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S4P2 Isquemia miocárdica

Doença arterial coronariana


Insuficiência coronária consiste em uma A isquemia miocárdica é o fenômeno principal na
desproporção entre a oferta e o consumo de doença arterial coronariana
oxigênio no nível da fibra miocárdica, seja por
diminuição da oferta ou por aumento de consumo.
Em qualquer uma dessas condições, o fenômeno Sua maneira de instalação, intensidade e as
fisiopatológico essencial é a isquemia miocárdica características evolutivas vão definir as
manifestações clínicas desta enfermidade,
reconhecendo-se três tipos clínicos bem definidos:
Podemos equacionar a oxigenação miocárdica angina de peito, infarto agudo do miocárdio e
com a seguinte fórmula: cardiomiopatia isquêmica.

A cardiopatia isquêmica apresenta um grande


espectro de manifestações, sendo possível
O principal fator responsável pela pressão média escaloná-las como a seguir.
na raiz da aorta é o débito cardíaco e sempre que
houver diminuição dele, ocorrerá redução de O2
para as fibras miocárdicas. Isquemia silenciosa. Caracterizada pela
comprovação eletrocardiográfica ou por outros
testes de isquemia miocárdica em pacientes sem
Os fatores responsáveis pelo aumento da manifestações clínicas.
resistência coronária estão relacionados com a
perviedade das artérias que irrigam o coração,
podendo ser anatômicos (aterosclerose e Angina estável. É uma síndrome causada por
trombose) ou funcionais (espasmo). Assim, obstrução fixa de uma artéria coronária e
sempre que houver placas ateroscleróticas ou caracterizada por dor torácica, em geral
trombos diminuindo o lúmen de uma artéria retroesternal, desencadeada por esforço físico,
coronária, vai ocorrer diminuição do fluxo refeições volumosas ou estresse emocional, com
sanguíneo com redução de oferta de O2 para a duração de 30 segundos a 15 minutos, sendo
fibra miocárdica. Isso também ocorrerá quando a aliviada pelo repouso ou uso de nitrato sublingual
artéria sofrer um espasmo; aliás, admite-se que o sem alterar suas características por pelo menos 2
componente “espasmo” quase sempre aparece nos meses.
vasos que já tenham lesão aterosclerótica.

Angina instável. É uma síndrome situada no meio


De outra parte, haverá aumento do consumo de do espectro clínico da cardiopatia isquêmica,
O2 quando a contratilidade, a frequência cardíaca, incluindo desde a angina de peito de início recente
a pré-carga ou a pós-carga sofrerem elevação. Não até dor intensa e prolongada em repouso, às vezes
é raro o encontro de situações clínicas nas quais os indistinguível clinicamente do infarto agudo do
dois mecanismos – diminuição da oferta e miocárdio. Daí as denominações de “infarto agudo
aumento do consumo – estejam associados em um do miocárdio sem onda Q” e “síndrome isquêmica
mesmo paciente, cujo exemplo mais frequente é a aguda sem elevação do segmento ST”. Em geral, a
concomitância da aterosclerose coronária com a duração da dor ultrapassa 20 minutos. A angina
hipertensão arterial. instável relaciona-se com a fissura ou ruptura de
uma placa ateromatosa, local em que se forma um
trombo, acompanhado quase sempre de espasmo
coronário.
A expressão facial do paciente pode ser de
sofrimento intenso, o pulso radial torna-se mais
Angina de Prinzmetal. Este tipo de angina
rápido e costuma haver queda da pressão arterial.
caracteriza-se por episódios frequentes de dor de
aparecimento recente, ocorrendo vários no mesmo
dia ou com intervalos de um ou poucos dias entre
À ausculta do coração, é possível constatar
eles, simulando angina instável. Sua causa é o
diminuição de intensidade das bulhas cardíacas.
espasmo associado à obstrução de uma artéria
Após o segundo dia, pode aparecer atrito
coronária. A principal característica desta
pericárdico indicativo da ocorrência de pericardite
manifestação clínica é o supradesnivelamento do
reacional na área correspondente ao infarto.
segmento ST no ECG, indicando isquemia
subendocárdica.

O eletrocardiograma evidencia alterações


características representadas pelo aparecimento de
Miocárdio atordoado ou disfunção contrátil
ondas Q, indicativas de necrose, desnivelamento
isquêmica. Significa uma alteração funcional do
do segmento ST e ondas T isquêmicas.
miocárdio relacionada com insuficiente fluxo para
uma área ventricular, sem que haja sinais de
necrose tecidual.
Há liberação de enzimas intracelulares pelas
células necrosadas, sendo de especial importância
diagnóstica a dosagem da creatinofosfoquinase
Miocárdio hibernado. Condição em que o
cardíaca específica (CPK-MB) e das troponinas
miocárdio fica em perfusão inadequada, mas ainda
cardíacas.
suficiente para que não haja infarto,
acompanhando-se de disfunção miocárdica, mas
com recuperação completa quando se normaliza a
perfusão daquela área. O infarto agudo do miocárdio pode evoluir sem
complicações e o quadro clínico se resumir às
manifestações descritas. No entanto, não é raro o
surgimento de complicações (arritmias,
Infarto agudo do miocárdio. Trata-se de uma área
insuficiência cardíaca, choque, síndrome de baixo
de necrose do miocárdio consequente a uma
débito, insuficiência mitral), que imprimem
isquemia intensa, causada por oclusão súbita de
características especiais – próprias de cada uma
um ramo principal de uma das artérias coronárias
delas – no quadro clínico.

A dor é a manifestação clínica principal. Contudo,


Morte súbita
em pequeno número de pacientes, pode haver
infarto agudo do miocárdio sem dor.

Oclusão total do tronco de coronária esquerda ou


instalação de arritmia grave pode causar a morte
Suas características semiológicas assemelham-se
súbita.
às da angina, dela diferenciando-se por surgir, em
geral, com o paciente em repouso, apresentar
duração prolongada (várias horas, geralmente),
não aliviando com nitritos sublinguais, O reconhecimento das condições clínicas que
necessitando de opiáceos para ser aliviada, aumentam a possibilidade de morte súbita é uma
acompanhando-se de mal-estar, sudorese profusa e tarefa importante de todo médico que cuida de
ansiedade. pacientes que apresentam fatores de risco –
dislipidemia, hipertensão arterial, obesidade,
diabetes, tabagismo, sedentarismo, estresse – ou
que estejam nas faixas etárias em que a
cardiopatia isquêmica seja frequente.
No eletrocardiograma, evidenciam-se distúrbios
de ritmo, alterações difusas da repolarização
O exame clínico é o passo inicial. Reconhecer
ventricular e, frequentemente, bloqueio do ramo
uma síndrome clínica ou levantar uma hipótese
esquerdo do feixe de His.
diagnóstica consistente é fundamental para
escolher os exames complementares mais
adequados para cada caso, bem como para instituir
A radiografia do tórax mostra aumento da área
condutas terapêuticas corretas e para fazer
cardíaca, predominantemente a expensas da
prognóstico.
dilatação do ventrículo esquerdo, e sinais de
congestão pulmonar, quando já existe
insuficiência ventricular esquerda.
As manifestações clínicas da cardiopatia
isquêmica surgem das mais diversas maneiras,
sendo mais frequentes os quadros clínicos de
O Holter e o teste de esforço podem ser úteis no
angina ou de infarto agudo do miocárdio, cujo
diagnóstico da cardiomiopatia isquêmica. O
sintoma principal é a dor. No entanto, algumas
ecocardiograma e o estudo com radioisótopos
vezes, é a morte súbita a primeira manifestação de
podem fornecer elementos importantes para o
uma doença arterial coronariana que estava
diagnóstico e para a avaliação fisiopatológica da
evoluindo silenciosamente. Em alguns casos,
cardiomiopatia isquêmica.
arritmias ou insuficiência cardíaca despertam a
suspeita de cardiopatia isquêmica. Além disso, não
é infrequente que uma manifestação clínica venha
depois de outra ou que elas se superponham. Arritmias cardíacas. As áreas isquêmicas podem
alterar as propriedades da fibra cardíaca, criando
condições para surgimento de distúrbios na
formação e na condução do estímulo ou do
Exemplos: paciente com angina que sofre um
aparecimento de focos ectópicos.
infarto agudo do miocárdio; aparecimento de
angina pós-infarto; angina instável em paciente
que apresentava isquemia silenciosa.
ARTERIOSCLEROSE
Arteriosclerose não é uma entidade nosológica
Cardiomiopatia isquêmica. A denominação definida, e sim o nome genérico de um grupo de
cardiomiopatia isquêmica indica a ocorrência de afecções, cujo denominador comum é a ocorrência
áreas fibróticas ricas em colágeno disseminadas de alterações não inflamatórias da parede vascular,
no miocárdio ventricular, consequência quase as quais culminam com esclerose da artéria.
sempre de isquemia crônica determinada por Compreende cinco afecções, etiopatogênica e
lesões ateroscleróticas difusas das coronárias. anatomopatologicamente distintas: aterosclerose,
mediosclerose de Mönckeberg, esclerose ou
fibrose senil dos grandes vasos, arteriolosclerose e
É comum o encontro de áreas cicatriciais microangiopatia diabética.
correspondentes a infartos agudos antigos do
miocárdio.
Cumpre ressaltar que não há relação direta entre
os vários tipos de arteriosclerose, constituindo
As manifestações clínicas são as arritmias – sendo erro frequente o estabelecimento de correlação
mais frequentes as extrassístoles ventriculares e a entre dois ou mais tipos.
fibrilação atrial –, a insuficiência ventricular
esquerda e os sinais estetacústicos de insuficiência
mitral; no entanto, ela pode ser assintomática. O que ocorre, na verdade, com relativa frequência,
é a concomitância, na mesma pessoa ou no mesmo
segmento vascular, de dois ou mais tipos de
arteriosclerose, originados por mecanismos Evolução da placa ateromatosa
distintos e sem que tais processos se inter-
relacionem etiopatogenicamente.
Para compreender a importância clínica da
aterosclerose é necessário conhecer as
Exemplos: na aorta de pessoas idosas, não é raro possibilidades evolutivas da placa ateromatosa e
encontrar sinais de esclerose senil e lesões suas complicações:
ateroscleróticas, não significando que exista
relação entre uma e outra. É uma mera
coincidência, cuja explicação recai sobre o fato de ■ Crescimento progressivo da placa ateromatosa,
estas afecções ocorrerem na mesma faixa etária. isoladamente ou confluindo com outras placas; tal
crescimento é feito no sentido do lúmen do vaso,
podendo determinar sua oclusão parcial ou total
A concomitância de mediosclerose da artéria
radial e aterosclerose aórtica ou coronária também
não é rara. Todavia, trata-se de simples ■ Crescimento progressivo, como referido no item
coincidência, e o encontro de uma artéria radial anterior, mas complicado com calcificação do
endurecida e tortuosa não possibilita presumir a vaso
existência de lesões ateroscleróticas na aorta,
artérias coronárias ou cerebrais.
Sendo a hipertensão arterial, ao mesmo tempo, ■ Ulceração ou ruptura da placa ateromatosa com
causa direta da arteriolosclerose e um dos mais formação de uma superfície irregular, propiciando
importantes fatores de risco de doença a instalação de trombose
cardiovascular, não é de estranhar que, nos
pacientes hipertensos, encontrem-se associados
estes dois tipos de arteriosclerose. ■ Ocorrência de hemorragia subintimal com
protrusão da placa no lúmen do vaso

Algo semelhante ocorre com os pacientes


diabéticos, que podem ser acometidos de ■ Ocorrência de trombose no nível da placa
microangiopatia diabética, afecção vascular ateromatosa com oclusão parcial ou total do vaso
específica desta enfermidade, e de aterosclerose,
em cuja patogênese participam as alterações
metabólicas que ocorrem no diabetes. A lesão anatomopatológica fundamental
aterosclerose é a placa de ateroma, cuja formação
Relação entre arteriosclerose e trombose. O único pode ser assim esquematizada: inicialmente, há
tipo de arteriosclerose que mantém relação direta infiltração na íntima da artéria de substâncias
com trombose é a aterosclerose. Tais relações são lipídicas contidas no plasma sanguíneo. A lesão
tão estreitas que, anos atrás, a literatura médica tem início na substância fundamental, ocorrendo
criou uma abundante sinonímia envolvendo as um processo degenerativo com dilacerações das
duas condições mórbidas. fibras colágenas pela invasão de lipófagos
A denominação aterosclerose (do grego athere = infiltrados de substâncias lipídicas. Ocorrem,
papa; sklerós = endurecimento; sufixo osis), foi então, edema e necrose da área em que tais
criada por Marchand em 1904. É o principal tipo alterações se processam, culminando com a
de arteriosclerose em virtude das complicações proliferação de tecido fibroso que vai ocupar os
isquêmicas que podem ocorrer no coração, no espaços necróticos. Tais alterações vão se
cérebro, nos rins, no intestino e nas extremidades sucedendo até formar a placa de ateroma.
inferiores.

Em síntese, a placa ateromatosa é um depósito de


substâncias lipídicas encravadas em uma área de
fibrose da íntima, sempre circundada por coisa é certa: não há aterosclerose se não houver
neoformação vascular. Uma característica infiltração de substâncias lipídicas na subíntima
fundamental da lesão é sua localização subintimal, das artérias.
com lesão do endotélio circunjacente.
Ao admitir que a aterosclerose não é determinada
por um único fator, reconheceram-se vários
fatores de risco, sobre os quais é possível intervir
Em qualquer destas possibilidades, ou quando
para prevenção das complicações isquêmicas.
ocorre trombose, aparece sempre a mesma
consequência: oclusão total ou parcial do vaso,
que resulta em isquemia de todo o órgão ou parte
Os principais fatores de risco são: dislipidemias,
dele.
hipertensão arterial, diabetes, tabagismo,
obesidade, sedentarismo, estresse e medicamentos
anticoncepcionais.
Um dos principais mecanismos que podem levar à
oclusão vascular é a formação de trombo no local
da placa ateromatosa. É provável que haja quase
A associação de dois ou mais fatores tem
sempre uma alteração concomitante da
adquirido grande importância, e as mais variadas
coagulabilidade sanguínea, seja diretamente
combinações são possíveis. Por exemplo:
relacionada com o distúrbio do metabolismo
hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemias
lipídico, principal responsável pela placa
associam-se com muita frequência, fazendo
aterosclerótica, ou por outras causas, dentre as
crescer fortemente a possibilidade de
quais se destacam as alterações plaquetárias com
aterosclerose.
aumento da adesividade e da capacidade de
agregação destes elementos. No lipidograma, as indicações de aterosclerose
são hipercolesterolemia com predomínio das
lipoproteínas de baixa densidade (LDL); na
A isquemia constitui, portanto, o fenômeno radiografia do tórax, presença de calcificação do
fisiopatológico fundamental. Cumpre salientar, botão aórtico; na radiografia simples do abdome,
contudo, que é necessário ocorrer um calcificação da parede da aorta e das artérias
estreitamento equivalente a, no mínimo, 50% do ilíacas; na ecografia, o encontro de placas de
diâmetro do lúmen vascular para que haja ateroma e calcificação da parede das artérias, bem
manifestação isquêmica. como a ocorrência de aneurismas; na
dopplerimetria, estenose ou oclusões arteriais.
Contudo, as evidências mais diretas das lesões
Várias teorias têm sido propostas para explicar os
ateroscleróticas são obtidas nos exames de
mecanismos que determinam as lesões
imagem, exteriorizadas pela irregularidade das
ateroscleróticas, sua maneira de progredir e os
paredes arteriais, estenoses e oclusões
acontecimentos que levam às complicações.

Mediosclerose de Mönckeberg. A mediosclerose,


Tudo leva a crer que cada teoria inclui uma parte
descrita por Mönckeberg em 1903, caracteriza-se
da verdade, pois, à medida que os fatos se
pela ocorrência de fibrose e calcificação da túnica
acumulam, torna-se evidente que a aterosclerose
média das artérias de médio calibre (radiais,
pode resultar de diferentes modificações que
braquiais, temporais, poplíteas, uterinas)
afetam a própria parede arterial, os componentes
do sangue, os mecanismos hemodinâmicos
intravasculares e os fenômenos metabólicos que se
A lesão inicial é um processo de fibrose que vai
passam entre a íntima do vaso e a corrente
substituindo as fibras musculares. Na fase tardia,
sanguínea (teoria multifatorial). A importância de
aparecem calcificações que podem dar à artéria o
cada um destes fatores pode variar, ora
aspecto de “traqueia de passarinho”, ou seja, o
predominando um, ora outro; no entanto, uma
vaso fica endurecido e apresenta anéis duros,
facilmente perceptíveis à palpação, quando
presentes em artérias acessíveis.

Na mediosclerose, não há lesão da camada íntima


nem redução do lúmen vascular. Isto quer dizer
que, neste tipo de arteriosclerose, nunca ocorre
obstrução (parcial ou total) dos vasos acometidos,
não havendo, portanto, fenômenos isquêmicos.

Equívoco comum é relacionar o achado de


mediosclerose da artéria radial ou de qualquer
outro vaso com a possível ocorrência de
aterosclerose coronária ou de outro território. Não
há qualquer nexo entre estas enfermidades.
Esclerose senil dos grandes vasos. A esclerose ou
fibrose senil dos grandes vasos – aorta, tronco
braquiocefálico, subclávias e carótidas – tem
como substrato anatômico o aumento do tecido
fibroso, que vai ocupando o lugar do tecido
elástico.

É um processo involutivo, próprio do


envelhecimento, quase sempre mal interpretado e,
com frequência, confundido com aterosclerose.
Pode ser reconhecida na radiografia simples do
tórax, quando aparece uma aorta alongada, algo
tortuosa e com botão aórtico saliente.

A perda da elasticidade dos grandes vasos tem


como expressão hemodinâmica o aumento da
pressão sistólica, sem modificação dos níveis
diastólicos. Daí ser comum o encontro, em
pessoas idosas, de níveis tensionais de 170/80,
180/90 ou 190/90 mmHg. A essa alteração,
denomina-se hipertensão sistólica isolada.

A esclerose senil resume-se ao aumento do tecido


fibroso na camada média do vaso, sem alteração
da íntima. Não há, portanto, oclusão do lúmen
vascular nem o aparecimento de condições
facilitadoras para a ocorrência de trombose.

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