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CAMINHOS DO ENTENDIMENTO

Descartes fez algo parecido


em suas Meditações.

 Só que ele utilizou um diálogo interno.


 Mas esteve acompanhado o tempo todo por interlocutores
distantes ou imaginários.
 Esse “diálogo” ajudou-o a aprofundar e enriquecer suas teses.

Assim, filosofar é fundamentalmente conversar.

Primeiro, é preciso burilar Depois, ajustar o discurso,


os pensamentos. o texto, a conversação. Daí a importância da linguagem, do
bom uso da palavra, seja quando se
pensa, se fala ou se escreve.

“A clareza é a cortesia do filósofo.”


ORTEGA Y GASSET

1
O PODER DA LINGUAGEM

O linguagem é muito importante


em nossas vidas cotidianas.

 Somos seres fundamentalmente linguísticos.


 Vivemos mergulhados na linguagem tanto
quanto em nossos corpos e em nossas emoções.

Por meio da linguagem, construímos boa parte


do que somos e do mundo à nossa volta.

O poder concreto da linguagem


pode ser percebido com facilidade
no campo político...

... em que a simples ordem ou declaração


de um governante pode determinar a
alegria ou sofrimento de milhares de
pessoas.
Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776)
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CONVERSAS COTIDIANAS

Vamos então refletir um pouco sobre Exemplos:


“justiça”,
nossas falas cotidianas. “democracia”,
“amor” etc.

Quando conversamos, ► que sabemos bem o


usamos muitas que elas significam;
palavras acreditando:
► e que todos estamos
falando das mesmas
“coisas” ao usá-las.

Também fazemos ►o que é bom e o que é


afirmações ou juízos mau, o que é certo e o
como se soubéssemos: que é errado, o que é
belo e o que é feio etc.

Mas será que de fato conhecemos tudo isso?

3
AÇÕES COTIDIANAS

Com nossas ações não é diferente.

 Toda ação é uma espécie de afirmação.


 Quando ajo de uma maneira, estou de
certo modo “afirmando” algo.
 Estou dizendo implicitamente : “Esta é a
melhor maneira de agir ou de ser”.

Mas é “melhor” por quê? E para quem é “melhor”?

O fato é que temos muitas crenças, Se não tivéssemos essas crenças,


acreditamos em muitas “verdades” não diríamos o que dizemos e
sem nos darmos conta delas. não agiríamos como agimos.

 Você não acha admirável a quantidade de Essas crenças são a base, os


coisas que acredita conhecer sem nunca ter pressupostos, de nosso modo de
pensado seriamente sobre elas? pensar, sentir e agir.

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O DIÁLOGO E A ARTE DE PERGUNTAR

E qual é o papel da filosofia nessa história?

Identificar essas crenças e questioná-las,


procurando saber:
 em que elas se fundamentam;
 se são justas e verdadeiras;
 se são válidas sempre e para todos etc.

“Só sei que nada sei”, dizia.

Sócrates Assim desenvolveu um método de dialogar


Atenas, c. 469-399 a.C. baseado na arte de perguntar.

5
A ARTE DE PERGUNTAR
,,
Vejamos então algumas lições
deixadas por Sócrates.

IGUALDADE
1 Tudo deve iniciar-se com um
diálogo amigável entre iguais.

Não seja convencido. Ninguém sabe mais que


ninguém. Aquele que pensa que já conhece a
verdade deixa de questionar e de crescer.

Recorde o significado da palavra filósofo.


Trata-se de uma pessoa que busca, cuida e
quer o conhecimento, mas não o possui.

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A ARTE DE PERGUNTAR

PERGUNTAS PENETRANTES
Formule perguntas que ajudem seus
2 colegas a conceber um conhecimento
mais profundo sobre os diversos temas.

“[meu interlocutor] acreditava saber e não


sabia, enquanto eu, ao contrário, como não
sabia, também não julgava saber, e tive a
impressão de que, ao menos numa pequena
coisa, fosse mais sábio que ele, ou seja,
porque não sei, nem acredito sabê-lo.”
PLATÃO, Defesa de Sócrates,
em Apologia de Sócrates, p. 71.

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A ARTE DE PERGUNTAR

CONHECIMENTO PROGRESSIVO
3 Avance pouco a pouco no caminho
do conhecimento verdadeiro.

PRÁTICA CONSTANTE
4 Pratique a dúvida e a conversação
filosófica durante toda a vida.

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A ARTE DE PERGUNTAR

DIFICULDADES DO PERCURSO
5 Não tema os momentos críticos de
incerteza e angústia pela dúvida.

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OS DOIS MOMENTOS DA DIALÉTICA

Observe, por último, as duas fases do diálogo


socrático, mais conhecido como dialética.

Dialética socrático-platônica

1º momento
Ironia e refutação
2º momento
Maiêutica
 Sócrates faz uma série de perguntas a seu
interlocutor, buscando aprender com ele sobre
determinado tema (ironia).  Sócrates propõe uma nova série de perguntas
 Muito atento, o filósofo tenta mostrar os a seu interlocutor, com o propósito de ajudá-lo
problemas e as contradições contidos em suas a trazer à luz suas próprias ideias.
respostas (refutação).  Livre do orgulho e da presunção de saber, este
 Desse modo, também afrouxa o orgulho e a inicia o caminho de ascensão ao conhecimento
presunção de saber de seu interlocutor. verdadeiro.

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A DÚVIDA METÓDICA DE DESCARTES

Vejamos agora um exemplo de exercício da dúvida filosófica.

Esse exercício foi realizado no século XVII


pelo filósofo francês René Descartes.
E se tornou um paradigma do ato de duvidar.

 Tal exercício é parte de uma reflexão mais ampla, que se


encontra nas obras Discurso do método e Meditações.
 Ele é conhecido como dúvida metódica, mas também
como dúvida radical ou hiperbólica.

Metódica, porque Descartes


vai ampliando sua dúvida com
Radical, porque Descartes chega ao método, passo a passo, de
extremo de não ter certeza de nada, modo ordenado e lógico.
René Descartes nem de que o mundo existe ou mesmo
(1596-1650)
de sua própria existência.

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A DÚVIDA METÓDICA DE DESCARTES

Qual era o problema de Descartes?

O conhecimento verdadeiro
Um dia ele percebeu que muitas ideias que havia aprendido até então – consideradas
verdades indiscutíveis por séculos – estavam revelando-se incertas ou falsas.

Propósito da
investigação
Só aceitar ideias cuja correção
fosse evidente, isto é, pudesse
Construir uma nova ciência que ser percebida com clareza e
garantisse um conhecimento distinção pelo espírito, sem
sempre sólido e verdadeiro. deixar nenhuma dúvida.

Método, Critério de
estratégia certeza

Primeiro buscar as ideias ou Depois, sem precipitação ou prevenção,


Como saber
crenças que serviam de eliminar todo princípio que fosse
o que é certo
base ou princípio para todas duvidoso, até encontrar aqueles que
e verdadeiro?
as outras ideias e opiniões. fossem certos e verdadeiros.

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DÚVIDA METÓDICA – 1º PASSO

Argumento do erro dos sentidos

Dúvida sobre as ideias que nascem dos sentidos


“Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e
seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos; ora, experimentei
algumas vezes que esses sentidos eram enganosos, e é de prudência
nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez.”
DESCARTES, Meditações, p. 17-18.

 Descartes reconhece que nossa fonte mais


comum de conhecimento são os sentidos.
 Mas eles nos enganam com frequência. Sem
falar que as mesmas coisas podem ser
percebidas de forma distinta por diferentes
pessoas.
 O filósofo conclui, então, que impressões tão
incertas e subjetivas não podem fundar uma
ciência universal.
 Qual parece ser o mais alto dos quatro indivíduos na imagem
ao lado? Qual deles terá verdadeiramente a maior altura?

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DÚVIDA METÓDICA – 2º PASSO

Argumento do sonho
Segunda refutação das ideias que nascem dos sentidos
 Apesar do que concluiu, Descartes reconhece que é muito
difícil duvidar da existência de coisas “tão próximas”
como o papel que tem nas mãos e seu próprio corpo.
 Mas logo recorda a força de alguns de seus sonhos.
 Conclui, então, que tudo o que percebe do mundo é
incerto, pois bem pode ser uma ilusão onírica.

“Quantas vezes ocorreu-me sonhar,


durante a noite, que estava neste lugar,
que estava vestido, que estava junto ao
fogo, embora estivesse inteiramente nu
dentro de meu leito? [...] pensando
cuidadosamente nisso, lembro-me de ter  Você já sonhou algo
sido muitas vezes enganado, quando dormia, semelhante a esta imagem?
por semelhantes ilusões. ” Parecia muito real? Será a
Meditações, p. 18; destaques nossos. vida um grande sonho?

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DÚVIDA METÓDICA – 3º PASSO

Argumento do Deus enganador


Dúvida sobre a ideias que nascem da razão
 As ideias que vêm da mente ou razão, como as ideias
matemáticas, são de outro tipo, pois não dependem dos sentidos.
Acordado ou dormido, parece impossível questioná-las. Observe:
 No entanto, se existe um ser que criou tudo – Deus –, esse ser é
onipotente e pode ter-nos criado de tal maneira que sempre nos
enganemos sobre as coisas.
 Portanto, qualquer ideia, nascida do mundo ou da mente,
continua sendo duvidosa para Descartes. Voltamos à estaca zero!

“Ora, quem me poderá assegurar que esse Deus não


tenha feito com que não haja nenhuma terra,
nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma
figura [...]? E [...] pode ocorrer que Deus tenha
desejado que eu me engane todas as vezes em que
 2 + 3 será sempre 5.
faço a adição de dois mais três, ou em que enumero
os lados de um quadrado [...].”  o quadrado sempre
Meditações, p. 19. terá quatro lados.

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DÚVIDA METÓDICA – 4º PASSO

Argumento do gênio maligno


Dúvida generalizada
 Descartes logo procura outro recurso para manter sua mente
alerta, evitando aceitar qualquer ideia sem ter toda certeza.
 É que alguém poderia objetar que Deus é um ser perfeito e
supremamente bom e, por isso, não enganaria ninguém.
 O filósofo imagina então a existência de um ser sem a bondade de
Deus mas muito poderoso, um gênio maligno, que se diverte
criando ilusões.

“Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras,


os sons e todas as coisas exteriores que vemos
são apenas ilusões e enganos de que ele se  Quem poderia estar
serve para surpreender minha credulidade. atuando em sua vida
como um gênio maligno?
Considerar-me-ei a mim mesmo absoluta- Seres comuns como
mente desprovido de mãos, de olhos, de parentes, cientistas,
carne, de sangue, desprovido de quaisquer publicitários, grupos
sentidos, mas dotado da falsa crença de ter políticos, econômicos ou
todas essas coisas.” religiosos?
Meditações, p. 20.
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DÚVIDA METÓDICA – 5º PASSO
Descoberta do Cogito
A primeira certeza
 Submerso na dúvida hiperbólica, Descartes se faz a
seguinte pergunta:
 É que o filósofo percebe que, se um ser enganador o
enganava, ele, Descartes, deveria ser alguma coisa
enquanto era enganado. Isso era evidente.
 E essa coisa tinha de ser uma coisa pensante, mesmo
sem corpo, pois Descartes não podia colocar em dúvida
o fato de que estava duvidando e pensando.
 Daí surge sua primeira certeza:
“Penso, logo existo”.

“[...] enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria
necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E,
notando que esta verdade, eu penso, logo existo, era tão firme e
tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos
não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem
escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava .”
Discurso do método, p. 46; destaques nossos.

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DÚVIDA METÓDICA

Resumo dos passos realizados

DÚVIDA
METÓDICA

Argumento Argumento Argumento Argumento Argumento


do erro dos do sonho do Deus do gênio do Cogito –
sentidos enganador maligno 1ª certeza

 Com base na primeira certeza, Descartes buscaria alcançar outras, como a da existência
de Deus e a da existência do mundo material, na sequência de suas meditações.

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