Insuficiência coronária consiste em uma A isquemia miocárdica é o fenômeno principal na desproporção entre a oferta e o consumo de doença arterial coronariana oxigênio no nível da fibra miocárdica, seja por diminuição da oferta ou por aumento de consumo. Em qualquer uma dessas condições, o fenômeno Sua maneira de instalação, intensidade e as fisiopatológico essencial é a isquemia miocárdica características evolutivas vão definir as manifestações clínicas desta enfermidade, reconhecendo-se três tipos clínicos bem definidos: Podemos equacionar a oxigenação miocárdica angina de peito, infarto agudo do miocárdio e com a seguinte fórmula: cardiomiopatia isquêmica.
A cardiopatia isquêmica apresenta um grande
espectro de manifestações, sendo possível O principal fator responsável pela pressão média escaloná-las como a seguir. na raiz da aorta é o débito cardíaco e sempre que houver diminuição dele, ocorrerá redução de O2 para as fibras miocárdicas. Isquemia silenciosa. Caracterizada pela comprovação eletrocardiográfica ou por outros testes de isquemia miocárdica em pacientes sem Os fatores responsáveis pelo aumento da manifestações clínicas. resistência coronária estão relacionados com a perviedade das artérias que irrigam o coração, podendo ser anatômicos (aterosclerose e Angina estável. É uma síndrome causada por trombose) ou funcionais (espasmo). Assim, obstrução fixa de uma artéria coronária e sempre que houver placas ateroscleróticas ou caracterizada por dor torácica, em geral trombos diminuindo o lúmen de uma artéria retroesternal, desencadeada por esforço físico, coronária, vai ocorrer diminuição do fluxo refeições volumosas ou estresse emocional, com sanguíneo com redução de oferta de O2 para a duração de 30 segundos a 15 minutos, sendo fibra miocárdica. Isso também ocorrerá quando a aliviada pelo repouso ou uso de nitrato sublingual artéria sofrer um espasmo; aliás, admite-se que o sem alterar suas características por pelo menos 2 componente “espasmo” quase sempre aparece nos meses. vasos que já tenham lesão aterosclerótica.
Angina instável. É uma síndrome situada no meio
De outra parte, haverá aumento do consumo de do espectro clínico da cardiopatia isquêmica, O2 quando a contratilidade, a frequência cardíaca, incluindo desde a angina de peito de início recente a pré-carga ou a pós-carga sofrerem elevação. Não até dor intensa e prolongada em repouso, às vezes é raro o encontro de situações clínicas nas quais os indistinguível clinicamente do infarto agudo do dois mecanismos – diminuição da oferta e miocárdio. Daí as denominações de “infarto agudo aumento do consumo – estejam associados em um do miocárdio sem onda Q” e “síndrome isquêmica mesmo paciente, cujo exemplo mais frequente é a aguda sem elevação do segmento ST”. Em geral, a concomitância da aterosclerose coronária com a duração da dor ultrapassa 20 minutos. A angina hipertensão arterial. instável relaciona-se com a fissura ou ruptura de uma placa ateromatosa, local em que se forma um trombo, acompanhado quase sempre de espasmo coronário. A expressão facial do paciente pode ser de sofrimento intenso, o pulso radial torna-se mais Angina de Prinzmetal. Este tipo de angina rápido e costuma haver queda da pressão arterial. caracteriza-se por episódios frequentes de dor de aparecimento recente, ocorrendo vários no mesmo dia ou com intervalos de um ou poucos dias entre À ausculta do coração, é possível constatar eles, simulando angina instável. Sua causa é o diminuição de intensidade das bulhas cardíacas. espasmo associado à obstrução de uma artéria Após o segundo dia, pode aparecer atrito coronária. A principal característica desta pericárdico indicativo da ocorrência de pericardite manifestação clínica é o supradesnivelamento do reacional na área correspondente ao infarto. segmento ST no ECG, indicando isquemia subendocárdica.
O eletrocardiograma evidencia alterações
características representadas pelo aparecimento de Miocárdio atordoado ou disfunção contrátil ondas Q, indicativas de necrose, desnivelamento isquêmica. Significa uma alteração funcional do do segmento ST e ondas T isquêmicas. miocárdio relacionada com insuficiente fluxo para uma área ventricular, sem que haja sinais de necrose tecidual. Há liberação de enzimas intracelulares pelas células necrosadas, sendo de especial importância diagnóstica a dosagem da creatinofosfoquinase Miocárdio hibernado. Condição em que o cardíaca específica (CPK-MB) e das troponinas miocárdio fica em perfusão inadequada, mas ainda cardíacas. suficiente para que não haja infarto, acompanhando-se de disfunção miocárdica, mas com recuperação completa quando se normaliza a perfusão daquela área. O infarto agudo do miocárdio pode evoluir sem complicações e o quadro clínico se resumir às manifestações descritas. No entanto, não é raro o surgimento de complicações (arritmias, Infarto agudo do miocárdio. Trata-se de uma área insuficiência cardíaca, choque, síndrome de baixo de necrose do miocárdio consequente a uma débito, insuficiência mitral), que imprimem isquemia intensa, causada por oclusão súbita de características especiais – próprias de cada uma um ramo principal de uma das artérias coronárias delas – no quadro clínico.
A dor é a manifestação clínica principal. Contudo,
Morte súbita em pequeno número de pacientes, pode haver infarto agudo do miocárdio sem dor.
Oclusão total do tronco de coronária esquerda ou
instalação de arritmia grave pode causar a morte Suas características semiológicas assemelham-se súbita. às da angina, dela diferenciando-se por surgir, em geral, com o paciente em repouso, apresentar duração prolongada (várias horas, geralmente), não aliviando com nitritos sublinguais, O reconhecimento das condições clínicas que necessitando de opiáceos para ser aliviada, aumentam a possibilidade de morte súbita é uma acompanhando-se de mal-estar, sudorese profusa e tarefa importante de todo médico que cuida de ansiedade. pacientes que apresentam fatores de risco – dislipidemia, hipertensão arterial, obesidade, diabetes, tabagismo, sedentarismo, estresse – ou que estejam nas faixas etárias em que a cardiopatia isquêmica seja frequente. No eletrocardiograma, evidenciam-se distúrbios de ritmo, alterações difusas da repolarização O exame clínico é o passo inicial. Reconhecer ventricular e, frequentemente, bloqueio do ramo uma síndrome clínica ou levantar uma hipótese esquerdo do feixe de His. diagnóstica consistente é fundamental para escolher os exames complementares mais adequados para cada caso, bem como para instituir A radiografia do tórax mostra aumento da área condutas terapêuticas corretas e para fazer cardíaca, predominantemente a expensas da prognóstico. dilatação do ventrículo esquerdo, e sinais de congestão pulmonar, quando já existe insuficiência ventricular esquerda. As manifestações clínicas da cardiopatia isquêmica surgem das mais diversas maneiras, sendo mais frequentes os quadros clínicos de O Holter e o teste de esforço podem ser úteis no angina ou de infarto agudo do miocárdio, cujo diagnóstico da cardiomiopatia isquêmica. O sintoma principal é a dor. No entanto, algumas ecocardiograma e o estudo com radioisótopos vezes, é a morte súbita a primeira manifestação de podem fornecer elementos importantes para o uma doença arterial coronariana que estava diagnóstico e para a avaliação fisiopatológica da evoluindo silenciosamente. Em alguns casos, cardiomiopatia isquêmica. arritmias ou insuficiência cardíaca despertam a suspeita de cardiopatia isquêmica. Além disso, não é infrequente que uma manifestação clínica venha depois de outra ou que elas se superponham. Arritmias cardíacas. As áreas isquêmicas podem alterar as propriedades da fibra cardíaca, criando condições para surgimento de distúrbios na formação e na condução do estímulo ou do Exemplos: paciente com angina que sofre um aparecimento de focos ectópicos. infarto agudo do miocárdio; aparecimento de angina pós-infarto; angina instável em paciente que apresentava isquemia silenciosa. ARTERIOSCLEROSE Arteriosclerose não é uma entidade nosológica Cardiomiopatia isquêmica. A denominação definida, e sim o nome genérico de um grupo de cardiomiopatia isquêmica indica a ocorrência de afecções, cujo denominador comum é a ocorrência áreas fibróticas ricas em colágeno disseminadas de alterações não inflamatórias da parede vascular, no miocárdio ventricular, consequência quase as quais culminam com esclerose da artéria. sempre de isquemia crônica determinada por Compreende cinco afecções, etiopatogênica e lesões ateroscleróticas difusas das coronárias. anatomopatologicamente distintas: aterosclerose, mediosclerose de Mönckeberg, esclerose ou fibrose senil dos grandes vasos, arteriolosclerose e É comum o encontro de áreas cicatriciais microangiopatia diabética. correspondentes a infartos agudos antigos do miocárdio. Cumpre ressaltar que não há relação direta entre os vários tipos de arteriosclerose, constituindo As manifestações clínicas são as arritmias – sendo erro frequente o estabelecimento de correlação mais frequentes as extrassístoles ventriculares e a entre dois ou mais tipos. fibrilação atrial –, a insuficiência ventricular esquerda e os sinais estetacústicos de insuficiência mitral; no entanto, ela pode ser assintomática. O que ocorre, na verdade, com relativa frequência, é a concomitância, na mesma pessoa ou no mesmo segmento vascular, de dois ou mais tipos de arteriosclerose, originados por mecanismos Evolução da placa ateromatosa distintos e sem que tais processos se inter- relacionem etiopatogenicamente. Para compreender a importância clínica da aterosclerose é necessário conhecer as Exemplos: na aorta de pessoas idosas, não é raro possibilidades evolutivas da placa ateromatosa e encontrar sinais de esclerose senil e lesões suas complicações: ateroscleróticas, não significando que exista relação entre uma e outra. É uma mera coincidência, cuja explicação recai sobre o fato de ■ Crescimento progressivo da placa ateromatosa, estas afecções ocorrerem na mesma faixa etária. isoladamente ou confluindo com outras placas; tal crescimento é feito no sentido do lúmen do vaso, podendo determinar sua oclusão parcial ou total A concomitância de mediosclerose da artéria radial e aterosclerose aórtica ou coronária também não é rara. Todavia, trata-se de simples ■ Crescimento progressivo, como referido no item coincidência, e o encontro de uma artéria radial anterior, mas complicado com calcificação do endurecida e tortuosa não possibilita presumir a vaso existência de lesões ateroscleróticas na aorta, artérias coronárias ou cerebrais. Sendo a hipertensão arterial, ao mesmo tempo, ■ Ulceração ou ruptura da placa ateromatosa com causa direta da arteriolosclerose e um dos mais formação de uma superfície irregular, propiciando importantes fatores de risco de doença a instalação de trombose cardiovascular, não é de estranhar que, nos pacientes hipertensos, encontrem-se associados estes dois tipos de arteriosclerose. ■ Ocorrência de hemorragia subintimal com protrusão da placa no lúmen do vaso
Algo semelhante ocorre com os pacientes
diabéticos, que podem ser acometidos de ■ Ocorrência de trombose no nível da placa microangiopatia diabética, afecção vascular ateromatosa com oclusão parcial ou total do vaso específica desta enfermidade, e de aterosclerose, em cuja patogênese participam as alterações metabólicas que ocorrem no diabetes. A lesão anatomopatológica fundamental aterosclerose é a placa de ateroma, cuja formação Relação entre arteriosclerose e trombose. O único pode ser assim esquematizada: inicialmente, há tipo de arteriosclerose que mantém relação direta infiltração na íntima da artéria de substâncias com trombose é a aterosclerose. Tais relações são lipídicas contidas no plasma sanguíneo. A lesão tão estreitas que, anos atrás, a literatura médica tem início na substância fundamental, ocorrendo criou uma abundante sinonímia envolvendo as um processo degenerativo com dilacerações das duas condições mórbidas. fibras colágenas pela invasão de lipófagos A denominação aterosclerose (do grego athere = infiltrados de substâncias lipídicas. Ocorrem, papa; sklerós = endurecimento; sufixo osis), foi então, edema e necrose da área em que tais criada por Marchand em 1904. É o principal tipo alterações se processam, culminando com a de arteriosclerose em virtude das complicações proliferação de tecido fibroso que vai ocupar os isquêmicas que podem ocorrer no coração, no espaços necróticos. Tais alterações vão se cérebro, nos rins, no intestino e nas extremidades sucedendo até formar a placa de ateroma. inferiores.
Em síntese, a placa ateromatosa é um depósito de
substâncias lipídicas encravadas em uma área de fibrose da íntima, sempre circundada por coisa é certa: não há aterosclerose se não houver neoformação vascular. Uma característica infiltração de substâncias lipídicas na subíntima fundamental da lesão é sua localização subintimal, das artérias. com lesão do endotélio circunjacente. Ao admitir que a aterosclerose não é determinada por um único fator, reconheceram-se vários fatores de risco, sobre os quais é possível intervir Em qualquer destas possibilidades, ou quando para prevenção das complicações isquêmicas. ocorre trombose, aparece sempre a mesma consequência: oclusão total ou parcial do vaso, que resulta em isquemia de todo o órgão ou parte Os principais fatores de risco são: dislipidemias, dele. hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, obesidade, sedentarismo, estresse e medicamentos anticoncepcionais. Um dos principais mecanismos que podem levar à oclusão vascular é a formação de trombo no local da placa ateromatosa. É provável que haja quase A associação de dois ou mais fatores tem sempre uma alteração concomitante da adquirido grande importância, e as mais variadas coagulabilidade sanguínea, seja diretamente combinações são possíveis. Por exemplo: relacionada com o distúrbio do metabolismo hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemias lipídico, principal responsável pela placa associam-se com muita frequência, fazendo aterosclerótica, ou por outras causas, dentre as crescer fortemente a possibilidade de quais se destacam as alterações plaquetárias com aterosclerose. aumento da adesividade e da capacidade de agregação destes elementos. No lipidograma, as indicações de aterosclerose são hipercolesterolemia com predomínio das lipoproteínas de baixa densidade (LDL); na A isquemia constitui, portanto, o fenômeno radiografia do tórax, presença de calcificação do fisiopatológico fundamental. Cumpre salientar, botão aórtico; na radiografia simples do abdome, contudo, que é necessário ocorrer um calcificação da parede da aorta e das artérias estreitamento equivalente a, no mínimo, 50% do ilíacas; na ecografia, o encontro de placas de diâmetro do lúmen vascular para que haja ateroma e calcificação da parede das artérias, bem manifestação isquêmica. como a ocorrência de aneurismas; na dopplerimetria, estenose ou oclusões arteriais. Contudo, as evidências mais diretas das lesões Várias teorias têm sido propostas para explicar os ateroscleróticas são obtidas nos exames de mecanismos que determinam as lesões imagem, exteriorizadas pela irregularidade das ateroscleróticas, sua maneira de progredir e os paredes arteriais, estenoses e oclusões acontecimentos que levam às complicações.
Mediosclerose de Mönckeberg. A mediosclerose,
Tudo leva a crer que cada teoria inclui uma parte descrita por Mönckeberg em 1903, caracteriza-se da verdade, pois, à medida que os fatos se pela ocorrência de fibrose e calcificação da túnica acumulam, torna-se evidente que a aterosclerose média das artérias de médio calibre (radiais, pode resultar de diferentes modificações que braquiais, temporais, poplíteas, uterinas) afetam a própria parede arterial, os componentes do sangue, os mecanismos hemodinâmicos intravasculares e os fenômenos metabólicos que se A lesão inicial é um processo de fibrose que vai passam entre a íntima do vaso e a corrente substituindo as fibras musculares. Na fase tardia, sanguínea (teoria multifatorial). A importância de aparecem calcificações que podem dar à artéria o cada um destes fatores pode variar, ora aspecto de “traqueia de passarinho”, ou seja, o predominando um, ora outro; no entanto, uma vaso fica endurecido e apresenta anéis duros, facilmente perceptíveis à palpação, quando presentes em artérias acessíveis.
Na mediosclerose, não há lesão da camada íntima
nem redução do lúmen vascular. Isto quer dizer que, neste tipo de arteriosclerose, nunca ocorre obstrução (parcial ou total) dos vasos acometidos, não havendo, portanto, fenômenos isquêmicos.
Equívoco comum é relacionar o achado de
mediosclerose da artéria radial ou de qualquer outro vaso com a possível ocorrência de aterosclerose coronária ou de outro território. Não há qualquer nexo entre estas enfermidades. Esclerose senil dos grandes vasos. A esclerose ou fibrose senil dos grandes vasos – aorta, tronco braquiocefálico, subclávias e carótidas – tem como substrato anatômico o aumento do tecido fibroso, que vai ocupando o lugar do tecido elástico.
É um processo involutivo, próprio do
envelhecimento, quase sempre mal interpretado e, com frequência, confundido com aterosclerose. Pode ser reconhecida na radiografia simples do tórax, quando aparece uma aorta alongada, algo tortuosa e com botão aórtico saliente.
A perda da elasticidade dos grandes vasos tem
como expressão hemodinâmica o aumento da pressão sistólica, sem modificação dos níveis diastólicos. Daí ser comum o encontro, em pessoas idosas, de níveis tensionais de 170/80, 180/90 ou 190/90 mmHg. A essa alteração, denomina-se hipertensão sistólica isolada.
A esclerose senil resume-se ao aumento do tecido
fibroso na camada média do vaso, sem alteração da íntima. Não há, portanto, oclusão do lúmen vascular nem o aparecimento de condições facilitadoras para a ocorrência de trombose.