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Oclusão arterial aguda bifurcação da ilíaca, aorta, poplítea e tibiofibular.

O
quadro clínico habitualmente é dramático, intenso,
É uma emergência vascular caracterizada pela súbita com surgimento de sinais de isquemia grave precoce.
oclusão de uma artéria de qualquer calibre culminando
Hoje, a trombose arterial in situ, que ocorre na
na perda de irrigação e isquemia do segmento corporal
vizinhança de uma placa aterosclerótica, em um
correspondente, principalmente em membro inferior.
aneurisma aterosclerótico ou em sítios onde houve
Clinicamente, é definida como a presença de
revascularização prévia (oclusões de enxertos e de
hipoperfusão grave de um membro, de início agudo
angioplastias) é significativamente mais frequente.
(<2 semanas). Afecção grave que tem como desfechos
Nesses casos, por já existir aterosclerose importante
prováveis altas taxas de perda de membro (10-15%) e
prévia e DAOP, a clínica é menos exuberante, pois um
de mortalidade (10-25%). No caso dos membros
grau de circulação colateral pode já ter se desenvolvido
inferiores, estes podem apresentar alterações
antes do evento agudo - OAA. A trombose por sobre
irreversíveis decorrentes da isquemia progressiva
uma placa localizada em artéria femoral superficial e a
dentro de horas. Sendo assim, o alívio imediato da
trombose em um aneurisma de artéria poplítea são as
obstrução e a revascularização do tecido em
condições mais encontradas.
sofrimento tornam-se medidas essenciais.
A população acometida encontra-se em torno da 7ª
Com a obstrução ao fluxo arterial, ocorre isquemia
década de vida e apresenta múltiplas comorbidades
celular e aumento do metabolismo anaeróbico. Há
(hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia,
diminuição na produção de ATP e queda do pH
doença cerebrovascular, doença coronariana,
intracelular, o que leva ao influxo de cálcio e
insuficiência renal, doença pulmonar obstrutiva), o que
desencadeamento de mecanismos de morte celular. Há
torna o quadro geral ainda mais grave.
também edema tecidual decorrente do aumento da
permeabilidade capilar, acarretando aumento da O mecanismo trombótico da OAA faz parte do
pressão hidrostática tecidual e consequentemente espectro da doença arterial oclusiva periférica (DAOP
diminuição do efluxo venoso, dificultando ainda mais - estreitamento lento e progressivo de um vaso arterial
o influxo arterial. A reperfusão gera dano adicional, costuma ser acompanhado do desenvolvimento de
com produção de espécies reativas de oxigênio e de colaterais, que auxiliam o segmento estenosado a
nitrogênio e ativação das cascatas inflamatória e de manter o fluxo para determinado tecido isquêmico). É
coagulação. Ocorrem, então, incremento do edema caracterizado pela formação de uma placa
tecidual, piora da perfusão e reforço dos mecanismos aterosclerótica que evoluiu para a oclusão completa do
de morte celular. vaso, levando à isquemia aguda do território
correspondente. O paciente com DAOP geralmente
A OAA tem como principais etiologias a embolia
tem histórico de claudicação intermitente e alterações
arterial e a trombose arterial in situ. Com a redução da
cutâneas sugestivas de obstrução arterial crônica
prevalência da doença valvar reumática, o aumento da
(úlceras, ausência de pulso, atrofia muscular, pele
expectativa de vida e da incidência da doença
hiperpigmentada, dermatite ocre e rarefação de pelos).
aterosclerótica, houve uma mudança significativa com
A isquemia, nesses casos, costuma apresentar evolução
relação à etiologia e ao perfil do paciente acometido.
mais lenta devido à presença de efeitos colaterais.
Antigamente, o principal mecanismo era a embolia
arterial que acometia tipicamente pacientes em torno
da 5ª década de vida. As fontes mais comuns de
êmbolos para os membros inferiores são coração (80%
casos). As desordens cardíacas mais frequentes são
fibrilação atrial, aneurisma ventricular, infarto agudo
anterior extenso com formação de trombo mural,
endocardite infecciosa, cardiomiopatia dilatada e
mixoma atrial. O aneurisma degenerativo da aorta e o
aneurisma de grandes artérias são fontes de êmbolos
para vasos mais distais.
O mecanismo embólico da OAA ocorre principalmente
em pacientes sem doença vascular periférica prévia em
que os vasos geralmente estão livres de aterosclerose • Quadro clínico: dor, palidez, ausência de pulsos,
importante e, portanto, não possuem qualquer tipo de redução da temperatura, parestesia, paralisia, redução
circulação colateral desenvolvida. Caracteriza-se pela da força muscular, claudicação, cianose.
migração de um êmbolo cardíaco ou de um trombo
formado na parede de um aneurisma, até um vaso de Dor é o achado mais comum e costuma ser a queixa
menor calibre, com impactação em bifurcações principal do paciente. Habitualmente é uma dor
vasculares, sendo a bifurcação da artéria femoral importante de início súbito ou de piora recente (< 2
comum a mais comumente acometida, seguida pela semanas), em cãibra ou em queimação, mantida ao
repouso e que melhora com o membro pendente. O sela (impactação na aorta distal), os pacientes
aparecimento súbito em pacientes previamente apresentam um quadro clínico de instalação súbita,
assintomáticos fala a favor de evento embólico. A dor é com anestesia e paralisia abaixo da cintura.
inicialmente distal à oclusão e vai se propagando para
regiões proximais à medida que o tempo passa. Mais • Exames complementares: hemograma,
tardiamente, a sensação álgica intensa tende a melhorar coagulograma, CPK, mioglobina, ureia, creatinina,
devido à perda sensorial decorrente de necrose eletrólitos, TGO, TGP, lactato e gasometria.
isquêmica. Pesquisa de fontes cardioembólicas: solicitar ECG e
Pacientes com OAA de origem embólica costumam ecocardiograma.
relatar uma dor súbita, nunca antes sentida. Pacientes USG com doppler arterial e venoso.
com história de claudicação intermitente prévia
relatam mudança do padrão da dor, constante ou com Angiotomografia.
pouca melhora ao repouso.
A arteriografia é o exame padrão-ouro para casos de
Alterações cutâneas também são precoces na OAA. OAA, já que é capaz de avaliar toda a anatomia da
Primeiramente a pele da área desprovida de rede vascular e de determinar com precisão o local
vascularização se apresenta pálida em comparação ao exato da oclusão vascular e sua causa. Permite o uso
membro contralateral. Progressivamente, a palidez dá associado de técnicas endovasculares para
lugar à cianose não fixa (desaparece à digitopressão) e revascularização do membro (fibrinólise intra-arterial,
posteriormente cianose fixa. Em casos graves e trombectomia mecânica ou aspirativa, angioplastia
avançados, nota-se o surgimento de bolhas (flictenas) e com balão ou stent).
necrose.
Solicitar avaliação da cirurgia vascular.
Ausência de pulsos palpáveis é o marco da doença
• Classificação de Rutherford: relaciona quadro clínico
arterial. Em pacientes sem doença prévia conhecida, a
e viabilidade do membro e norteia o tratamento
ausência súbita de pulsação em uma artéria deve
cirúrgico.
sempre levar a suspeita para uma OAA de etiologia
embólica.
As vítimas de embolismo apresentam pulsos normais e
cheios acima da oclusão e pulsos ausentes abaixo
desta. A extremidade contralateral apresenta pulsos
normais. Na trombose, devido à aterosclerose
preexistente, os pulsos podem estar alterados acima da
oclusão e também no membro contralateral. • Tratamento: No paciente com OAA, a prioridade
inicial é o controle da dor induzida pela isquemia de
Tipicamente, o membro acometido se torna mais frio membro. O paciente se beneficia do uso de medicações
comparado ao membro contralateral e a área de analgésicas simples, como dipirona ou paracetamol,
isquemia mais relevante também se torna mais fria que porém é frequente a necessidade de uso de opioides.
sítios anatômicos mais proximais. Evitar o uso de anti-inflamatórios é sempre uma
medida importante em pacientes com fatores de risco
O compartimento anterior da região mais inferior da
para injúria renal aguda. A dor isquêmica tem
perna é mais sensível à isquemia, por esta razão,
componente neuropático, logo anticonvulsivantes
déficit sensoriais no dorso do pé correspondem aos
(gabapentina, pregabalina) e antidepressivos tricíclicos
sinais mais precoces de insuficiência vascular aguda.
(amitriptilina e nortriptilina) podem ser utilizados.
Alterações na sensibilidade cutânea e na força motora
AAS está indicado para todos os pacientes com DAOP
do membro são causadas pela neuropatia isquêmica e
por retardar a formação de trombos plaquetários sobre
tendem a surgir em uma ordem cronológica. O achado
as placas de aterosclerose, reduzindo o risco de
mais precoce é a queixa de hipoestesia no membro.
progressão da DAOP.
Progressivamente, ocorrem perda de sensibilidade
superficial em áreas mais proximais, perda de O uso de estatinas também deve ser considerado em
sensibilidade vibratória, discriminativa, proprioceptiva todos os pacientes que apresentarem história clínica de
e fraqueza muscular. Por fim, em estágios mais DAOP, já que elas foram relacionadas à redução da
avançados, ocorre o surgimento de paralisia completa, taxa de amputação.
com ou sem rigidez, além de anestesia profunda e
global acometendo toda a região vascularizada pelo Deve-se manter o membro aquecido com enfaixamento
vaso ocluído. frouxo de algodão e ataduras (aquecimento passivo),
evitando troca de calor com o ambiente externo, o que
O achado de rigidez muscular torna o membro inferior auxilia no controle da dor e previne dano tecidual
inviável e é indicação de amputação primária. Em adicional.
casos de oclusão embólica aguda com o êmbolo em
É consenso utilizar anticoagulação plena com heparina
não fracionada ou heparina de baixo peso molecular
em dose terapêutica, assim que confirmado o
diagnóstico, com a finalidade de reduzir a propagação
do trombo intra-arterial e evitar a formação de trombos
distais à lesão devido à ocorrência de estase e baixo
fluxo. Pacientes com OAA embólica também
apresentam benefício do uso de anticoagulação,
considerando a redução do risco de novos eventos
embólicos.
O tratamento definitivo será determinado pela equipe
cirúrgica, levando em consideração inúmeros fatores,
como a etiologia da OAA, tempo de duração, quadro
clínico, viabilidade do membro, disponibilidade de
modalidades de tratamento no serviço.
Amputação primária está indicada nos casos em que o
membro encontra-se inviável (rigidez muscular,
cianose fixa) e quando o paciente encontra-se instável
hemodinamicamente ao ponto de não tolerar uma piora
na hemodinâmica decorrente da reperfusão
(hipotensão, acidose, hipercalemia, mioglobinúria).
O uso de terapia trombolítica sistêmica em paciente
com OAA já foi testado como forma de
revascularização, porém com baixo índice de sucesso e
alto risco de sangramento.

• Síndrome compartimental: após a reperfusão do


membro isquêmico ocorre frequentemente edema
tecidual e extravasamento capilar, que será
proporcional ao tempo de isquemia e à extensão da
oclusão arterial. Com o aumento do volume, as
pressões dentro dos compartimentos musculares se
tornam altas, pois estão envolvidos pela fáscia
fibrótica, o que leva ao incremento significativo da
resistência ao fluxo arterial. Consequentemente, há
deterioração da perfusão distal e agravamento da
isquemia dos nervos periféricos. A realização de
fasciotomia dos compartimentos musculares não deve
ser postergada quando, imediatamente após a
revascularização, ocorre piora do edema e aumento da
tensão dos compartimentos. Deve-se realizar a
fasciotomia dos quatro compartimentos, com duas
incisões, uma medial para descompressão dos
compartimentos posteriores, e outra anterolateral, para
descompressão dos compartimentos anterior e lateral.

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