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Insuficiência Mitral

Para o perfeito funcionamento da valva mitral é necessário que todos os


seus componentes (anel, folhetos, cordoalhas tendinosas e músculos
papilares) sejam normais.88 A calcificação do anel mitral, o espessamento e
retração dos folhetos para o interior do AE, a rotura das cordoalhas
tendinosas, prolapso e a disfunção do músculo papilar podem tornar a valva
insuficiente.88
O diagnóstico clínico de insuficiência mitral baseado principalmente na
presença de sopro holossistólico apical irradiando-se para a axila esquerda
pode ser feito facilmente sem maiores problemas. Contudo, a identificação do
componente da valva responsável pela insuficiência é uma tarefa muitas vezes
difícil, mesmo com o auxílio do cateterismo cardíaco. A ecocardiografia
possibilita a identificação do componente valvar alterado, embora essa
alteração não signifique que a valva seja insuficiente. Assim, o diagnóstico
ecocardiográfico de lesão reumática, prolapso ou calcificação do anel não
implica na existência concomitante de regurgitação mitral.
Quando a insuficiência mitral for importante hemodinamicamente, o
ecocardiograma do VE mostrará aumento do diâmetro desta cavidade, além de
hipermotilidade septal e, menos acentuadamente, da parede posterior. Como
visto anteriormente no Cap. 7, estas alterações indicam apenas sobrecarga
volumétrica do VE.
É no movimento da parede posterior do AE que se observam as
modificações ecocardiográficas características da regurgitação mitral ao eco
unidimensional.89 A Fig. 8.65 mostra o ecocardiograma desta parede em um
paciente com insuficiência mitral severa; as alterações decorrentes da
regurgitação mitral são encontradas na sístole ventricular, durante o
enchimento atrial. O sangue regurgitante do VE enche o átrio mais rápido que
o normal, o que leva ao aumento da velocidade AC da parede posterior do AE
(AC > 100 mm/s) e da amplitude de expansão atrial (Profundidade C > 6 mm).
Estas anormalidades do movimento da parede posterior do AE são
patognomônicas da presença de insuficiência mitral.

Fig. 8.65 - Movimento da parede posterior do átrio esquerdo na regurgitação


mitral. Notem a grande velocidade de enchimento atrial (seta).
Em um ecocardiograma unidimensional, a separação aparente dos
folhetos mitrais na sístole não indica a presença de regurgitação mitral. O
aparecimento de um espaço entre os folhetos durante o segmento CD é
encontrado frequentemente em indivíduos normais e não significa uma
ausência de coaptação destes (Fig. 8.66), pois os múltiplos ecos aí registrados
podem se originar das cordoalhas tendinosas, ou então de diversos locais de
um mesmo folheto.90

Fig. 8.66 - Valva mitral normal. A presença de espaço livre de ecos durante o
segmento CD (seta) não indica falta de coaptação entre os folhetos (vide texto).

A amplitude de excursão CE e a velocidade de fechamento diastólico EF


do folheto anterior da mitral têm sido descritas como aumentadas na
insuficiência valvar, 91-94 porém são dados inespecíficos, pois estão alterados
em qualquer condição que aumente o fluxo transmitral.93
Quer a regurgitação mitral seja leve ou grave, o aspecto
ecocardiográfico da valva mitral depende apenas da etiologia desta
regurgitação.

Insuficiência Mitral Reumática

O ecocardiograma unidimensional da valva mitral com regurgitação


secundária à lesão reumática é bastante semelhante ou mesmo indistinguível
daquele encontrado na estenose mitral,94-96 e o diagnóstico diferencial é feito
pelos sinais de sobrecarga volumétrica do VE nos casos de regurgitação, pois
quando a estenose mitral é a única lesão ou a mais importante, o VE tem
diâmetro normal. Naturalmente esta avaliação fica bastante prejudicada
quando a sobrecarga do VE pode ser explicada por outros fatores como
regurgitação aórtica, por exemplo.
Os folhetos estão espessados, e caracteristicamente o folheto posterior
move-se para a frente durante a diástole (Fig. 8.67).
Fig. 8.67 - Insuficiência mitral. Valva mitral com lesão reumática. Notem o
movimento inicial em direção anterior do folheto posterior (seta), indicando
fusão das comissuras.

A velocidade de fechamento diastólico EF e a amplitude de excursão CE


do folheto anterior podem estar diminuídas, normais ou aumentadas.32,93-
95,97 O ecocardiograma da valva mitral se assemelha ao visto na estenose
mitral leve, com velocidade EF maior que 30 mm/s e presença de onda A no
folheto anterior na maioria dos casos. Ocasionalmente, a velocidade EF está
bastante reduzida a níveis semelhantes aos encontrados na estenose mitral
grave, mesmo quando não existe gradiente significativo.95,96 Segal et al.32
chamaram a atenção para o segmento EF com fase inicial rápida, seguida por
uma desaceleração, encontrado na regurgitação mitral reumática,
principalmente quando há também um certo grau de estenose (Fig. 8.68).
Fig. 8.68 - Movimento diastólico do folheto anterior tipo ski slope
apresentando uma velocidade inicial rápida seguida por uma mais lenta (seta).
Este tipo de movimento é mais encontrado na dupla lesão mitral com
predomínio da insuficiência.

O ecocardiograma bidimensional (98,99) mostra uma valva mitral


espessada, frequentemente calcificada e com motilidade diminuída,
semelhante ao visto na estenose mitral reumática (Fig. 8.69), porém o orifício
valvar mitral tem uma área maior que 3 cm2 (Fig. 8.70)99 sendo a regurgitação
mitral a lesão predominante.

Fig. 8.69 - Corte longitudinal. Lesão reumática da valva mitral (M) com discreta
calcificação da borda do folheto anterior e do posterior. Notar o aumento das
cavidades esquerdas.

Fig. 8.70 - Corte transverso ao nível mitral. A área do orifício valvar mitral
geralmente está acima de 3 cm2 quando em uma dupla lesão mitral
predominar a insuficiência.
Quando há apenas regurgitação mitral sem estenose, não existe fusão
das comissuras. Frequentemente há também uma convexidade do folheto
anterior da mitral para o interior do VE no início da diástole, similar ao
encontrado na estenose mitral (Fig. 8.71).

Fig. 8.71 - Corte longitudinal. Notar a convexidade dos folhetos da mitral (M).

Este sinal indica que há gradiente mitral, que pode ser devido à
concomitância de uma estenose mitral ou a um gradiente de fluxo secundário a
uma regurgitação muito importante. Aqui também, uma das primeiras
anormalidades é o encontro de um folheto posterior da mitral relativamente
imóvel quando visto no corte longitudinal. Essas alterações no eco indicam
apenas que a valva tem lesão reumática, não necessariamente que ela esteja
regurgitando. Quando além destas alterações encontram-se sinais de
sobrecarga volumétrica do VE, deduz-se que a lesão reumática mitral está
produzindo uma regurgitação. É fácil concluir que, se a regurgitação for
discreta, portanto sem sobrecarga das cavidades esquerdas, não há como
distinguir de uma estenose leve ou de uma lesão mitral sem problemas
hemodinâmicos na maioria dos casos.
Em raras ocasiões é possível notar um defeito de coaptação dos
folhetos mitrais no início da sístole num corte longitudinal (Fig. 8.72A) ou
transverso ao nível da valva (Fig. 8.72B). Este sinal tem sido utilizado também
para avaliação da gravidade da regurgitação.98 Assim, a ausência de
coaptação de uma pequena área da mitral encontrada apenas junto à
comissura medial ou à comissura lateral, geralmente indica pequena
regurgitação, enquanto que a não coaptação no centro do orifício valvar ou em
ambas regiões das comissuras indica uma regurgitação grave. É importante
que a não coaptação dos folhetos seja procurada logo no início da sístole, pois
a contração ventricular traciona o aparelho mitral em direção ao ápice retirando
o orifício da posição do corte.
Fig. 8.72 - Ausência de perfeita coaptação dos folhetos valvares (M) na sístole.
A- Corte longitudinal. B- Corte transverso ao nível mitral.

O eco transesofágico é excelente para diagnosticar a causa da


regurgitação mitral tendo em vista a proximidade do transdutor dos folhetos e a
utilização de alta frequência de energia ultra-sônica com consequente melhor
resolução do que o transtorácico. A valva com regurgitação de natureza
reumática apresenta espessamento e restrição da motilidade, principalmente
da ponta dos folhetos, o que proporciona uma movimentação típica (Fig. 8.73).
A calcificação valvar pode também ser melhor apreciada.
Fig. 8.73 - Lesão reumática mitral com regurgitação importante. Corte
transesofágico de quatro câmaras. Os folhetos estão espessados e têm
restrição de motilidade.

Rotura de Cordoalha Tendinosa

Uma causa relativamente frequente de insuficiência mitral é a rotura de


cordoalhas tendinosas.164,165 Ao contrário do que comumente se acredita, a
rotura de cordoalhas nem sempre leva à insuficiência mitral catastrófica.
Frequentemente a lesão hemodinâmica é leve e os sintomas não aparecem
agudamente, o que torna difícil o diagnóstico diferencial com as outras formas
de insuficiência mitral, notadamente a reumática, em bases clínicas apenas.
O aspecto ecocardiográfico unidimensional da rotura de cordoalha
tendinosa é bastante variável e depende de qual folheto mitral perdeu o
suporte.(94,97,127,166-169)
Comumente o folheto posterior é afetado. A Fig. 8.112 mostra o
ecocardiograma de um paciente com rotura de cordoalhas do folheto posterior
da valva mitral. Este folheto estando livre movimenta-se desordenadamente
durante a diástole, ondulando com a passagem do sangue através do orifício
mitral, semelhante aos movimentos aleatórios de uma vela de barco ao vento.
O movimento é diferente em cada diástole.
Fig. 8.112 - Rotura de cordoalha do folheto posterior da valva mitral. Este
folheto apresenta movimentos aleatórios durante a diástole (seta).

Muitas vezes o folheto posterior chega a tocar o folheto anterior


enquanto aberto (Fig. 8.113).

Fig. 8.113 - Rotura de cordoalha do folheto posterior da valva mitral. Notem o


movimento aleatório do folheto posterior que em certos locais chega a tocar no
folheto anterior durante a diástole (seta).

Frequentemente aparecem vibrações diastólicas de baixa frequência no


folheto posterior (Fig. 8.114). Como a rotura se faz em apenas um certo
número de cordoalhas, a anormalidade ecocardiográfica só será demonstrada
quando o feixe atingir a parte do folheto que estiver solta, podendo passar
despercebida se toda a área valvar não foi examinada. Ocasionalmente, em
apenas um local restrito da valva mitral, pode-se notar o movimento anormal do
folheto posterior (Fig. 8.115).
Fig. 8.114 - Rotura de cordoalha do folheto posterior da valva mitral. Este
folheto apresenta durante a diástole vibrações grosseiras (seta).

Fig. 8.115 - Rotura de cordoalha do folheto posterior da valva mitral. Notem


que apenas certa parte do folheto posterior se encontra solto e apresenta
movimento amplo durante diástole, chegando a tocar o folheto anterior (seta).

Nos casos de rotura de cordoalha do folheto anterior, é este que


apresenta ondulações aleatórias ou vibrações de baixa frequência durante a
diástole, como vistas na Fig. 8.116.
Fig. 8.116 - Rotura de cordoalha de ambos folhetos da valva mitral. O folheto
anterior apresenta vibrações grosseiras e caóticas (seta). O folheto posterior
também perdeu o suporte das cordoalhas e vibra durante a diástole.

O movimento diastólico aleatório dos folhetos tem uma sensibilidade e


especificidade para a detecção de rotura de cordoalhas de 73% e 71%
respectivamente quando o folheto posterior está envolvido e de 67% e 86%
quando o envolvimento é do folheto anterior (169)
Um achado que na nossa experiência é bastante útil neste diagnóstico é
o aparecimento de um ponto E agudo como o visto na Fig. 8.117.

Fig. 8.117 - Frequentemente o ponto E se torna pontiagudo na rotura de


cordoalhas do folheto anterior (seta).
Mesmo quando há lesão reumática da valva mitral, pode-se demonstrar
a presença concomitante de rotura de cordoalha (Fig. 8.118).

Fig. 8.118 - Lesão reumática da valva mitral e rotura de cordoalhas do folheto


anterior. A valva mitral está espessada, com diminuição de velocidade de
fechamento diastólico EF e o folheto posterior move-se para frente na diástole.
Contudo, parte do folheto anterior apresenta movimento caótico (seta)
indicativo de rotura de cordoalha tendinosa.

Durante o período sistólico, o segmento CD pode apresentar-se normal


ou com prolapso holo ou telessistólico.94 Raramente registram-se vibrações
sistólicas da valva mitral, como mostra a Fig. 8.119. Estas vibrações
geralmente indicam que a rotura das cordoalhas foi secundária à endocardite
infecciosa.170 Este sinal apresenta uma sensibilidade de 29% e especificidade
de 76% (169).

Fig. 8.119 - Valva mitral apresentando vibrações sistólicas (seta) em um caso


de rotura de cordoalhas devido à endocardite bacteriana.
O septo interatrial geralmente apresenta ampla motilidade com
acentuado abaulamento para o interior do AD na sístole e, quando a rotura
envolve o folheto posterior, podem aparecer vibrações sistólicas neste septo
(Fig. 8.120) devido à incidência direta do jato regurgitante.171

Fig. 8.120 - Vibração sistólica do septo interatrial em um paciente com rotura


de cordoalhas.

É possível registrar os ecos provenientes do folheto livre no interior do


AE durante a sístole ventricular (Fig. 8.121);94,167,168 contudo este aspecto
é também encontrado quando há prolapso mitral sem rotura de cordoalhas,
sendo, portanto, um achado inespecífico.125

Fig. 8.121 - Demonstração de estrutura valvar mitral no interior do átrio


esquerdo em um paciente com rotura de cordoalhas (seta).
À primeira vista pode-se pensar que pacientes com regurgitação mitral
aguda, produzida por rotura de cordoalha, deveriam ter cavidades esquerdas
com tamanho normal ou apenas levemente aumentado, se comparados
àqueles com forma crônica de regurgitação mitral, e que tal diferença possa ser
usada para o diagnóstico diferencial das formas agudas e crônicas de
regurgitação. Porém, não parece haver diferença significativa no tamanho do
átrio e ventrículo esquerdos, avaliados ecocardiograficamente, quando a
insuficiência mitral aguda (menos de seis meses de sintomatologia) é
comparada com a forma crônica.(94,97,172)
O eco bidimensional mostra basicamente o folheto livre se projetando
para o interior da cavidade do AE na sístole,(169,173-175,) o que pode ser bem
evidenciado tanto no corte longitudinal (Fig. 8.122) quanto no apical de quatro
câmaras (Fig. 8.123).

Fig. 8.122 - Corte longitudinal. Rotura de cordoalhas. Notam-se estruturas da


valva mitral projetando-se para o interior do átrio esquerdo na sístole (seta).

Fig. 8.123 - Corte apical de quatro câmaras. Rotura de cordoalhas mitral.


Durante a sístole notam-se estruturas da valva mitral no interior do AE (seta).
Há ocasiões em que apenas a cordoalha rota se projeta para o AE (Fig.
8.124). Ao contrário do prolapso mitral, onde é a região basal dos folhetos que
se dirige para a cavidade atrial na sístole, na rotura de cordoalhas é a borda
livre dos folhetos que se desloca.173,175 A região basal geralmente tem uma
posição normal ou, quando o folheto estiver praticamente solto devido à rotura
de diversas cordoalhas, ela pode também se projetar para o AE mas sempre
em menor amplitude do que a borda livre do folheto.

Fig. 8.124 - Corte longitudinal. Estrutura filiforme (seta), no interior do


AE durante a sístole.

O folheto que perde o suporte das cordoalhas durante o seu


fechamento, pode passar pelo outro e ir parar no interior do AE (Fig. 8.125).

Fig. 8.125 - Corte longitudinal. Rotura de cordoalhas do folheto anterior.


Durante a sístole este folheto não coapta com o posterior, passando por ele e
se projetando no interior do AE (seta).
Da mesma forma que no eco unidimensional, não se está visualizando
toda a valva mitral ao mesmo tempo quando se faz um corte bidimensional e,
portanto, é necessário fazer uma varredura por toda a valva para se encontrar
a região onde a rotura da cordoalha está afetando. Durante a realização do
exame, é muito comum notar que a maior parte da valva pode não estar
afetada e cortes realizados nestas regiões podem ser totalmente normais. Com
certa frequência pode haver rotura de cordoalhas em pacientes com prolapso
mitral sem que necessáriamente a regurgitação seja importante (176). Tal
situação pode ser de difícil diagnóstico devido ao movimento já anormal dos
folhetos e ao seu espessamento.
Há duas possibilidades de diagnóstico falso-positivo de rotura de
cordoalhas pelo eco bidimensional. Uma delas é na síndrome de Marfan onde
cordoalhas muito alongadas que não sustentam a tração dos folhetos permitem
que a borda livre destes folhetos se projete para o AE na sístole de uma
maneira indistinguível da rotura de cordoalhas. A outra possibilidade é em
certos tipos de lesão reumática mitral com maior acometimento do folheto
posterior, de modo que este se torna fixo e tem sua borda livre tracionada mais
para o interior da cavidade do VE. Nesta condição, ao se fechar, o folheto
anterior não irá se coaptar com o posterior e sua borda livre irá se mover mais
para o interior do AE do que a borda do folheto posterior dando a impressão de
que há rotura de cordoalhas. Este é um aspecto ecocardiográfico bastante
incomum de acometimento reumático valvar mitral e geralmente há outros
sinais de lesão reumática na valva para que o diagnóstico correto possa ser
feito.
Ao eco transesofágico, a demonstração do folheto mitral solto no interior
do AE durante a sístole é um achado muito sensível e específico (93 e 95%,
respectivamente) para este diagnóstico (177,178). O aspecto das cordoalhas,
ondulantes e com súbita projeção na cavidade atrial tem sido descrito como
"sinal da língua de cobra" (Fig. 8.126).
Fig. 8.126 - (A) Aspecto de “lingua de cobra” da projeção da ponta do folheto
roto na cavidade atrial (seta). Eco transesofágico. B,C e D- Fotos obtidas em
intervalos de um mesmo período sistólico.

Ocasionalmente, além do folheto deslocado para o interior do AE, pode-


se ver claramente as cordoalhas rotas (Fig. 8.127). Um outro sinal bastante
encontrado é a coaptação anormal dos folhetos (179) com a ponta do folheto
afetado transpondo o outro e deslocando-se para o interior do AE (Fig. 8.128).
Este sinal é menos específico, já que pode ocorrer no prolapso valvar devido
ao alongamento das cordoalhas, porém aparenta ser mais sensível em nossa
experiência.

Fig. 8.127 - Rotura de cordoalhas. Notam-se claramente as diversa cordoalhas


rotas (setas). Eco transesofágico. A- Corte de quatro câmaras. B- duas
câmaras transgástrico.

Fig. 8.128 - Mais frequentemente o aspecto da rotura e de um folheto cuja


ponta ultrapassa a borda de coaptação do outro. Geralmente a ponta do folheto
solto tem movimento aleatório, mostrando que não está fixa pelas cordoalhas.
Quando se compara a acurácia do eco transesofágico e do transtorácico
para o diagnóstico da rotura de cordoalhas, assim como da avaliação da
gravidade da regurgitação resultante, o transesofágico mostra maior
sensibilidade e valor preditivo negativo (100 vs 65%, e 100 vs 56%,
respectivamente) (177,179). Em pacientes com prolapso mitral, em que o
diagnóstico de rotura de cordoalhas concomitante pode ser de difícil avaliação,
o eco transesofágico revela-se muito útil no estabelecimento do diagnóstico
(178). Nesta situação ele tem uma maior acurácia do que o transtorácico,
sendo capaz de diagnosticar corretamente 96% dos pacientes contra 70% ao
eco transtorácico (178).

Disfunção de Músculo Papilar

Na disfunção de músculo papilar, frequentemente a valva mitral tem um


aspecto ao eco unidimensional que lembra um "pinheiro tombado" (Fig. 8.129).
Os folhetos estão anormalmente afastados da parede posterior do VE, sendo
por isso facilmente registrados. O segmento CD está retificado e é formado de
múltiplos ecos.97 O aspecto em "pinheiro tombado" na realidade indica
disfunção ventricular esquerda e não, especificamente, do músculo papilar.
Assim, o aparecimento destas modificações ecocardiográficas só indica a
presença de disfunção do músculo papilar em pacientes com quadro clínico
compatível.
Tallury et al.180 encontraram um aumento da excursão DE e da
velocidade de fechamento diastólico EF em casos de disfunção de músculo
papilar, que não corresponde à nossa experiência e a de outros.181
Frequentemente, o ecocardiograma unidimensional da valva mitral é
completamente normal em pacientes com esta patologia.

Fig. 8.129 - Valva mitral com aspecto em "pinheiro tombado" encontrado na


disfunção ventricular esquerda como também na disfunção do músculo papilar.
Ao eco bidimensional, têm sido descritas anormalidades na posição dos
folhetos durante a sístole em pacientes com disfunção de músculo papilar. Um
estudo182 mostrou que pode haver uma restrição do movimento de
fechamento de um ou ambos folhetos, de modo que eles sejam retidos mais
para o interior da cavidade do VE, sem coaptação perfeita (Fig. 8.130). Além
disto há sempre discinesia na parede ventricular junto ao músculo papilar.
Infelizmente, em nossa experiência, não temos sido capazes de encontrar com
frequência estes sinais em pacientes com disfunção de músculo papilar.
Geralmente o que se evidencia são sinais de disfunção ventricular esquerda
com aumento cavitário e hipocinesia das paredes do VE, particularmente da
parede posterior, sem qualquer evidência específica de que haja disfunção de
músculo papilar no ecocardiograma da própria valva mitral.

Fig. 8.130 - Corte apical de quatro câmaras. Disfunção de músculo papilar. A


região de coaptação dos folhetos mitrais encontra-se deslocada para o interior
do VE.

Kizanuki et al (183) demonstraram que em pacientes com regurgitação


mitral devido à disfunção de músculo papilar há uma redução do encurtamento
dos músculos papilares. Esta avaliação é feita medindo-se o comprimento
diastólico e sistólico dos músculos papilares em um corte apical longitudinal e
então calcula-se a fração de encurtamento. Os valores normais são 27 + 8 %,
para o músculo papilar antero-lateral, e 30 + 8 para o postero-medial. Segundo
estes autores, a regurgitação mitral moderada ou grave é mais encontrada
quando há diminuição do encurtamento de ambos os músculos papilares do
que nos casos em que apenas um músculo é anormal ou quando ambos são
normais. Kono et al (184) não encontraram relação com o diâmetro do anel e a
presença de regurgitação mitral mas sim com a modificação da forma do VE,
mais esférica, presente em pacientes com insuficiência cardíaca.
Ao eco transesofágico pode-se notar mais detalhes da retração dos
folhetos mitrais (Fig. 8.131).
O ecocardiograma, principalmente o transesofágico, é particularmente
importante na identificação de rotura de músculo papilar em pacientes com
enfarte do miocárdio, ocasião em que o estado de choque pode obscurecer a
presença de grave regurgitação mitral (185).

Fig. 8.131 - Eco transesofágico. Corte de quatro câmaras. Notem a retração do


folheto posterior com ausência de coaptação em um caso de disfunção de
músculo papilar.

Calcificação do Anel Mitral

A calcificação do anel mitral é uma causa frequente de insuficiência


mitral, encontrada principalmente em mulheres idosas. 186
Estudos anátomo-patológicos mostram que os depósitos de cálcio se
fazem mais intensamente na parede posterior do anel, e com uma certa
frequência eles se estendem ao AE e para o interior do VE, por detrás dos
folhetos mitrais.187
A ecocardiografia é mais sensível que a fluoroscopia para a detecção
destas calcificações.186,188 Caracteristicamente, o ecocardiograma
unidimensional mostra uma zona espessa de ecos, localizada atrás da valva
mitral, movendo-se anteriormente durante a sístole e posteriormente na
diástole,97,186,188 como mostra a Fig. 8.132. Os ecos do anel calcificado
podem ser tão intensos que obliteram o registro da valva durante a sístole;
na diástole o folheto anterior da mitral parece desprender-se destes ecos, mas
o folheto posterior mais dificilmente é individualizado.
Fig. 8.132 - Calcificação do anel mitral. Nota-se uma faixa de ecos atrás da
valva (seta). Os folhetos mitrais não estão calcificados.

O eco bidimensional189 mostra, ao corte longitudinal, a presença destas


calcificações como ecos bastante intensos, com dimensões variadas
dependendo da quantidade de calcificação, localizados mais frequentemente
atrás do folheto posterior da mitral (Fig. 8.133).

Fig. 8.133 - Corte longitudinal. Calcificação do anel mitral (seta).

Ao corte apical de quatro câmaras, estas calcificações são notadas


principalmente na zona de inserção do folheto posterior (Fig. 8.134). O corte
transverso ao nível da mitral também mostra estas calcificações (Fig. 8.135).
Menos frequentemente pode haver calcificação também junto à base do folheto
anterior. Caracteristicamente a borda livre dos folhetos não está calcificada.
Fig. 8.134 - Corte apical de quatro câmaras. Calcificação do anel mitral.

Fig. 8.135 - Corte transverso ao nível mitral. Notar que a calcificação do anel
(seta), não envolve os folhetos.

A calcificação do anel pode ser fácilmente detectada ao eco


transesofágico (Fig. 8.136), mas como o transtorácico aparenta ser bastante
sensível para este diagnóstico, a não ser que haja dúvidas em relação a
gravidade da regurgitação mitral, não há necessidade de um eco
transesofágico.
Embora na grande maioria das vezes esta calcificação do anel produza
apenas regurgitação valvar, raramente pode haver estenose detectável ao
Doppler.190
Fig. 8.136 - Eco transesofágico. Calcificação do anel mitral (seta).

Calcificação das Cordoalhas e Músculos Papilares

Raramente ocorre calcificação idiopática das cordoalhas tendinosas (Fig.


8.137) ou dos músculos papilares (Fig. 8.138), o que pode levar à regurgitação
mitral importante. Estas calcificações estão no interior do VE, longe portanto
dos folhetos e do anel da valva mitral.191

Fig. 8.137 - Corte longitudinal. Calcificação das cordoalhas tendinosas.


Fig. 8.138 - Corte apical. Calcificação do músculo papilar ântero-lateral.

Avaliação da Gravidade Hemodinâmica da Insuficiência Mitral

A avaliação ecocardiográfica,tanto uni quanto bidimensional, da


importância hemodinâmica da regurgitação mitral é feita grosseiramente pelo
tamanho atrial e ventricular esquerdos. Nas regurgitações importantes ou
moderadas, estas cavidades estão aumentadas e mostram sinais de
sobrecarga volumétrica. Porém, o aumento das cavidades esquerdas é um
bom indicador da gravidade da regurgitação apenas nos pacientes sem
fibrilação atrial e nos casos em que a regurgitação não seja aguda(192). Não
há nenhuma alteração ecocardiográfica na própria valva mitral capaz de
indicar, com segurança, a gravidade hemodinâmica da lesão. A melhor
indicação da importância hemodinâmica de uma regurgitação mitral é dada
pela ecocardiografia Doppler.

Ecocardiografia Doppler na Regurgitação Mitral

O eco Doppler tem importância não só no diagnóstico da presença de


uma regurgitação mitral, o que geralmente não é possível pelo eco uni ou
bidimensional, como também é a melhor forma de avaliar pelo ultra-som a
gravidade desta regurgitação.193,194
O melhor posicionamento do volume de amostragem do Doppler pulsátil
para detecção do jato sanguíneo da regurgitação mitral é obtido partindo-se de
um corte apical de quatro câmaras e colocando-se a marca do volume de
amostragem no interior do AE, inicialmente logo atrás da posição que se
encontram os folhetos mitrais durante a sístole (Fig. 8.139A). Ocasionalmente
é possível uma melhor demonstração partindo-se do corte longitudinal,
posicionando o volume de amostragem na cavidade do AE, atrás da mitral (Fig.
8.139B).

Fig. 8.139 - Para se detectar a turbulência da regurgitação mitral o volume de


amostragem deve se situar atrás dos folhetos mitrais, dentro do AE, tendo um
corte apical de quatro câmaras (A) ou um longitudinal (B) como guia.

Uma vez situado o volume de amostragem atrás dos folhetos da valva, é


necessário modificar a sua posição ao longo da linha de fechamento valvar na
tentativa de melhor detectar o jato regurgitante. A simples colocação do
volume de amostragem atrás da mitral não é o suficiente para demonstrar uma
regurgitação na maioria dos casos. Frequentemente quando esta regurgitação
é leve, o jato é bem direcionado, sem muita dispersão, sendo necessário
procurá-lo junto à linha de fechamento valvar. Aqui também o sinal de áudio é
o dado mais importante para a localização do jato. Quando perfeitamente
alinhado, o sinal de áudio tem uma alta frequência, facilmente distinguida.
Quando a regurgitação mitral é importante, o distúrbio do fluxo
sanguíneo que ela produz no interior do AE durante a sístole é logo percebido
em uma região grande ao longo da linha de fechamento valvar. Porém,
quando a regurgitação é pequena, ou em casos de prolapso ou rotura de
cordoalhas, o jato pode não ser direcionado para a parede posterior do AE e
sim obliquamente para as outras paredes, podendo a demonstração pelo
Doppler da regurgitação mitral ser mais difícil, sendo necessária uma procura
em toda a região atrás da mitral para achá-la. As regurgitações de natureza
reumática geralmente têm um jato central.195,196 Quando há prolapso ou
rotura de cordoalhas para o folheto anterior, o jato regurgitante é mais
frequentemente dirigido posteriormente e quando o folheto posterior é
envolvido, o jato dirige-se anteriormente.195,196
A Fig. 8.140 mostra o Doppler pulsátil de uma regurgitação mitral. Nota-
se que durante a sístole há intensa dispersão das frequências, com
velocidades sendo detectadas acima e abaixo do eixo horizontal.193
Fig. 8.140 - Doppler pulsátil de uma regurgitação mitral. Há intensa turbulência
do fluxo sangüíneo atrás dos folhetos mitrais.

Isto é devido a dois fenômenos: há turbulência do sangue em volta do


jato regurgitante, o que leva à demonstração de hemácias com velocidade e
direção bastante variáveis, inclusive em direção à própria valva mitral, contrária
portanto ao jato. A outra razão é que o jato tem uma velocidade muito alta,
acima do limite de Nyquist, e, portanto, além da possibilidade do Doppler
pulsátil analisá-lo sem que haja fenômeno de inversão (aliasing). Vemos
portanto que é possível encontrar, dentro da cavidade atrial esquerda, dois
tipos de fluxo na regurgitação mitral, um deles é unidirecional, formado pelo
jato regurgitante, e sempre com direção tal que se afasta dos folhetos mitrais, o
outro é bidirecional e formado pela região adjacente ao jato onde há formação
de redemoinho de sangue com direção aleatória. O Doppler pulsátil não
consegue distinguir estes tipos de fluxos devido ao limite de Nyquist, sendo
então necessário o Doppler contínuo.
A Fig. 8.141 mostra o Doppler contínuo de uma regurgitação mitral.
Nota-se que a direção das velocidades durante a sístole é quase
exclusivamente posterior. O traçado ideal é aquele que mostra uma maior
concentração das velocidades junto à velocidade máxima em um determinado
tempo, de modo que na análise de frequência haja uma acentuação do traçado
com predomínio de branco na escala de cinzas ao longo do limite externo da
curva formando um envelope no traçado.
Fig. 8.141 - Doppler contínuo de uma regurgitação mitral.

O Doppler contínuo mostra, naturalmente, o gradiente instantâneo entre


o VE e o AE durante a sístole e utilizando-se a equação de Bernoulli (GRAD =
4. Vmáx2) é possível saber o seu valor. Sabendo-se a pressão sistólica no
interior da cavidade do VE, que é semelhante à pressão sistólica periférica
obtida por um manguito, pode-se deduzir o valor da "onda V" na curva de
pressão da cavidade atrial esquerda. Já que o gradiente entre o VE e o AE
durante a sístole é a diferença de pressão entre estas duas cavidades:

GRAD = P sist VE - P sist AE

podendo o gradiente ser obtido pelo Doppler e a pressão sistólica do VE por


medida da pressão arterial, a pressão sistólica no AE (onda V) será então:

P sist AE = P sist VE - GRAD

O aspecto ao fluxograma de uma regurgitação mitral é semelhante,


qualquer que seja a etiologia da lesão mitral, exceto em certos pacientes com
prolapso mitral que podem apresentar regurgitação apenas na meso-
telessístole43,197 como visto na Fig. 8.142.
Fig. 8.142 - Discreta regurgitação telessistólica em um paciente com prolapso
mitral.

A sensibilidade e a especificidade da ecocardiografia Doppler em


detectar regurgitação mitral têm sido descritas por diversos autores como muito
altas.198,199 De acordo com Blanchard et al.,198 a sensibilidade do Doppler
é maior nas regurgitações moderadas a graves (100%) do que nas leves
(77%), o que é explicado pela maior dificuldade em se encontrar o jato quando
a regurgitação é leve. O eco Doppler frequentemente detecta fluxo diagnóstico
em pacientes com regurgitação mitral sem sopro audível devido ao baixo débito
cardíaco. Em 80 pacientes com prolapso estudados por Panidis,200 o Doppler
registrou fluxo de regurgitação mitral em 69%, sendo esta regurgitação leve em
59% dos pacientes e moderada a severa em 10%. Em 36% dos casos com
regurgitação mitral ao Doppler, não se detecta sopro sistólico à ausculta.
A possibilidade de diagnóstico falso-positivo pelo Doppler de uma
regurgitação mitral é pequena e quase exclusivamente devido à demonstração
concomitante do fluxo da ejeção ventricular esquerda na via de saída do VE,
que durante a sístole tem direção posterior quando analisada pelo ápice,
podendo ser confundido com um jato de regurgitação mitral (Fig. 8.143). É
possível reconhecer o fluxo da via de saída do VE pelo seu sinal de áudio que
é constituído de frequências mais homogêneas, sendo mais sibilante do que o
da regurgitação mitral, que é formado por múltiplas frequências, que o torna
mais rude.
Fig. 8.143 - Fluxo de via de saída do VE (setas) (vide texto).

Uma outra maneira de distinguir os dois fluxos, ou ainda de distinguir o


jato de uma regurgitação mitral daquele encontrado na estenose aórtica, que
também tem direção semelhante, é pela análise do período de pré-ejeção. O
fluxo de regurgitação mitral começa praticamente com o final do QRS do
eletrocardiograma, assim que acaba o fluxo anterógrado diastólico através da
valva (Fig. 8.144A), enquanto o fluxo de ejeção ventricular esquerda na via de
saída, ou o jato de uma estenose aórtica, tem um certo intervalo de tempo
entre o QRS e seu início, que corresponde ao período de pré-ejeção (Fig.
8.144B). Além do mais, o fluxo de regurgitação sempre produz fenômeno de
inversão devido à sua alta velocidade, enquanto que no da via de saída este
fenômeno não existe ou é de pequena intensidade.

Fig. 8.144 - Fluxo de um jato de regurgitação mitral (A) e de uma estenose


aórtica (B). O da regurgitação mitral começa já no final do QRS, tão logo
acabe o fluxo anterógrado mitral. O fluxo do jato aórtico começa depois de
um determinado intervalo do QRS, que corresponde ao período de pré-ejeção.
Diversos autores notaram a presença de regurgitação mitral mínima em
indivíduos normais,199,201-203 mesmo com ventriculogramas esquerdos que
não demonstravam refluxo.199 O Doppler a cores chega a mostrar
regurgitação em 45% dos indivíduos normais.203 Isto pode ter duas possíveis
explicações: ou a sensibilidade do Doppler é tão grande que detecta
regurgitação trivial, sem importância clínica, não detectável pela
ventriculografia, e, portanto, deveriam ser consideradas fisiológicas, ou há
possibilidades de falso-positivos independentes da técnica, o que é improvável.
De qualquer modo, critérios mais rígidos, como a não inclusão de turbulência
proto-mesossistólica ou qualquer fluxo com velocidade abaixo de 1,5 m/s como
indicativo de regurgitação mitral, aumentam a especificidade para 97% quando
comparado com a ventriculografia199 sem entrar no mérito da questão se a
ventriculografia é que é pouco sensível.
O grau da regurgitação mitral é muito melhor avaliado pelo eco Doppler.
O método mais amplamente utilizado(204) avalia a extensão do distúrbio do
fluxo sistólico no interior da cavidade do AE pelo Doppler pulsátil (Fig. 8.145).

Fig. 8.145 - Avaliação da gravidade da regurgitação mitral pelo Doppler pulsátil


(vide texto).

Colocando-se o volume de amostragem em diversos locais no interior da


cavidade atrial esquerda, é possível realizar um mapeamento das regiões onde
o fluxo é turbulento e das regiões onde ele é normal. Quanto mais extensa a
área onde se detecta a turbulência no interior do AE, mais importante é a
regurgitação mitral. De uma forma mais direta e simplificada, pode-se
modificar a posição do volume de amostragem afastando-o gradativamente da
linha de fechamento mitral em direção à parede posterior do AE. Quanto mais
importante a regurgitação mais longe da mitral será possível detectá-la. Desta
forma, uma regurgitação mitral será leve quando somente se detectar distúrbio
do fluxo na região imediatamente atrás da mitral ou se estendendo até 1/3 da
cavidade atrial. A regurgitação será moderada quando for detectada até a
metade da cavidade do AE e grave quando for além desta metade.
Este método para avaliar a gravidade de uma regurgitação mitral tem
certos problemas que o ecocardiografista tem que estar atento para não
realizar uma estimativa errada. É possível, por exemplo, superestimar uma
regurgitação mitral quando o jato desta é de alta velocidade e atinge regiões
bem posteriores na cavidade atrial, muito embora ela seja leve (Fig. 8.146A).
Nestes casos, apesar de ser demonstrado um distúrbio do fluxo em regiões
afastadas da linha de fechamento mitral, o jato é necessariamente estreito e a
área que ele ocupa é pequena. O mais frequente é subestimar a gravidade da
regurgitação quer seja por que o AE está muito grande quer seja por haver
baixo débito cardíaco. Uma outra possibilidade é a presença de jatos
excêntricos, que não se dirigem para a parede posterior do AE (Fig. 8.146B) e
podem dar a impressão de que se situam apenas junto à valva mitral. Tal
condição é encontrada mais comumente no prolapso da valva mitral ou nas
roturas de cordoalhas.

Fig. 8.146 - Avaliação da gravidade da regurgitação mitral pelo Doppler.


Possibilidades de erros (vide texto).

Um outro modo de avaliar a gravidade da regurgitação mitral pelo


Doppler é relacionar a área da curva do fluxograma mitral diastólico, que indica
fluxo anterógrado, com a área sistólica que indica fluxo retrógrado. A razão
entre fluxo diastólico e sistólico indica a gravidade da regurgitação mitral.205
Tal avaliação porém é muito falha, já que o fluxo anterógrado frequentemente
não tem o mesmo alinhamento que o fluxo retrógrado, sendo necessário
ângulos diferentes para a demonstração de cada um destes fluxos e, portanto,
suas áreas não seriam comparáveis.
A análise de intensidade do sinal ultra-sônico do Doppler também
permite quantificar o grau de refluxo mitral.43 A intensidade deste sinal é
representada por uma maior tendência para o branco na escala de cinzas do
fluxograma e está relacionada ao número de hemácias que está indo em uma
determinada direção, ou seja, ao volume sanguíneo que se movimenta, ou
melhor, à energia cinética da regurgitação (Energia cinética= 1/2 massa x
velocidade2). Deve-se comparar a intensidade na escala de cinzas do fluxo
diastólico anterógrado com o da regurgitação. A Fig. 8.147A mostra uma
regurgitação leve, e a Fig. 8.147B, uma regurgitação importante por este
critério.
Fig. 8.147 - Fluxo turbulento atrás da mitral com tendência para o preto na
escala de cinza indicando pouca energia cinética (massa e velocidade) das
hemácias e, portanto, regurgitação leve. B, Fluxo turbulento com praticamente
apenas branco, indicando grande quantidade de hemácias nestas velocidades.
Regurgitação importante.

A medição da "onda V" da curva de pressão do AE conseguida pelo eco


Doppler contínuo, como descrita anteriormente, pode ser também utilizada na
avaliação da gravidade da regurgitação. Naturalmente, quando esta pressão
estiver muito alta, temos uma indicação que o refluxo é importante. O
problema é que frequentemente ela está baixa, muito embora a regurgitação
seja grave. Isto se deve à presença de uma cavidade atrial muito grande ou
complacente, que aceita um grande volume regurgitante sem corresponder
aumento da pressão cavitária.
Da mesma forma, uma boa indicação de que a regurgitação mitral é
importante, é quando há uma acentuada diminuição do gradiente VE-AE na
telessístole, o que indica que a pressão no interior do AE está muito alta.43
Nesta situação, o fluxograma mitral com o Doppler contínuo vai demonstrar
uma diminuição precoce da velocidade de regurgitação a partir da
mesossístole, mostrando assim que o gradiente VE-AE diminuiu no final da
sístole (Fig. 8.148).
Fig. 8.148 - Fluxo de regurgitação mitral. Doppler contínuo. Há uma súbita
desaceleração do fluxo na telessístole (seta) indicando que o gradiente VE-AE
diminuiu bastante. Isto é devido a um grande aumento da pressão intra-atrial
esquerda.

Naturalmente, quando a pressão telessistólica no AE está muito alta, há


um gradiente importante durante o início da diástole entre o AE e o VE, que
pode ser visto quando se mede o fluxo anterógrado da valva com o volume de
amostragem situado à frente do orifício valvar, no interior do VE (Fig. 8.35). Tal
fluxo indica um gradiente importante, com alta velocidade, logo que a valva se
abre, mas que cai rapidamente a níveis normais, com fase de desaceleração
de onda E bastante rápida, distinguido-se assim da estenose mitral onde o
gradiente é mantido por mais tempo e a desaceleração da onda E está
prolongada. Importante notar que este gradiente está também na dependência
da frequência cardíaca, distensibilidade ventricular e atrial esquerda, presença
de estenose mitral concomitante e débito cardíaco. Uma das formas de saber
se um gradiente valvar é devido ao maior fluxo através da valva ou à estenose,
é simplesmente medindo a velocidade de fluxo imediatamente antes do orifício
valvar e compará-la com a velocidade após este orifício. Caso o gradiente seja
exclusivamente de fluxo, a velocidade pós-valvar não excede em 0,3 m/s a
velocidade pré-valvar.206
Nichot et al.207 demonstraram que é possível avaliar a gravidade de
uma regurgitação mitral também analisando-se o fluxograma aórtico.
Normalmente, a área sistólica sob o fluxograma aórtico é proporcional ao
volume de ejeção, sendo igual nas duas metades da sístole, indicando volumes
de ejeção aproximadamente iguais na metade inicial e na metade final da
sístole. Estes autores notaram que quando a regurgitação é importante, há um
aumento da área encontrada sob a curva de ejeção na metade inicial da sístole
quando comparada com a mesma área na metade final. Aparentemente,
quando a regurgitação é importante, há pouco sangue no final da sístole para
ser ejetado pela aorta, já que grande quantidade retorna para o AE.
O volume regurgitante e a fração de regurgitação podem ser
avaliados(208). O volume regurgitante é igual ao volume de sangue que entra
no VE menos o de ejeção. A fração de regurgitação é o volume regurgitante
dividido pelo volume que entra no VE. Como vimos anteriormente, o volume de
ejeção pode ser facilmente calculado pelo Doppler. O volume de sangue que
entra no VE equivale ao fluxo volumétrico diastólico mitral, e é mais difícil de
ser obtido. Para se ter um fluxo volumétrico, é necessário saber não só a
integral da curva da velocidade do fluxo mitral, como também a área média do
orifício mitral durante a diástole. Tal área pode ser inferida medindo-se a área
do orifício mitral pelo eco bidimensional no início da diástole, quando ela é
maior, e utilizando-se o eco unidimensional que demonstre ambos os folhetos,
mede-se a variação média das distâncias entre estes durante a diástole. Esta
variação é aplicada como uma redutora da área medida pelo eco
bidimensional, chegando-se assim à área média. Naturalmente, é um processo
bastante complicado e sujeito a erros frequentes nestas diversas medidas.
Alguns autores utilizam apenas a área do anel mitral sem correção para a
variação que ocorre durante a diástole (208). Neste caso a área do anel é
obtida, a partir de seu diâmetro medido como a distância entre as bases dos
folhetos em um corte apical no momento de maior abertura mitral. As medidas
de volume e fração de regurgitacão avaliadas por este método têm tendência a
superestimar o grau de regurgitação(208). Isto acontece porque o volume de
fluxo de entrada do VE é superestimado, provavelmente por não levar em
consideração a diminuição do diâmetro do anel durante a diástole.
Uma outra forma é avaliar o volume diastólico e sistólico do VE através
da planimetria da imagem bidimensional desta cavidade, e com isto, chegar ao
volume de ejeção do VE(208). Como o volume de ejeção efetivo (pela aorta)
do VE pode ser calculado pelo Doppler a diferença entre estes dois dados
indica o volume regurgitante e a fração regurgitante pode então ser
calculada.(209)
A análise do fluxo venoso pulmonar, principalmente daquele obtido
através do eco transesofágico, oferece importantes subsídios na avaliação da
gravidade da regurgitação mitral (210). Como visto no Cap. 5, o fluxo normal
neste local compreende duas ondas, uma sistólica (X) e outra diastólica (Y),
dirigidas da veia para a cavidade atrial e uma outra no sentido inverso, do AE
para a veia durante a contração atrial (onda A) (Fig. 5.60).
Caracteristicamente, a regurgitação mitral produz uma diminuição da onda
sistólica X nos casos moderados, de modo que a onda X será menor do que Y
(Fig. 8.149A) e uma inversão desta onda quando a regurgitação for grave (Fig.
8.149B) ou mesmo presença de turbulência (Fig. 8.149C).
Fig. 8.149 - Fluxo na veia pulmonar superior esquerda obtida com o eco
transesofágico em casos de regurgitação mitral leve a moderada com redução
da onda X (A), e grave, com inversão de X (B) e com turbulência sistólica (C).

A inversão da onda X indica uma regurgitação grave com a sensibilidade


de 93% e especificidade de 100% (210,211). Ocasionalmente pode haver dois
componentes na onda X, um precoce (X1), que não apresenta inversão, e outro
tardio (X2) invertido (211) (Fig. 8.150).

Fig. 8.150 - Fluxo na veia pulmonar superior esquerda. Presença de


duas ondas sistólicas. Uma inicial (X1) em direção normal e outra mais tardia
(X2) invertida.

Como visto no Cap. 5, X1 é resultante do relaxamento atrial e X2 da


tração do anel. A diminuição da onda X tem uma sensibilidade de 61% e
especificidade de 97% para o diagnóstico de regurgitação mitral
moderada(210). Acreditamos porém que esta alta especificidade da redução,
sem inversão, da onda X será apenas encontrada em um grupo de pacientes
cujo problema único seja avaliar a gravidade de uma regurgitação mitral, pois
há outras causas bastante frequentes de redução da onda X como, por
exemplo, a fibrilação atrial(212) e qualquer aumento da pressão no AE.
(213,214) Em cerca de 24% dos pacientes com regurgitação mitral,
notadamente naqueles que têm jato excêntrico, encontra-se discordância entre
os achados ao Doppler quando avaliados em diferentes veias do mesmo
paciente (Fig. 8.151) (215). Geralmente quando o volume de amostragem se
encontra na veia superior esquerda o fluxograma pode mostrar apenas
diminuição da onda X, enquanto que na veia pulmonar direita nota-se fluxo
sistólico reverso. Mais comumente, nas regurgitações importantes o fluxo
venoso pulmonar mostra turbulência sistólica (Fig. 8.149C) o que deve ser
considerada como sendo semelhante à inversão da onda X.
Fig. 8.151 - A- Fluxo obtido na veia pulmonar superior esquerda e (B) na veia
pulmonar superior direita em um paciente com regurgitação mitral importante.

Doppler a Cores

A regurgitação mitral ao Doppler a cores apresenta-se como fluxo


turbulento, e portanto em mosaico, atrás da valva mitral durante a sístole,
melhor demonstrado no corte longitudinal (Fig. 8.152) ou no apical (Fig.
8.153)(216-218) do eco transtorácico, mas principalmente ao eco
transesofágico(219) (Fig. 8.154)

Fig. 8.152 - Regurgitação mitral. Doppler a cores. Notar o fluxo turbulento no


interior do AE, atrás da valva mitral.
Fig. 8.153 - Regurgitação mitral ao Doppler a cores. Corte apical.

Fig. 8.154 - Regurgitação mitral vista ao Doppler a cores em um corte


transesofágico de quatro câmaras (setas).

A direção e origem do jato regurgitante podem ser melhor avaliadas por


este método (220-223) (Fig. 8.155). A direção do jato regurgitante é analisada
em um corte paraesternal longitudinal ou nos cortes apicais, ou ainda ao eco
transesofágico. A origem do jato é vista no corte transverso da mitral ou
ligeiramente posterior à valva. A regurgitação mitral reumática, na situação
mais frequente em que o envolvimento fibrótico é semelhante em ambos
folhetos, geralmente tem um jato com origem e direção centrais . Quando o
folheto posterior for mais lesado e retraído, o folheto anterior tem mais
motilidade e ultrapassa a borda do folheto posterior na sístole, produzindo um
jato cuja direção é posterior. Raramente o envolvimento do folheto anterior
pode ser maior, o que produz um jato dirigido para frente.
Fig. 8.155- A- Jato anterior devido ao prolapso ou rotura de cordoalhas que
afete principalmente o folheto posterior. B- Jato posterior quando há prolapso
ou rotura afetando mais o folheto anterior. C- Disfunção do músculo papilar
postero-medial com jato originando-se da comissura medial e dirigindo-se
postero-lateralmente. D- Lesão reumática com jato central ou posterior. D-
Perfuração do folheto com origem excêntrica do jato.

A disfunção de músculo papilar também tendem a ter um jato central


(Fig. 8.156). A rotura de cordoalhas e o prolapso mitral apresentam
frequentemente jatos excêntricos.

Fig. 8.156- Regurgitação mitral com jato central visto ao Doppler a cores.
Quando o folheto anterior está predominantemente envolvido pela rotura
de cordoalhas ou pelo prolapso, o jato tem direção posterior e lateral (Fig.
8.157), enquanto o envolvimento do folheto posterior produz um jato anterior e
superior quando o segmento central é o que prolapsa, anterior e medial quando
o segmento lateral prolapsa e anterior e lateral quando for o segmento medial
(Fig. 8.158).

Fig. 8.157- Regurgitação mitral com jato dirigido para a parede inferior do AE.

Fig. 8.158 - Regurgitação mitral com o jato dirigido para a parede anterior do
AE.
Em alguns casos de jatos excêntricos, nota-se ocasionalmente que são
dirigidos para uma parede atrial e retornam em direção à valva pela parede
oposta, após incidir na parede posterior (Fig. 8.159).

A B

Fig. 8.159 – (A)Regurgitação mitral com jato dirigido para a parede inferior do
AE que retorna pela parede anterior. (B) Apical quatro câmaras. Jato dirigido
para o SIA retorna pela parede lateral.

Este tipo de fluxo indica sempre uma regurgitação importante(224). O


enfarto do músculo papilar postero-medial com perda de suporte de ambos
folhetos na região da comissura medial produz um jato que tem origem nesta
comissura e se dirige postero-lateralmente. A disfunção de músculo papilar
devido a dilatação do VE e do anel valvar produz um jato de origem central
dirigido centralmente ou em direção posterior. A perfuração de um folheto por
endocardite ou a fenda mitral (cleft) levam a um jato cuja origem é excêntrica,
longe da linha de coaptação da valva, geralmente na porção média de um dos
folhetos (Fig. 8.160).

A B
Fig. 8.160 – (A)Jato excêntrico em um caso de cleft mitral.(B) Jato excêntrico
em perfuração do folheto anterior.
O Doppler a cores facilita bastante a demarcação da área ocupada no
interior do AE pela turbulência da regurgitação mitral e, portanto, a sua análise
da gravidade pode ser melhor feita com este método, principalmente utilizando-
se da técnica transesofágica(219,225). Quando a regurgitação é leve, nota-se
turbulência apenas na região do AE próxima à mitral (Fig. 8.161A), na
moderada pode ir até metade do AE e na regurgitação importante esta
turbulência se estende por grande área do AE (Fig. 8.161B).

Fig. 8.161 - Diversos graus de regurgitação mitral. A- Leve. Jato fino e curto. B-
Grave. Todo o AE esta preenchido pelo fluxo turbulento.
Os mesmos aspectos são demonstrados ao eco transesofágico em uma
regurgitação leve (Fig. 8.162A), moderada e grave (Fig. 162B). Quando
comparados com a avaliação hemodinâmica, o eco transesofágico mostra
melhor correlação do que o transtorácico (r = 0.82 vs r = 0.49) (226).

Fig. 8.162 - Regurgitação mitral leve (A) e grave (B) ao eco transesofágico.

Wong et al.227 mostraram que há variações na área do jato regurgitante


mitral, aórtico ou tricúspide medida pelo Doppler a cores em ciclos cardíacos
consecutivos num mesmo paciente, de tal modo que apenas variações acima
de 30% podem ser consideradas significativas para análise de progressão da
doença ou intervenção terapêutica. Grayburn et al (228) encontraram variação
diária na área do jato regurgitante e também preconizam a necessidade de
uma alteração maior que 30% nesta área para que seja considerada
importante.
A extensão da área e a forma do jato mitral ao Doppler a cores é muito
influenciada também por fatores alheios ao volume regurgitante e inerentes à
aparelhagem e ao realizador técnico, como, por exemplo, o ângulo entre o jato
e o transdutor, ganho, uso de filtros, atenuação da energia ultra-sônica,
profundidade, frequência de repetição, número de quadros por segundo da
imagem ou a frequência de varredura, frequência cardíaca e a frequência do
transdutor (229-235). Como vimos, quanto maior o ângulo entre um fluxo e o
transdutor maior a subestimação da velocidade do fluxo; caso o transdutor
esteja perpendicular à direção do fluxo pode-se mesmo não ter registro de
velocidades, já que elas não atingem o limiar de demonstração. Portanto a área
do jato será tanto menor quanto maior for este ângulo. O ganho para cor altera
a área de turbulência já que determina as menores velocidades que serão
evidenciadas pelo sistema. Um ganho menor não demonstra as baixas
velocidades que se encontram na região de turbulência do jato, diminuindo
sensivelmente a sua área. O uso de filtros também elimina esta faixa de baixas
velocidades. Quando o AE esta muito distante do transdutor, a atenuação da
energia ultra-sônica pode ser um fator importante na redução da área do jato.
Por outro lado, quanto maior a distância maior a largura do feixe ultra-sônico, o
que aumenta a área do jato. Uma diminuição da frequência de repetição
aumenta a área do jato, provavelmente por reduzir a velocidade de aliasing o
que produz pixels multicoloridos de mais fácil percepção. Uma menor
quantidade de quadros por segundo aumenta a area de turbulência quando a
direção do jato é a mesma da varredura do feixe e diminui quando a direção é
contrária (Fig. 8.163).

Fig. 8.163 - Variação da área de um jato na dependência de sua direção


quando a freqüência de varredura é lenta.
Isto acontece porque uma determinada imagem não é obtida
instantâneamente, já que sua formação leva o tempo necessário para
completar uma varredura, e porque concomitante com um número menor de
quadros por segundo, há também menor frequência ou velocidade de
varredura. Caso o jato tenha a mesma direção da varredura sua área será
maior já que, em um determinado quadro, a demonstração do extremo final do
jato estará mais distante do extremo inicial devido à lentidão da varredura.
Quando o jato tem direção contrária à varredura, sua área será menor pois
quando a varredura, após registrar o extremo final do jato, chegar no seu início
pode não ter mais aí altas velocidades ou turbulência. Naturalmente a
velocidade de varredura não altera a área do jato quando o ângulo entre ele e o
transdutor é cerca de zero grau. Uma maior frequência cardíaca tende a
diminuir a área do jato, principalmente quando a velocidade de varredura for
lenta, por não captar a área máxima de turbulência em todos os batimentos. A
área do jato varia inversamente com a frequência do transdutor utilizado. Como
visto no Cap. 1, na chamada equação Doppler, quanto maior a frequência da
energia ultra-sônica utilizada, menor a velocidade demonstrada para uma
mesma variação de frequência, de modo que as velocidades menores da
região de turbulência podem não alcançar o limiar necessário para serem
demonstradas. Há de se levar em conta também a inter-relação entre o jato e
as paredes do átrio como no chamado efeito Coanda (236-238): caso um jato
de grande velocidade esteja perto o bastante de uma parede, ele se adere a
esta parede espraiando-se lateralmente. Ocorre frequentemente nas
regurgitações causadas por rotura de cordoalhas (222). Normalmente a área
de turbulência em torno de um jato cresce devido à incorporação do sangue
adjacente para o interior do jato, no caso do efeito Coanda, como o jato está
junto à superfície da parede atrial de um lado, há menos incorporação de
sangue no lado da parede do que no livre (Fig. 8.164).

Fig. 8.164 - Efeito Coanda. Quando o jato está junto a uma parede, somente há
incorporação de sangue na região livre do jato. Vide texto.

A lei de conservação do momentum reza que aumentando a massa, a


velocidade tem que diminuir. Como a massa do jato aumenta por incorporação
mais na superfície livre do que na da parede, a velocidade do jato fica maior
junto à parede. Ora, a lei de conservação da energia mostra que se a
velocidade aumenta (energia cinética) a pressão (energia potencial) diminui,
logo a pressão na superfície do jato junto à parede é menor do que na
superfície livre, o que desvia o jato para a parede e o mantém aí, espalhando-o
lateralmente, diminuindo sua dimensão no sentido perpendicular à parede. Esta
redução da área do jato pode ser até de 40% da que seria, para o mesmo
volume regurgitante, caso estivesse livre na cavidade atrial (236). Muito
embora o jato aderido à parede tenha menos área, ele tem mais velocidade.
Havendo menos incorporação de sangue, sua velocidade se mantem em níveis
maiores do que quando há incorporação (lei da conservação do momentum). A
velocidade é maior também devido à menor dissipação por atrito viscoso de
energia na área de turbulência que acontece apenas na região livre do jato. A
perda de energia por atrito contra a parede é menor do que aquela causada
pela turbulência. Os jatos aderidos às paredes são portanto geralmente longos
(Fig. 8.165).

B
Fig. 8.165 – (A) Eco transesofágico. (B) Corte Longitudinal. Efeito Coanda.
Notem como o jato se adere à parede atrial (setas).
Há casos de produzir uma volta completa na cavidade atrial (Fig. 8.166).
Devido ao efeito Coanda, a avaliação da gravidade da regurgitação baseada na
análise da área da região de turbulência mais comumente subestima a lesão e
não deve ser utilizada (222).
Um outro dado importante é que a extensão da área de turbulência está
também relacionada à velocidade do jato além do volume regurgitante. Assim,
o mesmo volume regurgitante irá produzir uma área maior em um paciente
hipertenso (maior gradiente VE-AE na sístole) e uma área menor em pacientes
com função do VE deteriorada ou com aumento da pressão no AE nos átrios
não complacentes (menor gradiente VE-AE na sístole).

D
Fig. 8.166 - Efeito Coanda. Eco transesofágico. Corte quatro câmaras. O jato
se dirige para o septo interatrial (A), atinge a parede posterior do AE (B) e
retorna pela parede lateral (C). Apical de 4 câmaras, o jato se dirige à parede
lateral do AE, atinge a parede posterior e retorna pelo SIA (D).

Todas estas variáveis devem ser levadas em consideração quando se


compara a evolução de uma regurgitação mitral em um mesmo paciente. Caso
se faça uma análise quantitativa, é imprescindível que o instrumento esteja
ajustado do mesmo modo que se encontrava na análise anterior.
Comparando-se o eco transtorácico com o transesofágico para analisar
a gravidade de uma regurgitação mitral nota-se a franca superioridade da
técnica transesofágica (225,239). Principalmente nos casos de regurgitação
mitral aguda por rotura de cordoalhas, é muito comum haver subestimação do
grau da regurgitação pelo Doppler colorido obtido pelo eco transtorácico. O
direcionamento do jato regurgitante para o interior da auriculeta esquerda pode,
ocasionalmente, tornar despercebida uma regurgitação mitral importante ao
eco transtorácico, ou mesmo ao transesofágico, caso esta possibilidade não
seja avaliada (Fig. 8.167).

Fig. 8.167 - Jato regurgitante mitral dirigido para a auriculeta esquerda. Embora
a regurgitação fosse importante não se detectava turbulência em outras regiões
do AE. Corte transesofágico.
O diâmetro do jato regurgitante em sua origem aparenta ser mais
importante para a avaliação da gravidade da regurgitação do que a área de
turbulência dentro do AE quando analisada ao eco transesofágico (240). A
relação entre o diâmetro do jato e a gravidade é a seguinte:

GRAU DA IM DIÂMETRO (mm)

LEVE 2.6 + 1,0 (1.1 - 4.3)


MODERADA 4.2 + 1.2 (2.2 - 7.0)
MODERADA A GRAVE 6.3 + 1.2 (3.9 - 8.2)
GRAVE 8.6 + 2.2 (5.8 - 13 )

Um diâmetro maior do que 5.5 mm identifica bem os pacientes com


regurgitação importante (240).
O Doppler a cores permite também avaliar o fluxo volumétrico
regurgitante através do PISA (223,241-245). Em uma regurgitação, há
aceleração do sangue em direção ao orifício regurgitante (aceleração pré-
valvar) formando hemisférios de velocidades idênticas cujas velocidades e
áreas podem ser calculadas (Fig. 8.168).Como vimos anteriormente, sabendo-
se a área do hemisfério e a velocidade do sangue na região de aliasing
podemos calcular o fluxo volumétrico máximo instantâneo neste local (fluxo= 2
π raio2 . velocidade de aliasing). Este fluxo será idêntico ao encontrado no
orifício regurgitante. Como o fluxo é pulsátil podemos calcular (242):

FR= 2 π r2 . Va . ( IV / Vmax ) . FC

onde FR= fluxo regurgitante; r= raio do maior hemisfério encontrado durante o


período sistólico medido do primeiro aliasing até a borda ventricular do folheto
junto ao orifício regurgitante, em uma direção paralela ao feixe ultra-sônico;
Va= velocidade de aliasing; IV= integral das velocidade do jato regurgitante
obtido pelo Doppler contínuo; Vmax= velocidade máxima do jato regurgitante
também ao Doppler contínuo; FC= frequência cardíaca.

Fig. 8.168 - Região de pré-aceleração valvar (seta) na regurgitação mitral


importante.
As regurgitações leves podem não produzir aceleração pré-valvar(241).
A área da região de aceleração pré-valvar tambem guarda relação direta com a
gravidade da regurgitação (223). Quando a velocidade de aliasing for mantida
em 38 cm/s através de regulagem da frequência de repetição da aparelhagem,
a simples verificação do raio do primeiro hemisfério de aliasing é um excelente
indicador da gravidade da regurgitação (241):

GRAVIDADE RAIO FLUXO MAX.


DA IM (mm) INST. (ml/s)

Leve 2.45 + 1.3 (1-5) 18 + 17


Moderada 4.9 + 1.8 (2-8) 66 + 46
Moderada a grave 11 + 3.6 (6-15) 291 + 153
Grave 16.2 + 3.1 (12-23) 725 + 239

O ganho, filtro, número de quadros por segundo, velocidade de


varredura e a forma geométrica do orificio regurgitante não alteram o resultado
deste método(242).
Em nossa experiência, é muito frequente a não visualização de
turbulência no AE ao Doppler a cores em pacientes com regurgitação mitral
importante, principalmente quando aguda. Nesta situação, a identificação de
uma aceleração pré-valvar mostra o diagnóstico correto de refluxo grave.
A aceleração pré-valvar pode também ser pesquisada pelo Doppler
pulsado colocando-se o volume de amostragem na via de saída do VE e,
gradualmente, deslocando-o para a região em frente a valva mitral. Em
condições normais, as velocidades sistólicas encontradas na via de saída são
maiores do que as vistas em frente à mitral. Na regurgitação importante há um
aumento destas velocidades, com formação de aliasing à medida que o volume
de amostragem se desloca para frente da mitral (246) (Fig. 8.169)
Um dado importante é que o Doppler detecta regurgitação mitral em em
cerca de 48% dos indivíduos normais (247), nestes casos ela é sempre trivial
ou bastante leve (Fig. 8.170).

Fig. 8.169 - Demonstração de que existe uma região de pré-aceleração na


frente da mitral em casos de regurgitação importante, utilizando-se do Doppler
pulsado. Notem que as velocidade sistólicas aumentam (em vez de diminuirem)
quando se dirige o volume de amostragem da região da via de saída do VE (A)
para a via de entrada (B).

Fig. 8.170 - Regurgitação mitral trivial encontrada em um indivíduo normal. A


turbulência não é holossistólica e o sinal é fraco (seta).

Avaliação do momento cirúrgico nas regurgitações da valva mitral

O melhor momento cirúrgico nos pacientes com regurgitação mitral é


uma decisão principalmente clínica baseada, entre outras coisas, na classe
funcional do paciente além do grau da regurgitação valvar. O ecocardiograma
fornece a informação da gravidade hemodinâmica da lesão assim como sua
repercussão sobre o VE, porém, em nosso entendimento, não há nenhum nível
de disfunção ventricular esquerda ou de grau de regurgitação valvar que
indique ou exclua, por si só, uma correção cirúrgica.
Obviamente, os melhores resultados cirúrgicos são alcançados quando
a função ventricular esquerda está normal ou pouco acometida, mas o início de
uma deterioração da função, detectada ao ecocardiograma, em um paciente
assintomático não é, por si só, indicação de cirurgia.
Um dos métodos que mostra capacidade preditiva da fração de ejeção
pós operatória é o da velocidade de elevação da pressão do VE (∆P/∆t) (248).
Quando o ∆P/∆t pré-op é maior que 1.343 mmHg/s a fração de ejeção pós-op
ficará acima de 50%.

Avaliação do mecanismo da regurgitação visando a correção cirúrgica


por plástica valvar. Eco transoperatório.

Hoje em dia, a preferência dos cirurgiões tem sido o reparo valvar mitral
em vez da troca por uma prótese. A técnica de plastia valvar oferece resultados
variáveis na dependência da etiologia da regurgitação e também de qual
folheto está predominantemente envolvido. Na Cleveland Clinic, o sucesso da
valvuloplastia mitral pode variar entre 88% quando o problema é uma rotura de
cordoalhas do segmento mediano do folheto posterior a 29% quando houver
rotura de cordoalhas envolvendo ambos folhetos(249). Para melhor
planejamento cirúrgico é portanto necessário uma investigação detalhada não
só da etiologia mas também do mecanismo da regurgitação mitral (221,250).
Tal avaliação pode ser feita facilmente pelo eco transtorácico e transesofágico
determinando com segurança a etiologia. O mecanismo da regurgitação é
estudado analisando-se a origem e a direção do jato regurgitante, como visto
anteriormente. A verificação de aceleração pré-valvar junto ao folheto mitral é
uma boa indicadora do segmento valvar afetado (223).
Atualmente, nos principais centros cirúrgicos todas as cirurgias valvares
são realizadas com a monitorização ecocardiográfica quer pela técnica
epicárdica, quer pela transesofágica. Naturalmente é preferível o eco
transesofágico por não perturbar o ato cirúrgico. O auxílio desta monitorização
vai além da verificação do resultado cirúrgico, já que os seus achados podem
alterar o plano da cirurgia devido a diagnóstico de condições insuspeitadas nos
exames pré-operatórios ou melhor definição da condição da valva. Deve-se
levar em conta o efeito da anestesia na regurgitação mitral. A de origem
funcional costuma diminuir sensivelmente durante anestesia geral (250a).
A cirurgia de plastia valvar deve ser sempre realizada com o
acompanhamento do eco transoperatório (251). O eco transoperatório permite
avaliar com segurança o resultado do reparo valvar antes de se fechar o tórax
e portanto determinar a necessidade ou não de nova plastia ou troca valvar
durante o mesmo ato cirúrgico(251) (Fig. 8.171). Se após a plastia ficar uma
regurgitação maior que ++/4+, faz-se necessário ou um novo reparo valvar ou
a troca por uma prótese. Importante porém que a avaliação não seja feita
imediatamente depois da saída da circulação extracorpórea mas cerca de 20 a
30 minutos após, já que precocemente pode haver discinesias segmentares
nas paredes do VE secundárias à isquemia com disfunção de músculo papilar
e regurgitação mitral importante que melhora depois. Esta avaliação deverá
também ser feita apenas quando o paciente tiver retornado para as condições
de pressão arterial semelhantes às vistas no momento do estudo pré-
valvuloplastia. Lembrem-se que o volume regurgitante é altamente dependente
da pós-carga e não faz sentido nenhum comparar os achados quando o
paciente tinha pressão normal antes com os encontrados em situação de
hipotensão depois. Em alguns casos é necessário utilizar aminas pressoras
para obter uma pressão arterial comparável ao estudo inicial.
Fig. 8.171 - Eco transesofágico transoperatório. Regurgitação mitral importante
(A) antes da valvuloplastia. Logo após saída da circulação extra-corpórea (B)
nota-se o sucesso do reparo valvar.

Após plastia valvar com colocação de anel tipo Carpentier, o eco


demonstra este anel junto ao folheto posterior da valva (Fig. 8.172).

E
Fig. 8.172 - Anel de Carpentier (setas) visto ao eco bidimensional (setas)
transtorácico transverso ao nível mitral (A), apical de quatro câmaras (B) e ao
eco transesofágico quatro câmaras (C) e da via de saída do VE (D).
Transesofágico transgástrico (E).

Toda a região da junção atrioventricular esquerda é puxada para cima e


anteriormente, em direção à via de saìda do VE. Em certos casos, o
deslocamento da mitral pode produzir movimento sistólico anterior dos folhetos
com obstrução subaórtica e baixo débito (252,253). Tal achado pode ser grave
o bastante que obrigue a um novo reparo ou troca valvar, porém, na nossa
experiência, é comum acontecer quando o paciente está hipovolêmico logo
após a saída da circulação extracorpórea, e resolver totalmente após correção
da volemia. Ainda não está definido se se deve proceder com a troca valvar
nos pacientes que não melhoram com a reposição da volemia (253). Este tipo
de movimento sistólico dos folhetos deve ser diferenciado daquele semelhante
encontrado nas cordoalhas na mesma situação, mas que não produz problema
hemodinâmico (254).

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