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29188-Texto Do Artigo-108117-1-10-20220904
29188-Texto Do Artigo-108117-1-10-20220904
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AUTODETERMINAÇÃO: UM DIREITO
CONSTITUCIONAL?
SELF-DETERMINATION: A CONSTITUTIONAL RIGHT?
Stelio Mangiameli1
Universidade de Teramo - IT
Resumo
A análise realizada neste ensaio centra-se no conceito de autodeterminação e na
relevância desta noção no plano constitucional, questionando se é concebível de um
direito constitucional autônomo à autodeterminação. Em particular, pensando na
debatida questão teórica sobre a interpretação do art. 2º da Constituição italiana como
cláusula "aberta" ou "fechada", o autor focaliza o alcance expansivo do referido
dispositivo constitucional, reconhecendo-lhe a função de conferir o caráter da
inviolabilidade tanto aos direitos expressamente mencionados na Constituição quanto aos
os direitos decorrentes dos enumerados. Posto isto, e aguardando o reconhecimento de
uma consideração unitária da pessoa humana a nível constitucional, o autor analisa alguns
casos definidos como "reivindicações de autodeterminação individual" para investigar se
podem surgir como "questões de direito constitucional": é o caso do direito à saúde (ou
melhor, o "fim da vida") ou a objeção de consciência. Como é fácil inferir, são questões
de considerável complexidade, muitas vezes entrecortadas por avaliações que
transcendem a dimensão mais estritamente jurídica para chegar à dimensão ética e social,
inclusive pela referência servil à teoria do “relativismo de valores”. No entanto, na
opinião do autor, é necessário superar qualquer abordagem individualista e manter firme
a visão antropológica da Carta que expressa os princípios do Constitucionalismo no
ordenamento jurídico e reconhece os direitos fundamentais e as relações humanas e
sociais que derivam eles, determinando limites e condicionando à reivindicação absoluta
da autodeterminação individual.
Palavras-chaves
Autodeterminação. Direitos invioláveis. Pessoa humana. Direito à saúde. Objeção de
consciência.
Abstract
The analysis conducted in this essay focuses on the concept of self-determination and the relevance of this
notion at the constitutional level, questioning the conceivability of an autonomous constitutional right to
self-determination. In particular, thinking about the debated theoretical question about the interpretation
of art. 2 of the Constitution as an "open" or "closed" clause, the A. focuses on the expansive scope of the
aforementioned constitutional provision, recognizing it the function of conferring the chrism of inviolability
both to the rights expressly mentioned in the Constitution and to the rights consequent to those
enumerated. Having said that, and awaiting the recognition of a unitary consideration of the human
person on a constitutional level, the A. examines some cases defined as "claims for individual self-
determination" to understand whether they can arise as "issues of constitutional law": this is the case of
the right to health (or rather, the "end of life") or the conscientious objection. As it is easy to guess, these
are issues of considerable complexity, often intersected by assessments that transcend the more strictly legal
dimension to arrive at the ethical and social one, also through the slavish reference to the theory of
“relativism of values”. However, in the opinion of the author, it is necessary to overcome any
individualistic approach and to maintain firm the anthropological vision of the Charter that expresses the
principles of Constitutionalism in the legal order and recognizes fundamental rights and the human and
social relations that derive from them, determining limits and conditioning to the absolute claim of
individual self-determination.
Keywords
Self-determination. Fundamental rights. Human person. Right to health. Conscientious objection.
2 Veja neste ponto a Dichiarazione dei diritti della donna e della cittadina de 1791, por causa das
batalhas de Olympe de Gouges, ela terminou guilhotinada por Robespierre; o famoso
ensaio de Mary Wollstonecraft, A Vindication of the Rights of Woman: with Strictures on
Political and Moral Subjects (1792); assim como Stuart Mill, La schiavitù delle donne (1869).
3 Neste ponto veja-se G.Arangio Ruiz, Autodeterminazione (diritto dei popoli alla), in Encicl.
Giur. Treccani, Roma 1988, ad vocem; F. Lattanzi, Autodeterminazione dei popoli, in Digesto disc.
pubbl., Turim, 1987, vol. II, 4 sq.; G. Palmisano, Nazione Unite e autodeterminazione interna,
Milão 1997, passim; D. E. Tosi, Secessione e costituzione tra prassi e teoria, Nápoles 2007, 251
sq.; para uma visão concisa dos clássicos sobre o princípio em análise veja Self-
Determination in International Law, ed. R. McCorquodale, Burlington 2000; nonché H.
Ambruster, Selbstbestimmungsrecht, em Wörterbuch des Völkerrechts, Berlin 1962, 250 sq.
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4 Sobre o tema da pessoa são decisivas as perspectivas do direito privado, para as quais
veja-se G. Alpa e A. Ansaldo, Le persone fisiche, in Il codice civile, commentario diretto da
Schlesinger, Milão 1996; A. Pizzorusso, R. Romboli, U. Breccia, A. De Vita, Persone fisiche,
Art. 1-10, em Commentario del Codice civile Scialoja Branca, editado por F. Galgano, Bolonha-
Roma, 1988. A noção de pessoa está no centro do debate atual sobre bioética, que afeta
tanto o início quanto o fim da vida. As posições opostas geralmente derivam da maneira
diferente de entender a Pessoa. Também o tema da “dignidade” (para o qual veja M. Di
Ciommo, Dignità umana, em Dizionario sistematico di Diritto costituzionale, editado por Stelio
Mangiameli, Milão 2008, 381 sq.) está sujeito a diferentes tipos de interpretação e a
multiplicidade destas empurra parte da doutrina (M. Luciani) para avaliar a noção de
dignidade como uma fórmula vazia, algo que contrasta com o princípio hermenêutico
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L‟art. 25 della Costituzione e l‟art. 1 del codice penale, in Giur. cost., 1961, 537; M. Siniscalco,
Giustizia penale e Costituzione, Milão 1968; F. Bricola, Rapporti civili: art. 25, 2° e 3° comma, in
Commentario della Costituzione, editado por G. Branca, Bolonha 1981, 227 sq.; com
referência específica ao direito à saúde E. Palermo Fabris, Diritto alla salute e trattamenti
sanitari nel sistema penale. Profili problematici del diritto all‟autodeterminazione, Pádua 2000, 83 sq.
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11 Veja P.F. Grossi, I diritti di libertà ad uso di lezioni, vol. I, 1, II ed., Turim, 1991, 175 sq.;
A. Pace, Libertà e diritti di libertà, em Studi in onore di Pierfrancesco Grossi, Milão, na imprensa.
12 Sobre a pertinência dos direitos constitucionais como limite ao legislador ordinário veja
H. Kelsen, Teoria generale del diritto e dello Stato, trad. it., Milão, 1966.
13 P.F. Grossi, I diritti di libertà ad uso di lezioni, cit., 167 sq.
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15 Veja G. Gemma, Vita (diritto alla), em Dig. Disc. Giur. Pubbl., XV, Turim 2000, 670 sq.;
I. Nicotra, Vita, in Diritto costituzionale. Dizionario sistematico, editado por S. Mangiameli,
Milão 2008, 475 sq.
16 Sobre o conteúdo da liberdade pessoal também entendida como liberdade psíquica ou
alla Costituzione italiana, editado por P. Calamandrei e A. Levi, Florença, 1950, onde se
afirma que “(...) tal como a Assembleia pela qual foi aprovada, também a Constituição foi
necessariamente inspirada na política de coligação dos três partidos ditos de „massa‟, que
no período da Assembleia Constituinte era a base do governo De Gasperi: ou seja,
também era „tripartite‟” (p. CXXVIII); Id., La Costituzione e le leggi per attuarla, agora em
Opere giuridiche, editado por M. Cappelletti, vol. III, Nápoles, 1968, 511 (514 sq.)
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18 Veja A. Pace, Problematica delle libertà costituzionali, Parte generale, III ed., Pádua 2003, 5;
A. Baldassarre, Diritti inviolabili, em Encicl. Giuridica Treccani, XI, Roma 1989, ad vocem; e Id.,
Proprietà, in Encicl. Giuridica Treccani, XXV, Roma 1991, ad vocem.; P. Caretti, I diritti
fondamentali. Libertà e Diritti sociali, Turim 2002, 136 sq.
19 G. Guarino, Lezioni di diritto pubblico, Milão, 1967, 88.
20 C. Mortati, Istituzioni di diritto pubblico, Pádua, 1969, II, p. 949 (“pode-se interpretar a
arte. 2 custo. no sentido de que queríamos afirmar não um direito geral de liberdade, mas
sim um princípio que não se esgota inteiramente nos casos individuais previstos e,
portanto, permite ao intérprete inferir do sistema outros não especificamente
contemplados”).
21 Veja A. Barbera, Art. 2, cit., 83 sq. que sobre a controvérsia entre o direito natural e o
direito positivo afirma: “uma questão – tudo isso é superestimado; qualquer que seja o
significado político-filosófico da lei natural, para poder se expressar como força
normativa no ordenamento jurídico, só pode contar com forças políticas e culturais, ou
seja, com grupos capazes de afirmar sua hegemonia política e cultural capaz de
determinar a Constituição material”. O direito natural nesta perspectiva converge com o
personalismo jurídico ou com o racionalismo jurídico, expressando nada mais do que
“valores historicamente detectáveis” (85).
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22 A. Barbera, Art. 2, cit., 85, para o qual seria uma questão, tanto no caso de “referência a
valores de direito natural” quanto de “referência a valores emergentes na constituição
material”, de “um problema de escolha cultural e política” (90).
23 A. Barbera, Art. 2, cit., 83 exclui estritamente o valor de reconhecimento do art. 2,
26 A. Spadaro, Il problema del fondamento dei diritti “fondamentali”, in I diritti fondamentali oggi,
Anais da V Conferência da Associação Italiana de Constitucionalistas, Taormina, 1990,
Milão 1995, 235 sq.
27 A. Spadaro, Il problema del fondamento dei diritti “fondamentali”, cit., “enquanto chegarmos a
um acordo com o texto positivo atual, não seremos capazes de torcê-lo à vontade, ou
adaptá-lo às necessidades mutáveis dos tempos a ponto de subtraí-lo de um esvaziamento
subterrâneo de sentido”.
28 v. A. Spadaro, Il problema del fondamento dei diritti “fondamentali”, cit., que, dessa forma,
alinha sua posição no sentido do direito natural e, criticamente em direção à tese do caso
encerrado, afirma: “aquela doutrina que reconduz todo „novo direito‟ ao art. 13 ss. Da
Constituição, muitas vezes inclui entre os direitos expressamente declarados estas e
muitas situações jurídicas subjetivas que dificilmente podem ser definidas como ativas
alterando assim os valores efetivamente protegidos pela Constituição”.
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29 F. Modugno, I “nuovi diritti” nella Giurisprudenza Costituzionale, Turim 1995, 3 s., para o
qual “na realidade o que parece escapar à concepção do 'caso encerrado' é que os direitos
invioláveis, mesmo antes de serem situações jurídicas subjetivas, são valores - este me
parece o seio específico do art. 2º da Constituição – e que na lógica dos valores - que não
é a lógica do tudo ou nada, do sim ou não – temdem à mútua relativização, equilíbrio e
composição, segundo as regras de fundação, oposição e complementaridade”
30 Veja F. Modugno, I “nuovi diritti” nella Giurisprudenza Costituzionale, cit., 2, 8.
31 Ivi, 8.
32 Na verdade, a posição de F. Modugno (I “nuovi diritti” nella Giurisprudenza Costituzionale,
cit., 8) não é único. De fato, ao mesmo tempo, afirma que a Constituição italiana,
contendo um rico sistema de direitos, não favoreceria o surgimento de novos direitos
ainda não incluídos entre os listados, mas permitiria a identificação de direitos implícitos,
conforme necessário ou possível. consequências dos direitos enumerados. (“Presumo que
o catálogo constitucional positivo, na parte relativa às liberdades, se corretamente
entendido, é abrangente” [p. 9]), o que neste aspecto expressa a mesma posição já
expressa em a doutrina italiana por P. Barile, Diritti dell‟uomo e libertà fondamentali, cit., 55 s.
33 Veja Tribunal Constitucional, acórdão n. 1114 do 1988.
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34 Sobre o tema v. P. Grossi, Diritti fondamentali e Diritti inviolabili nella Costituzione italiana,
em Il Diritto costituzionale tra principi di libertà e istituzioni, Pádua 2005, 4; S. Mangiameli, La
“libertà di coscienza” di fronte all‟indeclinabilità delle funzioni pubbliche. (A proposito
dell‟autorizzazione del giudice tutelare all‟interruzione della gravidanza della minore), em Giur. Cost.,
1988.
35 Veja também A. Baldassarre, Diritti inviolabili, ora in Diritti della persona e valori
leitura extensiva dos artigos 13 ss. Const., para os quais os novos direitos emergentes
podem ser considerados uma especificação dos enumerados; nesse sentido, falar-se-ia
“Giuspositivismo temperato” (P. Ridola, Libertà e diritti nello sviluppo storico del costituzionalismo,
cit., 54).
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38 Veja R. Bin, Diritti e argomenti. Il bilanciamento degli interessi nella giurisprudenza costituzionale,
Milão 1992; G. Zagrebelsky, Il diritto mite, Turim 1992; F. Modugno, I “nuovi diritti” nella
Giurisprudenza Costituzionale, cit.; L. Mengoni, Ermeneutica e dogmatica giuridica, Milão 1996.
39 P. Ridola, Libertà e diritti nello sviluppo storico del costituzionalismo, cit., 55.
40 A. Pace, Problematica delle libertà costituzionali, cit., 4.
41 P. Caretti, I diritti fondamentali, cit. 139.
42 A. Pace, Problematica delle libertà costituzionali, cit., 26-27.
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observação de G. Pugliese, Diritto all‟immagine e libertà di stampa, em Giur. cost., 1973, 355.
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45 Tribunal Constitucional, acórdão n. 27 del 1975, en Giur. Cost., 1975, 117 (119) sq.,
com observação de R. D‟Alessio, L‟aborto nella prospettiva della Corte costituzionale e de C.
Chiola, Incertezze sul parametro costituzionale per l‟aborto, ivi, 1975, 1098; sobre o tema do
aborto e do direito à vida do nascituro, decidiu a Corte, definindo o chamado
“Equilíbrio” de direitos, inclusive na ausência de legislação específica que só viria com a
lei n. 194 de 1978.
46 Tribunal Constitucional, acórdão n. 54 de 1979, em Giur. Cost., 1979, 413 (426).
47 Tribunal Constitucional, acórdão n. 132 de 1985, em Giur. Cost., 1985, I, 934, onde se
afirma que “é sempre a pessoa que encontramos cercada pelas garantias configuradas
pelo art. 2º da Constituição” (p. 946).
48 Tribunal Constitucional, acórdão n. 132 de 1985, cit., I, 946 sq., e deve-se ter em mente
que para o direito à saúde, nos termos do art. 32 da Constituição, o Tribunal poderá
argumentar, no entanto, que “o valor constitucional da saúde, expressamente garantido
pelo art. 32 da Constituição”, representa um “direito fundamental e inviolável” (acórdão
n. 227 de 1987, em Giur. Cost., 1987, I, 1710).
49 Veja Tribunal Constitucional, acórdão n. 319 de 1989, em Giur. Cost., 1989, I, 1442 e
51 Tribunal Constitucional, acórdão n. 161 de 1985, em Giur. Cost., 1985, I, 1173 sq., em
especial 1186-87 onde também dispõe que “correlativamente os demais membros da
comunidade são obrigados a reconhecê-lo (o direito à identidade sexual), por dever de
solidariedade social”.
52 Tribunal Constitucional, 18 dicembre 1987, n. 561, em Giur. cost., 1987, I, 3535, especial
54 M. Esposito, Profili costituzionali dell‟autonomia privata, Pádua 2003, para a qual “as
liberdades se realizam pela ação do indivíduo na sociedade, no entrelaçamento das
relações com os associados, com a função, de tempos em tempos, de pré-requisito,
auxílio ou realização real do conteúdo da liberdade” (193).
55 Veja R. Nicolò, Diritto civile, in Enc. dir, XII, Milão 1964, 904.
56 Veja P. Barile, Il soggetto privato nella costituzione, Pádua 1953.
57 M. Esposito, Profili costituzionali dell‟autonomia privata, cit., 93.
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58 Veja P.F. Grossi, I diritti di libertà ad uso di lezioni, cit., 254 sq.
59 Veja tambien M. Esposito, Profili costituzionali dell‟autonomia privata, cit., 195 e 196.
60 M. Mazziotti, Lezioni di Diritto costituzionale, Milão 1993, II, 191 s.
61 M. Mazziotti, Lezioni di Diritto costituzionale, cit., 193.
62 Ivi, 195.
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ser entendida apenas em relação à coação física da pessoa, mas também ao prejuízo da
liberdade moral quando tal prejuízo implicar a sujeição total da pessoa ao poder de
outrem”.
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69 C. Esposito, La libertà di manifestazione del pensiero nell‟ordinamento italiano, Milão 1958, 17,
nt. 26, e 47, nt. 109.
70 Sobre este ponto, é permitido referir-nos ao nosso Il contributo dell‟esperienza costituzionale
italiana alla dommatica europea della tutela dei diritti fondamentali, em Corte costituzionale e processo
costituzionale, editado por A. Pace, Milão 2006, 471 sq.
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direitos‟”. Portanto, esses novos direitos são muitas vezes, por um lado,
“direitos implícitos” sendo incluídos no conteúdo semântico de direitos já
expressamente reconhecidos na Constituição; por outro lado, são “direitos
instrumentais” ou, direitos definidos para dar sentido concreto e garantia
aos direitos especificamente previstos 74.
Nessa perspectiva, porém, o papel do art. 2º da Constituição, no
âmbito da interpretação, não seria de todo secundária, pois representaria
um “princípio expansivo com grande força maiêutica, no trabalho de
identificação dos direitos consequentes aos listados”75. De fato, o “art. 2º
não (adicionaria) novas situações subjetivas às concretamente previstas por
disposições particulares posteriores, mas (poderia) referir-se também a
outras situações jurídicas potenciais e passíveis de serem traduzidas em
(novas) situações jurídicas positivas. O art. 2º do ponto de vista aqui
considerado (deveria), portanto, ser entendido como tendo a função única
– ainda que fundamental – de conferir a crisma da inviolabilidade aos
direitos mencionados na Constituição: direitos, no entanto, a serem
identificados (...) não apenas naqueles explicitamente declarados na
Constituição, mas também naqueles consequentes a eles”. Seria “em uma
palavra matriz e garantidora dos direitos de liberdade, não fonte de outros
direitos além daqueles contidos na Constituição”76.
74 Ibidem.
75 Ibidem.
76 P. Barile, Diritti dell‟uomo e libertà fondamentali, Bolonha 1988, 56.
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77 G. Lombardi, Persona umana (libertà della), in Nss. Dig. It., Turim 1968, XII, 1082.
78 Ivi, 1082.
79 Assim, G. Lombardi, Persona umana (libertà della), cit., 1083 e, posteriormente, para uma
reflexão aprofundada sobre o ponto, Id., Potere privato e diritti fondamentali, Turim 1970,
passim.
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80 “Ninguém pode ser obrigado a um tratamento de saúde específico senão por lei. A lei
não pode, em caso algum, violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana”. V.
D. Vincenzi Amato, Rapporti Etico-sociali. Art. 32, in Commentario alla Costituzione, editado
por Branca, Bolonha-Roma, 1976, 174; M. Luciani, Il diritto costituzionale alla salute, in Dir.
Soc. 1980; B. Pezzini, Il diritto alla salute: profili costituzionali, em Dir. Soc., 1983, 21; B.
Caravita, La disciplina costituzionale della salute, in Dir. soc., 1984; R. Ferrara, Salute (Diritto
alla), em Dig. Disc. Pubb., Turim 1997, XIII, 513, D. Morana, La tutela della salute nella
Costituzione italiana, Milão 2002; A. Simoncini, E. Longo, Art. 32, in Commentario alla
Costituzione, editado por R. Bifulco, A. Celotto, M. Olivetti, Turim 2006, I, 655 sq.
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83 Isso também inclui os “direitos da família”, dentre os quais o art. 29, § 1º, da
Constituição, e a ética do médico que colocaria seu fundamento no art. 4º, § 2º, da
Constituição, “Todo cidadão tem o dever de exercer, de acordo com suas possibilidades e
sua escolha, atividade ou função que contribua para o progresso material ou espiritual da
sociedade”.
84 Recentemente V. C. Const. N. 438 de 2008, com nota de M. Dorana, A proposito del
fondamento costituzionale per il „consenso informato‟ ai trattamenti sanitari, (Osservazione a Corte cost.,
23.12.2008, n. 438), em Giur. cost., 2008, 4970; na doutrina A. Santosuosso (editado por), Il
consenso informato. Tra giustificazione per il medico e diritto del paziente, Milão 1996; F. Albeggiani,
Il consenso dell‟avente diritto, in Studium iuris, 1996, 1233; Id., Profili problematici del consenso
dell‟avente diritto, Milão, 1995; A. Abbagnano Trione, Considerazioni sul consenso del paziente nel
trattamento medico chirurgico, em Cass. Pen., 1999, 316; F. Agnino, Il consenso informato al
trattamento medico-chirurgico: profili penalistici e civilistici, Turim 2006; C. Casonato, Consenso e
rifiuto delle cure in una recente sentenza della Cassazione, em Quad. cost., 2008, 545.
85 Tribunal Constitucional, acórdãos n. 282 de 2002, n. 338, de 2003; n. 438 de 2008; n.
151 de 2009.
86 P. Veronesi, Sul diritto a rifiutare le cure salvavita prima e dopo il caso Welby, em Studium Iuris,
2008, 1074; D. Maltese, Diritto al rifiuto delle cure, accanimento terapeutico e provvedimenti del
giudice, em Il Foro italiano, 2007, 2231.
87 Tribunal Constitucional, acórdão n. 282 de 2002, sobre o tratamento de eletrochoque
v. L. Violini, La tutela della salute e i limiti al potere di legiferare: sull‟incostituzionalità di una legge
regionale che vieta specifici interventi terapeutici senza adeguata istruttoria tecnico-scientifica, em Le
Regioni, 2002, 1450.
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88 Considere, para dar exemplos rigorosos de atualidade, o contraste com certas doenças
dependentes do estilo de vida, como a obesidade, derivadas da má e excessiva nutrição;
como as doenças cardio-circulatórias, em relação às quais, além de uma alimentação
adequada, recomenda-se uma prática esportiva ou ativa do corpo; como doenças
pulmonares e câncer, que inspiraram campanhas antifumo, etc.; a este respeito, também é
possível fazer referência ao que foi afirmado pelo juiz constitucional italiano na sentença
(n. 180 de 1994) no que diz respeito à obrigatoriedade do uso de capacete pelos
motociclistas, para a qual o órgão jurisdicional de reenvio havia declarado a ilegitimidade
da disposição pertinente, uma vez que a ingerência do Estado na esfera do cidadão só
seria permitida se o direito fosse posto em causa à saúde de terceiros, ao passo que
quando “a comunidade tem mero interesse na saúde do indivíduo” seria “ilegítima
qualquer imposição ou limitação” de direitos de liberdade. O Tribunal Constitucional, a
este respeito, observa: “A presunção, segundo a qual o art. O art. compartilhado.
Especialmente quando, como na matéria em questão, existem modalidades, porém nem
mesmo onerosas, prescritas para a condução de veículos automotores, parece atender ao
dispositivo constitucional, que considera a saúde do indivíduo também no interesse da
coletividade, que o legislador na sua apreciação prescreva determinadas condutas e
sancione o incumprimento com o objetivo de reduzir ao máximo as consequências
nefastas, do ponto de vista da mortalidade e morbidade incapacitante, dos acidentes
rodoviários. De facto, não se pode duvidar que estas consequências repercutam em
custos sociais para toda a comunidade, pois nem sequer é concebível que um sujeito,
recusando-se a observar os métodos ditados nesta função preventiva, possa
simultaneamente renunciar à ajuda de estruturas de bem-estar e salvaguardas criadas para
indivíduos incapacitados. As medidas destinadas a mitigar as consequências que possam
derivar dos traumas produzidos por acidentes, em que se envolvam veículos a motor,
parecem, pois, ser ditadas por necessidades que não tornam excessivamente limitantes as
prescrições impostas pelas normas em causa”.
89 O direito à vida, como direito indisponível, é constitucionalmente uma noção
pressuposta que de qualquer forma se infere da legislação (Sobre o direito à vida, como
direito indisponível v. C. cost. n. 223 de 1996. Na doutrina: R. Dworkin, Il dominio della
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à morte e, em particular, à morte por mão pública, conforme art. 27, § 4º,
da Constituição, que afirma “A pena de morte não é permitida”90.
O debate sobre o direito à “vida” inclui – como foi devidamente
esclarecido – não apenas o tema do “direito à vida em sentido estrito” (ou
seja, o direito de não ser morto, com o correspondente dever de não
matar), e o “direito de nascer” ou “de poder vir à vida” (que corresponde
ao dever de não abortar ou não abortar), mas – e quanto a isto – também
o “direito a não ser deixado à morte” e o “direito a ser mantido vivo” ou o
direito à sobrevivência, que correspondem ao dever de socorrer os que
estão em perigo de vida e de oferecer os meios mínimos de apoio para
aqueles que não têm91.
O fato de que a recusa da terapia e o deixar-se morrer (e mesmo o
suicídio92) não encontre sanção penal não significa que a conduta se
enquadre no exercício de um direito de liberdade e que possa ser
considerada lícita de acordo com o sistema legal. De fato, essa conduta,
ainda que não sancionada, pelo próprio fato de poder prejudicar a vida –
ou fazer com que ela termine voluntariamente – contrasta com o preceito
legislativo que se move da indisponibilidade do bem da vida93. Este não é
vita, aborto, aborto, eutanasia e libertà individuale, Milão, 1994; R. Romboli, I limiti alla libertà di
disporre del proprio corpo nel suo aspetto «attivo» e in quello «passivo», em Foro it., 1991, I, 17; M.
Ruotolo, Libertà di disporre del proprio corpo ed accertamento della verità processuale. Note a margine
di un riuscito bilanciamento tra valori, em Giur. cost., 2006, 2310; L. Violini, A. Osti, Le linee di
demarcazione della vita umana, em I diritti in azione, a cura di M. Cartaria, Bolonha 2007, 185
sq.).
90 Assim, a Constituição italiana, após a revisão realizada com a lei constitucional de 2 de
outubro 2007, n. 1.
91 Nestes termos, N. Bobbio, Il dibattito attuale sulla pena di morte, Il dibattito attuale sulla pena
di morte (1983), agora em “A tutti i membri della famiglia umana”, editado por U. Villani,
Milão, 2008, p. 245.
92 ... mas não o assassinato da parte anuente, art. 579 do Código Penal, e a instigação ou
dir. proc. pen., 1997, 74; A. Vallini, Lasciar morire, lasciarsi morire: delitto del medico o diritto del
malato?, em Studium Iuris, 2007, 539; F. Viganò, Esiste un “diritto a essere lasciati morire in
pace”? Considerazioni in margine al caso Welby, em Diritto Penale e processo, 2007, 5; L. Risicato,
Dal “diritto di vivere” al “diritto di morire”. Riflessioni sul ruolo della laicità nell‟esperienza penalista,
Turim 2008.
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o único caso de conduta não sancionada que não pode constituir uma
explicação de um direito constitucional94.
Em qualquer caso, a falta de sanções penais, ou recursos de
natureza administrativa, para um comportamento que não pode ser
qualificado em termos de lei ou em qualquer caso não atribuível à
disciplina destes, deve ser avaliado como matéria deixada ao arbítrio do
legislador e não um limite da lei, em direção à sua capacidade de regular a
autonomia individual, de operar mesmo em situações éticas extremas
como a vida e a morte95; contrariamente, as próprias solicitações que se
fizeram sobre a necessidade de leis sobre aborto, procriação assistida,
testamento vital etc., demonstrariam exatamente o contrário que a lei e o
Estado são obrigados a defender certas o imponderável.
94 De fato, pode-se dizer que nem sempre o que não é sancionado de forma
constitucional ou legislativa pode ser considerado lícito, ou permitido, ou possível,
segundo o ordenamento jurídico, e, portanto, não pode ser considerado expressão de
liberdade ou direito constitucional. Basta considerar o art. 4º que considera o trabalho
como um direito de liberdade de escolha e um dever de desempenho, mas que não pune
quem deixa de desempenhar um trabalho; deve-se concluir, então, que tais pessoas, que
se recusam a trabalhar por autodeterminação, exercem um direito de liberdade garantido
constitucionalmente, afirmação que parece francamente conflitante com o princípio
trabalhista da Constituição.
95 Então, em vez disso, M. Olivetti, Art. 1, in Commento alla Carta dei diritti fondamentali
dell‟Unione europea, editado por R. Bifulco, M. Cartaria, A. Celotto, Bolonha 2001, 50-51.
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96 Veja V. Crisafulli, In tema di emotrasfusioni obbligatorie, em Dir. Soc. 1982, 576 sq. S.P.
Panunzio, Trattamenti sanitari obbligatori e Costituzione, em Dir. Soc., 1979, 875; R. D‟Alessio,
I limiti costituzionali dei trattamenti “sanitari”, em Dir. Soc., 1981, 529.
97 S. Mangiameli, La “libertà di coscienza” di fronte all‟indeclinabilità delle funzioni pubbliche, cit.
98 Veja A. D‟Atena, Art. 9 l. 22 maggio 1978, n. 194, em Le nuove leggi civili commentate 1978,
pubbliche, cit.; recentemente também N. Gimelli, Libertà di religione tra Carta europea dei diritti
fondamentali e Costituzione italiana, em Tutela dei diritti fondamentali e costituzionalismo multilivello.
Tra Europa e Stati nazionali, editado por A. D‟Atena, P.F. Grossi, Milão 2004, 273 sq.
99 Não se pode excluir, aliás, deve-se considerar, que por meio da interpretação
constitucional é possível definir quais partes das diferentes concepções do mundo podem
ser consideradas aceitáveis e praticáveis pelos dispositivos constitucionais e podem até ser
objeto de proteção de as disposições constitucionais sobre direitos e liberdades. No
entanto, se a questão não pode ser resolvida hermeneuticamente, não pode simplesmente
ser recusada a sua qualificação no plano constitucional, se as normas constitucionais,
através do sistema que resulta, permitirem a tomada de decisão.
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100 Recentemente, essa posição também foi apoiada por constitucionalistas como L. Elia,
Introduzione ai problemi della laicità, em Problemi pratici della laicità agli inizi del secolo XXI,
Pádua 2008, 3 sq.
101 Veja R. Smend, Costituzione e diritto costituzionale, trad. it., Milão 1988.
102 Veja em Itália as contribuições de R. Bin, Diritti e argomenti. Il bilanciamento degli interessi
nella giurisprudenza costituzionale, Milão 1992, 9 sq.; ma anche G. Zagrebelsky, Il diritto mite,
Turim 1992, 147 sq.; F. Rimoli, Pluralismo e valori costituzionali. I paradossi dell‟integrazione
democratica, Turim 1999. Esses autores são muitas vezes tributários das obras de R.
Dworkin, I diritti presi sul serio, trad. it., Bolonha 1982, 79 sq.; Id., A matter of principle,
Oxford 1986, 237 sq.; R. Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt a.M., 1986, 125 sq.; Id.,
Begriff und Geltung des Rechts, Freiburg - München 1992, 137 sq.
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103 La “laicità” dello Stato tra neutralizzazione del fattore religioso e “pluralismo confessionale e
culturale” (a proposito della sentenza che segna la fine del giuramento del teste nel processo civile), em
Dir. soc. 1997, 42.
104 C.R. Sunstein, A cosa servono le Costituzioni, Bolonha, 2009, 99.
105 Veja C.R. Sunstein, A cosa servono le Costituzioni, cit., 100
106 Nesse ponto, não surpreendentemente, faltam contribuições conspícuas; uma das
poucas contribuições sobre o assunto é dada por A. Blankenagel, Tradition und Verfassung,
Baden-Baden 1987, 196 sq.
107 Veja C. Schmitt, La tirannia dei valori, trad. it., em Rass. dir. pubbl. 1970, I, 1 sq.
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editado por R. Bifulco, M. Cartaria, A. Celotto, Bolonha 2001, 38 ssq; P.F. Grossi, Dignità
umana e libertà nella Carta dei diritti fondamentali dell‟Unione europea, em Contributi allo studio della
Carta dei diritti fondamentali dell‟Unione europea, editado por M. Siclari, Turim 2003, 48-49.
110 A este respeito, problematicamente, P.F. Grossi, Dignità umana e libertà nella Carta dei
diritti fondamentali dell‟Unione europea, cit., 41 sq., que concebe a dignidade humana como
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como n. 45 de 2005.