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RETINA

SUMÁRIO
1 Introdução....................................................................... 3
2. Retinopatia hipertensiva.......................................... 3
3. Retinopatia diabética...............................................14
4. Descolamento de retina.........................................24
5. Retinoblastoma.........................................................31
Referências Bibliograficas..........................................35
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1 INTRODUÇÃO Epidemiologia

A retina humana é uma estrutura al- A hipertensão arterial sistêmica (HAS)


tamente organizada, com capacida- é uma das doenças mais comuns dos
de de dar início ao processamento da adultos e é classificada em vários gru-
informação visual antes que ela seja pos. Apenas a hipertensão essencial
transmitida através do nervo óptico (primária) e maligna são relevantes
para o córtex visual. Este órgão com- para a discussão da retinopatia hi-
plexo pode abrigar diversos acometi- pertensiva. A hipertensão essencial
mentos oculares. Este SuperMaterial é de etiologia desconhecida e é diag-
abordará as principais retinopatias nosticada quando a pressão arterial
da prática médica. média atinge valores >140 mmHg
de pressão arterial sistólica e/ou > 90
mmHg, de diastólica. A hipertensão
2. RETINOPATIA maligna é uma doença rara que afeta
HIPERTENSIVA 1% da população hipertensa, ocor-
A retinopatia hipertensiva (RH) re- rendo quando a pressão arterial sis-
presenta os achados oftalmológicos tólica é ≥200 mmHg e a diastólica é
secundários à hipertensão arterial ≥130 mmHg. A hipertensão maligna
sistêmica. Embora seu nome impli- persistentemente elevada leva a um
que apenas envolvimento da retina, curso fatal já que culmina na insufi-
são observadas alterações tanto na ciência cardíaca, infarto do miocárdio,
coróide quanto no nervo óptico, de- acidente vascular cerebral ou insufici-
pendendo da cronicidade e gravidade ência renal.
da doença. Nos Estados Unidos, cerca de 25% de
Alterações oculares na hipertensão todos os adultos e 60% dos indivídu-
maligna podem ser mais notáveis, os acima de 60 anos são hipertensos.
com edema de papila, áreas de infar- Os negros têm uma prevalência mais
to na coróide e retinopatia. As alte- alta que os brancos, e os homens são
rações da hipertensão crônica são mais afetados do que as mulheres até
mais sutis, afetando principalmente os 50 anos; a partir desta idade, as
a vasculatura da retina. Como a hiper- mulheres têm uma prevalência mais
tensão é tão prevalente, a retinopatia alta. A maioria dos pacientes perma-
hipertensiva acaba sendo encontrada nece sem diagnóstico ou em trata-
por todos os oftalmologistas e profis- mento inadequado, apesar da relativa
sionais de saúde. facilidade de detecção.
A incidência de alterações hiper-
tensivas da retina é variável e
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frequentemente mascarada pela pre- renal, que pode ser curada com a cor-
sença de outras doenças vasculares reção da doença subjacente.
da retina, como a retinopatia diabé- A patogênese da hipertensão ma-
tica. No Beaver Dam Eye Study, que ligna, da mesma forma que a hiper-
avaliou pacientes hipertensos sem tensão essencial, é desconhecida.
doenças vasculares coexistentes, a Postula-se que há superatividade do
incidência de retinopatia hipertensiva sistema renina-angiotensina-aldos-
foi de cerca de 15%; especificamente, terona, com altos níveis plasmáticos
8% apresentaram retinopatia, 13% de renina e de angiotensina como
apresentaram estreitamento arterio- causa subjacente.
lar e 2% apresentaram cruzamentos
arteriovenosos. O valor preditivo do A resposta primária das arteríolas
diagnóstico de hipertensão arterial retinianas à hipertensão sistêmica
sistêmica a partir dos achados oftal- é o estreitamento (vasoconstrição).
mológicos no exame foi de apenas Entretanto, a intensidade de estrei-
47-53%, demonstrando que a medi- tamento depende da quantidade de
da da pressão arterial é o meio mais fibrose de substituição preexistente
preciso para diagnosticar a hiperten- (esclerose involucional). Por esta razão,
são arterial sistêmica. o estreitamento por hipertensão só é
visto em sua forma pura em indivídu-
os jovens. Nos pacientes mais velhos,
Fisiopatologia e fatores de risco a rigidez das arteríolas devido à escle-
rose involucional evita o mesmo grau
Hereditariedade e fatores ambientais
de estreitamento visto nos indivíduos
têm sido implicados na patogênese
mais jovens. Na hipertensão mantida,
da hipertensão essencial e, conse-
a barreira hemato-retiniana é rompida
quentemente, da retinopatia hiper-
em pequenas áreas, com aumento da
tensiva. Nos idosos, um aumento no
permeabilidade vascular. O quadro de
tônus basal ​​da musculatura lisa ocor-
fundo da retinopatia hipertensiva é ca-
re como resultado da hiperatividade
racterizado, portanto, por essas altera-
simpática e da ativação do sistema
ções que serão vistas a seguir.
renina-angiotensina-aldosterona.
Outros fatores incluem sensibilidade A retinopatia hipertensiva, assim
ao sal, baixo cálcio sistêmico e resis- como a HAS, é mais frequente em
tência à insulina com hiperinsuline- negros do que em brancos, na pro-
mia, etc. A hipertensão secundária é porção de 2:1. Os efeitos da HAS po-
devida a uma causa identificável, ge- dem acometer o nervo óptico, a retina
ralmente relacionada a uma alteração e a coroide, podendo ser observados
na secreção hormonal ou na função tanto na oftalmoscopia quanto na
angiografia.
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Manifestações Clínicas da RH estreitamento, tortuosidade e um au-


mento do reflexo luminoso arteriolar
A aparência do fundo de olho na re-
(Figura 1). O estreitamento ou cons-
tinopatia hipertensiva é determina-
trição arteriolar difusa, que ocorre de-
da pelo grau de elevação da pressão
vido ao vasoespasmo e ao aumento
arterial e pelo estado das arteríolas
do tônus vascular, é a característi-
retinianas.
ca mais marcante e precoce da RH
Retinopatia Hipertensiva crôni- crônica, embora possa ocorrer uma
ca: Pacientes com retinopatia hiper- resposta vasoespástica à hiperten-
tensiva crônica geralmente são as- são aguda. A redução no calibre vas-
sintomáticos. Na fundoscopia, os cular leva à diminuição da razão entre
achados arteriolares comuns incluem o calibre arteriolar e o venular, que
normalmente é de 2:3.

Figura 1. Retinopatia hipertensiva. Note uma diminuição difusa do calibre arteriolar e os


cruzamentos arteriovenosos patológicos (setas). Fonte: Alves (2013)
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O cruzamento arteriovenoso (AV) é (Figura 2). Se o fluxo sanguíneo ve-


a marca registrada da retinopatia hi- noso for interrompido pela compres-
pertensiva e ocorre nos locais em que são arteriolar, a veia distal a este pon-
a arteríola cruza e comprime a vênula to se torna dilatada e tortuosa.

Figura 2. Cruzamentos arteriovenosos patológicos da RH. Fonte: Kanski (2004)

Sinais adicionais de estase venosa, fundoscopia são divididos em três


como hemorragias retinianas, edema categorias distintas: retinopatia, co-
macular e manchas de algodonosas roidopatia e neuropatia óptica. To-
podem estar presentes. As complica- dos os três ocorrem devido à cons-
ções adicionais da RH incluem a do- trição de leitos vasculares arteriais a
ença oclusiva venosa e macroaneu- partir da liberação de catecolaminas
rismas. As colaterais venosas estão circulantes.
presentes após a resolução espontâ- Na retinopatia, há obstrução das ar-
nea da obstrução venosa e represen- teríolas da retina com manchas al-
tam desvio de sangue através da rafe godonosas resultantes próximas ao
horizontal. nervo óptico, exsudatos lipídicos na
Retinopatia Hipertensiva Maligna: mácula, edema macular, hemorragias
Os sintomas da hipertensão malig- retinianas e hemorragias da camada
na incluem cefaleia, escotomas, di- de fibras nervosas na região peripa-
plopia, diminuição da acuidade visual pilar (Figura 3). Os transudatos in-
e fotopsias. Os achados clínicos na tra-retinianos são lesões retinianas
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brancas bronzeadas nas proximida- identificados na angiografia e se re-


des de uma arteríola. As lesões me- solvem sem dano residual da retina
dem cerca de um quarto da área do em duas a três semanas. O edema
disco, mas podem ser clinicamente macular e o líquido sub-retiniano são
maiores, pois se fundem com lesões achados da retina relacionados a al-
adjacentes. Os transudatos intra-reti- terações coroidais hipertensivas que
nianos ocorrem secundários às áreas afetam o epitélio pigmentar da retina
focais de extravasamento arteriolar (EPR), com alterações na a barreira
hemato-retiniana.

Figura 3. RH grave. Presença de hemorragias em chama de vela, exsudatos algodonosos e


estrela macular. Fonte: Alves (2013)

A coroidopatia hipertensiva causa de Elschnig são lesões pontiagudas


infarto e danos às células do EPR com e branco-bronzeadas que extrava-
transudação ocasional de líquido para sam na fluoresceína e na angiogra-
o espaço sub-retiniano em respos- fia de indocianina verde por conta da
ta ao aumento da pressão nos vasos quebra na barreira hemato-retiniana.
coroidais. A oclusão focal do corioca- Alterações pigmentares difusas com
pilar leva a necrose e atrofia do EPR, atrofia dão uma aparência mosquea-
formando manchas de Elschnig (Fi- da na oftalmoscopia.
gura 4). Agudamente, as manchas
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Figura 4. Infartos coroidais (Manchas de Elschnig). Fonte: Yanoff & Duker (2014)

Com o tempo, as lesões focais do sub-retiniano se acumula com a for-


EPR tornam-se confluentes e mais mação de edema macular e descola-
extensas. As configurações lineares mentos serosos da retina, que podem
de pigmentação ao longo das artérias estar limitados à mácula ou pode ser
coroidais são conhecidas como Li- bolhosos com deslocamento do líqui-
nhas de Siegrist (Figura 5). O líquido do sub-retiniano.

Figura 5. Linhas de Siegrist. Fonte: Kanski (2004)


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A neuropatia óptica hipertensiva posteriores que suprem a cabeça do


se apresenta clinicamente como ede- nervo óptico, resultante da liberação
ma do disco (Figura 6). O edema de de angiotensina II e outros agentes
disco grave é uma característica pro- vasoconstritores. A isquemia ocorre
eminente e pode ser acompanhado no nervo óptico, levando à estase do
de uma estrela macular de exsuda- fluxo axoplasmático, que é uma for-
tos duros (Figura 3). Isso ocorre pela ma de neuropatia óptica isquêmica
vasoconstrição das artérias ciliares anterior.

Figura 6. Edema de disco, exsudato, hemorragia retiniana, dilatação venosa, estreitamento das
arteríolas, manchas de Elschnig e linhas de Siegrist estão presentes. Fonte: Yanoff & Duker (2014)

Diagnóstico e Classificação
SE LIGA! No contexto da RH, a diminui-
ção da acuidade visual se deve à atrofia O diagnóstico da RH é clínico, realiza-
do nervo óptico (no caso da RH crôni- do quando as alterações vasculares,
ca) ou decorre de hemorragias, descola- coroidais ou ópticas retinianas carac-
mento de retina ou de oclusões venosas
(RH maligna)
terísticas são visualizadas na biomi-
croscopia com lâmpada de fenda.
O teste auxiliar mais importante
é a medição da pressão arterial
para garantir o diagnóstico correto e
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descartar outras doenças com qua- Pode haver atraso irregular no preen-
dros clínicos semelhantes. chimento coroidal, seguido por extra-
A angiografia com fluoresceína vasamento tardio dos vasos coroidais
pode ser usada, mas não é crucial para o espaço sub-retiniano quan-
para o diagnóstico. Na angiografia, do uma coroidopatia está presente.
as alterações da retina podem incluir Quando ocorre neuropatia óptica is-
não-perfusão capilar, microaneuris- quêmica, ocorre extravasamento de
mas com extravasamentos e bloqueio um nervo óptico inchado.
de hemorragias retinianas (Figura 7).

Figura 7. Angiografia com fluoresceína. Ausência de perfusão capilar em áreas de manchas algodonosas. Observar a
hipofluorescência da hemorragia intrarretiniana, causada pelo bloqueio. Fonte: Yanoff & Duker (2014)

Vários esquemas de classificação dos achados clínicos. Eles são de va-


têm sido utilizados para representar lor histórico apenas e não são usa-
as alterações hipertensivas da retina. dos clinicamente.
​​ São de maior valor
Dentre estes esquemas, a Tabela 1 as descrições precisas dos achados
traz a Classificação de Keith-Wage- oculares e documentação de pressão
ner-Barker. Nenhuma classificação é arterial elevada.
satisfatória devido à alta variabilidade
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Grupo I Estreitamento arteriolar e alteração do reflexo arteriolar leves

Estreitamento arteriolar e alteração do reflexo arteriolar mais acentuado e cruzamento


Grupo II
arteriovenoso
Grupo III Alterações do Grupo II, hemorragia retiniana e exsudatos
Grupo IV Alterações do Grupo III e papiledema
Tabela 1. Classificação de Keith-Wagener-Barker

A tomografia de coerência óptica transversais da retina e acompanhar


pode ser usada para avaliar imagens coleções de líquido sub-retiniano
quando a coroidopatia está presente.

SAIBA MAIS!
O diagnóstico diferencial a Retinopatia Hipertensiva crônica envolve as seguintes retinopatias:
• Retinopatia diabética
• Obstrução venosa da retina
• Síndromes de hiperviscosidade
• Tortuosidade arterial congênita da retina hereditária
• síndrome isquêmica ocular
• Retinopatia por radiação.

Já no caso da Retinopatia Hipertensiva maligna, o diagnóstico diferencial envolve:


• Coriorretinopatia serosa central bolhosa bilateral
• Obstrução bilateral da veia central retiniana
• Doenças vasculares do colágeno
• Retinopatia diabética (especialmente no contexto da papilopatia diabética)

Tratamento O tratamento da retinopatia hiper-


tensiva maligna, da coroidopatia e da
A retinopatia hipertensiva crônica ra-
neuropatia óptica consiste em reduzir
ramente resulta em perda significati-
a pressão sanguínea de maneira con-
va da visão. O tratamento da condição
trolada para um nível que minimize
sistêmica subjacente pode interrom-
os danos nos órgãos-alvo. O nível da
per o progresso das alterações da re-
pressão arterial é menos importante
tina, mas o estreitamento arteriolar e
na avaliação da urgência da situação
o cruzamento AV são permanentes.
do que o dano ao órgão-alvo em si.
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Em pacientes hipertensos, o meca- monitorado sob os cuidados de um


nismo autoregulatório que mantém médico especialista no uso de medi-
o fluxo sanguíneo constante para os camentos anti-hipertensivos.
tecidos é “reprogramado” a um nível Do ponto de vista sistêmico, o diag-
mais alto. Isso permite a tolerância a nóstico de uma crise hipertensiva
pressões mais altas e, a redução da maligna representa uma emergên-
pressão abaixo do intervalo regula- cia médica. Não tratada, a taxa de
tório, pode diminuir o fluxo sanguí- mortalidade é de 50% em 2 meses
neo adequado para os órgãos vitais. e 90% em 1 ano. A maioria dos pa-
Portanto, a pressão arterial deve ser cientes retoma a visão normal. Nas
reduzida de forma lenta e controlada. raras ocasiões em que ocorre perda
Um declínio muito rápido pode levar da visão, isso pode resultar de altera-
à isquemia do nervo óptico, cérebro ções pigmentares da retina secundá-
e outros órgãos vitais, resultando em rias ao descolamento da retina ou de
dano isquêmico permanente. O trata- atrofia óptica devido ao papiledema
mento deve ser iniciado em ambiente prolongado.
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MAPA MENTAL RETINOPATIA HIPERTENSIVA

Fisiopatologia: A resposta
primária das arteríolas retinianas
à hipertensão sistêmica é o
estreitamento (vasoconstrição).

Além do envolvimento da retina, Representa os achados O tratamento da condição sistêmica


são observadas alterações tanto oftalmológicos subjacente pode interromper o progresso
RETINOPATIA
na coróide quanto no nervo secundários à das alterações da retina, mas o
HIPERTENSIVA
óptico, dependendo da cronicidade hipertensão estreitamento arteriolar e o cruzamento
e gravidade da doença arterial sistêmica AV são permanentes

Epidemiologia: Em estudos com pacientes


hipertensos sem doenças vasculares
Manifestações Clínicas
coexistentes, a incidência de retinopatia
hipertensiva foi de cerca de 15%

Geralmente são assintomáticos. Na fundoscopia, os


achados arteriolares comuns incluem estreitamento, tortuosidade RH Crônica
e um aumento do reflexo luminoso arteriolar

Os sintomas da hipertensão maligna incluem cefaleia,


escotomas, diplopia, diminuição da acuidade visual e fotopsias
RH Maligna
Na Fundoscopia, há obstrução das arteríolas com
manchas algodonosas resultantes, exsudatos lipídicos na
mácula, edema macular e hemorragias O cruzamento AV é
a marca registrada da
retinopatia hipertensiva
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3. RETINOPATIA Epidemiologia
DIABÉTICA Cerca de 1 a 3% da população mun-
Diabetes mellitus (DM) é uma altera- dial está acometida pela DM. Segun-
ção metabólica comum caracterizada do dados da Sociedade Brasileira de
por hiperglicemia crônica de gravida- Diabetes, a prevalência do DM na po-
de variável, secundária à falta, dimi- pulação brasileira com idade entre 30
nuição da eficácia, ou ambas, da insu- e 69 anos é de 7,6%. Aproximada-
lina endógena. De acordo com dados mente 85% dos casos se manifestam
recentes da Organização Mundial da após os 40 anos de idade, e apenas
Saúde (OMS), aproximadamente 150 5% antes dos 20 anos.
milhões de pessoas são atualmente A RD ocorre em quase todos os pa-
afetadas pela DM, número este que cientes com DM tipo 1 e em mais de
pode duplicar até o ano 2025. Este 60% dos pacientes com DM tipo 2
aumento ocorrerá em grande parte
nos países em desenvolvimento, es-
pecialmente devido a fatores como Fatores de Risco
crescimento populacional, envelheci- Duração da DM é o mais importan-
mento, dietas inadequadas, obesida- te: Em pacientes com DM diagnos-
de e sedentarismo, além da redução ticada antes da idade de 30 anos, a
nos valores de glicemia de jejum atu- incidência de RD após 10 anos é de
almente adotados para o diagnóstico 50% e após 30 anos, 90%. A RD ra-
do DM. ramente se desenvolve antes de 5
A DM é a causa mais frequente de anos do início da doença ou antes da
cegueira nos países industrializa- puberdade. Porém, cerca de 5% dos
dos entre as populações ativas, cor- diabéticos tipo 2 têm RD no momen-
respondendo a 30% dos pacientes to do seu diagnóstico. Isto acontece
cegos. As alterações oculares que por conta do diagnóstico geralmente
podem conduzir à cegueira no DM tardio da DM tipo 2.
são: Retinopatia Diabética (RD; Controle metabólico ineficiente: É
70%), catarata, glaucoma e neurof- menos importante do que a duração
talmopatia. A RD constitui a princi- da DM, mas, apesar disso, é impor-
pal complicação do DM e parece se tante para o desenvolvimento e pro-
desenvolver como afecção de cau- gressão da RD.
sa multifatorial, a exemplo de ou-
Gravidez: Ocasionalmente está as-
tras complicações tardias diabéticas,
sociada à progressão rápida da RD.
como a arteriopatia, a neuropatia e a
Fatores predisponentes incluem con-
nefropatia.
trole precário do DM na gravidez,
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controle abruptamente rigoroso no é responsável pela catarata observa-


início da gravidez e o desenvolvimen- da em crianças.
to de pré-eclâmpsia e desequilíbrio Como a aldose redutase também é
hídrico. encontrada em alta concentração
Hipertensão arterial sistêmica: Se em pericitos da retina e células de
mal controlada, está associada à piora Schwann, alguns pesquisadores su-
da RD e desenvolvimento de retino- gerem que a RD e a neuropatia po-
patia diabética proliferativa (RDP) dem ser causadas por dano mediado
tanto na DM tipo 1 quanto no tipo 2. pela aldose redutase. Apesar desses
Nefropatia: Se grave, está associada achados teóricos, os ensaios clínicos
à piora da RD. Ao contrário, o trata- até agora falharam em mostrar uma
mento da doença renal (por exemplo, redução na incidência de RD ou neu-
transplante renal) pode estar associa- ropatia com o uso de inibidores da al-
do à melhora da retinopatia e a uma dose redutase, possivelmente porque
melhor resposta à fotocoagulação. um inibidor eficaz da aldose redutase,
com poucos efeitos colaterais sistê-
Outros fatores de risco: Incluem o ta- micos, ainda não foi desenvolvido.
bagismo, a obesidade e a dislipidemia.
Fatores Vasoproliferativos: O epité-
lio da retina e do pigmento retiniano
Fisiopatologia libera fatores vasoproliferativos, como
A via metabólica final que causa RD é o VEGF, que induzem neovasculari-
desconhecida. Existem várias teorias zação. O VEGF tem um papel direto
que não são mutuamente exclusivas. nas anormalidades vasculares da re-
tina proliferativa encontradas na DM.
Aldose Redutase: A aldose redutase Modelos animais demonstraram que
converte açúcares em seus álcoois. a expressão do VEGF se correlaciona
Por exemplo, a glicose é convertida com o desenvolvimento e a regressão
em sorbitol e a galactose é convertida da neovascularização.
em galactitol. No entanto, o sorbitol
e o galactitol não podem se difundir A concentração de VEGF no humor
facilmente para fora das células; por aquoso e no vítreo se correlaciona di-
conta disto, resulta-se o aumento das retamente com a gravidade da retino-
suas concentrações intracelulares. patia. O VEGF é um potente fator de
As forças osmóticas resultantes, en- vasoperabilidade e é responsável pelo
tão, fazem com que a água se difun- edema macular diabético (EMD).
da para a célula. O dano resultante às Ensaios clínicos demonstraram efi-
células epiteliais do cristalino, que têm cácia de tratamentos anti-VEGF
alta concentração de aldose redutase, para (EMD). Existem outras citocinas
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vasoativas liberadas em olhos diabé- A doença passa por um período as-


ticos. Estes incluem o fator de cresci- sintomático no qual se deve proceder
mento transformador-β (TGFβ) e fator ao diagnóstico e ao tratamento com o
de crescimento do tecido conjuntivo objetivo de evitar alterações irreversí-
(CTGF). veis. São recomendados exames pe-
O componente inflamatório resulta riódicos e rastreamento de doenças
da ativação de macrófagos e comple- oculares por médico oftalmologista, já
mento. Deposição extensa e densa de que diagnóstico e tratamento preco-
C5b-9, bem como de vitronectina, fo- ces proporcionam melhores resulta-
ram encontradas na matriz conjuntiva dos visuais, menor custo econômico e
dos coriocapilares. Acredita-se que a social, além de melhor prognóstico em
ativação do complemento resulte em longo prazo.
aumento de neutrófilos, os quais cau- Em pacientes com diabetes tipo 2, a
sam danos endoteliais. Lipídios e pro- avaliação oftalmológica deve ser re-
teínas vazam dos capilares. A depo- alizada imediatamente após o diag-
sição da matriz extracelular pode ser nóstico. Já naqueles com diabetes
desencadeada pelos efeitos da cascata tipo 1, recomenda-se começar as
do complemento nas células vizinhas avaliações após 3 a 5 anos do início
e resultar no espessamento dos corio- do diabetes ou depois do início da
capilares e da membrana de Bruch. A puberdade. Gestantes com diabetes
inflamação, portanto, desempenha um devem realizar exame oftalmológico
papel no edema macular e na retino- desde o início da gravidez. Os princi-
patia diabética. Acredita-se que o EMD pais sintomas são visão embaçada,
de longa data possa ter mais compo- perda de visão e distorção das ima-
nente inflamatório e ser mais respon- gens, entretanto os pacientes podem
sivo aos esteroides, já que os mesmos ser assintomáticos.
são também antiangiogênicos. Exame oftalmológico completo deve
Plaquetas e viscosidade do sangue: ser realizado em todos os pacientes
A DM está associada a anormalidades com diabetes por médico oftalmolo-
da função plaquetária. Foi postulado gista especializado, para verificação
que anormalidades plaquetárias ou al- da melhor acuidade visual corrigida
terações na viscosidade do sangue em e realização de mapeamento de reti-
diabéticos podem contribuir para a RD, na sob midríase medicamentosa por
causando oclusão capilar focal e áreas oftalmoscopia binocular indireta, bio-
focais de isquemia na retina. microscopia em lâmpada de fenda e
Diagnóstico e lesões elementares tonometria.
da RD
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As avaliações devem ser regulares, de no início, podendo evoluir para evi-


acordo com o tipo e a gravidade das dente ingurgitamento venoso e tor-
alterações retinianas de cada paciente. tuosidade vascular. Outro importante
Gestação, puberdade e melhora rápida achado fundoscópico, as hemorragias
do controle glicêmico, em alguns pa- intrarretinianas profundas, aparecem
cientes cronicamente mal controlados, como hemorragias puntiformes ou em
podem acelerar a evolução da RD e do borrões. As hemorragias pequenas se
edema macular. parecem com microaneurismas, po-
O exame fundoscópico através de rém suas bordas são mais irregulares.
lentes condensadoras (20, 78 e 90 Hemorragias superficiais, em forma de
dioptrias) constitui ainda hoje o melhor chama de vela, também podem ocor-
método diagnóstico da RD. Na presen- rer. Na angiografia, essas hemorragias
ça da doença, a angiografia fluores- aparecem como hipofluorescências
ceínica contribui sobremaneira como por bloqueio que se mantêm durante
guia para o tratamento e o acompa- todo o exame.
nhamento da evolução após o mesmo. Na RDNP, podem ocorrer também
Clinicamente, a RD é dividida em dois exsudatos duros ou algodonosos. Os
tipos: a retinopatia diabética não exsudatos duros ocorrem como depó-
proliferativa (RDNP) e a retinopatia sitos isolados, agrupados em forma de
diabética proliferativa (RDP), evolu- anel, placas ou estrela macular e de-
ção mais grave da primeira que apre- rivam do extravasamento plasmático
senta como diferencial o surgimento dos microaneurismas. As manchas
de neovasos retinianos. algodonosas, por sua vez, são mais
frequentes ao redor do nervo óptico e
Caracteristicamente, a primeira ma- correspondem ao sofrimento isquêmi-
nifestação clínica da RDNP são os co retiniano em zonas de não perfusão
microaneurismas, que aparecem capilar, que aparecem à angiografia
como pequenos pontos vermelhos e como hipofluorescências.
arredondados (Figura 8). Seu núme-
ro e tamanho aumentam progressi- Alterações arteriolares, descritas como
vamente com a evolução da doença, alterações microvasculares intrarreti-
aparecendo primeiro no polo posterior nianas (IRMA), apresentam-se como
e, depois, na média periferia. Na angio- capilares intrarretinianos dilatados,
grafia, aparecem como pontos hiper- retorcidos e com calibre irregular, e
fluorescentes nas fases venosas pre- podem ser considerados um sinal de
coces (Figura 9). agravamento da doença.
A dilatação venosa difusa é outra al-
teração precoce, de difícil diagnóstico
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Figura 8. Retinopatia diabética não proliferativa com microaneurismas. Fonte: Yanoff & Duker (2014)

Figura 9. Angiografia de fluoresceina. Os microaneurismas da RD são vistos como múltiplos


pontos de hiperfluorescência. Fonte: Yanoff & Duker (2014)
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Áreas isquêmicas da retina podem através da angiografia, onde o ex-


ocorrer ao longo da RDNP e podem travasamento de contraste (leakage)
ser identificadas na angiografia (hipo- identifica os neovasos. Os neovasos
fluorescência por má perfusão). Este podem ocorrer no disco óptico (NVD)
achado é denominado de maculo- ou em qualquer outra região (NVE).
patia diabética isquêmica quando Na RDP, a proliferação fibroneovas-
acomete a área macular, sendo me- cular se estende ao longo da superfí-
lhor avaliada durante as fases de en- cie da retina em três estágios de de-
chimento arterial da angiografia. As senvolvimento: 1) fase inicial, com
obstruções do leito capilar perifoveal neovasos finos sem tecido fibroso; 2)
aparecem como anormalidades da aumento dos neovasos, em exten-
zona avascular foveal (ZAF) e incluem são e calibre, com formação do com-
aumento da ZAF, margem irregular ponente fibroso; 3) progressão dos
da ZAF e alargamento dos espaços neovasos ao longo da hialoide pos-
intercapilares perifoveais. terior com proliferação fibrovascular
(PFV) intensa. Quando ocorre desco-
O espessamento (edema) intrarreti-
lamento parcial do vítreo posterior, a
niano é causado por disfunções da
tração dos neovasos através da PFV
barreira hematorretiniana interna.
pode resultar em hemorragia vítrea
As células endoteliais de microaneu-
ou pré-retiniana. A PFV progressiva
rismas, capilares e arteríolas tornam-
leva a outras complicações tracionais,
-se permeáveis, promovendo extra-
como descolamento de retina tracio-
vasamento plasmático depositado no
nal e heterotropia macular.
espaço intersticial. O edema macular
diabético (EMD) é a principal compli- Além disso, podem ocorrer rasgos
cação desse extravasamento e será tracionais na retina, com consequen-
abordado posteriormente. te descolamento regmatogênico. A
contínua progressão dos neovasos
Os neovasos apresentam-se como
pode alcançar a câmara anterior, com
capilares dilatados, retorcidos, aglo-
neovascularização da íris e invasão
merados em tufos (Figura 10). Pode-
do trabeculado, levando ao quadro de
mos identificá-los à oftalmoscopia e
glaucoma neovascular.
diferenciá-los na fase inicial da IRMA
RETINA 20

Figura 10. Retinopatia diabética proliferativa com neovasos de papila. Fonte: Alves (2013)

SAIBA MAIS!
O diagnóstico diferencial da retinopatia diabética engloba:
• Retinopatia por radiação
• Retinopatia hipertensiva
• Obstrução venosa da retina
• Síndrome isquêmica ocular
• Anemia
• Leucemia
• Doença de Coats
• Telangiectasia retiniana justafoveal idiopática
• Retinopatia falciforme
RETINA 21

Classificação da RD crescentes de gravidade, conforme o


risco de progressão para as formas
A classificação da RD é baseada em
proliferativas. A Tabela 2 resume a
achados fundoscópicos, em estágios
classificação e o prognóstico.

CLASSIFICAÇÃO FUNDOSCOPIA PROGNÓSTICO


Múltiplos microaneurismas e/ou 1% desenvolverá RDP com caracte-
RDNP leve hemorragias intrarretinianas leves rísticas de alto risco em 1 ano, 15%
em menos de 4 quadrantes após 5 anos
3% desenvolverão RDP com ca-
Mais achados que a leve, porém
RDNP moderada racterísticas de alto risco em 1 ano,
sem critérios para grave
27% após 5 anos
Microaneurismas e/ou hemorragias
intrarretinianas graves em 4 qua-
15% desenvolverão RDP com ca-
drantes ou ingurgitamento venoso
RDNP grave racterísticas de alto risco em 1 ano,
em 2 ou mais quadrantes ou pre-
56% após 5 anos
sença de IRMA moderada em 1 ou
mais quadrantes
45% desenvolverão RDP com ca-
2 ou mais características de RDNP
RDNP muito grave racterísticas de alto risco em 1 ano,
grave
72% após 5 anos
RD proliferativa Presença de neovasos  
Tabela 2. Classificação e prognóstico da Retinopatia Diabética. Fonte: Alves (2013)

SAIBA MAIS!
A periodicidade recomendada para o acompanhamento oftalmológico do paciente diabético
depende das alterações encontradas na fundoscopia. No caso de ausência de RD, ausên-
cia de edema macular ou RDNP leve, o acompanhamento deve ser anual. Se houver RDNP
moderada ou edema macular não clinicamente significativo, o acompanhamento passa a ser
semestral. No caso de RDNP severa, edema macular clinicamente significativo ou RDP, o
acompanhamento deve ser mensal/trimestral.

Tratamento intravítreo de polímero farmacoló-


gico de liberação controlada e ci-
De acordo com o estágio da doença,
rurgia vitreorretiniana (vitrectomia
o tratamento pode ser realizado com
via pars plana, endolaser/endodiater-
um ou mais dos seguintes métodos:
mia, membranectomia, troca fluido-
fotocoagulação a laser, farmaco-
-gasosa, infusão de gás expansor e
modulação com antiangiogêni-
implante de silicone intravítreo).
co, infusão intravítrea de medica-
mento anti-inflamatório, implante
RETINA 22

Essas modalidades terapêuticas dis- O controle da doença é avaliado pela


põem de ampla sustentação científi- acuidade visual, pelo estadiamento
ca na literatura médica. Sua utilização da classificação da RD e pela análise
acarreta redução significativa do risco dos exames complementares: reti-
de perda visual grave e de ceguei- nografia simples, retinografia flu-
ra, além de proporcionar ganhos de orescente e tomografia de coerên-
acuidade visual em parcela significa- cia óptica da retina. Há necessidade
tiva dos pacientes. Os tratamentos de repetir os exames complementa-
serão aplicados quantas vezes forem res múltiplas vezes durante o acom-
necessários ao longo do acompanha- panhamento do paciente, de acordo
mento do paciente, até que se atinja o com a indicação médica.
controle da RD.
RETINA 23

MAPA MENTAL RETINOPATIA DIABÉTICA

Fatores de risco: Os principais são a


duração da DM; controle metabólico
ineficiente; gravidez; HAS; e nefropatia

Fisiopatologia: Existem várias teorias


que não são mutuamente exclusivas: ação da
aldose redutase; fatores vasoproliferativo
A DM é a causa mais e inflamação; e alteração plaquetária e na
frequente de cegueira nos viscosidade do sangue
países industrializados.
As alterações oculares que
podem conduzir à cegueira
no DM são: Retinopatia De acordo com o estágio da doença, o
Diabética (70%), Representa os achados
RETINOPATIA tratamento pode ser realizado com um ou mais
catarata, glaucoma oftalmológicos secundários
DIABÉTICA dos seguintes métodos: fotocoagulação a laser,
e neuroftalmopatia. hiperglicemia crônica
farmacomodulação com antiangiogênico, etc.

Epidemiologia: Em pacientes com DM diagnosticada antes da idade de


Fundoscopia
30 anos, a incidência de RD após 10 anos é de 50% e após 30 anos, 90%

A contínua progressão dos neovasos pode alcançar a


câmara anterior, com neovascularização da íris e invasão do
trabeculado, levando ao quadro de glaucoma neovascular
RDP
Os neovasos apresentam-se como capilares
dilatados, retorcidos, aglomerados em tufos

A primeira manifestação clínica da RDNP são os microaneurismas, que


aparecem como pequenos pontos vermelhos e arredondados. Hemorragias RDNP
superficiais, em forma de chama de vela, também podem ocorrer
RETINA 24

4. DESCOLAMENTO DE ser relatadas como consequência de


RETINA vitreíte associada. O defeito de cam-
po visual pode aparecer subitamente
O descolamento de retina é a se-
e progredir rapidamente. Em alguns
paração da retina sensorial, ou seja,
casos, como os provocados pela do-
fotorreceptores e camadas teciduais
ença de Harada, ambos os olhos são
internas, do epitélio pigmentar da re-
envolvidos simultaneamente.
tina subjacente. Existem dois tipos:
descolamento regmatogênico e o
descolamento não-regmatogênico Descolamento de retina
(pode ser do tipo tracional e seroso regmatogênico
ou hemorrágico).
O tipo mais comum de descolamento
Os sintomas premonitórios clássi- de retina, o descolamento regmato-
cos relatados por cerca de 60% dos gênico, caracteriza-se por uma rup-
pacientes com DR regmatogênico tura na retina sensorial de espessura
espontâneo são flashes luminosos total (um “regma”), graus variáveis de
(fotopsia) e a presença de moscas tração vítrea e passagem de vítreo
volantes (entomopsias), associados liquefeito através da ruptura para
ao descolamento do vítreo posterior o espaço sub-retiniano (Figura 11).
(DVP) em olhos com gel vítreo lique- Um descolamento de retina regmato-
feito. Após um período variável de gênico espontâneo geralmente é pre-
tempo, o paciente percebe um defei- cedido ou acompanhado por um des-
to relativo de campo visual periféri- colamento de vítreo posterior e está
co que pode progredir, envolvendo a associado a miopia, afacia, degene-
visão central. ração lattice e traumatismo ocular.
No caso do descolamento tracional,
fotopsia e moscas volantes estão ge- CONCEITO! Afacia é a ausência, con-
ralmente ausentes, porque a tração gênita ou não, do cristalino.
vitreorretiniana desenvolve-se lenta-
mente e não está associada a DVP
agudo. O defeito de campo visual ge- A degeneração lattice é a degene-
ralmente progride lentamente, po- ração vitreorretiniana mais comum.
dendo permanecer estacionário por A incidência estimada na população
meses ou anos. geral é de 6 a 10%, dos quais até
50% apresentam doença bilateral.
No caso do descolamento seroso, a É mais comumente encontrada em
fotopsia também está ausente, por- olhos miópicos com alguma tendên-
que não existe tração vitreorretiniana, cia familiar. Produz áreas localizadas
apesar de moscas volantes poderem
RETINA 25

redondas, ovais ou lineares de afi- retina têm degeneração lattice. Uma


namento da retina, com pigmenta- história familiar de descolamento de
ção, ramificação em linhas brancas retina, descolamento de retina no
e manchas amarelo-esbranquiçadas olho contralateral, miopia alta e afacia
e aderências vitreorretinianas firmes exigem que o paciente seja informado
nas margens. A degeneração lattice dos riscos do descolamento de retina
resulta em descolamento de retina e dos sintomas, mas rara mente jus-
em apenas uma pequena porcenta- tificam o tratamento profilático com
gem dos olhos acometidos, mas 20 a criocirurgia ou fotocoagulação a laser.
30% dos olhos com descolamento de

Sítio de adesão Espaço subretiniano Direção do líquido


vítreoretinal passando no espaço
anormal subretiniano

Tração exercida Líquido vítreo


pelo gel vítreo posterior ao
descartado humor vítreo

Humor vítreo

Figura 11. Patogênese clássica do descolamento regmatogênico da retina. Fonte: Yanoff & Duker (2014)
RETINA 26

A oftalmoscopia binocular indireta A localização das rupturas da retina


com depressão escleral revela ele- varia de acordo com o tipo; as ruptu-
vação da retina sensorial descolada ras em ferradura são mais comuns no
translúcida com uma ou mais ruptu- quadrante superotemporal, os bura-
ras de espessura completa da reti- cos atróficos nos quadrantes tempo-
na sensorial, como uma ruptura em rais e a diálise da retina no quadrante
ferradura (Figura 12), um buraco ínferotemporal. Quando várias ruptu-
atrófico redondo ou ruptura circun- ras da retina estão presentes, os de-
ferencial anterior (diálise da retina). feitos geralmente ficam a uma proxi-
midade de 90° um do outro.

Figura 12. Quadro de rotura retiniana em ferradura no quadrante temporal superior, com descolamento de retina
associado. Fonte: Alves (2013)

Tratamento: Os principais objetivos quer influxo adicional de líquido para


da cirurgia de descolamento são en- o espaço sub-retiniano, para drenar o
contrar e tratar todas as rupturas da líquido sub-retiniano, interna ou ex-
retina, aplicando-se crioterapia ou ternamente, e aliviar a tração vitreor-
laser para criar uma aderência en- retiniana resultante.
tre o epitélio pigmentário e a retina Várias técnicas cirúrgicas são empre-
sensorial, evitando dessa forma qual gadas. Na retinopexia pneumática,
RETINA 27

ar ou gás expansível são injetados na longo prazo. Esse método é usado se


cavidade vítrea para manter a retina houver rupturas retinianas superio-
no lugar, enquanto a aderência co- res, posteriores ou múltiplas, quando
riorretiniana induzida por laser ou a observação da retina é prejudicada,
crioterapia atinge fechamento per- tal como ocorre por hemorragia vítrea,
manente da ruptura retiniana. Esse e se houver vitreorretinopatia prolife-
procedimento tem uma taxa de su- rativa significativa. A vitrectomia in-
cesso menor do que outros métodos, duz a formação de catarata e pode
e só é utilizado quando há uma única ser contraindicada em olhos fácicos.
ruptura retiniana pequena acessível, Pode ser necessário posicionamento
pouco líquido sub-retiniano e nenhu- postural pós-operatório.
ma tração vitreorretiniana. Os resultados visuais de cirurgia para
O implante escleral de silicone su- descolamento de retina regmatogê-
turado na região da ruptura da retina nico dependem principal mente do
mantém a retina no lugar, enquanto estado pré-operatório da mácula. Se
se forma uma aderência coriorretinia- a mácula tiver sido descolada, a recu-
na através da indentação da esclera. peração da visão central geralmen-
Isto também alivia a tração vitreorreti- te é incompleta. Portanto, a cirurgia
niana e desloca o líquido sub-retinia- deve ser realizada com urgência
no para longe da ruptura da retina. A se a mácula ainda estiver colada.
taxa de sucesso é de 92 a 94% nos Quando a mácula está descolada, um
casos adequada mente selecionados. atraso na cirurgia de até 1 semana
As complicações incluem alteração não influi negativamente sobre o re-
do erro refrativo, diplopia causada por sultado visual.
fibrose ou envolvimento dos múscu-
los extra oculares no explante, extru-
são do explante, possivelmente, au- Descolamento tracional de retina
mento do risco de vitreorretinopatia O descolamento tracional de reti-
proliferativa. na é mais comumente causado por
A vitrectomia via pars plana possibi- retinopatia diabética proliferativa
lita o alívio da tração vitreorretiniana, (RDP) (Figura 13). Também pode
a drenagem interna de líquido sub-re- estar associado a vitreorretinopatia
tiniano, se necessário pela injeção de proliferativa, retinopatia da prema-
perfluorocarbonatos ou líquidos pe- turidade ou traumatismo ocular. Em
sados, e injeção de ar ou de gás ex- comparação com o descolamento de
pansível para manter a retina no lugar, retina regmatogênico, o descolamen-
ou injeção de óleo, se houver neces- to tracional de retina tem uma super-
sidade de tamponamento da retina a fície mais côncava e apresenta maior
RETINA 28

probabilidade de ser mais localizado, vasculares, mas sua evolução pode


geralmente não se estendendo para disseminar-se e envolver a retina pe-
a ora serrata. As forças tracionais riférica média e a mácula. A tração
puxam ativamente a retina sensorial focal causada pelas membranas ce-
para longe do epitélio pigmentar sub- lulares pode produzir uma laceração
jacente em direção à base vítrea. retiniana e levar a descolamento de
A tração é causada pela formação de retina combinado por tração-regma-
membranas vítreas, epirretinianas ou togênico. A vitreorretinopatia prolife-
sub-retinianas que consistem em fi- rativa é uma complicação do desco-
broblastos e células gliais do EPR. lamento regmatogênico de retina e é
Inicialmente, o descolamento pode a causa mais comum de insucesso do
ser localizado ao longo das arcadas tratamento cirúrgico nesses olhos.

Figura 13. Tração em ponte (seta verde) entre as arcadas vasculares temporais causando descolamento tracional de
retina, em paciente com RDP. Fonte: Alves (2013)
RETINA 29

Tratamento: A vitrectomia via pars da retina sensorial e são causadas


plana possibilita a remoção dos ele- principalmente por doenças do epi-
mentos tracionais seguida pela remo- télio pigmentário retiniano (EPR) e
ção das membranas fibróticas. Pode da coroide. Doenças degenerativas,
ser necessária a retinotomia e/ou in- inflamatórias e infecciosas, incluindo
jeção de perfluorocarbonatos ou lí- as inúmeras causas de neovascu-
quidos pesados para aplanar a retina. larização subretiniana, podem estar
O tamponamento de gás, óleo de si- associadas a descolamento seroso
licone ou buckling escleral podem ser de retina. Esse tipo de descolamen-
utilizados. to também pode estar associado a
doenças vasculares sistêmicas e do-
enças inflamatórias ou a tumores
Descolamento de retina seroso e intraoculares.
hemorrágico
O tratamento do descolamento de
O descolamento de retina seroso retina exsudativo depende da sua
e/ou hemorrágico (descolamento causa. Alguns podem apresentar re-
retiniano exsudativo) ocorre na au- solução espontânea, enquanto ou-
sência de ruptura da retina ou tração tros são tratados com corticosteroi-
vitreorretiniana. des (Doença de Harada e esclerite
Estas se formam em consequên- posterior).
cia do acúmulo de líquido abaixo
RETINA 30

MAPA MENTAL DESCOLAMENTO DE RETINA

A vitrectomia via pars plana


possibilita a remoção dos elementos
tracionais seguida pela remoção
das membranas fibróticas

É mais comumente causado por


RDP. Também pode estar associado
a vitreorretinopatia proliferativa,
retinopatia da prematuridade ou
traumatismo ocular Ocorre na ausência
de ruptura da retina ou
Descolamento tração vitreorretiniana. Se
tracional de retina formam em consequência
do acúmulo de líquido
abaixo da retina sensorial

É a separação da retina
sensorial, ou seja,
DESCOLAMENTO Descolamento
fotorreceptores e camadas DE RETINA exsudativo de retina
teciduais internas, do epitélio
pigmentar da retina subjacente

Descolamento de retina
regmatogênico

O tipo mais comum de descolamento de


retina; caracteriza-se por uma ruptura na
retina sensorial e passagem de vítreo
liquefeito através da ruptura para o
espaço sub-retiniano

Geralmente, é precedido ou acompanhado


por um descolamento de vítreo posterior
e está associado a miopia, afacia,
degeneração lattice e traumatismo ocular

Tratamento: Crioterapia ou laser


para criar uma aderência entre o epitélio
pigmentário e a retina sensorial
RETINA 31

5. RETINOBLASTOMA ocorre em cerca de 30% dos casos.


Geralmente, este é um sinal de do-
O retinoblastoma é um tumor ma-
ença hereditária, mas até 33% dos
ligno originário da membrana neuro-
casos hereditários apresentam do-
ectodérmica da retina embrionária. É
ença meramente unilateral. Um ale-
um tumor raro da infância, mas que
lo da banda cromossômica 13q14
põe em risco a vida (Figura 14). Cer-
controla tanto as formas hereditárias
ca de 66% dos casos aparecem an-
quanto as não-hereditárias (esporá-
tes do fim do terceiro ano de vida e
dicas) do tumor.
casos raros foram relatados em qua-
se todas as idades. A doença bilateral

Figura 14. Aparência típica de retinoblastoma. Tumor macular branco amarelado opaco, irrigado e drenado por vasos
sanguíneos retinianos dilatados e tortuosos. Fonte: Yanoff & Duker (2014)

O gene do retinoblastoma normal, outro alelo em uma célula da retina


presente em todos os indivíduos, é um em desenvolvimento é afetado por
gene supressor ou um antioncogene. uma mutação espontânea, o tumor
Indivíduos com a forma hereditária se desenvolve.
da doença têm um alelo alterado Na forma esporádica da doen-
em cada célula do corpo; quando o ça, ambos os alelos do gene do
RETINA 32

retinoblastoma normal em uma cé- dos vasos e nervos emissários da


lula da retina em desenvolvimento esclera para os tecidos orbitários. Às
são inativados por uma mutação vezes, crescem difusamente na reti-
espontânea. Os sobreviventes da na, dispersando células malignas no
forma hereditária da doença (aqueles vítreo ou na câmara anterior, produ-
5% de novos casos que tiveram um zindo assim um processo pseudoin-
progenitor acometido ou aqueles que flamatório que pode simular retinite,
tiveram uma mutação germinativa) vitreíte, uveíte ou endoftalmite.
apresentam quase 50% de chance Microscopicamente, a maioria dos
de gerar um filho acometido. retinoblastomas é composta de célu-
Os retinoblastomas podem apresen- las pequenas, concentradas estreita-
tar crescimento para fora (exofítico) mente, redondas ou poligonais com
ou para dentro (endofítico) ou uma núcleos grandes, de coloração escura
combinação de ambos. Pode ocorrer e citoplasma escasso. Às vezes, for-
semeadura vítrea por células tumo- mam-se rosetas de Flexner-Win-
rais que, em seguida, estende-se para tersteiner típicas, que são indicativas
o vítreo. Ambos os tipos preenchem de diferenciação em fotorreceptores
gradualmente o olho e estendem-se (Figura 15). As alterações degenera-
através do nervo óptico para o cére- tivas são frequentes, acompanhadas
bro e, menos comumente, ao longo de necrose e calcificação. Algumas
irão involuir espontaneamente.

Figura 15. Histopatologia do retinoblastoma: Rosetas de Flexner-Wintersteiner. Fonte: Yanoff & Duker (2014)
RETINA 33

O retinoblastoma geralmente não é O tumor geralmente é observado nos


percebido até que cresça o suficien- estágios iniciais apenas quando pro-
te para produzir pupila branca (leu- curamos por ele, como em crianças
cocoria) (Figura 16), estrabismo ou com histórico de hereditariedade ou
inflamação. Todas as crianças com nos casos em que o olho contralateral
estrabismo ou inflamação intraocular tenha sido acometido. A fibroplasia
devem ser avaliadas quanto à pre- retrolenticular, persistência do vítreo
sença de retinoblastoma. primário, displasia de retina, doença
de Coats e endoftalmite por nemató-
deos podem simular retinoblastoma.

Figura 16. Leucocoria bilateral como resultado de retinoblastoma. Fonte: Yanoff & Duker (2014)

Em geral, quanto mais cedo o diag- de tratamento. É também utilizada


nóstico e tratamento do tumor, maior no tratamento de tumores que se es-
a chance de evitar disseminação atra- tenderam para o cérebro, a órbita ou
vés do nervo óptico e dos tecidos or- distalmente e pode ser utilizada após
bitários. A enucleação é o tratamen- enucleação em pacientes com alto
to de escolha para retinoblastomas risco de disseminação da doença.
grandes. Olhos com tumores peque- Outros tumores malignos primários,
nos podem ser tratados com eficácia especialmente os osteossarcomas,
com placas ou radioterapia de feixe desenvolvem-se em grande número
externo, crioterapia ou fotocoagula- (as estimativas variam de 20 a 90%)
ção a laser. dos sobreviventes da forma heredi-
A quimioterapia pode ser utilizada tária de retinoblastomas após muitos
para reduzir o tamanho dos tumores anos. Portanto, esses pacientes re-
grandes antes de outros tipos de tra- querem um acompanhamento cuida-
tamento e, às vezes, é a única forma doso por toda vida.
RETINA 34

MAPA MENTAL RETINOBLASTOMA

A enucleação é o
tratamento de escolha para
retinoblastomas grandes.
Olhos com tumores pequenos
podem ser tratados com eficácia
com placas ou radioterapia de
feixe externo, crioterapia ou
fotocoagulação a laser

Geralmente não é percebido


É um tumor maligno originário
até que cresça o suficiente
da membrana neuroectodérmica
para produzir pupila branca
da retina embrionária
(leucocoria)
RETINOBLASTOMA

É composto, em sua maioria,


Epidemiologia: É um de células pequenas, com
tumor raro da infância. núcleos grandes, de coloração
Cerca de 66% dos casos escura e citoplasma escasso.
aparecem antes do fim do Às vezes, formam-se rosetas
terceiro ano de vida e casos Patogênese: Um alelo da banda de Flexner-Wintersteiner
raros foram relatados em cromossômica 13q14 controla típicas, que são indicativas
quase todas as idades tanto as formas hereditárias de diferenciação em
quanto as não-hereditárias fotorreceptores
(esporádicas) do tumor.
RETINA 35

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFICAS
Alves MR et al. SÉRIE OFTALMOLOGIA BRASILEIRA - Conselho Brasileiro de Oftalmologia
- CBO: Retina e Vítreo. 3. ed. - Rio de Janeiro: Cultura Médica: Guanabara Koogan, 2013.
Forti AC et al. DIRETRIZES Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) 2019-2020.
Kanski JJ. Oftalmologia Clínica: Uma abordagem sistemática. 5. ed. Elsevier, 2004
Riordan-Eva P & Whitcher JP. Oftalmologia geral de Vaughan & Asbury. 17. ed. – Porto Ale-
gre: AMGH, 2011.
Yanoff M & Duker JS. OPHTHALMOLOGY. 4. ed, Elsevier-Saunders, 2014.
RETINA 36

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