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1.

1 – RELAÇÃO ENTRE AS DOENÇAS INFECCIOSAS E TRABALHO

As doenças infecciosas e parasitárias relaciona-


das ao trabalho apresentam algumas características que
as distinguem dos demais grupos: os agentes etiológi-
cos não são de natureza ocupacional, e sim as condições
ou circunstâncias em que o trabalho é executado é que
são favorecedoras do contato, contágio ou transmissão.
São causadas por agentes que estão disseminados no
meio ambiente, dependentes de condições ambientais
e de saneamento e da prevalência dos agravos na popu-
lação geral; vulneráveis às políticas gerais de vigilância
e da qualidade dos serviços de saúde. A delimitação
ambiente de trabalho/ambiente externo é frequente-
mente pouco precisa. (8)
As consequências para a saúde da exposição
a fatores de risco biológico presentes em situações de
trabalho, além dos quadros de infecção aguda e crô-
nica, incluem as reações alérgicas e tóxicas. Um amplo
espectro de planas e animais produz substâncias alergê-
nicas, irritativas e tóxicas com as quais os trabalhado-
res entram em contato, diretamente, através de picadas
ou mordeduras ou através de poeiras contendo pelos,
pólen, esporos de fungos. (8)
A maioria das infecções resulta de exposição
não ocupacional. Entretanto, alguns ambientes ou
doenças específicas sugerem que sua origem foi prove-
niente da exposição ocupacional. Os trabalhadores da

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área de saúde, nos seus vários âmbitos, quer estejam em
centros de saúde, hospitais, laboratórios, necrotérios,
e os profissionais de saúde que realizam investigações
de campo – vigilância da saúde, controle de vetores, e
aqueles que lidam com animais, mantêm contato direto
com pacientes ou vetores transmissores de moléstias
infecciosas. Em se tratando de organismos cuja trans-
missão se faz através de aerossóis, o risco de contrair
a doença é várias vezes maior para o trabalhador da
área de saúde do que para a população geral. O risco
também é grande no tocante à manipulação de material
perfurocortante e no ato de procedimentos invasivos.
Neste cenário, torna-se importante redobrar a atenção
quanto às precauções universais, imunizações, manipu-
lação de material contaminado e perfurocortante, e ao
hábito de lavar as mãos antes e após cada exame. (8)
Os trabalhadores que mantêm contato ou mani-
pulam animais também possuem risco aumentado para
contrair certas infecções, principalmente os trabalhado-
res na agricultura, as pessoas que trabalham em habitat
silvestre (silvicultura), em atividades de pesca, produção
e manipulação de produtos animais – abatedouros, cur-
tumes, frigoríficos, indústria alimentícia, de carnes, pes-
cados, zoológicos e clínicas veterinárias, além dos que
lidam com pesquisas científicas em espécies animais. (8)
É importante destacar que além das infecções
propriamente ditas, algumas proteínas lideradas através
da urina, pela e outros tecidos animais, podem ser car-

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readas como aerossóis, causando erupções, sintomas
alérgicos ou até mesmo asma ocupacional. (8)
Os trabalhadores que lidam com dejetos de
esgoto ou lixo, principalmente onde não há condições
de sanitarismo e proteção adequadas, estão também
expostos a vários riscos biológicos. (8)
A suspeita clínica de possível doença ocupacio-
nal deve ser valorizada sempre que um paciente perten-
cer a um grupo onde o risco de exposição a patógenos
biológicos é aumentado. A avaliação mais específica
dependerá muito da apresentação clínica e dos diagnós-
ticos diferenciais. Quando se cogitar em origem ocupa-
cional, a história detalhada deve ser tomada no sentido
de elucidar precisamente como a exposição ocorreu. A
avaliação do local de trabalho através da visita/inspeção
ao espaço físico é mandatória para se compreender o
ambiente, as funções e as atividades cotidianas, deter-
minando com mais clareza os riscos aos quais os traba-
lhadores estão expostos. Dependendo das circunstân-
cias e dos recursos disponíveis, uma equipe composta
por médico e enfermeiro do trabalho, engenheiro e
higienista industrial, e até um especialista em biossegu-
rança, deverá determinar a necessidade de desencadear
uma série de ações a nível individual e coletivo. Deve-se
lembrar sempre da notificação compulsória de determi-
nadas doenças para a vigilância sanitária local. (8)
Mesmo para doenças comuns na sociedade,
não há um parâmetro limítrofe bem estabelecido de

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quando se deve iniciar uma investigação para explicar
o surgimento simultâneo de alguns problemas médicos
dentre uma comunidade de trabalhadores. A natureza
da doença, sua prevalência na população de trabalhado-
res sob risco, e o padrão de desenvolvimento de surto
são critérios importantes para avaliar tais situações. (8)
Em síntese, a relação com o trabalho pode ser
estabelecida através de:

• Coleta criteriosa de história ocupacional completa;


• Comparação com dados e estudos epidemio-
lógicos e de literatura científica;
• Solicitação de perfil profissiográfico do traba-
lhador à empresa;
• Solicitação de dados e avaliações ambientais
à empresa;
• Inspeção na própria empresa/local de trabalho.

Na tabela 1.2 alguns exemplos de ocupações e


suas doenças infecciosas relacionadas.

Açougueiro Antraz, Tularemia, Erisipelóide

Explorador de cavernas Bartonella henselae, celulite por pasteurella,

raiva, histoplasmose

Construção civil em grandes áreas Paracoccidioidomicose, Histoplasmose,

Leishmaniose, Malária

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Processamento de alimentos Tularemia, Salmonelose, Triquinose

Engenho de algodão Pracoccidioidomicose

Trabalho com gado leiteiro Brucelose, Febre Q, Tinea barbae

Trabalho em creches Hepatite A, Rubéola, Citomegalovirus

e outras doenças da infância

Dentistas Hepatites B e C, AIDS

Cavador de fossas Larva migrans cutânea, Ascaridíase,

Ancilostomíase

Mergulhador Ycobacterium marinum

Operador de escavadora Paracoccidioidomicose, Histoplasmose

Trabalho em lavoura Raiva, Antraz, Brucelose, Tétano, Leptospirose,

Tularemia, Paracoccidioidomicose, Histoplas-

mose, Ascaridíase, Esporotricose, Ancilosto-

míase, Esquistossomose

Pescador/Comerciante de peixes Erisipelóde (Erysipelothrix insidiosa), Esquis-

tossomose, Mycobacterium marinum

Jardineiro/Florista Esporotricose, larva migrans cutânea

Trabalho com pele de animais Tularemia

Trabalho em armazéns de grãos Tifo

Trabalho em abatedouro Brucelose, Leptospirose, Febre Q, Salmonelose,

Estafilococcias

Médico/Enfermeiro Hepatites B e C, AIDS, Tuberculose, etc.

Veterinário/Comércio de animais Antraz, Brucelose, Psitacose, Dermatofitoses,

Erisipelóide, Raiva, Tularemia, Salmonelose

Criador de pássaros Psitacose

Trabalho em limpeza urbana Leptospirose, Ascaridíase, Ancilostomíase

Lavadeira Dermatofitoses

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1.2 – PRINCIPAIS DOENÇAS

Através da Portaria 1.339 de 18 de novembro


de 1.999, é instituído a Lista de Doenças Relacionadas
ao Trabalho, onde também há uma lista de Doenças
Infecciosas e Parasitárias Relacionadas ao Trabalho,
como segue abaixo.

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Tuberculose

É a doença mais comum da humanidade, e


representa a principal doença infecciosa responsável
pela mortalidade de jovens e adultos. Ainda é impor-
tante problema de saúde pública mundial. Em rela-
tório da Organização Mundial de Saúde estima-se
que um terço da população mundial está infectada
pelo Mycobacterium tuberculosis, com oito milhões
de novos casos de três milhões de mortes devidas à
doença, por ano. (8)
No Brasil havia 35 a 45 milhões de pessoas
infectadas no início da década de 1990, sendo espe-
rados 100.000 novos casos e certa de 6.000 mortes
por ano (incidência de aproximadamente 54/100.000
habitantes). (8)
O micro-organismo responsável pela tubercu-
lose humana é o Mycobacterium tuberculosis, desco-
berto por Robert Koch, em 1882. Por ser um aeróbio
estrito, infecta os pulmões e aí se localiza preferencial-
mente. A presença de oxigênio facilita sua multiplica-
ção, e a ligação do órgão com o meio externo favo-
rece sua transmissão. Como não há resposta imediata
do hospedeiro, ele cresce no interior do organismo,
durante certo tempo, sem nenhum obstáculo. A trans-
missão é aerógena através da eliminação de partículas
com bacilos em suspensão por perdigotos favorecidos
pela tosse, fala ou espirro. (8)

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O conceito que dominou a medicina até o iní-
cio do século XX foi o de ausência de risco de infecção
para profissionais de saúde e para outras pessoas em con-
tato com pacientes tuberculosos. A partir da década de
1920, vários estudos demonstraram maior incidência de
tuberculose entre enfermeiras, médicos e estudantes de
medicina. Aos poucos, foram surgindo relatos de tuber-
culose em outros membros da equipe de saúde, como
técnicos de laboratório e de anatomia patológica, mos-
trando que o risco de infecção é diretamente proporcio-
nal ao contato do profissional com o paciente. (8)
Em determinados trabalhadores, a tubercu-
lose pode ser considerada “doença relacionada com o
trabalho”, do Grupo II da Classificação de Schilling,
posto que as condições de trabalho podem favorecer
a exposição a Mycobacterium tuberculosis ou a Myco-
bacterium bovis, como no caso de trabalhadores em
laboratórios de biologia, e em atividades que propiciam
contato direto com produtos contaminados ou com
doentes bacilíferos.(9)
Em trabalhadores expostos a poeiras de sílica ou
portadores de silicose, a tuberculose e a sílico-tubercu-
lose deverão ser consideradas como “doenças relaciona-
das com o trabalho”, do Grupo III da Classificação de
Schilling, uma vez que a exposição à sílica pode favorecer
a reativação da infecção tuberculosa latente, pois os cristais
de sílica no interior dos macrófagos alveolares deprimem
sua função fagocitária e aumentam sua destruição. (9)

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A tuberculose representa também risco ocupacio-
nal para trabalhadores em laboratórios e salas de necropsia.
Os riscos para pessoal de laboratório incluem a manipu-
lação de recipientes contaminados, escarros mal fixados,
geração de aerossol. Durante a realização de exames. Para
os trabalhadores em sala de necropsia, o exame em cadá-
veres de pacientes com tuberculose não diagnosticada em
vida constitui o principal risco. O risco estimado destes
profissionais adquirirem tuberculose é de 100 a 200 vezes
maior do que o da população geral na Inglaterra (Collins
& Grange, 1999). (8)
O risco de dentistas contraírem tuberculose de
SUS pacientes é relativo ao ambiente de trabalho, e mais
diretamente relacionado ao perfil sócio econômico dos
seus pacientes. Este risco pode ser reduzido através de
vigilância, educação e atenção ao perfil do paciente aten-
dido (Anders e cols., 1998). (8)

Carbúnculo

É uma zoonose causada pelo Bacillus anthracis,


microrganismo gram-positivo, manifestando-se, no ser
humano, em três formas clínicas: cutânea, pulmonar e
gastrintestinal. A meningite e a septicemia podem ser
complicações de todas essas formas. (9)
A doença tem distribuição mundial e ocorre em
casos isolados no decorrer do ano, ocasionalmente na
forma de epidemias. Decorre da exposição humana ao

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bacilo, em atividades industriais, artesanais, na agricul-
tura ou em laboratórios, estando, portanto, associada ao
trabalho, como, por exemplo, pelo contato direto das
pessoas com pelos de carneiro, lã, couro, pele e ossos,
em especial de animais originários da África e Ásia. Nas
atividades agrícolas, ocorre no contato do homem com
gato, porco, cavalo doente ou com partes, derivados e
produtos de animais contaminados. (9)
Os principais grupos de risco são os tratadores
de animais, pecuaristas, trabalhadores em matadouros,
curtumes, moagem de ossos, tosa de ovinos, manipula-
dores de lã crua, veterinários e seus auxiliares. Por sua
raridade e quase especificidade em determinados traba-
lhadores, pode ser considerada doença profissional ou
doença relacionada ao trabalho, do Grupo I da Classifi-
cação de Schilling. (9)

Leptospirose

É uma zoonose ubiquitária causada por uma


espiroqueta patogênica do grupo Leptospiracea. A
apresentação clínica é variável, com formas assintomá-
ticas ou leves até quadros graves, que se manifestam
com icterícia, hemorragias, anemia, insuficiência renal,
comprometimento hepático e meningite. A recupera-
ção é, geralmente, total em 3 a 6 semanas. A gravidade
da infecção depende da dose infectante, da variedade
sorológica da Leptospira e das condições do paciente. O

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período de incubação é variável, de 3 a 13 dias, podendo
chegar a 24 dias. (9)
As leptospiroses constituem verdadeiras zoo-
noses. Os roedores são os principais reservatórios da
doença, principalmente os domésticos. Atuam como
portadores os bovinos, ovinos e caprinos. A transmis-
são é realizada pelo contato com água ou solo conta-
minados pela urina dos animais portadores, mais rara-
mente pelo contato direto com sangue, tecido, órgão e
urina destes animais. Não há transmissão inter-humana,
exceto a intrauterina para o feto. (9)
A leptospirose relacionada ao trabalho tem sido
descrita em trabalhadores que exercem atividades em
contato direto com águas contaminadas ou em locais
com dejetos de animais portadores de germes, como
nos trabalhos efetuados dentro de minas, túneis, gale-
rias e esgoto; em cursos d’água e drenagem; contato
com roedores e com animais domésticos; preparação
de alimentos de origem animal, de peixes, de laticínios e
em outras atividades assemelhadas. (9)
Em determinados trabalhadores, a leptospirose
pode ser considerada como doença relacionada ao tra-
balho, do Grupo II da Classificação de Schilling, posto
que as circunstâncias ocupacionais da exposição à Lep-
tospira podem ser consideradas como contribuintes, no
conjunto de fatores associados com a etiologia desta
doença infecciosa. (9)

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Tétano

É uma doença aguda produzida pela potente


neurotoxina (tetanospasmina) do Clostridium tetani.
A toxina tetânica impede a inibição do arco reflexo
da medula espinhal, promovendo reflexos excitatórios
tônicos típicos, em múltiplas regiões do organismo. (9)
O C. tetani é um bacilo anaeróbio, encontrado na
natureza em ampla distribuição geográfica sob a forma
de esporos, no solo, principalmente quando tratado
com adubo animal, em espinhos de arbustos e peque-
nos galhos de árvores, em águas putrefatas, em pregos
enferrujados sujos, em instrumentos de trabalho ou latas
contaminadas com poeira da rua ou terra, em fezes de
animais ou humanas, em fios de sutura e agulhas de inje-
ção não convenientemente esterilizados. (9)
É disseminado pelas fezes de equinos e outros
animais e infecta o homem quando seus esporos pene-
tram através de lesões contaminadas, em geral de tipo
perfurante, mas também de dilacerações, queimaduras,
coto umbilical não tratado convenientemente, etc. A
presença de tecido necrosado, pus ou corpos estranhos
facilita a reprodução local do bacilo, que não é invasivo
e age à distância por sua toxina. (9)
A exposição ocupacional em trabalhadores é
relativamente comum e dá-se, principalmente, em aci-
dentes de trabalho (agricultura, construção civil, mine-
ração, saneamento e coleta de lixo) ou em acidentes

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de trajeto. A doença em trabalhadores decorrente de
acidente de trabalho poderá ser considerada como
doença relacionada ao trabalho, do Grupo I da Classi-
ficação de Schilling. (9)
A psitacose ou ornitose é uma doença infecciosa
aguda produzida por clamídias (C. psittaci e C. pneumoniae).
A enfermidade, em geral, é leve ou moderada, podendo ser
grave em idosos sem tratamento adequado. (9)
A psitacose é quase sempre transmitida aos
seres humanos por via respiratória. Em raras ocasiões
a doença pode ser contraída através da bicada de um
pássaro. O contato prolongado não é essencial para a
transmissão da doença. Alguns minutos passados no
ambiente previamente ocupado por uma ave infectada
tem resultado em infecção humana. (8)
O período de incubação varia de uma a quatro
semanas, e a transmissibilidade dura semanas ou meses. (8)
As fontes mais frequentes de infecção da C.
psittaci são periquitos, papagaios, pombos, patos, perus,
canários, entre outros, que transmitem a infecção por
meio de suas fezes dessecadas e disseminadas com a
poeira, sendo aspiradas pelos pacientes. Apesar de rara,
é possível a transmissão via respiratória, de pessoa a
pessoa, na fase aguda da doença. É uma zoonose que
acomete trabalhadores de criadouros de aves, clínicas
veterinárias, zoológicos e de laboratórios biológicos.
A C. pneumoniae infecta somente seres humanos,
sendo transmitida de pessoa a pessoa. Por sua raridade

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e relativa especificidade, a psitacose/ornitose poderá
ser considerada como doença profissional ou doença
relacionada ao trabalho, do Grupo I da Classificação de
Schilling, nos trabalhadores de granjas e criadores de
aves (patos, gansos, periquitos, pombos, etc.), emprega-
dos de casas de comércio desses animais, veterinários,
guardas florestais e outros em que se confirme as cir-
cunstâncias de exposição ocupacional. (9)

Dengue

É uma doença aguda febril, endemo-epidêmica,


causada por um dos Flavivírus do dengue (família Toga-
viridae), com quatro tipos sorológicos (1, 2, 3 e 4). Os
seres humanos são reservatórios e a transmissão ocorre
pela picada dos mosquitos Aedes aegypti, A. albopictus
e o A. scutellaris. Após repasto de sangue infectado, o
mosquito estará apto a transmitir o vírus após 8 a 12
dias de incubação extrínseca. A transmissão mecânica
também é possível, quando o repasto é interrompido
e o mosquito, imediatamente, alimenta-se num hospe-
deiro suscetível próximo. Não há transmissão por con-
tato direto de um doente ou de suas secreções para uma
pessoa sadia, nem por fontes de água ou alimento. (9)
O período de incubação da doença é de 3 a 15
dias, em média de 5 a 6 dias. O período de transmissibi-
lidade ocorre durante o período de viremia, que começa
um dia antes da febre até o sexto dia da doença. Quando

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