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Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol.

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AUTODETERMINAÇÃO: UM DIREITO
CONSTITUCIONAL?
SELF-DETERMINATION: A CONSTITUTIONAL RIGHT?

Stelio Mangiameli1
Universidade de Teramo - IT

Resumo
A análise realizada neste ensaio centra-se no conceito de autodeterminação e na
relevância desta noção no plano constitucional, questionando se é concebível de um
direito constitucional autônomo à autodeterminação. Em particular, pensando na
debatida questão teórica sobre a interpretação do art. 2º da Constituição italiana como
cláusula "aberta" ou "fechada", o autor focaliza o alcance expansivo do referido
dispositivo constitucional, reconhecendo-lhe a função de conferir o caráter da
inviolabilidade tanto aos direitos expressamente mencionados na Constituição quanto aos
os direitos decorrentes dos enumerados. Posto isto, e aguardando o reconhecimento de
uma consideração unitária da pessoa humana a nível constitucional, o autor analisa alguns
casos definidos como "reivindicações de autodeterminação individual" para investigar se
podem surgir como "questões de direito constitucional": é o caso do direito à saúde (ou
melhor, o "fim da vida") ou a objeção de consciência. Como é fácil inferir, são questões
de considerável complexidade, muitas vezes entrecortadas por avaliações que
transcendem a dimensão mais estritamente jurídica para chegar à dimensão ética e social,
inclusive pela referência servil à teoria do “relativismo de valores”. No entanto, na
opinião do autor, é necessário superar qualquer abordagem individualista e manter firme
a visão antropológica da Carta que expressa os princípios do Constitucionalismo no
ordenamento jurídico e reconhece os direitos fundamentais e as relações humanas e
sociais que derivam eles, determinando limites e condicionando à reivindicação absoluta
da autodeterminação individual.
Palavras-chaves
Autodeterminação. Direitos invioláveis. Pessoa humana. Direito à saúde. Objeção de
consciência.

Abstract
The analysis conducted in this essay focuses on the concept of self-determination and the relevance of this
notion at the constitutional level, questioning the conceivability of an autonomous constitutional right to
self-determination. In particular, thinking about the debated theoretical question about the interpretation
of art. 2 of the Constitution as an "open" or "closed" clause, the A. focuses on the expansive scope of the
aforementioned constitutional provision, recognizing it the function of conferring the chrism of inviolability

1Catedrático de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Università degli Studi


di Teramo – Itália.
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both to the rights expressly mentioned in the Constitution and to the rights consequent to those
enumerated. Having said that, and awaiting the recognition of a unitary consideration of the human
person on a constitutional level, the A. examines some cases defined as "claims for individual self-
determination" to understand whether they can arise as "issues of constitutional law": this is the case of
the right to health (or rather, the "end of life") or the conscientious objection. As it is easy to guess, these
are issues of considerable complexity, often intersected by assessments that transcend the more strictly legal
dimension to arrive at the ethical and social one, also through the slavish reference to the theory of
“relativism of values”. However, in the opinion of the author, it is necessary to overcome any
individualistic approach and to maintain firm the anthropological vision of the Charter that expresses the
principles of Constitutionalism in the legal order and recognizes fundamental rights and the human and
social relations that derive from them, determining limits and conditioning to the absolute claim of
individual self-determination.
Keywords
Self-determination. Fundamental rights. Human person. Right to health. Conscientious objection.

1. AUTODETERMINAÇÃO E O CATÁLOGO DE DIREITOS


CONSTITUCIONAIS.
O direito à autodeterminação, na linguagem atual, é o
reconhecimento da capacidade de escolha autônoma e independente do
indivíduo e aparece como expressão como resultante dos anos de lutas
feministas2.
Esta expressão, oriunda da luta pelos direitos civis e sociais das
mulheres, é posteriormente enriquecida com mais uma referência: o direito
à autodeterminação dos povos 3.
O princípio da autodeterminação dos povos, solenemente
enunciado por Woodrow Wilson por ocasião do Tratado de Versalhes
(1919), estabeleceu o direito de um povo submetido à dominação

2 Veja neste ponto a Dichiarazione dei diritti della donna e della cittadina de 1791, por causa das
batalhas de Olympe de Gouges, ela terminou guilhotinada por Robespierre; o famoso
ensaio de Mary Wollstonecraft, A Vindication of the Rights of Woman: with Strictures on
Political and Moral Subjects (1792); assim como Stuart Mill, La schiavitù delle donne (1869).
3 Neste ponto veja-se G.Arangio Ruiz, Autodeterminazione (diritto dei popoli alla), in Encicl.

Giur. Treccani, Roma 1988, ad vocem; F. Lattanzi, Autodeterminazione dei popoli, in Digesto disc.
pubbl., Turim, 1987, vol. II, 4 sq.; G. Palmisano, Nazione Unite e autodeterminazione interna,
Milão 1997, passim; D. E. Tosi, Secessione e costituzione tra prassi e teoria, Nápoles 2007, 251
sq.; para uma visão concisa dos clássicos sobre o princípio em análise veja Self-
Determination in International Law, ed. R. McCorquodale, Burlington 2000; nonché H.
Ambruster, Selbstbestimmungsrecht, em Wörterbuch des Völkerrechts, Berlin 1962, 250 sq.
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estrangeira de obter a independência, de se associar a outro Estado ou, em


qualquer caso, de poder escolher independentemente o próprio regime
político. Este princípio constitui uma norma de direito internacional geral,
ou seja, uma norma que produz efeitos jurídicos (direitos e obrigações)
para toda a Comunidade de Estados. Além disso, esse princípio também
representa uma regra de jus cogens, isto é, uma norma que não pode ser
derrogada por convenção internacional, pois representa um princípio
supremo e inalienável do direito internacional. Como todo direito
internacional, o direito à autodeterminação que ratificado por leis internas,
por exemplo, a Lei italiana nº 881 de 1977, vale como a lei do Estado que
prevalece sobre a lei interna.
À luz desta premissa, a questão que dá título a esta investigação é
extremamente problemática; diz respeito à noção de autodeterminação e à
Constituição.
Utiliza-se um conceito que tem relevância jurídica quase exclusiva
no direito internacional e que, de resto, cumpre geralmente uma tarefa de
reivindicação política também na linguagem comum e pergunta-se se a
“autodeterminação”: a) é um direito e b) se tem uma espessura
constitucional.
Ora, a Constituição italiana não fala de autodeterminação em
nenhum dos seus dispositivos e, no entanto, a noção de pessoa, nos seus
vários adjetivos (pessoal, personalidade), é referida vinte e uma vezes; a de
homem (ou humano) nove vezes, nalguns casos em combinação recíproca
(no artigo 3.º, n.º 2, e no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição) e a dignidade é
referida duas vezes (no artigo 3.º, n.º 1, como dignidade social, e no art.
41, n.º 2, como dignidade humana)4.

4 Sobre o tema da pessoa são decisivas as perspectivas do direito privado, para as quais
veja-se G. Alpa e A. Ansaldo, Le persone fisiche, in Il codice civile, commentario diretto da
Schlesinger, Milão 1996; A. Pizzorusso, R. Romboli, U. Breccia, A. De Vita, Persone fisiche,
Art. 1-10, em Commentario del Codice civile Scialoja Branca, editado por F. Galgano, Bolonha-
Roma, 1988. A noção de pessoa está no centro do debate atual sobre bioética, que afeta
tanto o início quanto o fim da vida. As posições opostas geralmente derivam da maneira
diferente de entender a Pessoa. Também o tema da “dignidade” (para o qual veja M. Di
Ciommo, Dignità umana, em Dizionario sistematico di Diritto costituzionale, editado por Stelio
Mangiameli, Milão 2008, 381 sq.) está sujeito a diferentes tipos de interpretação e a
multiplicidade destas empurra parte da doutrina (M. Luciani) para avaliar a noção de
dignidade como uma fórmula vazia, algo que contrasta com o princípio hermenêutico
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Além disso, a linguagem da Assembleia Constituinte, em grande


parte atribuível à utilizada pela legislação da época, não poderia considerar
a autodeterminação como expressão jurídica5. De fato, se levarmos em
consideração o código de 1942, é fácil perceber que os termos de
referência são exclusivamente o reconhecimento e proteção de direitos e
liberdades: art. 832, sobre a propriedade, afirma “O proprietário tem o
direito de gozar e dispor das coisas de forma plena e exclusiva, dentro dos
limites e com observância das obrigações estabelecidas pelo ordenamento
jurídico”6; o art. 1.321, cujo título traz a expressão “autonomia contratual”,
assim se expressa: “1. As partes podem livremente determinar o conteúdo
do contrato dentro dos limites impostos pela lei. 2. As partes também
podem celebrar contratos que não pertençam aos tipos de disciplina
específica, desde que se destinem à realização de interesses dignos de
tutela segundo o ordenamento jurídico” 7. Por fim, para compreender todo
o sistema e seu funcionamento, é necessário considerar o disposto no art.
2.907, como parte do sexto livro, dedicado à proteção dos direitos, que
afirma: “A tutela jurisdicional dos direitos prevê da autoridade judiciária a
pedido de uma das partes e, quando a lei assim o preveja, também a
pedido do Ministério Público ou de ofício” 8.
Mesmo quando limita ou proíbe, não pressupõe uma esfera de
autodeterminação, mas remete ao conceito de “disposição”. Nesse
contexto, o art. 5º, sobre os atos de disposição do próprio corpo, para os
quais “são proibidos os atos de disposição do corpo quando causarem

segundo o qual as palavras do legislador (ainda mais da Constituinte) devem ser


reconhecidas como prescritivas.
5 Sobre a linguagem da Constituição, suas aporias, o sentido das palavras utilizadas e a

interpretação constitucional, segundo diferentes cânones, a partir da interpretação


histórico-normativa, é permitido fazer referência ao nosso Le materie di competenza regionale,
Milão 1992, e aqui ampla informação sobre perfis linguísticos e sistemáticos com
referências à doutrina e jurisprudência italiana e comparada.
6 Para o direito de propriedade, consulte-se S. Mangiameli, La proprietà privata nella

Costituzione, Milão 1986, passim.


7 Para a proteção da autonomia privada, indiretamente, pelos artigos 41 e 42 da

Constituição, veja Tribunal Constitucional, acórdão n. 37 de 1969, em Giur. Cost. 1969, I,


1, 1246 sq.; L. Mengoni, Autonomia privata e Costituzione, in Banca, Borsa e titoli di credito
1997, I.
8 Veja F.D. Busnelli, Della tutela giurisdizionale dei diritti, Turim, 1964.
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diminuição permanente da integridade física, ou quando de outra forma


forem contrários à lei, à ordem pública ou à moral” 9.
O que comumente se define como “autodeterminação” certamente
não tem uma dimensão unitária no ordenamento jurídico, mas é capaz de
assumir valor jurídico apenas em fragmentos, remetendo os diversos
aspectos das escolhas e decisões individuais à esfera jurídica que lhes
compete. Assim, a autodeterminação consubstancia-se em uma disposição
específica que contemple determinada situação e a qualifique
juridicamente.
Daí, portanto, deriva essencialmente que a Constituição, que se
expressa na linguagem jurídica em termos de direitos e liberdades, não
expressa uma noção de autodeterminação, mas pode qualificar algumas
escolhas e decisões individuais em tempo hábil.
Estas afirmações também se confirmam em relação aos demais
ramos do direito, como o direito penal, que contribuíram para a redação
da primeira parte da Carta. Basta considerar a perfeita coincidência entre
alguns dispositivos constitucionais e os princípios do código penal: o
princípio da legalidade penal, a regra do favor rei, a presunção de inocência
etc., que afetam situações individuais específicas, mas não contemplam um
princípio geral de autodeterminação individual10.
Constata-se, assim, que a Constituição tipificou segundo o cânone
histórico-normativo um conjunto de figuras que dizem respeito à
faculdade da pessoa e as qualificou juridicamente, como direitos e

9 Sobre a disposição em questão, ver os comentários de: G. Alpa, A. Ansaldo, Atti di


disposizione del proprio corpo, em Commentario al codice civile, coordenado por P. Schlesinger,
Milão 1996, 247 sq; V. Rizzo, Art. 5 (Atti di disposizione del proprio corpo), em Commentario
al codice civile, editado por P. Perlingieri, Nápoles 1991, 253 sq.; R. Romboli, Persone
fisiche, sub art. 5, em Commentario Scialoja-Branca, Bolonha-Roma 1988, 288; Id., La
relatività dei valori costituzionali per gli atti di disposizione del proprio corpo, in Pol. Dir. 1991, 568.
10 V., em general, P. Nuvolone, Le leggi penali e la Costituzione, Milão 1953; C. Esposito,

L‟art. 25 della Costituzione e l‟art. 1 del codice penale, in Giur. cost., 1961, 537; M. Siniscalco,
Giustizia penale e Costituzione, Milão 1968; F. Bricola, Rapporti civili: art. 25, 2° e 3° comma, in
Commentario della Costituzione, editado por G. Branca, Bolonha 1981, 227 sq.; com
referência específica ao direito à saúde E. Palermo Fabris, Diritto alla salute e trattamenti
sanitari nel sistema penale. Profili problematici del diritto all‟autodeterminazione, Pádua 2000, 83 sq.
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liberdades, ou seja, como uma situação positivamente contemplada e


distintamente protegida, com base em disciplinas particulares e típicas 11.
Os direitos constitucionais, portanto, estão inseridos no
ordenamento jurídico, independentemente da circunstância de
expressarem ou não uma aspiração ética ou religiosa, e a sua positivação
depende da disciplina jurídica que os concretiza. No entanto, os direitos
constitucionais, apesar de serem dependentes do desenvolvimento da
legislação, têm a capacidade no âmbito dos dispositivos que os
contemplam de determinar limites e fronteiras justamente à legislação
ordinária, que, se ultrapassados, causam o vício de inconstitucionalidade da
lei (controláveis através de eventual revisão pelo Tribunal Constitucional).
Deste ponto de vista, portanto, a posição, constitucional ou não, de um
direito específico é relevante 12.
Nesse sentido, a circunstância da Constituição ter estabelecido um
catálogo definido de direitos e liberdades impõe algumas distinções e
acarreta algumas consequências: em primeiro lugar, entre direitos
constitucionais e direitos previstos em lei; ambos abrangem todo o
comportamento humano e o qualificam juridicamente, mas nem todas as
situações jurídicas têm cobertura constitucional. Em segundo lugar,
enquanto o ordenamento jurídico é submetido à restrição de completude
e, por meio de procedimentos de analogia, apresenta-se como carente de
lacunas, porquanto o sistema constitucional de direitos, baseado na
tipicidade, por um lado, não pode ser interpretado analogicamente como
as normas da legislação, uma vez que se distingue o que é
constitucionalmente relevante do que não o é; e, por outro lado, leva à
exclusão de qualquer interpretação dos dispositivos constitucionais
individuais fora dos casos específicos que lhes dizem respeito13.
Em última análise, portanto, de acordo com a Constituição, não se
deve falar de “autodeterminação” do indivíduo, para efeito de avaliação do
mérito da proteção constitucional, mas das escolhas e decisões individuais
que este assume ou toma.

11 Veja P.F. Grossi, I diritti di libertà ad uso di lezioni, vol. I, 1, II ed., Turim, 1991, 175 sq.;
A. Pace, Libertà e diritti di libertà, em Studi in onore di Pierfrancesco Grossi, Milão, na imprensa.
12 Sobre a pertinência dos direitos constitucionais como limite ao legislador ordinário veja

H. Kelsen, Teoria generale del diritto e dello Stato, trad. it., Milão, 1966.
13 P.F. Grossi, I diritti di libertà ad uso di lezioni, cit., 167 sq.
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2. AS POSIÇÕES VOLTADAS PARA A SUPERAÇÃO DO


CONSTRANGIMENTO DO CATÁLOGO CONSTITUCIONAL
DE DIREITOS: A) TENDÊNCIAS BASEADAS NO ART. 2 DA
CONSTITUIÇÃO ITALIANA.
Aqui não se pode negar que essa abordagem rigorosa apareceu a
uma parte da doutrina que era muito restritiva e incapaz de determinar a
adaptação da Constituição às mudanças dos tempos e ao impacto da
tecnologia. Para muitos, por exemplo, não parece aceitável considerar a
confidencialidade, não como um direito constitucional, mas como um
direito legalmente garantido (com base no art. 8º da CEDH), e apenas
parcialmente limitado constitucionalmente 14.
Os proponentes dessa abordagem evolutiva podem ser agrupados
sob dois perfis distintos: por um lado, há aqueles que consideram o
catálogo de direitos constitucionais não um rol fechado, mas sim aberto,
por meio do inciso do art. 2º da Constituição sobre os direitos invioláveis
do homem e, por outro lado, há quem acredite que dos direitos
enumerados na Carta se possa inferir um princípio geral de liberdade ou
de proteção da autonomia privada. Dentro dessas configurações, o
conceito de autodeterminação também seria colocado como auxiliar e
expressão explicativa de direitos imprevistos e categorias jurídicas
(autonomia privada, liberdade individual) que, embora não expressamente
contemplados, teriam um significado constitucional.
Podemos partir do primeiro aspecto, para dizer de imediato que o
trabalho “criativo” da jurisprudência do Tribunal, várias vezes chamado a
intervir para “adaptar” o texto constitucional às necessidades reais,
caracteriza-se como uma constante da experiência italiana. O Tribunal
Constitucional teve, aliás, o mérito de trazer novos casos ao texto da
Constituição, alargando os espaços de proteção dos cidadãos e das pessoas
singulares, como comprovam as inúmeras decisões em que tratou do

14 Pela natureza predominantemente legislativa da confidencialidade, v. S. Mangiameli, Il


giuramento dei non credenti davanti alla Corte costituzionale, in Giur. Cost. 1980.
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“direito à vida” (acórdãos n.º 27 de 1975; 35 de 1997; 223 de 1996) 15, do


direito “à identidade pessoal” definido como o “direito a ser si mesmo”
(acórdão n.º 13 de 1994), de liberdade pessoal, entendido não só como
garantia de formas de coação física da pessoa, mas que inclui também a
liberdade moral do sujeito (sentença n.º 30 de 1962) 16, do direito à
informação (sentenças n.º 84 de 1969 e n. 348 de 1990), de objeção de
consciência (acórdãos nº 164 de 1985; nº 470 de 1989; e nº 467 de 1991),
etc.
No ordenamento jurídico italiano, como se sabe, o regime dos
direitos fundamentais baseia-se na regra de princípio, contida no art. 2º da
Constituição, pelo qual “a República reconhece e garante os direitos
invioláveis do homem tanto como indivíduo como nas formações sociais
onde se desenvolve a sua personalidade, (...)”. O sentido e alcance desta
disposição só podem ser compreendidos se considerarmos o clima
histórico-cultural da Assembleia Constituinte, fruto do encontro (e do
acordo) de três diferentes inspirações de pensamento: a católica, a liberal e
a socialista 17.
A proclamação do art. 2º da Constituição marcaria a superação
definitiva da abordagem centrada no Estado e, reconhecendo a primazia
da pessoa sobre o Estado, assumiria o princípio personalista como ponto

15 Veja G. Gemma, Vita (diritto alla), em Dig. Disc. Giur. Pubbl., XV, Turim 2000, 670 sq.;
I. Nicotra, Vita, in Diritto costituzionale. Dizionario sistematico, editado por S. Mangiameli,
Milão 2008, 475 sq.
16 Sobre o conteúdo da liberdade pessoal também entendida como liberdade psíquica ou

moral, v. P. Grossi, Libertà personale, libertà di circolazione e obbligo di residenza dell‟imprenditore


fallito, em Giur. cost., 1962, 205; secundo A. Barbera, I principi costituzionali della libertà
personale, Milão 1967, o art. 13 teria por objeto o livre desenvolvimento da pessoa
humana. A tese restritiva da liberdade pessoal é sustentada por A. Pace, Libertà personale
(diritto costituzionale), em Enc. dir., Milão 1974, vol. XXIV.
17 v. P. Calamandrei, Cenni introduttivi sulla Costituente e i suoi lavori, in, Commentario sistematico

alla Costituzione italiana, editado por P. Calamandrei e A. Levi, Florença, 1950, onde se
afirma que “(...) tal como a Assembleia pela qual foi aprovada, também a Constituição foi
necessariamente inspirada na política de coligação dos três partidos ditos de „massa‟, que
no período da Assembleia Constituinte era a base do governo De Gasperi: ou seja,
também era „tripartite‟” (p. CXXVIII); Id., La Costituzione e le leggi per attuarla, agora em
Opere giuridiche, editado por M. Cappelletti, vol. III, Nápoles, 1968, 511 (514 sq.)
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fixo na regulação da nova relação indivíduo-estado comunidade 18. A


pessoa como “fim do sistema das liberdades”19 torna-se titular dos direitos
fundamentais que constituem o património irredutível da dignidade
humana que a República se compromete a salvaguardar.
Além dessa premissa, geralmente compartilhada, porém, em torno
da fórmula do art. 2º da Constituição passou a rodar a reflexão sobre o
sistema de direitos fundamentais e a quaestio interpretativa centrada em duas
leituras alternativas: aquela segundo a qual o referido dispositivo deveria
ser lido como regra “sumária” dos direitos enumerados no texto
constitucional apenas, que seria, em última análise, um catálogo fechado; e
que, ao contrário, para o qual isso permitiria a abertura do catálogo
constitucional, incluindo também direitos não expressamente enumerados.
O art. 2º como cláusula “aberta” não pretende interpretar a
disposição sobre “direitos invioláveis” como afirmação de um direito geral
de liberdade20, ou como forma de abertura ao direito natural21, mas
simplesmente como uma ferramenta hermenêutica adequada legitimar
constitucional a identificação de novos casos. Com efeito, “uma vez
abandonado o campo dos casos jurídicos analíticos, devidamente
expressos pelo texto constitucional, não se pode deixar de operar de fato,

18 Veja A. Pace, Problematica delle libertà costituzionali, Parte generale, III ed., Pádua 2003, 5;
A. Baldassarre, Diritti inviolabili, em Encicl. Giuridica Treccani, XI, Roma 1989, ad vocem; e Id.,
Proprietà, in Encicl. Giuridica Treccani, XXV, Roma 1991, ad vocem.; P. Caretti, I diritti
fondamentali. Libertà e Diritti sociali, Turim 2002, 136 sq.
19 G. Guarino, Lezioni di diritto pubblico, Milão, 1967, 88.
20 C. Mortati, Istituzioni di diritto pubblico, Pádua, 1969, II, p. 949 (“pode-se interpretar a

arte. 2 custo. no sentido de que queríamos afirmar não um direito geral de liberdade, mas
sim um princípio que não se esgota inteiramente nos casos individuais previstos e,
portanto, permite ao intérprete inferir do sistema outros não especificamente
contemplados”).
21 Veja A. Barbera, Art. 2, cit., 83 sq. que sobre a controvérsia entre o direito natural e o

direito positivo afirma: “uma questão – tudo isso é superestimado; qualquer que seja o
significado político-filosófico da lei natural, para poder se expressar como força
normativa no ordenamento jurídico, só pode contar com forças políticas e culturais, ou
seja, com grupos capazes de afirmar sua hegemonia política e cultural capaz de
determinar a Constituição material”. O direito natural nesta perspectiva converge com o
personalismo jurídico ou com o racionalismo jurídico, expressando nada mais do que
“valores historicamente detectáveis” (85).
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(...) uma referência à Constituição material e aos princípios do regime


assumido pela consciência do juiz ou do intérprete”22.
Para aqueles que acreditam nessa abordagem, o problema do art.
2º da Constituição não deve ser abordado examinando o reconhecimento
ou valor constitutivo da referência a direitos invioláveis e nem discutindo
o dilema do caso aberto ou encerrado, mas considerando-o como uma
questão a ser colocada em termos de política jurídica 23.
O esquema que a referida orientação pretende propor é o do livre
desenvolvimento da pessoa, como tarefa a ser desempenhada e não apenas
como dado a ser respeitado, para o qual os valores da pessoa não só teriam
uma função de garantia, mas também de desenvolvimento24. Portanto, é
no que diz respeito a essa perspectiva, vinculada à afirmação do “estado
democrático”, que se apoiaria, uma vez que se sente a necessidade de
“abandonar a cansativa tentativa de encerrar as liberdades constitucionais
em situações jurídicas rígidas, como os direitos subjetivos”, pois é preciso
aceitar as “posições de quem por meio deste artigo abre o sistema para
outros valores não explicitamente referidos pelo constituinte”, o que
criaria um efeito expansivo de liberdades que “não pode deixar de
encontrar um ponto de apoio, e ao mesmo tempo um limite na
Constituição material e nas forças políticas, sociais e culturais que a
determinam” 25.
As tentativas de desvincular o reconhecimento de outros direitos
fundamentais dos casos constitucionalmente previstos são paralelas às
posições daqueles que, por meio do art. 2º da Constituição, trata da

22 A. Barbera, Art. 2, cit., 85, para o qual seria uma questão, tanto no caso de “referência a
valores de direito natural” quanto de “referência a valores emergentes na constituição
material”, de “um problema de escolha cultural e política” (90).
23 A. Barbera, Art. 2, cit., 83 exclui estritamente o valor de reconhecimento do art. 2,

referindo-se ao ensino de Esposito, segundo a qual, se é verdade que a soberania em


nosso sistema pertence ao povo, todo direito se baseia na vontade popular, que tem valor
constitutivo de qualquer direito v. C. Esposito, La Costituzione italiana, Saggi, Pádua, 1954,
22. A referência que o art. em questão, os direitos invioláveis teriam, portanto, um valor
“constitutivo” e “aberto” “a outras liberdades e outros valores pessoais não
expressamente protegidos pelo texto constitucional”(84).
24 Veja A. Barbera, Art. 2, cit., 90.
25 A. Barbera, Art. 2, cit., 91, que fala da “força expansiva que as liberdades, que se

tornaram valores onde eram esquemas subjetivos precisos, vão adquirir”.


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questão do fundamento dos direitos, independentemente da referência aos


dispositivos constitucionais expressos individualmente. De acordo com
este parecer, há que considerar que a Assembleia Constituinte, apesar do
silêncio do texto constitucional, quis implicitamente proteger na Carta
também aqueles direitos (como o direito à vida) que de alguma forma
constituem o pressuposto, ou a fundamento natural daquelas explicitadas e
cercadas de proteção legal26.
O art. 2º representaria, nesse sentido, a garantia constitucional
desses direitos não expressos e em todo caso invioláveis, mas para que não
se tornasse “um envelope disponível para qualquer conteúdo”, seria
necessário definir o quadro em que se admitiria a existência de tais direitos.
A referida disposição representaria, portanto, uma cláusula aberta, mas
delimitada axiologicamente.
Esta cláusula, no entanto, operaria em dupla direção, ou seja, tanto
para o chamado “Direitos implícitos”, quanto aos chamados “Novos
direitos”; em ambos os casos a efetividade dos direitos estaria vinculada ao
referencial cultural originalmente expresso pela Constituinte27. Assim, o
art. 2º da Constituição representaria, portanto, a fonte de legitimação
desses direitos fundamentais e, embora seu nascimento deva ser colocado
fora do texto constitucional, por meio desse dispositivo eles seriam
protegidos juridicamente, ou seja, se tornariam direitos também jurídicos
no sentido ontológico28.

26 A. Spadaro, Il problema del fondamento dei diritti “fondamentali”, in I diritti fondamentali oggi,
Anais da V Conferência da Associação Italiana de Constitucionalistas, Taormina, 1990,
Milão 1995, 235 sq.
27 A. Spadaro, Il problema del fondamento dei diritti “fondamentali”, cit., “enquanto chegarmos a

um acordo com o texto positivo atual, não seremos capazes de torcê-lo à vontade, ou
adaptá-lo às necessidades mutáveis dos tempos a ponto de subtraí-lo de um esvaziamento
subterrâneo de sentido”.
28 v. A. Spadaro, Il problema del fondamento dei diritti “fondamentali”, cit., que, dessa forma,

alinha sua posição no sentido do direito natural e, criticamente em direção à tese do caso
encerrado, afirma: “aquela doutrina que reconduz todo „novo direito‟ ao art. 13 ss. Da
Constituição, muitas vezes inclui entre os direitos expressamente declarados estas e
muitas situações jurídicas subjetivas que dificilmente podem ser definidas como ativas
alterando assim os valores efetivamente protegidos pela Constituição”.
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Frente a essa perspectiva “expansiva”, a posição daqueles que,


embora acreditando que direitos constituem valores29, remete a apuração
dos casos a uma espécie de disposição combinada entre as disposições
individuais sobre direitos e o art. 2º da Constituição, no pressuposto de
que nesta última disposição se consagra a verdadeira e primitiva norma
sobre o livre desenvolvimento da pessoa humana. O valor básico que seria
protegido por essa norma seria, portanto, o livre desenvolvimento da
personalidade 30.
Consequentemente, de acordo com essa orientação, a concepção
do art. 2º como caso encerrado, se assim a norma for entendida como um
reconhecimento dos direitos enumerados, uma vez que “a tipificação-
enumeração constitucional dos direitos é suficiente para abranger
potencialmente todas as direções ou áreas de liberdade praticamente
possíveis”, enquanto “art. 2º como norma geral sobre o reconhecimento-
garantia de direitos invioláveis, (...)”31 e que, portanto, “A garantia-
reconhecimento global do art. 2º „teria‟ por objeto justamente os direitos
que podem ser identificados a partir do contexto da Constituição
positiva”32.
Se se pode tirar uma conclusão do debate italiano sobre os direitos
invioláveis, que - recorde-se - os colocaria entre os princípios supremos da
ordem constitucional 33, é que a assunção da posição, em relação ao

29 F. Modugno, I “nuovi diritti” nella Giurisprudenza Costituzionale, Turim 1995, 3 s., para o
qual “na realidade o que parece escapar à concepção do 'caso encerrado' é que os direitos
invioláveis, mesmo antes de serem situações jurídicas subjetivas, são valores - este me
parece o seio específico do art. 2º da Constituição – e que na lógica dos valores - que não
é a lógica do tudo ou nada, do sim ou não – temdem à mútua relativização, equilíbrio e
composição, segundo as regras de fundação, oposição e complementaridade”
30 Veja F. Modugno, I “nuovi diritti” nella Giurisprudenza Costituzionale, cit., 2, 8.
31 Ivi, 8.
32 Na verdade, a posição de F. Modugno (I “nuovi diritti” nella Giurisprudenza Costituzionale,

cit., 8) não é único. De fato, ao mesmo tempo, afirma que a Constituição italiana,
contendo um rico sistema de direitos, não favoreceria o surgimento de novos direitos
ainda não incluídos entre os listados, mas permitiria a identificação de direitos implícitos,
conforme necessário ou possível. consequências dos direitos enumerados. (“Presumo que
o catálogo constitucional positivo, na parte relativa às liberdades, se corretamente
entendido, é abrangente” [p. 9]), o que neste aspecto expressa a mesma posição já
expressa em a doutrina italiana por P. Barile, Diritti dell‟uomo e libertà fondamentali, cit., 55 s.
33 Veja Tribunal Constitucional, acórdão n. 1114 do 1988.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 64

sistema de direitos como fechados ou abertos, depende do modo de


entender a própria Constituição: se como ato normativo, tendo, portanto,
caráter avaliativo e prescritivo; ou, como expressão (ainda que um
reconhecimento) de valores (pré-jurídicos) a serem traduzidos, de tempos
em tempos, em prescrições legais.
Essa observação sobre a determinação da “norma constitucional”,
entretanto, não deixa de ter efeitos em relação à própria avaliação da
atividade do juiz constitucional, especialmente nos casos em que esta
tenha ensejado mudanças na jurisprudência sobre as mesmas figuras.
A diferença entre quem vê no art. 2º se trata de um comando de
numerus clausus ou de quem o considera um comando aberto, não só na
circunstância de os primeiros considerarem essencial uma interpretação
segundo os cânones clássicos da hermenêutica jurídica, e concretamente
com base no princípio da especialidade34 , enquanto estes últimos tendem
a se abrir a uma interpretação dos direitos fundamentais em termos de
“valores”35, ao invés de “direitos subjetivos”36, mas sobretudo no modo de
considerar a própria ação de concretização da Constituição realizada por o
juiz constitucional.
A diferente abordagem seguida, no entanto, não implicaria
simplesmente tomar nota da diferente forma de atuação do juiz, para um o
rastreamento dos casos, de forma extensiva, às disposições únicas sobre
direitos37, para os outros dar entrada, através do art. 2º da Constituição,
aos valores dos quais seriam inferidos os direitos não expressamente

34 Sobre o tema v. P. Grossi, Diritti fondamentali e Diritti inviolabili nella Costituzione italiana,
em Il Diritto costituzionale tra principi di libertà e istituzioni, Pádua 2005, 4; S. Mangiameli, La
“libertà di coscienza” di fronte all‟indeclinabilità delle funzioni pubbliche. (A proposito
dell‟autorizzazione del giudice tutelare all‟interruzione della gravidanza della minore), em Giur. Cost.,
1988.
35 Veja também A. Baldassarre, Diritti inviolabili, ora in Diritti della persona e valori

costituzionali, Turim 1997, 1 sq.


36 Para o qual configurariam o art. 2 como uma cláusula geral com contornos incertos (no

ponto v. infra par. 4).


37 Como a arte. 2º da Constituição permitiria a mais ampla interpretação e permitiria a

leitura extensiva dos artigos 13 ss. Const., para os quais os novos direitos emergentes
podem ser considerados uma especificação dos enumerados; nesse sentido, falar-se-ia
“Giuspositivismo temperato” (P. Ridola, Libertà e diritti nello sviluppo storico del costituzionalismo,
cit., 54).
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 65

contemplados38, mas considerar, ou não, a possibilidade de relacionar o


pronunciamento jurisprudencial à mesma norma constitucional, para o
qual a mesma sentença da regra. O Tribunal Constitucional, para além de
ser a decisão que encerra o processo, parece ser juridicamente passível de
avaliação. De fato, o limite último da tese do art. 2º como caso em aberto
é que conduz a decisões em que o aspecto fático (e político) acaba por
prevalecer sobre a norma constitucional e em tal situação não tranquiliza
em nada, para fins de efetiva proteção dos direitos previsto na
Constituição, a afirmação de que o art. 2º da Constituição atenderia às
demandas de liberdade expressas pela sociedade, que contaria com o papel
do juiz constitucional como “intérprete chamado a dar voz à consciência
social” 39.
A esse respeito, vale o que se observou: “As hipóteses de direitos
não previstos na Constituição são muito mais limitadas do que se poderia
pensar à primeira vista: ou porque tais hipóteses se enquadram nos casos
normativos relativos aos direitos expressamente reconhecidos pelo art. a
própria Constituição (...) ou porque seu eventual reconhecimento colocaria
antinomias irremediáveis com outras normas constitucionais” 40.
Portanto, a configuração do art. 2º como cláusula geral de
contornos incertos implicaria que “os direitos constitucionalmente
previstos esbarram em uma série de limites, ao passo que esses supostos
novos direitos, não sendo expressamente positivados, teriam um regime
privilegiado”41 e, consequentemente, que, quando novos direitos são
identificados, “não se medita suficientemente sobre o fato de que a
afirmação de um „direito‟ muitas vezes segue automaticamente a imposição
de uma „obrigação‟ correspondente por parte de outro sujeito privado,
também titular de direitos constitucionais” 42.
Em sua primeira jurisprudência, a Corte Constitucional italiana
havia aceitado uma configuração restritiva do art. 2º, afirmando que o

38 Veja R. Bin, Diritti e argomenti. Il bilanciamento degli interessi nella giurisprudenza costituzionale,
Milão 1992; G. Zagrebelsky, Il diritto mite, Turim 1992; F. Modugno, I “nuovi diritti” nella
Giurisprudenza Costituzionale, cit.; L. Mengoni, Ermeneutica e dogmatica giuridica, Milão 1996.
39 P. Ridola, Libertà e diritti nello sviluppo storico del costituzionalismo, cit., 55.
40 A. Pace, Problematica delle libertà costituzionali, cit., 4.
41 P. Caretti, I diritti fondamentali, cit. 139.
42 A. Pace, Problematica delle libertà costituzionali, cit., 26-27.
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princípio expresso pelo referido dispositivo “indica claramente que a


Constituição suscita o reconhecimento dos direitos que constituem o
patrimônio indetectável da pessoa humana como regra fundamental do
Estado, para tudo o que diz respeito às relações entre a comunidade e os
indivíduos: pertencem ao homem entendido como um ser livre” e, “ à
fórmula genérica deste princípio, segue uma indicação específica dos
direitos individuais invioláveis”43.
A opção do Tribunal Constitucional por não se manter
estritamente ancorado à sua primeira jurisprudência, que não dava sentido
prescritivo à disposição sobre “direitos invioláveis” do art. 2º da
Constituição, parece assim ultrapassado. Os esquemas em que se move o
problema dos direitos invioláveis, para ampliar as margens de proteção,
são assim, em suas linhas essenciais, definíveis em três figuras: a) a
combinação de um direito constitucional específico com o art. 2º da
Constituição, que serve para fortalecer a lei como tipificadora da forma do
Estado democrático-republicano; b) o rastreamento de um caso relativo a
uma faculdade particular a um direito constitucional específico e ao art. 2º,
a fim de trazer essas faculdades de volta ao marco regulatório de um
direito constitucional, intensificando sua proteção com a previsão da
inviolabilidade; c) a identificação autônoma dos casos, definidos como
direitos invioláveis em relação direta e exclusiva com o art. 2º da
Constituição.
Uma vez que esses esquemas de qualificação tenham sido
metabolizados no contexto dos direitos humanos invioláveis garantidos
pelo art. 2º da Constituição, a jurisprudência constitucional passa a
reconhecer a chamada “novos direitos”, como os à própria dignidade,
honra, respeitabilidade, confidencialidade, intimidade e reputação 44, e –

43 Tribunal Constitucional, acórdão n. 11 do 1956, em Giur. Cost., 1956, 612 (itálico


nosso) a afirmação dos direitos como patrimônio indetectável da pessoa humana
representa uma constante da jurisprudência constitucional, ainda que se ressalte que o art.
2 remeteria “a proteção específica a outras normas constitucionais ou leis ordinárias”
(vide também sentença nº 33 de 1974, em Giur. Cost., 1974, 123; acórdão n. 252 do 1983,
ivi, 1983, 2628).
44 Tribunal Constitucional, acórdão n. 38 de 1973, em Giur. Cost., 1973, 354 sq.; com

observação de G. Pugliese, Diritto all‟immagine e libertà di stampa, em Giur. cost., 1973, 355.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 67

particularmente significativo, em relação ao problema do aborto – o


direito à vida do nascituro45; e também o “direito à vida”46.
Embora existam diferentes figuras que a jurisprudência
constitucional toca, em relação ao art. 2º da Constituição, o campo
privilegiado que o Tribunal tende a salvaguardar é único e este é
representado pela pessoa singular47; e, nessa perspectiva, os diferentes
pronunciamentos assumem uma dimensão unificadora e até mesmo
sistemática: se faz referência ao direito à saúde do art. 32 da Constituição48,
se os direitos previdenciários do art. 38 da Constituição49, art. 2º
estabelece, ainda que diretamente, direito à indenização por dano à
integridade física, sem que isso implique “a divulgação da esfera do art. 2º
da Constituição a situações subjetivas que o texto fundamental não prevê”
50
.
Com esta forma de utilização do dispositivo sobre direitos
humanos invioláveis pelo juiz constitucional, fica evidente que a conexão
com os demais dispositivos constitucionais sobre direitos fundamentais

45 Tribunal Constitucional, acórdão n. 27 del 1975, en Giur. Cost., 1975, 117 (119) sq.,
com observação de R. D‟Alessio, L‟aborto nella prospettiva della Corte costituzionale e de C.
Chiola, Incertezze sul parametro costituzionale per l‟aborto, ivi, 1975, 1098; sobre o tema do
aborto e do direito à vida do nascituro, decidiu a Corte, definindo o chamado
“Equilíbrio” de direitos, inclusive na ausência de legislação específica que só viria com a
lei n. 194 de 1978.
46 Tribunal Constitucional, acórdão n. 54 de 1979, em Giur. Cost., 1979, 413 (426).
47 Tribunal Constitucional, acórdão n. 132 de 1985, em Giur. Cost., 1985, I, 934, onde se

afirma que “é sempre a pessoa que encontramos cercada pelas garantias configuradas
pelo art. 2º da Constituição” (p. 946).
48 Tribunal Constitucional, acórdão n. 132 de 1985, cit., I, 946 sq., e deve-se ter em mente

que para o direito à saúde, nos termos do art. 32 da Constituição, o Tribunal poderá
argumentar, no entanto, que “o valor constitucional da saúde, expressamente garantido
pelo art. 32 da Constituição”, representa um “direito fundamental e inviolável” (acórdão
n. 227 de 1987, em Giur. Cost., 1987, I, 1710).
49 Veja Tribunal Constitucional, acórdão n. 319 de 1989, em Giur. Cost., 1989, I, 1442 e

em especial, 1450 sq.


50 Tribunal Constitucional, acórdão n. 132 del 1985, cit., 1985, I, 946; também é de

particular importância que o juiz constitucional use o art. 2º a reconhecer o mesmo


direito à indemnização aos familiares da vítima com base na consideração de que se trata
de “direitos que se enquadram no quadro desta disposição constitucional (...)
reconhecidos não só ao indivíduo, mas ao homem em formações onde exerce a sua
personalidade”.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 68

pode se tornar secundária e ocasional, e não porque a conexão com casos


individuais não seja regulamentada, em forma interpretativa, ainda
possível, mas desde o rastreamento do caso até o art. 2º parece mais
imediatamente efetiva, até simbólica, como no caso do direito à identidade
e à liberdade sexual. De fato, o Tribunal, embora pudesse intervir com
outros parâmetros, assumou a verificação da questão “com referência
apenas ao art. 2º da Constituição”, declarando que “este dispositivo não é
violado quando e pelo fato de que a todos é assegurado o direito de
realizar, na vida, sua identidade sexual, a ser considerado um aspecto e
fator de desenvolvimento da personalidade”51; assim, com referência ao
estupro, afirmou que no ordenamento jurídico penal “constitui a mais
grave violação do direito fundamental à liberdade sexual” e, “sendo a
sexualidade um dos modos essenciais de expressão da pessoa humana, o
direito dispor livremente dela é, sem dúvida, um direito subjetivo absoluto,
que deve ser incluído entre as posições subjetivas diretamente protegidas
pela Constituição e enquadrada entre os direitos invioláveis da pessoa
humana que o art. 2º da Constituição exige a garantia constitucional”52.
Com base nisso, a Corte, em alguns casos, preferiu identificar
direitos qualificados invioláveis na ausência ou em conjunto com uma
previsão precisa e, dessa forma, oscilou entre inovação no sistema de
direitos fundamentais, reconhecimento de novos casos autônomos, e a
extensão da inviolabilidade aos direitos previstos na Constituição, mas
para os quais esta não contemplou expressamente esta qualificação53.

51 Tribunal Constitucional, acórdão n. 161 de 1985, em Giur. Cost., 1985, I, 1173 sq., em
especial 1186-87 onde também dispõe que “correlativamente os demais membros da
comunidade são obrigados a reconhecê-lo (o direito à identidade sexual), por dever de
solidariedade social”.
52 Tribunal Constitucional, 18 dicembre 1987, n. 561, em Giur. cost., 1987, I, 3535, especial

3539, e acrescenta, combinando também sua jurisprudência sobre remuneração direta,


nos termos do art. 32 da Constituição, de “dano biológico” (sentença n. 184, de 1986),
que “o estupro envolve, por si só, a violação de valores fundamentais da liberdade e da
dignidade da pessoa, podendo ainda ensejar prejuízos à vida de relacionamento. Estas
lesões têm significado autónomo tanto no que diz respeito aos sofrimentos e
perturbações psicológicas que a violação naturalmente acarreta, como no que diz respeito
a qualquer dano financeiro consequente: e a sua reparação é uma obrigação, pois os
valores acima mencionados são, de facto, objecto de proteção” (p. 3540).
53 Neste ponto, é permitido referir-se à nossa voz Nuovi diritti, in Diritto costituzionale,

editado por S. Mangiameli, Milão 2008, 433 sq.


Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 69

3. SEGUE: B) A AFIRMAÇÃO DE UM PRINCÍPIO GERAL DE


LIBERDADE OU PROTEÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA.
Mesmo em posições que tendem a admitir um princípio geral de
liberdade, fundamentado no art. 2º da Constituição, como regra a partir da
qual se identificam outros princípios gerais que acolhem em si a
autodeterminação, dando-lhe cobertura constitucional.
Nesse contexto, notamos o esforço daqueles que tentam identificar
um princípio geral de hierarquia constitucional dentro do qual se situaria a
autonomia privada54. A abordagem inspira-se em algumas declarações de
estudiosos do direito civil sobre a cobertura pelos dispositivos da
Constituição das “fronteiras atuais do direito civil e seu conteúdo
essencial”55.
Esta afirmação é correta, como também o é a abordagem correta
que vê em alguns dispositivos constitucionais o significado constitucional
(mas não a garantia) da autonomia dos particulares 56.
No entanto, a partir dessas premissas não é possível concluir que
“a expressão autonomia privada refere-se à posição dos sujeitos privados
no ordenamento jurídico, posição caracterizada por um robusto traço de
autodeterminação e, portanto, de liberdade”, uma vez que trataria “da
configuração do estatuto jurídico da pessoa, do espaço dado à sua
autodeterminação e do nível de garantia que lhe é assegurado” 57.
As perplexidades decorrentes dessa abordagem derivam do salto
lógico que determina a passagem da autonomia à liberdade, ambas bem
conhecidas do sistema constitucional. Essas duas categorias não podem
ser confundidas de forma alguma, pois a primeira indica um poder
dinâmico, a segunda uma reivindicação e uma condição que é, em
princípio, estática. Afirmar que a liberdade é um poder acabaria por

54 M. Esposito, Profili costituzionali dell‟autonomia privata, Pádua 2003, para a qual “as
liberdades se realizam pela ação do indivíduo na sociedade, no entrelaçamento das
relações com os associados, com a função, de tempos em tempos, de pré-requisito,
auxílio ou realização real do conteúdo da liberdade” (193).
55 Veja R. Nicolò, Diritto civile, in Enc. dir, XII, Milão 1964, 904.
56 Veja P. Barile, Il soggetto privato nella costituzione, Pádua 1953.
57 M. Esposito, Profili costituzionali dell‟autonomia privata, cit., 93.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 70

restringir o seu espaço, pois o exercício do poder pressupõe não apenas a


capacidade jurídica, mas também a capacidade de agir, porquanto a
condição de incapacidade da menoridade restringe a liberdade; não se
consideraria, então, que qualquer liberdade específica não exercida como
liberdade não usufruída58.
De qualquer forma, a tese não convence por não vincular com
precisão os poderes de autonomia a casos específicos de liberdade, como
quando se afirma que os dispositivos combinados do art. 2 com art. 41 (e
com os limites aí indicados) assegurariam alguma cobertura constitucional
à atividade negocial, mas se afirma como constitucionalizada a autonomia
privada tout court e com ela a autodeterminação do setor privado 59.
Considerações semelhantes aplicam-se a esta abordagem que parte
da seguinte afirmação: o sistema dos direitos fundamentais de liberdade
assenta em dois princípios, que constituem as suas pedras angulares: o
reconhecimento, a cada sujeito do ordenamento jurídico, da liberdade,
mesmo moral, de ter da própria pessoa, de que é elemento essencial a
garantia da liberdade pessoal (art. 19) 60.
Já aqui o esquema interpretativo aparece derrubado, mas essa
reviravolta se completa com as afirmações de que o conjunto de limites
colocados à esfera pública e de poder, do qual o sistema constitucional é
difundido (artigos 97 e 23; 24 e 113; 28 e lei de resistência aos funcionários
públicos) e da garantia do juiz sujeito apenas à lei (ato da administração
pública que o proíbe de fazer o que a lei não o proíbe, ele realmente goza
do direito de fazer o que a lei não o proíbe, ou seja, ele goza do que pode
ser chamado de direito geral de liberdade) 61.
E continuando, conclui afirmando que “se imaginarmos o direito
geral de liberdade como uma esfera de explicação da personalidade
humana protegida pela lei, os direitos individuais de liberdade podem ser
concebidos como os aspectos mais preciosos e mais ameaçados dessa
liberdade, ao qual é, portanto, dada maior proteção” 62.

58 Veja P.F. Grossi, I diritti di libertà ad uso di lezioni, cit., 254 sq.
59 Veja tambien M. Esposito, Profili costituzionali dell‟autonomia privata, cit., 195 e 196.
60 M. Mazziotti, Lezioni di Diritto costituzionale, Milão 1993, II, 191 s.
61 M. Mazziotti, Lezioni di Diritto costituzionale, cit., 193.
62 Ivi, 195.
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Dessa forma, portanto, as liberdades positivas da Constituição


estariam inseridas no princípio geral da liberdade, segundo o axioma de
que tudo o que não é constitucionalmente proibido, ou não resulta na
disponibilidade do poder público, é garantido e o que é garantido é
expressão da liberdade.
Em parte semelhante é a posição daqueles que, afastando-se de
alguns dispositivos constitucionais e, em particular, dos chamados direitos
invioláveis, decorrentes dos artigos 2º, 13, 14 e 15 vem enuclear um
princípio geral de liberdade moral 63.
Também, nesta área, parte-se da proposta constituinte de
refundação da esfera individual e destaca-se também o estado de tensão
entre os direitos de liberdade e os deveres de solidariedade. Entretanto,
por meio da crítica ao catálogo de direitos, que justificaria a presunção do
número limitado de liberdades individuais, volta-se a enaltecer os
princípios de “liberdade, dignidade social, igualdade, desenvolvimento da
pessoa humana”, indicados como válvulas de segurança que teriam
protegido a Constituição Republicana de mudanças redutivas. E, dessa
forma, tenta-se “encontrar no art. 2º algo muito semelhante à Nona
Emenda da Constituição dos EUA” (The enumeration in the Constitution, of
certain rights, shall not be construed to deny or disparage others retained by the people)
64
.
Essa abordagem constrói, assim, a questão sobre a plausibilidade
de “uma constituição que gira em torno da centralidade da pessoa
humana” e “tratou exclusivamente da ação externa do indivíduo e
negligenciou a dimensão interior de sua liberdade”, e assim levou a
afirmam que “em qualquer caso, o atual intérprete da constituição é
obrigado a dar forma completa a um direito real à liberdade moral” 65.
Essa liberdade é entendida como a adesão do ordenamento
jurídico às crenças internas do indivíduo e como a ampliação da
autodeterminação pelos requisitos legais. Os exemplos de tal tendência no
ordenamento jurídico são tirados, em primeiro lugar, da sentença de
juramento de 1979 (n. 117) que acrescentou a expressão “se crente” na
fórmula do juramento, redimensionando seu significado em relação ao

63 R. Nania, La libertà individuale nella esperienza costituzionale italiana, Turim1989, 11 ss.


64 Ivi, 24.
65 Ivi, 27 sq.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 72

ateu, do vínculo assumido diante de Deus para dizer a verdade; da decisão


do referendo de 1978 (n.16), para a qual a questão deve ser clara, simples e
não heterogênea, para não contrariar a liberdade de voto e a participação
democrática (art.1º e art.48 da Constituição), afirmando que aqui é o
conceito de liberdade de voto que é reinterpretado à luz da ideia de
autodeterminação do indivíduo subespécie de liberdade moral do eleitor;
e, por fim, do acórdão sobre o aborto de 1975 (n.28), a respeito do qual,
ao mesmo tempo em que se ressalta a divergência com a jurisprudência
norte-americana, destaca-se como a perspectiva da decisão constitucional
privilegia o direito à vida e à saúde das mulheres protegidas em 'arte. 32,
enfatizando o perfil psíquico da saúde da mulher 66.
O resultado é uma abordagem em que a liberdade moral e a
autodeterminação acabariam por coincidir e enraizariam-se numa área que
se define como constitucional e que acarretaria inevitavelmente por se
apoiar no art. 2º, concebido como uma cláusula semiaberta. A tese da lista
fechada de direitos constitucionais é criticada, pois esta tese visa evitar que
as reivindicações individuais de autodeterminação apareçam sempre como
questões de direito constitucional. Por outro lado, argumenta-se que a
liberdade moral é um valor difundido em nosso atual sistema
constitucional 67.
De fato, o Tribunal Constitucional também tratou a liberdade
moral de forma expressa em decisões não recentes que têm sido objeto de
acirrada controvérsia na doutrina; em particular, ligando-o à liberdade
pessoal do art. 13 da Constituição, onde se distingue entre serviços
impostos e violação da liberdade moral por “restrições substanciais, físicas
ou morais, da liberdade, equiparáveis à „prisão‟, que devem ser incluídas
entre as inspeções pessoais previstas no art. 13 da Constituição” 68.
É evidente que essa hipótese não trata da proteção da liberdade
moral, mas sim da física. Em si, porém, a liberdade moral não está
expressamente indicada na Constituição, exceto como forma específica de

66 Ivi, 139 sq.


67 Ivi, 161 sq.
68 Tribunal Constitucional, acórdão n. 30 de 1962, “a garantia do habeas corpus não deve

ser entendida apenas em relação à coação física da pessoa, mas também ao prejuízo da
liberdade moral quando tal prejuízo implicar a sujeição total da pessoa ao poder de
outrem”.
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proteção contra a violência moral exercida “sobre as pessoas, em qualquer


caso, sujeitas a restrições de liberdade” (art. 13, § 4º, da Constituição). A
salvaguarda da esfera moral, se for o caso, parece ser atribuível, de forma
reflexa, a alguns dispositivos da Constituição, como o art. 23 da
Constituição, entendido como regra de fechamento do sistema de direitos
constitucionais. De fato, esse dispositivo prevê apenas “a exclusividade de
comandar e ameaçar as leis e atos das autoridades (públicas e privadas)
com base nas leis e se limita a afirmar que os limites à pessoa que não
colidem com garantias específicas expressas por regras precisas da Carta
devem estar previstas na lei (princípio da legalidade), consubstanciando
um direito de liberdade apenas em relação a terceiros, pois exclui que um
poder, público ou privado, que não o da lei, possa impor ou mesmo
ameaçam limitações à pessoa e à própria lei, pois desta norma não se pode
extrair “uma força „geral‟ ou „absoluta‟ da lei” 69.
Em conclusão, então, aos limites metodológicos e sistemáticos já
estabelecidos, para essas abordagens, deve-se acrescentar que a afirmação
de um poder de autodeterminação, dedutível de vários princípios gerais
(autonomia, liberdade geral, liberdade moral) cujo fundamento no plano
constitucional se pode sensatamente duvidar; isso acarretaria uma
consequência paradoxal, ou seja, diante de uma reivindicação absoluta de
constitucionalidade, restaria uma indeterminação dos limites desse poder
de autodeterminação, para o qual isso poderia se expandir, como de fato o
fez, violando as garantias e ultrapassando os limites fixados às liberdades
constitucionalmente previstas ou por meio de técnicas que não são mais
hermenêuticas, mas de direito político.
Basta pensar no que aconteceu nos últimos anos na jurisprudência
da Corte com os chamados princípios do equilíbrio, razoabilidade,
proporcionalidade, conteúdo essencial da lei, etc. Enfim, em todos os
argumentos que questionem o alcance garantidor das disposições sobre
direitos constitucionais e que não sejam imputáveis a um verdadeiro
modelo interpretativo 70.

69 C. Esposito, La libertà di manifestazione del pensiero nell‟ordinamento italiano, Milão 1958, 17,
nt. 26, e 47, nt. 109.
70 Sobre este ponto, é permitido referir-nos ao nosso Il contributo dell‟esperienza costituzionale

italiana alla dommatica europea della tutela dei diritti fondamentali, em Corte costituzionale e processo
costituzionale, editado por A. Pace, Milão 2006, 471 sq.
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4. A TIPICIDADE DOS DIREITOS E DOS FACTOS NOVOS.


NECESSARIAMENTE “NOVOS DIREITOS”?
As “novas reivindicações de liberdade”, que podem surgir
incessantemente, como “intimamente ligadas ao livre desenvolvimento da
pessoa humana”, não implicam como consequência lógica uma leitura
abstrata do texto constitucional ou baseada em uma visão “aberta” do art.
2º, a fim de lhes dar uma cobertura constitucional indiscriminada.
Pelo contrário, a Constituição representa também uma salvaguarda
contra quaisquer pedidos que, ao suscitarem uma reivindicação de
proteção constitucional, acabem por alterar o equilíbrio estabelecido pelas
normas constitucionais entre os direitos e deveres de solidariedade
política, económica e social e por colocar as liberdades e os direitos
previstos na Carta estão sendo questionados.
Não é por acaso que se tem observado que, ao admitir
indiscriminadamente novos casos não imputáveis à categoria de direitos
constitucionais, “os direitos constitucionalmente previstos esbarram em
uma série de limites, enquanto esses supostos novos direitos, não sendo
expressamente positivados, teriam um regime privilegiado”71 e
consequentemente, quando novos direitos são identificados, “não se
reflete suficientemente sobre o fato de que a afirmação de um „direito‟
muitas vezes segue automaticamente a imposição de uma „obrigação‟
correspondente a outro sujeito privado, também titular de direitos
constitucionais” 72.
Pelo contrário, o problema do lugar das novas reivindicações, que
suscitam a demanda por uma configuração como liberdade e reivindicam
proteção constitucional, devem ser resolvidos tendo em conta a “forma
concreta como os direitos específicos invioláveis são reconhecidos nas
disposições constitucionais positivas que lhes dizem respeito”73. Na
verdade, os dispositivos constitucionais que regem os direitos
fundamentais em nossa Carta teriam um potencial regulatório amplo e
elástico que incluiria “qualquer hipótese que o desenvolvimento da
consciência social ou da civilização jurídica (...) proponha como „novos

71 P. Caretti, I diritti fondamentali, cit. 139.


72 A. Baldassarre, Diritti inviolabili, em Enc. Giur. Treccani, 20 s.
73 Ivi, 20 s.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 75

direitos‟”. Portanto, esses novos direitos são muitas vezes, por um lado,
“direitos implícitos” sendo incluídos no conteúdo semântico de direitos já
expressamente reconhecidos na Constituição; por outro lado, são “direitos
instrumentais” ou, direitos definidos para dar sentido concreto e garantia
aos direitos especificamente previstos 74.
Nessa perspectiva, porém, o papel do art. 2º da Constituição, no
âmbito da interpretação, não seria de todo secundária, pois representaria
um “princípio expansivo com grande força maiêutica, no trabalho de
identificação dos direitos consequentes aos listados”75. De fato, o “art. 2º
não (adicionaria) novas situações subjetivas às concretamente previstas por
disposições particulares posteriores, mas (poderia) referir-se também a
outras situações jurídicas potenciais e passíveis de serem traduzidas em
(novas) situações jurídicas positivas. O art. 2º do ponto de vista aqui
considerado (deveria), portanto, ser entendido como tendo a função única
– ainda que fundamental – de conferir a crisma da inviolabilidade aos
direitos mencionados na Constituição: direitos, no entanto, a serem
identificados (...) não apenas naqueles explicitamente declarados na
Constituição, mas também naqueles consequentes a eles”. Seria “em uma
palavra matriz e garantidora dos direitos de liberdade, não fonte de outros
direitos além daqueles contidos na Constituição”76.

5. O CATÁLOGO DE DIREITOS E A CONSIDERAÇÃO


UNITÁRIA DA PESSOA HUMANA.
Surge assim a necessidade de uma síntese entre a constatação de
que o sistema de direitos constitucionais é composto por um conjunto
articulado e definido de salvaguardas e o caráter unitário da pessoa
humana, constante e diversamente levado em consideração – como
notado no início – pelas disposições da Carta. Em outras palavras.,
questionamos se no contexto da ordem constitucional italiana, ao conectar
a interpretação do art. 2º às demais disposições sobre direitos invioláveis, é
possível afirmar a validade de um princípio geral de proteção da pessoa
humana semelhante àquele do art. 1º da Grundgesetz, para qual “Die Würde
des Menschen ist unantastbar. Sie zu achten und zu schützen ist Verpflichtung aller

74 Ibidem.
75 Ibidem.
76 P. Barile, Diritti dell‟uomo e libertà fondamentali, Bolonha 1988, 56.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 76

staatlichen Gewalt” (A dignidade do homem é intangível. É dever de todo


poder estatal respeitá-lo e protegê-lo) 77.
De fato, a identificação da noção de “pessoa humana” representa
um ensinamento de autoridade, para o qual o art. 2º da Constituição pode
ser identificado “as linhas comuns de consideração da pessoa humana, em
nosso ordenamento constitucional, como centro de referência para a
garantia da liberdade”. O objetivo seria, assim, destacar o perfil unitário
que no, plano constitucional, afeta a pessoa humana em sua completude e
totalidade.
Nesse contexto, portanto, o disposto no art. 2º confirmaria a
referência, em perfeita concomitância, aos direitos invioláveis do homem
tanto como indivíduo quanto nas formações sociais e configuraria – estas
últimas – contextos nos quais sua personalidade se desenvolve. Na
verdade, com bastante clareza surgiria uma conexão entre o
reconhecimento e a garantia dos direitos invioláveis do homem e sua
afirmação como patrimônio, não apenas do indivíduo considerado
isoladamente, mas também num contexto mais amplo; no primeiro caso a
liberdade do indivíduo, no segundo a liberdade da pessoa humana, ambas
não em oposição, pois a primeira encontraria a necessária completude na
segunda. Este conceito de liberdade da pessoa humana não deixaria de
repercutir na consideração constitucional das liberdades, pois seria capaz
de “permitir a salvaguarda do máximo de garantias com o máximo de
integração social da pessoa considerada em seu momento de liberdade” 78.
A liberdade da pessoa humana, desta forma, seria capaz de
construir uma garantia constitucional ao nível dos princípios institucionais
em relação àquelas intervenções que – além daquelas rigorosamente
identificadas nos artigos 13, 14, 15 e seguintes – são, por si só, capazes de
pôr em perigo a consistência dessa esfera imaterial que a Constituição
italiana quis garantir não só contra os poderes públicos, mas, com absoluta
eficácia, também contra os chamados poderes de fato e os próprios
sujeitos privados 79.

77 G. Lombardi, Persona umana (libertà della), in Nss. Dig. It., Turim 1968, XII, 1082.
78 Ivi, 1082.
79 Assim, G. Lombardi, Persona umana (libertà della), cit., 1083 e, posteriormente, para uma

reflexão aprofundada sobre o ponto, Id., Potere privato e diritti fondamentali, Turim 1970,
passim.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 77

6. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AS


“REIVINDICAÇÕES INDIVIDUAIS À
AUTODETERMINAÇÃO”: O CASO DO DIREITO À SAÚDE.
Essa abordagem, que visa reconstruir o papel da noção de pessoa
humana na Constituição, une, portanto, a salvaguarda dos direitos
invioláveis do homem – conforme regulamentados nos dispositivos
constitucionais – e a perspectiva comunitária do art. 2 da Constituição.
Dessa forma, permite uma interpretação mais acurada dos casos
individuais em relação à sua possível proteção constitucional. Com efeito,
para avaliar se as disposições sobre direitos podem abranger, ou não, e em
que medida, determinado facto ou fundamentar alguma reclamação, a
noção de pessoa humana (diferente da de indivíduo) constitui um
complemento metodológico útil para apreciar as “reivindicações
individuais de autodeterminação” e determinar se essas reivindicações
podem ser apresentadas como “questões de direito constitucional”.
Assim, no âmbito dos dispositivos constitucionais, torna-se
possível mensurar a aspiração à preservação total da identidade individual
(como expressão absoluta da vontade do indivíduo, o que suscita a
pretensão de autodeterminação).
A autodeterminação individual – como se sabe – mesmo à luz dos
trágicos acontecimentos recentes, é referida na interpretação do art. 32, §
2º, da Constituição 80. Nesse sentido, argumenta-se que o princípio
segundo o qual “ninguém pode ser obrigado a um determinado
tratamento de saúde” deve reconhecer o direito à autodeterminação no
que diz respeito à recusa do tratamento, à escolha do fim da vida, à

80 “Ninguém pode ser obrigado a um tratamento de saúde específico senão por lei. A lei
não pode, em caso algum, violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana”. V.
D. Vincenzi Amato, Rapporti Etico-sociali. Art. 32, in Commentario alla Costituzione, editado
por Branca, Bolonha-Roma, 1976, 174; M. Luciani, Il diritto costituzionale alla salute, in Dir.
Soc. 1980; B. Pezzini, Il diritto alla salute: profili costituzionali, em Dir. Soc., 1983, 21; B.
Caravita, La disciplina costituzionale della salute, in Dir. soc., 1984; R. Ferrara, Salute (Diritto
alla), em Dig. Disc. Pubb., Turim 1997, XIII, 513, D. Morana, La tutela della salute nella
Costituzione italiana, Milão 2002; A. Simoncini, E. Longo, Art. 32, in Commentario alla
Costituzione, editado por R. Bifulco, A. Celotto, M. Olivetti, Turim 2006, I, 655 sq.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 78

legitimidade da eutanásia, como forma de salvaguarda da dignidade


humana, etc. 81.
Deve-se dizer desde já que essas reivindicações assim formuladas
não têm fundamento constitucional e não podem se basear nesta
disposição da Carta, tampouco em outras, posto que de fato o sistema
constitucional parece tomar uma direção diferente.
Arte. 32, § 2°, da Constituição, cuja formulação contribuiu
particularmente a componente católica presente na Assembleia
Constituinte, não estabelece um direito à liberdade individual de cuidados
que inclua também a recusa de terapias, mas um “limite” em relação ao
poder público, pois o poder de impor o tratamento médico como
obrigatório é confiado à lei (e não ao juiz ou à administração) e é a lei que
permite o funcionamento dos demais poderes do Estado. Como a
memória dos campos de concentração e a descoberta de experimentos
com seres humanos, bem como da esterilização em massa, ainda era forte,
graças à intervenção do Sr. Moro, chegou-se à formulação da garantia da
reserva legal, não como simples reserva de competência ao legislador, mas
inserindo um dispositivo específico, impondo que em nenhum caso a lei
possa violar os limites impostos pelo respeito à pessoa humana; de modo
que a reserva do art. 32, § 2º, configura-se como reforçado e permite uma
verificação de constitucionalidade relacionada não apenas à razoabilidade
dos tratamentos de saúde obrigatórios, mas também à sua consistência e às
formas como estas se realizam, que não podem ser de molde a ofender a
pessoa do doente ou a ocorrer de forma degradante.
De resto, além dos tratamentos obrigatórios, a temática da saúde e
do cuidado transita inteiramente no horizonte do § 1º do art. 32 82, isto è,
entre o direito fundamental do indivíduo à saúde e o interesse coletivo na
saúde individual. Direito único na Constituição para o qual se preveja um
interesse concorrente da colectividade, no que respeita à situação jurídica
81 V., per una rassegna delle opinioni, G. Pelagatti, I trattamenti sanitari obbligatori, Roma
1995; tambien L. Mezzetti, A. Zama, Trattamenti sanitari obbligatori, in Dig. Disc. Pubb.,
Turim 1999, XV, 336; G.U. Rescigno, Dal diritto di rifiutare un determinato trattamento sanitario
secondo l‟art. 32, co. 2, cost., al principio di autodeterminazione intorno alla propria vita, em Diritto
pubblico, 2008, 109; S. Tordini Cagli, Principio di autodeterminazione e consenso dell‟avente diritto,
Bolonha 2008.
82 “A República protege a saúde como direito fundamental do indivíduo e interesse da

coletividade, e garante assistência médica gratuita aos indigentes”.


Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 79

subjectiva protegida e que integra uma pretensão geral (neste diferente,


por exemplo, da educação – que se refere, para as notas mais altas de
estudos, a “capazes e merecedores” – e semelhante ao da administração da
justiça [“Todos podem tomar medidas legais para a proteção de seus
direitos e interesses legítimos”]) operável apenas se a República constituir
estruturas e assegurar serviços que a concretizem.
Nesse contexto, com o cumprimento de uma tarefa (criação de
estruturas e serviços) pela República, o direito à saúde e o interesse
coletivo pela saúde do indivíduo tornam-se efetivamente reais e
mensuráveis. De facto, aqui, no art. 32, § 1º, da Constituição, as questões
relativas à relação de colaboração entre paciente e médico 83, os relativos
ao consentimento informado84, o respeito e a aplicação dos achados da
ciência médica85, a distinção entre tratamento e persistência na terapia86, a
avaliação dos serviços a serem assegurados no setor de saúde pública87 e os

83 Isso também inclui os “direitos da família”, dentre os quais o art. 29, § 1º, da
Constituição, e a ética do médico que colocaria seu fundamento no art. 4º, § 2º, da
Constituição, “Todo cidadão tem o dever de exercer, de acordo com suas possibilidades e
sua escolha, atividade ou função que contribua para o progresso material ou espiritual da
sociedade”.
84 Recentemente V. C. Const. N. 438 de 2008, com nota de M. Dorana, A proposito del

fondamento costituzionale per il „consenso informato‟ ai trattamenti sanitari, (Osservazione a Corte cost.,
23.12.2008, n. 438), em Giur. cost., 2008, 4970; na doutrina A. Santosuosso (editado por), Il
consenso informato. Tra giustificazione per il medico e diritto del paziente, Milão 1996; F. Albeggiani,
Il consenso dell‟avente diritto, in Studium iuris, 1996, 1233; Id., Profili problematici del consenso
dell‟avente diritto, Milão, 1995; A. Abbagnano Trione, Considerazioni sul consenso del paziente nel
trattamento medico chirurgico, em Cass. Pen., 1999, 316; F. Agnino, Il consenso informato al
trattamento medico-chirurgico: profili penalistici e civilistici, Turim 2006; C. Casonato, Consenso e
rifiuto delle cure in una recente sentenza della Cassazione, em Quad. cost., 2008, 545.
85 Tribunal Constitucional, acórdãos n. 282 de 2002, n. 338, de 2003; n. 438 de 2008; n.

151 de 2009.
86 P. Veronesi, Sul diritto a rifiutare le cure salvavita prima e dopo il caso Welby, em Studium Iuris,

2008, 1074; D. Maltese, Diritto al rifiuto delle cure, accanimento terapeutico e provvedimenti del
giudice, em Il Foro italiano, 2007, 2231.
87 Tribunal Constitucional, acórdão n. 282 de 2002, sobre o tratamento de eletrochoque

v. L. Violini, La tutela della salute e i limiti al potere di legiferare: sull‟incostituzionalità di una legge
regionale che vieta specifici interventi terapeutici senza adeguata istruttoria tecnico-scientifica, em Le
Regioni, 2002, 1450.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 80

comportamentos que autoridades sanitárias devem sugerir do ponto de


vista do interesse público e do indivíduo88.
Em particular, as decisões sobre o que pode ser solicitado e
esperado em termos de tratamento e terapia e o que deve ser deixado para
a decisão negativa que põe fim à vida representam uma combinação entre
o direito à saúde e o interesse da comunidade a ser avaliada em relação ao
o caso concreto, tendo em conta que, se na Constituição italiana – o
contrário de outras Constituições (e das Cartas Europeias) – não há direito
expresso à vida, implicitamente derivado do art. 32, § 1º, da Constituição,
em conjugação com o art. 2 da Constituição (89), certamente não há direito

88 Considere, para dar exemplos rigorosos de atualidade, o contraste com certas doenças
dependentes do estilo de vida, como a obesidade, derivadas da má e excessiva nutrição;
como as doenças cardio-circulatórias, em relação às quais, além de uma alimentação
adequada, recomenda-se uma prática esportiva ou ativa do corpo; como doenças
pulmonares e câncer, que inspiraram campanhas antifumo, etc.; a este respeito, também é
possível fazer referência ao que foi afirmado pelo juiz constitucional italiano na sentença
(n. 180 de 1994) no que diz respeito à obrigatoriedade do uso de capacete pelos
motociclistas, para a qual o órgão jurisdicional de reenvio havia declarado a ilegitimidade
da disposição pertinente, uma vez que a ingerência do Estado na esfera do cidadão só
seria permitida se o direito fosse posto em causa à saúde de terceiros, ao passo que
quando “a comunidade tem mero interesse na saúde do indivíduo” seria “ilegítima
qualquer imposição ou limitação” de direitos de liberdade. O Tribunal Constitucional, a
este respeito, observa: “A presunção, segundo a qual o art. O art. compartilhado.
Especialmente quando, como na matéria em questão, existem modalidades, porém nem
mesmo onerosas, prescritas para a condução de veículos automotores, parece atender ao
dispositivo constitucional, que considera a saúde do indivíduo também no interesse da
coletividade, que o legislador na sua apreciação prescreva determinadas condutas e
sancione o incumprimento com o objetivo de reduzir ao máximo as consequências
nefastas, do ponto de vista da mortalidade e morbidade incapacitante, dos acidentes
rodoviários. De facto, não se pode duvidar que estas consequências repercutam em
custos sociais para toda a comunidade, pois nem sequer é concebível que um sujeito,
recusando-se a observar os métodos ditados nesta função preventiva, possa
simultaneamente renunciar à ajuda de estruturas de bem-estar e salvaguardas criadas para
indivíduos incapacitados. As medidas destinadas a mitigar as consequências que possam
derivar dos traumas produzidos por acidentes, em que se envolvam veículos a motor,
parecem, pois, ser ditadas por necessidades que não tornam excessivamente limitantes as
prescrições impostas pelas normas em causa”.
89 O direito à vida, como direito indisponível, é constitucionalmente uma noção

pressuposta que de qualquer forma se infere da legislação (Sobre o direito à vida, como
direito indisponível v. C. cost. n. 223 de 1996. Na doutrina: R. Dworkin, Il dominio della
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 81

à morte e, em particular, à morte por mão pública, conforme art. 27, § 4º,
da Constituição, que afirma “A pena de morte não é permitida”90.
O debate sobre o direito à “vida” inclui – como foi devidamente
esclarecido – não apenas o tema do “direito à vida em sentido estrito” (ou
seja, o direito de não ser morto, com o correspondente dever de não
matar), e o “direito de nascer” ou “de poder vir à vida” (que corresponde
ao dever de não abortar ou não abortar), mas – e quanto a isto – também
o “direito a não ser deixado à morte” e o “direito a ser mantido vivo” ou o
direito à sobrevivência, que correspondem ao dever de socorrer os que
estão em perigo de vida e de oferecer os meios mínimos de apoio para
aqueles que não têm91.
O fato de que a recusa da terapia e o deixar-se morrer (e mesmo o
suicídio92) não encontre sanção penal não significa que a conduta se
enquadre no exercício de um direito de liberdade e que possa ser
considerada lícita de acordo com o sistema legal. De fato, essa conduta,
ainda que não sancionada, pelo próprio fato de poder prejudicar a vida –
ou fazer com que ela termine voluntariamente – contrasta com o preceito
legislativo que se move da indisponibilidade do bem da vida93. Este não é

vita, aborto, aborto, eutanasia e libertà individuale, Milão, 1994; R. Romboli, I limiti alla libertà di
disporre del proprio corpo nel suo aspetto «attivo» e in quello «passivo», em Foro it., 1991, I, 17; M.
Ruotolo, Libertà di disporre del proprio corpo ed accertamento della verità processuale. Note a margine
di un riuscito bilanciamento tra valori, em Giur. cost., 2006, 2310; L. Violini, A. Osti, Le linee di
demarcazione della vita umana, em I diritti in azione, a cura di M. Cartaria, Bolonha 2007, 185
sq.).
90 Assim, a Constituição italiana, após a revisão realizada com a lei constitucional de 2 de

outubro 2007, n. 1.
91 Nestes termos, N. Bobbio, Il dibattito attuale sulla pena di morte, Il dibattito attuale sulla pena

di morte (1983), agora em “A tutti i membri della famiglia umana”, editado por U. Villani,
Milão, 2008, p. 245.
92 ... mas não o assassinato da parte anuente, art. 579 do Código Penal, e a instigação ou

auxílio ao suicídio, art. 580 c.p.


93 F. Giunta, Diritto di morire e diritto penale. I termini di una relazione problematica, em Riv. it.

dir. proc. pen., 1997, 74; A. Vallini, Lasciar morire, lasciarsi morire: delitto del medico o diritto del
malato?, em Studium Iuris, 2007, 539; F. Viganò, Esiste un “diritto a essere lasciati morire in
pace”? Considerazioni in margine al caso Welby, em Diritto Penale e processo, 2007, 5; L. Risicato,
Dal “diritto di vivere” al “diritto di morire”. Riflessioni sul ruolo della laicità nell‟esperienza penalista,
Turim 2008.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 82

o único caso de conduta não sancionada que não pode constituir uma
explicação de um direito constitucional94.
Em qualquer caso, a falta de sanções penais, ou recursos de
natureza administrativa, para um comportamento que não pode ser
qualificado em termos de lei ou em qualquer caso não atribuível à
disciplina destes, deve ser avaliado como matéria deixada ao arbítrio do
legislador e não um limite da lei, em direção à sua capacidade de regular a
autonomia individual, de operar mesmo em situações éticas extremas
como a vida e a morte95; contrariamente, as próprias solicitações que se
fizeram sobre a necessidade de leis sobre aborto, procriação assistida,
testamento vital etc., demonstrariam exatamente o contrário que a lei e o
Estado são obrigados a defender certas o imponderável.

7. SEGUE: O DIREITO À SAÚDE E O DIREITO À VIDA E O


SISTEMA DE DIREITOS; CASO DE OBJEÇÃO DE
CONSCIÊNCIA.
O que foi dito até aqui, porém, não significa que a interpretação do
art. 32 deve ser isolado do contexto constitucional, bem como dos
necessários desenvolvimentos legislativos do sistema. Pelo contrário, não
podemos esquecer a que ingerência o direito à saúde tem sido submetido
no que diz respeito à liberdade religiosa do art. 19 da Constituição e o
poder paternal; no que diz respeito aos deveres referidos no art. 30, § 1º,
da Constituição, “É dever e direito dos pais manter, instruir e educar os
filhos, ainda que nascidos fora do casamento”; no que diz respeito às
hemotransfusões às Testemunhas de Jeová e seus filhos menores, com

94 De fato, pode-se dizer que nem sempre o que não é sancionado de forma
constitucional ou legislativa pode ser considerado lícito, ou permitido, ou possível,
segundo o ordenamento jurídico, e, portanto, não pode ser considerado expressão de
liberdade ou direito constitucional. Basta considerar o art. 4º que considera o trabalho
como um direito de liberdade de escolha e um dever de desempenho, mas que não pune
quem deixa de desempenhar um trabalho; deve-se concluir, então, que tais pessoas, que
se recusam a trabalhar por autodeterminação, exercem um direito de liberdade garantido
constitucionalmente, afirmação que parece francamente conflitante com o princípio
trabalhista da Constituição.
95 Então, em vez disso, M. Olivetti, Art. 1, in Commento alla Carta dei diritti fondamentali

dell‟Unione europea, editado por R. Bifulco, M. Cartaria, A. Celotto, Bolonha 2001, 50-51.
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soluções totalmente opostas em termos de qualificação do caso, de ações e


efeitos96.
A título de exaustividade, importa referir que neste contexto
existem também questões relacionadas com a objeção de consciência de
médicos e profissionais de saúde em relação a determinadas práticas, à
prescrição de determinados tratamentos e terapias e à administração de
medicamentos específicos.
Também neste caso deve-se notar que, se for admitido um direito
à autodeterminação de ordem constitucional (ligado, por exemplo, à tese
da liberdade moral), o direito à objeção de consciência deve ser sempre
reconhecido como consequência desta. Um direito constitucional geral de
liberdade, de fato, sempre poderia envolver a justificativa da objeção de
consciência em relação ao que as leis do ordenamento jurídico mandam ou
proíbem.
E, no entanto, isso não é exato. Nem tanto porque com essa
interpretação a ordem perderia o sentido, mas sobretudo porque na
realidade a consciência em si mesma, como foro interno – mesmo aqui ao
contrário do que acontece noutros sistemas constitucionais – não tem
lugar na Constituição e sua proteção constitucional só pode ser prevista
para aqueles fragmentos extremamente limitados e redundantes na
liberdade constitucional (como art. 19 e art. 21) e contra leis que – sem
justificativas próprias do ponto de vista constitucional – violam esses
direitos97.
Não é por acaso que segundo a orientação que nos parece
preferível, em nosso ordenamento jurídico, o direito à objeção de
consciência está ancorado, não na Constituição, mas na lei, e responde
àquelas avaliações de oportunidades que o legislador considera
prevalecentes na organização dos aparelhos públicos (saúde, justiça,
tributação, forças armadas, etc.) e em relação à colisão de direitos e
combinação de direitos e obrigações98.

96 Veja V. Crisafulli, In tema di emotrasfusioni obbligatorie, em Dir. Soc. 1982, 576 sq. S.P.
Panunzio, Trattamenti sanitari obbligatori e Costituzione, em Dir. Soc., 1979, 875; R. D‟Alessio,
I limiti costituzionali dei trattamenti “sanitari”, em Dir. Soc., 1981, 529.
97 S. Mangiameli, La “libertà di coscienza” di fronte all‟indeclinabilità delle funzioni pubbliche, cit.
98 Veja A. D‟Atena, Art. 9 l. 22 maggio 1978, n. 194, em Le nuove leggi civili commentate 1978,

1650 sq.; S. Mangiameli, La “libertà di coscienza” di fronte all‟indeclinabilità delle funzioni


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8. RELATIVISMO DE VALORES E A CONSTITUIÇÃO: O


INDIVIDUALISMO E A PESSOA HUMANA
Um dos problemas mais complexos na interpretação da
Constituição tornou-se a circunstância de a atividade dos juízes não mais
parecer apoiada por um modelo social único ou pelo menos homogêneo.
A proteção da pessoa humana, seu pleno desenvolvimento e dignidade
humana, mas também o próprio direito à vida e à morte, tornaram-se
objeto de uma pluralidade de concepções e visões de mundo opostas,
incomensuráveis e todas consideradas democraticamente não elegível.
Em um contexto semelhante, o que para alguns é vida digna, para
outros torna-se vida indigna; o que protege a pessoa humana a degrada
para os outros. É uma condição bem conhecida para quem vive uma
dimensão axiológica e religiosa ao lado de uma dimensão civil.
No plano jurídico e, sobretudo, no plano constitucional, porém,
esse dilema, quando já não se mostra solucionável com a simples
interpretação da Constituição, deve ser recomposto por meio de uma
"decisão constitucional", desde que as disposições da Carta possam ser
deduzidos argumentos suficientes para ensejar uma decisão nos termos do
direito constitucional vigente (chamado Rechtsfindung)99.
Uma das soluções propostas, nesse sentido, é dar livre curso à
autodeterminação individual em todos aqueles casos em que os
comportamentos dizem respeito ao indivíduo que faz suas escolhas. Diz-
se: o fato de serem exercidas faculdades individuais (não liberdades) que
não obrigam outros sujeitos que seguem uma visão de mundo diferente

pubbliche, cit.; recentemente também N. Gimelli, Libertà di religione tra Carta europea dei diritti
fondamentali e Costituzione italiana, em Tutela dei diritti fondamentali e costituzionalismo multilivello.
Tra Europa e Stati nazionali, editado por A. D‟Atena, P.F. Grossi, Milão 2004, 273 sq.
99 Não se pode excluir, aliás, deve-se considerar, que por meio da interpretação

constitucional é possível definir quais partes das diferentes concepções do mundo podem
ser consideradas aceitáveis e praticáveis pelos dispositivos constitucionais e podem até ser
objeto de proteção de as disposições constitucionais sobre direitos e liberdades. No
entanto, se a questão não pode ser resolvida hermeneuticamente, não pode simplesmente
ser recusada a sua qualificação no plano constitucional, se as normas constitucionais,
através do sistema que resulta, permitirem a tomada de decisão.
Revista IUJ – In Utroque Jure, Vol. 1, Nº1, 2022 | 85

(Weltanschauung) não pode ser proibido pelo ordenamento jurídico100.


Seriam lícitas não só a eutanásia, o aborto, a eugenia, o uso de drogas, mas
também as mutilações genitais femininas, desde que voluntárias, podendo-
se continuar com todos aqueles comportamentos cujos efeitos imediatos
parecem recair diretamente sobre o indivíduo.
Como ninguém é obrigado por lei a praticar eutanásia, aborto,
mutilação, etc., todos esses comportamentos não devem representar o
conteúdo da prescrição que exclui a prática. Nessa perspectiva, o
ordenamento jurídico só se tornaria ativo se – e na medida em que – a
decisão individual pudesse resultar em situação concreta de perigo ou dano
a terceiros.
Essa abordagem obviamente acaba por representar uma certa
concepção de homem e direito e, dentro dela, haveria também um certo
tipo de constituição, certamente não prescritiva e orientada
axiologicamente, não voltada para a pessoa enquanto tal, mas para a
articulação das diferentes concepções (e dos diferentes grupos) em torno
de um denominador mínimo de convivência e de integração. Aqui o
pensamento vai para Integrationslehre por Smend101. Deve-se também
lembrar que essa teoria surgiu de imediato com fraca fundamentação, o
que historicamente levou ao nazismo, através da realidade fotografada por
ela (a República de Weimar).
Não faltam reedições dessas tendências culturais, mesmo no mais
recente pensamento jurídico democrático ocidental 102.
Nesse sentido, com referência a essas tendências no campo do
direito constitucional, já foi observado em outro lugar103 como a referência

100 Recentemente, essa posição também foi apoiada por constitucionalistas como L. Elia,
Introduzione ai problemi della laicità, em Problemi pratici della laicità agli inizi del secolo XXI,
Pádua 2008, 3 sq.
101 Veja R. Smend, Costituzione e diritto costituzionale, trad. it., Milão 1988.
102 Veja em Itália as contribuições de R. Bin, Diritti e argomenti. Il bilanciamento degli interessi

nella giurisprudenza costituzionale, Milão 1992, 9 sq.; ma anche G. Zagrebelsky, Il diritto mite,
Turim 1992, 147 sq.; F. Rimoli, Pluralismo e valori costituzionali. I paradossi dell‟integrazione
democratica, Turim 1999. Esses autores são muitas vezes tributários das obras de R.
Dworkin, I diritti presi sul serio, trad. it., Bolonha 1982, 79 sq.; Id., A matter of principle,
Oxford 1986, 237 sq.; R. Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt a.M., 1986, 125 sq.; Id.,
Begriff und Geltung des Rechts, Freiburg - München 1992, 137 sq.
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ao “relativismo de valores” dá um salto qualitativo, graças a isso, o campo


de observação considerado (definido pela dimensão axiológica de um
grupo) é uma alternativa ao direito constitucional positivo e/ou em
contraste com este, cujo efeito – muitas vezes também declarado – è
enfraquecer os requisitos constitucionais e deixar a decisão concreta das
questões à apreciação dos juízes, que decidiriam não com base em dados
legais, mas de acordo com sua filosofia política mais ou menos
compartilhada.
A esse respeito, foi afirmado que, por um lado, a “Constituição é
melhor concebida se permitir que as maiorias escolham entre uma gama de
filosofias políticas, em vez de obrigar a nação a optar por uma em
particular”; por outro lado, “aqueles que vivem em uma sociedade plural
devem ter cuidado com os juízes” e, portanto, devem “tentar garantir que
[os juízes] não possam invalidar leis baseadas na filosofia política que
consideram mais adequada”104.
A observação – referindo-se ao sistema americano em que a
tradição desempenha um forte papel na integração dos dados
constitucionais105 – parece agora referir-se também aos sistemas de direito
civil, em que há uma maior atenuação do constrangimento da constituição
e da lei, e em que, devido ao mito da “vontade” da lei, a tradição não é
reconhecida como tendo valor vinculante106.
A redução do princípio da legalidade e a ausência de tradição,
portanto, trazem para um nível mais complexo o embate entre os valores
que animam as visões de mundo de que os indivíduos se tornam
portadores107.
Tal situação, inspirada no individualismo extremo, entretanto,
implicaria que o ordenamento jurídico não seja mais capaz de expressar
uma dimensão relacional (bilateralismo) e que a Constituição não esteja em

103 La “laicità” dello Stato tra neutralizzazione del fattore religioso e “pluralismo confessionale e
culturale” (a proposito della sentenza che segna la fine del giuramento del teste nel processo civile), em
Dir. soc. 1997, 42.
104 C.R. Sunstein, A cosa servono le Costituzioni, Bolonha, 2009, 99.
105 Veja C.R. Sunstein, A cosa servono le Costituzioni, cit., 100
106 Nesse ponto, não surpreendentemente, faltam contribuições conspícuas; uma das

poucas contribuições sobre o assunto é dada por A. Blankenagel, Tradition und Verfassung,
Baden-Baden 1987, 196 sq.
107 Veja C. Schmitt, La tirannia dei valori, trad. it., em Rass. dir. pubbl. 1970, I, 1 sq.
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condições de manifestar garantias efetivas (nem fortes nem fracas) para a


pessoa. A lei e, mais ainda, os juízes operariam de acordo com a
Weltanschauung dos diferentes grupos, escolhendo de tempos em tempos
a referência a seguir.
Essa abordagem – agora invocada como expressão do princípio
democrático, segundo o qual a dignidade humana poderia ser determinada
de tempos em tempos pelo legislador ordinário, ou diretamente pelo juiz –
ignora que as constituições do segundo pós-guerra entre as quais se
destaca a italiana – justamente pelos horrores que humilharam a dignidade
humana – assumiram a tarefa de regular os direitos e liberdades a tempo,
valorizando o contexto social em que a pessoa humana se desenvolve e a
comunidade cumpre o dever de solidariedade. Por esta razão, em face da
circunstância segundo a qual certas decisões individuais recaiam sobre a
pessoa, não se nos permitiria considerá-las como não passíveis de
avaliação e proibição 108. Com efeito, respeito ao sistema de direitos – uma
vez que os comportamentos individuais ainda têm uma importância
comunitária e são levados em consideração para suas reflexões sobre a
visão de homem que implicam – devem ser considerados admissíveis, ou
não, em relação à visão antropológica positivada pela Carta Constitucional.
Agora, com base na abordagem seguida pela Constituição e
centrada na noção de pessoa humana (e na sua dignidade como estatuto
que a distingue, portanto, capaz de limitar as reivindicações individuais) –
independentemente de “saúde” e “vida” não serem apenas um direito, mas
também um dever – aquelas abordagens individualistas que permitiriam às
partes interessadas violar o princípio do respeito pela pessoa humana não
podem ser consideradas historicamente incluídas, como a prática
voluntária de mutilações ou a ingestão de substâncias que possam alterar
ou prejudicar o estado de saúde física e mental109; nem, portanto, a fortiori,
podem permitir práticas que voluntariamente ponham fim à vida110. E
108 O caso da obrigatoriedade do uso de capacete na condução de motocicleta se aplica a
todos os (v. supra nt. 87).
109 Veja M. Olivetti, Art. 1, in Commento alla Carta dei diritti fondamentali dell‟Unione europea,

editado por R. Bifulco, M. Cartaria, A. Celotto, Bolonha 2001, 38 ssq; P.F. Grossi, Dignità
umana e libertà nella Carta dei diritti fondamentali dell‟Unione europea, em Contributi allo studio della
Carta dei diritti fondamentali dell‟Unione europea, editado por M. Siclari, Turim 2003, 48-49.
110 A este respeito, problematicamente, P.F. Grossi, Dignità umana e libertà nella Carta dei

diritti fondamentali dell‟Unione europea, cit., 41 sq., que concebe a dignidade humana como
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mesmo quando os atos individuais de autodeterminação individual podem


ser colocados para o indivíduo como expressão de um direito em relação a
outro (o exemplo clássico é o do direito à saúde ou à vida, em relação à
não aceitação de transfusão de sangue por motivos religiosos) há que dizer
que a avaliação do legislador, ao identificar um ponto de equilíbrio
razoável entre os diversos bens constitucionais envolvidos, deve ser
sempre realizada com respeito pela dignidade da pessoa humana111.

limite ao exercício das liberdades e afirma: “a solução depende, em minha opinião, da


natureza do direito à vida: se qualificar, como me parece preferível, como um direito de
liberdade, é claro que se trata de uma noção jurídica pressuposta. Que (...), pela
contradição que não o permite, pode livre e voluntariamente sofrer limitações e
autolimitações, mesmo pesadas e particularmente pesadas, que ainda podem ser
reintroduzidas em uma forma negativa de seu gozo, mas nunca pode ser renunciado
definitivamente, precisamente porque a renúncia definitiva se revela como uma negação
radical e absoluta da própria liberdade que forma seu objeto e, portanto, é
conceitualmente inadmissível” (49).
111 Veja, neste sentido, Tribunal Constitucional, acórdão n. 347 de 1998; bem como, bem

como n. 45 de 2005.

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