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Paula da Cruz 

Landim, professo-
150 anos de Gu stav K l i mt ra e pesquisadora da Faculdade de
Artes, Arquitetura e Comunicação
O artista da transição (Faac) da Universidade Estadual
Paulista “Julio de Mesquita Filho”
(Unesp) de Bauru.
Figurando entre os autores das século XX, quando aconteceram “A arte figurativa, mimética, que ti-
cinco obras de arte que mais arre- revoluções na indústria, na ciência, nha um ideal de beleza baseado em
cadaram dinheiro em leilões até na sociedade e, claro, na arte. normas – que chegava a ditar o que
hoje – ao lado de Cézanne e Van “Se há um período histórico on- podia ou não ser retratado e decidia
Gogh – Gustav Klimt completaria de tudo mudou rapidamente é a o que era considerado arte  –  era re-
150 anos de idade no dia 14 de ju- Belle Époque europeia, com revo- jeitada por esses novos artistas. Na
lho. Nascido em Viena, na Áustria, luções acontecendo em todos os Áustria, na França, na Itália, em to-
Klimt cresceu num dos períodos campos. Esse foi o período onde as da a Europa, diversos movimentos
mais fervilhantes da história da ar- vanguardas artísticas faziam coro procuravam novas formas de repre-
te ocidental, a Europa das últimas no enfrentamento às concepções sentação, com maior liberdade pa-
décadas do século XIX e início do extremamente rígidas da arte aca- ra o artista e mais experimentações
Fotos: Reprodução dêmica, engessada em tanto no campo da pintura e escul-
uma estética que tinha tura, quanto fora delas, procurando
um pé no renascentis- novos suportes para sua expressão”,
mo. Klimt­ era um dos afirma Vanessa Beatriz Bortulucce,
artistas que faziam parte pesquisadora ligada à Universidade
dessas vanguardas – ele Estadual de Campinas (Unicamp).
foi um dos fundadores  
da Secessão Vienense Entre o figurativo e o abstrato A
– e influenciava e era arte de Klimt transitava entre o figu-
influenciado por essa rativo e o abstrato. Mas seu figurati-
profusão de novos ca- vo – estilo que garantia uma menor
minhos na arte”, explica rejeição inicial por parte do grande
público – já não era o figurativo clás-
A Secessão de Viena sico, formatado. Seu estilo dialogava
foi um dos movimentos com certos desprendimentos. Ele re-
artísticos de vanguarda
europeia que visava uma
tratava a velhice, os corpos nus nem
ampliação do sentido de sempre perfeitos, a sensualidade bei-
arte, rompendo com a rando o sexual. Além disso, ele emol-
tradição acadêmica. A durava as cenas com complexos pa-
Secessão incluiu artistas,
escultores e arquitetos drões abstratos (Wassily Kandinsky
e Gustav Klimt foi o era contemporâneo seu em Viena).
principal influenciador As obras de Klimt pareciam retratar,
do movimento. Os
artistas vienenses foram
de certa forma, essas transições que
pioneiros em documentar pairavam no ar da Belle Époque.
seus objetivos em “As obras de Klimt, especialmente
estatutos e ensaios, da chamada ‘fase dourada’, fazem
publicados na revista Ver
Sacrum, distribuída em diversas releituras da arte oriental.
diversos países Não o Oriente que serve de inspira-

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ção para o ‘japonismo francês’, mas inclusive, acabaram se tornando cavam revistas. Era uma forma dos
a arte bizantina, e mesmo a egípcia grandes paixões na vida do artista. participantes dos movimentos deba-
que inspiram Klimt. Suas obras mais   terem ideias entre si, com os partici-
reconhecidas são aquelas onde as co- As novas artes Klimt é contempo- pantes de outros movimentos e com
lagens de elementos – já experimen- râneo do movimento Art Nouveau a sociedade em geral. Isso era muito
tando novos materiais propostos e do final do Arts and Crafts inglês. rico, pois além dos textos também se
pelas vanguardas – são muito uti- Seu estilo dialoga com esses dois publicava as reproduções de obras
lizadas. Muitas delas são realizadas movimentos. A ênfase nas formas dos artistas, quando não a própria
diretamente em muros ou paredes, femininas – muito valorizadas na revista era composta dentro do estilo
novamente uma releitura do supor- Art Nouveau – é apenas uma dessas daquela vanguarda. Por isso também
te usado”, explica Bortulucce. ramificações possíveis. Klimt incor- esses artistas estavam sempre em con-
Para Klimt as figuras femininas são pora influências de diversos artistas tato”, aponta Bortulucce.
muito importantes. “É bom lembrar e movimentos de sua época. O final As novas técnicas de impressão grá-
que as mulheres e seu papel na socie- do século XIX é especialmente rico fica também proporcionavam su-
dade passam por grandes mudanças no desenvolvimento de novas tec- porte para esses artistas. Henri de
nessa época. Elas haviam conquista- nologias nas artes gráficas. As novas Toulouse-Lautrec, por exemplo, é
do direitos – como o voto em alguns impressoras e o desenvolvimento reconhecido pela paixão por cartazes
países – e já começavam a se inserir das litografias multicoloridas são al- para teatro e shows burlescos. Klimt
no mercado de trabalho. Então, a fi- guns dos desenvolvimentos tecno- produziu cartazes para as mostras da
gura feminina tem grande destaque lógicos que amplificam as trocas de Secessão de Viena.
na arte dessa época, especialmente ideias, referências e conhecimentos “Isso é característica das vanguar-
para Klimt”, diz Landim. Muitas entre as vanguardas europeias. das. Eles põem em cheque os ‘ar-
das mulheres retratadas por Klimt, “Boa parte das vanguardas publi- tistas de cavalete’. Buscam novas

Retrato de Adele Bloch-Bauer (1907), mulher de um industrial e mecenas da época, e Árvore da vida (1909), pintura que inspirou muitos
trabalhos em publicidade

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formas para a arte. Desenhos e tinha ideais socialistas, o que não
gravuras ganham novos status ar- deve ter contribuído muito para LITE RATU RA
tísticos”, diz Bortulucce. Uma das que ela se tornasse uma referência
últimas atividades de Klimt, por
exemplo, foi a preparação de um
estética para os políticos da época”,
brinca Landim. Livro traz 333
livro de desenhos seus, publicado
em 1919, após sua morte.
Algumas de suas pinturas ficaram
perdidas por muitos anos, após a
histórias de
  Segunda Guerra, mas foram sendo Borges vividas
Popular e inspirador “Klimt e ou- recuperadas aos poucos. Somente no
tros artistas transitavam entre várias ano passado, por exemplo, o retrato por ele mesmo
áreas. A publicidade estava dando de Adele Bloch-Bauer I, esposa de
seus primeiros passos. Munch,­por importante banqueiro e mecenas da Jorge Luis Borges criou vários dos
exemplo, chegou a ilustrar pacotes época, voltou às mãos dos herdeiros personagens mais marcantes da lite-
de cigarro. E mesmo aqueles que dessa família após longo processo ju- ratura. Mas ele mesmo poderia ser
não trabalharam diretamente com dicial contra o governo austríaco. O um dos personagens fantásticos de
a publicidade na época, inspiraram artista, entretanto, demorou para ser suas histórias: sua vida foi recheada
as criações gráficas na propaganda. considerado importante pelos norte- de casos, alguns cômicos, outros trá-
Klimt, em especial, era muito po- americanos. A nudez e a sexualidade gicos e muitos surreais. E esses casos
pular e seus traços foram absorvi- latente de sua obra não eram bem (333 deles, para usar de precisão)
dos pelos publicitários, o que talvez vistas pelo puritanismo protestante. foram compilados pelo escritor e
seja uma explicação para sua influ- O beijo, adquirido pela Fundação jornalista argentino Mario Paoletti
ência nos movimentos artísticos até Gugenhein na década de 1960, re- no livro O outro Borges – anedotário
hoje. Sua arte não causa estranhe- cebeu duras críticas até mesmo do completo, lançado recentemente na
za – como acontece, na atualidade, Washinton Post. “O ideal de beleza Argentina pela editora Emecé.
com outros artistas contemporâne- popular nos EUA e os excessos sexu- A maioria dos casos contados no
os seus – pois foi absorvida, de certa ais das obras não permitiam que eles livro trata das opiniões fortes, inci-
forma, por essa nova linguagem da vissem a grandeza de um artista como sivas – e muitas vezes irônicas e en-
publicidade. Suas figuras femini- Klimt”, aponta Landim. graçadas – do autor sobre política,
nas podem ser reconhecidas em  Apesar de admirado e reconhecido religião, literatura e outros assuntos
peças de propaganda da época”, diz mundialmente, a riqueza e origina- polêmicos. Como uma das vezes em
Landim. lidade das obras de Klimt só passa- que Borges foi criticado por um lei-
Seu estilo, também, era muito ad- ram a ganhar visibilidade há pouco tor, que disse que ele era “um blefe”,
mirado pelos nazistas – que ane- tempo nos EUA. Em 2007 a vida ao que o escritor respondeu: “sim,
xaram a Áustria durante a Segun- do artista virou filme; um livro com mas leve em conta que é involuntá-
da Grande Guerra – pois não era sua biografia foi publicado no início rio”, ou quando, durante uma en-
considerada “degenerada” (como deste ano e, para comemorar os 150 trevista à revista portenha Siete Dias,
queriam acreditar os membros do anos de seu nascimento, uma gran- em 1973, ele é questionado sobre as
partido nazista) como outras obras de exposição está sendo montada modalidades de Estado e Borges de-
das vanguardas artísticas. Klimt era em Viena. No Brasil não há nenhu- fende a abolição do Estado e o anar-
o que eles procuravam para ilustrar ma agenda oficial para a data. Mas, quismo, complementando: “Mas
um ideal de arte germânica de qua- pelo menos, canecas e camisetas não sei se somos suficientemente
lidade. “A produção da Bauhaus – com obras do artista devem conti- civilizados para chegar ali”. Outros
escola alemã de arte e arquitetura nuar populares. casos, porém, relatam situações da
e que foi o marco zero do design – vida cotidiana do autor, algumas
não os agradava. Afinal, a Bauhaus Enio Rodrigo Barbosa bem engraçadas, como quando en-

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