual é atribuída competência deve ser individualizado (por exemplo, o de Lisboa) ou deve ser
determinável pelo critério definido pelas partes (por exemplo, o tribunal do lugar do domicílio do
autor no momento da propositura da acção), pelo que não pode ser indicado genericamente (por
exemplo, o tribunal que o autor quiser escolher).
Verificados estes requisitos, a competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a
que deriva da lei (95.º, n.º 3). Isto é, a violação do pacto conduz à incompetência do tribunal no
qual a acção venha a ser indevidamente proposta (102.º).

b) No âmbito das cláusulas contratuais gerais são relativamente proibidas as cláusulas que
estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem
que os interesses da outra o justifiquem (19.º, al. g), LCCG).

III. Tribunal de competência alargada


1. Enunciado
Além de outros, encontram-se previstos como tribunais de competência territorial alargada o
tribunal da propriedade industrial (83.º, n.º 3, al. a), e 111.º LOSJ), o tribunal da concorrência,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/94

regulação e supervisão (83.º, n.º 3, al. b), e 112.º LOSJ) e o tribunal marítimo (83.º, n.º 3, al. c), e
113.º LOSJ).

2. Competência material
2.1. Tribunal da propriedade intelectual

a) O tribunal da propriedade intelectual tem competência para conhecer das açoes do 111º/1
LOSJ

b) A competência abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das


decisões (art. 111.º, n.º 2, LOSJ).

2.2. Tribunal da concorrência

a) Compete ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão conhecer do 112º/1 e /2


LOSJ.

b) As competências referidas nos números anteriores abrangem os respectivos incidentes e


apensos, bem como a execução das decisões (art. 112.º, n.º 3, LOSJ).

2.3. Tribunal marítimo

a) Ao tribunal marítimo compete conhecer das questões do 113º/1 LOSJ

b) A competência abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das


decisões (art. 113.º, n.º 2, LOSJ). No entanto, nas circunscrições não abrangidas pela área de
competência territorial do tribunal marítimo, as competências do tribunal marítimo são atribuídas
ao respectivo tribunal de comarca (art. 113.º, n.º 3, LOSJ).

IV. Tribunais de Relação


1. Estrutura
A área de competência do Tribunal da Relação corresponde a várias comarcas (210.º, n.º 4,
CRP; 32.º, n.º 1, 67.º, n.º 1, LOSJ). As Relações são divididas, pelo menos, em secções em
matéria cível e em matéria penal (67.º, n.º 3 e 4, LOSJ), embora também possam funcionar em
plenário e por secções (art. 67.º, n.º 2, e 71.º LOSJ).

2. Competência jurisdicional
2.1. Critério material

Compete às secções cíveis das Relações julgar as causas que não estejam atribuídas às
demais secções (74.º, n.º 1, e 54.º, n.º 1, LOSJ) - as secções cíveis possuem competência
material residual.

2.2. Critério do valor

Em razão do valor da causa, as Relações não têm nenhuma restrição de competência


estabelecida, embora tenham as limitações que lhes advêm da alçada dos tribunais de 1.ª
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/95

instância (44.º, n.º 1, LOSJ), pois que as decisões da 1.ª instância só são recorríveis para a
Relação quando, além do mais, o valor da causa exceder a alçada do tribunal recorrido (629.º, n.º
1).

2.3. Critério hierárquico

A principal delimitação de competência das Relações é a resultante do critério hierárquico,


segundo o qual as Relações são competentes para três processos fundamentais: recursos,
acções contra magistrados e reconhecimento de decisões estrangeiras (68.º, n.º 1). Com efeito, as
Relações são competentes, através das respetivas secções cíveis, para os seguintes atos:
− Julgamento dos recursos interpostos dos tribunais de 1.ª instância (68.º, n.º 2; 73.º, al.
a) e f), LOSJ);
− Julgamento das ações propostas contra juízes de direito, juízes militares de 1.ª
instância, procuradores da República e procuradores-adjuntos por causa das suas
funções (73.º, al. b), LOSJ);
− Julgamento dos processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira (art.
73.º, al. e), LOSJ; cf. art. 978.º a 985.º).
Verifica-se, assim, que, em regra, não cabe às Relações conhecer de questões em 1.ª
instância. Importa ainda referir que as Relações não têm competência para executar as suas
próprias decisões (86.º e 88.º), nem as sentenças estrangeiras por elas reconhecidas (90.º).

2.4. Critério territorial

A competência territorial das Relações deriva, antes de mais, da pertença do tribunal


recorrido à respectiva área de competência (83.º) ou da pertença a esta área do tribunal onde o
magistrado judicial ou do Ministério Público praticou o ato ilícito (968.º). Quanto à revisão de
sentenças estrangeiras, segue-se, por força do estabelecido no 979.º, a regra geral dos 80.º a
82.º: para a revisão e confirmação é competente a Relação da área do domicílio da pessoa contra
quem se pretende fazer valer a sentença.

V. Supremo Tribunal de Justiça


1. Estrutura
O STJ tem a sede em Lisboa (art. 45.º LOSJ) e possui jurisdição sobre todo o território
nacional (art. 43.º, n.º 1, LOSJ). Compreende secções especializadas em matéria cível, em
matéria penal e em matéria social (47.º, n.º 1, LOSJ), às quais acresce uma secção para o
julgamento dos recursos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura (47.º, n.º 2,
LOSJ). Pode funcionar em plenário, em plenário das secções especializadas e por secções (48.º,
n.º 1, LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/96

2. Competência jurisdicional
2.1. Critério material

Compete às secções cíveis do STJ julgar as causas que não estejam atribuídas às demais
secções (54.º, n.º 1, LOSJ) - competência material residual. De molde a facilitar a especialização
dos juízes e a uniformização de jurisprudência, as causas sobre matéria de propriedade
intelectual, sobre questões marítimas e sobre assuntos de comércio são sempre distribuídas à
mesma secção cível (54.º, n.º 2. LOSJ).

2.2. Critério do valor

No que se refere ao valor, a competência do STJ é apenas limitada pela alçada da Relação,
pois que, em regra, não é possível recorrer para o Supremo de decisões proferidas em causas
cujo valor cabe na alçada da Relação (44.º, n.º 1, LOSJ).

2.3. Critério hierárquico

Na competência em razão da hierarquia do STJ encontram-se dois aspetos salientes:


recursos e ações contra magistrados (69.º, n.º 1). Assim, cabe ao STJ:
− Através do pleno das secções cíveis, uniformizar a jurisprudência (53.º, al. c), LOSJ;
69.º, n.º 2, 686.º, n.º 1, 688.º, n.º 1, e 691.º);
− Através das respetivas secções ou do relator, julgar os recursos que não sejam do
pleno das secções especializadas (55.º, al. a) e g), e 53.º LOSJ; 69.º, n.º 2);
− Através das secções competentes, julgar as acções propostas contra juízes do STJ e
dos tribunais da Relação e magistrados do MP que exerçam funções junto destes
tribunais, ou equiparados, por causa das suas funções (55.º, al. c), LOSJ).
Tal como as Relações, o STJ também não tem competência executiva (86.º e 88.º). Pode
assim enunciar-se a regra de que os tribunais superiores, além de não conhecerem, em princípio,
de causas em 1.ª instância, também não executam, decisões ou outros títulos executivos.

2.4 Critério territorial

O STJ não tem limites de competência em razão do território, dado que tem competência
em todo o território nacional (43.º, n.º 1, LOSJ).

2. Competência internacional

§ 14.º Enquadramento geral

I. Fontes europeias
1. Enunciado
As fontes europeias relativas à competência internacional dos tribunais portugueses são as
seguintes:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/97

− O Reg. 44/2001, aplicável nos Estados-membros à generalidade das matérias civis e


comerciais; o art. 1.º, n.º 1 e 3, Reg. 44/2001 exclui a Dinamarca dos Estados
vinculados pelo Reg. 44/2001, mas um acordo entre a Comunidade Europeia e a
Dinamarca estendeu a este Estado a aplicação do Reg. 44/2001;
− O Reg. 2201/2003, aplicável às acções de divórcio, de separação e de anulação do
casamento e às acções relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação
ou à cessação da responsabilidade parental;
− O Reg. 4/2009, aplicável em matéria de obrigações alimentares;

II. Fontes internacionais


1. Enunciado
As principais fontes convencionais da competência internacional dos tribunais portugueses
são:
− A Convenção relativa à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de
Decisões em Matéria Civil e Comercial (Convenção de Lugano II) (Lugano,
30/10/2007);
− A Convenção relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à
Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de
Protecção das Crianças (Haia, 19/10/1996).

2. Convenção de Lugano II
2.1. Generalidades

São partes contratantes da Convenção de Lugano II todos os Estados-membros da UE e


ainda todos os Estados que são membros da EFTA (a Islândia, a Noruega e a Suíça). A
Convenção de Lugano II está em vigor, entre todos estes Estados, desde 1/5/2011.
A Convenção de Lugano II substitui a Convenção de Lugano I.

2.2. Texto

O texto da Convenção de Lugano II é muito próximo do texto do Reg. 44/2001, pelo que se
pode dizer que o objectivo da Convenção de Lugano II é o de alargar o regime do Reg. 44/2001
aos Estados que integram a EFTA.
Entre o Reg. 44/2001 e a Convenção de Lugano II existe, porém, uma diferença importante:
enquanto o Reg. 44/2001 deixou de se aplicar à obrigação de alimentos (cf. art. 68.º, n.º 1, Reg.
4/2009), a Convenção de Lugano II continua a aplicar-se a essa obrigação (cf. art. 5.º, n.º 2, CLug
II).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/98

2.3. Delimitação

A aplicação da Convenção de Lugano II delimita-se perante a aplicação do Reg. 44/2001 de


acordo com as seguintes regras:
− Nas relações entre a Dinamarca e os Estados que pertencem à EFTA aplica-se
exclusivamente a Convenção de Lugano II;
− Na determinação da competência, a Convenção de Lugano II é aplicável quando o
requerido se encontre domiciliado na Islândia, na Noruega ou na Suíça ou quando, por
força das regras da competência exclusiva ou das cláusulas convencionais de
competência, sejam competentes os tribunais de um desses Estados;
− Em matéria de litispendência ou de conexão entre acções, aplica-se a Convenção de
Lugano II quando todas as ações tenham sido instauradas na Islândia, na Noruega ou
na Suíça ou quando uma ou algumas ações tenham sido propostas num desses
Estados e a outra ou outras ações tenham sido instauradas num EM da UE (64.º, n.º
2, al. b), CLug II);
− Em matéria de reconhecimento e execução de decisões, a Convenção de Lugano II é
aplicável quando o Estado de origem e o Estado do reconhecimento sejam ambos a
Islândia, a Noruega ou a Suíça ou quando o Estado de origem seja um destes
Estados e o Estado do reconhecimento seja um EM da UE, ou vice-versa (64.º, n.º 2,
al. c), CLug II).

III. Fontes internas


Na falta de aplicação de uma fonte europeia ou internacional, a competência internacional
dos tribunais portugueses é regulada pelo disposto nos art. 59.º, 62.º, 63.º e 94.º.

IV. Modalidades da competência


1. Directa vs. indirecta
− A competência directa é a competência que, em relação a ações com elementos de
estraneidade, pertence aos tribunais de um Estado; esta competência constitui um
pressuposto processual numa acção declarativa;
− A competência indirecta é a competência que um Estado reconhece aos tribunais de
outro Estado; esta competência constitui um requisito do reconhecimento de uma
decisão estrangeira (cf., por exemplo, art. 980.º, al. c)) e releva, por isso, na execução
dessa decisão no Estado do reconhecimento.

2. Concorrente vs. exclusiva


− A competência concorrente verifica-se quando, para uma mesma ação, há vários
tribunais internacionalmente competentes; nesta hipótese, o autor pode escolher
qualquer dos tribunais competentes para propor a ação; a competência concorrente
possibilita que um dos interessados instaure uma ação de apreciação negativa num
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/99

dos tribunais competentes com a intenção de bloquear a propositura de outra ação


pelo outro interessado num outro tribunal igualmente competente;
− A competência exclusiva ocorre quando, de acordo com o direito interno, um
regulamento europeu ou uma convenção internacional, apenas um tribunal é
considerado internacionalmente competente para apreciar uma ação (63.º); a
competência exclusiva releva não só como pressuposto processual numa ação, mas
também como obstáculo à validade de um pacto de jurisdição (94.º, n.º 3, al. d)) e ao
reconhecimento de uma decisão estrangeira proferida por um outro tribunal (980.º, al.
c)).

3. Legal vs. convencional


− A competência legal resulta de uma regra de direito interno ou constante de um
regulamento comunitário ou de uma convenção internacional;
− A competência convencional decorre de uma convenção celebrada pelos
interessados, através da qual estes atribuem competência aos tribunais de um certo
Estado para a apreciação de uma acção ou privam estes tribunais de competência
para apreciar uma determinada acção; na ordem jurídica portuguesa, as convenções
sobre a competência internacional designam-se por pactos de jurisdição (94.º).

§ 15.º Reg. 1215/2012

I. Generalidades
2. Vinculação
O Reg. 1215/2012 é vinculativo para todos os Estados da UE.
II. Âmbito de aplicação
1. Âmbito material
1.1. Delimitação positiva

a) O Reg. 1215/2012 é aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da


natureza da jurisdição, isto é, do tribunal que é competente na ordem interna (art. 1.º, n.º 1):
assim, o Reg. pode ser aplicado por um tribunal civil, comercial, laboral ou mesmo criminal. Como
se pode verificar pelo disposto no art. 7.º/3, também se encontra abrangido pelo diploma o pedido
de indemnização civil deduzido no processo penal, inferindo-se ainda do disposto nos 20º a 23º a
sua aplicabilidade às ações relativas a contratos individuais de trabalho.

b) Nas situações de concurso de pretensões, pode suceder que apenas uma delas caia no
âmbito de aplicação do Reg. O Reg. não deixa de ser aplicável à pretensão abrangida pelo seu
âmbito, mas cabe ao direito interno do Estado do foro verificar se o tribunal também é competente
para as demais pretensões concorrentes. Algo de semelhante vale para os pedidos alternativos se
só um deles for abrangido pelo Reg. 44/2001.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/100

1.2. Delimitação negativa

a) O Reg. 44/2001 não abrange:


− As matérias fiscais, aduaneiras e administrativas (art. 1.º, n.º 1) nem as do 1º/2;

2. Âmbito espacial
2.1. Competência internacional

a) As regras sobre a determinação da competência segundo o Reg. só são aplicáveis, em


princípio, quando o demandado tiver o seu domicílio ou sede no território de um Estado-membro
(6º/1). Mas, quando o litígio apresentar um elemento de estraneidade e entrar no âmbito de
aplicação material do Reg, se o demandado tiver o seu domicílio no território de um
Estado-membro, as regras de competência previstas no Reg. devem, em princípio, ser aplicadas e
prevalecer sobre as regras nacionais de competência.
Se o demandado não tiver domicílio num Estado-membro, em regra o Reg. não é aplicável.
Neste caso, qualquer pessoa domiciliada num Estado-membro pode invocar contra o requerido as
regras em vigor no Estado do foro, mesmo as respeitantes a competências exorbitantes (6º/2).

b) A determinação do domicílio ou sede do demandado faz-se da seguinte forma:


− O juiz da causa aplica a sua lei interna para determinar se uma parte tem domicílio no
seu próprio Estado (62º/1) e aplica a lei interna de um outro Estado para determinar se
a parte tem domicílio nesse Estado (62º/2);
− As sociedades e pessoas colectivas têm domicílio no lugar em que tiverem a sua sede
social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal (63º/1);

c) O Reg é aplicável sempre que o demandado tenha o seu domicílio num dos Estados-
membros, não sendo necessário que o elemento de estraneidade da acção resulte de uma
conexão com um outro daqueles Estados.

3. Âmbito temporal
3.1. Competência internacional

As suas disposições relativas à competência internacional são aplicáveis às acções judiciais


instauradas após 10/1/2015 (art. 66.º, n.º 1).

5. Competência territorial
Alguns preceitos do Reg são dotados de uma dupla funcionalidade, dado que eles aferem
simultaneamente o tribunal internacional e territorialmente competente: é o caso dos art. 7º, 12º,
13º, 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2. A generalidade dos preceitos do Reg. limita-se, no entanto, a atribuir a
competência internacional aos tribunais de um Estado-membro. Neste caso, há que proceder à
determinação do tribunal territorialmente competente, havendo, para isso, que fazer as seguintes
operações:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/101

− Procura-se nos art. 70.º a 84.º se, em função do objecto, é possível atribuir
competência territorial a um tribunal português;
− Se de nenhum desses preceitos resultar a atribuição de competência territorial a um
tribunal português, há que determinar o tribunal competente de acordo com os
critérios estabelecidos no art. 80.º, n.º 3.

III. Critério geral


2. Domicílio intracomunitário
Na hipótese de o réu ter domicílio num dos EM, a competência afere-se:
− O réu domiciliado num desses Estados deve ser demandado, independentemente da
sua nacionalidade, nos tribunais do Estado do seu domicílio (4º/1); a circunstância de
o réu não ser nacional do Estado do seu domicílio não impede a aplicação da regra do
domicílio do réu, sendo igualmente irrelevante a nacionalidade do autor;
− As pessoas domiciliadas no território de um Estado-membro podem ser demandadas
perante os tribunais de um outro Estado se tal resultar de uma competência especial
ou de um pacto de jurisdição (5º/1); contra esses demandados não podem ser
aplicadas quaisquer outras regras, nomeadamente aquelas que, nos direitos nacionais
dos Estados-membros, estabelecem competências exorbitantes (5º/2).
O Reg. não admite que um tribunal se possa considerar incompetente por entender que um
outro tribunal se encontra mais bem colocado para resolver o litígio. Assim, um tribunal
competente nos ternos do art. 4.º não pode declinar essa competência por considerar que um
órgão jurisdicional de um Estado terceiro é um foro mais adequado para conhecer do litígio em
causa.

3. Domicílio extracomunitário
Na situação em que o demandado não tem domicílio num Estado-membro:
− A competência é regulada, em princípio, pela lei interna do Estado, sem prejuízo da
aplicação das regras relativas à competência exclusiva (24º) e aos pactos de
jurisdição (25º) - 6º/1;

IV. Critérios especiais


1. Generalidades
O réu que seja domiciliado num Estado-membro pode ser demandado nos tribunais de um
outro Estado se relevar um dos fatores de conexão enunciados nos 7º a 26º (5º/1). A competência
que é fixada através de um critério especial concorre com aquela que é determinada pelo critério
geral do domicílio do réu (4º/1), de modo que o autor pode escolher qualquer dos tribunais cuja
competência seja determinada pela aplicação dos referidos critérios, gerais ou especiais (5º/1).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/102

2. Critérios especiais
2.1. Generalidades

No âmbito das competências especiais, o Reg. contém as seguintes disposições:


− Normas avulsas sobre várias competências especiais (7º a 9º);
− Normas que visam proteger a parte mais fraca por meio de regras de competência
mais favoráveis aos seus interesses do que a regra geral; estas normas referem-se à
competência em matéria de seguros (10º a 16º), de contratos celebrados por
consumidores (17º a 19º) e de contratos individuais de trabalho (20º a 23º);

2.2. Matéria contratual

a) Em matéria contratual é competente o tribunal do lugar onde a obrigação foi ou deva ser
cumprida (7º/1 a)). A matéria contratual refere-se apenas a obrigações assumidas de forma
voluntária, pelo que não cabe a responsabilidade por culpa in contrahendo.
O 7º/1 é aplicável às acções relativas ao cumprimento do contrato, ainda que a existência
do contrato seja controversa, às acções respeitantes à validade e à eficácia do contrato e ainda às
acções relativas à modificação e ao termo do contrato. A “matéria contratual” abrange igualmente,
através de uma interpretação extensiva, os negócios unilaterais.

b) Para a determinação do lugar do cumprimento da obrigação, há que atender à obrigação


contratual que constitui o fundamento da acção judicial. No caso da venda de bens e da prestação
de serviços, o lugar do cumprimento é determinado por uma regra material segundo a qual releva
o lugar no qual, nos termos do contrato, os bens foram ou deviam ser entregues ou os serviços
foram ou deviam ser prestados (7º/1 b)). Assim, por exemplo:
− Em caso de venda à distância, o lugar onde as mercadorias foram ou devam ser
entregues por força do contrato deve ser determinado com fundamento nas
disposições desse contrato; se for impossível determinar o lugar de entrega com esse
fundamento esse lugar é o da entrega material dos bens pela qual o comprador
adquiriu ou devia ter adquirido o poder de dispor efectivamente desses bens no
destino final da operação de venda;

− No caso de transporte aéreo de pessoas de um Estado-membro com destino a outro


Estado-membro, realizado com base num contrato celebrado com uma única
companhia aérea que é a transportadora operadora, o tribunal competente para
conhecer de um pedido de indemnização baseado nesse contrato de transporte é
aquele, à escolha do requerente, em cujo foro se situa o lugar de partida ou o lugar de
chegada do avião, tal como esses lugares são estipulados no referido contrato;
− No caso de uma acção judicial em que um demandante estabelecido num
Estado-membro invoca, contra um demandado estabelecido noutro Estado-membro,
direitos resultantes de um contrato de concessão, este contrato é considerado um
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/103

contrato de prestação de serviços se incluir estipulações particulares relativas à


distribuição, pelo concessionário, das mercadorias vendidas pelo concedente.
Na aplicação da regra material estabelecida no 7º/1 b), há que considerar:
− Na hipótese de várias prestações deverem ser realizadas em vários Estados-
membros, é competente o tribunal do lugar onde deve ser realizada a prestação
principal;
− Em caso de pluralidade de lugares de entrega do bem num mesmo Estado-membro, o
tribunal competente para conhecer de todos os pedidos baseados no contrato de
compra e venda é o tribunal em cuja jurisdição territorial se situa o lugar da entrega
principal, que deve ser determinado em função de critérios económicos; na falta de
factores determinantes para definir o lugar da entrega principal, o autor pode
demandar o réu no tribunal do lugar de entrega da sua escolha.

c) Em todas as demais hipóteses conforme resulta do disposto no 7º/1 c) o lugar de


cumprimento da obrigação é assumido perante o lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação.

.
2.3. Matéria extracontratual

a) Nas acções relativas a matéria extracontratual, o réu pode ser demandado perante o
tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso (7º/2): como lugar do dano só é
relevante aquele em que o demandado, e não um terceiro, tenha alegadamente praticado o facto
que lhe é imputado. O regime é aplicável à ação de declaração negativa na qual se requer que
seja declarada a inexistência de responsabilidade extracontratual.
O lugar onde ocorreu o facto danoso é o lugar onde o dano inicial surgiu devido à utilização
normal do produto para os fins a que se destina. Se o lugar do facto danoso não coincidir com o
lugar onde se produziu ou poderá produzir o dano, a acção também pode ser instaurada no
tribunal deste último.

b) A matéria extracontratual constitui um conceito que deve ser interpretado cabendo nele
tudo o que não se inclui no conceito de matéria contratual do 7º/1 a). Assim, o 7º/2 é aplicável à
acção em que se invoca a responsabilidade pré-contratual do demandado, às acções inibitórias do
uso ou recomendação de cláusulas contratuais gerais propostas por associações de
consumidores, à acção judicial em que é pedida a indemnização dos danos resultantes de uma
acção colectiva proposta por um sindicato ou à acção intentada por um credor de uma sociedade
anónima destinada a responsabilizar pelas dívidas dessa sociedade, por um lado, um membro do
seu conselho de administração e, por outro, um accionista da mesma sociedade.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/104

c) Interpretando o 7º/2, o Tribunal de Justiça definiu que um tribunal que é competente


segundo aquele preceito para conhecer da parte de uma acção baseada num fundamento
extracontratual não é competente para conhecer de outras partes da mesma acção baseadas em
fundamentos não extracontratuais. Portanto, nas situações de concurso de responsabilidade
delitual e responsabilidade contratual, o tribunal que é competente para apreciar uma delas pode
não ser competente para conhecer da outra.

2.4. Processo de adesão

Para as acções de indemnização ou de restituição fundadas numa infracção penal é


competente o tribunal onde foi intentada a acção pública, se a lei do Estado desse tribunal permitir
conhecer da acção cível (7º/3).

2.5. Exploração de sucursal

a) Nas ações relativas à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro
estabelecimento, é competente o tribunal da sua situação (7º/5). A teleologia do regime legal é a
proteção daquele que celebrou negócios com a sucursal, a agência ou o estabelecimento de uma
sociedade estrangeira no próprio Estado dessa sucursal, agência ou estabelecimento, pelo que o
disposto só é aplicável quando a ação seja proposta contra uma destas entidades (não, portanto,
quando uma dessas entidades pretenda propor uma ação).

b) A competência definida pelo 7º/5 é restrita aos litígios respeitantes à exploração da


sucursal. Este requisito está preenchido quando a acção se refere aos direitos e às obrigações
relativas à gestão da sucursal ou quando a acção respeita à actividade realizada pela sucursal em
nome da casa-mãe no Estado no qual se encontra sediada. O que releva é a maneira como a
sucursal e a sociedade se comportam no mundo dos negócios e como elas se apresentam
perante terceiros; é irrelevante que as obrigações assumidas pela sucursal, em nome da casa-
mãe, devam ser cumpridas no Estado em que a sucursal está estabelecida.
O 7º/5 estabelece um critério especial de competência que concorre com o critério geral do
4º/1. Desta verificação decorre que o 7º/5 só pode ser utilizado se a casa-mãe tiver a sua sede
num outro Estado-membro (6º/1) e que, em alternativa ao disposto no 7º/5, o autor pode sempre
demandar a casa-mãe nos tribunais do Estado-membro da sua sede.

2.7. Competência por conexão

a) A competência de um tribunal pode ser alargada através de uma conexão estabelecida


em função das partes ou do objecto da causa (8º). Na sistemática do Reg, o regime só é aplicável
quanto a demandados que tenham domicílio num Estado-membro (6º) e não tem relevância
quando o demandado tenha domicílio no Estado-membro do tribunal da acção, pois que, neste
caso, este tribunal já é competente nos termos gerais (4º).

b) Se a acção for proposta contra vários réus (todos domiciliados em Estados-membros),


todos podem ser demandados no tribunal do domicílio de um deles – isto é, todos podem ser
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/105

demandados no tribunal competente segundo o critério do 4º/1 –, desde que os pedidos estejam
ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados
simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem
apreciadas separadamente (8º/1). Este regime pressupõe que a acção é proposta no tribunal
competente segundo o disposto no Reg. e que há uma mesma conexão entre todos os
demandados, sendo aplicável ainda que os pedidos formulados contra os vários réus tenham
fundamentos jurídicos distintos ou tenham bases legais nacionais que diferem segundo os
Estados-membros. O 8º/1 é aplicável independentemente de qualquer juízo sobre a procedência
da acção contra o demandado com domicílio na circunscrição do tribunal e mesmo que a acção
proposta contra um dos demandados seja considerada inadmissível por força da legislação
nacional (nomeadamente, porque foi declarada a insolvência do principal demandado).

c) Qualquer garante ou outro terceiro pode ser chamado a intervir numa acção pendente,
salvo se a escolha do tribunal onde a ação foi proposta tiver tido o único e exclusivo intuito de
subtrair o terceiro à jurisdição do tribunal que seria competente (8º/2). Este preceito pressupõe que
a competência do tribunal da ação é determinada pelos critérios do Reg, mas não obriga o juiz
nacional a admitir o chamamento de um garante à acção, pelo que o juiz pode aplicar o seu direito
nacional para avaliar a admissibilidade de tal chamamento.

d) Tratando-se de um pedido reconvencional que derive do contrato ou do facto que


constitui a causa de pedir da acção principal, é competente o tribunal no qual esta acção se
encontra pendente (8º/3), desde que essa competência seja compatível com o disposto no Reg.
Assim, por exemplo, o forum reconventionis não pode ser utilizado em violação da competência
exclusiva.

3. Critérios específicos
3.1. Generalidades

a) A protecção devida a certa categoria de partes – como os segurados, os consumidores e


os trabalhadores – justifica algumas regras específicas. Estas regras estabelecem, além do mais,
uma competência assimétrica: os segurados, os consumidores e os trabalhadores só podem ser
demandados no seu domicílio (14º/1, 18º/2, e 22º/1), mas podem demandar os seguradores, as
contrapartes no contrato de consumo e as entidades patronais quer igualmente nos tribunais do
seu domicílio, quer noutros tribunais (11º a 13º, 18º/1, e 21º).
Além deste benefício que é concedido aos segurados, consumidores e trabalhadores, a sua
protecção também é patente nas restrições impostas à validade dos pactos de jurisdição (25º/4).
Aliás, porque essa proteção deve valer independentemente do tribunal escolhido, aqueles regimes
legais devem valer mesmo quando as partes escolham como competentes os tribunais de um
Estado terceiro.

b) Como decorre da ressalva constante dos 10º 17º/1 e 20º/1 ao 6º, o regime relativo a
seguros, a contratos celebrados por consumidores e a contratos individuais de trabalho só é
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/106

aplicável se o demandado tiver domicílio num EM. Note-se, no entanto, que, tal como decorre do
estabelecido nos 11º/2, 17º/2, e 20º/2, o regime é igualmente aplicável se o demandado tiver uma
sucursal num Estado-membro (mesmo que não seja o da parte contratual mais fraca).

3.3. Matérias de consumo

a) O âmbito material abrange as acções relativas a contratos celebrados por consumidores


(17º/1), isto é, a contratos celebrados por uma pessoa singular (ainda que através do comércio
electrónico), para uma finalidade que possa considerar-se estranha à sua atividade comercial ou
profissional (“o consumidor”), com outra pessoa que aja no quadro das suas actividades
comerciais ou profissionais (“o profissional”). Isto permite concluir que o regime não se aplica
quando ambas as partes do contrato sejam consumidores e só se pode aplicar a contratos
concluídos fora e independentemente de qualquer actividade ou finalidade profissional, actual ou
futura. Não é o caso, por exemplo, de uma pessoa singular que tem relações profissionais
estreitas com uma sociedade, como um cargo de gerência ou uma participação maioritária na
mesma, e que avaliza uma livrança emitida para garantir as obrigações que incumbem a essa
sociedade ao abrigo de um contrato relativo à concessão de um crédito.

b) O âmbito subjectivo do regime impõe que, em regra, as normas respeitantes à


competência em matéria de contratos celebrados por consumidores apenas são aplicáveis quando
o demandado tiver domicílio num Estado-membro. Todavia, o co-contratante do consumidor que
não tenha domicílio no território de qualquer desses Estados, mas que possua sucursal, agência
ou qualquer outro estabelecimento num daqueles Estados, é considerado, quanto aos litígios
relativos à exploração da sucursal, agência ou estabelecimento, como tendo domicílio no território
desse Estado (17º/2).

c) Quanto ao âmbito contratual do regime especial relativo a contratos celebrados por


consumidores, há que considerar duas situações:
− O regime é aplicável, sem mais, quando se trate de venda a prestações de bens
móveis corpóreos (17º/1 a)) ou de empréstimo a prestações ou de outra operação de
crédito relacionada com o financiamento da venda de tais bens (17º/1 b));
− O regime também é aplicável a outros tipos contratuais, desde que o contrato tenha
sido concluído com uma pessoa que tem actividade comercial ou profissional no
Estado-membro do domicílio do consumidor ou dirige essa actividade, por quaisquer
meios, a esse EM ou a vários Estados incluindo esse EM, e o referido contrato seja
abrangido por essa actividade (17º/1 c)); quer dizer: se o comerciante ou o profissional
não tiver actividade no EM no qual o consumidor tem o seu domicílio, basta que esse
comerciante ou profissional dirija, por qualquer meio, a sua actividade para esse
Estado.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/107

Se o contrato for misto – isto é, se for relativo a um bem destinado a uma utilização
parcialmente profissional e parcialmente estranha à actividade profissional –, o regime especial em
matéria de contratos celebrados por consumidores só é aplicável se a utilização profissional for
marginal, a ponto de apenas ter um papel despiciendo no contexto global da operação em causa.

d) A competência em matéria de contratos de consumo determina-se, quanto às acções


propostas pelo consumidor, segundo as seguintes regras:
− O consumidor pode instaurar a ação contra a outra parte no contrato, quer perante os
tribunais do EM do domicílio desta parte, quer perante o tribunal do lugar do seu
próprio domicílio (18º/1);
− Se a outra parte tiver sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento num EM
que não seja o do seu domicílio, o consumidor pode demandá-la no tribunal da
situação dessa sucursal, agência ou estabelecimento, se o litígio respeitar à sua
exploração (17º/1 e 7º/5).
A outra parte no contrato só pode propor uma ação contra o consumidor perante os
tribunais do Estado-membro do domicílio deste demandado (18º/2), incluindo os tribunais do último
domicílio conhecido do consumidor.

e) Em conjugação com um contrato celebrado por um consumidor, um pacto de jurisdição


só é válido se estiver preenchida uma das seguintes condições:
− O pacto é posterior ao nascimento do litígio (19º/1);
− O pacto permite ao consumidor recorrer a tribunais que não são os indicados no Reg.
(19º/2);
− O pacto é concluído entre o consumidor e o seu co-contratante, ambos com domicílio
ou residência habitual, no momento da celebração do contrato, num mesmo EM, e as
partes atribuem competência aos tribunais desse EM, salvo se a lei desse EM não
permitir o pacto (19º/3).

V. Competência exclusiva
1. Generalidades
1.1. Carácter universal

O 24º enumera os casos de competência exclusiva dos tribunais dos EM. Esta competência,
porque é exclusiva, prevalece sobre a competência determinada por quaisquer outros critérios,
gerais ou especiais (4º e 7º a 24º) e impede a celebração de um pacto de jurisdição (25º/4). A sua
violação é sempre de conhecimento oficioso (27º).
A competência exclusiva é independente do lugar do domicílio do demandado (24º), pelo
que se mantém mesmo que o réu não seja domiciliado num EM. A razão de ser das regras de
competência exclusiva é a existência de um nexo de ligação particularmente estreito entre o litígio
e um EM, independentemente do domicílio tanto do demandante, como do demandado. Assim,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/108

essas regras têm um âmbito universal, pois que valem mesmo em relação a interessados
domiciliados em Estados terceiros.

1.2. Carácter unilateral

O disposto no 24º não é bilateralizável, ou seja, não é aplicável quando o elemento de


conexão se verifique em relação a um Estado terceiro.

2. Enunciado
2.1. Acções reais

a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, são


exclusivamente competentes os tribunais do Estado onde se encontre o imóvel (24º/1), exceto, em
certas condições, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis (24º/1). Não basta que a
acção diga respeito a um direito real sobre imóveis ou que a acção se prenda com um imóvel: é
necessário que a acção se baseie num direito real.
Para este efeito, não se integram na matéria de direitos reais sobre imóveis: a acção de
indemnização pela perda do gozo de uma habitação após a anulação da transmissão da
propriedade; a acção destinada a impedir as perturbações que podem afectar bens imóveis,
decorrentes de radiações provocadas por uma central nuclear sita no território de um Estado
vizinho daquele em que os bens estão situados; a acção de resolução de uma convenção de venda
sobre um imóvel e de indemnização pelas perdas e danos decorrentes desta resolução; a acção de
impugnação pauliana.

b) Nos termos do 24º/1, estão excluídos da competência exclusiva do tribunal da situação


do imóvel os contratos de arrendamento que tenham sido celebrados para uso pessoal temporário
por um período máximo de seis meses consecutivos, em que o arrendatário seja uma pessoa
singular e em que o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo EM: neste caso,
também são competentes os tribunais do EM do domicílio do demandado.

2.2. Outras situações

A competência exclusiva também se verifica nas seguintes situações:


− Em matéria de validade, de nulidade ou de dissolução das sociedades ou outras
pessoas colectivas que tenham a sua sede no território de um Estado-membro, bem
como de validade ou nulidade das decisões dos seus órgãos, são exclusivamente
competentes os tribunais desse Estado (24º/2);
− Em matéria de validade de inscrições em registos públicos, são exclusivamente
competentes os tribunais do EM em cujo território estejam conservados esses registos
(24º/3); a ação tem de respeitar ao próprio registo, não às consequências desse
registo;
− Em matéria de inscrição ou de validade de patentes, marcas, desenhos, modelos e
direitos análogos, são exclusivamente competentes os tribunais do EM em cujo
território o depósito ou o registo tiver sido requerido, efectuado ou considerado
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/109

efectuado nos termos de um instrumento europeu ou de uma convenção internacional


(24º/4);

VI. Pactos de jurisdição


1. Âmbito
1.1. Generalidades

O regime dos pactos de jurisdição que se encontra previsto no 25º é aplicável:


− O pacto deve atribuir competência ao tribunal ou aos tribunais de um EM (25º/1);
basta que a convenção identifique os elementos objectivos sobre os quais as partes
acordaram para escolher o tribunal competente, desde que eles sejam
suficientemente precisos para permitir que o tribunal possa determinar a sua
competência ou possam ser concretizados através das circunstâncias próprias do
caso concreto;
− Ambas as partes são domiciliadas no mesmo Estado-membro: se o pacto atribuir
competência aos tribunais de outro Estado-membro, ele inclui-se no âmbito de
aplicação do 25º; se, através do pacto, for convencionada a competência dos tribunais
do próprio Estado do domicílio das partes, a convenção só pode incluir-se no âmbito
de aplicação do 25º se ela derrogar a competência de tribunais de outros EM;

2. Validade
2.1. Generalidades

Os pactos de jurisdição previstos no 25º são válidos nas seguintes condições:


− Esses pactos não podem derrogar nenhuma das competências exclusivas previstas
no 24º (25º/4);
− Esses pactos não podem contrariar os requisitos mais exigentes que valem para os
pactos de jurisdição em matéria de seguros, de contratos celebrados por
consumidores e de contrato individual de trabalho (25º/4).

2.2. Requisitos gerais

a) O pacto de jurisdição é um contrato celebrado, pelo que deve respeitar todos os


requisitos exigidos quanto à formação dos contratos: aqueles que não constem do 25º devem ser
regulados pela lex causae determinada pelas regras de conflitos do foro. Quanto ao objecto:
− O pacto deve indicar a relação jurídica da poderão surgir os litígios que serão objecto
do processo (25º/1);
− A convenção deve determinar o tribunal ou os tribunais competentes para a
apreciação da causa (25º/1).

2.3. Requisitos formais

Quanto à forma, o pacto de jurisdição pode ser celebrado:


J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/110

− Por escrito (25º/1 a)), sendo equivalente à forma escrita qualquer comunicação por via
electrónica que permita um registo duradouro do pacto (25º/2);
− Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si (25º/1 b));
− No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou
devam conhecer e que, no ramo comercial considerado, sejam amplamente
conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo
(25º/1 c));

3. Efeitos
3.1. Efeitos processuais

a) O pacto de jurisdição produz um efeito atributivo e um efeito derrogatório:


− O pacto atribui, em princípio, uma competência exclusiva ao tribunal designado
(25º/1); mas, como resulta deste preceito, é possível atribuir uma competência
alternativa, tendo qualquer das partes a possibilidade de escolha entre o tribunal
designado no pacto e o tribunal competente segundo o Reg., e é igualmente possível
estabelecer que o pacto só beneficia uma das partes, isto é, que apenas uma delas
goza daquela possibilidade de escolha; também é possível estipular que a parte pode
propor a acção no tribunal do seu domicílio ou no da parte demandada;
− Como consequência da competência exclusiva do tribunal escolhido, nenhum outro
tribunal permanece competente para a apreciação da acção; o tribunal no qual a
causa foi proposta em violação do pacto de jurisdição deve declarar-se oficiosamente
incompetente quando o demandado for domiciliado no território de um Estado-membro
e não comparecer em juízo (28º/1).
A nulidade do contrato não impede o funcionamento da cláusula atributiva de competência.

4. Pacto tácito
4.1. Aplicação

a) O 26º prevê um pacto tácito de jurisdição: se a parte comparecer em juízo e não arguir a
incompetência do tribunal, este torna-se competente para conhecer do litígio, mesmo que o
demandado seja uma parte a que – por exemplo, como segurado, consumidor ou trabalhador – o
Reg atribui uma especial protecção.
O 26º é aplicável nos casos em que a ação foi intentada em violação das disposições do
Reg. e implica que a comparência do demandado no processo possa ser considerada uma
aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a ação e, portanto, uma extensão
da sua competência. O regime vale igualmente quando a incompetência do tribunal da causa
resultar de um pacto de jurisdição, ou seja, também é aplicável quando as partes tenham retirado
convencionalmente competência ao tribunal no qual é proposta a acção.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/111

c) Se a acção se encontrar pendente num Estado-membro cujos tribunais não são


internacionalmente competentes segundo o Reg., o pacto tácito atribui ao tribunal no qual a acção
se encontra pendente tanto a competência internacional, como a competência territorial. Isto
significa que, nesta hipótese, as regras internas sobre os pactos de competência não são
aplicáveis.
Se a ação for proposta num EM cujos tribunais são internacionalmente competentes de
acordo com o Reg., mas não no tribunal territorialmente competente, há que considerar duas
situações:
− A competência territorial também é regulada pelo Reg. – dupla funcionalidade; nesta
hipótese, o pacto tácito também atribui competência territorial ao tribunal da causa;
− A competência territorial não é regulada pelo Reg., mas pelo direito interno do EM;
nesta hipótese, o que importa aferir é a validade de um pacto tácito de competência, o
que tem de ser feito de acordo com o direito interno do Estado do foro (95.º/1 e 104.º/1
CPC).

4.2. Excepção

O referido efeito de atribuição de competência não se produz se o réu comparecer em juízo


para arguir a incompetência do tribunal ou se houver um outro tribunal exclusivamente competente
(26º/1).
VII. Controlo da competência
1. Generalidades
O controlo da competência que é estabelecida pelos vários critérios gerais ou especiais
enunciados no Reg. pode ser realizada oficiosamente em duas situações:
− Quando a sua incompetência provém da violação da competência exclusiva dos
tribunais de outro EM estabelecida no 24º (27º); portanto, a incompetência do tribunal
do foro não é de conhecimento oficioso quando a competência exclusiva de um outro
tribunal decorrer de um pacto de jurisdição;
− Quando o réu, domiciliado num EM, não for demandado nos tribunais do Estado do
seu domicílio e, além disso, não comparecer em juízo (28º/1); neste caso, é imposto
ao juiz um controlo da citação do demandado (28º/2 a /4).
Estas disposições regulam os casos em que, segundo o Reg., o tribunal da causa deve
controlar oficiosamente a sua competência. Esta circunstância não exclui que o direito interno dos
EM possa impor o conhecimento oficioso da competência decorrente do Reg. noutras situações.

2. Consequências
O Reg. não define quais as consequências da incompetência do tribunal, pelo que elas
devem ser procuradas no direito interno do Estado do foro.
Em concreto, as hipóteses são as seguintes:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/112

− Verifica-se a incompetência absoluta do tribunal no qual a acção foi proposta quando


nem esse tribunal, nem nenhum outro tribunal português seja internacionalmente
competente para apreciar a acção (art. 96.º, al. a)));
− Ocorre a incompetência relativa do tribunal no qual a acção foi intentada quando esse
tribunal não seja competente para apreciar a acção, mas haja um outro tribunal
português que tenha essa competência (art. 102.º).

§ 16.º Reg. 2201/2003

I. Generalidades
1. Objectivos
O Reg. 2201/2003 visa completar o regime instituído pelo Reg. 1215/2012, que não é
aplicável a matérias relativas ao estado das pessoas singulares (art. 1.º, n.º 2, al. a)). Nele se
contendo regras sobre os seguintes aspectos:
− Competência para as acções de divórcio, de separação ou de anulação do casamento
e reconhecimento das decisões aí proferidas;
− Competência para as acções relativas à responsabilidade parental e o
reconhecimento e execução das correspondentes decisões, actos autênticos ou
acordos;
− Cooperação internacional em matéria de responsabilidade parental.

2. Vinculação
O Reg. 2201/2003 é vinculativo para todos os Estados-membros da União Europeia, com
excepção da Dinamarca (2.º, n.º 3).

II. Âmbito de aplicação


1. Âmbito material
1.1. Generalidades

O Reg. 2201/2003 aplica-se apenas a matérias civis, embora não releve a natureza da
jurisdição. Por isso, para efeitos do Reg. 2201/2003, o termo tribunal abrange todas as
autoridades que nos EM tenham competência nas matérias às quais se aplica o Reg. 2201/2003
(2.º/1).

1.2. Competência internacional

a) O Reg. 2201/2003 é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias


civis relativas ao divórcio, à separação de pessoas e bens e à anulação do casamento (1.º, n.º 1,
al. a)). Estas matérias não abrangem as causas do divórcio, os efeitos patrimoniais do casamento
ou outras eventuais medidas acessórias.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/113

A noção de casamento deve ser interpretada de forma autónoma, podendo incluir os


casamentos homossexuais. Quando reconhecidos pela lei do estado do foro, também nada
impede a sua dissolução por divórcio nesses mesmos tribunais.

b) Quanto aos processos relativos ao divórcio, separação de pessoas e bens ou anulação


do casamento que se encontram submetidos ao Reg. 2201/2003, importa considerar o seguinte:
− Estão incluídos nessa categoria quaisquer processos não judiciais que sejam
admissíveis nos EM, dado que se deve entender por tribunal todas as autoridades que
nestes Estados tenham competência para esses processos (2.º, n.º 1); assim, quanto
ao direito português, o Reg. 2201/2003 é aplicável ao procedimento de separação e
divórcio por mútuo consentimento, apesar de o mesmo poder ser da competência da
conservatória do registo civil (art. 1773.º, n.º 2, e 1794.º, CC; art. 12.º);
Assim, quanto ao direito português, o Reg. 2201/2003 abrange o divórcio sem
consentimento do outro cônjuge, o divórcio por mútuo consentimento, a separação de pessoas e
bens, a acção de anulação do casamento e a acção de declaração da inexistência do casamento.

c) O Reg. 2201/2003 é aplicável aos processos que, independentemente da natureza do


tribunal, respeitam a matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou
à cessação da responsabilidade parental (art. 1.º, al. b), Reg. 2201/2003): é o caso, por exemplo,
da entrega de um menor a uma família de acolhimento, da decisão que ordena a retirada urgente
de um menor e a sua colocação fora da sua família.

2. Âmbito espacial
2.1. Competência internacional

a) O Reg. 2201/2003 é aplicável sempre que um dos elementos de conexão referidos nos
art. 3.º a 7.º ou 8.º a 15.º Reg. 2201/2003 atribua competência aos tribunais de um EM. Para que o
Reg. 2201/2003 seja aplicado, não é necessário que um dos cônjuges seja nacional de um desses
Estados (3º/1 a)), ou que a criança cuja responsabilidade parental é regulada tenha residência
habitual num dos EM (12º/4).
Os principais elementos de conexão pelos quais se afere a competência dos tribunais dos
EM são os seguintes:
− A residência habitual de um ou de ambos os cônjuges (3º/1 a)) ou da criança (8º/1) no
território de um EM; numa definição autónoma, pode entender-se que a residência
habitual corresponde ao local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir
um carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses;
− A nacionalidade de ambos os cônjuges, quando ela seja a de um dos EM (3º/1 b));
− O “domicílio” de um ou de ambos os cônjuges, entendido na acepção que lhe é dada
pelos sistemas jurídicos do Reino Unido e da Irlanda (3.º, n.º 2).

b) O Reg. 2201/2003 admite, em vários aspectos, uma relação com Estados terceiros
(estabelecida, por exemplo, através da nacionalidade ou da residência habitual dos cônjuges ou
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/114

da nacionalidade da criança) (3º/1 e 8º/1). Portanto, o Reg. 2201/2003 não pressupõe


necessariamente uma relação com outro EM.

2.2. Reconhecimento de decisões

O Reg. 2201/2003 é aplicável ao reconhecimento num EM de qualquer decisão de divórcio,


de separação de pessoas e bens ou de anulação do casamento proferida por um tribunal de um
outro EM (21º/1), bem como ao reconhecimento e execução num EM de qualquer decisão relativa
à responsabilidade parental proferida por um tribunal de um EM (21º/1 e 28º/1).

3. Âmbito temporal
O Reg. 2201/2003 entrou em vigor em 1/4/2004, embora só se tenha tornado aplicável a
partir de 1/3/2005 (72.º). O Reg. 2201/2003 só é aplicável às acções judiciais, aos actos autênticos
e às transacções celebradas em tribunal que sejam posteriores à sua entrada em vigor (64.º, n.º
1).

6. Competência territorial
O Reg. 2201/2003 limita-se a atribuir competência internacional aos tribunais de um EM: é o
que sucede quer em matéria matrimonial (3.º), quer em matéria relativa às responsabilidades
parentais (8.º). Sendo assim, importa proceder à determinação do tribunal português
territorialmente competente, de acordo com as seguintes regras:
− Procura-se determinar, através dos critérios utilizados nos art. 72.º e 80.º e no art.
155.º OTM, qual o tribunal territorialmente competente;
− Se de nenhum desses preceitos resultar a competência territorial de um tribunal
português, há que aferir o tribunal competente segundo os critérios constantes do art.
80.º, n.º 3.

§ 18.º Direito interno

I. Generalidades
1. Regime legal
O art. 37.º, n.º 2, LOSJ dispõe que incumbe à lei de processo fixar os factores de que
depende a competência internacional dos tribunais judiciais. Por sua vez, o art. 59.º estabelece
que os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das
circunstâncias mencionadas nos art. 62.º e 63.º (competência legal) e no art. 94.º (competência
convencional).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/115

2. Âmbito de aplicação
2.1. Carácter residual

Como se acautela no art. 59.º, n.º 1, se o caso couber no âmbito de aplicação dos
regulamentos, é sempre por estes que se afere a competência internacional dos tribunais
portugueses. Deste primado do direito europeu sobre o direito interno português resultam, na
matéria em análise, as seguintes consequências:
− Qualquer divergência entre o disposto nos Regs e o estabelecido no direito interno
português é resolvida através da aplicação daqueles actos europeus;
− Se for aplicável os Regs e dos seus preceitos não resultar a atribuição de
competência internacional aos tribunais portugueses, também não é possível aferir
essa competência através da aplicação do direito interno.

2.2. Concretização da subsidiariedade

Em concreto, o regime do direito interno sobre a competência internacional só é aplicável


nas seguintes situações:
− Nas acções matrimoniais, se nenhum tribunal de um EM for competente nos termos
dos 3.º, 4.º e 5.º Reg. 2201/2003 (7.º, n.º 1, Reg. 2201/2003);
− Nas acções respeitantes à responsabilidade parental, se a criança não residir
habitualmente em nenhum EM (8.º, n.º 1, Reg. 2201/2003) ou se, independentemente
dessa residência, não se verificar a extensão da competência estabelecida no art. 12.º
Reg. 2201/2003;
− Na generalidade das acções patrimoniais em matéria civil ou comercial, se o
demandado não tiver domicílio no território de um EM e se a causa não couber na
competência exclusiva do 24º (6º/1);
− Se, no caso de as partes terem celebrado um pacto de jurisdição elas tiverem
atribuído competência aos tribunais de um Estado terceiro (6º/1 e 25.º, n.º 1).

3. Critérios aferidores
3.1. Enunciado

Para que um tribunal português seja competente para apreciar um litígio, é necessário que
entre o litígio e a organização judiciária portuguesa haja um elemento de conexão considerado
pela lei suficientemente relevante para justificar o julgamento desse litígio. Esses elementos de
conexão formam o conteúdo de quatro critérios: o critério da coincidência (art. 62.º, al. a); art.
63.º), o critério da causalidade (art. 62.º, al. b)), o critério da necessidade (art. 62.º, al. c)) e o
critério da vontade das partes (art. 94.º). Estes critérios são alternativos: basta a verificação de um
deles para os tribunais portugueses serem internacionalmente competentes.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/116

II. Critérios de conexão


1. Critério da coincidência
1.1. Generalidades

O art. 62.º, al. a), estabelece que os tribunais portugueses são competentes quando a acção
deva ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei
portuguesa. Os 70.º a 84.º procuram fixar para cada litígio uma sede territorial e indicam como
competente o tribunal do lugar onde essa sede se situa. Ora, se esse lugar se encontrar em
Portugal, por esse facto os tribunais portugueses são internacionalmente competentes. É o
princípio da coincidência entre a competência internacional e a competência interna territorial.

1.2. Competência exclusiva

Em algumas situações em que os tribunais portugueses são competentes segundo o critério


da coincidência, essa competência é exclusiva, ou seja, essa competência, segundo o direito
português, não pode pertencer a nenhum outro tribunal. O 63.º concretiza essas hipóteses,
quando não sejam aplicáveis regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais que
devam prevalecer sobre o direito interno (art. 59.º). Essas hipóteses são as seguintes:
− Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em
território português (art. 63.º, al. a) 1.ª parte); todavia, em matéria de contratos de
arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período
máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do
Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o
arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham
domicílio no mesmo Estado membro (art. 63.º, al. a) 2.ª parte);
− Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras
pessoas colectivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de
validade das decisões dos seus órgãos (art. 63.º, al. b) 1.ª parte); para determinar
essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado
(art. 63.º, al. b) 1.ª parte);
− Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal
(art. 63.º, al. c));
− Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português (63.º, al. d));
− Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal
ou de pessoas colectivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território
português (art. 63.º, al. e));
1.3. Efeitos

A competência exclusiva dos tribunais portugueses obsta à validade do pacto de jurisdição


que a retira a esses tribunais (art. 94.º, n.º 3, al. d)) e ao reconhecimento em Portugal de uma
decisão proferida por um tribunal estrangeiro (art. 980.º, al. c)).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2. Critério da causalidade
Por força do critério da causalidade, a competência internacional dos tribunais portugueses
resulta de ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção
ou algum dos factos que integram essa causa petendi (art. 62.º, al. b)). A causa de pedir é o acto
ou facto jurídico que individualiza a pretensão material alegada pelo autor, pelo que, para que os
tribunais portugueses sejam competentes segundo o critério da causalidade, é necessário que,
pelo menos, um dos factos que integram a causa de pedir tenha sido praticado em Portugal.
Assim, por exemplo, basta que o contrato tenha sido celebrado em Portugal, para atribuir
competência internacional aos tribunais portugueses para a apreciação da acção proposta pelo
segurado contra a seguradora.
A justificação do critério da causalidade é bastante discutível, porque a conexão que ele
permite estabelecer com a ordem jurídica portuguesa está longe de ser algo que possa ser
considerado, de uma forma incontroversa, suficiente para justificar a competência internacional dos
tribunais portugueses. É difícil que o critério da causalidade não conduza a uma competência
exorbitante desses tribunais.

3. Critério da necessidade
Segundo o princípio da necessidade, os tribunais portugueses são internacionalmente
competentes no caso de o direito não poder tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta
em tribunal português ou na hipótese de constituir para o autor dificuldade apreciável a sua
propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto da acção e o território português exista um
elemento ponderoso de conexão pessoal ou real (art. 62.º, al. c)).
A impossibilidade referida pode ser impossibilidade jurídica ou impossibilidade prática:
− Existe impossibilidade jurídica quando, pela conjugação das regras de competência
internacional dos vários países, o litígio fica sem tribunal competente para o dirimir,
isto é, quando se verifica um conflito negativo de competências internacionais;
− Verifica-se a impossibilidade prática quando, em virtude de facto, natural ou material,
(corte de relações diplomáticas, de guerra) a propositura da acção no estrangeiro
constituir para o autor dificuldade apreciável.

4. Pactos de jurisdição
4.1. Generalidades

No estabelecimento da competência internacional dos tribunais portugueses, o direito


interno português também admite a conexão resultante da vontade das partes. Trata-se do
chamado pacto atributivo e privativo de jurisdição, matéria que se encontra no art. 94.º. Na
perspectiva da ordem jurídica portuguesa, o pacto é atributivo, se ele conceder competência
internacional aos tribunais portugueses, ou privativo, se ele retirar essa competência aos tribunais
portugueses.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/118

Convém lembrar que o regime estabelecido no 94.º cede perante o regime que consta do
Reg. sempre que as partes tenham atribuído competência aos tribunais de um EM.

4.2. Admissibilidade do pacto

Se a relação controvertida tiver conexão com várias ordens jurídicas, as partes podem
convencionar qual é a jurisdição competente para apreciar um litígio determinado ou os litígios
eventualmente decorrentes dessa relação (94.º, n.º 1). A designação convencional pode envolver
a atribuição, aos tribunais portugueses ou estrangeiros, de competência exclusiva ou alternativa,
presumindo-se, em caso de dúvida, que ela é exclusiva.

4.3. Validade do pacto

O pacto de jurisdição só é válido se se verificarem as seguintes condições:


− A disponibilidade do objecto do processo pelas partes (94.º, n.º 3, al. a));
− O respeito da competência exclusiva dos tribunais portugueses (94.º, n.º 3, al. d)):
− A aceitação da atribuição da competência pela lei do tribunal designado (94.º/ 3, al.
b));
− A existência de um interesse sério de, pelo menos, uma das partes, e a inexistência
de um inconveniente grave para a outra (94.º, n.º 3, al. c));
− A celebração através da forma escrita ou de uma confirmação por escrito (94.º/ 3, al.
e), e 4).

5. Competência territorial
5.1. Generalidades

Alguns critérios aferidores da competência internacional aferem igualmente o tribunal


territorialmente competente. É o caso do critério da coincidência (art. 62.º, al. a)), dado que o
mesmo assenta numa coincidência entre a competência territorial e a competência internacional.
Também pode suceder que não seja possível aferir em simultâneo a competência
internacional e a competência territorial: é o que se verifica quando os tribunais portugueses são
internacionalmente competentes por força dos critérios da causalidade (62.º, al. b)), da
necessidade (62.º, al. c)) ou da vontade das partes (94.º). Importa então averiguar como se
determina o tribunal territorialmente competente: a solução resulta da aplicação do disposto no art.
80.º, n.º 3.

5.2. Concretização

O art. 80.º contém regras de três géneros:


− O art. 80.º contém, antes de mais, uma regra primária de atribuição de competência,
de carácter geral – n.º 1: em todos os casos não previstos em disposições especiais é
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/119

competente para a acção o tribunal do domicílio do réu; esta regra pode ser atributiva
de competência internacional aos tribunais portugueses, em conjugação com o art.
62.º, al. a); por exemplo: a acção de investigação de paternidade segue o foro geral do
art. 80.º, n.º 1; por força do art. 62.º, al. a), pode-se investigar em Portugal a
paternidade se o réu ou réus tiverem domicílio em Portugal;
− O art. 80.º contém ainda regras de outro tipo: regras que, falhando a conexão primária
(domicílio do réu), estabelecem uma conexão secundária: é o caso do n.º 2 1.ª parte;
assim, se uma pessoa quiser investigar a sua filiação de um investigado ausente, ou
sem residência habitual, pode fazê-lo nos tribunais portugueses se ele tiver domicílio
em Portugal;
− Por fim, há no art. 80.º regras por assim dizer de recurso, regras que estabelecem a
competência interna segundo critérios que se não podem considerar de ligação ou
conexão relevante com o litígio, isto é, regras de competência territorial que não são
dotadas de dupla funcionalidade, mas que permitem, referenciar um tribunal português
territorialmente competente, nem que seja o de Lisboa: é o que se dispõe no n.º 3.
Para efeitos do 62.º, al. a) (princípio da coincidência), estas regras de recurso não podem
contar. Elas pressupõem que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes e
arranjam maneira de encontrar um tribunal territorialmente competente, nem que seja o de Lisboa.
A tomar em conta para efeitos do 62.º, al. a), o disposto art. 80.º, n.º 3, então haveria que concluir
que os tribunais portugueses seriam sempre competentes para qualquer acção em que o autor ou
o réu tivessem domicílio no estrangeiro. Portanto, o 80.º, n.º 3, não pode atribuir, por si só,
nenhuma competência territorial e só pode ser aplicado em conjugação com as regras da
competência internacional.
No 80.º encontram-se, portanto, regras que se baseiam numa ligação relevante, embora
secundária, com elementos do litígio (domicílio do autor), e regras que se não baseiam em tal,
mas só na necessidade de determinar um tribunal internamente competente. Só as primeiras
contam para, conjugadas com o 62.º a), delimitarem a competência internacional dos tribunais
portugueses.

3. Regime da competência

§ 19.º Aspectos da competência

I. Nexo de competência
1. Noção
Toda a causa tem um tribunal onde deve ser proposta. Há assim entre essa causa e esse
tribunal um nexo jurídico: só aquele tribunal pode julgar tal causa e esta causa só pode ser julgada
naquele tribunal. A este nexo pode chamar-se nexo de competência. Por vezes chama-se-lhe só
competência, mas este termo deve ser reservado para o sentido que lhe foi dado atrás: a medida
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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de jurisdição atribuída a um tribunal, o que se refere, não a uma causa só, mas a uma categoria
de pleitos que a lei destina para esse tribunal.

2. Perpetuatio iurisdictionis
2.1. Enunciado

a) O nexo de competência fixa-se no momento em que acção se propõe, em atenção quer à


lei, quer à situação nesse momento dos factores atributivos de competência; em princípio, esse
nexo mantém-se, ainda que mude a lei ou a situação de tais factores (art. 38.º, n.º 1, LOSJ).
2.2. Modificação do nexo

A modificação da situação de facto dos factores atributivos da competência é sempre


irrelevante. Assim, tendo a acção sido proposta em certo tribunal, porque ele é o do domicílio do
réu (71.º, n.º 1, e 80.º, n.º 1) ou do autor (72.º, 80.º, n.º 2 1.ª parte, 80.º, n.º 3, ou 88.º, n.º 1), o
tribunal permanece competente para esta causa, ainda que o réu ou o autor mudem o seu
domicílio para outra comarca; se os réus da ação tinham domicílio num EM e se, por isso, eram
competentes os tribunais desse Estado (4º/1 Reg), a intervenção na acção, como ré, de uma
sociedade portuguesa não é suficiente para estabelecer a competência dos tribunais portugueses.
Quanto às modificações da lei atributiva da competência (modificações de direito), elas são,
em princípio, irrelevantes, excepto nos dois casos consignados no art. 38.º, n.º 2, LOSJ:
− A supressão do órgão judiciário a que a causa estava afecta; nesta hipótese, o tribunal
era competente e deixa de o ser, incumbindo ao juiz ordenar oficiosamente a remessa
dos processos para o tribunal que seja competente (64.º);
− A atribuição de competência ao órgão ao qual a causa estava afecta; neste caso, o
tribunal não era competente e passa a sê-lo.

II. Alteração da competência


1. Extensão da competência
1.1. Noção

A extensão da competência é o alargamento da competência do tribunal, atribuída para


certa questão, a outras que se encontram em conexão com ela. Os casos de extensão da
competência encontram-se referidos nos 91.º a 93.º e 267.º; as hipóteses de intervenção de
terceiros (311.º a 350.º) também implicam a extensão da competência do tribunal da acção.
1.2. Extensão múltipla

O tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes
que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa (91.º, n.º 1): trata-se
de uma extensão que pode abranger qualquer critério de aferição da competência, com excepção,
em certas circunstâncias, do critério do valor, dado que a alteração do valor da causa pode
implicar a remessa do processo pendente na instância local para a instância central (117.º/3
LOSJ).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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1.3. Competência material

O 92.º, n.º 1, dispõe que, se o conhecimento do objecto de uma acção depender da decisão
de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, o juiz
pode sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie. Portanto, os tribunais
cíveis não conhecem, em regra, de questões prejudiciais que sejam da competência dos tribunais
criminais ou admin.
1.5. Competência territorial

Verifica-se uma extensão de competência territorial quando se proponha uma acção, das
que devam correr no tribunal do domicílio do réu, contra vários réus (A e B, domiciliados em
Castelo Branco, C em Beja e D em Coimbra); neste caso, é competente um só tribunal (o de
Castelo Branco), que vê a sua competência alargada quanto aos outros réus, dado que contra
estes isoladamente o processo deveria ser proposto noutros tribunais (Beja e Coimbra) (art. 82.º,
n.º 1).
O mesmo se passa no caso de cumulação simples de pedidos (555.º, n.º 1). Por exemplo: A
demanda B, domiciliado em Faro, reivindicando um prédio situado em Fafe (tribunal competente: o
de Fafe (70.º, n.º 1)) e pedindo, no mesmo processo, a condenação de B a pagar-lhe € 15000
(tribunal competente: o de Faro (71.º, n.º 1)); a acção deve ser proposta no tribunal de Fafe (82.º,
n.º 2, e 104.º, n.º 1, al. a)), que vê a sua competência estendida quanto à causa para que, tomada
isolada e autonomamente, não seria competente.

2. Modificação da competência
As modificações da competência decorrem de factores que, no caso concreto, deslocam
para outro tribunal a competência do tribunal que, em face da lei, a possui. As modificações da
competência são fenómenos relativos a um caso concreto e que, quanto a esse caso concreto qua
tale, alteram a competência fixada na lei, desviando-a para outro tribunal.
As modificações de competência são proibidas, em princípio, pela proibição de
desaforamento (39.º LOSJ). Em certos casos, essas modificações são admitidas: é o que sucede
por exemplo, no 84.º, n.º 2 (remessa do processo para outra circunscrição numa acção em que
seja parte um juiz ou um seu familiar).

III. Falta de competência


1. Kompetenz-Kompetenz
Qualquer tribunal tem competência para apreciar a sua própria competência, ou seja,
qualquer tribunal aprecia, de forma autónoma perante qualquer outro, a sua competência para a
acção. Segundo este princípio, é o primeiro tribunal a apreciar a competência que fixa, na hipótese
de se considerar incompetente, qual o tribunal competente.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2. Modalidades da incompetência
O nexo de competência é um pressuposto processual subjectivo relativo a um dos sujeitos
processuais – o tribunal. Se ele faltar, a acção proposta é inadmissível; o tribunal é incompetente,
verifica-se a incompetência. A lei admite dois tipos de incompetência, com consequências
diferentes: a absoluta (96.º a 101.º) e a incompetência relativa (102.º a 108.º);

3. Incompetência absoluta
3.1. Generalidades

A incompetência absoluta vem regulada nos 96.º a 101.º. O 96.º diz quando se verifica esta
excepção dilatória: a infracção das regras da competência em razão da matéria e da hierarquia e
das regras de competência internacional, legal ou convencional (96.º, al. a)), e a preterição de
tribunal arbitral, voluntário ou necessário (96.º, al. b)), determinam a incompetência absoluta do
tribunal. A incompetência absoluta é uma excepção dilatória nominada (577.º, al. a)).

3.2. Regime

a) Quanto à legitimidade para arguir a incompetência absoluta, dispõe o 97.º, n.º 1, que
essa incompetência pode ser arguida pelas partes e, excepto se decorrer da violação de pacto
privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada
oficiosamente pelo tribunal (também 578.º). O tribunal, em certo momento do processo, no do
despacho saneador, tem mesmo de certificar-se – se não o fez já – da sua competência absoluta
(595.º, n.º 1, al. a)).

b) Quanto à oportunidade para arguir a incompetência absoluta, o 97.º fornece a regra geral
(que o 98.º particulariza) e a única excepção: a regra é a de que a questão da incompetência
absoluta deve ser levantada e decidida em qualquer estado do processo, enquanto não houver
sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (97.º, n.º 1), embora tenha o
seu momento normal para o tribunal conhecer dela – o despacho saneador (595.º, n.º 1. al. a)).
Além disso, a incompetência absoluta, quando seja manifesta, é causa de indeferimento liminar
(590.º, n.º 1).
Este regime é particularizado pelo que dispõe no 98.º: se a incompetência absoluta for
arguida antes de ser proferido o despacho saneador, pode conhecer-se dela imediatamente ou
reservar-se a sua apreciação para aquele despacho (98.º 1.ª parte); se a incompetência for
arguida posteriormente ao despacho saneador, deve conhecer-se logo da arguição (98.º 2.ª parte).
Assim, tendo passado o momento do despacho liminar, e tendo sido citado o réu, se este, como é
normal, acusa na contestação a incompetência absoluta do tribunal, a lei dá ao juiz uma
alternativa: conhecer imediatamente da excepção ou reservar o conhecimento para o saneador.
Há que entender com algum cuidado aquele conhecimento imediato: tendo a incompetência
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/123

absoluta sido arguida pelo réu na contestação, o seu conhecimento tem de aguardar o
funcionamento do contraditório, pelo que não pode ocorrer antes da resposta do autor (3.º, n.º 4).
A excepção a este regime é a que vem referida no 97.º, n.º 2: a violação das regras da
competência em razão da matéria que apenas respeitem aos tribunais judiciais só pode ser
arguida, ou oficiosamente conhecida, até ser proferido o despacho saneador ou, se a tramitação
da causa não o comportar, até ao início da audiência de discussão e julgamento. É o caso, por
exemplo, de a acção ser da competência do tribunal de família e ter sido proposta perante o
tribunal de trabalho. A regra geral do 97.º, n.º 1, é, porém, aplicável se, por exemplo, uma acção
de anulação de um acto administrativo for instaurada num tribunal judicial. Assim, o regime é mais
brando para a hipótese de a violação da competência em razão da matéria se verificar no âmbito
dos tribunais judiciais e mais grave se ela ocorrer entre um tribunal judicial e um tribunal não
judicial.

c) Convém referir ainda os seguintes aspectos:


− A faculdade de suscitar a questão da incompetência absoluta enquanto não houver
sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa (97.º, n.º 1) não
implica evidentemente que possa ser de novo suscitada depois de ter sido decidida
pelo tribunal; essa nova apreciação é impedida não só pelo esgotamento do poder
jurisdicional quanto a essa questão (613.º, n.º 1), mas também pelo caso julgado
(620.º, n.º 1);
− Qualquer decisão sobre incompetência absoluta só constitui caso julgado formal
quanto às questões concretamente apreciadas (595.º, n.º 3 1.ª parte); assim, por
exemplo, se se levantou a questão da incompetência internacional dos tribunais
portugueses, mas o tribunal a resolve no sentido de estes a possuírem para a questão
sub iudice, pode posteriormente levantar-se a questão da incompetência em razão da
matéria ou da hierarquia.

3.3. Efeitos

a) Os efeitos da procedência da exceção de incompetência absoluta estão no art. 99.º:


− Se a incompetência absoluta for manifesta, se se reconhecer logo em face da petição
inicial do autor, esta deve ser indeferida liminarmente, antes mesmo de citado o réu
(99.º, n.º 1; 590.º, n.º 1);
− Se a incompetência absoluta do tribunal só for verificada depois do despacho liminar,
o réu será absolvido da instância (99.º, n.º 1; 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 2, e 577.º,
al. a)).
Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, o autor pode requerer a
remessa do processo para o tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, o que é deferido
se o réu não oferecer oposição justificada (99.º, n.º 2). O regime não é aplicável nos casos de
violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição de tribunal arbitral (99.º, n.º 3),
naturalmente pela impossibilidade de remeter o processo para o tribunal competente.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/124

b) A decisão sobre a incompetência absoluta do tribunal só tem valor no próprio processo


em que for decretada (100.º), isto é, a circunstância de o tribunal da acção considerar que é outro
o tribunal absolutamente competente para a apreciar não vincula este último tribunal a considerar-
se competente. Este regime comporta as excepções previstas no 101.º, n.º 1 e 2.

c) A decisão sobre a incompetência absoluta do tribunal é sempre passível de recurso até


ao STJ (629.º, n.º 2, al. a)). O regime é aplicável mesmo que ambas as instâncias tenham decidido
no mesmo sentido e, por isso, em regra, a revista não devesse ser admitida segundo a regra da
“dupla conforme” (671.º, n.º 3).

4. Incompetência relativa
4.1. Generalidades

Como se deduz do 102.º, a incompetência relativa verifica-se em caso de infracção das


regras da competência em razão do valor, do território ou provenientes de um pacto de
competência. Em concreto:
− A incompetência em função do valor verifica-se quando sejam violados os critérios
determinativos da competência das secções cíveis da instância central e das secções
de competência genérica (ou cíveis) da instância local (117.º, n.º 1, e 130.º, n.º 1,
LOSJ);
− A incompetência em função do território ocorre quando sejam violados os critérios
constantes dos art. 70.º a 84.º;
− A violação da competência estipulada num pacto de competência ocorre quando a
acção é proposta num tribunal diferente daquele que foi estipulado pelas partes
(95º/3).

4.2. Regime

a) Quanto à legitimidade para a arguição, vale a seguinte regra: a incompetência relativa


pode ser sempre arguida pelo réu (103.º, n.º 1) e deve ser conhecida oficiosamente nos casos
previstos no 104.º, n.º 1 (quanto à incompetência em função do território) ou no art. 104.º, n.º 2
(quanto à incompetência em razão do valor). Este regime é confirmado pelo disposto no art. 578.º.
Em concreto, a incompetência territorial é de conhecimento oficioso (104.º, n.º 1, al. a)):
− Quando seja desrespeitado o foro da situação dos bens (70.º);
− Quando, tendo a causa por objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias, a
indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso ou a resolução
do contrato por falta de cumprimento, a mesma não seja proposta no tribunal do
domicílio do réu (71.º, n.º 1 1.ª parte);
− Quando, destinando-se a acção a efectivar responsabilidade civil baseada em facto
ilícito ou fundada no risco, a mesma não seja instaurada no tribunal correspondente
ao lugar onde o facto ocorreu (71.º, n.º 2);
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/125

− Quando haja violação das regras relativas aos procedimentos cautelares e diligências
antecipadas (78.º);
− Quando seja violada a regra respeitante ao tribunal competente para apreciar o
recurso (83.º);
− Quando, sendo parte o juiz ou um seu familiar, a acção não seja proposta ou remetida
para o tribunal da circunscrição judicial cuja sede esteja a menor distância do tribunal
normalmente competente (84.º);
− Quando, numa execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o
requerimento executivo não for apresentado no processo em que foi proferida a
decisão (85.º, n.º 1);
− Quando, numa execução para pagamento de quantia certa baseada numa decisão
estrangeira ou num título extrajudicial, a mesma não seja instaurada no tribunal do
domicílio do demandado (89.º, n.º 1 1.ª parte);
− Quando, numa execução para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real,
a mesma não seja proposta, respectivamente, no tribunal onde a coisa se encontra ou
no tribunal da situação dos bens onerados (89.º, n.º 2).
A incompetência territorial deve ainda ser conhecida oficiosamente:
− Nos processos cuja decisão não seja precedida de citação do requerido (104º/1, al.
b)); é o caso, por exemplo, da execução sumária para pagamento de quantia certa
(856º/1);
− Nas causas que, por lei, devam correr como dependência de outro processo (104º/1
c)); é o que sucede, por exemplo, da acção de honorários (73.º, n.º 1).

b) Quanto à oportunidade para a arguição, o 103.º, n.º 1, mostra que a incompetência


relativa tem de ser – em 1.ª instância – arguida dentro de certo prazo (passado o qual sem ser
invocada, se sana): esse prazo é o fixado para a contestação, oposição ou resposta. Se a
incompetência for arguida pelo réu na contestação, o autor pode responder no articulado
subsequente da acção (que, no processo declarativo comum, não pode ser a réplica: 584.º, n.º 1)
ou, não havendo este, em articulado próprio, dentro de dez dias após a notificação da entrega do
articulado do réu (103.º/3). Ambas as partes devem indicar as provas com o articulado da arguição
da incompetência (103.º/3).
Depois da produção da prova, o juiz decide a questão da competência relativa (105.º/1),
podendo fazê-lo em despacho próprio ou no despacho saneador (595.º, n.º 1, al. a)). Esta decisão,
depois de transitada em julgado, resolve definitivamente a questão da competência (105.º, n.º 2),
isto é, o tribunal que for considerado competente e para o qual for remetido o processo (105.º, n.º
3) está vinculado a aceitar essa competência.

c) Se a incompetência relativa se verificar num tribunal de recurso, o prazo para a sua


arguição é de dez dias a contar da primeira notificação que for feita ao recorrido ou da primeira
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/126

intervenção que ele tiver no processo (108.º/1). Ao julgamento da excepção são aplicáveis, com as
necessárias adaptações, as disposições respeitantes à sua apreciação em 1.ª instância (108.º/2).
4.3. Efeitos

a) O efeito da procedência da excepção dilatória de incompetência relativa esgota aqueles


que estão previstos no 576.º/2, e consta do 105.º/3: o processo é remetido para o tribunal
competente. Da decisão que aprecie a competência relativa cabe reclamação, com efeito
suspensivo, para o presidente da Relação, o qual decide definitivamente a questão (105.º, n.º 4).
Se a acção tiver sido proposta contra vários réus, a decisão sobre a competência relativa
produz efeitos em relação a todos eles (106.º 1.ª parte). No entanto, se a excepção for deduzida
apenas por um dos réus, todos os demais podem contestar essa arguição (106.º 2.ª parte), isto é,
todos os demais demandados podem defender que o tribunal é relativamente competente.

b) Em certos casos, a competência territorial é definida em função do domicílio do


demandado (71.º, n.º 1, e 80.º, n.º 1). Nestas hipóteses, havendo uma pluralidade de réus, devem
ser todos demandados no tribunal do maior número ou, se for igual o número nos diferentes
domicílios, no tribunal que o autor escolher (82.º, n.º 1). Este regime explica o disposto no 107.º:
se o autor demandar alguém estranho à causa com o fim de desviar o verdadeiro réu do tribunal
territorialmente competente, a decisão que julgue incompetente o tribunal deve condenar o autor
em multa e indemnização como litigante de má fé (542.º, n.º 1).

5. Apreciação prévia
A competência absoluta constitui um pressuposto processual absoluto, isto é, um
pressuposto sem cuja verificação não é admissível nenhuma decisão de mérito. Diferente é o caso
da competência relativa: mesmo que esta falte, é admissível proferir uma decisão de mérito
favorável ao demandado (278.º, n.º 3 2.ª parte), dado que não teria sentido remeter o processo
para o tribunal competente quando a acção não pode ser julgada procedente neste tribunal.
A prioridade da apreciação da incompetência absoluta impõe que a falta de prova de um
facto duplo, ou seja, de um facto que é relevante para a apreciação quer daquela competência,
quer do mérito da causa, implique a incompetência absoluta do tribunal. Em contrapartida, a falta
de um facto duplo relevante para a aferição da incompetência relativa determina a improcedência
da causa.

IV. PARTES DO PROCESSO

§ 20.º Noções gerais


2. Noção de parte
2.1. Enunciado

Além do tribunal, os outros dois sujeitos da relação jurídica processual são as partes ou
litigantes. Noutros termos, parte é aquele que pede em juízo uma determinada forma de tutela
jurídica e aquele contra o qual essa forma de tutela é pedida.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/127

As partes activas chamam-se autores em processo declarativo e exequentes em processo


executivo; as partes passivas, respectivamente, réus e executados.

2.2. Relevância

A noção de parte tem relevância para determinados efeitos, nomeadamente os de


determinar o âmbito subjectivo das excepções de litispendência e de caso julgado (580.º, n.º 1, e
581.º, n.º 2), o tribunal territorialmente competente (71.º, n.º 1, 72.º e 80.º a 82.º), o impedimento
do juiz (115.º, n.º 1, al. a) e b)) e a admissibilidade do depoimento como testemunha (496.º). Além
disso, sobre as partes recaem o dever de cooperação (7.º, n.º 3, e 417.º, n.º 1) e a proibição da
litigância de má fé (8.º), bem como os ónus de impulso do processo (3.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1), de
alegação dos factos relevantes (5.º, n.º 1) e de prova dos factos controvertidos (342.º CC).

3. Qualidade de parte
3.1. Concepções de parte

− Num sentido material, as partes processuais são os sujeitos da relação material


controvertida; segundo esta concepção, só poderia conhecer-se do mérito da causa
depois de estar determinado que as partes eram titulares do objecto do processo; para
procurar obviar ao círculo vicioso que seria o de, para aferir a qualidade de parte, ser
necessário conhecer do mérito, cujo conhecimento depende, por seu turno, de se
encontrarem em juízo os titulares do direito litigioso, distinguiu-se entre a existência
do direito e a sua titularidade: assim, pressupondo que o direito existe, são partes
processuais os seus titulares;
− Num sentido formal, as partes processuais são aquele ou cada um daqueles que pede a
tutela jurisdicional e aquele ou cada um daqueles frente aos quais tal tutela é pedida;
esta concepção formal de parte pretende ultrapassar as dificuldades suscitadas pela
concepção material, reconhecendo nomeadamente que podem ser partes aqueles que
não são titulares do direito;
− Num sentido funcional, as partes processuais são definidas a partir da função do
respectivo processo; como as funções de uma acção pessoal e de uma acção
patrimonial são distintas e como toda a acção patrimonial é um acto de disposição ou
de administração de um património, são partes numa acção patrimonial aqueles que
tenham poderes de disposição ou de administração sobre o património.

3.2. Dualidade da qualidade

− Nalgumas situações, a lei refere-se à parte na perspectiva da delimitação entre quem


é parte da acção e quem é terceiro perante o processo; o que acontece na
intervenção de terceiros (311.º a 350.º) e na regra que determina que só possa depor
como testemunha quem não seja parte (496.º); assim, é terceiro quem não for parte
do processo;
− Noutras, a lei refere-se à parte na perspectiva da delimitação entre quem é parte do
processo e quem é terceiro perante essa parte; é o que sucede no critério que afere a
identidade de partes, dado que esta identidade é aferida pela qualidade jurídica dos
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/128

sujeitos (581.º, n.º 2) ou na regra que determina o impedimento do juiz, porque ele
próprio, o seu cônjuge ou algum parente ou afim próximo é titular de um interesse que
lhe permite ser parte (115.º, n.º 1, al. a) e b);

3.3. Partes materiais

a) Terceiros são todos os sujeitos que são nem autores, nem réus numa acção. No entanto,
nem todos os terceiros perante o processo podem ser considerados terceiros perante o autor ou o
réu, ou seja, nem todos os sujeitos que não participam de uma acção podem ser considerados,
em termos processuais, sujeitos distintos do autor ou do réu. Os terceiros perante o processo que
não podem ser considerados terceiros perante alguma das partes processuais são partes em
sentido material.
Esta conclusão permite concluir que há que distinguir duas situações:
− Há terceiros que são perante o processo e perante qualquer das partes da causa; são
terceiros tanto em sentido formal, como em material;
− Há terceiros que são perante o processo, mas não perante alguma das partes da
acção; são terceiros em sentido formal, mas partes em sentido material.

b) A dificuldade nesta matéria não reside tanto no estabelecimento desta distinção, mas na
circunstância de a lei não recorrer a um único critério para distinguir entre um terceiro em sentido
material e uma parte em sentido material. O que pode ser dito é o seguinte:
− No caso julgado, a distinção entre terceiro e parte em sentido material é estabelecida
através do critério da qualidade jurídica: são partes em sentido material os terceiros
que tenham a mesma qualidade jurídica de alguma das partes da causa (581.º, n.º 2);
− No âmbito dos impedimentos do juiz, a distinção entre terceiro e parte em sentido
material é realizada através do interesse: são partes em sentido material os terceiros
que tenham um interesse que lhes teria permitido ser autor ou réu (115.º/1, al. a) e b)).

II. Delimitação das partes


1. Princípios orientadores
1.1. Determinação da parte

Pelo menos inicialmente, a identidade das partes está na disponibilidade dos autores –
formulam os pedidos e indicam contra quem os querem formular. A este respeito, convém deixar
firmes duas observações:
− Parte é quem o é; se A quer fazer anular em juízo um contrato que celebrou com B e
C, deve propor a acção contra ambos; se propuser só contra B, ou só contra C, cada
um destes é parte ilegítima (33.º, n.º 1); mas só o demandado é parte, embora
ilegítima; quem não for demandado (embora devendo sê-lo) não é parte, enquanto
não for;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/129

− Estando a parte representada, parte é o representado, e não o representante; se A


propõe contra B uma acção como tutor de C, partes em juízo são C e B; importa, no
entanto, ter presente a posição especial do Ministério Público, que, apesar de assumir
a representação de entidades públicas ou privadas (5.º, n.º 1, EMP), intervém como
parte principal.
1.2. Dualidade das partes

Todo o processo exige duas partes, isto é, uma ou mais partes activas e uma ou mais
partes passivas: é o que pode ser designado pelo princípio da dualidade das partes. Deste
princípio decorre a proibição dos “processos consigo próprio”, isto é, dos processos em que o
autor e o réu sejam a mesma pessoa. Assim: não é admissível o processo em que o representante
da parte litiga contra esta parte, nem o processo em que duas filiais de uma mesma sociedade
litigam entre si; também não é admissível a acção de dívida em que, posteriormente à sua
instauração, se verifique a confusão, isto é, a reunião na mesma pessoa da qualidade de credor e
de devedor da mesma obrigação (868.º CC), como pode suceder, por exemplo, em consequência
de uma fusão de sociedades. Do mesmo modo, deixa de ser admissível uma acção em que uma
das partes se torna sucessora da outra.
Esta proibição não impede a admissibilidade de acções entre órgãos da mesma pessoa
colectiva. Por exemplo: o órgão de fiscalização de uma sociedade pode propor, contra a própria
sociedade, uma acção de declaração de nulidade ou de anulação de uma deliberação da sua
assembleia geral (57.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, CSC).

1.3. Identificação das partes

a) Nos termos do 552.º, n.º 1, al. a), as partes devem ser identificadas pelo autor através da
indicação dos seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, números de identificação
civil e de identificação fiscal, profissões e locais de trabalho. Quanto ao autor (ou autores), será
certamente muito rara qualquer divergência entre a parte identificada e aquela a que o próprio
autor se pretende referir. Mais frequente pode ser a verificação de problemas quanto à parte
identificada como réu, havendo que considerar três situações:
− O réu é correctamente identificado pelo autor, mas é diferente da pessoa que ele
queria demandar; o erro só pode ser corrigido através de uma desistência do pedido
pelo autor (283.º, n.º 1); se tal não suceder, a acção será julgada improcedente;
− O réu é incorrectamente identificado pelo autor, não havendo, contudo, dúvidas sobre
a sua identidade; se a citação puder ser dada como realizada na pessoa certa, não há
nenhum vício e o erro pode ser corrigido, por analogia com o disposto no 614.º, n.º 1,
a requerimento do autor;
− O réu é correctamente identificado pelo autor, mas é citada uma pessoa diferente da
indicada pelo demandante; nesta hipótese, a citação é inexistente (188.º, n.º 1, al. b))
pois este nunca chega a tornar-se réu da acção (há apenas um réu aparente, pelo que
há que proceder à citação do verdadeiro réu).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/130

1.4. Representação voluntária

Nos casos de patrocínio judiciário obrigatório (40.º, n.º 1, e 58.º), as partes têm de estar
representadas por advogado. Fora destas hipóteses, é possível uma representação voluntária das
partes, mas, como decorre do disposto no 42.º, essa representação tem de ser realizada, pelo
menos, por um advogado estagiário ou por um solicitador.

2. Espécies de partes
2.1. Partes principais e acessórias

A noção que foi formulada de parte convém às chamadas partes principais. Ao lado destas
há as partes acessórias, que são os titulares de interesses conexos com os interesses em causa e
que, por isso, podem auxiliar uma das partes principais. As partes acessórias defendem no
processo um interesse próprio, conexo com o de uma das partes principais; e defendem -no
auxiliando esta parte principal, perante a qual tomam uma posição de subordinação.
Caso típico de parte acessória é o assistente, a que se referem os 326.º a 332.º. O
assistente começa por ser um terceiro interessado, que passa a parte em virtude de um incidente
de intervenção de terceiros, chamado intervenção acessória (321.º).

2.2. Ministério Público

O MP pode intervir como parte principal ou como parte acessória:


− O MP intervém como parte principal designadamente quando representa o Estado, as
Regiões Autónomas, as autarquias locais e os incapazes, incertos e ausentes em
parte incerta (5.º, n.º 1, al. a) a c), 2 e 3, EMP);
− O MP intervém como parte acessória nomeadamente quando sejam interessados na
causa as Regiões Autónomas, as autarquias locais, outras pessoas colectivas de
utilidade pública, incapazes ou ausentes ou quando a acção vise a realização de
interesses colectivos ou difusos (5.º, n.º 4, al. a), EMP).

3. Espécies de terceiros
Àqueles que não são partes dá-se o nome de terceiros:

− Na posição de completo alheamento ou indiferença, isto é, de terceiros


desinteressados;
− Como terceiros interessados; nestes, há que distinguir entre terceiros que são titulares
de um interesse paralelo ao de uma das partes ou dependente do interesse de uma das
partes (e que, por isso, podem intervir como partes principais (311.º e 316.º, n.º 1) ou
como partes acessórias (326.º, n.º 1)) e terceiros que são titulares de um interesse
incompatível com o das partes (e que, por isso, podem intervir como opoentes (333.º,
n.º 1, e 338.º)); se tiver havido uma simulação processual realizada pelas partes da
causa, há ainda que considerar os terceiros por ela prejudicados e que podem
impugnar a decisão proferida pelo tribunal (612.º e 696.º, al. g));
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/131

− Na posição de deverem cooperar com os fins do processo, segundo o princípio geral do


417.º, n.º 1, embora o objecto de tal processo em nada se relacione com os seus
interesses, isto é, como auxiliares processuais (testemunhas e peritos).

III. Pressupostos processuais


Para a apreciação do mérito da causa, a lei exige que as partes apresentem um certo
número de características que funcionam como pressupostos processuais. Importa começar pela
análise e estudo destes pressupostos processuais – a personalidade judiciária, a sujeição à
jurisdição portuguesa, a capacidade judiciária, o patrocínio judiciário obrigatório, a legitimidade e o
interesse processual (ou interesse em agir).

§ 21.º Personalidade judiciária

I. Enquadramento geral
1. Noção
Diz o art. 11.º, n.º 1, que a personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte.

2. Caracterização
A personalidade judiciária é um fenómeno de personalidade jurídica, embora limitado pela
sua eficácia ou relevância: só produz efeitos dentro do processo. É isso que justifica a existência
de entidades dotadas de personalidade judiciária, mas não de personalidade jurídica (12.º e 13.º).
Morto o réu, sem deixar herdeiros determinados, para não demorar o processo em prejuízo do
credor, pode este mover a acção contra a herança como sucessora do mesmo réu (12.º, al. a)). A
herança é tida para efeitos processuais como sucessora do réu, quer quanto aos direitos e
deveres processuais deste, quer mesmo quanto aos direitos e deveres de carácter substantivo.
Para efeitos processuais, a herança de titular não determinado é pessoa e o ser pessoa quer dizer
que se lhe atribui personalidade jurídica no domínio do processo. A personalidade judiciária é, por
isso, um conceito processual, apenas eventualmente coincidente com o de personalidade jurídica
e nunca dependente de qualquer capacidade de gozo.
A personalidade judiciária das pessoas meramente judiciárias é restrita ao campo do
processo civil. É mesmo possível avançar um pouco mais: essa personalidade é restrita ao campo
de certo processo civil.
3. Função
A personalidade judiciária ocupa um lugar muito especial entre os pressupostos: é o
pressuposto dos restantes pressupostos processuais subjectivos relativos às partes. Com efeito, a
legitimidade ou a capacidade judiciária, por exemplo, são atributos das partes. As partes é que são
legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos por seu turno
pressupõem uma parte, de que são atributos, e de que a susceptibilidade de o ser funciona, num
plano anterior, como pressuposto.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/132

Se falta a legitimidade, por exemplo, a instância trava-se entre o tribunal e duas partes,
sendo uma ilegítima. Se falta a personalidade judiciária, falta a própria susceptibilidade para ser
parte.

II. Critérios de atribuição


1. Critério da coincidência
O 11.º, n.º 2, estabelece a seguinte regra: quem tiver personalidade jurídica tem
personalidade judiciária. Toda a pessoa tem personalidade judiciária, seja pessoa singular, seja
colectiva – incluindo associações, as fundações, as sociedades comerciais e as sociedades de
advogados. Os partidos políticos também têm personalidade jurídica, pelo que possuem
igualmente personalidade judiciária; o mesmo pode ser dito das associações sindicais e das
comissões de trabalhadores.
A regra enunciada é apenas uma faceta do princípio geral da coincidência entre a
personalidade jurídica e a judiciária. Este princípio abrange a regra formulada no art. 11.º, n.º 2:
todo aquele que tem personalidade jurídica tem personalidade judiciária; mas esse princípio
abrange estoutra regra ainda: só aquele que tem personalidade jurídica tem personalidade
judiciária. Esta última regra apresenta, porém, excepções: há entidades desprovidas de
personalidade jurídica a que os art. 12.º e 13.º atribuem personalidade judiciária.

2. Outros critérios
2.1. Generalidades

A atribuição de personalidade judiciária a entidades sem personalidade jurídica decorre de


dois critérios:
− O critério da diferenciação patrimonial (cf. art. 12.º);
− O critério da afectação do acto (cf. art. 13.º).

2.2. Herança jacente

a) Orientando-se por um critério de diferenciação patrimonial, o 12.º atribui personalidade


judiciária a vários patrimónios autónomos. Segundo o 12.º, al. a), têm personalidade judiciária a
herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular ainda não esteja
determinado.

b) Considere-se o seguinte exemplo: A é devedor de B; morre, deixando a sua herança sem


titular determinado. A lei procura que B não seja com isso prejudicado: permite-lhe mover acção
contra a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado (2046.º CC).

c) Morta a parte no decorrer do processo, pode perguntar-se se o processo pode continuar


com a herança. O art. 355.º, n.º 4, dá uma resposta positiva a esta questão: a herança jacente,
representada pelo sucessível ou pelo cabeça-de-casal (2047.º, n.º 1, e 2048.º, n.º 1, CC), pode
habilitar-se como sucessora do de cuius.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/133

Há, no entanto, casos em que a herança não pode suceder ao de cuius – são os casos de
acções respeitantes a direitos pessoais. Há casos, pelo contrário, em que a lei parece impor a
habilitação da herança. Assim, querendo o sucessível, mesmo antes de aceitar a herança,
prosseguir uma causa com ela relacionada, parece que pode fazê-lo nos termos do art. 2047.º CC;
habilitar-se-á então, não nomine proprio, mas como substituto processual da herança, em
qualquer caso se afastando o art. 355.º, n.º 1.
Se o cabeça-de-casal ou o curador agirem como substitutos processuais da herança jacente
(nos termos dos art. 2088.º, 2089.º e 2048.º CC, remetendo para o art. 94.º, n.º 2, CC), propondo,
em nome próprio, acções em substituição da herança, também parece que se pode afastar a
aplicação do art. 355.º, n.º 1. A própria substituição processual do Ministério Público (355.º, n.º 2)
pode ser vista como uma substituição primo gradu da herança (12.º, al. a)) e só reflexamente de
incertos (22.º; cf. art. 5.º, n.º 1, al. c), EMP).

2.3. Patrimónios autónomos

a) A herança já é considerada, em si, património autónomo; a palavra “semelhante” do art.


12.º, al. a), tem de referir-se à indeterminação do titular. Estão nessas condições:
− Os bens doados ou legados a um nascituro (952.º, 2033.º, n.º 2, al. a), e 2240.º CC);
− Os bens com que foi dotada uma fundação ainda não constituída (185.º CC).
Segundo o disposto no art. 12.º, al. a), apenas os patrimónios autónomos cujo titular não
esteja determinado podem possuir personalidade judiciária. Isto não significa que, através de uma
interpretação extensiva, não possa aplicar-se o disposto no art. 12.º, al. a), a patrimónios com
múltiplos titulares: a multiplicidade dos titulares aproxima-os da indeterminação.

b) há outros patrimónios que são igualmente dotados de personalidade judiciária:


− As associações sem personalidade jurídica (12.º, al. b); 195.º a 198.º CC);
− As comissões especiais (12.º, al. b); 199.º a 201.º CC)
− As sociedades civis (12.º, al. c));
− As sociedades comerciais, até à data do seu registo (12.º, al. d)); as sociedades
comerciais só gozam de personalidade jurídica a partir da data do registo definitivo do
contrato pelo qual se constituem (art. 5.º CSC); no entanto, se dois ou mais indivíduos,
criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, eles
responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações (36.º, n.º 1, CSC);
− O condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se
inserem no âmbito dos poderes do administrador (art. 12.º, al. e));
− Os navios (12.º, al. f))

2.4. Sucursais ou agências

Seguindo um critério de afectação do acto, o 13.º, n.º 1, atribui personalidade judiciária às


sucursais, agências, filiais, delegações ou representações em acções cuja causa de pedir seja um
acto ou facto por elas praticado. Essas entidades têm igualmente personalidade judiciária quando
a respectiva sede esteja situada num país estrangeiro, desde que a obrigação tenha sido
contraída pela administração principal com um português ou com um estrangeiro domiciliado em
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/134

Portugal (13.º, n.º 2) ou tenha sido cedida a uma destas pessoas. É importante recordar que esta
regra cede perante o disposto no Reg., dado que, quanto às sucursais de sociedades com sede
num EM da UE, elas só podem demandar ou ser demandadas quando se tratar de um litígio
relativo à sua exploração. Portanto, não sendo este o caso, a verificação das condições do 13.º,
n.º 2, não é suficiente para atribuir personalidade judiciária a sucursais de sociedades de um EM
Segundo parece, o autor pode, no mesmo processo, accionar simultaneamente a sociedade e
a sua agência, como litisconsortes (32.º, n.º 1 1.ª parte), escolhendo depois a entidade a executar.

3. Natureza jurídica
3.2. Consequências

Um aspecto que deve ser salientado a propósito da natureza da personalidade meramente


judiciária é o da relação entre os entes sem personalidade jurídica e os entes com personalidade
jurídica (e, portanto, com personalidade judiciária: 11.º, n.º 2) que podem ser considerados seus
sucessores. Pense-se, por exemplo, na relação entre a sociedade comercial antes e depois do
registo: antes do registo, a sociedade comercial só tem personalidade judiciária (12.º, al. d)); depois
do registo, a sociedade comercial tem personalidade jurídica (5.º CSC) e judiciária (11.º, n.º 2).
Perante esta situação, é possível retirar duas consequências:

− Na hipótese de a sociedade demandante ou demandada adquirir personalidade jurídica


durante a pendência da causa, deve verificar-se a substituição da sociedade não
registada pela sociedade registada; a intervenção desta sociedade deve ser realizada
através de um incidente inominado;
− Qualquer que seja o momento de aquisição da personalidade jurídica pela sociedade
demandante ou demandada, a sociedade não registada e a sociedade registada têm de
ser consideradas as mesmas partes sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica
(581.º, n.º 2), o que é relevante nomeadamente para efeitos da verificação das
excepções de litispendência e de caso julgado e para a vinculação da sociedade
registada ao caso julgado da decisão proferida na acção em que tenha sido parte a
sociedade não registada.

III. Consequências da falta


1. Sanação do vício
1.1. Regime geral

a) Em regra, a falta de personalidade judiciária não é sanável, mas o 14.º admite a sanação
da falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou representações
mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processado. A
intervenção daquela administração não pode ser realizada nos termos do art. 311.º, pois que não
se trata de constituir uma pluralidade de partes, mas antes de substituir uma parte sem
personalidade judiciária por outra parte dotada dessa personalidade. O art. 14.º refere-se, por isso,
a uma intervenção inominada.
Apesar de a letra do preceito exigir sempre a ratificação do processado ou a sua repetição,
a verdade é que há que distinguir consoante a falta afete parte ativa ou passiva:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/135

− Se o vício atingir a parte activa, exige-se sempre que a administração principal


ratifique ou repita o processado, porque não é possível manter uma acção sem
petição inicial; se assim não suceder, falta um pressuposto processual;
− Se o vício afectar a parte passiva, não se exige que a administração principal repita ou
ratifique o processado, pois que um processo pode manter-se sem a contestação do
réu e demais actos deste demandado; se tal suceder, falta apenas um pressuposto de
actos processuais, o que não inquina todo o processo.

b) O 14.º prevê uma hipótese em que uma parte sem personalidade judiciária é substituída
por uma parte dotada dessa personalidade. Assim, o preceito deve ser igualmente aplicado
quando tenha sido indevidamente demandada uma associação, fundação ou sociedade sem
personalidade jurídica que tenha adquirido essa personalidade antes da propositura da acção.

1.2. Regime especial

O 351.º, n.º 2, prevê a instauração do processo contra uma parte falecida e, portanto,
carecendo de personalidade judiciária; segundo o estabelecido no preceito, neste caso o vício
sana-se pela habilitação dos sucessores.

2. Cessação do vício
Verifica-se a sanação do vício quando, persistindo este, se lança mão de um remédio
permitido por lei para possibilitar a marcha do processo e regularizá-lo ex tunc. Coisa diferente é a
relevância da cessação da causa do vício. Por exemplo: mesmo depois de efectuado o registo da
sociedade, o contrato de sociedade pode padecer de vícios que determinam a sua nulidade (42.º,
n.º 1, CSC); se estes vícios forem sanados por deliberação dos sócios (42.º, n.º 2, CSC), cessa a
falta de personalidade judiciária que decorria da irregularidade da sociedade.

3. Subsistência do vício
Quando a falta de personalidade judiciária for insuprível e manifesta logo na petição inicial,
esta deverá ser objecto de indeferimento liminar (590, n.º 1, conjugado com o disposto nos art.
577.º, al. c), e 578.º). Se não for, o réu é absolvido da instância (278.º, n.º 1, al. c)), ex officio
judicis ou por arguição da parte (578.º).

§ 22.º Sujeição à jurisdição portuguesa

I. Preliminares
1. Generalidades
Para o processo se constituir e correr regularmente ante tribunais portugueses, é preciso
não só que estes sejam competentes e as partes dotadas de personalidade judiciária, mas ainda
que ambas as partes sejam sujeitas à jurisdição portuguesa. A não sujeição de uma parte à
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/136

jurisdição portuguesa gera exceção dilatória que conduz à absolvição da instância (576.º/2, e
278.º/1, al. e)).
Uma sentença proferida em Portugal com violação da sujeição à jurisdição portuguesa é
ineficaz e não constitui, por isso, título executivo, dado que, sem renúncia pelo beneficiário, os
tribunais portugueses não têm jurisdição em relação a essa parte. Uma sentença proferida no
estrangeiro em relação a uma parte não sujeita à jurisdição do foro não pode ser reconhecida em
Portugal: na falta de melhor fundamento para essa recusa de reconhecimento, pode invocar-se a
violação da ordem pública internacional do Estado português (980.º, al. f)).

2. Imunidades
Em regra, todas as pessoas singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras,
domiciliadas ou não em Portugal, consideram-se sujeitas à jurisdição portuguesa.
Há, no entanto, algumas entidades que gozam da imunidade - não poderem ser, sem o seu
consentimento, sujeitos à jurisdição portuguesa. Estão nessas situações:
− Os Estados estrangeiros;
− As organizações internacionais;
− As pessoas singulares dotadas de imunidade.
Importa referir que, além da imunidade dos Estados estrangeiros e das organizações
internacionais e de algumas pessoas, certos objectos ou locais gozam do benefício da
extraterritorialidade: é o caso dos locais de missões diplomáticas e de instalações consulares, dos
arquivos e documentos das missões diplomáticas e dos postos consulares, da correspondência
oficial das missões diplomáticas e dos postos consulares, da mala diplomática e consular, bem
como da residência particular dos agentes diplomáticos.

II. Estados estrangeiros


1. Enquadramento geral
O Estado português submete-se à jurisdição dos seus próprios tribunais. A imunidade do
Estado estrangeiro não é irrestrita, prevalecendo hoje a distinção entre atos de império e de gestão:

− Por actos de soberania não se pode demandar um Estado estrangeiro (a não ser que
este se submeta a tal); envolvem os atos de guerra e de controlo alfandegário
(incluindo os realizados por aviões ou barcos);
− Pelos actos que o Estado estrangeiro pratique como pessoa colectiva, que não sejam
próprios da sua qualidade de ente soberano e que sejam praticados – como a compra
de mercadorias no estrangeiro ou a contratação de um empreiteiro para fazer obras no
edifício da embaixada, por exemplo –, é sujeito à jurisdição como qualquer outra
pessoa colectiva; o mesmo regime é aplicável a empresas pertencentes a Estados
estrangeiros, dado que estas dificilmente praticam actos de soberania.

2. Renúncia à imunidade

O Estado estrangeiro pode renunciar à sua imunidade.


J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/137

III. Organizações internacionais

É comum serem reconhecidos às organizações internacionais os privilégios e as imunidades


necessários à realização dos seus objectivos: é o que se encontra previsto, quanto às Nações
Unidas, no 105.º/1, Ct. ONU, e, quanto à UE, ao BCE e ao Banco Europeu de Investimento, no art.
343.º TFUE.

IV. Imunidades pessoais


1. Enquadramento geral
1.1. Imunidades pessoais

a) Também gozam de imunidade de jurisdição (civil e criminal) certos representantes de


Estados estrangeiros: é o caso dos Chefes de Estado em visita e dos agentes diplomáticos e
consulares. Estas imunidades pessoais só valem relativamente a actos praticados no âmbito das
suas funções oficiais.

A imunidade de jurisdição faz parte das chamadas imunidades diplomáticas, embora seja
renunciável. No que diz respeito aos agentes diplomáticos, a matéria está regulada pelo 31.º, n.º 1,
CRelDipl, que estabelece que o agente goza de imunidade de jurisdição penal, civil e administrativa
no Estado acreditador, salvo se se tratar de uma acção real sobre imóvel privado situado no
território do Estado acreditador e o agente diplomático não o possuir por conta do Estado
acreditante para os fins da missão, de uma acção sucessória na qual o agente diplomático figure, a
título privado e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador, herdeiro ou
legatário, ou ainda de uma acção referente a qualquer actividade profissional ou comercial exercida
pelo agente diplomático no Estado acreditador fora das suas funções oficiais. Os agentes
diplomáticos gozam, no mesmo âmbito, de imunidade de execução (art. 31.º, n.º 3, CRelDipl).
Quanto aos funcionários e empregados consulares, rege o art. 43.º CRelCons: esses
funcionários empregados não estão sujeitos à jurisdição das autoridades judiciárias e
administrativas do Estado receptor pelos actos realizados no exercício das funções consulares,
excepto em acção civil resultante da conclusão de um contrato feito por um funcionário consular ou
um empregado consular que não o tenha cumprido expressa ou implicitamente como mandatário
do Estado que envia ou que seja intentada por um terceiro como consequência de danos causados
por acidente de veículo, navio ou aeronave ocorrido no Estado receptor.

b) O agente diplomático e o funcionário consular podem renunciar à sua imunidade, mas não
necessitam desta renúncia para intentar uma acção no Estado receptor. Nesta acção, agente ou
funcionário não pode alegar a sua imunidade quanto a qualquer pedido de reconvenção
directamente ligado à demanda principal.
A renúncia à imunidade de jurisdição quanto a acções civis ou administrativas não implica a
renúncia à imunidade quanto a medidas de execução da sentença, para as quais é necessária uma
renúncia distinta.

1.2. Imunidades espácio-objectivas

Os locais da missão diplomática e consular são invioláveis, pelo que os agentes do Estado
acreditador não poderão neles penetrar sem o consentimento do chefe de missão. Os arquivos e
documentos da missão também são invioláveis, em qualquer momento e onde quer que se
encontrem. O mesmo pode ser dito da correspondência oficial e da mala diplomática ou consular.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/138

§ 23.º Capacidade judiciária

I. Enquadramento geral
1. Noção
A capacidade judiciária é definida no 15.º/1, como a suscetibilidade de estar, por si, em
juízo. Trata-se de uma capacidade de exercício, capacidade de exercício de direitos e deveres
processuais. Procurando caracterizá-la com maior rigor, a capacidade judiciária pode ser definida
como a susceptibilidade de a pessoa por si, pessoal e livremente, decidir sobre a orientação da
defesa dos seus interesses em juízo, em aspectos que não são de mera técnica jurídica.
Esta última restrição é imposta pela circunstância de que, nos casos de patrocínio judiciário
obrigatório (40.º, n.º 1, e 58.º), também se verifica, em última análise, um fenómeno de
incapacidade de exercício: a parte não pode estar por si em juízo, só representada pelo seu
advogado. Esta representação, porém, é limitada à técnica do processo (por exemplo, como há-de
redigir a petição inicial); quanto à política do processo, a parte guarda o seu poder de disposição
sobre as grandes linhas da defesa judicial dos seus interesses (será ela que deve decidir
demandar). Assim se conjugam, como realidades compatíveis, capacidade judiciária e patrocínio
judiciário obrigatório.

2. Organização
A capacidade de exercício pode ser jurídica ou naturalmente organizada:
− A capacidade das pessoas colectivas é juridicamente organizada: estas têm uma
capacidade de exercício que resulta designadamente da existência de órgãos através
dos quais elas estão por si em juízo; representação orgânica;
− A capacidade das pessoas singulares é natural: estas têm capacidade judiciária
quando possam estar por si em juízo, sendo que por si significa pessoal e livremente;
representação legal.

II. Representação orgânica


1. Pessoas colectivas
1.1. Representante normal

Depois de o 24.º, n.º 1, dispor que o Estado é representado pelo MP, o 25.º, n.º 1, estatui
que as demais pessoas colectivas e as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos
ou o pacto social designarem. Assim, em concreto:
− Quanto às pessoas colectivas stricto sensu, o art. 163.º, n.º 1, CC dispõe que a sua
representação cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição
estatutária, à administração ou a quem por ela for designado;
− Quanto às sociedades civis, dispõe o 996.º n.º 1, CC, que elas são representadas,
pelos seus administradores, nos termos do contrato ou de harmonia com as regras
legais (985.º CC);
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/139

− As sociedades em nome colectivo e as sociedades por quotas são representadas


pelos gerentes (192.º, n.º 1, e 252.º, n.º 1, CSC), as sociedades anónimas pelo
conselho de administração (405.º, n.º 2, e 408.º, n.º 1, CSC); às sociedades em
comandita aplica-se, consoante o caso, o regime das sociedades em nome colectivo
ou o das anónimas (474.º e 478.º CSC).
A lei ou os estatutos podem condicionar a intervenção em juízo de certo órgão a autorização
ou deliberação de outro (192.º, n.º 2, 260.º, n.º 1, e 409.º, n.º 1, CSC).

1.2. Representante especial

Quando a pessoa colectiva ou sociedade não tiver representante ou quando for com o
representante que tenha que se trave o litígio, aplica-se o regime dos n.º 2 e 3 do art. 25.º: essa
representação é atribuída, em regra, a um representante especial.

2. Pessoas judiciárias
Quanto às pessoas meramente judiciárias, dispõe o 26.º que a sua representação é:
− Os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores (2047.º e
2048.º CC, quanto à herança jacente; 1437.º CC, quanto ao condomínio);
− As sociedades e as associações que careçam de personalidade jurídica, bem como as
sucursais, agências, filiais ou delegações, são representadas pelas pessoas que ajam
como directores, gerentes ou administradores (195.º, n.º 1, 163.º, n.º 1, CC, quanto às
associações sem personalidade jurídica; 996.º CC, quanto às sociedades civis; 38.º a
40.º CSC, quanto às sociedades comerciais não registadas).

III. Representação legal


1. Aferição da incapacidade
1.1. Critérios possíveis

O 15.º, n.º 2, dispõe que a capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade
de exercício de direitos. Este preceito pode ser interpretado de duas maneiras:
− A capacidade ou incapacidade judiciária resulta da capacidade ou incapacidade para
a prática do acto jurídico substantivo que é causa de pedir na acção;
− A capacidade ou incapacidade judiciária decorre da capacidade ou incapacidade para,
voluntariamente, provocar efeitos jurídicos idênticos aos efeitos possíveis da acção.

1.2. Critério escolhido

Para ajuizar da capacidade judiciária, têm de analisar-se os efeitos possíveis da acção: o


efeito vantajoso, em caso de vencimento; o efeito prejudicial em caso de perda. A parte tem em
regra capacidade judiciária quando pode em direito substantivo, por si, pessoal e livremente,
provocar qualquer dos efeitos jurídicos possíveis do processo.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/140

A interpretação do 15.º, n.º 2, deve ser esta: sempre que um dos efeitos possíveis da acção
seja um efeito que a pessoa não podia produzir por si, pessoal e livremente, para essa acção a
pessoa é judiciariamente incapaz. Esta solução está de harmonia com o princípio da
instrumentalidade: aquilo que se não pode fazer por vontade das partes através de NJ, não se
pode fazer por vontade das partes através do processo.

2. Aplicação do critério
2.1. Parte activa

A regra é a de que, se certa pessoa não pode dispor de um bem senão representada por
certa outra, ou autorizada por certa outra –, não poderá correspondentemente pôr em jogo a
titularidade desse bem através da propositura de uma acção, senão representada ou autorizada.
Este regime pode ser desenvolvido através da sua análise em dois sub-princípios:
− A regra da representação: quem não possa celebrar negócios jurídicos sem ser por
intermédio de representante legal, também não pode propor acções senão através de
representante legal; quem não possa praticar certos negócios jurídicos sem ser por
intermédio de representante legal, também não pode propor, senão através de
representante legal, as acções de que seja efeito possível algum efeito que seja
conteúdo dos negócios para que é incapaz (16.º, n.º 1);
− A regra de assistência: se certa pessoa pode praticar certos actos pessoal, mas não
livremente, carecendo de autorização para propor qualquer processo que possa ter
como eventum litis um efeito semelhante ao do acto, carece de autorização (16.º/1);
esta autorização é prévia em relação à acção e não se repete durante ela; deve,
contudo, entender-se que quaisquer actos que impliquem disposição dos interesses
nela envolvidos – maxime, a desistência do pedido ou a transacção (283.º) – exigem
igualmente autorização prévia (290.º, n.º 3).

2.2. Parte passiva

Se a lei substantiva impuser um regime de representação, o incapaz será igualmente


representado em processo (16.º, n.º 1). Assim, em concreto:
− Movida uma acção contra um inabilitado, sujeito apenas a assistência (153.º/1, CC),
parece que o inabilitado pode estar por si pessoal e livremente em juízo como réu;
− Movida uma acção contra um menor ou um interdito, ele deve em regra ser
representado nessa acção pelo representante legal (16.º, n.º 1).

IV. Formas de suprimento


2. Menores
2.1. Generalidades

É menor quem não tiver completado dezoito anos de idade (122.º CC). Os menores
carecem, em princípio, de capacidade para o exercício de direitos (123.º CC), pelo que, por força
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/141

do 16.º, n.º 2, carecem de capacidade judiciária. A incapacidade dos menores é suprida pelo
exercício das responsabilidades parentais e, subsidiariamente, pela tutela (124.º CC), havendo
ainda a contar com a administração de bens (1922.º e 1967.º a 1972.º CC).

2.2. Representação do menor

a) O suprimento da incapacidade dos menores faz-se em regra por representação, como se


vê dos 1878.º, n.º 1, 1881.º e 1888.º a 1900.º CC. Correspondentemente, o menor não pode estar
em juízo por si, mas, em regra, só por intermédio dos progenitores (1878.º, n.º 1, CC); se as
responsabilidades parentais não puderem ser exercidas pelos progenitores, a representação do
menor cabe, em regra, ao tutor (1921.º, n.º 1, CC) e, em certas circunstâncias, ao administrador
de bens (1922.º CC).
Quando pai e mãe se encontrem ambos na titularidade do poder paternal, aplica-se a regra
do 1901.º, n.º 1, CC:
− A representação do filho em juízo compete aos dois progenitores, se ambos estiverem
no exercício das responsabilidades parentais (16.º, n.º 2 e 3): é necessário que ambos
confiram procuração a mandatário judicial ou assinem as peças processuais;
− Se houver desacordo dos progenitores sobre a conveniência de intentar uma acção,
qualquer deles pode requerer ao tribunal competente (que é o de família: 123.º, n.º 1,
al. d), LOSJ) a resolução do diferendo (18.º, n.º 1);
− Se, estando pendente uma acção, se verificar o desacordo dos progenitores sobre a
orientação da representação, qualquer deles pode requerer ao juiz da causa que
providencie sobre a forma de o menor ser nela representado (18.º, n.º 2); depois de
ouvir o outro progenitor, o juiz pode atribuir a representação a um único dos
progenitores, a um curador especial ou ao MP (18.º, n.º 3).

b) Os representantes legais do menor não têm em regra liberdade para propor acções.
Segundo o 1938.º, n.º 1, al. e), CC, o tutor necessita de autorização para intentar acções, salvo as
destinadas à cobrança de prestações periódicas e aquelas cuja demora possa causar prejuízo.
Essa competência pertence ao MP. Esta doutrina aplica-se também ao administrador de bens do
menor (1971.º, n.º 1, CC). Como se vê, portanto, trata-se de autorização para acionar. No domínio
da capacidade judiciária passiva não há nenhuma restrição.
Note-se que, neste domínio, o pai e a mãe gozam de um regime muito especial de favor.
Com efeito, não carecem de nenhuma autorização para representar o menor em juízo, excepto em
duas hipóteses constantes do art. 1889.º, n.º 1, al. n), CC: acções de divisão de coisa comum e
acções de liquidação e partilha de patrimónios sociais. Quando necessária, essa autorização cabe
ao MP.
2.3. Capacidade do menor

Há casos em que o menor recebe da lei capacidade de exercício de direitos e deveres


substantivos: então, acompanha-o em regra uma igual medida de capacidade judiciária:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/142

− Os actos de administração ou disposição dos bens que o maior de dezasseis anos


haja adquirido pelo seu trabalho (127.º, n.º 1, al. a), CC); sobre estes bens, pode o
menor intentar as acções que quiser, e conduzi-las livremente, assim como será
pessoalmente que conduzirá as acções propostas contra ele;
− Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha sido
autorizado a exercer, ou os praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício
(127.º, n.º 1, al. c), e 2, CC);
São também válidos os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor, que, estando
ao alcance da sua capacidade natural, só impliquem despesas, ou disposições de bens, de
pequena importância (127.º, n.º 1, al. b), CC). No entanto, em virtude da natureza deste caso,
parece que ele não pode ser acompanhado de um aumento correspondente de capacidade
judiciária. Se, por exemplo, a compra de um bem de baixo valor por um menor de dez anos, por
qualquer extraordinária circunstância, der origem a uma acção em juízo, está-se necessariamente
fora do campo em atenção ao qual a capacidade foi concedida, o campo dos actos “próprios da
vida corrente do menor […] ao alcance da sua capacidade natural”; sendo assim, o menor deve
ser representado em juízo.
Também não se verifica nenhuma extensão de capacidade no caso do art. 126.º CC. Este
preceito não prevê, aliás, uma extensão da capacidade de exercício, mas tão-só uma paralisação
da anulabilidade que, regra geral, é gerada pela incapacidade, nos termos do art. 125.º CC.

6. Subsuprimento
6.1. Incapazes

O 21.º, n.º 1, prevê um subsuprimento da incapacidade pelo MP, sempre que o incapaz, ou
os seus representantes, não deduzirem oposição. Como se infere do disposto no 21.º, n.º 3, para
que o MP intervenha não basta que o representante do incapaz não conteste (revelia relativa); é
preciso que não conteste nem constitua mandatário judicial (hipótese de revelia absoluta: 566.º).
Repare-se ainda que o MP é citado para garantir a defesa dos interesses do incapaz, mas não
necessariamente para contestar. Assim, se o autor tiver razão, parece que o MP não irá contestar.

6.2. Ausentes

O regime anteriormente descrito quanto à incapacidade aplica-se, mutatis mutandis, à


ausência, como é comprovado pelo disposto no art. 21.º, n.º 1.

V. Incapacidade judiciária
1. Enquadramento legal
1.1. Generalidades

A incapacidade pode apresentar-se sob duas formas:


− Como pressuposto processual, ferindo a própria parte e o processo no seu conjunto;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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− Como pressuposto de actos processuais, ferindo ou viciando apenas certos actos.

1.2. Pressuposto processual

Se o autor propuser uma acção, por si só, sendo menor ou interdito, ou se estiver
irregularmente representado, ou ainda se, sendo inabilitado, não tiver obtido autorização do
curador o próprio processo, nascem inquinados. É o próprio autor que é incapaz, um elemento
essencial da instância ou relação jurídica processual. Do mesmo modo, se o autor instaurar uma
acção contra um incapaz, sem indicar o representante ou indicando-o mal, a parte ré é, ela
própria, incapaz. Para evitar esta incapacidade, o autor tem, por isso, o ónus de indicar a
incapacidade do réu e o modo do seu suprimento (incluindo a nomeação de um curador especial
do réu: 17.º, n.º 4).
Num e noutro caso falta um pressuposto processual subjectivo relativo a uma das partes: a
capacidade judiciária. Essa falta, se não for sanada, conduz, de um modo geral à absolvição do
réu da instância: art. 27.º a 29.º, 278.º, n.º 1, al. c), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. c).

1.3. Pressuposto de actos

Então a incapacidade é um vício de certo acto processual, não do processo através


de um dos seus elementos essenciais – uma das partes. Falta um pressuposto de actos
processuais, não do processo. O acto é inválido, com as respectivas consequências; assim, nos
exemplos indicados, tudo se passa como se o autor não houvesse replicado ou não houvesse
recorrido, ou como se o réu não tivesse contestado ou não tivesse comparecido à audiência
prévia. Como se diz no 27.º, n.º 2, nesta hipótese, fica sem efeito todo o processado inde-
vidamente depois do momento em que a falta se deu ou a irregularidade foi cometida.
Note-se que, quanto à espécie de incapacidade constituída pela falta de autorização ou
deliberação, verificando-se ela quanto à parte ré, a mesma só pode dar origem a este vício, não
ao de falta de capacidade como pressuposto processual. O autor, por hipótese, indicou correcta-
mente a parte e o seu representante e este foi citado; a parte está regularmente constituída no
processo; se internamente se exige qualquer autorização ou deliberação para o representante
actuar no processo, a falta de tal autorização ou deliberação só fere a actuação do representante.
É por isso que o 29.º, n.º 2, dá a este caso sempre o efeito da incapacidade como vício de actos
processuais e não da instância: o processo segue como se o réu não deduzisse oposição.
Portanto, a incapacidade judiciária pode verificar-se quanto ao processo ou quanto a um
acto processual. No primeiro caso, dá origem à absolvição da instância; no segundo, à invalidação
do acto viciado. No primeiro caso, a capacidade judiciária é tomada como uma característica da
parte – é um pressuposto processual. No segundo caso, ela é tomada só como o requisito do
agente em certo acto ou actuação – é um pressuposto de actos processuais.
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1.4. Ónus da prova

O ónus da prova da capacidade judiciária do réu pertence ao autor e o ónus da prova da


incapacidade do autor pertence ao réu. Esta distribuição do ónus da prova decorre da
circunstância de a capacidade judiciária ser um pressuposto processual que protege a parte e de,
portanto, o autor não poder obter uma decisão de procedência se o réu for incapaz e de o réu não
poder conseguir obter uma decisão de absolvição do pedido se o autor for incapaz.

1.5. Sanação e cessação

Além do suprimento, também quanto à incapacidade judiciária há que fazer a distinção entre
a sanação e a cessação da incapacidade judiciária:
− A sanação da incapacidade verifica-se quando essa viciou o processo, mas a lei
faculta um meio de fazer cessar retroactivamente os efeitos do vício;
− A cessação da incapacidade verifica-se quando, por exemplo, no decorrer do
processo o menor atinge a maioridade, é levantada a interdição ou inabilitação do
incapaz ou a irregularidade da representação é corrigida.

2. Sanação da incapacidade
2.1. Espécies de incapacidade

Com a designação de incapacidade judiciária podem ser designados vários vícios que a lei
distingue e que se podem agrupar em três espécies (27.º a 29.º):
− Incapacidade judiciária em sentido estrito; verifica-se quando um incapaz que carece
de representação está por si em juízo, contra o estabelecido no 16.º, n.º 1;
− Irregularidade da representação; quando está em juízo um incapaz ou uma pessoa
colectiva representada por pessoa diferente daquela a que compete a representação;
é o caso de o avô propor uma acção em nome do neto; ela verifica -se sempre que
alguém invoca poderes de representação que não tem;
− Falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei e do seu
suprimento judicial, quando possível; o vício pode consistir em carecer a parte ou o
seu representante de uma autorização, deliberação ou consentimento alheio, ou do
seu suprimento judicial, quando possível, e não se mostrar munido desse requisito,
por exemplo: o tutor propõe uma acção, em representação do menor, sem ter obtido a
autorização exigida pelo art. 1938.º, n.º 1, al. e), CC.
Qualquer destes vícios só produz efeitos se não for sanado (278.º, n.º 2 in fine), pelo que,
por isso, convém analisar, a respeito de cada vício, a forma de sanação e os efeitos (se insanado).

2.2. Incapacidade stricto sensu

a) A incapacidade judiciária em sentido estrito apresenta-se como a falta de um pressuposto


processual:
− No lado activo, quando se verifica desde a demanda;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/145

− No lado passivo, quando o autor tenha desrespeitado o ónus de indicar o


representante legal do incapaz ou, a fortiori, quando não tenha cumprido, por
exemplo, o preceito do 17. °, n.º 1 e 3.
Em qualquer destes casos, de duas, uma:
− Ou a incapacidade é patente e manifesta em face da petição inicial; como não se trata
de uma excepção dilatória insuprível, não pode haver indeferimento liminar da petição
inicial (590, n.º 1), devendo antes o juiz, com base nos poderes que lhe são conferidos
pelo 6.º, n.º 2, ordenar a notificação de quem deva representar o autor ou ordenar a
citação do réu em quem o deva representar (27.º, n.º 1, e 28.º, n.º 2);
− Ou a incapacidade não é patente, ou escapa ao juiz no momento do despacho liminar;
tendo-se dado pelo vício no decurso do processo, oficiosamente ou por arguição das
partes, o juiz deverá ordenar a citação do representante legal, fixando-lhe um prazo
para tomar uma atitude em face do sucedido (27.º, n.º 1, e 28.º, n.º 1 e 2).

b) De seguida, há que distinguir entre incapacidade judiciária activa e passiva. Após a


citação do representante legal do autor, este tem três condutas possíveis:
− Ou nada faz ou se recusa expressamente a ratificar os actos praticados pelo seu
representado; neste caso, o processo termina por absolvição do réu da instância
(278.º, n.º 1, al. c), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. c)), pelo que a incapacidade judiciária
produz os seus efeitos de excepção dilatória;
− Ou ratifica pura e simplesmente tudo quanto o seu representado ou o irregular
representante tenha praticado no processo; então, o processo segue como se o vício
não existisse (27.º, n.º 2; 125.º, n.º 2, CC);
− Ou nega a ratificação apenas desde certa altura do processo; neste caso, deve ser-lhe
reconhecido o direito de intervir desde esse momento, ou seja, de praticar de novo os
actos irregularmente praticados;

c) Sendo citado o representante legal do réu depois da contestação, de novo tem este
representante legal uma tripla conduta possível:
− Ou ratifica pura e simplesmente tudo o que foi feito; neste caso, o processo segue
como se o vício não tivesse existido (art. 27.º, n.º 2 1.ª parte);
− Ou pratica de novo os actos irregularmente praticados, ou parte deles (27.º/2);
− Ou nega pura e simplesmente a ratificação do acto praticado; nesta hipótese, o
processo segue à revelia, ficando sem efeito a contestação irregular (e os actos,
praticados pelo incapaz ou pelo irregular representante, que se lhe seguiram) e
procedendo-se à citação do MP, nos termos do 21.°, n.º 1 e 3, para, se quiser impedir
a revelia, praticar de novo os actos que ficaram sem efeito.

d) Em caso de incapacidade passiva, portanto, basta a citação do representante para sanar


o vício; citado o representante legal, com ratificação do processado, com renovação do
processado ou com revelia do réu, o processo continua e pode conduzir à decisão de mérito. Em
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/146

caso de incapacidade activa, a mera citação do representante legal não chega para sanar o vício:
tem de haver, por parte deste, ratificação ou repetição dos actos irregularmente praticados, sob
pena de absolvição da instância.

2.3. Irregularidade da representação

a) O regime da irregularidade de representação é próximo do da incapacidade judiciária


stricto sensu (27.º, n.º 1 e 2, 28.º e 6.º, n.º 2). Assim, em concreto:
− A irregularidade de representação, no lado activo, sendo manifesta em face da petição
inicial, dá origem a um despacho de citação do verdadeiro representante legal do
autor (27.º, n.º 1, e 28.º, n.º 2);
− A irregularidade da representação, no lado passivo, se manifesta em face da petição
inicial, corrige-se pura e simplesmente ordenando o juiz a citação do verdadeiro
representante legal (27.º, n.º 1, e 28.º, n.º 2);
− Se passar o momento do liminar, o juiz manda proceder à citação do representante
legal (27.º, n.º 1, e 28.º), tudo se passando como na hipótese da incapacidade
judiciária stricto sensu.

b) Se a irregularidade tiver consistido na preterição de algum dos progenitores, tem-se por


ratificado o processado anterior quando o preterido, depois de notificado, nada diga dentro do
prazo fixado (27.º/3 1.ª parte). Se os progenitores não acordarem quanto à repetição da acção ou
à renovação dos actos, aplica-se o regime estabelecido no 18.º (27.º/3 2.ª parte). De molde a não
prejudicar o menor que seja autor, os prazos de prescrição e de caducidade são prolongados
(27.º/4).

c) A circunstância de, em algumas situações, o patrocínio judiciário ser obrigatório (40.º, n.º
1, e 58.º) implica que o vício decorrente da preterição do representante passa a ser o da
irregularidade do mandato. Suponha-se, por exemplo, que, devendo a sociedade ser representada
por dois gerentes, apenas um deles passa a procuração ao mandatário judicial; o mandato é
irregular (48.º, n.º 1). Pode assim concluir-se que, sempre que a parte deva ser representada por
mandatário judicial, o regime da irregularidade da representação é consumido pelo regime da
irregularidade do mandato.

2.4. Falta de autorização

a) Como já se referiu, a autorização pode ser exigida:


− À própria parte; por exemplo, só pode estar em juízo autorizado pelo seu curador
(16.º/1);
− Ao representante da parte; por exemplo, os progenitores carecem de autorização
judicial para a acção de divisão de coisa comum ou para requerer a liquidação e
partilha de patrimónios sociais (1889.º, n.º 1, al. n), CC).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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b) A falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei, no lado passivo, só


pode constituir a falta de pressuposto de actos processuais e não a falta de um pressuposto
processual. Assim, se, depois de o representante ter sido notificado para obter a autorização ou
deliberação (29.º, n.º 1), a falta não for sanada, o processo segue como se o réu não tivesse
deduzido oposição (29.º, n.º 2 2.ª parte).
Quanto à parte activa, a lei impõe uma distinção entre o caso da falta de autorização exigida
ao tutor, ao administrador de bens ou ao curador e as restantes hipóteses:
− O 1940.º, n.º 3, CC dispõe que, se o tutor do menor intentar alguma acção sem ter
obtido a necessária autorização judicial, deve o tribunal ordenar oficiosamente a
suspensão da instância, depois da citação, até que seja concedida a autorização
necessária; assim, ainda que seja patente a falta de autorização do tutor, o tribunal
deve mandar citar o réu e só depois suspender a instância;
− Fora deste caso, o tribunal fixa o prazo dentro do qual o representante ou a parte deve
obter a autorização ou deliberação (29.º, n.º 1); se essa autorização ou deliberação
não for obtida, o réu é absolvido da instância (29.º, n.º 2 1.ª parte, 577.º, al. d), e 278.º,
n.º 1, al. c)).

2.5. Extensão do regime

3. Cessação da incapacidade
Dado que o ex-menor, atingida a maioridade, pode pedir a anulação dos actos que praticou
enquanto menor (125.º, n.º 1, al. b), CC), parece que, quando se dê no processo pelo vício, o
incapaz deva ser notificado para tomar uma das atitudes que, nos termos do 28.º, n.º 2, cabe ao
seu representante.
Parece, no entanto, mais curial considerar a prática de qualquer acto no processo
posteriormente à maioridade ou emancipação, sem reserva, como significando a ratificação tácita
de tudo quanto irregularmente foi praticado.

§ 24.º Patrocínio judiciário obrigatório

I. Enquadramento geral
1. Patrocínio judiciário
O patrocínio judiciário é a representação das partes por profissionais do foro (advogados,
candidatos à advocacia ou solicitadores) na condução e orientação técnico-jurídica do processo,
mediante a prática dos actos processuais adequados. O patrocínio judiciário é um direito
constitucionalmente garantido (20.º, n.º 2, CRP; 26.º, n.º 2, LOSJ).
São duas as razões justificativas da necessidade da representação da parte por um
profissional forense. De um lado, uma razão técnica: a não ser quando elas próprias sejam
licenciadas em Direito e práticas em assuntos forenses, as partes carecem de preparação, de
conhecimentos para saberem conduzir a prossecução dos seus interesses em juízo. Por outro
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/148

lado, uma razão psicológica: as partes não têm, em regra, a serenidade suficiente para ajuizarem
objectivamente das situações e ponderarem com inteira racionalidade os seus direitos e deveres.
Por estes motivos se permite – e se impõe até, por vezes – o patrocínio judiciário, que o art. 208.º
CRP qualifica como um elemento essencial à administração da justiça.

2. Mandato judicial
O patrocínio judiciário representa o exercício de poderes de representação em qualquer
tribunal – os chamados poderes forenses –, ao conjunto dos quais se chama mandato judicial. A
expressão “mandato judicial” pode ter ainda um outro sentido. Na grande maioria dos casos, o
patrocínio judiciário é uma representação voluntária, que deriva de um contrato a que pode
chamar-se igualmente mandato judicial (1157.º CC).

II. Exercício do mandato judicial


1. Generalidades
1.1. Habilitação profissional

Apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e os


solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores podem praticar os actos próprios dos
advogados e dos solicitadores; entre esses actos inclui-se o exercício do mandato forense. Esta
regra justifica duas observações:
− Isto é exacto ainda quando o patrocínio não seja obrigatório e a parte possa, por
conseguinte, pleitear por si; o patrocínio forense é admissível em qualquer processo
(12.º, n.º 1, LOSJ), pelo que, a fazer-se representar em juízo, mesmo assim a parte só
pode ser representada através de alguma das categorias de entidades referidas (42.º);
− Uma pessoa pode passar procuração a outra qualquer para a representar em juízo;
somente, se esta não for advogado, candidato à advocacia, ou solicitador, os seus
poderes cifram-se em constituir um destes como representante do seu mandante.

2. Advogados
2.1. Generalidades

a) Os advogados são profissionais do foro, dotados de competência para exercer, em


princípio, plenamente, o mandato judicial e outras funções de carácter técnico-jurídico que
compõem a advocacia. Têm de ser licenciados em direito, exigindo a lei terem-se inscrito, após
um estágio, na Ordem dos Advogados, sendo crime (de procuradoria ilícita) o exercício da
advocacia fora destas condições legais.
Há a registar as seguintes excepções:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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− Os magistrados judiciais podem advogar em causa própria, do seu cônjuge ou


descendente (19.º EMJ); o mesmo vale para os juízes da jurisdição administrativa (art.
57.º ETAF) e para os magistrados do MP (art. 93.º EMP);
− O patrocínio judiciário dos membros do Governo, quando demandados em virtude do
exercício das suas funções, pode ser assegurado pelos consultores do Centro Jurídico
(CEJUR) da Presidência do Conselho de Ministros e o dos membros do Governo, dos
directores-gerais, dos secretários-gerais, dos inspectores-gerais e dos encarregados
de missão pelos serviços jurídicos dos respectivos ministérios.

3. Advogados estagiários
3.1. Generalidades

Para se ser advogado é necessária a licenciatura em Direito e um estágio. Durante esse


estágio, o estagiário está na categoria de advogado estagiário e, nessa categoria, inscrito na Ordem
dos Advogados (187.º EOA). O estágio é em regra de dois anos (art. 188.º, n.º 1, EOA) e feito sob a
direcção de advogado com, pelo menos, cinco de exercício efectivo de profissão (art. 185.º, n.º 2,
EOA), o qual toma o nome de patrono do estagiário (185.º, n.º 1, EOA).

3.2. Competência

O advogado estagiário pode, sempre sob orientação do patrono, praticar todos os actos da
competência dos solicitadores, exercer a advocacia em processos da competência dos tribunais de
menores e em processos de divórcio por mútuo consentimento e exercer a consulta jurídica (189.º,
n.º 1, EOA). Além disso, o advogado estagiário pode praticar quaisquer actos de advocacia quando
acompanhado de advogado que assegure a tutela do seu tirocínio (art. 189.º, n.º 2, EOA).

4. Solicitadores
4.1. Generalidades

Os solicitadores são licenciados em direito ou bacharéis em solicitadoria, inscritos na Câmara


dos Solicitadores. Constitui crime de procuradoria ilícita o exercício da solicitadoria por alguém que não
esteja inscrito na Câmara dos Solicitadores.
Os solicitadores podem constituir ou participar em sociedades com o objecto exclusivo do
exercício da solicitadoria. Às sociedades de solicitadores é aplicável o regime estabelecido para as
sociedades de advogados.

4.2. Competência

Os solicitadores podem exercer o mandato judicial nos tribunais de 1.ª instância em causas
em que não seja obrigatória a constituição de advogado (42.º; 40.º, n.º 1, e 58) e podem fazer, em
qualquer processo, requerimentos em que não se levantem questões de direito (art. 40.º, n.º 2).

III. Atribuição do mandato judicial


1. Generalidades
Os advogados, os advogados estagiários e os solicitadores só podem representar as partes,
em princípio, desde que tenham sido investidos no poder de o fazer, por um dos modos previstos
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/150

na lei e tendo-se respeitado as formalidades por ela prescritas. Em princípio, porque, em casos de
urgência, o patrocínio judiciário pode ser exercido como gestão de negócios (49.º, n.º 1), embora
sempre por pessoas com a devida habilitação.
Normalmente, porém, a representação forense resulta de atribuição prévia dos respectivos
poderes através do mandato judicial. Entre as formas de conferir o mandato judicial, há que
estabelecer uma primeira classificação, distinguindo as duas seguintes grandes categorias:
− Nomeação do mandatário pela própria parte representada (ou representante legal);
− Nomeação do mandatário por outra entidade.

2. Forma de atribuição
2.1. Generalidades

a) A parte representada, mandante ou constituinte (ou o seu representante legal), pode


conferir o mandato judicial pelas seguintes formas:
− Instrumento público avulso (art. 43.º, al. a));
− Documento particular (art. 43.º, al. a));
− Declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo
(art. 43.º, al. b));
− Requerimento, no caso dos assistentes técnicos (art. 50.º, n.º 2).
Ao documento donde consta o mandato chama-se procuração.

b) Em direito processual civil, como em teoria geral do direito privado, há que distinguir entre
o contrato de mandato e o acto (unilateral) de procuração:
− O contrato de mandato pode traduzir-se num mandato sem representação ou com
representação (1157.º e 1180.º CC); a segunda é a única em que se insere o mandato
judicial;
− A procuração é um acto unilateral, pelo qual a parte confere poderes de
representação; desde o momento, em que é passada em seu favor procuração, o
mandatário pode praticar actos judiciais em nome do representado; se a procuração
for junta a certo processo, pode praticar tais actos nesse processo.
Se a procuração não representar, porém, o desenvolvimento de um contrato de mandato,
implicando, portanto, o consentimento do mandatário, não envolve para ele o dever de usar dos
poderes que lhe são conferidos.

2.2. Escolha do mandatário

Há casos em que a escolha e investidura do mandatário não são feitas pela própria parte
que vai ser por ele representada, mas por outrem. Importa considerar os seguintes casos:
− Nomeação pela Ordem dos Advogados;
− Nomeação oficiosa pelo juiz;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/151

O mandatário é nomeado pela Ordem dos Advogados se tiver sido concedida à parte apoio
judiciário na modalidade de nomeação de patrono (30.º, n.º 1, LADT; 16.º, n.º 1, al. b) e d), LADT),
se tal for solicitado pelo juiz da causa (641, n.º 3) ou se a parte não encontrar na circunscrição
judicial quem aceite voluntariamente o seu patrocínio (51.º, n.º 1).
O juiz nomeia ou pode nomear advogado a uma das partes em várias hipóteses,
nomeadamente em casos de urgência (51.º, n.º 3) e ainda noutros casos (275.º, n.º 1, e 420.º/2).

3. Apoio judiciário
Segundo o 20.º, n.º 1, CRP, a todos é assegurado o acesso aos tribunais para a defesa dos
seus direitos e interesses legalmente protegidos. O instituto do apoio judiciário visa garantir, na
prática, o acesso aos tribunais aos economicamente carenciados, através, nomeadamente, da
nomeação e pagamento, total ou faseado, de patrono (16.º, n.º 1, al. b) e e), LADT), do
pagamento, total ou faseado, de defensor oficioso (16.º, n.º 1, al. c) e f), LADT).

4. Extinção do mandato
O mandato judicial pode ser revogado pelo mandante e o mandatário pode renunciar ao
mandato (47.º, n.º 1). Assim, apesar do mandato ser em regra oneroso, não se aplica o 1170.º, n.º
2, CC: o mandato judicial pode ser revogado pelo mandante, mesmo sem o consentimento.

IV. Extensão do mandato judicial


1. Extensão normal
Segundo o 44.º, n.º 1, o mandato conferido pela parte atribui poderes ao mandatário para a
representar em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, mesmo
perante os tribunais superiores, sem prejuízo, porém, das disposições que exijam a outorga de
poderes especiais por parte do mandante (45.º, n.º 1). Nos poderes que a lei presume conferidos
ao mandatário está igualmente incluído o de substabelecer o mandato (44.º, n.º 2), ou seja,
investir uma outra pessoa, igualmente para tal habilitada, nos poderes de representação forense
da parte e no dever de os exercer, quer com exclusão do primeiro mandatário (substabele cimento
sem reserva: art. 44.º, n.º 3), quer conjuntamente com o primeiro mandatário, que permanece
vinculado (com reserva). O substabelecimento sem reserva envolve uma revogação do mandato
(44.º, n.º 3), que deve ser notificada ao mandante e à contraparte (47.º, n.º 1).

2. Extensão especial
a) Uma restrição importante à normal extensão do mandato judicial é a que se encontra
referida no 45.º, n.º 2: os mandatários judiciais só podem confessar o pedido, transigir sobre o seu
objecto e desistir do pedido ou da instância quando estejam munidos de procuração que os
autorize expressamente a praticar qualquer desses actos (283.º).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/152

V. Obrigatoriedade do patrocínio
1. Generalidades
Em certos casos, a lei impõe que a parte – se não puder litigar em nome próprio – se faça
assistir por advogado.
A este propósito convém deixar as seguintes observações:
− Nos demais casos, a constituição de advogado não é proibida, só que não é imposta;
− Nunca é obrigatória constituição doutro mandatário judicial (estagiário ou solicitador).
A enumeração dos casos de patrocínio judiciário obrigatório é diferente para o processo em
geral, designadamente, para o processo declarativo, e para o processo executivo (40.º/1, e 58.º).

2. Exigência legal
Para o processo em geral, designadamente para o declarativo, rege fundamentalmente o
40.º, n.º 1, que determina que a constituição de advogado é obrigatória:
− Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso
ordinário (40.º, n.º 1, al. a) - nas causas com valor superior a € 5000 (44.º/1, LOSJ);
− Nas causas em que seja sempre admissível recurso ordinário, independentemente do
valor da causa (40.º, n.º 1, al. b)); assim, esse recurso é sempre admissível nas
situações previstas no 629.º, n.º 3, al. a);
− Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores (40.º, n.º 1, al. c)).
As partes podem pleitear por si ou fazerem-se representar por estagiário ou solicitador nos
restantes casos (42.º). É o que sucede designadamente nas causas em que, atendendo ao valor
da causa, não seja admissível recurso ordinário.

3. Actos pessoais
Pode perguntar-se se a obrigatoriedade do patrocínio envolve a prática de todo e qualquer
acto das partes. Parece dever responder-se negativamente quanto a actos iminentemente
pessoais das partes, designadamente quanto aos negócios processuais que extinguem, total ou
parcialmente, a instância (confissão e a desistência do pedido, a desistência da instância e a
transacção: 283.º e 286.º). Aliás, não faz sentido que a parte tenha de conceder poderes especiais
ao seu mandatário para confessar a acção, transigir sobre o seu objecto e desistir do pedido ou da
instância (45.º, n.º 2), mas não possa praticar ela própria esses actos em juízo.

VI. Vício do patrocínio


1. Generalidades
Quanto ao patrocínio judiciário, podem verificar-se fundamentalmente dois vícios:
− Não haver advogado constituído, em caso de patrocínio judiciário obrigatório (41.º;
577.º, al. h));
− Haver mandatário judicial meramente aparente, por não ter mandato validamente
conferido ou cuja extensão justifique a sua acção, nem agir como gestor de negócios
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/153

(48.º); são os casos a que a lei chama de falta, insuficiência ou irregularidade do


mandato judicial (48.º e 577.º, al. h)).

2. Arguição dos vícios


Os art. 41.º e 48.º permitem que o réu invoque a falta de constituição de advogado pelo
autor e a falta, insuficiência ou irregularidade do mandato concedido por essa mesma parte.

3. Sanação dos vícios


Os vícios que afectam o patrocínio judiciário podem sanar-se. Logo que por eles se dê, em
qualquer altura do processo, o juiz deverá marcar um prazo para suprir a falta (art. 6.º, n.º 2):
− No caso de o vício consistir na falta de advogado em causas de patrocínio obrigatório,
a necessidade de suprir a falta e o prazo em que tal deve ser feito serão notificados à
própria parte, e a forma de sanação consiste simplesmente na constituição de
advogado (41.º);
− No caso de o vício consistir na falta, insuficiência ou irregularidade do mandato do
mandatário que intervém no processo ou em algum acto dele, parece que a
necessidade de suprir a falta e o prazo marcado pelo juiz nos termos do 48.º/2,
deverão ser notificadas quer à parte, quer ao mandatário aparente; a forma de
sanação consiste tanto no suprimento da falta ou insuficiência do mandato ou na
correcção do vício que ele apresenta, como na ratificação pela parte do processado
indevidamente.

4. Efeitos dos vícios


Os efeitos de cada um dos referidos vícios – quando não sanados – são os seguintes:
− Quando se verifiquem em relação à petição inicial, não pode haver indeferimento
liminar da petição inicial, porque nenhum desses vícios constitui uma excepção
dilatória insuprível (590.º, n.º 1); assim, o juiz deve ordenar a notificação da parte para
constituir mandatário (41.º) ou da parte e do mandatário para suprir a falta ou corrigir o
vício (48.º, n.º 2); se o vício não for sanado, o réu é absolvido da instância (41.º, 577.º,
al. h)); o regular patrocínio judiciário quanto à demanda é um pressuposto processual;
− Quando se verifiquem em relação a qualquer outro acto ou actuação de uma parte
(qualquer acto do réu ou qualquer acto do autor que não a demanda), esses vícios
determinam a ineficácia desse acto ou actuação (41.º e 48.º, n.º 2); o regular
patrocínio judiciário quanto a qualquer outro acto de parte, que não a demanda, é
pressuposto apenas desse acto; por exemplo: se, num processo ordinário, o réu
contestar por si, é como se não contestasse, se o autor replicar pessoalmente, é como
se não replicasse.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/154

§ 25.º Legitimidade singular

I. Generalidades
1. Noção
A legitimidade processual é a possibilidade de estar em juízo quanto a um certo objecto.
Mais em concreto, a legitimidade ad causam é a faculdade de demandar (legitimidade activa) e a
sujeição a ser demandado (legitimidade passiva) quanto a um determinado objecto.
2. Justificação
A legitimidade processual destina-se a assegurar que estão em juízo, como autor e como
réu, sujeitos que têm uma relação com esse objecto.

3. Modalidades
3.1. Enunciado

− A legitimidade directa é aquela que é reconhecida ao titular da situação subjectiva ou


a alguém que tem interesse em discutir com ele a titularidade dessa situação; a
legitimidade directa visa assegurar que estão em juízo os sujeitos que são titulares da
situação subjectiva litigiosa;
− A legitimidade indirecta é aquela que é concedida a alguém que se substitui ao titular
do objecto do processo; visa definir as condições em que um sujeito que não é o titular
da situação subjectiva pode litigar, em nome próprio, sobre esta.
Esta legitimidade indirecta, que é habitualmente designada por substituição processual,
assenta necessariamente numa regra que impõe ou permite a substituição do titular do direito ou
que permite que as partes convencionem esta substituição. Neste último caso, fala-se de
substituição processual voluntária.

3.2. Atribuição

Genericamente, pode dizer-se que a legitimidade pode pertencer quer a quem é o alegado
titular da situação subjectiva alegada em juízo (legitimidade directa), quer a quem, apesar de não
ser esse titular, está autorizado, por lei ou acto negocial, a estar em juízo como parte (legitimidade
indirecta).
− Em regra, quem é o alegado titular do objecto do processo tem legitimidade
processual; apenas em casos excepcionais o alegado titular do objecto do processo
não tem legitimidade processual;
− Em regra, quem não é o alegado titular do objecto do processo não tem legitimidade
processual; somente em casos excepcionais quem não é titular do objecto do
processo tem legitimidade processual.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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II. Substituição processual


1. Fundamento
1.1. Fundamento legal

a) A substituição processual verifica-se nas situações em que a parte legitimada não é o


titular do objecto do processo, ou seja, nas hipóteses em que alguém faz valer em juízo, em nome
próprio, um direito alheio. A sua cobertura legal encontra-se no 30.º, n.º 3, preceito que admite que
a legitimidade possa ser reconhecida a quem não seja o titular do objeto da ação. A parte
legitimada que não é titular desse objecto é o substituto processual; o titular é a parte substituída.
A ressalva feita no 30.º, n.º 3, aponta para uma necessária previsão legal da substituição
processual. O motivo pelo qual a lei permite a actuação do substituto, pode ser variado: o
substituto pode intervir porque é contitular do direito litigado (512.º, n.º 1, e 1405.º, n.º 2, CC),
porque tem poderes de administração ou de disposição sobre o património pertencente a um
terceiro (81.º, n.º 1, CIRE) ou porque é transmitente ou cedente da coisa litigada (263.º, n.º 1).

b) A substituição que decorre da transmissão ou cessão da coisa litigada é uma substituição


legal, dado que é por força da lei – 263.º, n.º 1 – que o transmitente continua a ter legitimidade
para a acção, agora como substituto processual do transmissário. No entanto, a circunstância de
essa substituição ter na sua base um acto negocial de transmissão ou cessão justifica o
estabelecido no 356.º, n.º 1, al. a): se for requerida a habitação do adquirente ou cessionário na
acção pelo substituto processual, a parte contrária pode opor-se a essa habilitação – e,
indirectamente, à própria transmissão ou cessão – com o argumento de que essa transmissão ou
cessão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo. No fundo, o que se permite é
que essa contraparte alegue que o substituto processual agiu como litigante de má fé, tendo
utilizado os mecanismos processuais da substituição processual e da habilitação para fazer um
uso manifestamente reprovável do processo (542.º, n.º 2, al. d)).

1.2. Fundamento negocial

a) A substituição processual também pode ser voluntária, isto é, também pode ter por
fundamento um acto processual de carácter negocial: dado que, apesar de a autorização
concedida pelo titular da situação jurídica ser regida pelo direito substantivo, os seus efeitos
essenciais se produzem em processo, a concessão de legitimidade ao terceiro não pode deixar de
ser um acto processual. Por exemplo: um dos cônjuges pode autorizar o outro a propor uma acção
relativa a um bem comum (34.º, n.º 1) e pode conceder mandato ao outro cônjuge para administrar
os seus bens próprios (1678.º, n.º 2, al. g), CC).
A substituição processual voluntária só pode verificar-se quanto à parte activa e, porque,
com excepção da transmissão ou cessão do direito litigioso na pendência da causa (263.º, n.º 1),
não é admissível a substituição voluntária de uma parte por outra, essa substituição só é eficaz se
for autorizada antes da propositura da acção. De molde a assegurar que a parte contrária não é
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/156

prejudicada com a substituição do titular do direito, a substituição processual voluntária só é


admissível quando a lei a preveja.

b) Se a substituição for revogada pela parte substituída durante a pendência da causa, há


que proceder à habilitação desta parte: aplicação analógica do 356.º, n.º 1.

2. Tipologia
2.1. Representativa vs. não representativa

A substituição representativa é aquela em que o substituto processual defende,


primordialmente, interesses alheios.
Como exemplos de substituição representativa podem invocar-se a legitimidade do
administrador da insolvência para ser parte em substituição do insolvente (85.º, n.º 3, CIRE), a
legitimidade do cônjuge sobrevivo ou de qualquer ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do
ofendido nos seus direitos de personalidade ou no seu bom nome para requerer as providências
adequadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos de ofensa já cometida (71.º,
n.º 2 e 3, e 73.º CC), a legitimidade de cada um dos credores ou devedores solidários para
demandar ou ser demandado (512.º, n.º 1, CC), a legitimidade do administrador do prédio no
regime de propriedade horizontal para demandar, em execução das suas funções, qualquer dos
condóminos ou um terceiro e para ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do
edifício (1437.º, n.º 1 e 2, CC), a legitimidade do cônjuge ou dos descendentes do filho para a
propositura das acções de reconhecimento da maternidade e da paternidade (1818.º e 1873.º CC),
a legitimidade passiva do cônjuge sobrevivo, descendentes, ascendentes e irmãos para essas
mesmas acções (1819.º, n.º 1, e 1873.º CC), a legitimidade da mãe do menor para intentar, em
representação do filho, a acção de reconhecimento da paternidade (1870.º CC).

A substituição não representativa é aquela em que o substituto processual age na defesa,


ainda que não exclusiva, de interesses próprios.
Podem referir-se, como exemplos de substituição não representativa, a legitimidade dos
herdeiros do doador para a acção de revogação, por ingratidão, da doação (976.º, n.º 3, CC), a
legitimidade dos parentes, herdeiros ou adoptantes dos cônjuges para a acção de anulação do
casamento (1639.º, n.º 1, CC), a legitimidade de quem tiver um interesse moral ou patrimonial na
procedência da acção de impugnação da maternidade (1807.º CC) ou da perfilhação (1859.º, n.º 2,
CC), a legitimidade do cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e dos descendentes
do filho para instaurar ou prosseguir a acção de reconhecimento da maternidade (1818.º CC), a
legitimidade do cônjuge do presumido pai, dos descendentes e ascendentes da mãe, do cônjuge do
filho e dos seus descendentes para a acção de impugnação da paternidade (1844.º, n.º 1, CC), e
ainda a legitimidade dos descendentes e ascendentes do perfilhante e de todos os que mostrem ter
sido prejudicados nos seus direitos sucessórios por efeito da perfilhação para a propositura ou
prossecução da acção de anulação da perfilhação (1862.º CC).

2.2. Própria vs. imprópria

A substituição processual também pode ser própria ou imprópria. A substituição própria é


aquela em que o substituto processual pode estar em juízo sem a presença simultânea do titular
(ou demais titulares) do direito litigioso. A generalidade das situações.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/157

São exemplos de substituição processual própria a legitimidade do transmitente do direito ou


da coisa litigiosa (substituto processual) enquanto o adquirente (parte substituída) não intervier na
acção (263.º, n.º 1), a legitimidade de cada um dos credores ou devedores solidários para
demandar ou ser demandado (512.º, n.º 1, CC), a legitimidade de cada um dos credores para exigir
por inteiro a prestação indivisível (538.º, n.º 1, CC), a legitimidade de cada um dos
comproprietários ou compossuidores para reivindicar ou defender a posse da coisa comum (1405.º,
n.º 2, e 1286.º, n.º 1, CC), a legitimidade de cada um dos herdeiros para pedir a totalidade dos
bens da herança em poder de terceiro (2078.º, n.º 1, CC), a legitimidade do cônjuge não
administrador para propor acções relativas a providências de administração dos bens do casal
(1679.º CC).

A imprópria exige a presença simultânea do substituto processual e do substituído.


Por exemplo: a sub-rogação judicial requer a citação do devedor (608.º CC), o que significa
que a acção sub-rogatória deve ser proposta não só contra o devedor do devedor do autor, mas
também contra este último devedor, que é a parte substituída; a acção de responsabilidade
proposta, a favor da sociedade, pelos sócios contra os gerentes, administradores ou directores da
sociedade requer a presença da própria sociedade (77.º, n.º 1 e 4, CSC).

3. Efeitos
Um dos efeitos típicos da substituição processual é a extensão à parte substituída do caso
julgado formado na acção em que intervém o substituto processual.
Perante a morte deste substituto deve habilitar-se a ocupar a sua posição como parte, não
os seus herdeiros, mas a substituída. A esta habilitação haplica-se, por analogia, os 351º - 354º

III. Legitimidade directa


Esta legitimidade deve ser apreciada em função de dois elementos:
− O interesse em demandar e em contradizer, ou seja, o interesse na obtenção duma
tutela favorável através duma decisão de procedência ou improcedência da acção; a
faculdade em que se traduz a legitimidade activa tem por base um interesse em
demandar e a sujeição que decorre da passiva assenta num interesse em contradizer;
− O poder de produção, pela parte, dos efeitos que podem decorrer da decisão de
procedência ou improcedência da ação; isto significa que, para ser parte legítima, não
basta ter interesse em demandar ou em contradizer, pois que é ainda necessário que
a parte, activa ou passiva, possa produzir os efeitos substantivos que decorrem da
procedência ou improcedência da acção.
Aquele interesse em demandar e em contradizer é o elemento processual da legitimatio ad
causam e este poder de produção de efeitos jurídicos constitui o elemento material da legitimidade
processual. Ambos estes elementos são necessários para determinar quem é titular da faculdade
que assegura a legitimidade processual.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/158

IV. Elemento processual


1. Delimitação positiva
1.1. Caracterização

Dado que o direito subjectivo representa uma posição de vantagem para o seu titular e
porque esse direito pode ser tutelado através dos tribunais, o titular de um direito subjectivo é
igualmente o titular do interesse em demandar e em contradizer. Sempre que aquele direito seja
violado, sempre que sobre ele exista uma situação de incerteza ou ainda sempre que ele só possa
ser exercido através dos tribunais, coloca-se o problema de saber quem pode reagir contra essa
violação ou incerteza ou quem pode exercer o direito. A resposta é intuitiva: esse interesse em
demandar e em contradizer cabe, em primeira linha, ao próprio titular activo e passivo do direito.
A coincidência entre a titularidade do direito subjectivo e a titularidade do interesse em
demandar e em contradizer é o critério utilizado no 30.º, n.º 1, para aferir a legitimidade singular: o
autor é parte legítima quando tiver interesse directo em demandar e o réu possui legitimidade
quando tiver interesse direto em contradizer. O 30.º/3, concretiza a aferição da legitimidade
singular através da titularidade desses interesses, afirmando que são partes legítimas os titulares
da relação material controvertida. Em conclusão: os (alegados) titulares do direito possuem um
interesse em demandar e em contradizer que decorre da titularidade do direito e são, por isso,
partes legítimas numa acção cujo objecto seja esse mesmo direito.

1.2. Aferição

a) O interesse em demandar e em contradizer é o interesse em alcançar uma tutela


jurisdicional favorável, pelo que o autor é parte legítima se for a parte que tem interesse em obter
uma decisão de procedência e o réu é parte legítima se for a parte interessada em conseguir uma
decisão de improcedência. A função do interesse em demandar e em contradizer é, assim, o de
determinar as partes legítimas, o que é realizado de modo diferente quanto a um titular, activo ou
passivo, do direito subjectivo e quanto a alguém que não é titular de nenhum direito subjectivo:
− Se a parte for titular, activo ou passivo, do direito litigioso, essa titularidade é suficiente
para lhe atribuir interesse em demandar e em contradizer;
− Se a parte não for titular de um direito subjectivo (porque o objecto da acção não é um
direito subjectivo, ou porque se trata de uma parte demandada numa acção cujo
objecto é um direito real), só por um critério diferente daquele que respeita à
titularidade do direito pode ser aferido o seu interesse na tutela.

b) O critério de aferição da legitimidade é o interesse em demandar e em contradizer


referido no 30.º, n.º 1, pois que é pelo interesse em obter a procedência ou improcedência da
acção que se pode determinar a parte que pode demandar ou que pode ser demandada. Um
exemplo típico do reconhecimento pela lei de um interesse na tutela que não coincide com
qualquer direito subjectivo é aquele pelo qual se afere a legitimidade para pedir a declaração de
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/159

nulidade ou a anulação de um negócio ou acto jurídico: a legitimidade para instaurar esta acção
pertence a qualquer interessado (286.º e 287.º, n.º 1, CC), o que significa que é parte legítima
quem tiver interesse na procedência da acção, ou seja, quem retirar alguma vantagem da decisão
que reconhece a invalidade do negócio ou do acto jurídico.
A legitimidade do possuidor ou detentor para ser demandado numa acção de reivindicação
(1311.º, n.º 1, CC) também constitui exemplo de uma situação em que a legitimidade é atribuída
em função do interesse em contradizer. O possuidor ou detentor tem interesse em continuar na
posse ou detenção da coisa, pelo que é ele que tem interesse em discutir com o autor a
propriedade da coisa e em obter uma decisão de improcedência numa acção de reivindicação
proposta pelo proprietário.
1.3. Autonomia

O interesse em demandar e o interesse em contradizer aludidos no 30.º, n.º 1, são


interesses independentes entre si, porque cada uma das partes possui um interesse próprio numa
tutela favorável (para o autor, a procedência da acção e, para o réu, a improcedência). O interesse
directo em demandar e o interesse directo em contradizer são aferidos separadamente para cada
uma das partes da acção, pelo que, mesmo quando o autor seja parte legítima por lhe pertencer
um interesse em demandar, isso nada assegura quanto ao interesse em contradizer e à
legitimidade do réu. Os interesses em demandar e em contradizer referidos no 30.º, n.º 1, são
aferidos com total autonomia entre si, o que justifica que a legitimidade de uma das partes nada
implique quanto à da outra.

2. Delimitação negativa
2.1. Generalidades

O interesse em demandar e em contradizer não deve ser confundido com o interesse


processual ou interesse em agir.

2.2. Interesse processual

A parte possui um interesse em demandar e em contradizer sempre que tenha um direito


que deva ser defendido ou acautelado, mas o interesse processual ou interesse em agir só existe
quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida. Pode suceder que a
parte tenha interesse em demandar, porque é titular de um direito não satisfeito ou não realizado,
mas não tenha interesse em utilizar determinado meio processual, porque a tutela pretendida não
lhe atribui nenhuma utilidade e ela não pode extrair daquela tutela nenhuma vantagem para a
satisfação ou a realização do seu direito. Por exemplo: o proprietário de um terreno tem interesse
em obter o reconhecimento do seu direito de propriedade e, por isso, tem um interesse em
demandar, mas não tem interesse para instaurar uma acção de simples apreciação (10.º, n.º 2 e 3,
al. a)) se não tiver sido criada uma situação de incerteza objectiva sobre o seu direito.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/160

3. Análise do direito positivo


3.1. Generalidades

O 30.º, n.º 1, afere a legitimidade das partes através de um interesse directo em demandar
ou em contradizer, pelo que o que conta para a aferição desses interesses é a relação entre a
parte e o objecto litigioso. Dito de outro modo: o que o 30.º, n.º 1, estabelece é que tem interesse
em demandar e contradizer quem for o titular, activo e passivo, do objecto do processo.
O mesmo não pode ser dito dos interesses em demandar e em contradizer definidos no
30.º, n.º 2: estes interesses exprimem-se pela utilidade decorrente para o autor da procedência da
acção e pelo prejuízo sofrido pelo réu com essa mesma procedência. Não se trata, pois, de um
interesse decorrente da titularidade do direito, mas de um interesse que é aferido pela
necessidade e utilidade da tutela jurisdicional. Os interesses em demandar e em contradizer do
30.º, n.º 2, são aferidos pela utilidade ou prejuízo que uma decisão de procedência importa,
respectivamente, para a parte activa e para a parte passiva.
Esta avaliação pressupõe uma comparação das situações que existem antes e depois da
concessão daquela tutela jurisdicional. Assim, o autor tem interesse em demandar quando,
relativamente à situação em que se encontra antes do processo, aquela tutela lhe atribuir uma
vantagem e o réu tem interesse em contradizer quando aquela tutela representar uma
desvantagem. Por isso, no 30.º, n.º 2, o autor não tem interesse em demandar e o réu não possui
interesse em contradizer quando a tutela jurisdicional não conceder nenhuma vantagem ao autor
ou não implicar nenhuma desvantagem para o réu. Pode assim concluir-se que o interesse em
demandar e em contradizer referidos no 30.º, n.º 2, não correspondem ao interesse em demandar
e em contradizer subjacente à legitimidade processual, mas ao interesse processual ou em agir.

3.2. Concretização

A demonstração de que os interesses em demandar e em contradizer referidos no 30.º, n.º


1, nada têm em comum com os homónimos interesses definidos no 30.º, n.º 2, pode ser realizada
através de um exemplo. Considere-se o titular de um direito de propriedade; este sujeito possui
um interesse em demandar e, por isso, é parte legítima, porque é titular do objecto do processo;
no entanto, não lhe pode ser reconhecido o interesse em demandar, traduzido na utilidade
decorrente da procedência de uma acção de simples apreciação, se não tiver sido criada uma
situação de incerteza objectiva sobre o seu direito e se essa acção não se destinar a dissipar as
dúvidas sobre a titularidade do direito de propriedade. Aquele proprietário é parte legítima segundo
o 30.º, n.º 1, mas falta-lhe, segundo o 30.º, n.º 2, o necessário interesse processual para a acção.
A distinção entre o interesse em demandar e em contradizer referidos no 30.º, n.º 1, e os
homónimos interesses definidos no n.º 2, reflecte a diferença entre a legitimidade e o interesse:
− A legitimidade processual (30.º, n.º 1) afere se estão em juízo as partes que têm
interesse em obter a tutela jurisdicional; a legitimidade visa evitar que estejam em
juízo partes estranhas ao objecto da acção;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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− O interesse processual (30.º, n.º 2) avalia a utilidade dessa tutela jurisdicional, isto é,
averigua se esta tutela implica alguma vantagem para o autor e alguma correlativa
desvantagem para o réu; o interesse processual destina-se a evitar acções inúteis.

V. Elemento material
1. Generalidades
O interesse em demandar e em contradizer não é suficiente para atribuir legitimidade a uma
parte. É ainda indispensável que esta parte possa produzir todos os efeitos materiais que podem
resultar da decisão de procedência ou de improcedência que é solicitada ao tribunal.

2. Concretização
2.1. Legitimidade activa

A procedência da acção produz para o autor um efeito semelhante à aquisição do direito


litigioso, assim como a sua improcedência realiza para essa parte um efeito equivalente à
disposição desse direito. Relativamente a uma parte que é titular do direito controvertido não se
coloca o problema de determinar a quem pertence o direito reconhecido, mas importa averiguar se
o autor da acção é o sujeito que tem poderes de disposição sobre ele.
Em regra, o titular pode dispor do seu direito, mas, em certos casos, a titularidade não é
acompanhada de um correspondente poder de disposição. Assim, a legitimidade tem de ser
aferida não apenas pelo interesse em demandar e em contradizer que resulta da titularidade do
direito, mas também, sempre que a acção incida sobre um direito que está na disponibilidade do
seu titular, pelo poder de disposição da parte sobre o direito litigioso. Deste modo, pode suceder
que o titular do direito não possa ser reconhecido como parte legítima por lhe faltar o
correspondente poder de disposição. Exemplo típico é o do litisconsórcio necessário entre os
cônjuges casados numa acção cujo objecto seja um imóvel próprio de um deles: como a sua
alienação carece do consentimento de ambos os cônjuges (1682.º-A, n.º 1, CC), ambos têm de
demandar nessa acção (34.º, n.º 1).
Também são possíveis situações nas quais a legitimidade é atribuída a uma parte que não
possui nenhum poder de disposição sobre o direito litigioso, no âmbito de uma substituição
processual. Assim, por exemplo, cada comproprietário pode reivindicar de um terceiro a coisa
comum (1405.º, n.º 2, CC), apesar de a não poder alienar sozinho (1408.º, n.º 1, CC); o mesmo se
verifica quanto a cada um dos herdeiros: também cada um deles pode pedir a totalidade dos bens
da herança em poder do demandado (2078.º, n.º 1, CC).

2.2. Legitimidade passiva

Para o réu, a improcedência da acção importa um efeito liberatório, porque não é atingido
na sua situação jurídica por qualquer obrigação ou oneração; todavia, a procedência da acção
produz, para o réu, um efeito dispositivo, quando o bem é reconhecido como pertencendo à esfera
jurídica do autor, ou um efeito vinculativo, quando o réu fica adstrito a uma obrigação ou a uma
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/162

mudança na sua situação jurídica. Quando o réu litiga com base num direito ou interesse próprio,
não se coloca nenhum problema quanto à determinação do sujeito que beneficia do efeito
liberatório, mas coloca-se o problema de saber se pode produzir efeitos dispositivo e vinculativo.
Na verdade, a titularidade do direito nem sempre é acompanhada do poder de disposição:
quando assim suceda, o titular, tal como não tem legitimidade para demandar, também não a
possui para ser demandado. Assim apesar de o imóvel ser próprio de um dos cônjuges, estes
devem, em regra, ser demandados numa acção de reivindicação desse imóvel (34.º, n.º 1 e 3),
porque, excepto se entre eles vigorar o regime de separação de bens, a alienação de qualquer
daqueles bens carece do consentimento de ambos os cônjuges (1682.º-A, n.º 1, CC).
Quanto ao efeito vinculativo, ele pode, em regra, ser produzido pelo sujeito que contraiu a
obrigação, pelo que, quando isso suceda, este sujeito tem legitimidade para ser demandado na
respectiva acção de cumprimento. No entanto, a faculdade de vinculação pode não ser suficiente:
pense-se nos casos em que a responsabilidade patrimonial pela satisfação da obrigação não
pertence ao sujeito obrigado, ou seja, nas hipóteses em que não coincidem o sujeito que contraiu
a obrigação e o titular do património responsável pela obrigação. Assim ainda que a dívida tenha
sido contraída por um dos cônjuges, a acção de cobrança deve ser proposta contra ambos se a
dívida for comunicável e se por ela deverem responder bens comuns (1695º/1, CC; 34º/3).

§ 26.º Pluralidade de partes

I. Enquadramento geral
1. Âmbito da análise
Na sua forma mais simples, o processo tem duas partes: demandante e demandado, autor
e réu; pode suceder, porém, que o processo tenha mais de duas partes.
Das considerações subsequentes exclui-se um tipo integrado na categoria da cumulação
subjectiva: o da pluralidade de partes por subordinação, situação que se verifica quando há, em
processo, além das duas partes principais, uma ou mais partes acessórias (326.º, n.º 1, e 328.º,
n.º 1). Ou seja: o que vier a ser dito aplica-se só à pluralidade de partes por coordenação, situação
em que existem mais do que duas partes principais.

2. Litisconsórcio lato sensu


À pluralidade de partes principais dá-se o nome de litisconsórcio.
São seis as classificações de litisconsórcio que se podem apresentar: litisconsórcio e
coligação; inicial e sucessivo; simples (activo, passivo e misto) e recíproco; necessário e
voluntário; parciário e unitário; horizontal e subsidiário.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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II. Modalidades do litisconsórcio


1. Litisconsórcio e coligação
O litisconsórcio é uma pluralidade de partes principais que pode (mas não tem de) coexistir
com uma pluralidade de pedidos. Quer dizer: pelos ou contra os vários litisconsortes pode ser
formulado um único pedido. Exemplo: dois cônjuges podem reivindicar de um terceiro um imóvel.
O problema da distinção entre o litisconsórcio e a coligação só se coloca quando pelos ou
contra os vários litisconsortes são formulados vários pedidos. Neste caso, o que distingue o
litisconsórcio da coligação é quem formula ou contra quem são formulados os pedidos:
− No litisconsórcio (32.º a 35.º e 39.º) pode haver ou não uma pluralidade de pedidos,
mas, quando se verifique esta pluralidade, todos os litisconsortes formulam os
mesmos pedidos ou os mesmos pedidos são formulados contra todos os
litisconsortes;
− Na coligação (36.º a 39.º) há sempre uma pluralidade de pedidos e cada um dos
pedidos é formulado por ou contra partes distintas; exemplo: o autor formula contra o
demandado E o pedido de anulação de um negócio e contra o F o pedido de
indemnização pelos danos resultantes dessa anulação.

2. Litisconsórcio inicial e sucessivo


Há inicial quando se verifica logo desde o início do processo; há sucessivo quando se
verifica só a partir de certo momento da marcha. O litisconsórcio sucessivo resulta de uma
intervenção de terceiros numa ação pendente (311.º, 316.º, e 333.º, n.º 1).

3. Litisconsórcio simples e recíproco


3.1. Caracterização

a) O litisconsórcio é simples quando, aumentando o número de partes, não aumenta o


número de oposições, mantendo-se o processo como bipolar: um ou mais demandantes, de um
lado, opõem-se a um ou mais demandados, do outro.
O litisconsórcio é recíproco quando existe mais do que uma oposição entre as partes e, por
isso, o processo é multipolar. Considere-se a seguinte hipótese: A demanda B, pedindo a
declaração da propriedade de x; mas C considera-se ele proprietário de x; a lei permite-lhe que
deduza um incidente de intervenção de terceiros, regulado nos 333.º a 337.º; por este incidente, o
terceiro opoente coloca-se na posição de opositor quer de A, quer de B; há assim três partes em
oposição todas entre si – existe litisconsórcio recíproco.
Também pode haver litisconsórcio recíproco inicial. Suponha-se que D, E e F são
proprietários de um prédio indiviso, e D quer pôr termo judicialmente à indivisão (1412.º, n.º 1,
CC); proporá contra E e F uma acção de divisão de coisa comum, que segue a forma do processo
especial regulado nos 925.º a 930.º; E e F encontram-se em litisconsórcio recíproco – os seus
interesses, opostos aos de D, são na mesma medida opostos entre si.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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b) O 608.º CC parece impor igualmente uma hipótese de litisconsórcio recíproco. Na acção


sub-rogatória (em que o credor demanda o devedor deste devedor), o devedor, cujos direitos são
exercidos pelo autor-credor, tem de ser chamado a juízo como parte; a sua situação pode ser
oposta quer à do autor, quer à do réu.

4. Litisconsórcio horizontal e subsidiário


No horizontal os litisconsortes estão todos no mesmo plano, no subsidiário há uma parte
principal que deduz ou contra a qual são deduzidos um ou vários pedidos e uma parte subsidiária
que formula ou contra a qual são formulados um ou vários pedidos. O 39.º admite o litisconsórcio
subsidiário quando exista dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida (316.º, n.º 2). É
o que sucede quando o autor desconhece quem tenha sido o autor do facto ilícito.
O 39.º permite que o autor estabeleça uma diferença entre uma parte principal e uma parte
subsidiária. Nada impede que o autor, em vez de indicar uma parte como principal e a outra como
subsidiária, indique ambas as partes em alternativa: esta possibilidade também cabe na situação
de exclusão recíproca de sujeitos que está subjacente ao 39.º. Pode falar-se então de um
litisconsórcio alternativo.

5. Litisconsórcio voluntário e necessário


Dá-se o litisconsórcio voluntário quando existe uma pluralidade de partes principais porque
a lei o permite; dá-se o litisconsórcio necessário quando existe uma pluralidade de partes
principais porque a lei, o contrato fonte da relação controvertida ou o efeito útil da acção o impõe.
O litisconsórcio voluntário é o previsto por regra permissiva, o necessário por regra técnica.
Note-se que a propositura de uma acção em litisconsórcio necessário não é objecto de um dever,
mas de um ónus (por isso fala-se em regra técnica, e não imperativa).
Só há litisconsórcio necessário quando a consequência da violação desse ónus for a
absolvição da instância (ou o indeferimento liminar) por ilegitimidade (33.º, n.º 1; 278.º, n.º 1, al. d),
e 577.º, al. e)), isto é, quando a ausência de uma parte originar a ilegitimidade da parte presente
em juízo. Esta ilegitimidade é, porém, sanável nos seguintes termos:
− Através da intervenção espontânea do terceiro (311.º); esta intervenção pode revestir
a modalidade de intervenção adesiva (313.º, n.º 1) ou autónoma (314.º);
− Através da intervenção do terceiro provocada por qualquer das partes até ao termo da
fase dos articulados (316.º, n.º 1, e 318.º, n.º 1, al. a)); esta intervenção também pode
ser provocada pelo autor até ao trânsito em julgado da decisão que tenha julgado
alguma parte ilegítima por preterição de litisconsórcio necessário (261.º, n.º 1).

5.3. Consequências

Para o litisconsórcio stricto sensu diz o 35.º que a acção em litisconsórcio necessário se
toma sempre como una, em litisconsórcio voluntário sempre como plúrima (há tantas relações
processuais quantos os litisconsortes). Desta regra decorrem as outras diferenças de regime,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/165

como as que constam dos art. 190.º (falta de citação), 288.º (confissão, desistência e transacção)
e 634.º, n.º 1 e 2 (extensão do recurso a compartes), bem como do art. 353.º, n.º 2, CC (confissão
de factos). Assim, quanto ao litisconsórcio necessário, vigora o princípio da interdependência dos
litisconsortes; quanto ao voluntário, o princípio da independência (embora nem sempre respeitado:
cf. art. 528.º, n.º 1 (responsabilidades pelas custas), 568.º, al. a) (revelia inoperante), e 569.º, n.º 2
e 3 (prazo para a apresentação da contestação).
O 35.º refere-se mais às consequências dos actos dos litisconsortes do que a estes
mesmos actos. A regra é a da autonomia de cada um dos litisconsortes, qualquer que seja a
modalidade. Assim, se o litisconsórcio for activo, cada autor pode replicar e recorrer por si; se o
litisconsórcio for passivo, cada réu pode contestar por si, como, aliás, se pode inferir do 569.º/2.

6. Litisconsórcio parciário e unitário


6.1. Caracterização

O litisconsórcio parciário é aquele em que a decisão da causa pode ser distinta para cada
um dos litisconsortes: se dois devedores forem demandados para pagamento de uma dívida, um
deles pode ser condenado e outro absolvido por já ter pago a sua quota. O litisconsórcio unitário é
aquele em que a decisão da causa tem de ser uniforme para todos os litisconsortes. Se for
proposta uma acção de impugnação da paternidade pelo MP (1841.º, n.º 1, CC) – acção que tem
de ser proposta contra a mãe, o filho e o presumido pai (1846.º, n.º 1, CC) –, é claro que a decisão
de procedência ou de improcedência tem de ser uniforme para todos os demandados.
6.2. Consagração legal

A distinção entre o litisconsórcio parciário e unitário não encontra nenhuma consagração


expressa na lei processual civil. Ainda assim, o legislador acabou por definir uma das modalidades
do litisconsórcio necessário em função da necessidade de uma decisão uniforme para os vários
interessados: litisconsórcio necessário natural, regulado no 33.º, n.º 2 e 3.
Além disso, a distinção entre o litisconsórcio parciário e unitário está subjacente a algumas
soluções legais:

− O 288.º, n.º 1, admite que cada um dos litisconsortes voluntários pode confessar,
desistir ou transigir, mas apenas dentro dos limites do interesse de cada um na causa;
portanto, a desistência, a confissão e a transacção não são admissíveis se, apesar de o
litisconsórcio ser voluntário, houver um interesse indivisível comum a todos os
litisconsortes, isto é, se o litisconsórcio for unitário; por exemplo: (i) a acção pode ser
proposta, no regime de litisconsórcio voluntário, contra todos os devedores solidários
(32.º, n.º 2; art. 517.º, n.º 1, CC); todavia, nenhum dos demandados pode isoladamente
confessar o pedido, dado que, não obstante o litisconsórcio ser voluntário, a obrigação
só pode ser reconhecida por todos os devedores; (ii) o art. 59.º, n.º 1, CSC permite que
qualquer sócio proponha uma acção de anulação de uma deliberação social; no
entanto, se a acção for proposta por vários sócios, apesar de o litisconsórcio ser
voluntário, nenhum deles pode desistir do pedido, dado que a mesma deliberação
social não pode ser válida para alguns sócios e inválida para outros sócios; o mesmo
pode ser dito do 353.º, n.º 2, CC, relativo à confissão de factos;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/166

− O 634.º, n.º 1, dispõe que o recurso interposto por uma das partes vencidas aproveita
aos seus compartes no caso de o litisconsórcio entre eles ser necessário; no entanto,
mesmo que o litisconsórcio seja necessário, essa extensão dos efeitos do recurso não
se verifica se não houver um interesse comum a todos os litisconsortes, ou seja, se o
litisconsórcio entre eles não for unitário; por exemplo: o litisconsórcio entre dois
devedores pode ser necessário, nomeadamente por imposição do negócio celebrado
entre as partes (33.º, n.º 1); mas se ambos os devedores forem condenados e só um
deles recorrer, a extensão dos efeitos do recurso só se verifica se a decisão incidir
sobre um interesse comum e indivisível entre eles (e, por isso, o reconhecimento de
que o devedor recorrente já pagou não se pode estender ao devedor não recorrente);
portanto, o que releva, para que se verifique o aproveitamento do recurso, não é se o
litisconsórcio é necessário, mas sim se ele é unitário.

III. Litisconsórcio voluntário


1. Generalidades
A regra é, havendo uma pluralidade de interessados, a da liberdade do autor na escolha das
partes: este pode, em regra, intentar a acção contra todos os interessados ou contra alguns deles
ou mesmo um só, e pode fazê-lo sozinho ou acompanhado por todos os interessados ou parte
deles. Assim, tomando como exemplo uma relação jurídica obrigacional, se um credor na mesma
relação tiver três devedores, pode, em regra, propor a acção contra um só, dois ou todos eles.
2. Regime jurídico
2.1. Regime geral

Se a acção for intentada por um só ou parte dos interessados ou contra um só ou parte dos
interessados, deve o tribunal conhecer unicamente das quotas-partes do interesse ou da
responsabilidade das partes em juízo, ainda que o pedido abranja a totalidade (32.º, n.º 1). Este
regime comporta, no entanto, duas excepções:
− Se a lei ou o contrato permitirem que por menos que todos ou contra menos que todos
seja formulado o pedido por inteiro (32.º, n.º 2); por exemplo: (i): A é credor de B, C e
D por € 6000; pede essa quantia em juízo só a B e C; se a obrigação for conjunta, o
tribunal condena-os a pagar € 4000; se solidária, € 6000 (512.º, n.º 1, e 519.º, n.º 1,
CC); o litisconsórcio é voluntário – se A quisesse, demandava só B, ou só C, ou só D,
ou propunha três acções separadas; (ii) E e F são credores de G quanto a uma
prestação indivisível; qualquer deles tem o direito de exigi-la por inteiro (538.º/1, CC);
− Em caso de contitularidade de direitos (não obrigacionais) em que a lei permite a um
só dos contitulares agir em juízo pela totalidade do direito; fundamental é o 1405.º/2,
CC, segundo o qual cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem
que este possa opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro; as regras da
compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de
quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles
(1404.º CC; quanto à posse, o 1286.º, n.º 1, CC e, quanto à petição da herança,
2078.º, n.º 1, CC).
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2.2. Litisconsórcio conveniente

Modalidade de litisconsórcio voluntário é o litisconsórcio conveniente: é o litisconsórcio que


a lei impõe, não como pressuposto processual e para evitar a absolvição da instância, mas para
conseguir outra vantagem e sob pena de a parte perder essa vantagem. Assim, se A, casado com
B em regime de separação, contrai perante C uma dívida de € 4000 para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar, esta é da responsabilidade de ambos os cônjuges (1691.º, n.º 1, al. b),
CC); por ela respondem – dado que não há bens comuns – os bens próprios de qualquer dos côn -
juges (1695.º, n.º 2, CC); assim, se C demanda A, só pode pedir 2000 (1695.º, n.º 2, CC); só de-
mandando A e B pode pedir os 4000. É um caso de litisconsórcio conveniente, tal como o são
igualmente as situações previstas nos 1819.º, n.º 2, CC (demandados na acção de investigação
da maternidade), e no 1873.º CC (demandados na acção de investigação da paternidade).

IV. Litisconsórcio necessário


1. Modalidades
Quando a intervenção de todos os interessados for imposta e o incumprimento do ónus
implicar a ilegitimidade da parte, o litisconsórcio é necessário. A intervenção pode ser imposta:
− Pela lei: litisconsórcio necessário legal (33.º, n.º 1);
− Pelo contrato fonte da relação controvertida (que impõe que o direito só possa ser
exercido por todos ou contra todos, ou simultaneamente por todos contra todos):
litisconsórcio necessário convencional ou contratual (33.º, n.º 1);
− Pela necessidade de assegurar o efeito útil normal da decisão a obter: litisconsórcio
necessário natural (33.º, n.º 2 e 3).

2. Litisconsórcio necessário legal


O litisconsórcio necessário legal verifica-se nas hipóteses em que a lei impõe, sob pena de
ilegitimidade, a intervenção dos vários interessados:
− No CPC, 34.º (direitos e dívidas dos cônjuges), 354.º, n.º 2 (incidente de habilitação),
922.º, n.º 1 (consignação em depósito) e 953.º, n.º 1, e 954.º (regulação e repartição
de avarias marítimas);
− No CC, 419.º, n.º 1 (exercício do direito de preferência), 496.º, n.º 2 (titularidade do
direito à indemnização por morte da vítima), 535.º, n.º 1 (exigência de obrigação
indivisível), 608.º (acção sub-rogatória), 1822.º, n.º 2 (acção de investigação da
maternidade), 1846.º, n.º 1 (acção de impugnação da paternidade) e 2091º, n.º 1
(exercício de direitos relativos a herança indivisa); tem-se igualmente entendido que a
acção de preferência tem de ser proposta pelo preferente contra o alienante e o
adquirente - AV;
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/168

− Noutra legislação (ações destinadas à efetivação da RC decorrente de acidente de


viação devem ser deduzidas contra a empresa de seguros e o civilmente responsável,
se o pedido ultrapassar o limite do capital mínimo do seguro obrigatório).

3. Litisconsórcio conjugal activo


3.1. Generalidades

A ideia central que orienta o litisconsórcio legal entre os cônjuges é: a necessidade de


comparticipação no acto ou a de autorização, que o direito substantivo preveja para produzir
certos efeitos de direito (dispor de), deve manter-se em processo civil para as ações em que seja
possível efeito semelhante (designadamente, ficar sem).
O litisconsórcio necessário legal activo entre os cônjuges encontra-se regulado no 34.º, n.º
1: devem ser propostas por ambos, ou por um deles com consentimento do outro, as acções de
que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados, ou a
perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por
objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família. Uma primeira observação a fazer
sobre este regime é a seguinte: só há restrições à legitimidade de cada um dos cônjuges na zona
das acções patrimoniais. Quanto às acções pessoais – divórcio, acções de filiação –, cada um dos
cônjuges tem legitimidade para intentá-las sozinho, abstraindo de situações muito particulares
como a da relevância, em matéria de legitimidade, do disposto no 1981.º, n.º 1, al. b), CC, cujo
âmbito é alargado pelo 1993.º, n.º 1, CC.
Nas acções patrimoniais, a regra é a seguinte: só podem ser propostas por ambos os
cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro, as acções de que possa resultar a
perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a per da de direitos que
só por ambos possam ser exercidos. Na determinação destes direitos, há que distinguir:
− Os bens próprios de qualquer dos cônjuges;
− Os bens comuns do casal.

3.2. Bens próprios

a) Quanto aos bens próprios de um dos cônjuges, a regra é a de que cada um deles
administra esses bens (1678.º, n.º 1, CC) e pode aliená-los livremente (1682.º, n.º 2, CC). Por isso,
em regra, o cônjuge tem legitimidade para propor sozinho as acções referentes a esses bens e
contra ele podem ser propostas as acções com o mesmo objecto. Exceções:

− Móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar ou como


instrumento comum de trabalho (1682.º, n.º 3, al. a), CC); por exemplo: (i) A e B são
casados; B tem uma mobília, que está no lar comum; B não a pode vender sem
consentimento de A; (ii) C e D fazem comércio numa carrinha que é de C; C não a pode
vender sem consentimento de D;
− Móveis pertencentes exclusivamente ao cônjuge que os não administra, salvo
tratando-se de acto de administração ordinária (1682.º, n.º 3, al. b), CC); os casos em
que o cônjuge administra os móveis do outro resultam do 1678.º, n.º 2, al. e) a g), CC:
utilização exclusiva pelo cônjuge não proprietário como instrumento de trabalho,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/169

impossibilidade de administração pelo cônjuge proprietário, conferência de mandato


por este cônjuge; neste caso – administração dos bens de que se não é proprietário –, a
regra “quem administra pode alienar” (1682.º, n.º 2 CC) não se aplica: o cônjuge que
administra bens de que é proprietário o outro cônjuge não os pode alienar, e o outro
cônjuge também não – é necessário o consentimento de ambos; exemplo: (i) E e F são
casados; E é proprietário de um táxi, que F guia e explora; (ii) E é proprietário de uma
máquina agrícola, que arrenda aos agricultores próximos, e cai doente ou ausenta-se,
e é F que passa a administrar a máquina, tratando com os agricultores; (iii) E passa
mandato a F, para este explorar a máquina; em todos estes exemplos, E não pode
vender o táxi ou a máquina sem consentimento de F;
− Imóveis, salvo no regime de separação de bens (1682.º-A, n.º 1, al. a), CC); exemplo: (i)
G e H são casados em regime de comunhão de adquiridos; G é proprietário do prédio x; não o
pode vender sem consentimento de H; (ii) se I e J forem casados com separação de bens e
I for proprietário do prédio y, pode aliená-lo livremente (1735.º CC);
− Estabelecimento comercial, salvo no regime de separação de bens (1682.º-A, n.º 1, al.
b), CC); por exemplo: L e M são casados, L é proprietário do estabelecimento comercial
z; não o pode trespassar sem o consentimento de M;
− Casa de morada da família, própria (1682.º-A, n.º 2, CC) ou arrendada (1682.º-B CC);
exemplo: N e O são casados; N é inquilino da casa onde vivem ambos; não pode
denunciar o contrato de arrendamento, e abandonar casa, sem autorização de O.
b) Só os dois cônjuges, ou um deles com o consentimento do outro, podem propor acções
que ponham em causa este tipo de bens (34.º, n.º 1), de modo a poder-se verificar, através de
qualquer das duas hipóteses de eventum litis possíveis (ganhar a causa ou perdê-la), a saída, da
esfera jurídica do cônjuge, de um bem para alienação do qual era necessário o consentimento dos
dois. Considerem-se alguns exemplos:
− P põe em dúvida que a mobília seja de B; este quer pôr uma acção de simples
apreciação para estabelecer a sua propriedade; se perder esta acção, fica –
juridicamente – sem a mobília; a acção deve ser proposta por A e B ou por B com o
consentimento de A;
− C ou E consideram-se enganados quanto à compra da carrinha ou do táxi, enganados
pelo vendedor; não podem pedir a anulação da compra e venda por dolo, sem
consentimento respectivamente de D ou de F;
− Q, que está na posse da máquina agrícola de E, recusa-se a devolvê-la e E quer
reivindicá-la; não o pode fazer sem o consentimento de F; note-se que é assim quanto
à acção de reivindicação (1311.º CC), em que é posta em jogo a propriedade da coisa;
se a acção for com base no aluguer, o consentimento já não é necessário;
− R tomou de arrendamento o prédio x e recusa-se indevidamente a restitui-lo; se G tiver
de o reivindicar, carece do consentimento de H; para a acção de resolução do
arrendamento, não; já I pode reivindicar y sozinho;
− L pretende fazer declarar nulo o trespasse de que resultou a sua propriedade do
estabelecimento z; não o pode fazer sem consentimento de M; suponha-se agora que
L, com o consentimento de M, trespassa o estabelecimento a S, e este não lhe paga; a
acção de condenação no pagamento de modo algum põe em causa a propriedade de z:
pode ser proposta por L, sem o consentimento de M;
− O senhorio de N pretende que a casa foi arrendada só para férias e, portanto, entende
que o arrendamento já terminou; N quer fazer declarar pelo tribunal que o seu
arrendamento é para habitação permanente: não pode propor a respectiva acção sem
consentimento de O.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/170

3.3. Bens comuns

a) Quanto aos bens comuns, há que fazer uma importante distinção entre:

− Bens comuns administrados por um só dos cônjuges;


− Bens comuns administrados por ambos os cônjuges.
b) Os bens comuns administrados por um só dos cônjuges são fundamentalmente os b) a e)
do n.º 2 do art. 1678.º CC, ou seja:
− Bens que constituam proventos do trabalho do cônjuge;
− Bens levados pelo cônjuge para o casamento ou adquiridos posteriormente a título
gratuito, assim como os bens sub-rogados; note-se que esta ressalva só tem valor na
comunhão geral de bens: nos outros regimes estes bens são próprios e caem sob a
alçada do n.º 1 do 1678.º CC;
− Bens doados ou deixados a ambos com exclusão da administração de um deles;
− Bens utilizados exclusivamente por um dos cônjuges como instrumento de trabalho.
Estes bens comuns são administrados por um só dos cônjuges – o cônjuge que os adquiriu,
designadamente pelo seu trabalho, ou o que os levou para o casamento, ou o cônjuge não excluído
da administração ou o cônjuge que os utiliza. Como se disse já, a possibilidade de alienar vai unida
à administração, nos termos do 1682.º, n.º 2, CC, pelo que é possível retirar a seguinte conclusão:
o regime dos bens comuns administrados por um só dos cônjuges é o regime dos bens próprios.
Podem ser em regra administrados e inclusivamente alienados pelo cônjuge em causa, só não
sendo assim nos casos das excepções já referidas; correspondentemente, o cônjuge que os
administra pode propor acerca desses bens as acções que entender, com a ressalva do 34.º, n.º 1,
nos termos explicitados atrás quanto aos bens próprios. Considerem-se os seguintes exemplos:

− A e B são casados em regime de comunhão geral de bens; A era, à data do casamento,


proprietário do prédio x; o prédio é bem comum (1732.º CC), mas administrado só por
A (1678.º, n.º 2, al. c), CC); no entanto, A não tem legitimidade para o reivindicar de C,
sem o consentimento de B (1682.º-A, n.º 1, al. a), CC; 34.º, n.º 1);
− Em seu testamento, D lega a E e F, casados, o prédio y, excluindo a administração de F; em
regime de comunhão o prédio é bem comum administrado por E; em regime de
separação, o prédio é bem próprio de ambos os cônjuges, em compropriedade; sendo
assim, no primeiro caso E não tem legitimidade para o reivindicar de G sem o
consentimento de F (1682.º-A, n.º 1, al. a), CC; 34.º, n.º 1), no segundo caso, E tem
legitimidade para essa reivindicação (1682.º, n.º 1 pr., CC; art. 34.º, n.º 1).
c) A situação de serem administrados por ambos os cônjuges é, quanto aos bens comuns,
teoricamente a regra; praticamente, porém, só se verifica na hipótese de bens adquiridos a título
oneroso após o casamento. O regime dos bens comuns administrados por ambos os cônjuges é
distinto para a administração e para a possibilidade de disposição ou alienação:
− Quando se diz que a administração dos bens comuns pertence a ambos os cônjuges,
entende-se isto, quanto aos actos de administração ordinária, disjuntivamente:
qualquer dos cônjuges pode administrar; só quanto aos actos de administração
extraordinária a administração tem de se realizar conjuntamente: apenas ambos podem
decidir (podendo suprir-se judicialmente o consentimento de um deles, 1684.º, n.º 3,
CC); este regime resulta do 1678.º, n.º 3 CC;
− A prática de actos de disposição quanto a bens administrados por ambos os cônjuges
exige consentimento de ambos; isto é assim por força, quanto a móveis, do 1682.º, n.º
1, CC e, quanto a imóveis, do 1682.º-A CC.
Conhecido este regime substantivo, importa agora traduzi-lo processualmente. Em concreto:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/171

− As acções de administração podem ser propostas por qualquer dos cônjuges; por
exemplo: A e B, casados, administram em conjunto o prédio comum x; A vende a
colheita de laranjas do prédio a C, que não paga; A ou B podem sozinhos acionar C;
nesta hipótese, a situação jurídica do prédio não é posta em causa, só as
consequências da normal administração deste;
− As acções de disposição carecem de ser propostas por ambos os cônjuges, ou, quando
por um só, com consentimento do outro.
As ações de arrendamento são casos muito especiais. O arrendamento típico parece ser hoje
acto de administração extraordinária, mesmo independentemente dos seis anos a que se referem
os 1024.º e 1889.º, n.º 1, al. m), CC. É possível deduzir este regime do art. 1682.º-A, n.º 1, CC, que
equipara o arrendamento à alienação ou oneração.

4. Litisconsórcio conjugal passivo


4.1. Generalidades

Segundo o disposto no 34.º, n.º 3, devem ser propostas contra ambos os cônjuges:
− As acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges;
− As acções emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda
obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns ou sobre bens
próprios do outro;
− As acções de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só possam ser
alienados por ambos ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos,
incluindo as acções que tenham por objecto a casa de família (34.º, n.º 1).

4.2. Base substantiva

a)
− As dívidas incomunicáveis podem fazer-se valer contra o cônjuge devedor, só ele;
− As dívidas comunicáveis só podem fazer-se valer contra ambos os cônjuges.
Chamam-se dívidas incomunicáveis às que são da exclusiva responsabilidade do cônjuge a
que respeitam (1692.º CC); são as que constam dos art. 1692.º e 1693.º CC e ligam -se ao regime
do art. 1696.º, n.º 1, CC: só respondem em regra por elas os bens próprios do cônjuge devedor.
Esta regra tem excepções: alguns bens comuns respondem ao mesmo tempo que os bens
próprios: são os previstos no 1696.º, n.º 2, CC.
Chamam-se dívidas comunicáveis as que são da responsabilidade de ambos os cônjuges
(1691.º CC). Estas dívidas constam dos 1691.º e 1694.º CC e ligam-se ao regime do 1695.º, n.º 1,
CC: pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens
comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, os bens próprios de qualquer dos cônjuges.
Por uma dívida comunicável, o credor paga-se primeiro pelos bens comuns; antes de excutir os
bens comuns, não pode pagar-se por bens próprios. Portanto, o credor de uma dívida comunicável
tem de ter possibilidade de executar os bens comuns, sob pena de não poder executar nenhuns e
não obter satisfação do seu crédito.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Sendo assim, é possível estabelecer a seguinte regra: para que a execução possa vir a
incidir sobre bens comuns, a acção executiva, bem como a declarativa que a prepare, têm de ser
movidas contra os dois cônjuges:
− Não se pode, em regra, penhorar bens comuns sem ambos os cônjuges serem partes
na execução; sendo só um dos cônjuges parte, só podem ser penhorados os bens
próprios e a meação nos bens comuns (1696.º, n.º 1, CC); é este regime que justifica
o disposto no 825.º, n.º 2 e 6; se forem penhorados bens comuns, o cônjuge não
demandado pode defendê-los mediante os embargos de terceiro (343.º);
− Não se pode mover execução contra ambos os cônjuges, sem terem sido ambos
partes na acção declarativa precedente (53.º, n.º 1); note-se que a comunicabilidade
da dívida só pode ser estabelecida na execução se o título executivo não for uma
sentença proferida num anterior processo declarativo (741.º, n.º 1, e 742.º, n.º 1).
Esta solução não é aceite por alguma doutrina (Lebre), entendendo que a regra do 1695.º, n.º
1, CC é uma regra de protecção ao cônjuge devedor, que a ela pode renunciar, permitindo que os
seus bens próprios sejam penhorados e vendidos antes dos comuns; e entender-se-á sempre que
renuncia, se não cumprir um ónus que a lei lhe impõe – o de chamar o outro cônjuge a intervir na
acção nos termos do art. 316.º, n.º 1. A verdade é que a prioridade de execução dos bens comuns
não está na disponibilidade do devedor – está estabelecida no 1695.º, n.º 1, CC e reflectida nos
741.º, n.º 1, e 742.º, n.º 1. Daqui resulta que a acção movida só con tra um dos cônjuges, por uma
dívida comunicável, estaria de antemão votada ao insucesso, pelo menos no plano prático. Para
evitar este resultado, o 34.º, n.º 3, manda propor a acção contra ambos os cônjuges.
Para a referida doutrina, esta objecção não colhe. O credor sempre poderia demandar um só
dos cônjuges, e, depois, de duas, uma: ou esse cônjuge chamava a intervir o outro – hipótese em
que a acção corria contra os dois e podiam executar-se os bens comuns; ou não chamava, e com
isso renunciava à protecção dada pelo 1695.º, n.º 1, CC e via os seus bens próprios penhorados
antes dos comuns. Isto traduzir-se-ia, portanto, na imposição ao cônjuge demandado sozinho do
ónus de fazer uso do 316.º, n.º 1, sob a cominação de perda do privilégio de excussão dos bens
comuns. Os 741.º, n.º 1, e 742.º, n.º 1, mostram que o regime das dívidas dos cônjuges não se
encontra na disponibilidade das partes e que uma dívida comum implica um litisconsórcio
necessário legal entre os cônjuges (34.º, n.º 3).

b) Só se podem penhorar bens comuns com a presença dos dois cônjuges na acção executiva
apresenta excepções importantes. Para as enunciar, é necessário considerar o disposto no 1696.º,
n.º 2, CC, do qual resulta que é admissível penhorar bens comuns:
− Se, no momento do contraimento da dívida, eram próprios do cônjuge executado
(1696.º, n.º 2, al. a), CC) ou foram sub-rogados no lugar destes (1696.º, n.º 2, al. c),
CC); por exemplo: A contrai uma dívida de 4000 para com B, tendo 5000 de património
para responder por ela; em seguida, casa em comunhão geral de bens com C; na falta
daquela disposição, o crédito de B não se poderia fazer pagar pelos 5000 que A co-
municou à mulher, o que seria injusto;
− Se são bens comuns adquiridos posteriormente por um dos cônjuges a título gratuito
(1696.º, n.º 2, al. a), CC) ou pelo trabalho ou exercício de direitos de autor (1696.º, n.º
2, al. b), CC); estes bens comuns são aqueles que são administrados por um só dos
cônjuges e de que ele pode dispor sozinho, ou seja, são os referidos nas al. a), b) e c)
do n.º 2 do 1678.º CC.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Com efeito, para se poderem penhorar bens próprios, é necessária a excussão dos comuns
(1695.º, n.º 1, CC). Portanto, em caso de dívida comunicável e havendo bens comuns, a acção deve
ser proposta em termos de permitir essa excussão, portanto contra ambos os cônjuges.

4.3. Regime processual

a) 34, n.º 3 estatui que os cônjuges devem estar ambos em juízo como réus em três casos:
− Acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges;
− Acções emergentes de facto praticado por um dos cônjuges, mas em que pretenda
obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns ou sobre bens
próprios do outro;
− Acções do tipo das contempladas no art. 34.º, n.º 1, ou seja, acções de que possa
resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a
perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos.

b) Segundo o estabelecido no 34.º, n.º 3, devem ser propostas contra ambos os cônjuges as
acções emergentes de acto praticado por ambos: se ambos pediram emprestado ou compraram a
crédito, e não pagaram, ambos devem ser demandados. Se for demandado um só, este é parte
ilegítima: há litisconsórcio necessário imposto pelo 34.º, n.º 3, pelo que se aplica o 33.º, n.º 1.
Exige-se nesta hipótese a presença dos dois cônjuges, porque as dívidas provenientes de acto
praticado por ambos são comunicáveis, nos termos do 1691.º, n.º 1, al. a), CC. Ora, as dívidas
comunicáveis têm de fazer-se valer contra ambos os cônjuges: só assim se poderão executar an-
tes de mais bens comuns, como o exige o 1696.º, n.º 1, CC.
Note-se que este regime não é o geral, aplicável a todos: ele só vale para os cônjuges. Se A
e B pedirem 4000 emprestados a C, este pode, em regra, demandar só A ou só B, por 2000 (32.º,
n.º 1 2.ª parte); se A e B forem cônjuges, C só pode demandar aos dois - litisconsórcio necessário.

c) De acordo com o estatuído no 34.º, n.º 3, também devem ser propostas contra ambos os
cônjuges as acções emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se
decisão susceptível de ser executada sobre bens comuns ou sobre bens próprios do outro
cônjuge. Estes actos podem ser actos dispositivos (transmissão de direitos sobre os bens comuns
ou próprios do outro) ou actos vinculativos ou obrigacionais (actos constitutivos de obrigações
patrimoniais, a que os bens do devedor estão afectados como garantia comum):
− Quanto aos actos dispositivos, tudo se reduz a ver se o bem de que se dispõe pode
ser penhorado ou apreendido em execução sem estar em juízo o outro cônjuge;
1682.º a 1683.º CC;
− Quanto aos actos vinculativos, os casos em que, por acto praticado por um só dos
cônjuges, poderão ser executados bens comuns ou próprios do outro, são os previstos
no art. 1691.º CC (com exclusão do pr. da al. a) do n.º 1), conjugado com o 1695.º CC.
Sendo assim, importa considerar, no âmbito destes actos vinculativos, o regime de bens em
vigor entre os cônjuges:
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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− O regime de bens entre os cônjuges é tal que possa haver bens comuns; neste caso, na
futura execução, a penhora deve começar pelos bens comuns; por isso, devem ser
demandados ambos os cônjuges, em litisconsórcio necessário;
− O regime de bens entre os cônjuges é tal que não possa haver bens comuns (separação
de bens, designadamente, art. 1735.º a 1737.º CC); neste caso, na futura execução
penhorar-se-ão bens próprios de qualquer dos cônjuges; então o autor pode optar: se
demandar ambos os cônjuges pode executar na futura acção executiva os bens de
qualquer dos dois (litisconsórcio conveniente); mas se demandar um, está no seu
direito – somente terá a desvantagem de, na execução, só poder executar bens deste.
Note-se que, num e noutro caso, o cônjuge presente na acção pode sanar a ilegitimidade
resultante de preterição de litisconsórcio necessário ou assegurar ao autor o litisconsórcio
conveniente, chamando o cônjuge que não é réu a intervir na acção nos termos do 316.º, n.º 1.

c) Atendendo à remissão realizada pelo 34.º, n.º 3 in fine, para o 34.º, n.º 1, devem ser
propostas contra ambos os cônjuges as acções de disposição de bens cuja faculdade de
disposição só em ambos os cônjuges resida: as acções de que possa resultar a perda ou a
oneração de bens que só por ambos possam ser alienados, ou a perda de direitos que só por
ambos possam ser exercidos devem ser propostas contra ambos os cônjuges.

5. Litisconsórcio necessário convencional


O litisconsórcio necessário convencional pressupõe a vontade das partes: é esta que impõe
que o direito só possa ser exercido por todos ou contra todos ou ainda por todos contra todos.
Deve entender-se que o litisconsórcio necessário convencional é sempre reflexo de um pacto
substantivo. Exemplo: (i) A empresta 10000 a B e C e convenciona que só dos dois em conjunto
exigirá a quantia mutuada; por força da instrumentalidade processual, só poderá demandar B e C;
se demandar um só, este é parte ilegítima;
Não parece possível uma convenção meramente processual. Por exemplo: D empresta
4000 a E e F, e pretende dispor-se que a obrigação será (extrajudicialmente) conjunta, mas que,
se D for a juízo, só poderá ir contra os dois; então o direito de D exigir € 2000 a B não teria acção,
o que é contrário ao princípio da correspondência do direito com a acção (2.º, n.º 2).

6. Litisconsórcio necessário natural


6.1. Enquadramento

Diz o 33.º, n.º 2, que é necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela
própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu
efeito útil normal. No 33.º, n.º 3, procura-se concretizar o que seja este efeito útil normal. A
definição deve ser entendida, não tanto como determinando pela positiva a necessidade do
litisconsórcio natural, mas mais como delimitando pela negativa os casos em que não é
necessário: este litisconsórcio não é necessário quando, havendo vários interessados, a decisão
proferida em relação a alguns deles seja definitiva.
Suponha-se que A celebra com B, C e D um contrato, que posteriormente pretende anular;
se propuser a acção só contra B, a sentença de anulação, produzindo caso julgado só em face
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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deste, deixa o acto nulo em face de uns, válido em face dos outros; por esta razão, tem-se
entendido que, para a decisão a obter produzir o seu efeito útil normal, a acção de anu lação deve
ser proposta contra todos os celebrantes do negócio anulando; é um caso de litisconsórcio
necessário natural. Esta solução só se impõe, no entanto, quando o vício envolver todos os
interessados, ou seja, quando o objecto da causa for indivisível por várias partes processuais .
Assim, por exemplo, não impõe um litisconsórcio natural a impugnação, por invalidade, de um
testamento que beneficia vários herdeiros, porque o testamento pode ser válido para certos
herdeiros e inválido (nomeadamente, por erro, dolo ou coação: 2201.º CC) para outros.
O litisconsórcio natural é um litisconsórcio unitário, dado que a decisão do tribunal da causa
tem de ser uniforme em relação em todos os litisconsortes. Por exemplo: (i) a acção de
impugnação pauliana tem de ser instaurada pelo terceiro prejudicado contra o alienante e o
adquirente (610.º CC) e essa impugnação só pode ser julgada procedente ou improcedente contra
ou a favor de ambos os demandados; (ii) a acção proposta por um alegado sócio de uma
sociedade em nome colectivo ou por quotas para a verificação da sua qualidade de sócio tem de
ser proposta contra todos os sócios e a decisão tem de ser uniforme em relação a todos eles.

6.2. Critério

A maneira mais impressiva de mostrar a necessidade do litisconsórcio natural é recorrer a


um aspecto temporal: o litisconsórcio é necessário se tiver de haver uma decisão simultânea para
todos os interessados. Assim, um caso indiscutível de litisconsórcio necessário é o da acção de
divisão de coisa comum (1412.º, n.º 1, e 1413.º, n.º 1, CC; 925.º a 930.º) ou hipóteses análogas
(divisão da prestação), pois que, devendo uma coisa ou uma quantidade ser repartida entre vários
interessados, a divisão só é definitiva se todos eles estiverem presentes numa mesma acção.
Também constitui exemplo de litisconsórcio necessário natural a exigência da prestação de contas
por vários interessados: só a propositura da acção por todos evita que o que alguns possam obter
seja incompatível com o que outros possam conseguir. É ainda exemplo de um litisconsórcio
necessário natural a determinação sobre quem é o credor de um devedor: a questão só pode ser
resolvida numa única acção proposta por um dos alegados credores contra o outro e contra o
devedor.

§ 27.º Interesse processual

I. Aspectos gerais
1. Noção
O interesse processual (ou interesse em agir) pode ser definido como o interesse da parte
activa em obter a tutela jurisdicional de uma situação subjectiva através de um determinado meio
processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela.
A referência do interesse processual são a necessidade e a adequação da tutela jurisdicional.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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2. Justificação
O 20.º, n.º 1, CRP atribui a todos o direito de acesso aos tribunais. O interesse processual
define as condições do exercício deste direito à jurisdição, dado que ele condiciona o recurso aos
tribunais à inexistência de qualquer outro meio, processual ou extraprocessual, de exercício e
tutela da situação subjectiva e à necessidade de obter a tutela jurisdicional requerida. A sua
justificação prende-se, assim, com razões de economia, porque a administração da justiça é um
bem escasso que não deve ser exaurido na apreciação de ações inúteis. Assim, o interesse
processual visa evitar que sejam impostos custos e incómodos ao tribunal e ao demandado numa
situação em que não se justifica o recurso aos órgãos jurisdicionais.

II. Análise do interesse


1. Dualidade do interesse
O interesse processual desdobra-se num interesse em demandar (30.º, n.º 2) e num
interesse em contradizer (30.º, n.º 2):
− O interesse em demandar é o interesse na obtenção da tutela judicial e afere-se pelas
vantagens decorrentes dessa tutela para a parte activa;
− O interesse em contradizer é o interesse na não concessão dessa tutela e avalia-se
pelas desvantagens impostas ao réu pela atribuição daquela tutela à contraparte;

A vantagem do autor e a desvantagem do réu são necessariamente apreciadas em relação


à situação das partes no momento da propositura da acção. Se a situação entre as partes, por
comparação com aquela que existe ou se pode constituir fora do processo, não se alterar com a
concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.

2. Correlatividade dos interesses


2.1. Generalidades

Qualquer vantagem do autor é naturalmente correlativa de uma desvantagem do réu, e


vice-versa. Só se o autor beneficiar algo com a tutela judicial requerida é que o réu terá algum
prejuízo; e o autor só aufere alguma vantagem se a concessão da tutela pedida implicar para o réu
alguma desvantagem. Disto resulta que se o autor tiver interesse em demandar, então o réu tem
igualmente interesse em contradizer, porque tem interesse em opor-se à vantagem que o autor
pretende obter com a tutela judicial requerida. Correspondentemente, se o autor não tiver
interesse em demandar, então o réu também não tem interesse em contradizer, porque essa tutela
obtida pelo autor, que não atribui nenhuma vantagem a esta parte, também não o coloca em
posição desvantajosa perante aquela parte activa.
Assim, o interesse processual é um pressuposto que é preenchido simultaneamente para
ambas as partes. O autor, ao assegurar o seu interesse em demandar, garante igualmente o
interesse em contradizer do réu. Específico do interesse processual é apenas o facto de o autor,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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ao garantir o seu interesse em demandar, assegurar igualmente o interesse em contradizer do réu.


Esta característica, que decorre da correlatividade entre o interesse em demandar e o em
contradizer, não se encontra em nenhum outro pressuposto processual.

2.2. Concretização

a) Os interesses em demandar e em contradizer são, na própria definição que lhes é dada


pelo 30.º, n.º 2, interesses correlativos entre si. Isto é: o que uma parte ganha com a procedência
da acção é exactamente o mesmo que a outra perde com essa mesma procedência, e vice-versa.
Isto permite concluir que, sempre que o autor tenha interesse em demandar, o réu tem
interesse em contradizer, porque, se o autor pode conseguir alguma vantagem através da tutela
jurisdicional que solicitou, o réu tem interesse em obstar à atribuição dessa vantagem ao autor.
Por exemplo: o proprietário não tem interesse em demandar numa acção de simples apreciação,
se a concessão de tutela não se destinar a resolver uma situação de incerteza criada pelo réu;
correspondentemente, o réu não tem interesse em contradizer nesse mesmo processo, porque o
reconhecimento do autor como proprietário em nada o prejudica.

b) Um interesse que é aferido pela vantagem proveniente da procedência da acção é


necessariamente correlativo do interesse que é determinado em função do prejuízo dessa
procedência para a contraparte: a vantagem conseguida pelo autor corresponde ao prejuízo
imposto ao réu, e vice-versa. Neste caso, o interesse é o mesmo, embora perspectivado pela
diferente posição de cada uma das partes – interesse definido no 30.º, n.º 2. Pelo contrário, um
interesse que é apreciado pela utilidade resultante da tutela favorável ao autor é o oposto do
interesse que é aferido pela utilidade derivada de uma tutela favorável ao réu: a acção só pode ser
julgada favoravelmente ao autor ou ao réu e só um desses interesses pode ser satisfeito pela
decisão final. Nesta hipótese, há que considerar dois interesses antagónicos e excludentes entre si
– interesses do 30.º, n.º 1. Isto confirma que o 30.º, n.º 2, se refere ao interesse processual e que o
30.º, n.º 1, diversamente, respeita à legitimidade das partes.

III. Aferição do interesse


1. Generalidades
O interesse processual é aferido objectivamente com base nos referidos elementos: se,
objectivamente, o autor necessitar da tutela jurisdicional e se escolher o meio processual adequado,
está assegurado o interesse processual.

2. Critérios de aferição
2.1. Necessidade de tutela jurisdicional

A necessidade de tutela judicial é aferida objectivamente perante a situação subjectiva


alegada pelo autor. O autor tem interesse processual se, dos factos apresentados, resulta que
essa parte necessita da tutela judicial para realizar ou impor aquela situação. Normalmente, a
situação subjectiva alegada pelo autor justifica ela mesma o interesse processual da parte, isto é,
a mera alegação de uma situação subjectiva pode ser suficiente para reconhecer ao autor a
necessidade de obter a tutela judicial.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Isto demonstra que o interesse processual também se destina a definir as condições em


que uma parte pode recorrer aos tribunais quando a situação subjectiva de que é titular não lhe
atribui, no momento da propositura da acção, essa faculdade. Por exemplo: se a obrigação ainda
não está vencida, a mera invocação pelo autor do seu direito de crédito não lhe permite intentar
uma acção exigindo o cumprimento da prestação, pelo que só através da análise do interesse
processual se pode determinar se o credor pode exigir a condenação in futurum do devedor no
cumprimento dessa obrigação (557.º).

2.2. Adequação do meio judicial

a) O meio só é o adequado se não houver alternativa mais rápida e económica. Isto significa
que a parte não tem interesse processual quando possa obter o mesmo resultado visado com a
propositura da acção através de um outro meio, processual ou extraprocessual, que importe
menos custos e incómodos. Exemplo: (i) o autor não tem interesse processual para intentar uma
acção de simples apreciação se lhe for possível propor, desde logo, uma acção condenatória,
porque, como daquela acção não resulta nenhum comando de cumprimento, o autor tem sempre
de instaurar uma acção de condenação para obviar ao incumprimento do devedor; (ii) o
requerente da revisão de uma sentença estrangeira não tem interesse processual quando, por
força de um regulamento europeu, essa sentença é reconhecida automaticamente em Portugal;
(iii) o Estado só pode requerer a providência cautelar de embargo de obra nova quando careça de
competência para decretar o embargo administrativo (398.º, n.º 1).
Contudo, a possibilidade de obter extrajudicialmente o mesmo resultado através da acção
directa ou da legítima defesa em nada contende com o interesse processual. Não só porque a
tutela judicial é a forma normal de defesa dos direitos subjectivos perante a qual devem ceder
quaisquer outras formas de exercício desses direitos (1.º), mas também porque essas formas de
autotutela só podem ser usadas quando não for viável o recurso aos tribunais (336.º, n.º 1, e 337.º,
n.º 1, CC), pelo que a parte nunca tem, numa situação concreta, a opção entre utilizar a justiça
privada ou recorrer aos tribunais.

b) Também falta o interesse processual quando o autor recorre a um meio judicial que só
pode ser utilizado se não for admissível recorrer a um outro meio legalmente previsto e, no caso,
seja admissível recorrer a esse outro meio. Havendo um meio processual que é subsidiário perante
um outro (meio principal), aquele primeiro, na verdade, só pode ser usado quando não seja viável o
uso deste último, repercutindo-se o uso indevido do meio no interesse processual.

IV. Qualificação do interesse


1. Pressuposto processual
O interesse processual é um pressuposto processual, pelo que, como qualquer outro
pressuposto, é aferido exclusivamente perante o objecto definido pelo autor. Por este motivo, a
sua apreciação deve ser totalmente autonomizada do julgamento do mérito da acção.
Disto decorre que a contestação do mérito não envolve a contestação do interesse
processual: o réu que contesta o interesse limita-se a alegar que o autor não necessita da tutela
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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judicial requerida ou que o meio processual escolhido não é o adequado a essa tutela; quando o
réu contesta o mérito, está a contestar, não a necessidade daquela tutela ou a propriedade
daquele meio, mas a própria procedência da acção.

2. Orientações negativistas
2.1. Apresentação

O 535.º, n.º 1, estabelece que, quando o réu não tenha dado causa à ação e a não
conteste, as custas são pagas pelo autor. Perante o disposto alguma doutrina nega a qualificação
do interesse processual como um pressuposto processual, porque a falta daquele interesse
implica, não a inadmissibilidade de conhecer do mérito da causa, mas a responsabilidade do autor
pelas custas da acção, ainda que esta seja considerada procedente. Em concreto, as
eventualidades nas quais o autor, apesar da procedência da acção, é responsável pelas custas
encontram-se referidas no 535.º, n.º 2 - pagamento das custas incumbe a essa parte:
− O autor exerce um direito potestativo que não tem origem em nenhum facto ilícito
praticado pelo réu (535.º, n.º 2, al. a)); exemplo: o autor propõe uma acção para
constituição de uma servidão de passagem (1550.º CC), não tendo o réu jamais
levantado qualquer objecção a essa constituição;
− A obrigação do réu só se vence com a sua citação ou depois da propositura da acção
(535.º, n.º 2, al. b)); por exemplo: o autor intenta uma acção pedindo a condenação do
réu no pagamento de uma obrigação pura;
− O autor, munido de um título executivo, intenta uma ação condenatória (535.º, n.º 2,
al. c)); exemplo: o sacador de uma letra propõe uma acção condenatória do sacado
(703.º, n.º 1, al. c));
− O autor, podendo interpor recurso de revisão, usa sem necessidade do processo de
declaração (535.º, n.º 2, al. d)); por exemplo: desistente, em vez de recorrer ao
recurso de revisão para impugnar a decisão transitada com fundamento na nulidade
da desistência (696.º, al. d)), intenta uma acção para declaração daquela desistência
(291.º, n.º 1); apesar de o art. 291.º, n.º 2, admitir a alternativa entre a propositura da
acção de declaração de nulidade e a interposição do recurso de revisão, a verdade é
que, pelo menos na perspectiva do autor, a escolha não é indiferente.
Para alguma doutrina, estes casos são exemplos de acções inúteis – isto é, de acções
propostas sem interesse processual –, sem que, contudo, essa inutilidade implique a absolvição
do réu da instância, mas apenas a responsabilidade do autor pelas custas – Castro Mendes.
Um outro problema do 535.º, n.º 1, é o de saber se os casos em que se considera que o réu
deu causa à acção são apenas aqueles que constam do art. 535.º, n.º 2, ou se aquele preceito pode
ter o sentido de uma cláusula geral. A melhor solução é a primeira. Se não se considerasse que o
n.º 2 do art. 535.º limita o âmbito de aplicação do n.º 1, então, desde que estivesse assegurada a
responsabilidade do autor pelas custas, qualquer acção seria admissível. Como bem se
compreende, uma solução que leva a concluir que o sistema processual deve aceitar toda e
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/180

qualquer acção, desde que o autor esteja disposto a suportar as respectivas custas é contrária a
qualquer ideia de eficiência desse sistema.
Acções daquele tipo devem terminar com a absolvição da instância do réu com fundamento
em falta de interesse processual (278.º, nº 1, al. e), e 576.º, n.º 2 – o que implica a responsabilidade
do autor pelas custas do processo (527.º, n.º 2) –, podendo ainda ponderar-se a condenação do
autor como litigante de má fé (542.º, n.º 2, al. d)).

2.2. Valoração

A análise de algumas situações previstas no art. 535.º, n.º 2, permite retirar a seguinte
conclusão: aquele preceito define, na al. c) e d), para situações que, em teoria, poderiam ser
vistas como falta de interesse processual, um regime distinto da falta de um pressuposto
processual.
Da análise do art. 535.º, n.º 2, também decorre que, nas hipóteses previstas na a) e b), esse
preceito se refere a situações em que, apesar de o réu não ter dado causa à acção, ainda assim
há que reconhecer interesse processual ao autor. Sendo assim, há que concluir que o interesse
processual e o comportamento do réu são realidades distintas: aquele interesse não depende
deste comportamento.
O ponto essencial é, no entanto, o de que a responsabilidade pelas custas e o interesse
processual nada têm em comum. Esta afirmação pode ser demonstrada através do disposto no
próprio art. 535.º. Se o art. 535.º, n.º 1 – porque atribui ao autor a responsabilidade pelas custas –
significa que o autor não tem interesse processual, então há que concluir que o 535.º, n.º 3 – que
responsabiliza o réu pelo pagamento das custas – reconhece interesse processual ao autor. Esta
conclusão é, no entanto, contrária ao disposto no próprio 535.º, n.º 3, porque a regra nele contida
pressupõe que o interessado na tutela é o réu. Isto demonstra que a responsabilidade pelas custas
e o interesse processual se movem em planos distintos.

V. Regime jurídico-positivo
1. Funções
Dado que o 535.º, n.º 2, absorve algumas das situações em que a parte, apesar de ser
titular de uma situação subjectiva, não tem interesse processual, no direito português este
interesse visa essencialmente definir as condições nas quais uma parte pode recorrer aos
tribunais quando o direito por ela alegado não lhe atribuir, por si só, a faculdade de requerer a
tutela judicial. Um proprietário, apenas pelo facto de o ser, não pode intentar uma acção de
simples apreciação contra qualquer sujeito, pois que o seu direito de propriedade não comporta tal
faculdade; contudo, se houver uma ameaça grave à violação desse seu direito, então o
proprietário pode propor uma acção para reconhecimento do seu direito contra o autor da ameaça.

2. Consagração
2.1. Apreciação geral

A exigência do interesse processual consta do 30.º, n.º 2, no qual se define o interesse em


demandar e o interesse em contradizer. O preceito enquadra o interesse processual no âmbito da
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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legitimidade processual. Atualmente o interesse deve ser distinguido da legitimidade processual:


enquanto pelo interesse se determinam as condições em que a parte pode recorrer aos tribunais,
pela legitimidade define-se qual o sujeito que pode discutir em juízo um certo objecto processual.
Aliás, o 30.º, n.º 2, só aparentemente se refere à legitimidade processual. Ao definir o
interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em
contradizer pelo prejuízo proveniente daquela procedência, o 30.º, n.º 2, reporta-se a dois
interesses correlativos. Assim, se o autor tiver interesse em demandar, o réu tem necessariamente
interesse em contradizer, e vice-versa. Esta correlatividade é possível quanto ao interesse
processual, mas não quanto à legitimidade ad causam, pois que a legitimidade de uma das partes
não assegura a legitimidade da outra. Por isso, o 30.º, n.º 2, ao definir dois interesses correlativos,
não se refere à legitimidade, mas ao interesse processual.

2.2. Outras consagrações

Além do 30.º, n.º 2, o interesse processual encontra concretizações nos seguintes institutos:
− A extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (277.º, al. e)); o interesse
processual tem de existir durante toda a pendência da causa, ocorrendo aquela
extinção quando o autor perde o interesse processual durante a pendência da acção
(849.º, n.º 1, al. c)); por exemplo: o autor intentou uma acção para protecção de uma
patente; durante a pendência da causa verifica-se a caducidade da patente; o autor
deixou de ter interesse processual, porque a tutela judicial lhe é inútil;
− A intervenção de um terceiro como assistente (326.º, n.º 1); esta intervenção exige
que o interveniente tenha um interesse jurídico em que a decisão da causa seja
favorável à parte que vai auxiliar (326.º, n.º 1 e 2); por exemplo: o sublocatário pode
intervir como assistente numa acção de despejo, procurando auxiliar o réu locatário.

3. Apreciação
3.1. Caracterização

A inexistência de interesse processual é uma excepção dilatória, porque corresponde à falta


de um pressuposto processual (576.º, n.º 2). Como a generalidade das excepções dilatórias,
também a falta desse pressuposto implica a absolvição do réu da instância (576.º, n.º 2, e 278.º,
n.º 1, al. e)). No entanto, porque o interesse processual é um pressuposto que, além de procurar
obviar à sobrecarga da administração da justiça com acções inúteis, também visa evitar que o réu
seja inutilmente incomodado, o reconhecimento da falta desse interesse cede perante a
improcedência da acção: é o que decorre do disposto no 278.º, n.º 3 2.ª parte. Assim, o réu nunca
deve ser absolvido da instância por falta desse pressuposto sem que o tribunal averigúe se nesse
momento lhe é possível concluir pela improcedência da acção: se houver elementos que justificam
esta improcedência, o tribunal deve absolver o réu do pedido. Não faria sentido impor a absolvição
da instância pela falta de um pressuposto processual cuja finalidade é exactamente proteger o réu,
dado que esta parte passiva obtém com a improcedência da acção um resultado que lhe é mais
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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favorável. Por exemplo: o autor propõe uma acção de condenação in futurum sem que estejam
preenchidas as condições estabelecidas no 557.º, n.º 2 in fine; o réu demonstra que não celebrou
nenhum negócio com o autor do qual decorra a prestação que este exige; a decisão de
improcedência é a que melhor tutela os interesses do réu, pelo que o tribunal não deve absolvê-lo
da instância com base na falta de interesse processual.

3.2. Conhecimento

O interesse processual é um pressuposto de conhecimento oficioso. É o que resulta da


circunstância da generalidade das excepções dilatórias ser de conhecimento oficioso (578.º).

4. Casuísmo
4.1. Acções condenatórias

a) As acções condenatórias in futurum são aquelas em que o autor, prevendo a violação do


dever de cumprimento, pede a condenação do réu no cumprimento de uma prestação ainda não
vencida e, portanto, não exigível. É reconhecido interesse processual para instaurar uma acção de
condenação in futurum nas situações previstas no 557.º. Assim, o autor tem interesse processual
quando a falta de título executivo na data do vencimento da prestação lhe puder causar grave
prejuízo (557.º, n.º 2 in fine): esta acção de condenação in futurum tem carácter preventivo. Por
exemplo, o devedor solidário, que já foi executado pela totalidade da dívida, pode solicitar a
condenação in futurum dos demais devedores, prevenindo a hipótese de vir a ser obrigado a
satisfazer uma prestação de valor superior à sua quota-parte nas relações internas.
O autor, credor de obrigações periódicas, também tem interesse processual para pedir a
condenação do réu no cumprimento das prestações vincendas (557.º, n.º 1): esta acção de
condenação in futurum visa evitar a necessidade de reiterar a propositura sucessiva de acções. Se
o comprador a prestações não pagou uma prestação, o vendedor pode intentar uma acção
pedindo a condenação do réu não só na prestação vencida, como também nas prestações
vincendas (934.º CC); o credor de uma renda mensal pode pedir a condenação do obrigado no
cumprimento das prestações em atraso e daquelas que se vencerem futuramente.
b) As acções inibitórias são aquelas em que o autor requer a condenação do réu na omissão
ou abstenção da prática de um acto lesivo de um direito de que é titular aquela parte activa. Estas
acções visam impor a omissão de qualquer conduta futura do réu que represente uma violação de
um direito do autor. São, por isso, distintas das acções condenatórias cujo objecto é uma prestação
de non facere, porque nestas últimas o autor requer o cumprimento imediato da conduta omissiva.
A ameaça de lesão do direito do autor pelo réu não é um elemento constitutivo do interesse
processual, mas da própria pretensão à omissão que está subjacente à acção inibitória. Por
exemplo: o autor pode requerer as providências adequadas para evitar a consumação da ameaça da
ofensa à sua personalidade física ou moral (70.º, n.º 2, CC; 878.º); o possuidor que tiver justo
receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem pode requerer que o autor da ameaça seja
intimado para se abster de qualquer violação da sua posse, sob pena de condenação no pagamento
de uma multa e dos prejuízos que causar àquele (acção de prevenção da posse, 1276.º CC). Em
ambos, a ameaça da violação faz surgir uma pretensão à omissão contra o autor da ameaça.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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4.2. Acções constitutivas

As acções constitutivas são aquelas em que o autor exerce um direito potestativo. O


interesse processual está assegurado nestas acções se esse direito potestativo não puder ser
exercido por um acto unilateral do autor. Assim, existe interesse processual para instaurar uma
acção de divórcio litigioso, porque o correspondente direito potestativo só pode ser exercido
através de uma acção judicial (1773.º CC); pela mesma razão o interesse processual está
assegurado na acção de anulação do casamento (1632.º CC) ou na acção de declaração da
insolvência pelo devedor (18.º, n.º 1, e 20.º, n.º 1, CIRE).
Em princípio, nas acções constitutivas, falta o interesse se o efeito que o autor procura
realizar com a acção já tiver sido obtido por outro meio. É isso que justifica que não haja interesse
em instaurar uma acção de anulação de contrato depois de ele ter sido nulo.

4.3. Acções de simples apreciação

a) Nas acções de simples apreciação não se faz valer um direito subjectivo, pelo que a
necessidade e a adequação da tutela que aferem o interesse só podem tomar como referência a
própria declaração da existência ou inexistência do direito ou do facto. A verdade é, no entanto,
que não há, quanto a este aspecto, nenhuma especialidade das acções de simples apreciação,
dado que também nas acções condenatórias e nas acções constitutivas o interesse processual é
aferido em função da necessidade e da adequação da tutela requerida pelo autor.
Nas acções de simples apreciação, existe interesse processual quando haja uma incerteza
objectiva sobre a situação jurídica do autor e a declaração que se pode obter através daquela
acção possa destruir essa incerteza. Por exemplo: o autor tem interesse em intentar uma acção de
simples apreciação para obter a declaração da sua propriedade sobre um imóvel que é
reivindicado (extrajudicialmente) pelo réu.
Também não existe interesse processual numa acção de simples apreciação quando o
autor pode intentar uma acção condenatória. Esta acção é então o meio adequado para o autor
fazer valer o seu direito, dado que só nela o tribunal pode condenar o réu no cumprimento da
obrigação e só dela pode resultar o título executivo que o autor pode utilizar para conseguir a
realização coactiva da prestação. Isto demonstra que as acções de mera apreciação – que só são
admissíveis quando não for possível instaurar uma condenatória – são, perante estas acções de
condenação, um meio judicial subsidiário.

b) Nas acções de simples apreciação negativa, o interesse processual resulta de o réu


imputar um dever ao autor que é negado por esta parte. Por exemplo: o autor tem interesse para
instaurar uma acção de simples apreciação na qual pede que seja declarado que o réu não é
titular do direito de crédito que afirma possuir contra o autor.
Quanto às acções de simples apreciação negativa, o interesse processual só esteja
preenchido se o réu afirmar ser titular de um direito contra o autor. Neste caso, é reconhecido ao
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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autor interesse processual para propor uma acção na qual é pedida a declaração da inexistência
do direito invocado pelo réu. Nesta ação incumbe ao autor provar os factos invocados como causa
de pedir; se não conseguir realizar essa prova, a acção é improcedente, ou seja, o tribunal não
declara inexistente o direito alegado pelo réu. Mas o réu também pode obter nessa mesma acção
a declaração da existência do direito que se arroga: nessa hipótese tem de formular, em
reconvenção (266.º, n.º 1 e 2, al. d)), o correspondente pedido de apreciação (positiva) desse
direito e alegar e provar os respectivos factos constitutivos (343.º, n.º 1, CC).
A improcedência do pedido do autor não implica o reconhecimento de que o direito invocado
pelo autor pertence ao réu. Por exemplo: da improcedência de uma acção de reivindicação resulta
que o autor não é proprietário, mas disso não se infere que o réu seja o proprietário; o réu só pode
obter a declaração de que é proprietário se tiver formulado o correspondente pedido
(reconvencional, 266.º, n.º 2, al. d)), porque apenas nessa hipótese o tribunal, depois de verificar
que o autor não é proprietário, averigua se a titularidade dessa propriedade pertence ao réu.
Correspondentemente, o réu de uma acção de mera apreciação negativa pode assumir uma de duas
condutas: ou limitar-se a impugnar os factos invocados pelo autor, caso em que a improcedência
da acção apenas define que o autor não provou a inexistência desse direito; ou cumular com essa
impugnação a alegação dos factos constitutivos do direito que se arroga, hipótese em que o
tribunal, se considerar procedente esta sua alegação, o julga como titular desse direito.

§ 28.º Modificações subjectivas da instância

I. Preliminares
As partes (iniciais) são determinadas pelo autor na petição inicial; citado o réu, a instância
deve, em princípio, manter-se a mesma quanto a essas partes (260.º). No entanto, podem
verificar-se modificações subjectivas da instância. Tais modificações podem ser (262.º):
− A habilitação, que é utilizada para promover a intervenção de um terceiro perante o
processo mas não perante alguma das partes, isto é, a intervenção de uma parte em
sentido material (351.º, quanto à habilitação do sucessor mortis causa, e 356.º, quanto
à habilitação do adquirente ou cessionário); por isso, é à habilitação que há que
recorrer para provocar a substituição do transmitente ou cedente da coisa ou direito
litigioso pelo adquirente ou cessionário (263.º, n.º 1);
− A intervenção de terceiros, que é utilizada para promover a intervenção de alguém
que é terceiro perante o processo e perante qualquer das partes do processo, ou seja,
a intervenção de um terceiro em sentido material (311.º a 350.º).
A habilitação possibilita a mudança da parte inicial por uma subsequente. Mas a habilitação
só pode verificar-se nos casos previstos na lei = não é admissível uma mudança voluntária de uma
parte por outra.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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II. Habilitação
1. Noção
Chama-se habilitação à prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de
um direito ou direitos ou de outra situação jurídica ou situações jurídicas.

2. Espécies de habilitação
2.1. Enunciado

Em processo, a prova da aquisição da titularidade do direito ou situação jurídica pode


fazer-se por uma de três formas. Uma delas é através da petição ou requerimento inicial da ac ção e
dos actos de prova subsequentes, como elo da demonstração da titularidade da situação jurídica
invocada. É o caso a que ALBERTO DOS REIS chamava a habilitação-legitimidade e ao qual se refere,
por exemplo, o 54.º, n.º 1 2.ª parte. Por exemplo, o autor diz: A emprestou x a B; eu sou sucessor
de A (habilitacão-legitimidade activa) e C é sucessor de B (habilitação-legitimidade passiva); por
isso, peço a condenação de C a entregar-me x. Neste caso, não há nenhuma modificação subjectiva
da instância: a parte ou partes iniciais são, desde logo, os transmissários do direito ou situação
jurídica. A apreciação pelo juiz, favorável ou desfavorável ao autor, da habilitação-legitimidade não
produz efeitos de caso julgado, por ser um mero fundamento da decisão, excepto se essa parte
fizer uso do disposto no art. 91.º, n.º 2.
Uma outra forma é a que se verifica nos processos que têm como objecto principal ou como
um dos objectos principais a demonstração da sucessão na titularidade de um complexo de
situações jurídicas: é o caso da acção de petição de herança (2075.º a 2078.º CC). É aquilo que
ALBERTO DOS REIS chamava a habilitação-acção ou habilitação-principal. A decisão desta causa deixa
definitivamente resolvida a questão da sucessão.
Por último, a prova da aquisição por transmissão de certa situação jurídica pode dever
fazer-se no decurso de um processo, a fim de o transmissário se substituir ao transmitente
também na titularidade da relação jurídica processual que tem essa situação jurídica por objecto.
Está-se então na presença daquilo que ALBERTO DOS REIS chamava a habilitação-incidente, regulada
nos 351.º a 357.º. Das hipóteses analisadas é a única em que há uma modificação subjectiva da
instância (262.º, al. a)) e, por isso, o único caso que importa analisar.

2.2. Habilitação-incidente

a) Quando a necessidade de habilitação resulta de uma eventualidade que se verifica


quanto ao objecto do processo – a transmissão ou sucessão –, a habilitação processa -se através
de uma tramitação particular e, portanto, através de um incidente, o incidente de habilitação (351.º
e 357.º). Este incidente pode ser de dois tipos diferentes, consoante resulte da sucessão por morte
ou nos bens de uma pessoa coletiva extinta (351.º, n.º 1, e 354.º, n.º 3) ou da transmissão entre
vivos da situação jurídica litigiosa (263.º, n.º 1). Existe uma diferença profunda entre a habilitação
por sucessão por morte e a habilitação por transmissão entre vivos: a primeira é obrigatória, a
segunda facultativa.
A ideia geral é a de que, em caso de morte, a lei pretende que o processo não continue nem
finde sem que se dê a habilitação, condição da regularidade do mesmo processo; em caso de
transmissão entre vivos, a lei permite a habilitação, mas se ela se não fizer, nem por isso o
processo correrá menos regularmente até final.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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b) Se for parte na causa uma pessoa colectiva que se extinga, a habilitação dos sucessores
faz-se em conformidade com o regime geral (354.º, n.º 3). Há que considerar, no entanto, o regime
especial aplicável às sociedades comerciais: após a extinção da sociedade comercial, esta
considera-se substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários (162.º,
n.º 1, CSC), não havendo lugar nem a suspensão da instância, nem à habilitação de sucessores
(162.º, n.º 2, CSC).

3. Morte ou extinção
3.1. Casuísmo

a) Falecendo uma das partes, quatro sub-hipóteses se podem verificar:


− A extinção do processo por inutilidade superveniente da lide;
− A continuação do processo para fins limitados;
− A extinção do direito material;
− A habilitação.
Em certas hipóteses, falecendo uma das partes, o processo extingue-se, por
impossibilidade superveniente da lide (269.º, n.º 3; 277.º, al. e)). Assim sucede quanto ao divórcio
ou separação judicial de pessoas e bens por mútuo consentimento (1775.º, n.º 1, CC)
Noutros casos, falecendo uma das partes, o processo continua para fins limitados.
Verifica-se tal situação:
− Na acção de divórcio litigioso ou separação litigiosa de pessoas e bens (1785.º, n.º 3,
e 1794.º CC);
− Nas restantes acções de estado (civil): anulação de casamento (1639.º, 1640.º, n.º 2,
e 1641.º CC), investigação da maternidade (1818.º e 1825.º CC), impugnação de
paternidade (1844.º e 1846.º, n.º 2, CC), anulação da perfilhação (1862.º CC) e
investigação de paternidade (1873.º CC).
Das hipóteses em que o processo se deve extinguir por perder o seu objecto, há a
diferençar aquelas em que a morte da parte é facto extintivo do direito material. Suponha-se, por
exemplo, que A, usufrutuário de x, o reivindica da posse de B; falecendo A, extingue-se o usufruto
(1476.º, n.º 1, al. a), CC); da mesma forma, se C litiga com D acerca de uma pensão vitalícia ou de
alimentos (2013.º, n.º 1, al. a), CC). Nestes casos, a morte ou extinção da parte não geram a
impossibilidade ou inutilidade da lide: é pura e simplesmente um facto superveniente extintivo, que
o tribunal deve considerar na sentença final (611.º, n.º 1). Deve proceder-se à habilitação (os
sucessores podem querer impugnar a eficácia extintiva do facto) e aplicar-se, quanto à alegação
daquele facto superveniente, o regime dos 588.º e 589.º para os articulados supervenientes. Deve
notar-se que a prova de um facto superveniente pode dar lugar ao julgamento imediato do pleito.

b) Abstraindo destes casos particulares, a morte de uma das partes não dá lugarà extinção
ou limitação da instância: o processo continua com o mesmo objecto. Vão então suceder-se:
− A comunicação e prova da morte; em caso de morte de uma das partes, qualquer das
partes sobrevivas tem o dever de comunicar esse facto no processo e de o documentar
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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(270.º, n.º 2); igual dever tem o mandatário da parte falecida: trata-se de uma
manifestação do dever de colaboração com a justiça, porque o mandato caducou com a
morte (1174.º, al. a), e 1175.º CC);
− A suspensão da instância; o juiz deve lavrar despacho, suspendendo a instância,
retroactivamente ao momento da morte em si: 269.º, n.º 1, al. a), e 270.º, n.º 3; a suspensão
ex vi do art. 269.º, n.º 1, al. a), é de ordenar ex officio; são nulos os actos praticados no
processo posteriormente à data em que ocorreu o falecimento ou extinção em relação
aos quais fosse admissível o exercício do contraditório pela parte que faleceu ou se
extinguiu (270.º, n.º 3);
− A habilitação (351.º, n.º 1); suspensa a instância, deve proceder-se à habilitação; esta
não é de iniciativa oficiosa, podendo ser requerida pelas pessoas referidas no 351.º, n.º
1: qualquer das partes sobreviventes e qualquer dos sucessores.

3.2. Procedimento

a) A habilitação demonstra-se através de uma das seguintes formas:

− o “outro processo” a que se refere o 353.º, n.º 1, pode ser um processo dirigido
especificamente a habilitar – habilitação-acção – ou um processo em que se realizou a
habilitação-incidente; mas tem de ser um processo em que hajam sido partes as
pessoas a quem se opõe a habilitação, pois que a decisão sobre esta não produz efeitos
erga omnes;
− Se a qualidade de herdeiro estiver dependente da decisão de alguma causa ou de
questões que devam ser resolvidas noutro processo, a habilitação não se suspende,
não se aplicando, por isso, o regime geral do 272.º, n.º 1; a lei segue antes o sistema
de chamar todos os interessados a serem partes (354.º, n.º 2);
− Se correr inventário, têm-se por habilitados os herdeiros nele reconhecidos (353.º/4);
− Não se verificando nenhum dos casos previstos antes, a habilitação é feita com base na
prova apresentada pelo requerente (351.º, n.º 1, e 293.º, n.º 1).
Se, depois de habilitados certos sucessores, estes (todos ou alguns) repudiarem a herança,
este repúdio tem de ter reflexo na legitimidade da parte. O repúdio da herança representa o
desaparecimento dos sucessores habilitados. É obrigatório comunicar esse repúdio no processo,
seguindo-se a suspensão da instância e nova habilitação. Se a demora no repúdio foi determinada
pelo desejo de perturbar ou demorar o processo, o herdeiro litiga de má fé (542.º, n.º 2, al. d)).

b) O incidente de habilitação é autuado por apenso (352.º, n.º 2) e consta dos se guintes
trâmites:
− Requerimento, com junção dos documentos probatórios e indicação dos restantes
meios de prova (351.º, n.º 1; 293.º, n.º 1); no caso de a legitimidade do sucessor já se
encontrar estabelecida, observa-se o disposto no 353.º;
− Citação dos sucessores do falecido que não forem nem requerentes nem partes e
notificação das partes não requerentes; por exemplo: A demanda B e C; B morre,
deixando como herdeiros D e E; qualquer dos sobreviventes – A, C, D ou E – pode
requerer a habilitação, suponha-se que é A quem a requer; C é notificado do facto e D
e E são citados (219.º, n.º 1 e 2);
− Contestação no prazo de 10 dias (293.º, n.º 1 e 2); a falta de contestação é inoperante
(353.º, n.º 3, e 354.º, n.º 1), pois que, de outra forma, não se compreenderia a
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/188

exigência, realizada pelo 354.º, n.º 1, da produção da prova depois de findo o prazo da
contestação;
− Produção de prova, se a ela houver lugar (354.º, n.º 1 + 352.º, n.º 2, e 353.º);
− Decisão, que tem o valor de sentença: sentença de habilitação (353.º, n.º 3, e 354.º/1);
− Notificação desta decisão às partes na habilitação, notificação que faz cessar a
suspensão da instância, nos termos do art. 276.º, n.º 1, al. a).

3.3. Decisão

O valor da decisão de habilitação é o seguinte:


− A qualidade de herdeiro “ou aquela que legitimar o habilitando para substituir a parte
falecida”, declarada noutro processo por decisão transitada em julgado, serve de base
à habilitação (353.º/1); a decisão de habilitação produz caso julgado fora do processo,
embora não erga omnes, pois que admite a oposição referida no 353.º, n.º 2;
− “A improcedência da habilitação não obsta a que o requerente deduza outra, com
fundamento em factos diferentes ou em provas diversas relativas ao mesmo facto”
(352.º, n.º 3); quer dizer: a sentença de habilitação favorável produz efeito de caso
julgado, dentro e fora do processo, embora só entre as partes, mas a sentença de
habilitação desfavorável vê os seus efeitos fortemente atenuados pois este preceito
permite a renovação da habilitação, no processo em que foi proferida ou noutro,
invocados ou novos factos ou novas provas, ou ambas; apesar de a redacção do
352.º, n.º 3, dar a entender que, no mesmo processo, a habilitação só pode ser
requerida com base em novas provas, a renovação com base em novos factos
também deve ser admitida a fortiori.

4. Transmissão entre vivos


4.1. Características da habilitação

a) Ainda mais melindroso é o caso da habilitação por transmissão entre vivos, previsto no
356.º, sendo de ter em conta o 263.º quanto à qualidade de substituto processual que é atribuída
ao transmitente ou cedente. A habilitação por transmissão entre vivos pressupõe a transmissão de
direito ou dever litigioso. Apesar de, em relação ao réu, a propositura da acção só produzir efeitos
depois da citação (259.º, n.º 2), há que entender que qualquer transmissão ocorrida depois da
propositura da acção determina a aplicação do 263.º, o que significa que, se a transmissão foi
realizada pelo réu antes da citação, essa parte é citada como substituto processual do adquirente.
Tanto a transmissão da posição do autor – direito de crédito, direito real –, como a
transmissão da posição jurídica do réu – dever, posse, aparente direito de crédito, aparente direito
real – justificam a habilitação.
A habilitação pode ter por base termo de cessão ou requerimento de habilitação em
conjunto com o título da aquisição ou da cessão (356.º, n.º 1, al. a)). Depois de ser lavrado o termo
de cessão ou junto o requerimento de habilitação, é notificada a parte contrária para contestar
(356.º, n.º 1, al. a) 1.ª parte). O notificado pode impugnar a validade do acto ou alegar que a
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transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo (356.º, n.º 1, al. a) 2.ª
parte), isto é, invocar que o substituto agiu de má fé (542.º, n.º 2, al. d)). Se houver contestação, o
requerente pode responder-lhe e em seguida, depois de produzidas as provas, é proferida decisão
(356.º, n.º 1, al. b) 1.ª parte); se não houver contestação, verifica-se se o documento prova a
aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário
(356.º, n.º 1, al. b) 2.ª parte).

b) A habilitação do adquirente ou do cessionário é facultativa e não pode ser suscitada


oficiosamente. Isso quer dizer que a transmissão entre vivos do direito litigioso não afecta, em
princípio, o processo: o transmitente ou cedente continua em juízo como substituto adquirente ou
cessionário (263.º, n.º 1), pelo que, se ninguém solicitar a habilitação, o juiz julga à mesma de
mérito, entre as partes iniciais, ignorando a transmissão. Podem requerer a habilitação o cedente
ou transmitente, o cessionário ou transmissário e ainda a parte contrária (356.º, n.º 2). Assim, se A
reivindica x contra B e se A vende x a C, A, B e C podem requerer a habilitação de C; se B vender
x a D, A, B e D podem requerer a habilitação de D.

c) Também pode suceder que a transmissão do direito não seja conhecida da contraparte e
do tribunal, porque a parte transmitente ou cedente não a deu a conhecer em juízo. Nesta
hipótese, a transmissão ou cessão não opera nenhuma mudança na legitimidade do transmitente
ou cedente (não se verifica nenhuma substituição) e, em princípio, qualquer cumprimento da
obrigação àquela parte pelo réu condenado é liberatório deste demandado (583.º CC).

4.2. Caso julgado

O problema que se levanta não é tanto o da admissibilidade da habilitação, como o dos


efeitos do caso julgado sobre a parte não presente no processo quando este for decidido:
− Cabe averiguar se, não havendo habilitação, o caso julgado obtido vincula o
cessionário ou adquirente;
− Cabe igualmente verificar se, havendo habilitação, o caso julgado obtido vincula o
cedente ou transmitente.

b) O primeiro problema é resolvido pelo 263.º, n.º 3. Suponha-se que A move uma acção
contra B, pedindo a declaração de ser ele A, e não B, proprietário de x; suponha-se ainda que, no
decurso da acção A transmite a C entre vivos os seus direitos sobre x ou que B transmite a D
entre vivos os seus direitos sobre x. Como continuação da hipótese, suponha-se que esta
transmissão não dá lugar a nenhuma modificação subjectiva da instância, pelo que sobrevém
sentença e que esta transita em julgado. O problema é o de saber se esta sentença vincula C ou
D (podendo, em caso afirmativo, A mover acção executiva contra o mesmo D, ou C contra B).
A tese negativa apoiar-se-ia na limitação subjectiva do caso julgado. O processo entre A e B
é para C e D res inter alios acta. A sentença respectiva não vincularia portanto C ou D – caso A
tivesse perdido, C poderia repropor a acção; caso tivesse ganho, D poderia voltar a afirmar-se
proprietário. Aliás, bem se poderia dizer que a sentença deveria ser de absolvição da instância, por
ilegitimidade superveniente de A ou de B.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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Não é este o sistema da lei, como se vê do referido art. 263.º. Mantém -se a legitimidade do
transmitente (art. 263.º, n.º 1) e a sentença proferida entre A e B vincula C e D, excepto no caso de
a acção estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da
acção (263.º, n.º 3). Este regime não é contrário à limitação subjectiva do caso julgado, porque o
transmissário C (ou D) é, em relação a A (ou B) a mesma parte, sob o ponto de vista da sua
qualidade jurídica (581.º, n.º 2). Declarado por sentença contra B que A é proprietário de x, ou que
o não é, isso beneficia ou vincula tanto A e B, como todos os seus sucessores.
Os interesses de C e D – que podem ter a correr contra si e conduzidos por outrem um processo em
que se trate dos seus interesses – são garantidos:
− Pela possibilidade, nos termos gerais, de anular por erro a compra se C ou D não
souber que x é litigioso (251.º e 253.º CC);
− Pelas regras dos art. 892.º a 904.º CC (aquilo que antigamente se chamava evicção);
− Pela possibilidade de C ou D deduzirem a habilitação; 263.º/1, mostra que o
adquirente pode ser admitido a substituir o transmitente, promovendo a habilitação
(356.º, n.º 2).

c) Tendo o cedente ou o adquirente saído da causa, por habilitação do cessionário ou do


adquirente, importa analisar se fica vinculado pelo caso julgado. Suponha-se que A reivindica x em
poder de B, e, no meio da acção, vende x a C; C habilita-se, e A deixa de ser parte; B ganha o
processo, e esta decisão transita em julgado; cabe perguntar se A pode, depois do trânsito em
julgado, demandar de novo, alegando a transmissão para C e negando que o caso julgado o
vincule. Dado que a decisão de habilitação deixou assente um nexo de sucessão entre A e C,
parece que são a mesma parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica (581.º, n.º 2), pelo que
há que concluir que o caso julgado vincula A e C.

III. Intervenção de terceiros


1. Preliminares
1.1. Generalidades

Iniciado o processo, ficam determinadas as partes principais e aqueles que o não são ficam
na posição de terceiros. Estes terceiros, no entanto, podem passar a partes no processo, no
decorrer deste: ou por se habilitarem como sucessores de uma das partes (262.º, al. a)) ou através
das várias formas de intervenção de terceiros (262.º, al. b), e 311.º a 350.º). A intervenção pode
mesmo ser espontânea. Como incidentes da instância, são aplicáveis à intervenção de terceiros
as disposições gerais dos 292.º a 295.º.
O terceiro interveniente pode assumir uma posição paralela à do autor ou do réu, uma
oposição ao autor ou o réu, ou ainda uma posição de auxílio ao autor ou ao réu. Sendo assim, são
três as figuras a analisar: a intervenção principal, a oposição e a assistência.

1.2. Pressupostos processuais

A intervenção do terceiro é um ato processual que exige PJ, capacidade, legitimidade e,


eventualmente, representação por mandatário judicial.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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1.3. Produção de efeitos

A intervenção do terceiro produz, a partir da intervenção espontânea ou da citação do


interessado, os efeitos enumerados no 564.º, aplicado analogicamente. Nenhum efeito é
produzido com eficácia retroativa, isto é, reportado ao momento da citação do réu inicial, nem
mesmo quando a intervenção do terceiro sana uma situação de ilegitimidade (311.º, 316.º, n.º 1, e
261.º, n.º 1).

2. Intervenção principal
2.1. Modalidades gerais

Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode intervir nela como parte
principal aquele que em relação ao objecto da causa tiver um interesse igual ao do autor ou do réu
(311.º), isto é, aquele que for titular de um direito próprio, mas paralelo ao do autor ou do réu
(312.º), e que, por isso se possa litisconsorciar com qualquer daquelas partes. A intervenção
principal dá origem a um litisconsórcio sucessivo, do tipo de um só pedido ou pedidos idênticos ou
indiscriminados, mas o litisconsórcio decorrente da intervenção pode ser voluntário (311.º (em
referência ao 32.º) e 316.º/2 e 3) ou necessário (311.º (em referência aos art. e 33.º e 34.º) e
326.º/1).
A intervenção principal caracteriza-se por se destinar a permitir a intervenção de um terceiro
que se vai litisconsorciar com uma das partes primitivas e fazer valer um direito próprio contra a
outra parte. Esta intervenção pode ser espontânea – isto é, da iniciativa do terceiro (311.º) – ou
provocada por qualquer das partes já presentes no processo (316.º). A intervenção espontânea
pode ser activa ou passiva (311.º) e qualquer destas pode ser adesiva ou autónoma (312.º).

2.2. Intervenção espontânea adesiva

a) A intervenção adesiva visa permitir a mera adesão de um terceiro que é titular de um


direito próprio, mas paralelo ao do autor ou do réu, aos articulados de uma destas partes. A
intervenção adesiva pode ter por base um litisconsórcio voluntário ou necessário (311.º) e é
deduzida em simples requerimento, fazendo o interveniente seus os articulados do autor ou do réu
(313.º, n.º 2). Por exemplo: (i) A, um dos credores solidários, propõe uma acção contra B; C, um
outro desses credores, pode intervir como aderente ao lado de A; (ii) D, cônjuge de E, propõe uma
acção de reivindicação de um terreno contra F; E pode aderir à acção como autor. A circunstância
de a intervenção adesiva permitir a constituição de um litisconsórcio necessário possibilita que
essa intervenção seja usada para sanar a preterição desse litisconsórcio.

b) O interveniente tem de aceitar a causa no estado em que esta se encontrar e é


considerado revel quanto aos actos e termos anteriores à sua intervenção, mas goza do estatuto
de parte principal a partir do momento dessa intervenção (313.º, n.º 3). Assim, pela natureza da
intervenção adesiva, o interveniente não pode apresentar nenhum articulado próprio e nem sequer
se pode substituir ao réu na contestação da ação, mas pode participar em todas as audiências da
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/192

causa, apresentar e requerer provas, depor como parte, impugnar decisões e intervir em negócios
processuais (desistência, confissão e transacção).
A intervenção principal adesiva é admissível a todo o tempo enquanto a causa não estiver
definitivamente julgada (313.º, n.º 1): trata-se de uma simples adesão à causa, no estado em que
esta estiver. Essa intervenção só não é admissível, se a parte contrária tiver uma defesa pessoal a
opor ao interveniente e o estado do processo já não lhe permitir fazer valer essa defesa (313.º, n.º
4). Exemplo: estando pendente uma acção entre A, um dos credores solidários, e B, C, um outro
dos credores solidários, adere ao processo; a intervenção não é admissível se o demandado B
invocar que o estado do processo já não lhe permite invocar uma defesa pessoal contra C. Em
regra, tal é o que sucede quando o processo já não se encontrar na fase dos articulados.
Na hipótese de o réu poder fazer valer uma defesa pessoal contra o interveniente e de a
intervenção adesiva ser admitida (313.º/4), o interveniente pode responder num articulado a
apresentar num prazo de dez dias (regra geral dos incidentes da instância: 293.º/2). Em termos
sistemáticos, esta solução não é, no entanto, muito coerente: se uma semelhante defesa pessoal for
deduzida contra o autor originário na contestação e se o processo não comportar réplica nos
termos do 584.º, a resposta daquela parte só pode acontecer na audiência prévia ou,
subsidiariamente, na audiência final (3.º/4).

2.3. Intervenção espontânea autónoma

A intervenção principal espontânea também pode ser autónoma: o interveniente formula, até
ao termo da fase dos articulados, a sua própria petição, se pretender intervir como autor, ou
contesta a pretensão do autor, se pretender intervir como réu (314.º). Por exemplo: (i) A, B e C são
credores de D de 60000; D nega a dívida; A demanda D por 20000; no decurso do processo, C e
D podem espontaneamente vir tentar cobrar as suas parcelas no crédito, entrando para a posição
de autores ao lado de A; (ii) E é credor de uma dívida solidária de F, G e H; E demanda F; G e H
podem intervir como réus, procurando demonstrar que o crédito alegado por E não existe.
O interveniente principal autónomo faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do
réu, através da apresentação de um articulado próprio (314.º). Ambas as partes primitivas podem
responder à intervenção requerida pelo terceiro (315.º/1). Se a intervenção for admitida, seguem-
se os demais articulados (315.º/1): à petição inicial do interveniente segue-se a contestação do
réu, mas, em regra, à contestação desse interveniente, não se segue a réplica (584.º).

2.4. Intervenção provocada

a) A intervenção provocada pode ser utilizada para sanar a preterição de um litisconsórcio


necessário (316.º/1), para permitir a constituição de um litisconsórcio voluntário (316.º/2 e 3) e
para reconhecer o direito de regresso de um condevedor solidário (317.º/1).

b) Se ocorrer preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a


juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como associado, seja como
associado da parte contrária (316.º/1). Exemplo: (i) numa acção destinada a exigir o cumprimento
de uma obrigação indivisível, foi demandado apenas um dos devedores; o autor pode provocar a
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/193

intervenção dos demais (535.º/1 CC); (ii) numa acção que tem por objecto o pagamento de uma
dívida comunicável, foi demandado apenas um dos cônjuges; o demandante pode promover a
intervenção do outro (34.º/3; 1695.º/1 CC).
Esta intervenção pode ser provocada por qualquer das partes até ao termo da fase dos
articulados ou até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por
não se encontrar em juízo determinada pessoa (318.º, n.º 1, al. a)).

c) No litisconsórcio voluntário, as hipóteses de intervenção são distintas consoante a


iniciativa da intervenção seja do autor (316.º/2) ou do réu (316.º/3). O autor pode provocar, até ao
termo da fase dos articulados (318.º/1, al. b)):
− A intervenção de algum litisconsorte do réu que o demandante não haja demandado
inicialmente (316.º, n.º 2); por exemplo: (i) o autor demanda apenas um dos devedores
solidários (32.º/2); pode provocar a intervenção de um outro devedor solidário, embora
apenas se se verificar alguma das condições previstas no art. 519.º/2 CC; (ii) o autor
demanda, pela totalidade da dívida, somente um dos devedores conjuntos (32.º/1);
pode provocar a intervenção de outros devedores;
− A intervenção de terceiro contra quem o demandante pretenda dirigir,
subsidiariamente, o pedido (316.º/2); Exemplo: o autor dirige o pedido indemnizatório
contra o demandado; da contestação apresentada surgem dúvidas sobre se o agente
do acto ilícito não foi um terceiro; o autor pode provocar a intervenção deste terceiro.
O réu pode provocar, na contestação ou em requerimento apresentado no prazo de que
dispõe para o efeito (318.º/1, al. c)):
− A intervenção de outros sujeitos passivos da relação material controvertida (316.º/3,
a)); Exemplo: o devedor demandado pode provocar a intervenção de um outro
devedor da obrigação solidária (518.º CC) e o fiador demandado pode promover a
intervenção de um co-fiador (649.º/1, e 518.º CC); a titularidade da relação material
controvertida tem de ser entendida num sentido amplo, pelo que a previsão também
abrange a intervenção do devedor por iniciativa do fiador demandado (641.º/1 1 2.ª
parte, CC), a intervenção da sociedade civil (997.º/2, CC) ou da sociedade em nome
colectivo e dos demais sócios por iniciativa do sócio demandado (175.º/1, CSC);
− A intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor (316.º/3, b)).

d) Existe uma subespécie de intervenção principal provocada na qual o réu demandado


como condevedor solidário pode chamar para o seu lado os outros, ou algum dos outros,
condevedores, visando acautelar um eventual direito de regresso: 317.º/1.
Esta intervenção tem de ser deduzida na contestação ou no prazo desta (318.º/1, c)) e visa
obter apenas a condenação do condevedor chamado na satisfação do direito de regresso que
possa vir a assistir ao demandado inicial (317.º/1; 524.º CC). É isto que justifica que, se estiver em
causa somente este direito de regresso, o primitivo réu seja condenado no pedido e se passe a
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

I/194

discutir no processo apenas o direito de regresso invocado pelo demandado inicial contra o
interveniente (317.º/2).

e) Quanto aos aspectos de procedimento, há que considerar o seguinte:


− Depois de ouvida a parte contrária, tribunal decide da admissibilidade do chamamento
(318.º/1);
− Se a intervenção for admitida, o interessado é citado (319º/1); depois disso, o
interveniente pode oferecer o seu articulado ou declarar que faz seus os articulados do
autor ou do réu (319.º/3); se a intervenção ocorrer depois do prazo da contestação, o
interveniente tem de aceitar os articulados da parte a que se associa (319.º/4).

f) A sentença proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que o


chamado a intervir seja titular e constitui, quanto a ele, caso julgado (320.º). Para respeitar o
princípio do contraditório (3.º/2), este regime tem de ser objecto de uma interpretação restritiva: ele
só pode valer para a hipótese em que o interveniente podia ter defendido a sua posição em
articulado próprio ou, aquele regime não pode valer na situação em que o interveniente já só pode
aderir aos articulados da parte a que se associa (319.º/4). Exemplo: a acção, relativa a uma dívida
comum, foi proposta apenas contra um dos cônjuges; o demandado invoca, na contestação, a sua
ilegitimidade (33.º/1, e 34.º/3; 1695.º, n.º 1, CC); depois da notificação da apresentação desse
articulado, o autor provoca a intervenção do outro (316.º/1); este cônjuge não pode apresentar
articulado próprio (319.º/4) e, por isso, não lhe pode ser oponível um caso julgado desfavorável.
Portanto, o chamamento do 3º pode ser suficiente para assegurar a observância do litisconsórcio
necessário, mas pode não o ser para fundamentar a vinculação do interveniente ao caso julgado.

3. Oposição
3.1. Generalidades

a) A noção de oposição pode ser extraída do disposto no 333.º/1: estando pendente uma
causa entre duas ou mais, pode um terceiro intervir nela como opoente para fazer valer um direito
próprio, incompatível com a pretensão do autor ou do reconvinte. A oposição pode ser definida
como a intervenção que dá origem a um litisconsórcio recíproco, material e formal. Enquanto na
intervenção principal o interveniente se litisconsorcia com uma das partes primitivas e se opõe à
outra (312.º), na oposição o interveniente opõe-se a ambas as partes (333.º/1).
A oposição assegura uma tutela do terceiro contra a “usurpação de direitos que lhe
pertencem”. Exemplos: (i) A reivindica x a B; C, que se considera proprietário de x, pode intervir
nesta acção como terceiro opoente, reivindicando x para si; (ii) D propõe uma acção contra E,
pedindo o cumprimento de um crédito; F pode intervir como opoente, alegando que a cessão do
crédito que fez para D é inválida e que, portanto, continua a ser o credor. Em geral, o opoente
pede contra o autor a apreciação de um facto e contra o réu a condenação numa prestação.

b) A intervenção do opoente só é admitida enquanto não estiver designado dia para a


audiência final em 1.ª instância ou, não havendo essa audiência, enquanto não estiver proferida
sentença (333.º/2). A admissibilidade da oposição evita o proferimento de decisões incompatíveis.
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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3.2. Modalidades da intervenção

A oposição pode ser espontânea (333.º/1) ou provocada pelo réu, quando esta parte esteja
pronta a satisfazer a prestação, mas tenha conhecimento de que um terceiro se arroga ou pode
arrogar-se direito incompatível com o do autor (338.º).

3.3. Intervenção espontânea

a) No caso da oposição espontânea, o opoente deduz a sua pretensão por meio de petição
(334.º) e assume a posição de parte principal (335.º/1), podendo verificar-se:
− Se alguma das partes da causa principal reconhecer o direito do opoente, o processo
segue apenas entre a outra parte e o opoente (337.º/1);
− Se ambas as partes impugnarem o direito do opoente, a instância segue entre as
partes, havendo neste caso duas causas conexas, uma entre as partes primitivas e
outra entre o opoente e aquelas (337.º/2).

b) A parte que reconhecer o direito do opoente é excluída da acção (337.º/1), porque o litígio
se verifica apenas entre a outra parte e o opoente. O reconhecimento pode ser realizado pelo
primitivo autor, mas a situação mais comum é aquela em que é o réu que reconhece o direito do
opoente. Exemplo: o devedor demandado numa acção de cobrança de dívida reconhece que o 3º
é o verdadeiro credor; a acção continua apenas entre o primitivo autor e o opoente, para se
determinar qual deles é o credor da prestação do réu.
O objecto deste segundo processo é distinto do objecto do primeiro processo entre o autor e
o primitivo réu. Nele, o primitivo autor pede que o opoente o reconheça como titular do direito.
Normalmente, o opoente não pretende obter uma decisão de improcedência (que determina
apenas que o primitivo autor não é o titular), mas antes uma decisão de condenação desse
primitivo autor a reconhecer a sua titularidade do direito. Para isso, o opoente tem de formular um
pedido de tipo reconvencional contra o primitivo autor.
Muito frequentemente, este segundo processo termina com decisão que reconhece uma
das partes (primitivo autor ou opoente) como titular do direito. Não se pode excluir que processo
finde com uma decisão de improcedência: nenhuma das partes é reconhecida como titular.

b) Se ambas as partes impugnarem o direito do opoente, passa a haver duas causas


conexas, uma entre as partes primitivas e a outra entre o opoente e aquelas (337.º/2). Apesar
desta pluralidade de acções, a decisão delas tem de ser conjunta.

3.4. Intervenção provocada

O réu pode estar disposto a satisfazer a prestação que lhe é exigida pelo autor, mas
conhecer de que um terceiro se arroga ou pode arrogar‐se de um direito incompatível com o da
parte: aqui o réu pode requerer, dentro do prazo, que o terceiro seja citado para deduzir,
J. de Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa

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querendo, a sua pretensão, desde que aquele demandado proceda simultaneamente à


consignação em depósito da quantia ou coisa devida (338.º; 916º/3).
Realizado este depósito, procede-se à citação do 3º, para que este deduza a sua pretensão
(339.º). Depois da citação do terceiro:
− Se o terceiro não deduzir a sua pretensão, tendo sido citado na sua própria pessoa e
não se verificando nenhuma das excepções ao efeito da revelia, é proferida sentença
a declarar extinta a obrigação em consequência do depósito realizado pelo réu
(340.º/1; sobre as referidas excepções, 567.º/1, e 568.º); nesta hipótese, a sentença
tem força de caso julgado relativamente ao terceiro que foi chamado a intervir
(349.º/2);
− Se o terceiro deduzir a sua pretensão, declara-se igualmente extinta a obrigação do
réu, mas a acção continua entre o autor e o opoente (341.º e 922.º/3).

3.5. Embargos de terceiro

Uma das modalidades mais importantes da intervenção espontânea é constituída pelos


embargos de terceiro, que são um meio de reação de 3º contra um ato, judicialmente ordenado, de
apreensão ou entrega de bens que ofenda a sua posse ou um seu direito que seja incompatível
com a realização ou o âmbito da diligência (342.º/1). Exemplo: cônjuge que não seja executado
pode embargar de terceiro numa execução em que sejam penhorados bens próprios ou bens
comuns (343.º). Embora os embargos de terceiro tenham um campo de aplicação mais vasto, a
sua aplicação mais frequente é a de meio de oposição a penhora decretada em acção executiva.
Os embargos de terceiro podem ser repressivos (342.º/1) ou preventivos (350.º CC) e são
deduzidos através de um incidente que corre por apenso à causa em que haja sido ordenado o acto
ofensivo do direito do embargante (344.º, n.º 1). Estes embargos apresentam a particularidade de,
depois de deduzidos, a sua continuação ficar dependente da prova da probabilidade séria da
existência do direito invocado (345.º). Dado que o embargante invoca um direito incompatível com
o acto de apreensão ou entrega, a sentença de mérito proferida nos embargos constitui caso
julgado quanto à existência e titularidade desse direito (349.º).

4. Intervenção acessória
4.1. Noção

A intervenção acessória pode definir-se como a intervenção de uma parte acessória. A parte
acessória é alguém que pode ser atingido pela decisão da causa e que, por isso, auxilia uma das
partes principais a evitar que uma decisão desfavorável venha a ser proferida.
Não é difícil distinguir entre a intervenção acessória e a intervenção principal adesiva. A
diferença entre ambas reside tanto nos pressupostos, como no resultado: a intervenção acessória
pressupõe que o interveniente é titular de uma situação subjectiva dependente daquela que
constitui o objecto do processo (321.º/1, e 326.º/1) e conduz à entrada de uma parte acessória na
ação (323.º/1, e 326.º/1); a intervenção adesiva requer que o interveniente seja titular de uma
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situação subjectiva paralela à do autor ou réu (312.º) e ocasiona a formação de um litisconsórcio


sucessivo (313.º/1).

4.2. Intervenção espontânea

a) A intervenção acessória pode ser espontânea (326.º/1) ou provocada (321.º/1, e 325.º/1).


Estando pendente uma causa, pode intervir nela como assistente quem tiver interesse jurídico em
que a decisão do pleito seja favorável a uma das principais (326º/1). O interesse tem de ser
pessoal e atual – tem de existir no momento da intervenção ou depender exclusivamente da
decisão da causa.
Como fundamento da intervenção basta a titularidade de uma relação jurídica cuja
consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido (326.º/2). Atendendo a que
não há qualquer obstáculo a que quem tem legitimidade para intervir como parte principal possa
intervir como assistente e que pode intervir como assistente mesmo quem não tem legitimidade
para intervir como principal, as hipóteses mais frequentes de intervenção como assistente são:
− Extensão do caso julgado; exemplo: fiador pode intervir na acção proposta pelo credor
contra devedor, dado que beneficia de um caso julgado favorável a este (635.º/1, CC);
− Relações de prejudicialidade; Exemplo: A celebra com B um contrato de arrendamen-
to do prédio x; C reivindica x em acção proposta contra A; B (arrendatário) pode
intervir nessa acção como assistente de A, porque tem interesse em que o seu
senhorio seja reconhecido como proprietário;
− Direito de regresso: o terceiro contra o qual o demandado tenha acção de regresso
pode intervir como assistente, dado que esse terceiro pode ser chamado a intervir
como parte acessória por aquele demandado (321.º/1); Exemplo: C propõe uma acção
contra D, pedindo a anulação do contrato de compra de bem, dado que este
apresenta defeitos que o vendedor não podia desconhecer (913.º e 905.º/1, CC); E,
que tinha vendido a coisa a D, pode intervir nessa acção, procurando auxiliar esta
parte a não perder a acção.
Pode discutir-se se a parte substituída pode intervir como assistente do seu substituto
processual. Parece haver que distinguir duas situações: se a parte substituída for o adquirente ou o
cessionário do substituto processual (situação prevista no 263.º/1), é estranho que quem se pode
habilitar a ser parte em substituição do substituto processual possa ser parte acessória desse
mesmo substituto; mas se a parte substituída for outro sujeito, nada impede que este sujeito possa
intervir como assistente do seu substituto (exemplo: o devedor insolvente pode intervir como
assistente do administrador da insolvência numa acção de cobrança de uma dívida à massa falida).

b) O assistente tem de aceitar o processo no estado em que este se encontrar no momento


da intervenção (327.º/1). O assistente tem no processo a posição de auxiliar de uma das partes
principais (328.º/1) – é uma parte acessória, pelo que, embora possa praticar os mesmos actos
que a parte principal, não pode praticar actos que estejam em oposição com os do assistido
(328.º/2). O assistente pode completar todos os actos praticados pelo assistido, mesmo que contra
a vontade deste, mas não pode substituir-se à vontade do assistido quanto a actos que este não
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tenha praticado (porque a não prática do acto pelo assistido preclude, de vez, a sua realização). A
assistência não afecta os direitos das partes principais, que podem livremente confessar, desistir
ou transigir, findando em qualquer destes casos a intervenção (331.º).
O assistente não é uma parte principal, pelo que não pode formular pedidos para defesa
dos seus interesses próprios (não pode, por exemplo formular um pedido reconvencional: 266.º/1),
nem contra ele podem ser formulados quaisquer pedidos. Pela mesma razão, o assistente não
pode desistir, confessar ou transigir sobre o objecto da causa (283.º) e também não pode acordar
com a contraparte do seu assistido sobre a alteração do pedido ou da causa de pedir (264.º). No
entanto, o assistente pode depor como parte (455.º), pelo que está impedido de depor como
testemunha (496.º).
Se o assistido for revel, o assistente é considerado como seu substituto (329.º). Isto significa
que o assistente passa a assumir a posição de parte principal e que, se ainda houver prazo para a
apresentação da contestação, o assistente pode contestar a acção.

c) A assistência cessa com a extinção da instância. Além disso, por analogia com o 285º/2,
quanto à desistência da instância pela principal, o assistente pode desistir da sua intervenção.
Esta desistência não tem nenhum efeito retroativo, pelo que permanecem eficazes os actos
anteriormente praticados pelo assistente.
Ao contrário do que sucede quanto ao falecimento ou extinção de uma principal (269.º/1,
a)), a morte ou extinção do assistente não conduz à suspensão da instância. Ninguém se pode
habilitar a ocupar a posição de um assistente falecido ou extinto.

d) Quando o MP deva intervir como parte acessória, devem ser-lhes notificados


oficiosamente a pendência da acção (325.º/1) e todos os actos e diligências (325.º/3). Sem prejuízo
das preclusões legais, o MP pode alegar o que se lhe oferecer em defesa dos interesses da pessoa
ou assistida (325.º/4).

4.3. Intervenção provocada

a) A ideia geral da intervenção acessória provocada é a de o réu chamar ao processo uma


pessoa que, caso o réu perca o processo, terá de indemnizar o mesmo réu: o réu que tenha acção
de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda,
pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade
para intervir como principal (321.º, n.º 1). A intervenção só pode ser provocada pelo réu e apenas
com fundamento na sua possível condenação, mas esta intervenção acessória é mais ampla do
que a intervenção principal que se encontra no 317.º/1.
Esta forma de intervenção acessória cumpre: dar conhecimento ao terceiro da pendência da
causa e proporcionar-lhe a intervenção nesta, de modo a poder acompanhar a actuação do
chamante que é titular do direito de regresso. Exemplo: (i) a sociedade de seguros A segura B,
dono de uma fábrica de explosivos, contra terceiros; dá-se uma explosão que danifica o prédio de
C, o qual demanda B pedindo uma indemnização; B pode fazer intervir a sociedade seguradora;
(ii) D comprou a E um prédio que F reivindica de D; se D perder, havendo estado de boa fé, pode
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pedir a E o preço que pagou e a indemnização a que se refere o 898.º CC; E tem assim interesse
em que D ganhe o pleito, pelo que D pode provocar a sua intervenção em juízo.

b) O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, se o réu não quiser contestar, no
prazo em que aquela devia ser apresentada (322.º/1). O chamamento só é deferido quando o juiz
entenda que a intervenção do terceiro não perturba indevidamente o normal andamento do
processo e quando se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua dependência das
questões a decidir na causa principal (322.º/2). A intervenção do chamado circunscreve-se à
discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso (321.º/2), mas esse
chamado pode contestar a acção e passa a beneficiar do estatuto de assistente (323.º/1). O
chamado fica vinculado ao caso julgado da decisão da causa nos mesmos termos do assistente
(323.º/4).
O chamamento interrompe a prescrição do direito de regresso do réu contra o terceiro, pois
que a citação deste mostra a intenção do réu de vir a exercer esse seu direito (323.º/1, CC).

4.4. Caso Julgado

a) A decisão proferida no processo em que se verificou a intervenção da parte acessória


adquire valor de caso julgado nos termos gerais. Importa verificar em que condições é que a parte
acessória fica vinculada ao caso julgado: a resposta é dada pelo disposto no 332.º, regime
igualmente aplicável ao interveniente provocado (323.º/4).
O assistente fica vinculado ao caso julgado da decisão nos termos do 332.º: a sentença
proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente em qualquer causa posterior,
os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido. Portanto, ficam abrangidos pelo
caso julgado oponível ao assistente todos os fundamentos da decisão, o que mostra que esse
caso julgado é mais extenso do que normalmente, dado que os fundamentos não são vinculativos
num outro processo. É por isso que esse caso julgado não vale nem nas relações entre o
assistente e a contraparte da parte assistida, nem entre esta parte e a sua contraparte.
O assistente deixa de ficar vinculado ao caso julgado se excepcionar a condução deficiente
do processo pela parte assistida. O assistente não fica vinculado ao caso julgado se:
− Alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua
intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou
meios de prova que poderiam influir na decisão final (332.º, a));
− Mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova susceptíveis
de influir na decisão e que o assistido não se socorreu deles intencionalmente ou por
negligência grave (332.º, al. b)).
b) Este regime demonstra que o fundamento para a intervenção acessória não é a extensão
ao terceiro do caso julgado da decisão proferida na acção entre as partes principais. De outro
modo, não se compreenderia que, como resulta do 332.º, só o terceiro que efectivamente intervém
na acção fique vinculado ao caso julgado (e, mesmo assim, com certas restrições).
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5. Intervenções inominadas
Além destes casos de intervenções de terceiros, ainda conta a lei processual com outras
hipóteses em que se verifica igualmente a entrada de um novo sujeito no processo para nele
defender os seus interesses na posição de parte: é o caso do disposto nos 741.º/2, 742.º/1, e
786.º/1.
Se as partes puderem e quiserem fazer terminar a instância por uma transacção judicial,
podem, se isso lhes convier, alargar o objecto da transacção objectivamente para fora do pleito, e
subjectivamente a outras pessoas, ainda que não partes na causa. Essas pessoas intervêm no
processo unicamente para transigirem, pelo que, quanto a elas, a transacção é extrajudicial. Não há
nenhuma razão que se oponha a que a transacção judicial resolva litígios ultra petita (264.º) e para
além das partes iniciais do processo.

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