Você está na página 1de 24

LEAN SUPPLY CHAIN MANAGEMENT

A jornada lean thinking desenvolve-se em várias fases. A primeira é a “conquista interna”, ou seja a
implementação da filosofia lean thinking na empresa, e a segunda consiste em disseminar a filosofia ao
longo da cadeia de fornecimento de modo que fornecedores e clientes adoptem os seus princípios e as
suas práticas com a finalidade de alcançar a sincronização de todos os elos no sentido da satisfação do
cliente final. O sucesso do lean thinking ficará comprometido se a sua aplicação se limitar às fronteiras da
empresa. De pouco vale ter um sistema de operações a trabalhar just in time se os seus fornecedores
continuam a empurar (push) os seus materiais e serviços numa lógica just in case.
Este capítulo dedica-se à segunda fase da jornada lean, a “conquista externa”. Uma fase mais extensa,
mais demorada e mais exigente, da qual pouco conhecimento se tem e aquela que mais valor poderá criar
para as organizações.

Nota:

Este documento serve de suporte ao módulo de Lean SCM da 7ª Edição do


curso de PG em Lean Management da Comunidade Lean Thinking.
Se pretender uma cópia em formato pdf mande um email com a sua
identificação para: jpintus@gmail.com

Mais informações no site:


http://leanthinkingcommunity.org/master.html

1
Lean Supply Chain Management

5.1. APRESENTAÇÃO
As empresas não podem mais competir isoladas dos clientes, fornecedores e restantes parceiros de
negócio. Actualmente, a competição não se trava ao nível das empresas mas sim entre cadeias de
fornecimento (supply chains). Quanto mais coesa, ágil e magra for a cadeia de fornecimento, maiores
serão as suas possibilidades de sucesso no mercado.
As exigências que o mercado impõe são de tal forma complexas e difíceis que requerem uma nova forma
de estar e de gerir a cadeia de fornecimento. O alargamento das tradicionais fronteiras da cadeia de
fornecimento para incluir novos requisitos como a preocupação e respeito pelo meio ambiente, levando a
que a responsabilidade do fornecedor não termine após o prazo de garantia levando-o a fazer a recolha e
re-utilização dos produtos e materias, ou ainda, a crescente planização do mundo marcado pela abolição
de fronteiras e entrada de novos actores de todos os pontos do planeta, criam enormes desafios à gestão da
cadeia de fornecimento e revelam as fraquezas e incapacidades do actuais modelos de gestão.
O interesse pelo conceito de gestão da cadeia de fornecimento tem aumentado de forma significativa nas
últimas quatro décadas com a popularidade das relações de cooperação entre empresas (ex. relações win-
win), a sincronização da cadeia com o cliente-final e a crescente oferta de soluções tecnológicas.
A gestão da cadeia de fornecimento (supply chain management) é dos domínios da gestão empresarial
que mais contribui para a criação de valor junto do cliente-final. O conturbado período económico que se
vive não mais tolera a existência de elevados stocks ao longo da cadeia e exige uma constante redução de
tempos e custos. A aplicação dos princípios e soluções lean thinking ajudará a alcançar reduções
significativas de tempos (lead time), custos e stocks e, simultaneamente, criar valor para o cliente-final.
Valor, no contexto da filosofia lean thinking, é definido como algo que o cliente está disposto a pagar. As
actividades que acrescentam valor transformam os materiais e a informação em algo que o cliente deseja
ou necessita. As actividades que não acrescentam valor consomem recursos e não contribuem
directamente para o resultado desejado pelo cliente (ex. controlos e inspecções, transportes e
movimentações) e, como tal, devem ser eliminadas da cadeia de fornecimento.
A gestão da cadeia de fornecimento baseada nos princípios lean não é apenas para empresas industriais
que praticam o lean management. É também para empresas não-industriais, armazenistas, grossistas,
distribuidores, retalistas e outros.
Após implementada a filosofia lean thinking na empresa, o desafio que se segue é a sua aplicação fora das
fronteiras da organizações, envolvendo os fornecedores dos fornecedores e os clientes dos clientes. Uma
cadeia de fornecimento lean (lean supply chain) destaca-se das demais por ser:
 Rápida a responder às alterações dos mercados e às solicitações do cliente-final;
 Sincronizada a apostar na colaboração entre todos os parceiros da cadeia;
 Agil a adaptar-se aos novos desafios e oportunidades que um mercado tão conturbado e
imprevisível gera;
 Orientada à eliminação de todas as manifestações de muda ao longo da cadeia de fornecimento e
por orientar todos os elos da cadeia no sentido da criação de valor.

5.2. DEFINIÇÃO DE CADEIA DE FORNECIMENTO


Uma cadeia de fornecimento (supply chain) é uma sequência de empresas que estando interligadas entre
si, fornecem produtos e/ou serviços aos clientes-finais. Uma cadeia de fornecimento não é linear, mas sim
uma estrutura ou rede caótica de organizações (empresas) que satisfazem pedidos dos seus clientes.
Numa cadeia de fornecimento é sempre possível identificar três tipos de fluxos, ver figura 5.1. O fluxo de
materiais proveniente do fornecedor para o cliente, o fluxo de capital em sentido oposto, e o fluxo de
informação em todos os sentidos. Qualquer um destes fluxos é crítico para o sucesso da cadeia de
fornecimento. A sua interrupção é sintoma de problemas (ou de oportunidades de melhoria!). Sempre que

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 2


Lean Supply Chain Management

o material pára na cadeia de fornecimento a capacidade da cadeia de fornecimento em gerar cash flow é
anulada. O fluxo deve existir sempre e a sua velocidade deve ser monitorizada e aumentada para que
melhor seja o desempenho da cadeia de fornecimento.

Figura 5.1. Exemplo de uma cadeia de fornecimento com a identificação dos


três fluxos (materiais, informação e capital).

Há uma relação directa entre o fluxo (ex. de materiais) e a criação de riqueza numa organização. Ou seja,
para uma velocidade nula (ausência de fluxo) a organização estará a perder dinheiro (ex. materiais
mantidos em armazém, meios de transporte imobilizados, ou clientes em fila de espera para serem
atendidos). Reconhecendo a ligação entre o fluxo e a criação de dinheiro, uma das maiores preocupações
do gestor da cadeia de fornecimento deverá ser a manutenção de um fluxo contínuo em todas as fases. Tal
como analisado no capítulo 1, a optimização do fluxo é um dos princípios básicos do pensamento lean.

5.3. PRINCIPAIS DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA SCM


Nestas três últimas décadas a SCM tem enfrentado dificuldades de significativa amplitude que trouxeram
ao de cima as debilidades dos actuais modelos de gestão empresarial. Muitos destes modelos baseiam-se
na lógica MRP (materials requirements planning) desenvolvida nos anos 1960’s e em complexos
modelos matemáticos derivados da investigação operacional e orientados à optimização local (ex. o
modelo da quantidade económica de encomenda). A lógica MRP, um modelo push por natureza, está na
essência da generalidade dos sistemas ERP (enterprise resource planning)1 que dominam os mercados
deste tipo de aplicações. Estes sistemas falham na integração e na sincronização de todas as funções da
organização e da cadeia de fornecimento, e a ênfase da sua actuação continua centrada na optimização das
partes e não do todo.
A crise à escala mundial que se vive permitiu identificar um conjunto de dificuldades que têm afectado
drasticamente o desempenho da cadeia de fornecimento. Estas são as seguintes:
• O efeito bullwhip que se propaga ao longo da cadeia, ver figura 5.2. O efeito bullwhip é uma
deformação da informação quando esta flui do cliente-final para montante da cadeia. Esta
deformação origina uma amplificação irreal da procura e aumenta a variação da mesma. As
empresas tendem a proteger-se deste efeito acumulando tempo e stocks;
• O acumular de stocks e de tempo para camuflar problemas. Os stocks são uma das manifestações
de desperdício na cadeia de fornecimento. As empresas recorrem aos stocks e ao aumento de
tempo para dar resposta a problemas como falhas no planeamento, problemas de qualidade,
necessidade de diluir custos (ex. transportes e setups) por grandes lotes para obter custos unitários
mais baixos. A grande dificuldade está na forma como as empresas respondem aos problemas,
optando pelo mais fácil (a não-resolução) que é disfarçar o problema;

1
Visite o site “http://www.amrresearch.com/” para se inteirar do ranking de sistemas ERP comercialmente disponíveis aplicados à SCM.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 3


Lean Supply Chain Management

• A insistência na aplicação de métodos de previsão da procura. Se há alguma certeza em gestão é


que as previsões estão sempre erradas. Recorrer a elaborados métodos de previsão para antecipar
o comportamento do cliente-final é mais outra das formas que as organizações foram pondo em
acção para contornar problemas na cadeia de fornecimento. A dependência em relação às
previsões diminui à medida que o lead time é encurtado (ex. eliminando os tempos que não
acrescentam valor) e que os lotes de fabrico são reduzidos. Numa situação ideal, com reduzidos
tempos de resposta e capacidade para produzir apenas o necessário, qualquer organização poderia
dispensar o uso de tais métodos operando em modo just in time;
• A ausência de integração e de colaboração entre os diferentes parceiros da cadeia de
fornecimento. Muitas empresas presentes na cadeia de fornecimento contínuam a insistir na
estratégia do “orgulhosamente só”, não se integrando efectivamente na cadeia e negligenciando
as oportunidades que a colaboração em rede pode gerar;
• A manutenção de práticas de gestão que promovem o isolamento das partes na cadeia, evitando a
partilha de informação, a inter-ajuda e desperdiçando as oportunidades que a abordagem win-win
e a sinergia podem gerar. Uma abordagem win-win é implementada entre organizações que se
respeitam mutuamente, numa lógica de longo-prazo, e que partilham uma visão comum.

Figura 5.2. O efeito bullwhip na cadeia de fornecimento.

Oportunidades
Um novo paradigma está a mudar o modo como as empresas apresentam os produtos e serviços aos seus
clientes-finais. A figura 5.3 que se segue resume de forma sucinta essa mudança.

Figura 5.3. Mudança radical de paradigma ao nível estratégico e operacional da cadeia de fornecimento.

Novos desafios e novas oportunidades como a implementação dos princípios e das soluções lean à gestão
da cadeia de fornecimento devem ser reconhecidos. Acrescente-se ainda a necessidade de vencer as

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 4


Lean Supply Chain Management

barreiras à mudança, ultrapassar lacunas de conhecimento e de experiência na SCM e a gestão de riscos


(ex. cambiais, socio-económicos, tecnológicos e alterações ambientais).
Acrescente-se ainda à equação competitiva os seguintes desafios:
 Sourcing (fornecimento) internacional – obter o fornecimento de produtos de países como a
China, a Índia, a Rússia, o Brasil criam significantes obstáculos à implementação lean. O tempo
de entrega das encomendas (order-to-order) é longo, as quantidades em transito são elevadas e a
flexibilidade de resposta é comprometida, no entanto a ilusão do baixo custo unitário é a fonte
motivadora das empresas para optarem por estas alternativas de fornecimento. Ser lean com
tempos de entrega na ordem dos 25 a 45 dias é um grande teste à lean SCM;
 Os sistemas de custeio tradicionais não reconhecem o desperdício do mesmo modo que o
pensamento lean o faz. Sem o necessário apoio financeiro na identificação do muda e do valor
torna-se difícil implementar e manter uma estrutura lean. Stocks e tempos não são igualmente
interpretados pelos sistemas de custeio tradicionais e pelo pensamento lean. Stocks não são tidos
como parte do activo para o pensamento lean. Do mesmo modo, estes sistemas de custos não
reconhecem o tempo, e o rework não é tratado do mesmo modo pelo custeio tradicional;
 As empresas e cadeias organizadas verticalmente, em departamentos ou silos, têm muita
dificuldade em implementar uma abordagem por processos (perspectiva horizontal e global)
criando diversas lacunas (gaps) de desempenho em ambas as perspectivas. Estes gaps escondem
em si inúmeros muda e a sua remoção pode-se tornar muito complexa;
 O número de actores na cadeia de fornecimento. Uma simples análise permite identificar um sem
número de fornecedores e de distribuidores na cadeia de fornecimento. Muitos destes são
rapidamente identificados, outros não. Numa cadeia, haverá muitos elos que não praticam o
pensamento lean ou se opôem à sua adopção. Nestes casos, levar o lean para além das fronteiras
da empresa é ainda mais complexo e exigente;
 Aumento exponencial dos SKU’s (stock keeping units, unidades mantidas em stocks ou itens).
Este aumento traduz-se na crescente complexidade da gestão de materiais, processos de
planeamento e de logística. O número de variáveis a considerar nos processos de decisão
acompanhou este aumento, e a presença de complexos sistemas de informação (para previsão,
planeamento e análise de mercados) é cada vez mais sentida.
As alterações que verificam ao nível dos mercados e os desafios que estas colocam não podem mais ser
respondidas usando os tradicionais modelos de gestão. Tal como Albert Einstein (1879-1955) uma vez
disse “os problemas que enfrentamos hoje não podem ser resolvidos com o mesmo nível de conhecimento
que tinhamos quando eles surgiram”. É pois necessário adoptar um novo paradigma de gestão da cadeia
de fornecimento.
Esse novo paradigma designa-se por lean supply chain management e tem por ponto de partida a
eliminação gradual de todas as manifestações de desperdício (tudo o que na perspectiva do cliente-final)
não acrescenta valor e a adopção de uma abordagem pelo todo.
Lean e a gestão da cadeia de fornecimento têm muitos pontos em comum, tais como: o reconhecimento
do cliente, o fornecimento em modo pull (processos de fornecimento desencadeados pelo cliente), a
preocupação por criar e manter um fluxo contínuo, a identificação dos stocks como desperdício e a ênfase
na criação de valor.

5.4. LEAN SUPPLY CHAIN MANAGEMENT


O pensamento lean descreve o modo como uma cadeia de fornecimento deve funcionar. Uma cadeia de
fornecimento lean caracteriza-se por ter sido submetida a um processo de “lipoaspiração” de todas as
gorduras que nela existiam, seguido de um processo de fluidização de todos os fluxos dominantes de
informação, materiais, pessoas e dinheiro.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 5


Lean Supply Chain Management

O desperdício numa cadeia de fornecimento pode ser medido em tempo, stocks e custos desnecessários.
Actividades de valor acrescentado são aquelas que contribuem de forma eficaz para a satisfação dos
pedidos do cliente (ex. Entregas a tempo, com qualidade e ao preço acordado). A cadeia de fornecimento
e o stock nela contido nela deverá fluir continuamente. Qualquer actividade que interrompa o fluxo
deverá criar valor e qualquer actividade que envolva os stocks deverá criar valor, caso contrário deverão
ser eliminadas pois geram desperdícios.
O objectivo de uma lean SCM é satisfazer os cinco C’s da logística, ou seja:
 O material Certo;
 No momento Certo;
 Nas condições Certas;
 No local Certo;
 No tempo Certo.
As actividades que suportam os 5Cs geram valor na perspectiva do cliente. Isto é válido para as
movimentações de produtos e de informação.
Sendo lean, as cadeias de fornecimento operam com baixos volumes (pequenos lotes), têm grande
flexibilidade, elevada produtividade, aumento do mix (diversidade) de produtos, reduzidos ciclos de
desenvolvimento de produtos e elevados níveis de qualidade.
Os desperdícios (muda) na cadeia de fornecimento são difíceis de identificar. Muitos são tidos como
normais no negócio e de difícil anulação. Pegando na classificação de desperdícios usada em processos
industriais, é possivel identificar sete tipos de desperdícios na gestão da cadeia de fornecimento:
1. Excesso de fornecimento – fornecer algo a uma taxa superior à pedida pelo cliente, levando ao
armazenamento dos produtos. Transportar em grandes quantidades para reduzir custos de
transporte, entregando mais que o necessário;
2. Transportes – movimentos lentos ou movimentos desnecessários não acrescentam valor. Isto pode
incluir deslocações de materiais entre empresas, entre pontos de armazenamento, ou outros;
3. Stocks – as empresas tendem a manter em armazém quantidades de produtos e materiais
superiores ao que necessitam. Erros de planeamento ou previsões contribuem para este tipo de
desperdício;
4. Esperas – ocorrem dentro e fora das organizações e resultam de falhas de planeamento, falta de
sincronização entre as partes ou problemas inesperados. Os períodos de armazenamento são
outros exemplos de esperas na cadeia de fornecimento;
5. Movimentos – movimentos desnecessário de materiais e de pessoas geram desperdícios,
aumentam tempos e custos dos produtos e serviços. Muitas das operações de armazenamento (ex.
kitting) geram movimentos desnecessários;
6. Produtos e/ou serviços com defeitos/falhas. Problemas de qualidade, rework, ou scrap são
gerados porque produtos e serviços não estão em conformidade com os pedidos do cliente. Além
da insatisfação directa que causam, custos e tempos são agravados como consequência deste
muda;
7. Over-processing – fazer mais que o necessário. Exemplo: redundância de actividades (controlos e
inspecções).
Estes tipos de muda acontecem em diferentes partes da cadeia de fornecimento e podem ser identificados
em cadeias make-to-order (entregam por encomenda) ou make-to-stock (produzem para stock).
Como visto anteriormente, o primeiro requisito para se tornar lean é a capacidade para identificar o
desperdício (muda). O muda tem impacto nos custos, nos stocks, no tempo e no capital empatado. A
figura 5.4 que se segue identifica as principais formas impulsionadoras (drivers) da gestão lean da cadeia
de fornecimento. Nesta figura estão identificadas as forças que tornam uma cadeia lean.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 6


Lean Supply Chain Management

Figura 5.4. Principais drivers da lean SCM.

O que deve ser feito para que a cadeia de fornecimento se torne lean?
As cadeias de fornecimento acumulam desperdícios por muitas razões, umas internas à organização,
outras externas. A aplicação dos princípios e soluções lean à gestão da cadeia de fornecimento permitirá
endereçar muitos dos problemas associados a tempos não-necessários, stocks não-necessários e custos
extra.
A situação ideal seria conceber a cadeia de fornecimento de modo que as operações da organização se
encaixassem perfeitamente na cadeia. Esta deverá ser orientada pela procura, não por previsões, deverá
ter como princípio orientador o sistema pull deixando os clientes puxar os stocks à medida que são
consumidos. Excessos de stocks reflectem custos e tempos adicionais em toda a cadeia.
Numa cadeia de fornecimento em modo pull o fluxo de materiais, pessoas, capital e informação deverá
ser contínuo. Qualquer atraso ou impedimento nestes fluxos deverá ser analisado como uma potencial
actividade que não adiciona valor, ou seja uma oportunidade de melhoria de desempenho da cadeia de
valor.
Para desenvolver uma lean supply chain, as organizações devem:
• Perceber que lean thinking é um processo de melhoria contínua orientado à eliminação do
desperdício e à criação de valor para o cliente-final;
• Ganhar o envolvimento e comprometimento da gestão de topo. A melhoria contínua requer um
suporte contínuo;
• Criar uma equipa multi-disciplinar para avançar com a implementação, optando por um projecto-
piloto e depois disseminar a aplicação do conhecimento e das boas práticas a toda a cadeia de
fornecimento;
• Analisar a totalidade da cadeia de fornecimento, não apenas a parte interna ou a parte externa da
cadeia;
• Mapear a totalidade dos processos envolvidos na cadeia de valor, recorrendo ao VSM ou à
metodologia/auditoria sugerida pelo modelo SCOR (Pinto, 2006);

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 7


Lean Supply Chain Management

• Avaliar as lacunas (gaps) entre a cadeia de fornecimento actual (as-is) e a situação ideal ou a
pretendida (to-be). Avaliar os gaps ou redundâncias que originam tempo, um dos desperdícios-
chave na cadeia de fornecimento;
• Evitar a canibalização do processo de melhoria contínua, tal como focando apenas no
armazenamento ou no transporte ou em outras actividades em vez de considerar toda a cadeia de
fornecimento;
• Perceber claramente os impactos causa-efeito. Elevados custos de fretagem, por exemplo, podem
ser um problema, não um sintoma. O inventário pode ser um problema, ou mais frequentemente,
o sintoma de um problema;
• Orientar-se para identificar a raíz das causas, não sintomas. Para tal, envolver todas as pessoas
(não apenas as da empresa, mas também recursos humanos de outras partes: clientes e parceiros);
• Perceber junto dos seus clientes quanto eficiente é a sua cadeia de fornecimento. Dado que a
supply chain é construída com base nos pedidos do cliente, o cliente-final tem da cadeia global
uma visão muito privilegiada;
• Compreender a complexidade das supply chains, sendo estas compostas por múltiplos
fornecedores, centros de distribuição e clientes;
• Avaliar o verdadeiro impacto do fornecimento e abastecimento internacional nos custos, tempos e
inventários em toda a cadeia de fornecimento;
• Capturar o impacto da cultura organizacional no processo de concepção e operação da cadeia de
fornecimento;
• Analisar o efeito de factores externos no lead time da cadeia e na dinâmica da mesma;
• Reconhecer que a tecnologia não pode suplantar falhas nos processos;
• Calcular os riscos inerentes à implementação da lean supply chain;
• Observar o efeito que o tempo tem nos stocks e no desempenho da cadeia de fornecimento;
• Avaliar as possibilidades de uniformização de procedimentos, processos, materiais e produtos,
sem comprometer a personalização junto dos clientes;
• Tornar a cadeia de fornecimento visível. Cada ponto “escuro” ou “cego” pode estar a esconder
oportunidades de melhoria;
• Integrar todas as funções da cadeia de fornecimento (internas e externas);
• Colaborar com fornecedores e clientes. É um requisito, não uma opção; procurar estabelecer com
estes relações de longo-prazo e de mútuo benefício (ie, relações win-win entre as partes);
• Sincronizar todos os elos da cadeia com o cliente-final de forma a construir uma estrutura ágil e
rápida;
• Medir continuamente o desempenho da cadeia de fornecimento, tendo como referência métricas
(kpi’s) dos seguintes domínios: tempo, custo e stocks;
• Incorporar a tecnologia como parte do processo de melhoria. A tecnologia é um facilitador.
Perceber e aceitar que a generalidade dos sistemas ERP existentes e outras peças de software
podem ou não ser um facilitador da lean supply chain;
• Reconhecer a viabilidade do outsourcing como facilitador e reforço da capacidade para dar
resposta às mudanças e exigências dos mercados;
• Investigar as razões por que os produtos não fluem de forma consistente e de modo mais
previsível na cadeia de fornecimento;
• Colocar o inventário nos centros de distribuição certos. O stock certo na localização errada resulta
em deslocações desnecessárias e tempo e custos extra;
João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 8
Lean Supply Chain Management

• Estar aberto à mudança – uma cadeia de fornecimento lean tem de estar adaptada para
continuamente se adaptar. Desde a aplicação da tecnologia, tal como o RFID (radio frequency
identification), a um processo completamente redesenhado;
• Incluir a liderança e a gestão da mudança como requisitos do programa lean.

TPS e os fornecedores
O caso Aisin Seiki Co. (Nishiguchi et al, 1998) é um bom exemplo da forma como a Toyota se relaciona
com os seus fornecedores. A 1 de Fevereiro de 1997 um forte incêndio destruiu a Aisin Seiki Co, um dos
fornecedores da Toyota. O acidente paralisou toda a produção de válvulas para os sistemas de travagem
de todos os modelos da Toyota. Acontece que esta empresa era a principal fornecedora deste componente
e a quebra no fornecimento significava a paragem da Toyota em poucas horas. Devido à presença da
lógica just in time (JIT), a TMC mantinha apenas stock para quatro horas, não obstante o valor de cada
válvula ser apenas $5.00 (cinco dollars americanos). Na ausência deste componente, a TMC teria de
encerrar as 20 fábricas que tinha no Japão, as quais produziam, por essa altura, 14,000 veículos por dia.
Para a maior parte dos componentes, a TMC tem pelo menos dois fornecedores, no entanto no caso desta
válvula a TMC optou por trabalhar quase em exclusividade com a Aisin Seiki (uma empresa descendente
da TMC) devido à sua elevada qualidade. Até essa data, a Aisin fornecia 99% destes componentes, e os
restantes 1% eram fornecidos pela Nisshin Kogyo Co. Na ausência deste componente, previa-se que a
TMC teria de parar a sua produção durante semanas (o que seria a maior paragem da sua história), e o
impacto desta paragem seria estrondoso não apenas para a Toyota como também para o Japão (por essa
altura, estimava-se que, por cada dia de imobilização da TMC, o output industrial do Japão decrescia
0.1%).
Contudo, a TMC conseguiu reiniciar a produção em apenas cinco dias!
A Aisin juntamente com a TMC estabeleceram um comité de crise para resolver o problema. O fabrico
das válvulas em falta era complexo e requeria ferramentas especiais. Além disso, diferentes modelos de
válvulas estavam a ser produzidas. A TMC conseguiu reunir várias equipas de engenheiros seus e de
outros fornecedores2, os quais trabalhando durante vários turnos seguidos, conseguiram construir o
equipamento para começar a produção das válvulas em falta. Alguns dos fornecedores foram mesmo
persuadidos a dar prioridade ao fabrico destas válvulas para se iniciar de imediato a montagem dos
automóveis. Até mesmo um fabricante de serras metálicas foi persuadido a fabricar este tipo de válvulas.
As primeiras válvulas foram entregues no dia 06 de Fevereiro de 1999 permitindo, deste modo, que a
montagem reiniciasse.
Este caso permitiu à TMC aprender muita coisa. Isto mostrou-lhes que o seu sistema JIT funcionava e que
tinham o “equilíbrio certo entre a eficiência e o risco”. A Toyota também aprendeu que diminuindo o
número de variações nos seus produtos tornaria a produção mais simples e reduziria o risco (até ao
acidente, a válvula do sistema de travagem era fornecida em 200 possíveis variações, obrigando ao uso de
inúmeros equipamentos e ferramentas). Os fornecedores da TMC também beneficiaram com o aumento
da eficiência nos seus processos, bem como aprenderam que a criação de redundâncias nos seus processos
poderia trazer-lhes vantagens. No total, a TMC deixou de fazer 72,000 automóveis, mas com turnos e
horas extraordinárias, a recuperação aconteceu em poucas semanas. De notar que nenhum dos
fornecedores envolvidos neste desafio exigiu da Toyota ou da Aisin qualquer pagamento. Como forma de
gratidão pelo apoio recebido, a Toyota prometeu aos envolvidos um bónus total de $100M.
A rapidez com que a normalidade foi reposta revelou o valor do sistema keiretsu3, onde diferentes
parceiros de negócio interactuam. A lealdade dos fornecedores perante a Toyota mostra o valor das
relações de longo prazo assentes no princípio win-win (partilha mútua de benefícios).

2
Num total estima-se que foram envolvidos cerca de 400 engenheiros. Mais de 150 fornecedores e sub-fornecedores foram envolvidos nesta
epopeia para pôr de novo a TMC em marcha.
3
Keiretsu – Termo japonês que significa conglomerado. Define um conjunto de companhias, com core businesses diferentes, que se aliam de
modo a utilizarem de forma cooperativa as suas valências financeiras e de conhecimento, estabelecendo-se assim parceiras estratégicas.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 9


Lean Supply Chain Management

5.5. CONVENIÊNCIA: OPORTUNIDADES CRIADAS PELO LEAN


A aplicação dos princípios e das soluções lean à gestão da cadeia de fornecimento permitem a realização
de dois grandes objectivos:
 Aplicar a conveniência ao nível dos retalhistas;
 A compressão das cadeias de fornecimento.
A convergência destes dois objectivos criará novas oportunidades para a colaboração win-win entre
fornecedores, retalhistas e clientes e resultará no desenvolvimento de novos modelos de negócio.
Após vencido o desafio da aplicação dos princípios lean thinking na empresa, após garantido um fluxo
contínuo de fornecimento (ex. de materiais e informação) entre o fornecedor e o cliente, o desafio que se
segue é a criação do fluxo contínuo em toda a cadeia de fornecimento.
A abordagem a seguir não deverá ser começar pelos artigos (SKUs) que exibam padrões de consumos
mais irregulares e imprevisíveis e que por norma são aqueles que menos expressão têm na facturação
anual da empresa.
É impressionante verificar como a maioria das empresas classifica o seu processo fabril ou os
produtos/serviços, e ainda os mercados que serve, como os mais complexos e imprevisíveis de todos. Para
cada uma das empresas que se conhece, o seu processo, o seu produto e o seu mercado, é o mais
complexo que existe e por muitas abordagens que se escolham pouco ou nada há a fazer. That’s the way it
goes...
Este modo de pensar, de considerar que não há nada mais difícil e exigente que gerir a “nossa empresa ou
o nosso negócio”, dadas as suas únicas e exclusivas particularidades, aquelas que mais nenhum negócio
tem a infelicidade de ter, faz com que muitos ponham enormes entraves à melhoria e ao desenvolvimento
do negócio e da empresa. A complexidade e a dificuldade de cada negócio depende da forma como o
mesmo é liderado e gerido.
Assim, e partindo deste princípio (ie, as coisas não são difíceis ou complexas, nós é que as fazemos), e
por muito que cada um ache que a gestão do seu negócio é um enorme quebra-cabeças não acessível ao
comum dos mortais, é sempre possível identificar em qualquer empresa um conjunto de artigos que são
verdadeiramente significativos no seu volume de vendas. Fazendo uma simples análise ABC4 será
possível identificar essa classe de artigos. Portanto, começar por aqueles produtos, os tais de enorme
complexidade e de imprevisível consumo (ex. artigos de promoção e/ou de procura volátil), e longe de
serem representativos do portfolio de vendas, é um erro e uma boa desculpa para nada se fazer.
Para se promover o fluxo ao longo de toda a cadeia de fornecimento, começar por aquela “mão cheia” de
artigos (5 a 6%) que representam 40 a 50% do volume de vendas. Deste modo, consegue-se:
 Maior envolvimento das pessoas (de vários departamentos, ex. comercial, produção, compras e
logística);
 Identificar um grupo de artigos-alvo e promover a simplificção do seu planeamento logístico
(desde o pedido à entrega), promovendo o fluxo contínuo e acelerando o processo de
transformação e transporte desde a matéria-prima até à entrega do produto ao cliente-final;
 Embarcar numa lógica de fabricar cada produto em cada semana (EPEW – every product/part
every day). E posteriormente, duas vezes por semana ou mesmo EPED (every part every day);
 Motivar as pessoas para a criação do fluxo – este pequeno grupo de artigos (artigos classe A)
demonstrarão a aplicabilidade e a rentabilidade dos esforços envolvidos na criação de um fluxo
contínuo.
Para estes 5 a 6% dos SKUs criar um buffer stock para nivelar os pedidos (sugestão: optar pelo
nivelamento das operações recorrendo à caixa logística: heijunka). Inicialmente criar uma plano de
produção estável com (baixos e fixos) volumes de fabrico/transporte e uma sequência fixa. Ainda para

4
Método de gestão muito simples desenvolvido por Vilfredo Pareto (1848-1923) para fazer a classificação do que é importante separando do
menos importante. Também conhecido como a “Regra 20-80” porque, por exemplo, 20% dos sku´s representam 80% do volume de vendas.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 10


Lean Supply Chain Management

este pequeno grupo, unir directamente cada ponto/passo da cadeia de fornecimento (dock-to-dock, ie, de
cais a cais). Finalmente identificar e eliminar as causas de qualquer interrupção de fluxo. Este processo
poderá demorar algumas semanas, em função da extensão da cadeia e do número de artigos em causa.
Contudo, à medida que o fluxo é melhorado e a velocidade é aumentada, mais ganhos resultarão para a
empresa e a restante cadeia de fornecimento.
À medida que as economias de escala surgem, será possível acelerar o ciclo e incorporar mais produtos
(continuando por favorecer os artigos classe A), eventualmente variando volumes e a sequência para
fabricar ainda mais SKUs em sintonia com a procura.
Para o grupo de artigos considerados na abordagem anterior, abordagem essa que não deve terminar após
incluir todos os SKUs classe A, será possível verificar um aumento de credibilidade destes SKUs junto
dos clientes finais (conseguida graças a menores atrasos, menores stocks, menores custos e elevada
disponibilidade).
Aquilo que é possível alcançar entre portas (fabrico just-in-time) é, deste modo, possível ao nível da
cadeia (ie, fornecimento just-in-time do fornecedor, passando pelo retalhista até ao cliente).
As cadeias de fornecimento de empresas como a 3M e a Kimberley Clark reportam resultados
impressionantes com a implementação lean na gestão das suas cadeias de fornecimento. Estas empresas
não se limitaram aos seus fornecedores e retalhistas, alargando à totalidade das suas cadeias a
implementação lean. Muitas das empresas identificadas na tabela 5.1. já deram os seus primeiros passos
neste sentido.

Um potencial win-win para ser revelado


A compressão das cadeias de fornecimento, reduzindo, como consequência, tempos e custos, pode ser
alcançada através de processos de fabrico estáveis e a possibilidade de acelerar o fluxo de materiais ao
longo da cadeia. Por exemplo, reduzir o tempo (lead time) de 90 a 60 dias para 10 a 20 dias terá um
impacto extraordinário no desempenho operacional e financeiro da cadeia de fornecimento. E os
fornecedores podem fazer o mesmo – e desse modo prosperar!
Além disto, há um outro enorme win-win a alcançar que é estender a lógica de fluxo contínuo até ao
cliente-final. O maior obstáculo a enfrentar é o ruído das encomendas colocadas pelos retalhistas (que
muitos deles se recusam a admitir) e também o facto de muitos destes não saberem, ou não quererem
saber, quanto extensas são as suas cadeias de fornecimento (acentuando ainda mais o efeito bullwhip,
apresentado anteriormente na figura 5.2).
É, pois, possível criar um fluxo contínuo ao nível do retalho. Por exemplo, através do abastecimento
contínuo, assumindo a responsabilidade pela logística de entrada (inbound), fazendo o cross docking e o
uso de plataformas móveis.
Para muitos dos SKUs (classe A) é necessário abandonar os sistemas de planeamento assentes na previsão
de vendas e nos modelos de optimização (ex. quantidade económica de encomenda, QEE) para passar a
criar fluxos geridos pela procura e ajustados às vendas actuais (reais). O desafio está na determinação dos
verdadeiros custos dos stocks extra e a capacidade necessária para lidar com o ruído e os custos de gerir
toda esta variabilidade em ambas as partes.
Para começar, é necessário reconhecer e aceitar que uma boa parte do volume de saídas dos armazéns
resulta de um limitado número de SKUs do tipo classe A. Muitos destes têm uma procura estável e
previsível (ao contrário do que é apregoado por quem os gere) e apenas uma pequena percentagem do
volume é volátil e imprevisível, ie SKUs do tipo C.
Deste modo, a preocupação não deve estar em libertar-se dos SKUs classe C (porque a sua venda poderá
ser estratégica para o negócio e além disso geram algum dinheiro) mas parar de planear os SKUs em
todas as fases da cadeia de fornecimento como se todos se tratassem de artigos classe C. Os produtos
sazonais e/ou promocionais devem ser tratados em separado, considerados como como artigos classe C se
o seu fluxo através da cadeia for imprevisível.
Esta lógica de fluxos deve ser reflectida no sistema de planeamento do retalhista, ou seja:

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 11


Lean Supply Chain Management

 Um fluxo C para produzir por encomenda – para o qual não se torna honoroso manter stocks de
forma a alcançar um re-abastecimento rápido;
 Um fluxo A que apenas necessita de planeamento da capacidade – ou de outro modo apenas flui
em sintonia com a procura e é ajustado em tempo real com as vendas actuais.
Este é o segredo para desencadear o enorme win-win entre retalhistas e os seus fornecedores, ou seja,
encomendas estáveis em troca de uma produção sincronizada.

Consequências ao nível do retalho


Os sistemas de rápido re-abastecimento baseados em pequenos volumes podem adaptar-se, a baixo custo,
a qualquer formato ou padrão da procura. Isto desvaloriza as vantagens de escala dos armazéns de
grandes dimensões (cheios de contentores e de stocks) e põe de lado a preocupação em optimizar recursos
muitas vezes em confronto com a satisfação dos pedidos do cliente (ex. transportar grandes quantidades
para diluir o custo de transporte por muitas unidades mas obrigando o cliente a comprar mais do que
necessita ou a esperar pelo artigo). Note-se a crescente relutância do cliente-final em trocar o seu tempo
por um preço mais baixo, e registe-se o aumento da importância de uma rápida e eficiente resposta aos
pedidos do cliente.
A análise global às cadeias de fornecimento de diferentes negócios permite identificar rácios [valor
acrescentado/tempo total] muito desfavoráveis para o cliente, revelando assim enormes janelas de
oportunidade com a aplicação lean thinking.
A adopção dos princípios e as soluções lean à gestão da cadeia de fornecimento faz com que a
conveniência não tenha de custar mais. Os sistemas de rápido re-abastecimento tornam ainda possível a
venda de SKUs altamente perecíveis. Se o pão e o café frescos são mais saborosos frescos também os
flocos de cereais e o chocolate o são. A cadeia de fornecimento de produtos frescos deverá ser o modelo a
seguir e a aplicar a todo tipo de SKUs.

Os bons exemplos vêm de fora


Em vez de focalizar num único tipo de cliente, muitas empresas iniciaram a revolução da conveniência
inspirados no exemplo do Grupo Inditex (Zara, Espanha) ou da cadeia de supermercados Tesco (Reino
Unido). Como complemento a um rápido re-abastecimento, estas empresas preocuparam-se em conhecer
com detalhe os seus clientes:
 Fazendo a análise dos seus estilos de vida e padrões de consumo;
 Ganhando conhecimento dos consumos para melhor perceber o que os clientes desejam e quando.
Deste modo, estas empresas poderam adaptar cada armazém ou POS (point of sale) a cada classe de
clientes. Para que isto possa acontecer, é necessário recolher os pedidos/encomendas dos POS nos centros
de distribuição locais e passá-los para os centros de distribuição regionais que, por sua vez, colocam as
encomendas nos fornecedores. Cada nível da cadeia de fornecimento terá de ser ligado por um milk run
que faça milk rounds regulares, ver exemplo na figura 5.5.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 12


Lean Supply Chain Management

Figura 5.5. Exemplo de um milk round.

À medida que as exigências do cliente aumentam e a conveniência se instala em todas as fases da cadeia
de fornecimento (começando no cliente-final em direcção aos fornecedores dos fornecedores), e as vendas
pela Internet aumentam, novas possibilidades se abrem para integrar o cliente com os seus pontos de
abastecimento.
O desafio que se segue, partindo do conhecimento que se tem do cliente e dos seus hábitos, é deixar de o
ter como um estranho e tratá-lo como parceiro, à medida que continuamente se satisfaz os seus pedidos.
Isto é apenas o início daquilo que muitos chamam a revolução da conveniência...

5.6. PLANEAMENTO E CONTROLO DA LEAN SCM


Uma cadeia de fornecimento lean faz uso de três conceitos importantes:
 Planeamento das operações baseado na procura;
 Fornecimento lean e o desenvolvimento dos fornecedores;
 Operações de distribuição lean.
O planeamento baseado em factos (ie, na procura e não em previsões) permitirá o planeamento da
capacidade da cadeia de fornecimento, ajustando-a e, deste modo, evitando o fornecimento just-in-case. A
estrutura de fornecimento lean deverá garantir produtos/serviços de elevada qualidade e uma grande
proximidade e integração de modo a flexibilizar e agilizar a cadeia de fornecimento. Sem estes três
conceitos, a lean supply chain não se realizará.

Planeamento baseado na procura


O planeamento da cadeia de fornecimento pode ser realizado de uma das seguintes formas:
a) Processo tradicional que se caracteriza pela optimização dos recursos internos (ex. transportes e
armazenamento) e dos silos funcionais;
b) Processo lean - começar pela confirmação dos pedidos do cliente-final e daí ajustar a
capacidade à procura (carga).
A cadeia de fornecimento, ou seja, as empresas que dela fazem parte e se comprometem com a satisfação
do cliente final, devem possuir processos rápidos e repetitivos de ajuste da sua capacidade à procura
efectiva (e não prevista). Após esta fase, a procura deverá ser traduzida num plano de desdobramento da

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 13


Lean Supply Chain Management

capacidade baseado na expectativa de margens (ganhos), nos níveis de satisfação (serviço) a realizar e na
presença de estrangulamentos ao longo da cadeia.
Através da aplicação das soluções lean (em particular as que se referem ao planeamento e ao nivelamento
heijunka) é possível estabelecer um sistema de planeamento dinâmico através do qual as variações
inerentes aos processos de fabrico e de serviços (desencadeadas por práticas que não acrescentam valor)
são eliminadas e substituídas por um fluxo nivelado de produtos e serviços sincronizado com os pedidos
do cliente-final.
Para que este sistema de planeamento dinâmico seja posto em marcha é necessário:
 Identificar os “pacemakers” de fabrico os quais estabelecem o ritmo, ou a cadência, em cada
unidade de fabrico;
 Os níveis de stock baseados na procura são definidos para três parâmetros incluindo o ciclo de
fabrico-entrega, stock de segurança e buffer stocks (stocks que asseguram a manutenção dos
processos irregulares);
 Implementar sistemas de kanban para governar o fluxo de materiais em cada unidade de fabrico e
entre empresas (cliente-fornecedor);
 Desenvolvimento e aplicação do conceito de takt time global (ie, adoptado por todos os
participantes na cadeia de fornecimento) como forma de sincronizar a oferta com a procura.

O desenvolvimento dos fornecedores


A constante aproximação aos fornecedores deixou de ser uma opção para ser uma obrigação das
organizações que ambicionam ser lean. A forma como as empresas Japonesas se relacionam com os seus
fornecedores é antagónica à abordagem seguida pelas empresas ocidentais. Enquanto que uns encaram o
fornecedor como um elemento-chave da sua cadeia, promovendo a aproximação entre as partes,
desenvolvendo-as e partilhando numa lógica win-win, as empresas Europeias e norte-Americanas
enveredam por um caminho de afastamento em relação aos seus fornecedores, optando pela desconfiança,
pelo confronto e constante procura do mais baixo custo a qualquer preço. Esta estratégia resultou em
terríveis resultados para todas as partes, e não está isente de culpa na degradação económica que se vive,
provando que as abordagens win-lose resultam inevitavelmente em situações lose-lose.
A integração e desenvolvimento dos fornecedores criam novas oportunidades para a gestão da cadeia de
fornecimento. De seguida apresentam-se alguns exemplos de boas práticas neste domínio:
 Envolvimento dos fornecedores nas fases iniciais do desenvolvimento de novos produtos/serviços
optando por trabalhar de forma concorrencial (simultâneo) e não sequencial;
 Relações de longo prazo e partilhando uma visão comum (orientada à satisfação do cliente-final,
orientada à criação de condições de flexibilidade e de agilidade e principalmente de inovação);
 Planeamento colaborativo (collaborative networking, envolvendo o maior número de partes no
planeamento da cadeia de fornecimento) – só deste modo será possível a adopção de, por
exemplo, takt time global. Actualmente as empresas dispõem de sistemas de informação
totalmente adequados à implementação destas práticas;
 Planeamento a longo-prazo e partilhando de métricas de desempenho comuns e transversais a
toda a cadeia de fornecimento. Exemplos de métricas neste domínio:
 Tempo dock-to-dock – refere-se ao tempo compreendido entre o cais de saída do fornecedor
(do fornecedor) ao cais de entrada do cliente (do cliente);
 Total satisfação dos pedidos do cliente;
 Nível de serviço da cadeia de fornecimento – avalia o grau de satisfação do cliente-final;
 Utilização de recursos ao longo da cadeia de fornecimento;

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 14


Lean Supply Chain Management

 Time-to-market – avalia a agilidade da cadeia a responder às alterações dos mercados,


respondendo a solicitações como o desenvolvimento de novos produtos e serviços;
 Custos e margens na cadeia de fornecimento;
 WIP (work in process) ao longo da cadeia de fornecimento.
 Partilha alargada de informação e de dados ao longo da cadeia de fornecimento (ex. dados
resultantes do estudo dos mercados, market research, gestão da procura e outros);
 Transferência de conhecimento e de boas práticas entre a empresa e seus fornecedores, e entre
fornecedores (ex. práticas de movimentação e de transporte);
 Partilha de riscos e de ganhos entre as partes envolvidas. Prática que a Honda Motors aplica
frequentemente com os seus fornecedores, não os deixando sozinhos expostos aos riscos (ex. na
forma como gerem os stocks ou desenvolvem novos produtos);
 Preocupação com o ganho (margem) do fornecedor sempre num espírito win-win. As empresas-
cliente têm de aceitar que os seus fornecedores também necessitam de ganhar dinheiro para
prosperarem e se desenvolverem. Uma empresa consciente disto deve ajudar o seu fornecedor a
alcançar margens positivas no seu negócio ajudando-o nesse sentido;
 Em vez de procurar, sob todas as formas, reduzir custos, as empresas envolvidas numa cadeia
(rede) de fornecimento devem centrar-se na eliminação dos desperdícios e na criação de valor;
 Adoptar a mentalidade da abundância (ou seja, “o bolo dá para todos, não correr para ele
avidamente com receio que outros retirem as melhores e maiores fatias”). A falência de um
concorrente não poderá mais ser festejada porque a mesma poderá resultar na nossa falência. Por
exemplo, recorde-se a preocupação da TMC aquando do processo de falência da GM (no decorrer
do primeiro semestre de 2009) – a falência da GM traduzia-se na imediata falência de alguns dos
fornecedores estratégicos da Toyota e no agravamento das condições económicas dos EUA.
Provavelmente o problema está em considerar-se a outra empresa como “concorrente” quando de
facto não o é. Sugere-se, como alternativa, a adopção de um novo paradigma.
A tabela 5.1. que se segue identifica algumas das empresas que exibem boas práticas neste domínio e
como tal podem ser alvo de benchmarking. Algumas destas empresas aprenderam da forma mais amarga
a importância do envolvimento e desenvolvimento dos seus fornecedores.
 Apple  Tesco
 Dell  Walt Disney
 Procter & Gamble  Hewlett-Packard
 IBM  Texas Instruments
 Cisco Systems  Lockheed Martin
 Nokia  Colgate-Palmolive
 Samsung Electronics  Best Buy
 Kimberley Clark  Seven Eleven
 Toyota Motor Corporation  Sony Ericsson
 3M  Intel
 Johnson & Johnson  Honda Motor Corporation
 The Coca-Cola Company  Grupo Inditex (Zara)

Tabela 5.1. Exemplos de empresas que exibem boas práticas no


domínio do envolvimento e desenvolvimento de fornecedores.

O problema das previsões da procura


Womack e Jones referem na mais recente edição da obra Lean Thinking (2003) que se há alguma coisa
certa é que as previsões estão erradas. E por norma estão erradas pelo que basear o planeamento a
longo/médio prazo da cadeia de fornecimento em previsões é de todo desaconselhável. As empresas
respondem aos erros de previsão acumulando stocks e tempo ao longo da cadeia de fornecimento. Isto faz
com que fenómenos como o efeito de bullwhip (figura 5.2) se manifestem e se propaguem ao longo da
cadeia de fornecimento. Deste modo a cadeia perde agilidade e enche-se de muda um pouco por todo o
lado.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 15


Lean Supply Chain Management

A produção académica de métodos de previsão tem sido muito fértil com o desenvolvimento de
complexos sistemas que procuram antever o comportamento dos mercados e assim informar cada um dos
elos da cadeia acerca do que produzir e quando produzir. Acrescente-se a estes métodos, imaginativos
sistemas de optimização local de recursos (ex. transportes, unidades de fabrico, e as quantidades
económicas de fabrico). Tanto os métodos de previsão como a optimização local provaram não ser a
resposta adequada aos desafios que o mercado levanta às cadeias de fornecimento. A optimização local de
recursos penaliza pela “miopia” a que sujeita as empresas privando-as de alcançarem ganhos de amplitude
global, enquanto que os erros gerados pelos métodos de previsão resultam em excessos ou deficiências de
stocks e de serviços e, consequentemente, um mau desempenho junto do cliente-final.
A dependência dos métodos de previsão pode ser eliminada se os tempos (de fabrico, de
aprovisionamento, de transporte ou outros) forem reduzidos. Numa situação ideal de lead time próximo
de zero, a empresa dispensará de qualquer previsão (antevisão). Estará em condições para responder a
qualquer pedido e em quaisquer quantidades. A redução dos tempos resultará, ainda, em menos custos e
maior flexibilidade para toda a cadeia de fornecimento.
A optimização global, por outro lado, orientará a atenção da empresa para o que é verdadeiramente
importante: a satisfação do cliente-final e não a satisfação deste ou daquele director de departamento ou
de área funcional. A optimização global, tal como defende Goldratt (1984) pode muitas vezes significar o
prejuízo da optimização local. Por exemplo, o Grupo Inditex (Zara) não hesita em usar o transporte aéreo
para fazer chegar os seus produtos ao Japão em poucas horas. Pouco tempo depois terá esse produto nas
lojas e entretanto será vendido. Numa perspectiva de optimização local, seria impensável o uso de meios
aéros dado os elevados custos de transporte. Contudo, e analisando o todo, em poucas horas a Inditex
consegue entregar ao cliente-final os seus produtos e assim realizar dinheiro que de outro modo não seria
possível. O transporte por barco seria o mais barato, mas demoraria semanas a chegar ao ponto de venda e
quando chegasse poderia já ser tarde de mais. A forma inovadora como o Grupo Inditex gere a sua cadeia
de fornecimento explica bem o seu sucesso. A forma é simples: pensar global e actuar local, sendo
rápidos e muito ágeis (ie, uma cadeia lean).
A rede de farmácias em Portugal é um outro bom exemplo de gestão da cadeia de fornecimento lean. A
rapidez com que os stocks são repostos é conseguida através de uma estrutura de transporte e
armazenamento muito flexível e de um bom sistema de informação. A ênfase deixou de estar na
optimização local e no abandono de conceitos como o “lote económico”, passando por criar uma estrutura
que rapidamente (em menos que duas horas) responda a todo e qualquer tipo de necessidades.

Gerir a incerteza com o pensamento lean


Um erro frequente é considerer que a aplicação do pensamento lean requer uma procura regular,
excepcional qualidade e operações fiáveis. Embora estas características sejam na verdade objectivos do
lean, não são pré-requisitos. Pelo contrário, as práticas lean management incorporam estratégias para lidar
com a incerteza. Por exemplo, se existirem problemas de qualidade a montante dos processos, lean
recorre a uma estratégia protectora dos processos a jusante de modo a não falhar no fornecimento de
produtos ou serviços aos clientes.

Buffer stocks
Quase todas as empresas têm stocks algures na cadeia de fornecimento que operam como buffers
(almofadas, ou protecções) contra a mudança e as oscilações na procura. Os stocks podem estar sob a
forma de matéria-prima, intermédios (WIP) ou produto acabado.
Atendendo aos custos totais associados à manutenção de stocks “dentro de casa”, as decisões que os
envolvem devem ser tidas como muito importantes. Os stocks (inventário) têm um papel crítico no
sucesso da moderna SCM ao influenciarem aspectos críticos para todas as partes envolvidas, como o nível
de serviço, custo, tempo e qualidade.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 16


Lean Supply Chain Management

Stocks de segurança
O stock de segurança é uma protecção contra excessos na procura e falhas no fornecimento. São o “pára-
choques” contra este tipo de situações, e o compromisso da empresa perante a satisfação dos pedidos do
cliente.
Aumentar o stock de segurança é aumentar o nível de protecção perante roturas e, consequentemente,
aumentar o nível de serviço. No entanto, mais stocks na cadeia penalizam o seu desempenho financeiro.
O stock de segurança (SS) é calculado de acordo com a equação 5.1.

Onde:
SS = σ n * Z * LT σn – desvio padrão total (consumo e entrega); [Equação 5.1.]
Z – variável da distribuição normal padrão para um
dado nível de serviço (ex. para NS=97.5% obtém-se
Z=1.96);
LT (lead time) – tempo de entrega (fornecimento ou
aprovisionamento) [tempo]

O cálculo da rotação de stocks (RS) apresentado na equação 3.6 (capítulo 3) pode ser apresentado do
seguinte modo:

Onde:
A A – Consumo anual [unidades]
RS = [Equação 5.2.]
Q + SS Q – Quantidade ou lote de encomenda [unidades]
2 SS – Stock de segurança [unidades]

O pensamento tradicional defende que o aumento do SS (ie, melhor nível de serviço) penaliza a RS
estabelecendo-se entre eles um trade-off. Do mesmo modo, um baixo nível de serviço (resultado de
menor SS e maior exposição à rotura) aumentará RS. Contudo, uma análise mais cuidada às duas
equações anteriores permite desvendar um forte contributo lean para a gestão da cadeia de fornecimento.
É possível ter em simultâneo um adequado nível de serviço e uma boa RS sem mexer no SS, ou seja,
trabalhando com pequenos lotes (ie, reduzidas quantidades Q).
O lote de fabrico ou de compra (Q) deve ser o mais pequeno possível, de preferência igual a 1, para que a
RS seja elevada e o NS também o seja sem se ter de aumentar o SS.

Estratégia de mitigação
Quando se opera em mercados instáveis ou as exigências dos mercados-cliente são elevadas, é necessário
colocar em prática uma estratégia de rápido fornecimento de stocks sempre que picos de procura ocorram.
Os níveis de stock a manter nas diferentes localizações da cadeia de fornecimento devem ser calculados
de acordo com a sua localização, com as fontes de fornecimento e a procura dos SKUs em causa.
Como estratégia de mitigação, as empresas podem manter stocks de segurança (sob diferentes formas
materiais ou em tempo, ie antecipando a compra). Podem, ainda, solicitar aos seus fornecedores que
assumam a gestão dos materiais (ie, VMI5) que fornecem ou que disponham de capacidade extra para
responder aos seus pedidos.
Fazendo uma análise na perspectiva de fornecedor (ie¸como prestador de serviço ao cliente), as diferentes
alternativas consideradas anteriormente podem ser analisadas na figura 5.6.

5
Vendor Managed Inventory (inventário gerido pelo fornedor em casa do cliente). É também conhecido como stock à consignação, o cliente
liberta-se do encargo da gestão dos seus stocks passando-o para quem lhe fornece. Uma prática muito comum na indústria automóvel e na
indústria electrónica.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 17


Lean Supply Chain Management

Figura 5.6. Estratégia de fornecimento (serviço ao cliente) de acordo


com o compromisso com o fluxo e as alternativas de mitigação.

Objectivo: zero stocks


O “zero stocks” é um objectivo muito interessante, mas sejamos realistas! Zero stocks só mesmo naquelas
situações em que a empresa tem total controlo do processo. Para todas as outras situações é necessário
manter stock (ex. segurança) e saber tirar dele o melhor partido (ex. aproveitar o conhecimento que se tem
dos mercados). De seguida apresentam-se alguns exemplos onde o objectivo “zero-stocks” deve ser
perseguido (porque é alcançável):
 Problemas de qualidade obrigam a produzir mais que necessário – aposte-se na gestão total da
qualidade, na qualidade na fonte e no empowerment das pessoas e a necessidade de stocks para
encobrir esses problemas desaparecerá gradualmente;
 Avarias do equipamento – resolvam-se esses problemas adoptando novas práticas de manutenção
e manutenção autónoma e, aos poucos, retirem-se os stocks que camuflavam as paragens do
equipamento;
 Layout incorrecto ou ilógico – melhore-se o layout e retirem-se os stocks nele existentes;
 Erros de planeamento – adoptem-se novos paradigmas de planeamento e controlo de operações
(ex. desliguem-se os sistemas MRP) e passe-se a produzir just-in-time;
 Falta de integração das funções logísticas – problemas de comunicação ao nível de funções como
o planeamento, compras, logística, comercial e engenharia estão na origem de uma boa parte do
WIP (work in process) que reside no gemba.

Exemplos de situações onde pouco ou nada há a fazer quanto aos stocks são:
 Stocks impostos pelo cliente – uma sugestão: mostrar ao cliente que a redução de stocks a todos
beneficiará. Para tal, adopte-se uma maior colaboração e sincronização entre as partes;
 Artigos cotados em bolsa, ou oriundos de mercados especulativos – se o leitor sentir (e tiver
dados que o fundamentem) que este é o momento de comprar este ou aquele material, então
compre! Procure-se sempre avaliar os custos totais, não apenas o custo unitário;
 Fornecimento em países distantes (ex. Brasil, Índia ou China) – o tempo de transporte obrigará a
comprar grandes quantidades. No entanto quando se analisa o desempenho global da cadeia de
fornecimento (envolvendo aspectos relacionados com o lead time, o custo e a qualidade), a
vantagem continua do lado dos fornecedores desses países?
Perceberá o leitor que para os casos anteriores poderá até ser vantajoso ter stocks...

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 18


Lean Supply Chain Management

5.7. CONVERGÊNCIA ENTRE LEAN SCM E O MODELO SCOR


Através da aplicação do VSM, a filosofia lean thinking desenvolveu uma ferramenta para analisar a
cadeia de valor (interna) e partir daí identificar oportunidades de melhoria visando a eliminação do
desperdício e a criação de valor.
Após desenhar o estado actual (as-is) da cadeia, é possível passar à definição do estado ideal e das fases
intermédias (ie, os vários estados futuros: to-be). Esta fase é, por norma, designada por value stream
design (VSD). Embora constituindo poderosas ferramentas de análise e de desenho, o âmbito de aplicação
do VSM e VSD restringe-se à empresa onde é aplicado e à sua cadeia de valor. Apesar de o VSM e VSD
identificarem o cliente (-chave) e o fornecedor (-chave) na sua análise e desenho, as relações entre estes e
a empresa não são devidamente exploradas e uma boa parte dos intervenientes na cadeia de fornecimento
não é considerada.
Para se obter uma imagem detalhada da cadeia de fornecimento (global), não excluindo nenhuma das
partes interessadas, e perceber com exactidão as formas como estas se relacionam entre si, a forma mais
adequada de o fazer é recorrer ao modelo SCOR.

SCOR: o modelo de referência para a SCM


SCOR (supply chain operations reference) é um modelo de referência para a gestão da cadeia de
fornecimento desenvolvido pelo Supply Chain Concil (SCC, www.supply-chain.org) desde 1996. Em
Abril de 2008 o SCC lançou a nona versão do modelo SCOR (a qual inclui uma total actualização do
modelo, lançamento de novas métricas, novos processos e novas boas práticas para a SCM, ver figura
5.7).

Figura 5.7. O modelo SCOR e a sua abrangência (adaptado de SCC, 2008).

O modelo SCOR define a cadeia de fornecimento como um conjunto de processos de gestão integrados
que envolvem o planeamento (P: plan), o fornecimento (S: source), a execução (M: make), a entrega (D:
deliver), a devolução (R: return) abrangendo a totalidade da cadeia desde o fornecedor ao cliente, tal
como apresentado na figura anterior. Esta abordagem é alinhada com a estratégia de operações e
considera os diferentes fluxos na cadeia (materiais, informação, trabalho e capital).
O modelo SCOR reforça as suas vantagens através da ligação dos elementos-chave dos processos,
métricas e boas práticas associadas à execução da cadeia de fornecimento. Algumas das vantagens da
utilização do modelo SCOR na melhoria da cadeia de fornecimento são:
 Um modelo e uma estrutura padrão que fornecem uma linguagem comum para comunicar, entre
as partes interessadas, os aspectos-chave da cadeia de fornecimento tais como: a sua definição,
métricas e boas práticas (identificadas através do esforço de benchmarking);
 Uma metodologia estruturada para alinhar o negócio com a estratégia da cadeia de fornecimento e
determinar os objectivos associados à melhoria do desempenho da cadeia de fornecimento e
assim alcançar os objectivos da empresa;

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 19


Lean Supply Chain Management

 Um processo uniformizado de estabelecimento de métricas de desempenho ao longo de vários


níveis de intervenção da cadeia de fornecimento;
 Análise detalhada da cadeia de fornecimento, desde o fornecedor do fornecedor ao cliente do
cliente, considerando três níveis de detalhe (Pinto, 2006).
O modelo SCOR está organizado em três níveis, tal como mostra a figura 5.8.

Figura 5.8. Os níveis de detalhe do modelo SCOR.

De nível para nível, a cadeia de fornecimento é detalhada e analisada ao pormenor, recorrendo a uma
nomenclatura padrão6 onde todos os processos, elementos, tarefas e actividades são codificados, tendo
como ponto de partida os cinco processos de gestão identificados anteriormente na figura 5.7.
SCOR é um modelo que pode ser aplicado a vários sectores de actividade, a operar sob diferentes
estratégias (ex. MTO ou MTS7), e considerando que as operações de cada organização são únicas, o
modelo tem de ser detalhado até ao nível 4.
O nível 4 define com detalhe as tarefas de cada actividade do nível 3. Estas tarefas e as suas interacções
são únicas a cada empresa ou organização. Este grau de detalhe é necessário para implementar e gerir a
cadeia de fornecimento no dia-a-dia. Só assim se conseguem definir as práticas que cada empresa deve
seguir para alcançar a vantagem competitiva e a capacidade de se adaptar ao mercado em constante
mudança.
Através da codificação dos processos, da identificação das métricas-chave de desempenho (kpi), e do
conhecimento das boas práticas, o SCOR poderá ser aplicado do seguinte modo:
 Processo de auditoria à gestão da cadeia de fornecimento – analisar uma cadeia de fornecimento
já estabelecida;
 Melhorar o desempenho de uma cadeia já estabelecida – partindo da estratégia, da visão e da
missão da empresa e dos objectivos que pretende alcançar, ou procurando anular os gaps
(lacunas) de desempenho existentes entre a SCM actual e o melhor da classe;

6
Por exemplo: P1 refere-se ao processo de gestão “planear a cadeia de fornecimento”, M2 ao fabrico por encomenda, S2 fornecimento de
produto feito por encomenda e RD1 à devolução de artigos com defeito. Ver figura 5.9 com um exemplo.
7
MTO – make to order (fabrico por encomenda) e MTS – make to stock (fabrico para stock).

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 20


Lean Supply Chain Management

 Desenhar de raíz uma cadeia de fornecimento, baseando-se nos processos-padrão fornecidos pelo
SCOR 9.0, na lista de kpi’s existente e nas boas práticas existentes.
O modelo SCOR pode ser utilizado para desenvolver mapas de processo que definem a estrutura da
cadeia de fornecimento e a sua subsequente utilização. Muitas organizações começam por definir um
mapa geográfico da sua cadeia de fornecimento e depois convertem-no a um mapa de processos, tal como
se mostra na figura 5.9.

P1 P1
P1

P2 P3 P4

P2 P3 P4 P2 P4

P5
Fornecedor
S2 M2 D2
na India

S2 M1 D1 S1 D1 S1

Outros
fornecedor S1 M1 D1 S1
es-chave.

RD1
RS1

Armazéns regionais
Fornecedores M- A “nossa empresa” Cliente
da “nossa empresa”
Prima s

Figura 5.9. Exemplo de um mapa de processos para a “nossa empresa”.

Utilizando os quatro níveis do modelo SCOR, uma empresa ou organização poderá de modo rápido e claro
descrever a sua cadeia de fornecimento. Uma cadeia de fornecimento que é descrita deste modo pode ser modificada
e configurada rapidamente respondendo prontamente às alterações de mercado.

A convergência entre o pensamento lean e o modelo SCOR.


A convergência entre o pensamento lean e o modelo SCOR poderá gerar grandes benefícios para a
moderna gestão da cadeia de fornecimento, ao contribuir para uma abordagem mais integral de todos os
aspectos relacionados com o fornecimento e a criação de valor.
SCOR orienta a sua atenção para a estratégia do negócio e alinhamento dos processos com esta. Por outro
lado, a preocupação pela tomada de decisão baseada em factos promovida pelo pensamento lean, à qual é
associada a preocupação em revelar as causas-raíz dos problemas e a orientação para a criação de valor
para o cliente-final, faz com que lean e SCOR se apresentem como importantes aliados na melhoria da
SCM.
SCOR apoia as empresas na execução de muitas das decisões “macro” que afectam a estrutura geral das
suas cadeias de fornecimento e, consequentemente, o desempenho destas. Lean complementa os pontos
fortes do SCOR, fornecendo uma abordagem de melhoria contínua. Enquanto que o modelo SCOR é
aplicado para análise ou a concepção da cadeia de fornecimento global, cada uma das empresas nela
inserida poderá aplicar o VSM para mapear os seus fluxos-chave (os quais são específicos a cada
empresa, e que o modelo SCOR exclui). Deste modo, é possível acrescentar um considerável detalhe ao
estudo que se faz da cadeia de fornecimento, ganhando assim um profundo conhecimento do modelo
actual (as-is) e do desenvolvimento do modelo futuro (to-be).
O nível 1 do modelo SCOR usa um conjunto de métricas para avaliar o desempenho da cadeia de
fornecimento e para fazer benchmarking com cadeias ou empresas concorrentes directas. Quando uma
empresa define a estratégia para a sua cadeia de fornecimento, está a fornecer uma indicação do
desempenho pretendido. É daqui que se definem as metas que se pretendem alcançar para cada kpi. A

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 21


Lean Supply Chain Management

tabela 5.2. descreve como o pensamento lean pode desempenhar um papel importante no alcande dos
kpi’s seleccionados.

Atributo Métrica (SCOR N1) Contributo Lean (exemplos)


Externo Fiabilidade Total satisfação do pedido Redução da variação dos
processos
Capacidade de Lead time de satisfação do Redução de tempos mortos.
Resposta pedido
Flexibilidade Flexibilidade da cadeia de Trabalho em células, colaboração
fornecimento entre fornecedores, etc.
Interno Custo Custos da SCM Redução de desperdícios (mudas)
Custos dos artigos vendidos Redução de mudas
Recursos Tempo de cash-to-cash Redução de mudas
Utilização de recursos Nivelamento (heijunka)
Capital imobilizado em WIP Redução de tempos e mudas

Tabela 5.2. Métricas e exemplos de contributos lean.

Torna-se evidente que o pensamento lean e o modelo SCOR são complementares e as suas fraquezas são
anuladas pelas forças convergentes. A esta associação poderá ainda juntar-se à metodologia six sigma,
discutida no capítulo 3.
Para as empresas que estão comprometidas com a melhoria do desempenho da sua cadeia de
fornecimento, a questão não se coloca em saber qual a abordagem a escolher mas sim por onde começar.
O autor recomenda começar com o modelo SCOR para perceber como funciona a cadeia de fornecimento,
depois recorrer ao apoio do pensamento lean para a discussão da estratégia, para “ouvir o cliente” e
perceber o que é tido como valor pelo cliente-final. Lean deverá ainda ser usado na identificação das não-
ligações entre elos da cadeia e revelar os mudas que inibem o desempenho da mesma. A figura 5.10. que
se segue representa a convergência entre lean e o modelo SCOR.

Figura 5.10. Convergência entre o pensamento lean e o modelo SCOR.

No decorrer dos projectos de melhoria contínua do desempenho da cadeia de fornecimento podem ser
usados os métodos e as ferramentas propostos pelo six sigma para a recolha e análise de dados.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 22


Lean Supply Chain Management

5.8. CONCLUSÃO
A gestão da cadeia de fornecimento é um dos aspectos estratégicos mais importantes de qualquer negócio,
por ser daqueles que mais contribui para a criação de valor junto do cliente-final. A conquista da gestão
da cadeia de fornecimento e a aplicação dos princípios lean thinking à sua gestão poderá resultar em
enormes ganhos para as empresas. Hoje reconhece-se que as áreas de maior crescimento e
empregabilidade, aquelas onde a possibilidade de criar valor é maior, se situam no domínio da supply
chain management. Alargar a implementação do lean thinking a toda a rede de clientes e fornecedores é,
pois, uma aposta vencedora para todas as organizações.
Uma cadeia lean define que uma cadeia bem concebida e operada deve: entregar os produtos rapidamente
ao cliente-final, com o mínimo de desperdício. Lean supply chain management não é “corrigir” o que
algumas pessoas fazem de errado. Lean tem tudo a ver com a identificação e eliminação do desperdício e
a criação de valor ao longo de toda a cadeia de fornecimento. Isto requer um esforço contínuo e uma
melhoria contínua de todos os parceiros da cadeia de fornecimento. Requer também uma visão holística
da cadeia e uma permanente preocupação em manter um fluxo contínuo de criação de valor e de riqueza
em todos os elos.
As empresas e as cadeias de fornecimento onde estão inseridas vão gradualmente descobrindo as
oportunidades que a filosofia lean thinking lhes cria. Acrescente-lhes a isto a necessidade de uma
abordagem global à gestão da cadeia de fornecimento, pondo de parte os modelos de optimização local e
os complexos sistemas de previsão da procura.
A adopção dos princípios e soluções lean management podem reduzir os tempos entre 10% a 40%,
reduzir inventários entre 20% to 50% e custos de 10% a 30%. A melhoria contínua pode gerar paybacks
muito significativos que vão além dos resultados no curto-prazo. Isto é uma vantagem significativa para o
retorno de investimentos e resultados no bottom line.
Neste capítulo foi ainda discutida a necessária convergência entre o pensamento lean e o modelo de
referência para a gestão da cadeia de fornecimento. SCOR e lean não estão em confronto mas sim em
colaboração na melhoria do desempenho da cadeia de fornecimento.

REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA

ANKLESARIA J, 2008. Supply chain cost management - the aim & drive_ process for achieving extraordinary results. AMACON
(USA)
BAUDIN, M. 2005. Lean logistics – the nuts and bolts of delivering materials and goods. Productivity Press.
BELL S, 2005. Lean enterprise systems: using IT for continuous improvement. John Wiley and Sons.
BOLSTORFF P e ROSENBAUM R, 2003. Supply chain excellence: a handbook for dramatic improvement using the SCOR model.
AMACON (USA) ISBN 0-8144-0730-7.
CHASE RB, JACOBS FR e AQUILANO NJ, 2006. Operations management for competitive advantage with global cases. McGraw
Hill International Edition.
COHEN S e ROUSSEL J, 2004. Strategic supply chain management: the five disciplines for top performance. McGraw-Hill
Professional, ISBN0071432175.
COIMBRA, E. 2003. Introdução à logística alternativa. Kaizen Forum 7 (Kaizen Institute Portugal).
DYER JH, 1996. How Chrysler created an American keiretsu. HBR, Julho.
FISHER ML, 1997.What is the right supply chain for your product? Harvard Business Review (Março-Abril).
HOPP W e SPEARMAN W, 2003. To pull or not to pull, what is the question? Factory Physics Inc, Texas USA.
HUGOS M, 2003. Essentials of supply chain management. John Wiley & Sons, Inc.
INMAN RA. 1993, Inventory is the flower of all evil. Production and inventory management, Vol. 34 No.4.
KLUG F. s/d. Synchronised automotive logistics: an optimal mix of pull and push principles in automotive supply networks. Munich
University of Applied Sciences, Germany.
KRAJEWSKI LH e RITZMAN LP. 2005. Operations management: processes and value chains. Pearson Prentice Hall.

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 23


Lean Supply Chain Management

LEVI DS et al. 2003. Designing and managing the supply chain. McGraw Hill International Higher Education
MILLER T. 2002. Hierarchical operations and supply chain planning. Springer-Verlag London Limited.
NASH MA e POLING SR, 2008. Mapping the total value stream - a comprehensive guide for production and transactional processes.
Taylor & Francis Group, LLC.
NISHIGUCHI T e BEAUDET A, 1998. The Toyota Group and the Aisin Fire. MIT Sloan Management Review, 40.
NOMURA J e TAKAKUWA S. 2006. Optimization of number of containers for assembly lines: the fixed-course pick up system.
Nagoya University, Japan.
PLENERT G, 2007. Reinventing lean - introducing lean management into the supply chain. Butterworth-Heinemann.
PINTO JPO, 2006. Gestão de operações na industria e serviços. Edições Lídel.
SADLER I, 2007. Logistics and supply chain integration. SAGE Publications Ltd.
SCC (Supply Chain Council), 2008. The SCOR reference model (9.0 version). Disponível em
http://www.scribd.com/doc/4780677/Supply-Chain-Operation-SCOR9 (visitado em Junho de 2009).
SLACK N, CHAMBERS S e JOHNSTON R. 2004, Operations Management, FT/Prentice Hall.
SPEARMAN ML e ZAZANIS MA, 1992. Push and pull production systems: issues and comparisons. Operational Research Vol40(3)
Maio-Junho.
STEVENSON WJ. 2002. Operations management. McGraw Hill International Edition.
TRENT RJ, 2007. Supply Management: Creating the Next Source of Competitive Advantage. J Ross Publishing ISBN1932159673.
WINCEL JP, 2004. Lean Supply Chain Management - A Handbook For Stategic Procurement. Productivity Press.
ZILSTRA KD. 2006. Lean distribution – applying lean manufacturing to distribution, logistics and supply chain. John Wiley & Sons

João Paulo Pinto – Comunidade Lean Thinking 24

Você também pode gostar