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Quando da semana de minha morte.

Por: Olímpio Ornellas

Já tive, a essa altura da vida, um bom número de namoradas serias com quem me
envolvi. Poucas foram mais velhas do que eu, apreciador que sempre fui das bundas lisas e
bocetinhas apertadas, portanto calculo que todas elas continuem dando muito no couro enquanto
eu estou ficando irrevogavelmente cada dia mais alquebrado. “Todas” é bem capaz de ser um
exagero, mas a maioria com certeza. Dessa convicção partiu tudo o que se segue.

Faz um bom tempo que me desvencilhei da última, Laís, uma tal que me roubou até o
apartamento e certas posses. Por obra de algum engenho seu creio que me roubou também
muito do meu tesão, fato que me levou, mais e mais, a eleger desde então a memória como
única zona erógena possível. Por sugestão do analista que consultei por um tempo nessa época,
peguei do papel e da caneta para escrever o que chamei de “minhas memórias sexuais”,
exercício divertidíssimo de escrita que recomendo a todos. Contudo, após um bom número de
páginas preenchidas por reminiscências, exageros e algumas mentiras sobre a minha vida na
alcova, tive o insensato desejo de relê-las e foi aí que obtive o mau resultado de me pegar com
saudades do passado. Cheguei, de fato, a uma conclusão que parece ser a mesma de muitos dos
escritores contemporâneos: ler é, das coisas que se faz com uma página, a menos recomendável.

Tendo de lidar com a chorosa nostalgia que me acometeu, motivei-me a escrever essa
segunda parte dos meus escritos. Enquanto o que escrevi até agora versou sobre o que passou,
pretendo nas próximas páginas falar sobre o futuro. Não um futuro idealizado que seja o espelho
fiel do passado de cuja ausência me ressinto, no entanto. A palavra de ordem é o pragmatismo.
Estou numa idade em que há que se ter pudor das ilusões, e é por isso que, após esses
prolegômenos, passo agora a descrever cuidadosamente como devem se dar os fatos quando da
semana que antecederá minha morte. Aquele que ler este texto depois que eu tiver me ido
possivelmente não saberá, no entanto, se tive sucesso ou não nos meus planos, visto que as
coisas que ora planejo serão realizadas no sigilo dos meus aposentos.

Luzia é a primeira que deve ser chamada ao meu leito final, me encontrando ainda
relativamente forte de corpo. Sua primazia nesta trama corresponde à sua primazia em minha
vida. A primeira namorada, a da adolescência, a que eu nunca comi. Enquanto nos engajávamos
na resistência política, eu entrevia fantásticas fodas que daríamos nos mal aparelhados aparelhos
em que o Partidão fatalmente acabaria por nos alocar. Nunca aconteceram nem as fodas nem os
aparelhos, mas eu mamei muito nos peitos dessa Luzia na sua sala em Ipanema. Ela entrará no
meu quarto mal disfarçando com frieza o seu desalento de me ver no estado em que estarei. Era
quase uma criança quando me conheceu, eu precocemente barbudo e de camisa vermelha.
Certamente estará arrependida por nunca ter me dado. Falará isso diretamente, grosseira como
sempre foi. Eu então, mais grosseiro, a convidarei para me cavalgar ali mesmo, na minha cama
já quase sepultura, e ela recusará, horrorizada. Direi que ela foi a mulher que nunca tive, a musa
de minha vida e pedirei ao menos um beijo. Esbugalhando os olhos, direi que tem que ser agora,
que o coração já fraqueja muito e creio que chega a minha vez, ai... Quando ela se debruçar,
avançarei sobre seu decote e darei uma última mamada naqueles peitos, certamente não tão
duros quanto antes mas ainda apetitosos. Ela fugirá do quarto correndo. De noite, se tocará
pensando no ocorrido.

Iara, a segunda, vai dar muito menos trabalho. Tirei sua virgindade, e isso é coisa que
mulher nenhuma esquece. Enviarei uma carta a ela pedindo que venha me ver, e que traga
Lorena, sua filha. Rodeado pelas duas, confessarei à cocota velha que na maturidade desfrutei
de um breve caso com a cocota nova, quando fui seu professor na universidade de engenharia.
Isso é verdade, mas em seguida mentirei sem pudor sobre como só com essas duas fêmeas de
mesmo sangue eu conquistei de fato a felicidade. Direi que me sinto responsável pela formação
de ambas, por ter tirado o cabaço de uma e ensinado cálculo III à outra. Sob o pretexto de um
derradeiro abraço paternal, já que essa tremedeira que me dá parece sinalizar meus últimos
espasmos, pretendo roubar um incestuoso beijo triplo das duas, o último e mais ousado dos
muitos que dei. Um apertão nas nádegas ainda duras de Lorena será um bônus. As duas sairão
constrangidas do quarto, mas sem correr, anunciando para a enfermeira que acabo de falecer.
Falecimento este que pararei de fingir assim que elas fecharem a porta.

Enfim, seguindo sempre que possível a ordem cronológica, pretendo chamar uma a uma
em meu quarto as namoradas que tive. Nessas entrevistas, que espero fazer curtas por que não
suporto conversa de mulher, irei me despedir da forma mais eloquente possível de cada uma
delas. Letícia, a única ruiva, não se furtará a me deixar pegar na sua boceta ton sour ton, e com
algum engenho convencerei Lívia a me fazer um Strip Tease como os muitos que ela fez pra
mim no sótão da casa de Búzios, enquanto seu marido e minha amante da ocasião davam uma
volta pela praia. Cada um desses atos celebrará a vida que vivi e apressará ainda mais a minha
morte. O coração já estropiado fatalmente descompassará ante o que verei, ouvirei, cheirarei,
provarei e tocarei. Valerá a pena, no entanto, para preencher de bons sonhos meus derradeiros
sonos antes do definitivo. Mas ele não virá antes que eu veja Luana se tocar até gozar na minha
frente, ou antes que eu peça para a portenha Lara, que virá de Córdoba só para se despedir de
mim, que fique de quatro e aceite umas últimas porradas na bunda – que já há de ter sido
melhor, como tudo já foi, mas que ainda dará pro gasto, como tudo ainda dá.

No último dia, a doença ou acidente que me matará já me terá debilitado tanto que os
filhos, netos, primos e aproveitadores estarão todos à minha volta. Direi para todos irem
imediatamente à merda, ou pelo menos saírem do meu quarto e chamarem minha amada esposa.
De certo pensarão que fiquei finalmente senil, mas não terão remédio senão chamar ao meu
quarto a Laís, minha ex-mulher, que corvinamente já estará esperando na ante-sala de minha
casa ou do hospital. A tal que roubou de mim, quando foi embora me corneando, o apartamento
e muitas posses. Muitas mas não todas. Vou cumprimentá-la por “flor do dia”, que era nosso
apelido quando éramos namorados, e finalmente lhe concederei o perdão que ela nunca me
pediu. Medirei as palavras para que ela pense que estou de fato senil e se massacre com a culpa.
Não deixarei, no entanto, de atiçar sua vaidade, e lhe direi que o botox e o marido novo (já não
o rapaz por quem ela me trocou, veja bem) só fizeram bem ao seu rosto. Ela sorrirá o quanto
suas plásticas mal feitas permitirem. Eu pedirei para ela se aproximar.

Falarei pra ela da minha decepção com a prole, talvez a única coisa sincera de todo esse
monólogo, e direi que não considero nenhum filho ou neto meu (quanto mais meu bisneto com
cara de uva passa) digno das partes da minha fortuna não espoliadas por ela. Os Carros. A casa
em búzios. O Portinari. O jogo de sofás capadócio. A grande tapeçaria feita pela Eila, que mal
cabe na parede da casa em que me instalei depois do divórcio. Oferecerei tudo a ela, mas antes
que seus olhos brilhem demais eu já colocarei a minha condição. Aliás, no meu estado já nem
poderei dizer condição, melhor seria dizer pedido. Direi que tenho um último pedido para lhe
fazer e que, uma vez atendido, tudo o que já foi meu passaria para o seu nome. Mostrarei um
papel que já terei preparado para a ocasião, somente com a lacuna da assinatura final em branco.
Antes que Laís pergunte, direi: “um boquete”.

Um boquete como os que só ela sabe dar. Decerto ela lembrará como se faz. Não
explicarei muito, mas talvez eu babe um pouco na camisa. Um boquete imediatamente! Já sinto
o ar me faltar, acho que agora é que eu empacoto! Com o pensamento no testamento ela retirará,
afoita, as minhas cobertas repletas de ranho e se debruçará sobre minha virilha. Há de
contemplar meu pau flácido um instante antes de cair de boca nele resignada e antevendo o sofá
de volta à sala de jantar que já foi nossa. Quando ela começar os trabalhos eu não esperarei
nem dois minutos. Antes disso, reunindo todas as forças que ainda me restarem, mijarei por sua
garganta a dentro sem lhe dar defesa, e quando ela tirar seu rosto de perto de mim desorientada
se sujará ainda no rosto e nas roupas caras. É certo que depois dessa eu morro. Na
improvabilíssima hipótese da vadia não me estrangular ou arrancar os fios dos meus aparelhos
ali mesmo, me vejo engasgando em definitivo no meio da sonora gargalhada que darei. Não
consigo imaginar forma mais nobre e até esteticamente agradável de morrer. Se por alguma arte
do destino meu rigor post-mortem se preservar até o momento das exéquias, hei de receber com
a fotografia da minha gargalhada última todos os miseráveis que meus filhos convidarem pro
enterro.
Espero aliás que todas as ex-namoradas se sensibilizem e compareçam também,
discretas em tudo menos no batom. A gargalhada se aplica sem ressalvas a cada uma delas, que
estará certa de que foi o grande amor da minha vida – com a compreensível exceção de Laís,
que pode ser burra mas também não é uma porta. É claro que, conhecendo bem as mulheres,
principalmente as minhas, consigo vê-las talvez conversando umas com as outras no cemitério,
contando vantagem. Eventualmente descobrirão sobre o meu plano cafajeste e inclusive
cuspirão no meu caixão. Possivelmente duas ou três tornar-se-ão amigas, mas aí já não sei. Não
me importará mais, enfim, por que pelo que andei pesquisando nesses assuntos de espiritismo
são poucas as chances de uma alma que não deixou assuntos inacabados retornar para este plano
de existência. Eu, de minha parte, dispenso.

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