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Os professores näo podem mats sim-

plesmente dar as costas aos avanqos


da investigaqäo cientifica sorre a Iin-

guagem. No entanto, ainda nåo sabem


como traduzir essas inovaqöes em pråti-
cas pedagågicas condizentes com uma
educaqäo formadora: "Se näo é pua
ensinar gramätica, entäo é para fazer o
qué?" E tobram respostas dos lingüistas.

Este livro de Irandé Antunes traz um


conjunto bem articulado de respostas,
que se desdobram em vårias outras

perguntas, que så podem ser respondi-


AULA DE PORTUGUES
das por pessoas movidas pelo amor
invest•gaqäo, provocadas pelo desejo
encontro & interagäo
de descobrir seus prdprios caminhosv
e sempie consctentes de que a ciéncia
näo é a busca de uma e
sn a construcåo de pontes, sempre
provisörias, tapazes dc awdar a gente
a se mover sobre as areias movediqas
do mistério.

Irandé concentra sua atenqäo, aqu•,


em trés grandes areas criticas da edu-
caeo lingüfstica•; a leitura, a escnta e
a refleüo sobre a lingua. Seu trabalho
deixa evidente que essas trés åreas se
sobrepöem e que é tarefa destinada
ao fracasso {ou neurose) tentat isolat
cada uma delas em atividades estan-
ques e delimitadas, como ocorre em
muitas escolas que tém, em horérios

separados e até professores especi-


ficos, "aulas de leitura", "aulas de reda-

$0" e "'aulas de

A opqäo teirica deste livro é explicitada

desde as primeiras I•nhas: trata-se de


reconhecer que a lingua så se manifes-
ta empiricamenté na forma de textos e

que estes textos" é que devem scr o

objeto da at•vidade diéria das aulas de

lingua portuguesa Esta opqäo demons-


tra com clareza a irreleväncia e a inuti-
Irandé Antunes

AULA DE

portugués encontro & Enteraqäo

Série Aula

l. Aula de poriugués encon/ro & inferacäo


Irandé Antuncs
E PROJETO Custödlö

StahlZi,'.res

haracg {UFP9j

de IUFSC,
Monteugudo Linivezidøde de Conwosteh7j'
sete INEHCVb'SPJ
{Unicompj
.(lJnB}

Pereira Scherre IUFPJ.


Roche/ Go.•ot/a de Andrade IPUCS?}
iPUCSPj

OOS tOlTORES

Antur.es, 'rondé, 1933


de portUg1ji•s • encontf0 & 1 Antunes,
Sio Paulo : Paribo!a Editorial 2C03 •

In,rlui bibliografia

portugve• • e engine. Titulo. IIL Erie.

03-19*2
COU ;

Eu sustento que a dinica finalidade da ciéncia estä enq


aiiviar miséria da existéncia humana.
BRECHr
Cireitos reservados å
PARABOLA EDITORIAL
216 - Ipiranga
Entre coisas e palavras principalmente
04281-070 Säo Paulo, SP
Fore: 5061-9262 en/re palavras civculantosv
home page: wwwparebolaeditorialcom.br
CARLOS DRUMMOND DE ANDRAI)E
e-mail*

abra pude au
meiw OU
i'ü.ji"/do
•:iudas
e

par
em qualquer
Ltda.
ou As caisas a uma criaiiG'1t vesiidas pela linguageni.
J011N DEWEY
978-85-88456-28-0

edi#o, ah'il de
Toda lingua säo rastros de velhos mislérios.
o do texto: [randé Antunes, 200} GUIMARÄES RosA
desta ediqåo: Parabola Editorial* 5åo Paulo, novernbro de 2003
Sumério

APRESE.NTACAO
INTRODUCÅO 13
CAPfTULO 1: REFLETIMJO SOBRE A PRÅTICA DA AULA DE
A todas os professores e professoras que, por esse PORTUGCLS 19
Brasil Olora, (eniajn, por vezes, sob duras condigöes, 1.1. Sinais de mudanqa
fazer cla aula de portugués encoutro, no C/ucd Um querer jå legitimado 21
se possa descobvir o faseüiio e os mistérios 1,3. Num olhar de relance 24
cla grande e histövieci interactio possibiiitucla I *3.1, O frabalho com a oralialade 24
pela Iiitguoge"l humana, 1342. O irabalho com a escmila

1.3.3. O trabalho corn a leitura 27


Agracleco a todos os colegas e amigos que
realizaqtio desse meu proielo de
1.3.4. O trabalho com gramätica 31

escrever um livro para professores cle porlugués, do


1.4, Virando a pågina 33

ensino fundamental e niédio; esses eolegas e amigos, CAPiTULO 2: AsstMIND0 A DIMENSÄO INTERACIONAL m
como alimentam o deseio de que aconieqa, cada
vez nuns, jeito diferente de se fazer o estudo da Explorando a escrita
2.1. 44
linguagelli, Unq estudo que seja unta abeH&1ra de
Implicaqöes pedagögicas
2.1 . 1. 61
horizontes, para se pocler conepreender melhor cu
Explorando a
2.2. leitura 66
imensa maravilha cla inleracäo humane,
2.2.1. Inaplieaqöes pedag6gieas 79

4.
2.3. Explorando a grarnåtica 85
2.3.1. Implicagöes pedagögicas 96
2.4. Explorando a oralidade 99
2.41. Implicaeöes pedagdgicns 100

CAPfTULO 3: REPENSANDO O OBJETO DE ENSI.NO DE


AULA DE PORTUGUES 107
3.1. guisa de programa 108
3.2„ Objetivas e atividades 122

CAPfTVLO REDIMENSIONANDO A AVALIACÅO 155 Apresentaqäo


4.1. Em revista, a logica de nossas concepgöes 156
4.2, O tempo para a avaliagäo 160 Carlos Alberto Faraco
4.3. O objeto da avaliaqäo 1 64
.9

CAPiTUO 5,' CONQUISTANDO Aur0NOMIA 167


Irandé Antunes é uma lingüista pelas
suas pesquisas sobre coesåo textual e sobre generos
CAPITULO 6: FECIIANDOJ POR ENQCANTO 173
textuais. Mas, muito além de sua especialidade acadé-

BIBLIOGRAFIA ...j. • 177 mica, Irandé Antunes é uma grande educadnra e uma
intelectualcomprometida com as questöes da educa-
+äo nacional, De hå muito ela desenvolve atividades de
interlocuqäo direta com os professojes do Ensino Fun-
damental e Médio: conhece-lhes a realidade, esutla suas
dividas e angfistias e busca construir com eles alterna-

livas para sua atuaqåo no coticliano da sala de aula.

Esses professores c mais OLILros colegas e amigos


vinham cobrando de Irandé Antunes urn livro elm que
ela sistematizasse suas reflexöes e suas propostas para
o enslno de Portugués. Finalmente, em meio a sua in-

cansåvel labuta, ela estå agoua atendendo todos. E


nos apresenta um trabalho que certamcnte marcarå
época na historia do ensino de Portugues no Brasil.

AFRESENT.&CåO 9
|
Inconforrnada com os descaminhos desse erasino,
Irandé Antunes nao deseja, coma interlocutor, o
com o "quadro nada animador (e quase desespenador) professor passivo, n:ero aplicador de receitas ou
do insucessa escolar", Irandé AnLunes aponta caminhos repetidor de contefidos. Ela se dirige åqueles que, in-
concretos para a mudanqa. Näo perde de vista que o quietos e inconformados, buscam novas trilhas. Por isso
problema da escola transcende em muito a escola, mas ela nada impöe, mas, como fruto de sua produtiva ati-

acredita que seu enfrentamento lambém exige a escolat vidade de professora com mofessores, busca oferecep
seja pela discussåo critica de suas proprias pråticas, lhes elementos para que possam eles mesmos descobrir
seja pelo envolvimento dileto dos professores na cons- novos jeitos de ver a lingua e de se verem como profes-
trugåo de alternativas. sores de portugués.

Por isso, Irandé Antunes comeqa scu IibT0 por Irandé Antunes nos entrega um livro fundatnental
uma discussäo critica de certas prålieas escolares tradi- para os atuais e os futuros professores de portugués. É
cionais no ensino de portugués„ Expöe, em seguida, um resultado de suasoeflexöes te6ricas, de sua experiéncia

conjunto de principios capazes de fundar uma nova de professora, de seu compromctimento politico de edu-
pråtica pedagögica que ofereqa a nossas criarl€as e jo- cadora. mas, acima de .tudo, de sua paixäo pela lingua-

vens a possibilidade efetiva do "exercicio fluentet ade-


gem e por seu ensino„

quado e relevante da linguagem verbali oral e escrita",


O livro termina com a apresentagåo de alternativas
concretas para o tvabalho dos professorvs.

Os leitores encontraräo aqui urn lilndo te6rico sö-


lido (uma concepqäo interacionista, functional e discur-
Siva da lingua)t sem o que a prålica fica sem norte.
Encontraräo Carla exemplificaqäo, sein o que a teoria
se perde numa infrutifera abstragåo. Erncontltlt"äo o ca-
samento consistence dos pressupostos IeÖricos com as

ptopostas pråticas

Essas propostas. concretas e viåvcis, cobrem as


atividades de leilura e escrita; incluem o estudo grama-
tical$ dando-lhe um sentido functional; e se estendem
para abordar a oralidade, face ainda täo pouco explo-
rada no ensino de portugués.

ID ACLA PORTCGI.•ÉS ANTCXES


APRE.SENTACÅO 1 1
Introduqäo

O livro que vocé, cara(a) tem em


måos é resultado de uma longa caminhada qtle venho
empreendendo junto com muitos outros docentes e pes-
quisadores interessados nas questöes ligadas ativida-
de escolar do ensino da lingua portuguesa. Por um lado,
sinto-me pressionada a escrever pela constaLacåo de
que ainda persistem pråticas inadequadas e in-elevantest
näo condizentes com as mais recentes concepgöes de
lingua e, conseqüenternenle, corn os objeLivos mais am-
plos que legitimamente se pode pretender para o seu
ensino, Por outro, sinlo-me motivada pela oportunida;
de de poder lembrar principios te6ricos e sugerir pistas
que possam allidar na reorientagäo da atividade peda-
gögica em questäo„ Pretendo, portantot que aqueles
objetivos nnais amplos e relevantes sejam alcangados e
que se favorega um contacto mais positivo do aluno com
a lingua que ele estudaJ a fim de qute saiba falar, ouvir,
escrever e ler mais adequada e competentemente„

Sinto-mey pois, na elaboracäo do presente traba-


lho um sonho de hå muito acalentado realizando
um ato de cidadania, enquanto decido assumir a pala- Essa preocupaqäo jå ultrapassou os muros das
vra para tentar aproximar os professores de seu perfil universidades e vem se tornando uma das preocupaqöes
ideal}o de contribuir significativamell/e para que os alu- gerais. Ou seja, que o ensino da lingua nao bem jå é
vai
nos amplient sua eompeténcia no uso oral e escrito da codavez _mais, uma constatagäo do dominio comum.
lingua portuguesa, Embora näo se possa generaliiåClar jå estå na boca de

Na verdade, para mim, isso representa mais que muitos a critica de que a escola nao estimula a forma-
um sonho. É como se fosse o pagamento de uma divida Cäo de leitores, nao deixa os alunos capazes de ler e

que, naturalmente, fui assumindo, ao lango de muitos entender manuais, relat6rios, c6digos, instrugöes, poe-
anos de encontro pessaal com os de escuta mas, crönicas, resumos, gråficos, tabelas* artigos,
de suas inquietacöes, de suas dificuldades. Nessa escuta, toriais e muitos outros materiais escritos. Também näo
sem düvida, vinha embutido, explicito ou näo, um pediclo dei.xa os alunos capazes de produzir por escrito esses
de ajudas Minha pretensäo é atender a esse pedido. Terei tem uma pedra no meio do cami-
materiais, Otl sejay
a preocupaqåo de abordar os principios da teoria linguis- nho" da aula de portugués. E a trajet6ria näo se faz.,.
tica apenas na medida em que a situaqäo o requerers
embora tenha o- cuidado de nåo descer a simplismos O momento nacional é de luta, de renovagäo e

reducionistas, Sou conscience de quanto o fenömeno da incita mudanga, a favor de uma participacäo cada
linguagem é complexo e de quanto o tratamento de suas vex maim de toda a populacüo e de urn exercfcio ca-
questöes requer sérios cuidados. Estatei atenta. da vez mais pleno da cidadania, O professor rnäo pocle
ausentar-se desse momento nemj tampoucoo estar mele
Como é normal acontecer, este livro tem um ca-
de modo superficial. O ensino da lingua portuguesa
råLer de "incompletudeii, na medida em
que espera a
participaqäo reflexiva, critica e criadora de cada pro-
também näo pode afaslar-se desses prop6sitos civicos
fessor que atua no exercicio do ensino da Ifngua. É de tornar as pessoas cada vez ruais crfticas, mais
assim, uma proposla de reflexåo e traz a expectativa de participativas e atuantes, politica e socialmenle.

uma continuidade, que vai acontecer em cada leitura, Nio podernosy näo devemos, pais, adiar a cotnpre-•
em cada arlålise e recriagäo emprecndida pelos profes- ensäo de que a parlicipagäo efetiva da pessoa na socicda-
sores, Dessa forma, cada professor que ler este livro
de acontece, também e muito especialmente, pela
serå lambérn unl de seus co-autorcs,
pela "comumcaqäo pela "atuaqäo e interagåo verbal%
Tenho plena consciéncia de que nåo estou partindo pela linguagem, enfim. livemos, durante rnuito tempo,
do zero. Este Irabalho é apenas uma pcqucna patte de unna escola que favoreceu o mutismo', que obscurecetl a
um grande esforqo camum» de muitos pesquisadores e
estudiosos da linguagemt preocupados também corn a
I "Hå muito que apre.nder corn a historia em matéria de calar
mclhor forma de os professores realizarem na escola a a boca", diz Millör, em uma de suas sibins tiradas (cf. Fernandes,
exploravåo relevante e consistente do lenömeno lingüfstieo. 2000: 30),

14 | AULA Poatcea:gs IRANCE ANTI'NE.s 15


fungåo interativa da Ifnguai que disseminou a idéja de precisa ter uma certa fluéneia e desenvoltura no exerci-
uma quase irreversivel incompeténcia lingüfstica. o que Cio mais formal da comunicaqäo oral Certamente, hå
nos deixou, a Iodos, calados e, quase sempre, alguém ou alguns que lit-am proveito da manutenqäo
Apesar de muitas "anålises sintåticas'*, apesar de
desses padröes de ensino da lingua —
padröes que. na
verüide, sé "despistam" a atenqäo e embotam a criticidadc
muitas vezes nos darmos ao insano (e ing16rio!) traba-
das pessoas para perceberem o quer de fata, se pode fazer
lho de tentar diferenciar um "adjunto adnominal" de
e se pode softer pela dominio da palavra. Enquanto o
um "complemento nominal", e outros pormenores
professor de portugues fico apenas anaJisando se o sujei-
classificatörios, apesar cle tanto quebrav a cabega com
to é *'determinadoii ou por exemplo. as
essas ilmelevåncias metalingüfsticas, faltou tempo
alunos ficam privados de tomar consciéncia de que ou
talvez capacidade para se descobrir as regularidades
eles se determinam a assumir o destino de suas vidas ou
do funcionamento da lingua, que somenie
acabarll todos, na verdadey Osujeitos inexistentesrt (como,
ocontece por meio de textos ornis e escritos, em pråticas
em outras palavras, sugere Almeida, 1997: 16).
discursivas as mais diversasr conforme as situagöcs so-
ciais em que se inserem.
Neste instance, caro(a) professor(a), quero que se
sinta inteira e legitimamente convocado para o desafio
Saber Lais regularidades muita diferenga, quan- de estimular o desenvolvimento pessoalt social e politi-
do nos enconlramos nas situaqöes reais de uso da lin- co de seu aluno, pela ampliaqäo gradativa de suas
gua, dentro e fora da escola. Nao saber tais regularida-
potencialidades comunicativas
des concort-e, significaLivamenle, para deixar•nos limi-
Vale a pena deixar bem Claro que, em nenhum
tados no acesso ao conhecimento e nas alividades de
momentot deixo de reconhecer a falta de uma politica
sua producäo e de sua distribuigäo. Näo saber talS re-
pfiblica dc valorizagäo do trabalho professor, redu-
gularidades concorre Lambém para cleixar os mais po-
ziclo, quase sempae å "tarefa de dar aulas'% setn tempo
bres ainda mais excltlidos, os quais, "coincidentemen-
para ler, para pesquisar, para estudar. "Passanclo" c "re-
te", säo os menus escolarizados e os menus preparados
passando" pontos do programa, para depois "cobrar"
para enlh-entar as exigéncias de um mercado de traba no dia da prova, no cenårjo nada convidatjvo (e muito
1110 cada vez mais especializado„ menos poético!) de prédios dcscorados e tristes: o que
Se o que predomina nas aulas de porlugués con- significa diaer que o professor näo é o Linico responså-

tinua sendo o estudo in6cuo das nomenclaturas e clas- vel por todos as problemas da escola„
sificagöes gramaticais, ir escola e esLudar portugués I'Mesmo consciente dessas limitacöes, rninha con-
pode tnäo ter muita imporlåncia» principalrnente para versa agora é com os professores. Para inquietå-los.
quem precisa, de imedialo, adquirir compeLéncias em Para estimulå-los rnudanca, para lhes abrir horizon-
leituva e em escrito de texlos„ Ou mesmo para quem tes, Para dizer-lhes que alé mesmo essas coisas que näo

16 | AULA DE PORTCGL-LS IRANDé ANTUNES INTRODCCÅO | 17


dependem diretamente de nost ås vexes, corneqam a
mudar jå porque rlés as denunciamosy ou porque luta
mos para que sejam cliferenles.

O plano em que desenvolvo esta discussäo estå CAP(TULO 0M


distribufdo assim

• num primeiro momento (Capftulo reveoo, numa


breve anålise, algumas das maiores dificuldades e

alguns dos maiores equivocos ainda constatados


ern relagåo ås alividades pedagögicas, no trata- Refletindo sobre a pråtica
mento com a oralidade, a escritar a leitura e a

gramåtica; da aula de portugués


• num segundo momento (Capitulo 2), apresento
alguns principios te6ricos capazes de fundamentar o porque e o porqué Illi mais bobngeyn
urn ensino da lingua mais relevante e e/icienfe. Para graynaiical do que sabedorid semiurica„
isso, tomo como pontos de referéncia a pråiica da MILLOR FERNA.svr.s

escrila, a pråtica da o pråiica da re/lexäo


lei/ura,

sobre a grantåtica e a prätica da oralidade. Neste


segundo momento, säo explicitadas, ainda, as
principais implicaqöes peclagdgicas conlidas em tais 1.1. Sinais de mudanga
principios; Um
exame mais cuidadoso de como o estudo da
• num Lerceiro momento (Capitulo 3), como ilus- lingua portuguesa acontece, desde o Ensino Fundamen-

traq.åo e pistas de trabalho, apresento algumas Cal, xevela a persisténcia de uma pråtica pedagogica
orienlacöes e sugestöes de atividades que podern que, em muilos aspectos, ainda mantém a perspectiva
ser descnvolvidas no åmbito da escrila, da leitura, reducionista do cstudo da palavra e da frase descontex-
da reflcxäo gramatical e da oralidade; tualizadas, Nesses limites» ficam recluzidos, naturalmen-
Ley compreensäo mais relevante
os objetivos que unna
• por fimr um segmenLo (Capitulo que teqo
4)
da linguagenl poderia suscitar linguagem que so
algumas consideragöes acerca dos procedimentos
funciona para que as pessoas possum interagil* social-
gerais de avaliaccio dccorrentes desses principiosv
mente„ Embora muitas aØes institucionais jå se te
nharn desenvolvidoj no senlido de motivar e fundamen-
tar uma reorientagäo dessa pråtica, as experiéncias de

18 DE PONTCGL'ES IRANLTfi A-vruxES RruT-ET1xao SObkE A DE PORTUGUES | 19


renovaqä0* infelizmente, ainda näo ultrapassam o domi- Tenho consciéncia, sem düvida, do momento his-

nio de iniciativas assistemåticast eventuais e isoladas, térico nacional, com seus mfiltiplos e graves proble-
mas, que. na da Educaqäo e para além delaJ
firea
Consequentemente„ persiste o quadro nada ani-
constituent um enorme desafio p aa responsabilidade e
mador quasc desesperador) do insucesso escolan que
(e
para o espfrito cfvico de todos. Os momentos de crise
se manifesta de diversas maneiras. Logo de safday ma-
säoj comumente, também momentos de crescimento. É
nifesta-se na stibita descoberta, por parte do aluno, de
pov isso que jå se pode testemunhar um conjunto de
que ele "nao sabe portugués", de que "o portugués é
na diregäo de uma crescente
atltaqöes sociais positivas,
uma lingua rnuito dificil". Posteriormente, manifesta-
consciéncia da cidadania cada vez mais integral e efetivm
se na confessada (OLI veladahrversäo ås aulas de portu-
gués para alguns alunos, na dolorosa experiéncia da
e, O presente trabalho pretende ser. Itambém, uma
repeténcia e da evasäo escolar, resposta aos apelos e its exigéncias de construgäo dessa
mesma cidadania.
Com enormes dificuldades de leitura, o aluno se
frustrado no seu esforqo de estudar outras discipli-

•j
) nas e, quase sempret "deixa" a escola corn a quase ina- 1.2. Um querer jå legitimado
balåvel certeza de que é incapaz, de que é lingüistica-
mente deficiente, inferior, podendo, portanto, to-
É possfvel documentar, atualmente, uma série de
aqöes que as instituigöes governamentais; ern todos os
mar a palavra ou ter voz para fazer valer seus direitos,
para pavticipar ativa e criticamente daquilo que acon-
nfveis, Lém empreendido a favor de uma escola mais [or-

madora e eliciente, Tais acöcs, apesar de todos os setts


tece å sua volta. Naturalrnente, como tantos Oiltrost val
limites» acorllecem Lanto na firea da formagäo e capacita-
ficar å margem do entendimento e das decisöes de
$0 dos professores como na outra, näo menas significa-
sonstruqäo da sociedade.
tiva, das avalia$es. Basta referir o trabalho que resultou
É evidente que causas externas escola interfe- na elaboraqäo e divulgagäo dos Paråmetros Curriculates
remi de forma decisiva, na determinaqäo desse resulta- Nacionais (PCN), com todos os seus posteriores
do. A escola, corno qualquer outra instituiqäo sociall clesdobramcntos; ou o trabalho empreendido pelo Sistema
reflete as condigöes gerais de Vida da comunidade ern Nacional de Avaliaqäo da Educaqäo Båsica (SAEB), que
que cstå inscrida. No entanto, é evidente também que objeLiva avaliar o desempenho escolar de alunos de todas as
fatores internos pröpria escola condicionam a quali- do pafs e, a panir daf, ofemcer, ao pnflprio Govemo
dade e a relevancia dos resultados alcangados. Federal e aos Estados, subsidios pam a xedefiniqäo de poli-
ticas educacionais mais consislenLes e relevantes
É principalmente em alengåo a esses Tatores liga

dos å escola que desenvolvo, no momento, as presentes Em relagåo aos PCN, näo se pode deixar de reco-
reflexöes e propostas de estudo do portugués. nhecer que as concepgöes teöricas subjacentes docu-

20 AULA DE PURTCGUÉ.S IRANDÉ ANTUNES REFLETt.SOO A DE PORWGUCS 21


mento jå privilegiam a dimensäo interacional e discursiva com base num rol de competencias semelhantes, tam-
da Ifngua e definem o dominio dessa lingua como uma bém avaliadas em texLos.

clas condigöcs para a plena participagåo do indivfduo em Vale referir lambém o trabalho que é realizado
setl meio social (cf. p. 19), Além disso, estabelecem que pelo Programa Nacional do Livro Didåtico (PNLD) que,
os contefidos de lingua portuguesa devem se articular em pelo menos em relagäo lingua portuguesa, tem ofele-
tomo de dais grandes eixos: o do uso da lingua oral e
cido 6timas pistas para a procluqäo dos manuais de
escrita c a da reflexäo acerca desses usos, Nenhuma aten- ensinoe Os exmues vestibulares de algumas universida-
$10 é concedida aos contettdos gramaticais, forma e
des também tem botado lenha nessa rogueira. Ou seja,
na seqüéncia tradicional das classes de palavrast tal como as questöes torno de competéncias textuais lém tra-
aparecia nos programas de ensino de antes.
zido a dimensäo da textualidade para o dia-a-dia da ati-

Em relagäo ao SAEB* näo é cliferen-


a orientaqåo vidade pedagogica 011, pela menos, conseguiram tirar do
tet os pontos chamaclos de descrilores —
que cons- centro de interesse a anålise puramente Juetalingiifstica
lituem as matrixes de referéncia para a elaboragäo das que prevalecia nos programas de ensjncn
questöes clas provas contemplam explicitamenle Parece, porlanto, näo faltar ao professor o respal-
arenas um conjunto de habilidades e competéncias em do das inståncias sutperiores, que assumwam o discur-
compreensäo e nada de definiqöes ou classificacöes
de novas concep€öes te6ricas, de ondc podem emer-
gramaticais. Todas essas competéncias säo avaliadas em gir novos programas e novas pråticas. Pelo menost para
textos. de diferentes tipost generos c furagöes. Nao hil
os professores, jå nao tem sentido transferir para as
um descrilor sequcr que se parega com os itens tradi-
de Educaqäo, para o vestibular ou para todos
cionais dos programas de ensino do porLugués. Nem a
os livros didåticos, a responsabilidade de ler de "rez.aß'
famigerada concordåncia verbal, suposto indicativo do o velho rosårio das classes de palavrasr conta a conta,
Tampouco
saber da "inequivoca nor-ma culta", aparece.
a regéncia ou outra questäo semelhante, Muito menos
o Estado de Pernambuco jå dispOe de uma Matrix Curricular para
as ramosas classificagöes dc oracöes.
o ensino (c näo apertas exclusivamente para a com a
Os Estados tém entiado em hannonia com estas orien- especificaqåo das competéncias esperadas no final de cada ciclo (do
Fundamental e Nlédio). Nessa Malriz, sio apesentados descritores
taqöes do SAEB e jå otgamzam seus exames de avaliagåo]
relativos oralidade, leituta e produqäo cle tex10S escritos, Esses
descritores tém como suparte te6rico os Principios da interac;äo
Vale apena consultar os descritoves selecionados para as verbal e da textualidede.
matrixes do Estado de Pernambuco. Embora se apregoe que lais 2 Cerlamente outlas aqöes adminislralivas deviam aeompa-
matrize.s existem para orientar a avaliavho do ensino, é inegåvel nhar o plano do discurso olicial. pata que as concepsöes te6ricas
que os descrilores ne]as contidos podem in.spitar mtlilo positiva. propostas pelos governos possam tornar.se cada vez mais uma rea-
mente as atividades escolares com a leiture e a escrita, Atualmenle, Iidade,

22 iAsw.VEs REFLETINOO SOFIRE reÅTLCA AULA OE FORTCCiUg.S 23


]
uma a uma. A "salvagäo" parece viv por outros meios. tuaqöes sociais mais formais de interagäo que
Ou seja, os "santos" comeqam a ter outra carav väo, inevitavelmente, ondiciona utros padröes
de oralidade que nåo o co oquiali

1.3. Num olhar de relance • uma concentraqäa das atividades em topno dos
generos da oralidade informal, peculiar its situa-
Sem perder de vista que mujto emperlho vem sendo goes da •comunicaqäo privada; nesse contexto,
demonstrado (e com alguns resultados evidentes e louvå. predominam os regisfios coloquiaisj como a "con-
veis) no sentido de del.xar a escola em condicöes de mais versa", "a troca de idéias", 'a explicagäo para o
qualidade e maiores éxitos, me parece fitilt ainda, come colega vizinho" etc. Na verdade, o trabalho se
gar por IVferir algumas constatacöes menos posilivas, nestringe reprocluqäo desses registros informais,
acerca de como acontece a atividade pedagogica de ensi- sem que se promova uma anålise mais consis-
no do por[ugués (ås vezes, preferia näo ter visto...!). Vou tente de como a conversagåo acontece;
fixar-me, como dissey em quatro campos: o da oralidade„
ou seja, uma genemlizada falta de oportunidades
o da escrita, o da leilura e o da gramåtica,
de se explicitar em sala de aula os padröes gerais
da convengacåo, de se abordar a realizaqäo dos gé-

1-3.1. O trabalho com a oralidade neu-js orais da comunjcaqäo poblicaj que pedem
gistJOS mais formais, com escolhas lexicais mais
No que se refere ås atividades ent torno da orali- especialimclas e ptd10es textuais mais rigidos, além
dude, ainda se pode constatar: do atendimento a certas convengöes sociais

uma quase omissäo da fala como objeto de ex-


exigidas pelas situagöes do "falar em
plot-acäo no tlübalho escolar; essa omissäo pade
ler como explicacäo a crenga ingenua de que os O trabalho com escrita
Usos orais da lingua estäo täo ligados Vida de
todos n6s que nern precisam ser matéJia de sala No que se refen: ås atividades em tonto cla escritä,

de aula (cf. Marcuschi, 2001; 19); ainda se pode constatar:

Lima equivocada visäo da Tala, como o lugar um processo de aquisiqäo cla escrita qtle ignora

privilegiado para a violagäo das regmas da gra- a interferencia decisiva do sujeito aprendiz, na
måtica. De acordo com essa visäo, Ludo o que construcäo e na testagem dc suas hip6teses de
é • erro" na lingua aconLece na fala e ludo é representaqåo gnåfica cla lingua;

permitido, pois ela esti acinua das prescrivöes a pråtica de uma escrita mecånica e periféric.ay
gramaticais; näo se distinguern, portanto, as si- cenlrada, inicialmente, nas habilidadcs motoras

24 AULA
| Poaruc;t.'ES REFLETJSOO SOBBE rorovcuts 25
|
de produtir sinais gråficos mais adiante, na
e, vez quc, por ela, nåo se estabelece a relagäo
memorizacäo pura e simples de regras ortogrå- pretendida entre a linguagem e o mundo, entre
ficas: para muita genie, näo saber escrever ain- o autor e o leitm do text0'$

da equivale a escrever com erros de ortografia;


a prätica de uma escrila que se limita a oportu-
• a pråtica de uma escrita artificial e inexpressiva, nidades de exercitar aspectos näo relevantes da
realizada em "exercfcios" de criar listas de pa- linguat nessa altura do processo de aprcensäo
lavas soltas our ainda, de Tormar frases. Tais da escrita, como, por exemplo, a fixaqäo nos
palavras e frases isoladas, desvinculadas de exercfcios de separaqåo de silabas, de reconhe-
qualquer contexto cornunicativo, såo vazias do cimento de digrafos, encontros vocålicos e
sentido e das intenqöes com que as pessoas cli- consonantais e outros inteiramente adiåveis;
zem as coisas que tom a diaerr Além do mais,
esses exercicios de formar frases soltas afastam a pråtica, enfim, de uma escrita improvisada,

os alunos daquilo que eles Tazemj naturalmente, sem planejarnento e sem revisäo, na qual o que
quando interagem com os outros, que é "cons- conta é$ prioritariamenter a tarefa de realizå-la,
tmir pecas inteiras", ou seja, textos, com uniclade, näo importa "o que se diga" e o "como se fax".

com comeco, meio e Tim, para expressar sentidos (É a "lingua da escola", como observou um
e intenqöes. Patece incrivel, mas é na escola que menino
as pessoas "exercitam" linguagem ao coniråri0*
ou seja, a linguagem que ncio diz Nessa
1,3.3. O trabalho com a leitura
linguagem vazia, os principios båsicos cla
textualidade säo violadosy porque o que se diz No que se refere ås atividades de ensino cla leilura,

é reduzido a uma seqüéncia de frases desliga- também se enconlra aindat


das umas das 011trasi sem qualquer perspectiva • uma alividade de leitum centmda nas habilidades
de ordem ou de progressäo e Sem responder a
mecånicas de decodificaqäo da esclita. sem dirigili
qualqucr tipo particular de contexto social;
contudo, a aquisigåo de Lais habilidadcs pam a di-
• a prålica dc uma escrita sem fungäo, destitufda mensäo da interacåo verbal tase sempme. nessas
de qualquer valor interacional$ sem autoria e cintunståncias, nao leilura, ponque näo hå "en-
serri recepGäo (apenas para uma confidi com ninguém do outro lado do texto;

uma atividade de leitura sem interesse, sem


Isabel Pinheiro, em sua dissertagäo de mestrado (cf. Biblio-
fungäo, pois aparece inleiramente desvinculada
grafia), analisou as propostas de produ#o de de a]guns livros
texlo
dos diferentes usos sociais que se faz da leitura
diclålicos e constalou que somente muito poucas cuidam cle levar
em conla os fatores interativos do de escrever um texto„ alualmente;

26 ACLA PORTUCCÉs IREFLETINLto SOBRE A FRSTICA OA A1.:r.A DE 27


IEANOÉ ANTCSES
1
|
uma atividade de leiLura puramente escolar; sem A prop6sito da qUestäo "o tempo para a leitura na
gostoj sem prazer, convertida em momento de escola", vale a pena referir a pesquisa realizada por
Lflian Martin da Silva (1986) junto a alunos de escolas
treino, de avaliagäo ou em oportunidade para
püblicas de Campinas (tenho sérias düvidas se os resul-
futuras "cobrangas"; leitura que éJ assim, redu-
tados seriam muito diferentes, caso a pesquisa fosse
Zida a momentos de exercfcio, sejam aqueles da
feita ern escolas particulares!). As respostas dos alunos
"leitura em voz alta" realizados, quase sempre,
säo auténticas denfincias da estreiteza com que algu-
com interesses avaliativos, sejam aqueles que
mas escolas tém considerado os objetivos de uma aula
tem de culminar com a elaboracåo das conhe-
cidas "fichas de leitura' ;
de portugués,

Lima atividade de leitura cuja interpretaqäo se Vejamos o que os alunos responderam. quando
solicitados a dizer se liaiii durante as aulas de portugues•,
limita a recuperar os elementos literais e expli
citos presentes na superficie do textov Ouase
sempre esses elementos privilegiam aspectos "Nunca porque nao sobrava tempo. "
apenas pontuais do texto (alguma informaqäo "Nuncu povque dei tempo,
localizada num ponto deixando de "Nunea porque a professora achava que perclevia
lado os elementos de Tato relevantes para sua muito lernpo de aula,

compreensäo global (como seriam todos aque- "Pouco, porque nos primeiros anos escolaves eu fiz

les relativos å idéia centrall ao argumento prin- é muito exercfeio.


cipal defendido, finaliclade global do texto, ao "A professora dava a matéria, explicava e nimca deu

reconhecimento do conflito que provocou o aula cle leitura

enredo da narrativa, entre outros); "A gente lia apeuas o iivro da matéria.


"Os professores se preocupant com a grotnxitica e a
uma atividade incapaz de suscitar no alur10 a

compreensäo clas måltiplas fungöes sociais da


leitura (muitas vezes, o que se lé na escola näo
coincide com o que se precisa ler fora dela); Como diz a autora,

enfim, uma escola "sem tempo para a leitura Da falla de tempo genericclinente justificada, os
porqucj como declararmn os alunos, "tiltha que depoimenlos permitem avan€ar pouco mais na
aprender as narrativas, a lingua portuguesae as elueidcwäo dessa guestäo ou parque através deles os alu-

patavrns que a gente fala errado" ainda por- nos repeteffl as explicacöes gue lhes dadas ou porque

que "atrapalha o professor eiii suas explicaqöesrr conseguem, depois de anos a /io, vendo repetida a pråliea
(cf. Silvar 1986: 27), cle exclusåo de leiturn, entender os seas povqués (p. 27).

A 0.4. ACLA | 29
28 ACLA
| LIE Ponxccæ-ts IRÅSnÉ
Assim é que pergunta "Por que näo hå tempo
Consciences dessa éornpæensåo falseada do que seja a
para a leitura ent sala de aula os alunos responderam:
gramåtica de uma lingua, passamos ao item seguinte.

"Porque tinho que ir com a mutéria pra frenle"


1.3.4, O trabalho com a gramåtica
'Porque forani paucos os professores que nmncla-
ram lev." No que se refere a atividndes ern torno da gramä-

"Porque se léssenaos näo ia clor tempopora apender tica, pode-se constatar o ensino de:
lode a matéria,
uma gramåtica descontextualizada, amorfa, da
"Porque allopalha o professorewn suas explicaeöes lingua como potencialidade; gramåtica que é muito
"Porque uäo é possivel perder aula cle parm- mais "sobre a Ifngua" desvinculadar portant0J dos
gués apenas paro ler urn livvo" (grifos ntetts). usos reais da lingua escrita ou falada na comuni-
"Parque us aulas mais imporlantes„ "
cagäo do dia-a-dia;
"Porque professora acha que näo estelmos prepa-
rados para ler livros.
uma gramåtica fragmentada, de frases inventa-
das, da palavra e da frase isoladas, sem sujeitos
interlocutores, sem contexto, sem funcäo; frases
Nem precisa muilo esforqo para perceber enr que reitas para servir de ligäo, para vivar exercicio;
"a leitltra atlttpalha", ou qual que precisava
"a maléria"
uma gramåtica da irrelevåncia, com primazia em
pra frente". Na verdade, a compreensäo deturpada
questöes sem importåncia para a competéncia
que se tem da gramåtica da lingua e de setl estudo tem
comunicativa dos falantes. A este prop6sito, valia
funcionado como um imenso entrave ampliagäo da
a pena pergunlar-se qual a competencia comunj-
competéncia dos alunos para a fala, a escuta, a leitura
cativa que hå em distingui)' um adjunto adnominal
e a escrita de textos adequados e Jelevantes, Hå urn
de um complemento nominal, our ainda, em rcco-
equivoco tremendo em relaqäo dimensäo da gramå- nhecer as diferenles rungöes do QUE au do
tica de uma lingua, em relacåo äs suas lungöes e äs coisas com as quais muito tempo de aula ainda é
suas limitaqöes também equivoco que tem Tunciona-
desperdigado;
do Como apoio para que as aulas de lingua se paregam
muito pouco com "encontros de pessoas ern atividadcs
uma gramåtica das exccntricidades, de pontos de
vista refinados, lilas, muitas vezes, inconsistentes,
de linguagern" e, multo rnenos aindar com "encontros
pois se ap6iam apenas ern regras e casos panicu-
de interagåo", nos quais as pessoas procurariam desco-
lares que, apesar de estarem nos compéndios de
bJir como ampliar suas possibilidüdes verbais de parli-
gramåtica, estäo fora dos contextos mais previsi-
cipar da Vida de sua comunidade.
veis de uso da Ifngua;
30 ALTA
ANTCSES
REFLETINOO SOURE A PF*ÅTJCA 1'0AT[.'GL'ds | 31
uma gramåtica voltada para a nomenclatura e a sempre consistentemente alualizado), sem, de al-
classificacåo das unidadesj portanto, uma gramå- guma maneirat considcrar o que, na verdade, é
lica dos "nomes" das unidades, das classes e fato, ou seja, sem considerar-o que faz parte dos
subclasses dessas unidadcs (e rlåo das regras de Usos reais que os grupas mais cscolarizados de
seus usos). Pelos limites estreitos dessa gramåti- falantes e escritores da atualidade adotam;
ca,o que se pode desenvolver nos alunos é apenas
uma gramåtica predominantemente prescri/iva,
a capacidade de "reconhecer" as unidades e dc preocupada apenas com marcar o "certo" e o "er-
nomeå-las eon-etamente. Vale a pena lembrar que, rado", dicotomicamente extremados, como se fa-
de tudo o que diz respeito å linguar a nomencla lar e escrevev bem fosse apenas uma questäo de
tura é a parte menos movel, menos flexivel, mais falar e escrever corretamente, nåo importando o
estanque e mais distante das intervenqöes dos fa- que se diz, como se diz„ quando se diz, e se se tem
lantes. Talvez. por isso mesmo, seja a parte "mais algo a dizer, Por essa gramåtica, professores e

fåcil" de virar objcto das aulas de Ifngua. Vale a alunos so véem a lingua pelo prisma da corveqäo
e, o que é pion deixam de ver outros muitissimos
pena lembrar também que a gramåtica cle uma Ifn-
tatos e aspectos lingLifsticos (os faros textuais e
gua é mujto mais, muito mais mesmo, do que o
discursivos, por exemplo)J realmente relevantes;
conjunto de sua nomenclatura, por mais bem ela-

borada e consistente que seja, A esse prop6sito, seria fLtma gramåtica que lem como apoio o uso da
muito titil a consulta ao trabalho de Neves (1994: lingua em textos reais, isto é, em manifestagOes
textuais cla comunicaväo funcional e que näo
12), trabalho pelo qual ela pöde constalar que os
chega, por isso, a ser o estudo dos usos cOmunicati-
excrcicios em torno do læconhecimento da classe
vamenle relevantes da lingua*.
gramatical clas palawas e de SLtas Tungöcs sinlåti-
cas obtiveram o rnaiov indice de freqüéncia;

uma gramåtica inflexfvelf petfificada, de uma Ifn-


1.4. Virando a pågina
gua supostamente uniforme e inalteråvel, irreme-
A reorientaqäo do quadro até aqui apresentado
diavelmenle "fixada" num conjunto dc regras que, requer, antes de Ludo, determlnaqäo. vontade, empenho
conf0Jmc constam nos manuaisy devem manler-
cle querer mtldar. Isso supöc uma ampla, funda-
se a todo custo irnuLåveis (apcsar dos muitos usos
njentnda, planeiada, sisie,'Jiötica e parlieipada (das poli-
em contråJ'io), como se o processo de mudanga
lieas pfiblicas federais, estaduais e municipajs
das Ifnguas fosse apenas urn fato do passado, algo
clos professores corno classe e de cada professor em
que jå aconLeceu e näo acontece mais. Por esta
via cle pcrcepgåo, a "consulta" que se faz é settl-
Acerca das crilicas au ensino de lingua portuguesa, vale a
prey e apenas, a Itm compénclio de gramåtica (nem pena consultan entre muitos outros, Brilto, 1997.

32 AULA
| PORTUGUES AS'TUNES REFLETJV.IO SOHEE A PORTL'CiLIÉs [ 33
particular), para que se possa chegar a uma escola que pedag6gicas, conLa» assim, com a descaberta perma-
cumprdJ de fatot seu papel social de capacitaqäo das nentej com o espfrito de "vigilia" de todos os que cstäo
pessoas para o exercfcio cada vez mais pleno e consci- cnvolvidos com a Vida da requer uma
ente de sua cidadania. espécie de "estado de espirito" permanence). Os meios
e os procedimentos concrelos de levar tais discussöes
A complexidade do processo pedag6gico impöe,
na vet-clade, o cuidado em se prever e se avaliar, reite-
pråtica da sala de aula e, näo sé» até a escola como um
todo, seräo dia a dia pensadost descobertos, inventados,
radamente, concepcöes (O que é a linguagem? O que é
reinventadost conforme as circunståncias particulares de
uma lingua?), obie!ivos (Para que ensinamos? Corn que
cada situaqäo, de cada meio geogrålico e social. Dessa
proeedimentos (Como ensinamos?) e resul-
forma, o professor encontra condigöes para deixar de ser
tados (O que temos de forma que todas
o mero repetidor de uma lista de conteüdos, iguaizinhos
as agöes se orientem para um ponto comum e relevan-
de ano a anov em qualquer lugar ou situaqäo conteü-
te: conseguir ampliar as competéncias conjunicativo-
dos, muitas vezes, .alheios å lingua que a gente fala, ouvey
interacionais dos alunos.
escreve e Vale lembrar aqui Rubem Alvesj em Conver-
O fato de assumir a discussäo de como aproximar cont quem gosta de ensinar (p. 3 1 "Bem dizia o mestre
o estudo cla lingua desse ideal de "compcténcia" e de Wittgenstein que a linguagem tem poder enfeiti- um
"cidadania", ou melhor dizcndo, de licompeténcias para sante„ E eu me pergunto: de que palavras nos alimen-
a cidadania", jå representa um passo imensamente sig tamos?" Pois ét perguntemo-nos: de que palavras se
nificativo jå é o comeqo da muclanga, pois jå concre- alimenta a Vida da escola? O que significa dizer que
tiza•a intenqäo dos professores de querev adotar uma cijeulam palavras pelos corredores das escolas?
atividade pedagogica realmente capaz dc oferecer re-
Minha disposicäo neste momento é, pois, ofere-
sullados mais posilivos e gratificantes. Como em mui- eer aos que assumern a orientagåo ou a alividade de
tos outros casost discutir, reflctir, para identificar os eosino do portugués, do Fundamental ao Ensino Mé-
problemas e encontrar saidas, .jå é uma 'Jaqåo", jå é
alguns clementos que possam ajudar na dcscober-
parte do processo de mudanga. ta de "novos jeitos" de ver a lingua e, conseqüentemen-
É evidente que qualquen- discussäo sobre os obje- de vets-se como professor em aulas de portugués.

livosda atividade pedagögica, por mais completa que A discussäo que Lrago scrå valida e encontrarå
possa parecer, deve complementar-se com o estudor a " plicabilidade, como foi dito acima,- apenas se comple
critica, a reflexåor a pesquisa (n6s, professores, precisa- com a reflexäo criLiea e criativa de cada profissio-
mos de tempo para isso!) e a acuidade de todos aqueles envolvido no processo de capacitar o cidadäo bra-
que participam dessa atividade. O empenho por fazer sileiro para o exercfcio fluenle, adequnxlo e relevante dcd

esta reflexåo produtiva, na pråtica diåria das atividades verbal, oral e escritm

34 AULA
| PORTCGL'ÉS ANTCNES REFLEtJ-vno sonar; PR.ÅTICA an PORTU'GVÉS 35
Como discussäo, este livro se destina a apresentar com nitida e inconteståvel funqäo politica, com desdo-
um receituårio simplista de novas técnicas a serem bramentos sérios e decisivos para o desenvolvimento
empregada.s e, muito menos, de novas tarefas a sea global das pessoas e da sociedade- Sentimos na pele
rem realizadas,t destina-se a apresentar uma série de que näo clå mais para '*toleraf' uma escola quer por
principios, capazes defundamentar a ampla e comple- vezes, nem sequer alfabeti?.a (principalmente os mais
xa atividade do ensino da linguae Esses principios te6- pobres) ou que. alfabetizando, näo forma leitores nem
ricos, oboetivos e cientificos. contém, naturalmentet im- pessoas capazes de expressar-se por escrito, coetente e
plicaqöes pedag6gicas, Basta analiså-los com cuidado relevantemente, para, assumindo a palavra, serenn autores
para descobri-las. Dessas implicagöes, por sua vet, de uma nova ordem das coisas. Ét pois, ato de cida-
derivam as pråticas ou os procedimentos concreLos que maior pertinénciat que aceitemost
dania, de civilidade da
cada professor, na Vida diåria com seus alunos, vai in- ativamcntc c cam determinagåo, o desafio de rever e de
ventandor Jå nao hå mais lugar para o professor reorientar a nossa pråtica de ensino da lingual
simplistamente repetidor, como disse acima, que fica,

passivo, å espera de que lhe digam exatamente como


fazer, como "passal*' ou *'aplicar" as nogöes que lhe
ensinaram. Os principios såo o fundamento em que o
professor vai apoiar-se para criar suas opqöes de Iraba-
Ihcx O novo perfil do professor é aquele do pesquisador,
CILter com seus alunos (e näoj produz co
"para'* eles),
nhecimento, o descobre e o redescobre. Sempre.

MLIilas e Lirgentes säo as razöes sociais que justi-


ficam o empenho da escola por um ensino da lingua
cada vez mais (Itil e contextualtnente significativo, Sa-
bemos quanto a incompetencia atribufda escola estå
ligada a conflitos com a linguagem (cfw Soaves, 1987),
a percepqöes distorcidas e milicas accrca do que seja o

fenömeno lingüistico (cfw Bagno, 1999, 2000), Sabemos


quanto nos aflige a seleti'ädadet marlulengäo cla es-

Irutura de classes e a leproduqåo da rorca cle trabalho


Canahert 1986) que, incondicionalmente, decorrem
(cf.

também dessa incompeténcia e dessas distorgöes. Sa-


bemos que a educaqäo escolar é um processo social,

36 AL'LA
| PORTCGCéS ANTUNES REFI,ETJWOO SOBRE AULA OE 37
CAPiTULO oos

Assumindo a dimensäo
interacional da linguagem

Sö coistl na constrneåo do nosso


edificio social.' pedro fundamental.
MILLOR FERNANDES

Toda atividade pedag6gica de ensino do portu-


gués tem subjacente, de forma explicita ou apenas in-

tuitiva, uma determinacla concepۊo de lingua- Nada do


que se realiza na Sala de aula deixa de estar dependente
de um conjL1nto de principios teen-icos, a partir dos quais
os fenömenos lingüisticos sio percebidos e tudot con-
seqücntemente, se decide. Desde a definigäo dos obje-
livos, passando pela selegäo dos objetos de estudot até
a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e espe-
cificos, em tudo estå presente uma determinacla COIF
cepgäo de Ifngua, de suas fungöes, de seus processos de
aquisiqäo, de uso e de aprendi7.agem.

Tenho presenciado, por vezes, uma certa descon-


fianca ou uma certa restriqäo dos professores quando

A O]MENSÅO on | 39
se trata de lhes oferecer mais referenciais teöricos„ concepqöes de leitura, de escritat concepcöesr enfim,
Parece que säo meio descrentes da teovia, *'Queremos acerca do uSo interalivo e Cuncional das Ifnguas, é o
pråtica", costumam Esta afirmacäo pode signifi-
clizer, que pode embasar um trabalho verdadeiramente eficaz
car um certo ceticismo ou um descontentamento com
do professor de portugués,
explicagöes te6ricas que Ihes chegam nos eventuais
encontros ou "treinamentos". Nesse caso, os professo-
Mas voltemos queståo dos principios te6ricos.

res padem ter razäo, principalmente, se a teoria que De uma forma muito geral, pode-se dimer que, ao
estudaram näo ajudou a tornar sua atividade pedagogi- longo dos estudos lingüfsticos, duos grandes tendencias
ca mais produtiva, mais relevante e significativao tém marcado a percep€äo dos fatos da linguagem:

Mas o desinteresse pela Leoria pode significar tam- a) uma tendéncia centrada na lingua enquanto
bém uma incompreensäo do que seja fiteoria" e 'prelti- sistema em potencial, enquanto conjunto abs-
cat de como uma e outra se interdependem ou se ali- trato de signos c de regras, desvinculado de
mentanl mutuamente. Como pode significar ainda uma suas condigöes de realizaqäo;
certa acornodagäo dos professores, que, passivamentet
b) unna tendéncia centrada na lingua enquanto
esperam que alguém venha dizer a eles o que razer e
atuacåo enquanlo alividade e interagäo
social,
como fazerr dispensando-os, assim, do trabalho cons
verbal de dois ou mais interlocutores e, assim,
lante de estudar, de "estar atentos", de pesquisarr de
enquanto sistema-em-/uncäo, vinculadot portan-
avahav, de criar, de inventar e reinventar sua pråtica, o
to, ås circunståncias concretas e diversificadas
que naturalmente supOe fundamentagåo te6rica, am-
de sua atualizaqåo.
plat consistenle e relevante.
Evidentemente. essa segunda tendencia te6rica
Näo pade haver uma pråtica eficiente sem funda-
mentaqåo ntlm corpo de principios te6ricos solidos e
possibilita uma consideraqäo mais ampla da linguagcm
objetivos. Nao tenho Llåvidas: se nossa pråtica de pro-
ej conseqüentementej um trabalho pedag6gico mais

fessores se afasta do ideal é porque nos faltaj entre


produtivo e relevante. Ou seja, a evidéncia de que as
linguas existem para promover a interagäo entre as
outras muitas condiqöes, urn aprofundamento le6rico
acerca decomo funciona o fenÖmer10 da linguagem pessoas nos leva a admitir que somentc uma concepcäo

humana. O conhecinlento te6rico disponfvel a muitos interacionista da linguagem, eminentemenle funcional

professorest em geralr se limita a nogöes e regras gra- e contextualizada, podey de forma ampla e legitima,

maticais apenas, como se tudo o que é uma lingua em [undamentar um ensino da lingua que sejar individual

funcionamento coubesse dentro do que é gramå- e socialmente, produtivo e relevante.

tica. Teorias lingüfsticasdo Uso da pros6dia$ da morros- Se a Ifngua-em funcåo apenas ocorre sob a forma
sinlaxe, da semantica, da pragmåtica, teorias do texto, da textualidade e esta é uma segunda evidencia que

40 [ POUTL'i-;res ANTCNES A DIMESSÅO tx•rERACtONAL LINGUAGEM 41


|
quero lembrar aqui —é natural admitir também que funcionamento da Ifngua. De outra formal se cria um
so o escudo das regularidades textuais e discursivasy na fosso sem problema sem soluqåoy ("uma pedra
safda, urn
sua produvåo e interpretaqäoy pode constituir o Obieto no meio do caminho't que näo pode ser afastada„) if

de um ensino da lingua que pretenda sert como se disse


A essas consideraqöes acresccnto, coma ponto de
acima, produtivo e relevante.
sustentaqäo mais ampla, o principio de que é o aluno o
Assunuo, portanto, que o nficleo central da pre- suieito cla aprendizagem que acontece, ou seja, é ele quem 4.

sente discussåo é a concepeäo interaci0itista, runcional tealiza, na interacäo com o objeto da aprendizagem, a

e discursiva cla lingua, da qual deriva o principio geral atividade estruturadora da qual resulta o conhecimento

de que a lingua Sö scatualiza Cl sengico da eonyuilicagäo (cf. Katoy 1986), Vale a pena ter em conla, ainda, que tal

intersubieliva, em situaqöes de atuagäo social e através conhecimento implica, näo o armazenamento, em esto-
de präticas discursivas, materializadas ern textos orais e que, de um conjunto dc informaqöes, de conteüdos e
regrasy mas a existéncia de uma capacidade gerativa, isto
escritos„ Éi pois, esse nficleo que deve constituir o pon-
é, uma capacidade de enconLrar novas respostas para
to de referéncia, quando se quer definir codas as op-
problemas inteiramente novos, em novas situaqöes.
goes pedag6gicasr sejam os objetivos. os programas de
estudo e pcsquisa, seja a escolha das atividades e da A seguir, apresento um conjunto de principios que,
forma particular de realizå-las e avaliå-lasr como disser podem respaldar uma prålica pedagogica de
estudo e exploragäo da oralidader da escrita, da leitura e
Vale a pena trazer å discussåo mais um POr110: as
da gramåtica. Em nenhum momento atribuo a esses
aulas em queståo såo "atllas de portugués"i Mast de
princfpios a pralicidade mecanicista de um réceituål"io,
que portugués? Do portugués de Portugal? Do portu- Säo fundamentos, Säo "a pedra fundamental" da cons-
gués do Brasil? É Claro que é do poriugués do Brasil,
trugäo que professores e alunos våo empreender:
abern porélli, ci ancilise de outros variedades. Essa é
Bons professores, como a aranha, sabem que li-
uma questäo fundamentali que tem desdobramentos de
föes, essas teias de palavras, ruio padem ser tecidas no
Ioda ordem. SO para dar um exemplo: querer aplicar
vazio„ Elas precisam de fundamentos„ Os /iosy por finos
ao portugués brasileiro as regras da colocaqäo prono-
e leves que seiam, ton de estar amarraclos a coisas sö/i-
minal do portugués europeu é gcrar uma série de in-
clast årvores, pttrecles, caibros„ Se as antarras• süo corla-
compatibilidades que apenas reafirmam aquela idéia
clas, a teia é soprada pelo vento, e a aranha perde a casas
de que o brasileiro Tala mal. Como a colocaqäo prono- Pit)/essores sabem citie isso vale també1Ti para as pala-
minal, existem muitas outras queslöes (veja-se a regen- vras.' separadas das coisas, elas perdem seu sentido„ Por
cia de cercus verbos e de certos nomes, para citar mais si jnesmas, elas iiäo se SUSIeiitajn, Como acon&eee cont
um exemplo). Ou a chamada "norma-padräo"
seja, a teia de oranha, se suas an;arrns as coisas sölidas säo
objeto de anålise na escola deve ter como parametro os cortadas, elas se tornam sons vacios.• nonsense... (Ru-
Usos proprios do Brasily nos diferentes contextos de bem Alves, 20011 19).

42 AULA BE PORTVGUÉ.S
|
ANTUNES Asst'M1-xoo A 01MEXSÅO LINGUAGEM 43
|
da explicitaqäo desses princi-
Prevejo, para além Uma atividade é interativa quando é realizada,
pios, antes de ludo, uma base tec3rica bem mais conjuntamente, por duas ou mais pessoas cujas aq.öes
abrangente que, naturalmente, näo cabe nos limites se interdependam na busca dos mesmos fins. Assim,
deste trabalho —
cujas aplicaqöes pråticas exigem, além ililer-aqäo ("agäo entre"), o que cada um faz de-
de estudo, pesquisa e rellexåo, a criatividade e o discerni- pende daquilo que o outro também: a iniciativa de
faz
mento constantes dos professores. um é regulada pelas condiqöes do outro, e toda decisåo

Parece-me razoåvel supor que este näo é o lugar leva em conta essas condigöes. Nesse senLido, a escrita

adequado para descermos aos minimos detalhes do que- é täo interativa, låo dialogic-a, dinåmica e negociåvel
lazer pedag6gico. É evidente que pretendo alingir a quanto a fala.

realidade cotidiana da pråtica, da aplicagäo, mas qtlero Uma visäo interacionista da escrita supöe, desse
faze-lo através da indicacåo de implicaqöes, de pistas, envolvimento entre sujeitos,
rnoclo. encontro, parceriat
pelas quais os professores podem descobrir os jeitos para que aconteca a comunhåo das idéias, das infop
daquele que-/azer 'Tenho em mente um ntaqöes e das intenqöes pretendidas, Assim, por essa
professor de portugués que além de educador, lin-
ér
visäo se supöe que alguém selecionou alguma caisa a
giiista e pesquisaclor (como propöe Marcos Bagno em
ser dita a unt outro alguém, com quem pretendeu
toda a sua obra), alguém quet com base enl principias interagir, em vista de algum objetivo.
te6ricos, cientificos e consistentesy observa os fatos da

lingua, pensa, refleLe, levanta problemas e hip6teses


A atividade da escrita entäo, uma atividade

sobre eles e reinventa sua forma de abordå-losi de interativa de expressäo, (ex-, "para fora"), de manifes-
explicitå-los ou explicå-los: Esses fatos da lingua so- tacäo verbal das idéias, informaqöes, intenqöest cren-

mente vém tona nas pvåticas discursivas, das quais o gas ou dos sentimentos que queremos partilhar com
texto é parte constitutiva. Por isso é que Sö os textos alguém, parat de algum modoj interagir com ele. Ter o

podejn constituir o objeto relevante de estudö da linguae Wie dizer ét portanto, uma condiqåo prévia para o éxito
da atividade de escrever..Näo hå conhecimento
Vamos aos principios.
ou gramatical) que supra a deficién-
lingüistico (lexical
cia do "näo ter o que As palavras säo apenas a
mecliaväor ou o material com que se faz a ponte entre
2.1, Explorando a escrita
quem fala e quem escuta, entre quem escreve e quem
Pora frrer uma frase de dez palavras soo necessti&ias ceyn,
lé. Como mcdiaqäo, elas se limifam a possibilitar a
Mll I.ÖR
expressäo do que é sabido, do que é pensado, do que é
sentido. Se faltam as idéias, se Calla a informaqäo, väo
A escrita, como toda atividade interativa, implica uma
faltar as pala\Tas. Dai que nossa providéncia maior deve
relacäo cooperativa entre duas ou mais pessoas,
ser encher a cabeqa de idéias, ampliar nosso vepertörio

44 AULA DE PoxrcGt'ÉS
|
IRANDÉ ANTI'S8S INTERACIONAZ. LLNGVAC,ES5 45
de informaqOes e sensaqöesr alargar nossos horizontes ou de menos? Como avaliar se fomos precisos, se fo-
de percepqäo das caisas. Ai as palavras viråo, e a cres- mos relevantes, se dissemos .com a palavra certa'i aquilo
cente cornpeténcia para a escrita vai ficando por conta que tinhamos a dizer? Sem o outro, do outro lado da
da pråtica de cada dia, do exercicio de cada evento, linha,ndo hå linguagem. Pode haver o treinamcnto
com as .regras pr6prias de cada tipo e de cada genero mecånico e aleat6rio de emilir sinais, o que, na verda-
de textonTO grande equivoco etn torno do ensino da de, forade certas situaqöes escolaresj ninguém fat. O
lingua tem Sido .0 de acreditar que, ensinando anålise outro, que caracteriza o ato inerentemente social da
sintåtica, ensinando nomenclatura gramatical, conse-
linguagemt paradoxalmentej so desaparece nas aulas
guitnos deixar os alunos suficientemente competentes
de portugués, que até jå se charnaram de aulas de 'sco
para ler e escrever textos, conforme as diversificadas
municagäo e Expressäo'*
situagöes sociais)Numa outra oportunidade. explorei a
dimensåo desse equivoco (ver Antunes, 2002). Como lcmbra Bakhtin (1995: 113)1

A visäo intevacionista da escrita supöe ainda que Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é

existe o outro, o com quem dividimos o momento


[u, determinada tanto pelo falo de que procede de alguém

da escrita. Embora o sujeito com quem interagimos corno pelo fato de que se dirige para alguém, A
pela escrita nao esteja presente å circunståncia da pro-
palavra é uma espécie de ponte langada entre mim e
os outros. Se ela se ap6ia sobre mim numa extremida-
'ducåo do texto, é inegåvel que tal sujeito existe e é
dev na outra ap6ia-se sobre o meu interlocutor. A pa-
imprescindivcl que ele seja levado em conta, em cada
lawa. é o territorio cotnurrt do locutor e do interlocutor.
momento. Ou sejai a escrita, pelo Tato cle näo requcrer
a presenca simultånea dos interlocutores em interagäo, O professor näo podc, sob ncnhum pretexto, in-
nåo deixa de ser um exercfcio da faculdade da lingua- sistir na pråtica de uma escrita escolar sem leitor, sem
gem. Como tal, existe para servir comunicoccio entre destinatårio; sem referéncia. portanto, para se decidir

suieitos, os quais, cooperativa e mutuamcnte, se ajus- sobre o que vai ser escrito.
Lam e se condicionamw Quem escrevey na verdade, es-
creve para alguémt ou seja, esta em interac.äo com otdiro
A escritar na diversidade de seus usos, cumpre fungöes
pessoa. Essa outra pessoa é a mcdida, é o parametro comunicativas socialmente especificas e relevantes.
das decisöcs que devemos tomm- acerca do que dizer,

do quanto dizel- e de como fazé-lg€ Como uma das modalidades de uso da lingua, a
Escrever sem saber para quem ét logo de safdat escrita existe para cumpvir diferentes furlföes coynunica-
uma tarefa dificil» dolorosa e, por fim, é uma tarefa tivas, de major ou menor relevåncia para a Vida da
ineficaz, pois falla a referéncia do outro, a quem todo comunidade Se prestarmos atengäo Vida das pessoas
texto deve adequar-se- Como saber se dissemos de mais nas sociedades letradas, constatamos que a escrila estå

46 AULA PORTVGVÉS ASTCSES ASSVMCNOO A I'JMENSÅO LINCCAC,EM | 47


presenle, como forma constante de atuagåoy nas mélti existe fala uniformet realizada deforma igual ern dife
plas atividadcs dessas pessoas no trabalhoy na fami- rentes situagöes e usos, também a produgäo de textos

liar na escolay na Vida social em geral ej mais ampla- escritos totna formas diferentes, conforme as difercn-

mente, como registro do seu patrimönio cientffico, his- tes fungöes que pretende cumprin
térico e cultural. Dessa forma, toda escrita responde a Essas diferengas väo implicar difcrenqas de gene-
um prap6sito Tuncional qualquer, isto é possibilita a ros de texto', isto éi diferengas na forma de as diferen-
realizaqåo de alguma atividade sociocomunicativa en- les partes do texto se distribufrem. se organizarem e se
tre as pessoas e estå inevitavelmente em relaqåo com os apresentarem sobre o papeL A chamada superestrutura
diversos contextos sociais em que essas pessoas atuam. do texto corresponde a essas formas diferentes de o
Pela escrita alguém infortna, avisa, adverte, anunciat lento organizar-se e apresentar-se em duas, trés ou mais
descreve, explica, cornenta, opina, argumenta, instruii parles, numa seqüéncia mais ou memos definida. Assim
resume. documentar faz literatura, organizat registra c é que uma carta, um relat6rio, um aviso, um requeri-
divulga o conhecimento procluzido pelo grupo, Se "fa- nnento tem um jeito proprio, um oeito tipico de aconte•
lar é uma forma de cornporlarnento'ti como afirma cert ou seja„ såo feitos de acordo com um cerlo modelo,
Searle (1981: 27), escrever larrlbém o é- Ou sejar nunca com ou blocos mais ou menos eståveis, que väo
partes
dizemos nada, oralmente ou por escritow que Tläo tenha suceder„se numa ordem também mais ou menos fixa-
conseqüéncias (Sö a escola parece näo ver isso.)
Como os textos såo de autoria das pessoas, delas
Em surna, socialntente, nao existe a escrita unicamente provém e a elas unicamente se destinam„
"para juio dizeriii "para iiåo ser ato de linguagem". lais modelos em que os generos de texto se manifestam
Dai por que näo existe, em nenhum grupo social, a resultado de convenqöcs historicas e sociais instituf-
escrita dc palavvas ott de [rases soltas, de frases inven- por essas mcsmas pessoas„ Sao convenqöes, como
Ladas, de textos sem prop6sitoj sem a Clara e inequivo- todas as outras, criadasy modificadas au deixadas de
ca definieåo de sua razäo de ser.

A questäo "generos de texto" tem cada vet mais atrafdo a


A escrita varia na sua format em decorréncia das di-
Alencåo dos pesquisadores, sobretudo, daqueles que se interessam
feren«s de funcäo que se propöe cumprir e, conse- es(abelecer uma ponte entre a linguistica e a pedagogia do
qüentemente, em decorréncia dos diferentes gene. de linguas, Jå se encontra uma bibliografia ratoåvel sobre o

ros em que se realiza. que deve ser cuidadosamente cslltdada pelos professores
como exemplo apcnas,
noviclades estäo por vit Veja-se,
etn Anilines (2002); Biasi-Rodrigues (2002); Bmandäo
Vinculada åquela dimensäo da Tuncionalidade da
& (orgs,) (2002); Memær & Motta-
escrita estå a 0L1tra dimensåo da sua forma de realiza- dois villimos muitos trabalhos sobre a
e apresentagåo. Assim como se admile que
sempre que for necessårio fazé-lo„ Neste åmbito,
ladot Todo evenlo de fala cortespondc a uma interagäo
também se pade constatar a natureza complexa da lin- verbal que se desenvolve durante o tempo eTT1 que dois
guagemy que é, por um lado, prototipica, regida por ou mais interlocutores, em siiua€äo cle co-presenea» al-
modelos e padröcs e, por outro/ flexiveli passivel de ternam seas papéis de falante e ouvinte. O discurso vai
al •eravöes e mudanqas. sendo, assirT1, coletivamente produzido, negociador ao
Assim, como jå se xessaltou em outro trabalho mesmo tempo em que vai sendo planejado, e sua se-

(Antunes. 1998); o paradoxo da variac.åo e da organiza- qiiéncia é determinada, quase sernpre, na propria con•
gåo eståvel dos textos é apenas o reflexo da natureza tirluidade do diålogo.
mesma da linguagem, definida como sujeita tradigäo A escrita corresponde a uma outra modalidade de
ej ao mesmo tempo, subordinada agäo livre dos fa-
interagäa verbal: a modalidade em que a recepcäo é
lantes„ Se, por urn lado, como admite Saussure (1973),
adiada, uma vet que os sujeitos atuantes näo ocupamr
uma lingua é "radicalmente incapaz de se defender"
ao mesmo tempo, o mesmo espaqo. Além disso, hå um
dos fatores quet constantemente, a deslocam (pw 90),
lapso de tempo, ou menon entre o ato de elabo-
por outro, a solidaricdade com o passado restringe e
raqäo do texto pelo autor e o ato de sua leitura pelo
controla esse inevitåvel deslocamento (pe 88).
Como lembram Faraco & Tezza
leitor. (2003: 10): "O
Os generos cle textos evidenciam essa natureza homem inventou a escrita, hå milhares de anosj quan-
altamente complexa das realizaqöes linguisticas: elas do s" a conversa nåo conseguia dar conta de todas as
säo diferentes. multiformes» mutåveis, em atendimento suas necessidadcs
variaqäo dos fatores contextuais e dos valojvs prag-
måticos que incluem e, por outro lado, såo prototipicas, Essas difeventes condigOes de produgäo da escrita
säo padronizadas, såo eslåveis» atendendo å natureza clåo a quem escreve a possibilidade de conceder uma
eocial das instiluicöes sociais a que serven"li parcela de tempo maiot' å elåborüf'äo verbal de scu tex-
lot bem como a possibilidade de rever e recompu o
Em fntae, uma escrita uniforme» sem variagöes
setl discursot sem que as marcas dessa levisäo e dessa
de supcrestruturar de organizaqåor de seqüéncia de suas
l'ecomposiqäo apareqam, Daf a ilusäo de que a versäo
partcs, corresponde a uma escrita sem funviot artifi-
cialf mecånica, inexpressiva, desconlexlualizada, con- escrita que aparece divulgada arranjada e bem escri-

vertida em puro treino e exercicio escolar, que näo es- ta corresponde å versäo inieial do auton Daf a outra
timula nem fascina ninguém, pois se esgoLa nos redu-
ilusäo —
maior ainda de que a escrita é mais bem

zidos limites das pr6prias pavedes escolares. elaborada, é mais "certa" que a fala.

Além desse maior tempo na elaboraqäo do texto


A escrita supöe condi@es de produqäo e recepgäo escrito„ vale a pena lembrar que é bem mais comum å
diferentes daquelas atribuidas ä fala.
escrita a referéncia a pcssoas, propriedades e objetos

50 AULA DE PORTI.GUÉ.S ANTCNES A LU.VESSÅU LVTEFAC•IONAL 51


ausentes da situaqä0* o que requer uma major explicitagåo por meio de recursos paralingüfslicos (como as gestosy
lingüfstica dessas referéncias, ampliando-se e diversifi- as expressöes faciais) e supra-segmentais (como a
cando-ser assimr na escrita, o emprego das unidades entonaväo» o aumento da intensidader o alongarnento
lexicais e de formulaqöes sintåticas mais Os das vogais, as pausas), Além disso, a presenqa de refe-
sinais de pontuaqäo e o uso explfcito de conectivos entre rentes concretos deixa, quase sempre, o texto falado
muitos outros recursos, tendern a suprir instrucöes que, informalmenle chcio de incompletudes e "vaguezasrtt o
na fala, säo dadas por recutM)s como a entonagäo, as que nåo aceta a coeréncia do que é clito, pois säo facil-
pausasJ os acentos de voz etc. (cf. Kato, 1986), mente supridas pelo contexto.
Evidentemente, convém chamar a atenqäo para o Dai que apenas a fala informal näo pode servir de
faLo de que näo extsle padräo ütnieo de fala, como suporte para o desenvolvimento da compreensåo de
vtäo existe tambérn um padråo tinico de escri&tl. Nao como acontece a escrita de texLos formais Ou seja, so
falamOs nem escrevemos todos do mesmo jeito, em pelo contacto com textos escritos formais é que se pode
qualquer situaqäo ou para quaisquer interlocutores. apreender a formulaqåo propria da escrita formal. Con-
Falamos e escrevemost com mai01" ou menor formali- seqüentemente, sö com texLos orais os alunos t'låo che-
clade, mais ou menos å vontade, cam maior ou menor gam competéncia para o texto escrito (e näo espere-
espontaneidade e Iluénciar Hå mornentos, de fala ott de
mos por milagres!)
escritat em
que tildo o que vai ser dito pode ser clito
sem muita ou sem menhuma formalidade, como hå No interior de um elevador, constava uma placa

momentos em que tudo precisa ser cuidadosamente


com os seguintes dizeres:

planejado e controlado.

Naturalmenter a diferenqa que pretendo ressaltar Ateneåo


i aqtli é aquela entre a fala mais informal e a escrila Capoeiclade licenciada: 6 passageiros otu 420 kg
mais formal. Quanto maior for a diståncia entre as duas, A utiliza€äo aci•na destes limi&es é perigosa e ilegal
mais salientes seräo as diferengas. A fala informal estå suieitando os infratores as penalidades da legislagäov
I

normalmente presente nos contextos mais corriqueiros


da conversaqäo coloquial e caractenza-se, em geral, por
Pode-se prcvcr quet em contextos da fala informal,
um vocabulårio comum, restrito a esses contextos cor-
as informaqöes que säo dadas nes!e texto terimn uma
riqueiros, por uma sintaxe permeada cle expressöes
formulacäo bem difcrente. Certamenle, as palavras se
fåticas ("näo "sabe como éP",
riam outras, a composiqäo das fiases seria outnu
de hesitaqöest de superposigöes ou de frases inacabadas
(näo que isso signifique "erro" ou desleixo). Sua coe- Sem pretender estabelecer um marco nitidamen-
såo, além de outros aspectos discursivos, é estabelecida te divis6rio entre a fala e a escrita até parque, na

52 AULA
1 PORI'CGuÉs ASTI.:.NES PIMENSXO LISCrLTAGEM | 53
verdade, hå muito mais de semelhante entre as duas do a. delimitar o tema de secl texto c aquilo que lhe

que de diferente sem pretender os muitos simplismos darå unidade;


com qtle a falå e a escrita tém Sido distinguidas2, vale b, eleger os objetivos;
a pena, contudor chamar a atenqåo para as diferentes c. escolher o género;
condigöes de produgåo de uma e cle outra e ter em
d. delimitar os critérios de ordenaqäo das idéias;
conta como essas diferengas interfejem na sua realiza-
e. prever as condigöes de seus leitores e a forma
concreta.
lingüfstjca (mais formal ou menos formal) que
seu texto deve assumin
A escrita compreende etapas distintas e integradas
Na escolha dos critérios de ordenaqåo das idéias,
de realizaqäo (planejamentoe operasäo e revisäo)i as
quais, por sua vez, implicam da parte de quem escre-
é relevante prever como a informaqäo vai scr distribui-

ve uma série de decisöes. da ao longo do texto, isto ét por onde se vai comegar,
que seqüéncia se vai adotar, como se väo dividir os

Elaborar um Lexto escrito é uma tarefa cojo su.


t6picos em subtöpicos e em que ordem
våo apare-
eles
cen É o momento de delinear a planta do edificio que
cesso näo se completa, simplesmente» pela codificaqäo
se vai construin
das idéias OLI das informaqöes, através de sinais gråfico.g.

Ou sejar produzir um textonao é uma tarefa que


escrito Ä segunda etapa, etapa da escritay corresponde
implica apenas o ato de escrever Nao comega, portanto, a tarefa de Pör no papel„ de registrar o que foi planeja-
quando tomamos nas rlläos papel e låpis. Supöe, ao con- do. É a etapa da escrita propriamente dita, do regis(roj
tråriot vålias etapas, interdependentcs e intercomplemen- quando concrctamente quern escreve vai seguir a plan-
que väo desde o planejamcnto, passando pela escri-
lilies, ta esbogada e dar forma ao objeto projetaclo (imagine
ta propriamente, até o momento posterior da revisäo e da o que é fazcr uma construcäo sem planejamento!). É
teescrita. Cada etapa cumpre, assim, uma fungäo especi- quando aquele que escreve toma as decisöes de ordem
fica, e a condigåo final do texto vai dependcr de como se lexical (a escolha das palavras) e de ordem sintåtico-
respeitou cada uma destas Tunqöes, semåntica (a escolha das estruturas das frases), em

primeira etapa, a etapa do planejamenro, conformidade com o que foi anteriormente planejado
c, cvidentemente, em conformidade, ainda, com as
corresponde todo o cuidado dc quem vai escrever parat
condiqöes concretas da situacäo de gomunicagäo. Sem-

Para apofundar esla questäo da lelagåo entre rala e eserita,


pre atento, sempre cm estado de reflexäo, para gavantir
vale a pena, entre outras leitllrasv a consulta a Marcuschi (2001 L sentido, coerencia, relevåncim
principalmente o primeiro capitulor onde o autor apuæ,senta uma
terceira etapa, a e!apa da revisäo e da reescrita,
sintese das vårias perspectivas em que a fala e a escrita säo obser-
vadas. corresponde o momento dc anålise do que loi escrito,

54 PORTUGCÉS A OI&IENSÅO ISTERACEONAL LINGL'AC,EM | 55


para aquele que escreve confirmar se os objetivos fo- nvais nem menos. Chego conclusäo de que escritor é

ram cumpridos, se conseguiu a concentracäo temåtica aquele que näo sabe escrevej; pois quem nåo sabe escve-

desejacla, se hei coeréncia e clareza no desenvolvimento ve sem esforqo. Jä Manuel Barldeira era de outra opi-

das idéias, se hei encadeamento entre os vårios segmen-


niä0', "*Se voce faz uma colsa com dificuldade, é que
nao tem jeito para ela-" Duvido„ (grifo meu)
Los do texto, se hei fidelidade as normas da sintaxe e da
semantica conforme prevéem as regras de estrulura Carlos Drummond de Andrade,

da lingua se tespeitou, enfim, aspectos da superficie O observador no escritdrio

do texto, como a ortografia, a pontuagäo e a divisäo do A vealidade de nossas salas de aula mostra exata-
texto em parågrafos. ÉL como disse, a hora da recisåo (da mente o contråri0$ pois a falta de esforgo, a improvisa-
primeira, talvez), para decidir sobre o que o qye sai, fica, qäo e a pressa cam que nossos alunos escrevem pare-
o que se veforr1"1L11ZL Como afirmou Hemingway: "A cesta cem indical' que lhes sabra competéncia e arte. Esque-
de papéis é o primeiro mövel na casa de urn escritor"3 cemos, como disse alguém, que "o que é escrito sent

A natureza interaliva da escrita impöe esses dife- es/orgo é geralmeiile lido sent prav±'

rentcs momentos, esse vaivém de procedimentos, cada Para compreensäo das distintas etapas
facilitar a
urn implicando anålises e diferentes decisöes de alguém da producäo escrita de um Lextor mostradas
qtle é sujeito, que é autor de um izer e de um Tazert mente, talvez valha a pena conferir o esquema a seguin
para outro ou outros sujeitos, também ativos e coope-
rantes. Etapas distintas e intercomplementares implicadas
na atividade da escrita
Carlos Drunnnond de Andrade parecia bastante
1. PLANEJAR 2. ESCREVER 3. REESCREVER
consciente clas exigéncias de uma escrila cuidadosa (que
supöe tempo e disposiqäo para planejar, Fazer c refa- É a etapa para É a etapa para É a etapa para

zer), quando anototl em seu diå1-i0i o sujeito: o sujeito: o sujeito:

Margo 12. Tanto trabalho para redigir a carta de res- ampliar sew Pér no papel o que rever o que foi
foi planejado; escr ito;
posia a uma man-
diretora de servico pttblico que roe repertörio;

clou observaqOes sobre uma crönica que publiquei no delimitar o tema realizar a tarefa confirmar se os
e escolher o motora de objetivos foram
Jovnnl do Brasil. Problema: achar a tom adequado, a
ponto de vista a escrever; cumpridos;
palavra justa» a expressäo medida e insubstitufvel, nem ser tratado;

eleger o objeti• cuidar para que os Avaliar a conti-


vo, a finalidade itens planeiados nuidade temåtica;
3 0 mesmo Hemingw-ay registrou: Irinta vetes o
filtimo pat•égrafo de Adieus as Annes antes de me sentir salisfeito'$
com que vai sejam todos
escrever; cumpridos.
A Voltaire é atribllida a seguinte citaqäo: "Perdoc-me, senhota, se
escn:vi carta täo compricla, Nio tive lempa de faze-la curta't.

56 PORTL'C;CÉs A-SIC-.NEs PIMESSÅO INTERACTOS'SI- | 57


escolher os observar a Como sevé,näo basta o curnprimento da etapa
de
critérios concatenaqäo de escreverw E preciso que se providencie uma etapa
ordena$o das entre os periodos,
idéias, das entre os parégra
anterior e uma outra posterior escrita propriamente.
informaqöes; fos; ou entre os Cada uma tern uma funqäo de grande importåncia para
blocos
que nossas procluqöes lingüfsticas resultem adequadas
su perparagrå ficos;
e relevantesr
prever as condi- avaliar a clareza Possivelmente, a qualidade, por vezes pouco dese-
qöes dos possfveis do que foi
jåvel, dos textos escritos por nossos alunos se deva
leitores; comunicado;
avaliar a adequa- também å falta de oportunidade para que eles plane-
fäo do texto ås
condi@es da
jem e revejam esses textos. A pråtica das "redaqöes"

situaqäo;
escolares —-- normalmente realizada num limite escasso

de tempo, freqüentemente improvisada e sem objetivos


considerar a uma
situa$o em que
Enfimr essa é
etapa intermediå-
rever a fidelidade
de sua formula-
mais amplos que aquele de simplesmente escrever —
o texto vai ria, que prevé a qäo linguistica ås leva os alunos a produzir textos de qualquer maneira,
atividade anterior normas da
circular;
sintaxe e da
sem um planejarnento PJ€viO e, ainda„ sem uma diligente
de planejar e a
outra posterior de semäntica. revisåo em
busea da ntelhor forma de diaer aquilo gue se
rever o que foi conforme prevé a pretendia conumicav, Essa busca da "melhor forma" fica
escrito- gramåtica da
estrutura da
sinalizada no texto pelas rasuras, que indicam exatamen-
lingua; te a outra opqäo que parcceu mais adequadå que a ante-
ri011 0 professor, normalmente, lem inibido o uso da
decidir quanto ås rever aspectos da rasura, deixando passar a falsa idéia de que palavra cena
estratégias superficie do
textuais que texto, tais como a jå se encontra na primeira tentativa, Como lembra Calil
padem deixar o pontua$or (1998: 59): "Para a Escola, a rasura é apenas uma marca
texto adequado ä ortografia e a
divisäo do texto
que deve ser eliminada", pois suja o texto que, por issO
situaqäo;
em parägraf05. mesmo, deve ser passado a limp04. Apagam-se, assim, os

estar seguro quan- Normalmente, a es


to ao que pretende cola tem concen- Vale a pena leitura do livro de Eduardo Cali], intitulado

dizer a seu trado sua aten«o A'fforiu; a crianva e a Nesse trabalho,


escrito de his/(iria.s inyenlndas,

parceiro; enfim, na etapa de escre- o autor faz uma do que podem


anålise bastante interessante acerca
estar seguro ver e tem enfocedo significar as rasuras que as crianqas fazem na produGäo de scus
quanto ao nücleo apenas a escrita textos. De falo, seria proveiloso que o professor de partugues pro-
de sues idéias e gramaticalmente curasse nåo desperdiqar o sentido que as rasuras podem ter. SäO
de suas intengdes. correta,
indicios, sao sinaisr Muitas idéias poderiam nascer daf,

As.sL'MISt30 DIMENSÅo OA LTNGCAGF.M 59


1

5S AL'LA Foxrvcves ANTCSES


ortogråfica para garantir a competencia de escre-
sinais de que entre a primeira versäo e o texto passado a
ver bons textos„ Näo ravamentc, a referencia das pes-
limpo houve uma leilura avaljativa e se decidiu pov
soas ao fato de que "os alunos nao sabem escreverti tem
uma outra forma considerada mais adequada. como pressuposto a constatagäo de que eles escvevenl
A maturidade na alividade de escrever textos ade- corn erros de ortografia- Na verdade
— e a escola deve
quados e relevantes se faz assim, e é uma conquista é de se esperar quet ao
cuidar para que isso acorlteqa
inteiramer1Le possivel a todos —v mas é uma conquis- final do ensino médiot os alunos nåo demonstrem difi-
culdades ovtogråficas. O mais elementar é que eles
taii* uma näo acontece gratuitamen-
aquisigäo"y isto é,

te, por acaso, sem ensino, sem esfor€o, sem persisten-


dominem as regrast ås vezes meio aleat6rias, da orto•
grafia; mas apenas isso näo pode constituir o ideal da
Cia. Supöe orientaqäo, vantade, determinaqäoj exetvf-
escrila adequada e relevante, embora näo possa deixar
cio, pråtica, tentativas .com rasuras, inclL1sive!), apren-
dizagem. Exige tempo, afinal.
de merecel" cuidado.

A escrita, enquanto sistema de codificaqäo, é regida 2.1 Implicaeöes pedagögicas


por convenqöes gråficas, oficialmente impostas,
O conjunto de principvos acima apresentados con-
tém. inevitavelmentee uma série de implicaqöes peda-
Existe* para os padröes da escrita, um conjunto
gögicas. Isto é, aceitar aqueles principios implica acei-
de convenqöes que estipulam a forma como as palavras
tar determinadas perspectivast escolhel* determinadas
devem ser grafadas. Em alguns contextos, é possivel
atividades e atitudes pråticase Noutras palavrast nao
estabelecer umade regras que determinam o
série
podemos concordar com aquelcs principios sem ado-
emprego dc certos gratemas, os quais, como se saber nao
determinadas prålicas. Uma coisa leva natural-
correspondem univocamente aos sons dos fonemas. No
mente outra„
caso do portugués, as converwöes ortogråficas obedecem,
em a motivos elimolögicos
geral, origem das Por essas implicagöesr o professorde portugués
palavras) e sc) muito raramenle sofrcm alteraqöes. deve intervir para que o trabalho com
as caracteristicas que passamos a enumerar,
Como convengöes, as regras orlogråficas devem
• (hija escrito de autoria tambélit das alunos A
ser estudadas, exploradas e progressivamente domina-
de textos escritoS na escola deve in-
das. No cntantot deve-se ter todo o cuidado para pres-
cluir também os alunos como seus autores, Oue-
tar alenqäo a outros aspectos do texto, para além da
de um certo dizer
elespossam "sentir-se SLl'ei
corregäo ortogråfica- A tradigäo escolar tem conferido,
que circula na eseOla e superar, assim, a finica
por vczest uma importåncia exagerada ao dominio da
condiq•åo de leitores desse dizen Como observa-
orlogra(ia, criando a implessåo de que basta a corre-
ram Ferreiro & Palåcjo (1987), a escrita escolar, Ia e, assimi sejam textos de géneros que tém
como proclugäo de textos, se distribui desigual- uma fungäo social determinada, conforme as
mente entre professores e Sao muitas
alLtnos.
pråticas vigentes na sociedade. A famosa *'recla-
as oporLunidades da Vida da escola em que os
que aparece sempre como um texto de
alunos podemam atuar como autores de textos.
caråtem- dissertativo — parece ter assumido a con-

Essa pråticaJ além do mais. colocaria osalunos cliqäode genero escolar ünico, pois pouca coisa
diferente se escreve na escola, sobvetudo nas sé-
na circunståncia desxercitar a participagäo
social pelo riesdo Ensino Médio. Nao admimt pois, que, mais
tarde, escrever qualquer outro genero de texto se
.(Jma escritcdctextos A escrita escolar deve
tome uma tarefa praticamente inviåvel. Voltare-
realizar-se lambém com o fim de, por ela, se
mos a esse ponto mais adiante para sugerir a
estabelccerem vinculos comunicativos_. Nessa
escrita de diferentes generos de texto,
dimensåoj näo pode deixar de serr sempre, escrila
de textos; de textos relacionados com o que se • Uma escrita uncionalmenie diversificaclu As
passå»no ambiente social em que.xivem os alu- diferenqas formais que os textos exigem (dife-
nos. A escr•lta de palavras ou de frases soltas Sö renqas na escolha das palavras, na estruturagäo
faz inibir a competéncia que é necessåriapara a sintåtica das oraqöes e dos periodos, na organi-
producåo de textos coesos e coerentes, que@ a zaqäo do texto) decorrem das diferentes fun-

competéncia para juntar, para articular palavras. goes que esses textos tém a cumplil*. Assim, cada
oragöes, periodos. parågrafos. É com essa articu- jeito diferenLe cle escrever um Lexto ganha sen-
lagåo que nos expressmnos naturalmente. Nin- porque responde a uma dife-
tido e se justifica

guém sai por af "formando frases". Socialmente,


rente funqäo interativa, Nio é o mesmo escre-

o que conta é nossa capacidade para totalizar,


ver um Lexto com fungäo apelativa ou com fun-

para integrar, num plano global, os dados de nosso informativa. por exemplo. Impassivel é es-

dizerr Contraditoriamente, s6 nas aulas de portu- crever bem um texto sem saber que fungäo ele

gués é que se cxexcita a artificialidade de formar vai cumprir 011, pion sabendo que ele apcnas
vai cumprir a fungäo de sev excrcfcio escolar e,
Ttases, o que negar como vimos, a pr6pvia for-
ma da linguagem acontccen dessa maneira, pode ser de qualquer .jeito.o

Unwescvita de texto•.socialmeute relevanies Uma escvita de textos que ton leitores Os tex-
tos dos alunos, exatarncnte parque säo atos de
As propostas para que os alunos escrevam tex-
tos devem corresponder aos diferentes usos linguagelnt devem Ler leitorcs; devcm dirigir-se
sociais da escrita ou seja, devem corresponder a um alguém concreto. Quando possivel, a lei-
åquilo que, na verdade, se escrcve fora da esco- tores reais, a leitores diversificados, que podem

AssumtNTxJA 63
62 AULA DE PONTVGWÉS
| IRANTIE A'O'UNES
ser previstos e devem ser tidos em conta no alunos possam viver, como coisa natural, a ex-
momento da escrila, para que, como _iå disse- periéncia de fazer e refazer seus textos. tantas
mos. quem escreve possa tot-nar as devidas de- vezes sejarrl necessårias, assim como fazem
cisöes na selcqäo do que dicer e de coyno fazé.lo. aqueles que se preocupam com a qualidade do
• Uma escrita contextqaimente adequada — As par- que escrevem. Talvez seja preferfvel que os alu-
da escrita for-
ticularidades lexicals e sintåticas nos escrevam menos, mas que possam revisar
malt propria dos contextos da comunicaqåo seas textos, até mais de uma vez, tornando-se

püblica, ou aquelas da interagäo coloquial priva- essa revisåo, assim, um


hibito jå previsto nas
cla, somente podem ser entendidas se a escola
atividades escolares com a escrita.

providenciar contextos diferentes, nos quais esses Uma escrita orientadct pare. coerénciaßlobal
padröes sejam JÄ?conhec1dos como adequados. Entre tantos aspectos, o ideal sera que o profes-
Nessa perspectiva, o bom texto serå nao obriga- sor conceda a maior atenqäo aos aspectos cen-
toriamenle o Lexto correto, mas, inevitavelmente, trais da organizaqäo e da compreensåo do tex.
o texto adequado å situacäo em que se insere o to, tais como a clareza e a precisåo da lingua-
evento comunicativo. Dessa forma, nao é "a gra- gem (a escolha da palavra certa), a adequaväo
måtica" apenas que vai dizer se o texto estå born das expressöes fungåo do texto e aos elemen-
OLI nåo: säo as regras sociåis presentes no espago tos de sua situaqäo, o encadeamento clos vårios
de circulaqäo do texto que definem sua qualida- segmentos do texto, bem como o sentido, a re-
dc- Tem fallaclo ao ptu)fessor esse olhar para as levåncia e o interesse daquilo que é dito. A fi-
situaqöes de da lingu.m Tem sobrado o olhar xagåo nos padröes da correcäo ortogråfica, por
para o que a gramåtica prescrevej independente- exemplot desviou a atenqäo do professor quet
mente de qualqLter conLexto. dessa forma, deixou de perceber a coesäo, a
• Unut escrita metodo/ogicamente ajustada To- coeréncia, a informatividade, a clameza, a conci-
das as providéncias dcvem ser tomadas para såo e outras propriedades do texto.
que os alunos tenham as necessårias condigöes Uma adequada iajnbém_enc.sua forma de
escugta
de tempo e de planejamento para consLrui1* seus se apresentav —
Aspectos da superficie do texto
textos. Como vimos no quadro exposto atrås, devem merecer o devido cuidado. A ortografia»
qualquer texto deve ser devidamente plane}ado, os sinais de pontL1agäo (que devem scr percebi-
escrifo e revtsado, O ideal é que se crier com os dos na sua estreila relacäo gom a coeréncia,
alunosy a pråtica do plancjamento„ a pråtica do com o valor informativo e expressivo das uni-
vascunho, a pråtica das rcvisöes, de maneira dades do texlo), a organizaqäo das vårias
que a primelra versäo de seus textos tenha sem- i!

subpartes do texto (que transparece na subdivi-


pre um caråter de produqäo provås6ria, e os såo do texto em diferentes parågrafos) consti-

64 | ore: PC,RTUGCÉS
65
tuem sinais da competéncia de quern escreve A atividade da leitura completa a atisidade da

para se adequar ås exigéncias da situagäo co produgåo escrila, É, por isso, uma afiviclade de interacöo
municaliva, Um texto funciona como um ntapa: enfre suieiios e supöe muito mais que a simples decodi-
[icaqfio dos sinais gråficos- O leitot't como um dos su-
com instruc.öes, com pistas, com indicagöes que
ieilos cla interagüo, atua participativamente, buscando
precisam ser seguidas. O cuidado corn a apre-
æcuperart buscando interpretar e compreender o con-
sentagäo desse mapa faz parte da cooperagåo
tecido e as intengöes pretendidos pelo auton
do escritor com o leitor, para que ele chegue
aos sentidos e 21s intenqöes pretendidos Nessa busca interpretativa, os elementos gråficos
funcionam como
palavras, os sinais, as notaqöes)
Como pode ver, hå muito o que fazer de extrema-
se
verdadeiras do auton que nao podem ser
rnente relevante nunna sala de aula de portugués. Com
desprezadas, para que o leitor descubra significaqöes,
certeza, explorando cada uma das ilnplicaqöes apresenta- clobore suas hip6teses, tire suas conclusöes. Palavri-
das acima, näo vai sobrar tempo para que aconteqam as que poderiam parecer menos importantesj como
interminåveis classificaqöes morfolögicas e os in6cuos ainda, iå, npenas, e tantas outras, säo pistas signi-
exercicios de anålise sintåtica„ Vai ficar genle sem saber fieativas em que devemos nos apoiar para fazer nossos
distinguir o complemento do adjunto adnominal. Mas vai i lileulos interpretativos, Todo esforqo para entender
ter muita gente esctevendo bem mclhor, com mais clare- instru€öes isto é, o que estå sobre a folha de
za e dizendo as coisas com sentido e do jeito sc3 se justifica pelo que elast as instrucöes,
que a que se diga E ai teremos, de
social pede i cptesentam para a compreensäo global do ato COITIu-
fato, autores. Gente que tem uma palavma a dimer e sabe ilienlivo do qual o texto é suporte-
como dizer. Dessa forma, acima de Ludo, a escola tera EvidenLemente, Lais instrucöes "sobrc a folha do
cumprido seu papel social de inlerxir mais positivamente Iiupel" nåo representam Ludo o que a gente precisa saber
na formac.äo das pessoas para o pleno exetefcio de sua entendcr o texto, Nluito, mas muito mesmo, do
condigåo de cidadäs. Jå nao é setli tempo! se consegue apreender do texto laz parte de nosso
"L otahecimento préviof'J ou seja, é anterior ao que lå

Ijm texto seria inviåvel se Ludo tivesse que estar


2. Explorando a leitura
ekpticilamente presence, explicitamente pasto, O que é
Ler é 00 tro motio de ouvir,
rs*llposto corno .iå sabido, o que é presumfvel a par-
conhecimento que temos acerca de como as coisas
organizadas, naturalmente, nao precisa ser clito€
A leitura é parte da interaqäo verbal escrita, enquan-
base neste principio é que van Dijk (1984) diz que
to implica a participaqäo cooperativa na do leitor in-
Ic.gtos säo inevitavelmente incompletos e que um
terpretaqäo e na reconstrugäo do sentido e das in-
hipercompleto seria incoerente, além de
tensöes pretendidos pelo auton nicativamente inadequado

Ax•rv€v.s h CIJMENSÅO INTERACTJ.VAL 67


66 DE PORTL'GCéS
Lembi0-me de urn texto, que circulou hå poucos de um texto depende de outros conhccimentos alérn
anos atrås, no qual se fazia propaganda do Carnaval de cloeonhecimento da lingua. O professor de portugués
Pernambuco e em que se dizia: nao pode deixar de reconhecer a importancia desse
principio e, por isso, nao pode ficar täo preso aos co-

Carnaval de Pernambuco: o inelhor do fthccimentos lingüfsticosr Para finali-

zar esse ponto, näo posse deixar de referir que uma


Brasil. Do Galo ao Bacalhau. alusäo ao insucesso das comemoragöes foi feita com a
seguinte observaqäo: "De nau a pi0i"", o que supöe tam-
Certamcntet quern näo soubesse que existem dais
blocos carnavalescosr "O Galo da Madrugadai' e 440
bém mtlitos saberes para além dos gramaticais. Nia é
, muito intevessante Ludo isso?
Bacalhau do Balata", que, vespectivamente, iniciam e
fecham os dias do Carnaval no Recife e em Olinda, nao Continuemos essa linha de anålise. Quando le-

tinha condigöes de entender o Mesmo que mos uma placa com os dizeres: CUPVCI perigosa, inter-
consultasse um dicionårio ou uma gramåtica do portu- pretamos que näo se trata apenas de uma informaqäo.
guésv SO o conhecimento daquelas informagOes é que Com essa placay nåo esläo apenas querendo nos dizer
poderia sustentar uma interpretagäo coerente do texto que naquele lugar existe uma "curva perigosa$$ Na ver-
em queståo. clade, nosso conhecimento de outras situacöes nos faz

interpretar esses dizeres como sendo uma "adverten-


Um outro exemplo digno de nota estå numa
matéria publicada pela revista Veja, por ocasiäo das
cla", o que passa a ter sobre n6s bem diferen-
efeito

comemoragöes dos 500 anos do Descobrimento, O tex- (e. Da mesrna forma, se chegamos atrasados a uma
to comecava dizendot "As comemovagöes dos 500 anos euniäo e dizemos: O transito estii horrivel, nao estatnos
j

iiaurragaram elli riliT10 de samba-enredo". E mais adian-


simplesmente trazendo uma informacåo, mas estamos

te conclufa: festa dos 500 anos aeubou na Marqués de


desculpando-nos de um atraso indesejåvel. Todo texto

Sapucafl'. Ora, nem mesmo os falantes de portugués tem urn percentual maim- ou menor dessa dependéncia
entenderäo esse tvecho se nao souberem: primciro, que de conhccimentos que såo anteriores ao Lexto„

a Marques de Sapucaf de que se fala aqui é uma ave- Em sintese, os sinais (palavras e outros) que eståo
nida da cidade do Rio de Janeiroj segundo, o que lå superffcic do texto såo elementos imprescindfveis para
acontece cada ano e, tcrceiT0$ o valor cultural e simb6- sua compreensåo„ mas näo säo os finicos. O que estå no
lico desse aconlecirnento. ManLenda a analogia, o texto o que constitui o saber prévio do leitor se comple-
texto e
finali7.ava com esse outro Irecho: "Muito discurso, muito tam neste jogo de reconstrugäo do sentido e das inten-
lufa-lula, inuito mau teatro de todos os' lados, e, no g:öes pretendidos pelo textu E preciso que o professor
todo yiitltido de volta rotina na Quarta-Feiva de Cin- entre pelo conhecimento da pragmåtica, para "abriv'* os
Outra vez se pode perceber o quanto a interpreta- horizonles com que vai perceber esse jogo da linguagem.

6S AULA PORTCGCÉ.S A.XTUNES Assu.v.pwo A LNGt'ACiEbf | 69


A leitura é uma atividade de acesso ao conhecimen- bres questöes!) poderia ser muito mais bem aproveita-
to produzidor ao prazer estético e, ainda, uma ativi-
com a leilura„ e anåliseÅdiåria!) cle textos interessan-

dade de acesso is especificidades da escrita„ Ies, ricos em ou imagens, sejam eles litexårios ou
idéias
Esse comentårio me lembra uma passagem de Ru-
bem Alves, que, falando de sua experiencia escolar, diz.•
Este principio, como se podc ver, se desdobra em
trés pontosv Vejamos, Estudei muito a anålise sintåtica„ Soh'j tanto que. na-
quele tempo, escrevi num relat6rio para o colégio em
A atividade da leituva favorecej num primeiro
que estudei, o Andrewst no Rio, que eu queria ser
Plano, a ampliacäo dos repertörios cle informaeäo do engenhewo; eu era bom ern matemåtica, mas nao gos-
leitor„ Na verdade, por elat o leitor pode incorporal' lava das coisas cla lingua- A anålise sintåtica me ensi-
novas idéias, novos conceitos, novos dados, novas e nou a ter raiva da literatura. SO muito mais lardey
diferentes informaqöes acerca das colsas, das pessoas, clepois de esquecer tudo o que aprendera na anålise
dos acontecimentos, do mundo em geraL sintätica, aprendi as delicias da Ifngua. ( o.) Lia e me
Nesse sentido, a leitura escolar dos lex/os de ou-
entregava ao puro ptazer de ler.

tras disciplinas representa umaoportunidade bastante


Num segundo Plano, a leitura possibilita a expe-
significativa cle aquisiqäo de n0vas informaqöes. Como
viéncitl gratuito do prazer esiéiicoy do ler pelo simples
se sabe, informaqöes de utm texto de geografia ou de
goslo de ler. Para admiran Para deleitar-se com as idéi-
historia podem ser bastante relevantes para apoiar os
as corn as imagens criaclas.
, com o jexto bonito de dizer
argumentos apresentados num comentårio, por exem-
literariamenle as coisas. Sem cobranga, sem a preocu•
plo. A quase extrema obviedade de centos textos dos
pagäo de qualquet• prestacäo de contas posterior, Ape-
alunos (quando dizem o que Iodo mundo jå sabe) ou,
nas sentindo e, muitas vexes, dizendo: "Oute coisa boni-
pelo menos, a sua irrefutåvel irrelevåncia (quando di-
zem o que näo precisa ser dito), comprometem a qua- lays Outra vea Rubem Alves (2001: 27-28), para nos

Iidade desses textos, lembrar quc:

E pobreza de repevt6ri0i falta de informaqäot näo as palavras tarnbérn podem ser objetos de fruigäo, se

ter oque dizcr nio säo problemas que se solucionam


nos ligamos a elas pela mesma razåo que nos ligarnos

com regras de gramåiica nem com exercfcios de anåli- a urn pot-do-soli a uma sonata, a um fruto: pelo puro
prazer que nelas moray.. Brinquedos, fins em si mes-
se sintåtica. Para escrever bem, é precisoy antes de tudoj
mast palavras que näo säo para ser entendidas, sio
ter o que dizer, conhecer o objeto sabre o qual se vai
comida para ser comida: 0 caminho cla poesia.
discorrcr. O
grandc tempo dcstinado procura dos
d*grafos, dos enconlros consonantaisy classificaqåo E para este plano de leitura que se destinam os
das fungöes do QUE e outras questöes semelhantes (po-
textos literårios; romances, contos, erönicas, poemas
70 AULA DE Poarurms Avusx.s
Asst:-vumno A DIMESSAO | 71
Cesses, sabretudo)r Reduzi-los a objetos de anålise sin-

tåtica, a pretexto para exercicio de ortografia, por exem- Ave alegria


plo, é uma espécie de profanaqäot pois é esvaziå-los dc Sylvia Orl/i0f

sua funqåo poética e ignorar a arte que se pretendeu


Ave ale ria
com o arranjo diferente de seus elementos lingülsti-
Cheia cie graca
cosie O gosto e o encantamento por esta Tunqäo poética
o amor é contigo,
dos textos literårios, coma todos os outros gostos e
bendila é a
encantamentos, precisam ser cultivados, estimulados,
e a gargalltada!
exercitados. l•-lå uma imensa malaria de livros didåticos
Salve justieu
que parecem desconhecer esse princfpio. 011, como e a 'liberdade!l
observa Rubem Alves, "süo rarissirnos os casos de amor
Salve vevdad
å leitura desenvolvido nas aulas de estudo formal da
o delicodezti
linguae" Em Conversas com quem gosta de ensincw (p.
e o poo sob? anesaf
84), o mesmo autor comenta: "E agora eu me pergun-
Abaixo a irisreza!
Laria sobre o discurso que tem fluido de nossas pråticas
Ave ale
do jardini da infåncia ås p6s-graduacöes.„.
edL1cativas,
Que amares tém Sido inflamados? Oue auséncias tém
Sido choradas e celebradas? Que horizontes utöpicos Na proposta de exploraqäo desse textor primeiror
tem Sido propostos?" a Ctnica observacåo feita era: "Ave salve (é -uma inter-
ieicäo"). Nåo se encontrou outra crusa mais interessan-
A lilulo de ilustraqåot valia a pena transcrevel* le senäo indicar a classe gramatical a que pertence a
aqui uma proposla de atividade apresentada em urn palavra. Segundo: o que se pede ao aluno é o seguinte:
livro didålico a partir de um texto poético. Vejamos o "Esereva trés substantivos e forme /rases cona eles". Como
textow se pode ver, no texto todos os substantivos vém dentro
de um retångulo, tirando do aluno até mesmo a tarefa
de descoblir que palavras seriam essas. (Ö céus! Ö Vida!
como geme a hiena do desenho animado!)
Os livros didåtieos, apesar de tantas orientacöes em contrå- Essa alividadey além de mataf' toda a poesia do
rio. ainda (ratem poemas Ou outro genero de Lexto lilerårio sim-
lexto, porque nem a reconhece» favorece, no final, a
plesmente para explorar questöes de anålise sintiitica OLI de orto-
a. Por exempla, o 'Soneto da Separaqäo" de Ihnicius de Moraest
que o aluno exercite a "competéncia" de format' frases
era explorado num livro com a finalidade de moslrar que a expres- sollas, o qtte, como na direcäo oposta da
se sabe, vai
sio "de repente" se escreve assim e, '"den-epente't. Pode-se dizet"j lextualidade„ Merece comentar ainda que o unico crité-
'*Mal empregado soneto!E'
lio para sclecmonar as palavras que häo de constiLuir as

72 AULA
|

AsscM1-sao h INTERACIONAL m | 73
frases é outra vez o da classe de palavras. Serå quc näo "ave" e "salve" (e explorar os contextos de ocorrencia
haveria outras motivac.öes para se explorar esse texto? clcssas palavras), além de se chamar atenqäo para a
Bastava comeqar pela graga da sua intertextua (lensidade e concisäo do texto que se expressa pelo uso

Iidade (depois, é claro, de se falar sobre "intertextualida- apenas de substantivos, sem nenhuma
adjetival. Poderia ainda merecer um comcntål'io o uso
de" e de sua fungäo nos textos) e recuperar a clara
alusäo que se faz no poema oracåo da "Ave Maria". ile tantos pontos de exclamaqäo, justificado, é clarot

Para isso, o professor poderia identificar no texto os pelo teom• altamente expressivo do texto- Além disso, se

segmentos que retomam explicitamente a conhecida o professor considerar oportuno, poderia derivar do
precer como: "Ave", "cheia de grasa", "é contigo" (pode- lema ou da forma desse texto propostas de outrag pro-
duqöes. Evidentemente, 'todo esse trabalho deve ser
ria até, dependendo da sériej apresentar a versåo origi-

nal da "Ave li'laria"j para que esse confronto fosse ainda posterior a uma enjocionada leitura e releitura do tex-

mais revelador). Nessa mesma lirlha de anålise, poderia to, para que, antes cle tudo, possamos desenvolver no
ainda recuperar outros pequenos textos ou expæssöes aluno o gosto e o afeto pela apreciaqäo da literatura„
que remetem para outras preces bem conhecidas, coma, Nurn terceiro e Clltimo Plano, e de forma mais
apenas para dar Itm exemplo, "o päo nosso de cada especificar a atividade cla leitura permite, ainda, que se
dia"y expressäo täo comumente reutilizada em muitas compreenda o que é tipico da escrita, principalmente o
alL1söes textuais. Ütil também poderia sev a exploracåo que é Lipico cla escrita formal dos textos da comunica-
da associaväo semantica entre as palavras do texto, todas
S'åo püblicas„
remetendo para um campo semantico positivo: uale„
Quer (liter, que se aprecnde o voca-
é pela leitura
grid', "graqa"j 'lamof', "risada", ugargalhacta", "justica",
bufårio especffico de cenos generos dc textos ou de
por metonimia,
"liberdade", "verdadej% "delicadezaii e,
certas åreas do conhecimento e da experiéncia. É pela
päo sobre a mesa". Sc podcria observar ainda que a
leitL1ra, aindaj que apreendemos os padröes gramaticais
llnica palavra que sc opöc a esse quadro positivo é a
(morf016gicos e sintåticos) peculiares escrito, que
palavra "tristcza", justificada pelo uso do "abaixo", em
apreendemos as formas de organizocäo seqiiencial (como
razäo do que a série de palavras mencionada recupera
continuam e acabam certos textos) e de upre-
sua orientaqåo positiva. Nesse ponto, valeria a pena
sentaqäo (que formas assumem) dos diversos géneros de
considerar ainda que palavras como "alegriarr e "triste-
za" podem aparecer no texto em uma mesma direcäo
de sentido, ou seja, como nåo-antOnimas, basLando para Sabe-se que a escrita de textos da comunicaqäo privadav

isso o acvéscimo de uma palavra de valor negativo como


lamiliar, coloquial — em que, normalmente, aspeclos do contexto
extralingiiistico sno partilhaclos com mais intensidade dispensa
"nåo" ou outra equivalente, Também se pode- uma elaborarcäo mais formal, mais disfante dos padröes da fala
ria mosLrar a equivaléncia semantica entre as palavras coloquial.

74 AL'LA
| PORTCCC"É.S AXTCNES Assuruscjo INTERACIONAL LTNGVAC,EM | 75
textos escritos. A exposiGä0J pela leitura, é clavor a bons eulender as particularidades da escriia), que justifica a
testos escritos é fundamental para a ampliaqäo de nossa sua tan propalada vonveniéncja.
competéncia discursiva em lingua escrita. (É bam lem
bran que *'bons textos" rläo sao apenas os textos corre
A leitura envolve diferentes processos e estratégias
tos gramatlcalmente.)
de realizaqäo na dependéncia de diferentes condi-
Assim é que a dificuldade dos alunos para escre- goes do texto lido e das funqöes pretendidas com a
ver teln sua 'razäo de sea; também, no pouco contacto que leitura.

eles mantém com textos escritos, Como se sabe, as aulas

realizam-se, Tundamentalmente, sob a forma de exposi- Pode-se prever a existéncia de Ulita leitura näo-
goes orais e, näo rara, os textos dados para leitura säo uniforme, diferente, portanto„ cada circunslåncia, em
"traduzidos" para o oral, pela explicagäo do professor, a dependendo do tema, do nivel de forrnalidade e do
fim de que "eles entendam rnelhor". Pot' vczes, até os genero do texto lido ainda, dos objetivos e dos moti

enunciados das questöes de provas ou de exercfcios såo implicados no ato de let'. Assim, conforme variem

'*explicados" oralmenle, num trabalho que alé parece os generos de texto (editoriais, artigos, ensaios, notf-

mestno uma traducåo. Resultado: o trabalho de interme- cias, anunciost avisos, relat6rios, instruqöes de LIS0i

tagäo requerido dentro dos padröes da escrita formal fica eclitais, contos, poemas), conforme variem os objetivos
pjelendidos para a leiLura (leitura informativat leitura
sempre adiado. Nao se consegue ultrapassar a dependen-
cia do oral. Ter acesso å palavra escrita I-eptesenta a
cecreativa» leitura instrumental etc.), variam Lambém

possibilidade de dominar um instrumenlo de poder cha- eslratégias a serem utilizadas, O grau de familiafida-

mado linguagem formal. É nessa lingutagem formal que,


de do leitor com o conteüdo veiculado pelo texto inter-
fere, também, no modo de realizar a leilura (cf. Allende
em qualquer pais, estäo cscritos os cådigost as leis, os
rcgimentos, os ensaios cienlificos — Ludo, enfim, que faz & Condemarin, 1987), Ou seja, ninguém lé da mesma
)narleira, sempre, näo importa que material, Até mes-
parte da organizaqäo c do funcionamento dos grupos.
Dai o caråLer de exclusäo do analfabetismo.t ele priva as
um jornal traz segöes diferentes que suscitam dire-
vetites cornportamentos de leitura.
pessoas de urn tipo particular de informaqäo,

Em sintese, a apltmdizagem das regularidades pré-


A depende näo apenas do contexto lingüistico
leitura
prias da no contacto com textos escri-
escrita acontece é
do texto, mas também do contexto extralingüistico
tost assim corno a aprendizagem da fala aconteccu com
de sua producäo e circulaqäor
a exposiqåo do aprendiz a experiéncias de oralidade.

É esta triplice lungäo, implicada na realizaqäo da Jå adiantei que a compreensäo da leitura resulta
leitura (ler para informar-se; ler para deleitcw-se; ler para apenas da intcrpretacäo dos elementos lingüfsLicos

76 | DE Poærcoces 1k..iXDÉ Asscwtl.xoo .9i DIMENSÅO 77


(lcxicais e gramalicais) presentes no texto. Evidente- lece em certos eventos cornunitårios. E sempre presa
mentet as palavras säo necessårias å constituigäo do ao sentido, compreensäo. Qualquer pessoa que näo
Lexto„ No entanto, nem tudo o que é "clito" aparece compreenda o que estå lendo em voz alta é capaz
literalmente na superficie do texto, ou melh01; estå dito de ler com desenvoltura, com entanagåo e pausas
sob a forma literal das palavras. Ilå, naturalmente, em aclequadast com expressividadeJ enfim.
qualquer näo explicitadas isto é, vazios
texto, "coisas

a serem preenchidos, o que näo impede que o texto


permaneqa interpretåvel. 2.2. L Implicaeöes pedagögicas

Dai que as informaqöes prévins com que o leilop Também em relaqäo leitura pode-se apontar uma
chega ao lexio, derivadas de seu proprio conhecimenio série de implicaqöes pedagögicas decorrentes dos prin-
de mundo e das relaqöes simbölicas que, ai, estabelece, cipiasque acabamos de explicitarr Ou sejat o professor
também cumprem urn papel fundamental na atividade de portugués, desde que admita esses pr'incipios, deve
de compreensäo do tcxto. O sentido de um texto näo promoverl
estå apernas no lexto, nao estå apenas no leitorv Estå no
Uma leitura cle lexlos auténtieos Nada poclerå
texto e no leitor, pois estå em todo o material lingüistico justificar uma leitura que näo seja a leitura de
que o constitui e em todo o conhecimento antelior que
textos aulénlicos, de textos em que hå clara-
o tem do objeto de que traLa o texto. É por isso
leitor jå
mente Lima fungåo comunicativa» um objetivo
que näo se pode ver no texto o que lå näo eslå nem se
1 interativo qualquer. Textos que tém autor(es),
podc ver apenas o que lå esLå sobre a pågina. A leitura
que tém dala de publicacåo, que apareceram
tem, assim, a dinåmica de qualquer outro encontro:
em algum suporte da comunicaqäo social (jor-
scu sentido é de agora e é de antes,
nal, revista, livro» panflcto, outdoor, cartaz etc.).
os principios que apresentei nes- Textos reais, enlinm- Mesmo na ctapa da alfabe-
ta seqäo se referem sobrctudo leitura em circunstån- tizacäor qutando pode haver dificuldades na leitu

cias normais.Näo åquela Icitura escolar; feita preferen- ra de textos maiores, é possfvel recorrer Lextos
cialmenle em alteu acompanhada pelo professor, curlos (mas testos reais e de boa qualidade). Tais
quase sempre com prop6sitos apenas avaliativos. As tcxtos também estäo em liVIOS, jornais e revistast

circunsLåncias presentes a essa pråtica jå inibem, por esläo fixados ern nossas portas e paredes e po-
motivos Obvios, o bom desempenho. principalmente nas demr perfeilamcnte, ser objeto de leilura ncsta
sérics iniciais. A leitura ern voz alta pode e deve ter sua fase inicial de aquisiGäo da escritav As frases

vez também» s6 que precisa acontecer de maneira fun- descantextualizadas, inventadas para exemplificati
cional, isto é, ern oportunidades sociais especificas c ou os textos do tipo "O boi baba, Mimi rilla , Ivo
com finalidade evidentemente cornunicativa, como acon- ve a uva e vov6 ve o ovo novo" de, täo mau

7S AULA PORTUGUES ANTE-NES A 111MENSÅO 79


gosto e baixo nivel de textualidader devem ser tuclo quando se trata da leitura reita na escolar
coisa de um passado remoto que nao deve vol- O aluno, antes de qualquer coisa, deveria estar
tar (cf. Votre» 1987: Macedo, 1985). convencido das vantagens de saber ler e de pocler

[hua Qualquer texto precisa


leitura interativa
ler- O professor faria bem, entäo, cm ajudav o

ser lido como sendo o lugar de um encontro:


aluno a construir uma repre.senta€cio positiva da
leitura e dos poderes que ela conferc ao cida-
entre quem escreveu e quern lé (CL Laj010J 1986),
Nessa perspectivat a contpreensäo, o sentido é
cläo. E, em cada situaqäo particular da sala de
aula, deveria explicatar para os alunos os obje-
que seråo os pontos privilegiados, para que
acontegay de fato, o pretendido encontro, Como
tivos de toda atividade de leitura* ou seja, por
venho salientandor todos os sinais deixados
que ele é convocado a ler aquele texto, de for-

sobre a pågina säo apenas isto: sinais, para que


ma a despertar-lhe o interesse pov faze-lo bem„
se identifique o caminho que leva ao sentido e leituva do todo — Na leitura, a primazia
ås interlCOes propostos pelo outro com quem interpretativa deve ser dada å dimensåo global
estamos interagäo, Além dos sinais daspa do texto, do texto como Itm 'todo. Isto é, o pro-
lavras, vale recordar, existem os sinais pragmå- fessor deve desenvolver connpeténcias que le
ticos, pr6pvios da situacåo, os quais lambém vem o aluno a identificar noeöes-ii&icleo, em
constituem pistas que nos levam ao sentido (ou i'unqåo das quais a intermetaqäo pontual de cada
aos senLidos). uma de suas partes ganha sentido. Todo Lexto
Uma leitura em duos vias — NenhLtma leilura 'lem unl eixo que lhe då sutstentaqäo. A esse
estå desvinculada das condiqöes em que o texto propösito, vale a pena lembrar a relevåncia de

foi escritCL Isto quer dizer que entre a escrita e levar o aluno a identificar o Lema ou a idéia

a leitura existe uma Jelagäo de interdependéncla central do sua finalidade, sua orientaqtäo
text0*

e de intercomplementaridade. Uma supöe a ide016gicaj a discernir entre seu argumento ou

outra: nos dois Qualquer alividade de inrormaqäo principal e scus argumentos ou in-

escrita deveria, pois, ser convertida em ativida formagöes secundårias.


de de leitura» para que os alunos pudessem (Jmo leitura critica —A leitL1ra se Lorna plena
vivenciaJ' essa dimensåo de interdependéncia
quando o leit01 chega interpretaqäo dos as-
existente, de fato, entre a atilidadc de escrever
pectos ide016gicos da texto, das concepgöes quet
e a atividade de ler e compreender.
as vezes sutilmentcj eståo embutidas nas entre
Uma leitura motivada — Tudo o que fazemas O ideal é que
linhas, o aluno consiga perceber
estå preso a um interesse qualqucr. Näo pode II
que nenhum texto é neutro, que por trås das
ser diferente quando se trata de leitura, sobre- palavras mais simples, das afirmaqöes mais tri-

80 AULA DE PONTVGUÉS
| ANTIISEs Assvmz.xoo nLME.VSÅO | 81
vims, existe uma visäo de mundo, um modo de Devc-se fortalecer tambérn a atengäo dos
ver as coisas, uma crenc.a, QualqueJ' texto refor- alunos para as cliferengas lexicais (de vocabulå-
qa idéias jå sedimentadas ou propöe visöes rio) e morfossintålicas entre o Lexto falado de

novas. Mas nenhurn, como disse, é neutro» no forma coloquial e o texto escrito formal; tam-
senLido de que näo toma partido em relaqäo a bém se deve exercitar o uso apropriado dessas
uma determinada concepgäo das coisas. Sobre- diferengas. Nessa mesma perspectiva da diver-
tuclo. os mais "inocentes", ou aparentemente sificaqåo. devem-se providenciar oportunidades
despretensiosos, do ponto de vista ideologico para os alunos manusearem diferentes tipos de
(como säo as propagandas), Nao esquegamos material escrito (por exemplo: r6tulos, listas, car-

que "a linguagem é uma das formas de actuar, taxes, folhetos, revistas, jornais, livros), de ma-
de influenciar, de intervir no comportamento ncira que possam perceber diferenqas de lin-

alheio, que outros actuam sobre nos usando-a e guagem e de apresentagäoy por conta das dife-
que igutalmente cada um de nos a pode usar renqas do suporte em que o texto circula.

Pava actuar sobre os outros" (Fonseca & Fonse- • (Juta leitura tambélii por "puru eurlteao — Que
1977: 149).
seja estimulado .com muitfsslma freqüéncia) o
• Uma leitura da yeconstru€åo do texto O leitor exercfcio da leitura gratuita, da leitura do texto
deve fazer o cammho inverso que fez o autor: literårio, do texto poético, sem qualquer tipo de

depois do entendimento global do texto, deve cobranga posteriorr suscitando assim a leitura
chegar å sua "desmontagern", descobrindo qual pelo simples prazcr que provoca (para istor se-

o plano de organizacåo das idéias selecionadot lecionar textos quet de fato, possam provocar
quais as partes em que se subdivide esse plano prazer estético).
e os elemenlos responsåveis pela articulaqäo leiturn apoiada no texfo Jå vessaltamos
dessas vårias parles.
como as palavras que estäo no texto funcionam
Uma leitura diversi/icada Tal como acontccc como sirlaisy camo pislas do sentido contextuali-
na Vida fora da escola, as aportunidades de lei- zado em cada texto- Daf a importancia de con-
tura devetn variar, no sentido de que os textos ccder atencåo ås palavras e a seus "ereitos de
propostos sejam de generos diferentcs (cantos, sentido (repave-set pot' exemplo, no uso das
Iåbulas, poemas, editoriais, noticias, comentå- conjung:öcs, das preposigöes das locuqöes ad-

rios, cartas, avisos, propagandas etc.) e no sen- verbiais, dos pronomes) e a certos recursos de
tido de que os objetivos propostos para a leitu- textualiwagåo, como repetiqöcs e subslituiqöes,
ra sejam também diferentes, alterando-ser para recursos que, como se sabe, estabelecem nexos
tanto, as eslralégias de leitura e de interpreta- coesivos enne os diversos segmentos do Lexto

82 AULA
| DE; PORTL?GVÉS AsSJ-'bttN00 LINGL.'AGEM | 83
(omgöes, periodos, parågrafos) e fundamentam damente"J "ler com boa pronüncia"» "ler obser-
as decisöes interpretativas acerca de sua coerén- vando os sinais de pontuaqäo", e outras simila-
cia, É fundamental que qualquer conclusäo a que rest sejam dados nao como valores cm si mes-
se chegue pela leitura do texto esteja apoiada em mos. mas como recursos para que se facilite a
alguma claquelas pistas (que pode ser uma pala- compreensäo do texto.
vrinha um até, um Bias, urn iå, por
mesmo que estas pistas esteoam apenas sugeridas.

Uma leitura nao Sö das palavras expressas no


2.3, Explorando a gramåtica
Fale brasileiro
texto Oualquer texto comporta interpretaqöes
Que voce euxerga bonito.
que requerem mais do que as palavras que Iå MARIO ANDRADE
esläo expressas„ Ou seja, a totalidade do senti-
do do tem que ser encontrada também
texto
A gramåtica compreende o conjunto de regras que
em niveis que transcendenl a materialidade do especificam o funcionamento de uma I(ngua.
textu Todo leitor traz para o texto seu reperto-
rio de saber prévio e vai, com ISSO, realizando
As pessoas, quando falam, nao tém a liberdade
inferéncias ou interpretando os elementos nao-
I
totalde inventar, cada uma a seu modo, as palavras
explicitados no Lexto; e vait assim, compreen-
que dizem, nem tém a liberdade irresLriLa de colocå-las
dendo-cm Vejamos como se podel•ia interpretar
etn qualquer lugar nem de comport de qualquer jeito,
o tiLulo de uma reportagem como "Os Lucanos
seus enunciadas. Falamr isso sim, todas elast conforme
de alta plumagem", caso nao conhecéssemos
as regras particulares da gramåtica de sua pröpria Iin-
eertos dados da politica nacional da atualidadee
gua, Isso porque toda lingua tcm sua gramåtica, tem
O mesmo se diga de uma referéncia feiLa aos
Minas Gerais, expressa nestes
politicos de
setl conjunto de regras, independenlemente do presti-

most "A turma do päo de queijo"m Jå analisei gio socialou do nivel de desenvolvimento econömico c
cultural da comunidade em que é Talada„ Ouer dizerj
outros enunciados cuja interpretaqåo Sö se rea-
liza corn sueesso se recorremos ao nosso co- näo exisie lingua sem grameitica.
nhecimento de mundo. (A pesquisa e a anålise Quando alguém é capaz de falar uma lingua é
de exemplares desse tipo dc cnunciados rende entåo capaz de usar, apropriadanente, as regras
riam muitas e boas aulas de portugués!)
(fonolégicas, morfolögicas» sinlåLieas e semanticas)
Uma leitura nunca desvinculada do sentido dessa lingua (além, é claro, de outras de natureza prag-
Que, na realizaqäo da leitura em voz alla (quan- måtica) na produqäo de textos interpretåveis e relevan-
do for o caso) orientagöes como "ler pausa- les. Aprender uma lingua é, portant0* adquirir, entre

B4 ACLA DE PORTUGUES ANTCNES As.SL'Mts•oo A OIMENSSO INTERAC]ONAL 85


I.

outras coisas, o conhecimento das regras de formacäo Em contrapartida, nao säo regras de uso, mas
dos enunciados dessa lingua, Quer dizer, näo existe arenas questOes metalingüfsticas de definigäo e classi

falanfe sem conhecimevato de gramåtica. ficaqäo das unidades da lingua, por exempla, saber: a
subdivisäo das conjungöes e os respectivos nomes de
Isso näo que todo falanle sabe o que
significa dizer
cada uma; a subclassificaqäo de cada subclasse dos
é um adjunto adnominal, ou um digrafo, ou um verbo
pronomes e a funqäo para cada um;
sintåtica prevista
intransitivo- O que ele sabe, intuitiva e implicitamente, é
a classificagäo de cada tipo de oracäo, com toda a re-
usar essas coisas ou seja, ele sabe as regras de uso, de
finada subclassificagåo das subordinadas e coordena-
combinacåo das palavras em textos, para que resulte in.
clas; as diferentes fungöes sintåticas do OUE ou do SE; a
teligivel e interpretåvel o que dizem. Sabem as regras de
distingäo entre os vårios tipos de encontro vocålico ou
uso das unidades, embora desconheqam os names que as
consonantal, de sujeito ou de predicado (aqui também
unidades tém e a que classes pertencem.
coni detalhadas distingöes nem sempre consistentes e
No åmbito dessa discussåo, vale a pena distinguir quase sempre irrelevantes). Como se vé, o que estå em
o que Scio regras de granuitiea e o que ruio säo regras de ,jogo nesse ensino é prioritariamente pretender que o
que se desfaqa grande parte dos equi-
gramätietl, para aluno saiba o nome eque as coisas da lingua tém; OLI

vocos que pairam por nossas•salas de aulas. seja, o que centraliza esse ensino é saber rotularr saber

Regras de gramåtica, corno o nome jå dizr säo reconhecer e dar nome as coisas da Ifngua7
normas, säo orientaØes acerca de como usar as unida- NessÄs questöes todas, observemos, a competén-
des da lingua de como combinci-/as, par-a que se produ- cia que se procura desenvolvev é sempre a de identifi-
zam determinados efeitos, em enunciados functional- car, a de reconhecer qualquef coisa, Daf os exercfcios
mente inteligfveis, contextualmente interpretåveis e em que se pede para para circular palavras ou
adequados aos fins pretendidos na interagäo. oragöes,sem nenhuma preocupagäo com saber para
que servem estas coisas, para que foram usadas ou que
Dessa forma, säo regras, POI* exempla: a descrigäo
de como empregar os pronomes; dc como usar as flexöes
efeitos provocam em textos OJ-ais e escritos. Adiantå

verbais para indicar difercngas de tempo modo; de


e de
pouco saber que o "sujeito" de determinada frase é
coma estabelecer relacöek semånticas entre partes do indeterminado, por exemplo. O que adianta mesmo é

texto (relagöes de causa, de tempo, de comparaqäo, de saber que efcitos pråticos se consegue com o uso de

oposiqåo etc); de quando e como usar o artigo indefini- um delerminado tipo de "sujcito". Por exemplo, o que
estå por trås da afirmaqäot 'O Banco menliu"? O "su-
do e o definido; de quando e de como garantir a comple-
mcntaqäo do verbo ou de outras palavras; de como ex
pressar exatamente o que se quer pelo uso da palavra 7 Vale a pena, a esse respeito„ ler o livro Sorrendo gramd-
adequadat no lugar certo, na posieåo de Mårio Perini (ver

86 AULA
| POUTUGL'ÉS ANTCXES AssL'MISt)O A 01MENSÅO INTERACIONAL OA LINGCAGE.M | 87
ocito" da orat;äo é evidentemente Banco". Adianta
A gramätica existe näo em fungäo de si mesma, mas
muito saber apcnas isso? Adiantavia saber também por
em fungäo do que as pessoas falam, ouvem, léem e
que se escolheu ocultar o nome de quem mentiu e
escrevem nas pråticas sociais de uso da lingua,
mascarar a verdade com o subterfügio da metonimia
OLI de itm sujeito indeterminadoe (O mesmo se pode O conjunto de regras que, como se villi constitui
dizer para declaraqOes Como "O dölav recuou", "O mer-
a gramåtica da lingua, existe, apenas, com a finica fi-
cado resistiu" e outras equivalentes)Sm A escola perde
nalidade de estabeleeer os podröes de u.so, de lunciona-
muiLo tempo com questöes de mera nomenclatura e de
ynento dessa lingual Ou seja, se as linguas existem para
classificaqäo, enquanto o estudo das regras dos usos cla
seven-I faladas e escritas, as gramåticas existem pa-
lingua em Lextos fica sem verv fica sem tempo. ra regular os usos adequados e funcionais da fala e da
Portanto, a questäo mt1101* näo é ensinar ou näo escrita das linguas. Assim, nenhuma regra gramatical
ensinar granjciiica. Por sinal, essa nem é uma queståo, importancia pop si inesyna. Nenhunm regra grama-
uma vez que näo se podc falar nem escrever sem gra- licoi {enl garanfida a sua validade incondicionalr O valor
måtiea. A questäo major é discernir sobre o Obieto do de qualquer
regra gramatical deriva da sua
ensino: as regras (mais precisamente: as regularidnaes) aplicabilidadej da sua funcionalidade na construgåo dos
de como se Lisa a lingua nos mais variados generos de alos socials da comunicacåo verbal, aqui e aoora. Por
textos orais e escritos,Por exernplot quais as regras isso, tais regras säo flexiveis, säo mutåveis, dependem
para a produgäo e leitura de um resumo, de uma rese- como as pessoas as consideram„ Assim, essas
cle regras
nhat de uma noticia, de um requerimento, de um aviso, vom e väo. Alleram-se, cada vez que os falantes desco-
entre muitos outros. Uma subquestäo daf derivada é a brem algutma razäo, mesmo inconsciente, para isso.
de como ensiitar lais regularidades, com que concep- Em sumat se os falantes se subordinam å gramå-
qöes, com que objelivos e posturas» desenvolvendo que
tica da lingua, para se Tazerem entender socialmentet
competéncias e habilidades. Cabe lembrar que toda lin-
liäo deixam, contudo, de comaandå-la, jå que säo elei
gua possuiy para além da gramåtica, urn léxico variado, que decidem o que fica e o que entra de novo e de
que também precisa ser amplamente conhecido, o que diferente. Como muito bem lembra Millör Fernandes,
significa dizer que a gramåtica sozinha nunca foi sufi-
"Nenhuma lingua morreu por [alta de gramåticos. Al-
alguém conseguir ampliar e aperfeigoar seu
cientc para gumas estagnaranl por auséncia de escrilores. Nenhu-
desempenho comunicativo. ma sobreviveu sem povott (199zk 344),

Eserevi texto em que exploro os efeitos ideolögicos A gramåtica reflete as diversidades geogräficas,
pzovocados pelo uso de termos metonimicos na posiqäo de usujei- sociais e de registro da lingua.
10s" da oraq.äo (cf. Anluncs, in Meurer & Motta-Roth, 2002).

88 | ALTA DE PORI'L'GCÉS lmxoÉ AS'TUNES A LINE-VSAO LVTEKACIOSA(. I


Mais acima, jå adiantei um pouquinho o princi- Pode-se dizer, em esséncia, que o purismo consiste em
pio de que iiüo existe lingua umforme, com urn finico e imaginar a lingua corno uma espécie de ågua cristali-

inalteråvcl padräo de funcionamento. Tadas as linguas na e pura, que näo deve ser contaminacla, Perde-se a
variom naturalmen/e„ de acordo corn as diferentes con- nosäo de que ela é o meio de eomunicaqäo social por
cliqöes da comunidade e do momento em que é faladav excelenciat ou, para manterrnos o simile, a ågua de

Variam as linguas de comunidades desenvolvidas, e uma turbina em incessante atividade e mais ou menos
variarn as Ifnguas de comunidades subdesenvolvidas. turva pela pröpria necessidade da sua fungäo.

Sempre foi assim e sempre serå€ Admitir este principio Ou gramåtica de regras incondicional-
é o mesmo que adlnitir uma gramåtica também variå- mente vigidas foge realidade com que a comunicaqäo
veli flexivel, adaptada c adequada ås circunståncias
verbal ocorre e so é possfvel na descontextualizaqåo
concretas em que a atuaqäo lingüfstica acantece, É das frases isoladas e artificiais com que sio fabricados
mesmo que admitir uma gramåtica cujas regras podem Sö é possivel se n6s nos pren-
os exercicios escolares,
deixar de ser 'as finicas
r regras certas'jj para incorporar
dermos apenas ao que dizem certos manuais de gramå-
outras opgöes de se dizer o mesrno. Um dos grandes
[ica (por vezesj muito mais fiéis a conveniéncias de
mitos que se criou foi o de admitir uma finica forma
mcrcado) e näo levarmos em conta o quet de fato, se diz
"certa" de dizer uma coisay de exprimir uma idéia. Vale
e se escreve (os letradosj inclusive!) no dia-a-dia de nossa
a pena trazer aqui as palavras de Barthes (1978: 24-25);
realidade.
Censura„se freqtientemente o escritor, o inlelectual, por
näo escrever a lingua de "toda a genie". Mas é bom Ao mito da invariabilidade das Ifnguas, se junta o
que os hornens, no interior de um mesmo idioma outro. da superioridade de certos falares.• o das cidades,
Lenham vårias linguas. Se eu fosse legislador, Ion- ,
melhor que o das zonas rurais; o do Sudeste, melhov
ge de impor uma unificaqäo do francés, quer burgue„ que o do Nordeste; o dos doutores, melhor que o das
sayquer popular, eu encorajaria. pelo contrårio, a apren- pessoas setn diplomas. Nisso acreditam muitos„ E, muito
dizagem simultanea de vårias linguas francesas, com
freqüentemente, até professores de portugués, sem
funqöes diversas, prornovidas igualdade. Essa
questionamentost como se isso fosse uma verdade in-
liberdade é urn luxo que Ioda sociedade cleveria pro-
porcionar a seus cidadäos: tantas linguagens quantos
conteståvel, acima de todas as 16gicas, A pesquisa rea-

desejos houvetl ( Que uma Ifngua, qualquer que seja,


Maria Auxiliadqra Lustosa Coelho, na regiäo
lizada por

näo reprima outra: que o suoeito futuro conheqa, sem pernambucana do submédio Säo Francisco, confirma
remorsor sem recalque, o gozo de ter a sua disposiqäo muito bem essa percepgäo negativa do jeito de falar
duas inståncias de tinguagem, que ele fale isto ou aqui- dos nordestinos: "Nordestino näo sabe falar direito'*
10 segundo as perversöes, nao segundo a Lei, fala Teio, näo aprende a lingua (1998: 113). O pior é
Mais ou menos o mesmo diz Maltoso Camara que, na maioria das vezes, a escola ainda reforga, de
(1977: 123), quanda afirmaw muitas maneiras, essa visäo negaliva jå täo entranhada

90 ACLA DE PORTCGtrgs Asst.'WND0 A JSTE.RACIONAL. LIXC.,CAGEM 91


Anrcxes
no imaginårio coletjvo. Exatamente porque se desco- ditongost monossflabos etc,) e deseonhecer as regras
nhece o que, de Cato. é uma lingua e qual o lugar da propriamente ditas de sua aplicaqäo em textos. Nessa
gramåtica na constituiqåo dessa lingua. perspectivat pode-se dimer que nao é escudo da gramå-
tica propriamente dita o reconhecimento das difeven-
A gramåtica existe em fungäo da compreensäo e da por exemplo, entre o "adjunto adnominal" e o "com-
produqäo de textos orais e escritos. plemento nominal", o reconhecimento do objeto direto
preposicionado, do tipo de oraqäo subordinada subs-
Toda atuaqäo verbal se clå através de textos, inde- lantiva e oulras particularidades semelhantes. Pelo que
pendentemente de sua fungäo e de sua extensäo. Ou se pode ver em alguns manuais didåticosr é em torno
sejat 0 6bvio (mas nem sempre levado em conta) é que dessas questöes que se concentram as aulas de portu-
ninguém fala ou escreve a näo ser sob a forma de lextos, Maisi a mai01ia das pessoas, quando se referem
tenham cles esta ou aquela fungäo, sejam eles curtos ensino da gramåtica na escola, eståo falando desse
ou longos. Fazer e entender textos nico assim, uma ensino da nomenclatura, da anålise sintåtica e simila-

atividade eventual, alguma coisa que as pessoas fazem res. E väo cobrå-lo das escolas, como se reconhecer as

uma vez ou outra, em circunståncias muito especiais unidades e setts nomes fosse a condigäo fundamental

(em dias de prova, por exemplo). É coisa que se faz para saber uså-las adequadamenle, Nem mesmo as pr0-
todo dia, sentpre que se fala ou sempre que se escreve. vas do vestibular, do ENEM e de alguns outros concur-
sos, feitas fundamentalmente em cima da compreen-
Como se saber falar e esclever uma lingua su-
säo dc textos, tom conseguido fazer as pessoas enten
pöe,lambém, saber a gramåtica dessa lingua. Em des-
derem qual a fungäo da gramålica de uma Iffigua e dei-
dobramento, supöe saber produzir e interpretar cli-
a obsessåo pelo estudo da nomenclatura grarnatical,
ferentes géneras de textos. Conseqüentemente, é ape-
nas no dominio do texto que as regularidades cla gra- A questäo que se coloca para a professor de por-
måtica encontram inteira relevåncia e aplicabilidade. tugués näo é, portanto, como disse alrås, '*ensinar ou
riäo ensinar regras de gramåtiea"v A queståo maior ét
Insisto em que convém saber distinguir entre
que regras ensinür e em que perspectiva ensinar.
gra de gramåtica" e "nomenclatura gramatical'i. As re-
gras implicam o usor destinam-se a elej orientam a for- Nao se justifica, portanto, a impressäo (que é

ma de como dizer. para que csLe dizer seja interpretåvel comufi'l, tnes1110 entre alunos e pais de alunos) de que
e inteligivelv A nomenclatura, diferentcmente, correspon- armalisav texlos, falados e escntos» é algo que as pessoas
de aos "nomes" que as unidades, as categorias, os fenö podem razer sem ter em
conta a gramåtica da lingua-
menos da lingua e SUas classificaqöes téfil. Podem-se Cht analisar tcxtos falados e escritos é "atrasar o

reconhecer as nomes que os elementos da lingua tém programa" e "näo iv com a matéria pra frente". Na ver-

(chamam-se substantivost pronomesr verbos digrafos, clade, tal impressäo se explica pela pråtica escolar tra-

92 DE PORTUGL'ÉS ASSCb1A'OOu'i DIMESS.åO | 93


A-VTCNE-S
dicional de analisar frases soltas e cler nessas anålisesy da lingua em textos orais e escritos. Sö por isto vale a
e.nxergar apenas as fungöes morfossintålicas de seus pena o esforqo de explicitar Lais rcgras„
elementos e suas respectivas nomenclaturas. Qualquer
ato de linguagcm nao é possfve sem urn certo dizer, o Existem regras e descriqöes gramaticais que particu-
qual, sendo dizen é necessariament exical, gramatical larizam o uso da norma-padräo da lingua ou o uso
e contextual. Afinal, a produqäo clo tido é regjda lingü(stico do grupo de prestigio da sociedade,

também pela gramåtica (cr Neves, 2000a: 73).


As variaqöes gramalicais que, naturalmente, pro-
A gramåtica da lingua deve ser objeto de uma des- das diferentes condigöes de uSo da lingua incluem
criqäo rigorosa e consistente. aquelas que especificam a mornta-paclröo, ou seja, o uso
lingüistico de prestigio que predomina entre as pessoas
O conhecimento que
o falante tem das regras que com um grau mais alto de escolarizaqüo.
especificam o uso de sua lingua é urn conhecimento Em geral, o uso dessa norma é exigido em cir-
intuitivo, implicito, ou sejat näo requer, ern princfpiot cunståncias formais da atuagäo verbal, principalmente
que se saiba explicitå-lo ou explicå-lo. No entanto, esse da atuaqäo verbal em algumas
pfiblica, e representa,
saber implicito acerca do uso cla lingua pode ser enri- circunståncias, uma condigäo de ascensåo e uma mar-
quecido e amplitldo coni o coiihecimento expliciio dessas ca cle prestigio social. Éi como tantas outras, uma for-
ynesmas regras. Esse é o objetivo das descriqöes gramati- ma de coercäo social do grupo, uma norma que dita o
cais, ou seja, das descriqöes de como as regras da gra- comportamento adequado„ A conveniéncia de Uso des-
måtica se aplicam aos diversos contextos dc usa da Ifn- sa norma de prestigio deriva, portanto, de exigéncias
gua. Essas descrigöes, cada vez mais, se encontram näo cminentemente näO de razöes propriamente
sociais e
apenas nos compéndios especificas de gramåticar mas lingüfsticas. Uma forma lingüfstica nao ét em si mes-

tarnbém em trabalhos cle lingiiistas que se aplicam aos ma, melhor que outra. Éi na vet-clade. mais (ou menos)
mais diferentes objetos de pesquisa9, adequada, dependendo das situagöcs em que é Llsada.

É evidence que o saber explicito das regras A legitimidade desse principio nao justifica, no
implicadas nos Usos da lingua constitui uma cmnpe- entanLo, que se deixe cle ver a natural mobilidade dcs-

téncia a mais que favorece o tlS0 relevance e adequado sas regras e sua nao menos natural indefiniqäo. Nao
pretendamos que tais regras "pernuanegam para sem-
pre". O uso, nunca aleat6rio, que as pessoas fazem delas
A Gramälicil de Csos„ de Maria Llelena Moura Neves, Ofe
é que determina sua validade ou näo. Nern podemos
lece um excelente paincl eminentemente descritivo e sem o ran.
go das tradicionais dos padröes de da glam;itica
[ISO
decidir simplistamenLe sobrc o que é de prestigio ou
do portugués atilal. Vale a pena té•la na biblioteca da escola_ cleixa de sere mesmo tomando como referéncia a fala

94 | Poarur•ucs ANTUNES Asst'Mtsoo ZilMLNSÄO INTERACTIONAL on 95


das pessoas consideradas escolarizadas e lelradas; o que tece nao através de palavras e frases soltas, mas
significa dizer que a questäo da norma-padråo —a OU da apenas mediante a condiqäo do text04 Assim, o
norma presligiada — deve ser tratada com a maior professor deve apresentar uma gramåtica que
cautelat sem Os simplismos das percepgöes ingénuast privilegie, cle fato, a aplicabilidade real de suas
pouco consistentes e preconceituosas10. regras, tendo em conta, inclusive, as especifici-
dades de tais regras, conforme esteja em
causa
a lingua falada OLI a lingua escrita, o uso formal
2-3.1. Implicacöes pedagogicas
ou o uso informal da lingua„ Nåo adianla muito
0,
O conjunto de princfpios que fundamentam uma saber as nomes que as conjunqöes tenu Adianta

compreensäo funcional e discursiva da gramåtica tern, muito saber o sentid0Aueælas expressam, as


também, as suas implicagöes pedag6gicas. Tentando relagöes semånLicas qtle elas sinalizam.

especificå-las, direi que o professor de povtugués cleve- Uma grantåtiea contextualizada A gramåtica
rå ter o cuidado de trazer para a sala de aula: estå naturalmente inclufda na interagäo verbal*

[Jyna gmmcitieci que seja relevanie Para issoy


uma vez que ela é uma concliqäo indispensåvel
para a prodLtq.äo e interpjætagåo de textos coeren-
deve selecionar nogöes e regras gramaticais que
tes, relevantes e adequaclos socialmente. Tanto é
na vertlade* relevantes, fiteis e
sejam, aplicåveis ä
assim que a questäo, posta por alguns professo-
compreensäo e aos usos sociais da Ifngua. No-
res. "(exto ou gra;nåtica" näo passa de uma falsa
Göes e regras que possam, sem dåvida. ampliar a
questäo„ Na verdadey o professor deve encorajar
competéncia comunicativa dos alunos para o
e promover a proclugäo e anålise de textos, o mms
exercicio fluente e relevan!e da fala e da escrita.
freqüentementc passivel levando
• [hila gramcitica que seja funcional Cam isso o aluno a confronlar-se com circunståncias de
sc pretende privilegiar o estudo das regras des- aplicaqäo das regularidades estudadas.
ses usos sociais da Ifngua, quer dizer, de suas
ma granuitica que traga algum tipo de interesse
concligöes de aplicacäo em textos de cliTeoentes
O escudo da gramåtica deve ser estimulante,
géneros. Dcve-se propor, portanto, uma gramå- desafiadm; instiganter de maneira que se desfaga
tica quc tenha como leferéncia o funcionamen-
essa idéia err-Onea de que estudar a lingua é, ine-
to efetivo da lingua, o qual$ como sc sabe, acon-
vitavelmente, uma tarefa desinteressante, penosa
e, quase sempre, adxersa. Uma tarefa que se quer
Acerea da problemåliea da normav sugerimos a leitura clos
esquecer para sempre logo que possfvel.
organizados por Marcos Bagno: Nonna lingüistica (200 1
livros
e Lingnfs/ica nonna (2002), E* mais recentementev do mesmo Unm gramdtica que liberte. que "solte'i a palavra
autor, A (2003).
A sala de aula de portugués devcria ser o
96 | AL'LA PORTI,'GCÉs
AXTCNES 97
espaqo privilegiado para se incentival' a fluén- Ihna gravnålica, que é da lingua» que é
cia linguistica e neutralizal'* assim, a postura das pessons Nesse quadroy passa a ter senti-
prescritiva e corretiva cornque a escola, tradi- do discernir o que é significativo para a experi-
cionalmenCe» tem encarado a produqäo dos alu-
éncia humana da interagåo verbal, interaqäo
Nesse sentido, vale a pena lembrzu- a con-
que, se é lingüfstica. é também gramatical, Isso,
veniéncia de incentivar, oportunamente, as por si s6, faz a gramåtica recobrar importåncia.
"Iransgressöes funcionais", ou a possibilidade
cle ".subverter" as regras da lingL1a para obter

certos efeitos de sentido ou cer'las estratégias 2.4. Explorando a oralidade


ret6ricas. (Hå muitos textos em circulagäo, so-
bretudo textos publicitårios, qtle possibilitam a Retomo momento, para efeito de considerar
neste

anålise de tais transgressöes, Poderia lembrar o a oralidade, os principios gerais que foram apresenta-
nome de um bloco de carnaval organizado por clos na definigäo de linguagem. Ou seja» mantém-se aqui
escritores pernambucanos, que tem como nome aquelas concepgöes de lingua como pråtica discursiva,
os dizeres: "N6is sofre mais nois goza." Eviden- inserida numa determinada pråtica social, envolvendo

temente, por ser de escritores e por ser para o clois ou mais interlocutores, em torno de um sentido e

car-naval. a agremiaqäo näo poderia escolher de uma intenqäo particular, Nessa dimensäoy a oralidade
uma referéncia mais adequada e mais expressi- apresenta a mesma dimensäo interacional que foi pre-
va que estm OLL seja, hå contextos em que o lendida para a escrita e para a leitura. Daf por que näo
"certo" pode estap na transgressåo. A escola vamos repetjr na presente seqåo esses princfpias€
precisa explorar csse ponlo.)
NO entant0* parece-me fundamental chamar a
Uma gramåliea que prevé mais cle unja rtoryna alen€.äo para a forma comor neste livro, se concebem a
É de grande importåncia que se procure ca- oralidude e suas relaqües com o escriia. Ou seja, interes-
de forma adequada, a norma-padråo
racterjzar, sa-me frisar quet embora cada uma Lenha as suas
como sendo a variedade socialmente prestigiada, especific-ldades, nåo existern diferenqas essenciais entre
mas nåo como sendo a finica norma "certa" a oralidade e a escrita nem, muito menos, grandes
"Certo" é aquilo q e se diz na siluaqäo "certa" oposiqöes. Uma e OUIra servem interagäo verbal, sob
pessoa "certa". äo se pocle deixar de perce- a forma de diferentes generos textuais, na diversidade
ber Clue, do ponto de vista da expressividade e que qualquer uso da linguagem
dialetal c de registro
da comunicabilidade, as normas estigmatizadas implica. Assim, näo tem sentido a idéia de uma fala
também tém seu valor, säo contextualmente apenas como lugar da espontaneidade, do relaxamenlo,
funcionaisr näo såo aleatörias nem significam da falla de planejamento e até do descuido ern relaqäo
falta de inteligéncia de qtlem as usa- is normas da lingua-padräo nem, por outro lado, a

98 PORTLAfs
ANTUNEs A DA 99
idéia de uma escrita uniforme, invariåvel$ formal e
inclusive, levar os alunosa pereebel' como a uni-
correta, em qualquer circunståncia, Tanto a [ala quan- dade temåtica do texto assume caracteristicas bem
to a escrita podcm podem estar mais planejadas
variar,
difelentes nas situagöes da convetsaqäo,
ou menos planejadas, podem estar mais, ou menosr
cuidadas" em relaqäo norma-padräo, podem ser mais • Uma oralidade oneiitada para articulaeäo enlre

011 menos formais, pois ambas säo igualmente depen- os diversos ic5picos ou sublöpicos da ili&era€äo

dentes de seus contextos de uso, Os textos orais näo dispensam os recursos de en-
cadeamento dos töpicos pelo Cato de serem orals.
Dentro desses limites conceiluais, pretendo con-
O LISO de elementos reiterativos ou de elementos
centrmvme no desenvolvimento das implicacoes peda-
conectares (como repetiq.öes, substituigöes pro-
göglcas que essa concepgäo de oralidade envolve.
nominais, substituigöes por sinönimos, por
hiperönimos, associacöes semånticas entre pala-

2+4.1. Implica€öes pedagögicas conjunqöes) estå igualmente presente nos


textos oraist embora com algumas especificidades
Aceitar o caråter interacional da oralidade e sua A anålise de textos em sala de aula serå relevante
realizacåo em diferentes géneros e registros textuais se contemplar tarnbém tais elementos, fortalecen-
leva o professor de portugués a intervir para que o do a idéia de que a oralidade também estå sujeita
trabalho com a oralidade tenha as caracterfsticas que aos principios da textualidade.
passamos a enumerarv
• Uma orolidade orientada para as SUNS' especi/ici-
• oralidade orienlada para a coeréncia global dudes Com o devido cuiclado para que näo se
Os textos, como se sabe, se dcsenvolvem a crie a idéia falseada de que a Tala se opöe
partir de um determinado assunto OLI dentro de escrita, serå interessante que o professor saiba
um tema especffico, o que lhes confere a unida- ressaltar os pontos formais e funcionais em que
de temålica requerida pela sua pr6pria coerén- os textos orais e os textos escritos säo diferen-
Ciar Assim, uma conferéncia, uma palestra, um
tes. Como se sabe, as modalidades oral e escrita
debatey uma aula c outros géneros similares säo
da Ifngua guardam similaridades e apresentam
sempre em torno de um
determinado tema; e diferengas„ O confronto entre uma e outra
reconhecer essa unidade Lemåtica do texto cons-
desde que se considerem os mesmos niveis de
titui Lima competéncia que a escola deve privi-
registro (fala fotnal e escrita formal, por exem-
legiar, O mesmo se diga em relacåo å finalidade

pretcndida para a interagåo. Ou seja, o profes-


plo) — podc ser bastantc produtivo para a com-
preensäo daquelas similaridacles e difercncas e
sor deve levar o aluno a ser capaz cle identificar
para o entendimento das nuttuas influencias de
esses e outros aspeclos globais do texto. Deve,
uma sobre a oulra. Atividades de passar do oral

100 | PORTCGUÉS
para o escrito (exercfcios de "retextualizagäo'% por exemplo, de participar cooperativamenle,
como sugere Marcuschi, 2001), podem ser bas- respeitando a vex de falar e de ouvir; de fazer
tante produtivos. exposigöes orais sobre temas de interesse do
grupo; de argumentar a favor de uma idéia; de
(Jnaa oralidade orientada para a variedade de ti-
dar instrugöes; de narrar experiéncias vividas;
pos e de géneros de discursos orais Como jå
de descrever com clareza ambientes, pessoasr
referi sumariamente atrås, muito comumente a
objetos, fatos; enfim, de ajustar-se å imensa
fala é vistacomo um uniforme que se
variedacle de situaqöcs da interactio verbal e de
realiia sempre da mesma maneira, mesmo que
saber usar as distintas estratégias argutnenta-
em situagöes bem diferentes. Nada mais equi-
tivas tfpicas dos discursos orais. É L'ltil ressaltar
vocado do que supor essa homogeneidade para
que o discurso formal das situaqöes püblicas da
a fala. Tradicionalmente, se deu mais atenqäo å
interagåo oral (aquilo que comumente se cha-
possibilidade de variaqäo da escrita, ficando»
povtanlo, essa [alsa idéia de que falamos sem-
ma "falar em püblico") precisa ser exercitado

pre do mesmo jeito, Como se pode facilmente


em suas regularidades mais gerais pois
tal discurso apresenta tragos especiais, difcren-
constataj os tes oraiEigualmente ocorrem
tes daqueles OUtros do discurso informal, pré-
sob a forma de variados tipos e géneros, depen-
prio das situat;öes coloquiais e privadas. Dentro
clendo dos contextos mais ou menos foi•mais
dessa variedade„ cabevia também lembrar o
em que acontecem€ ao bem diferentes a con-
imenso cuidado do professor para rejeitar, com
versa coloquialj o debate, a exposiqäo de moti-
[irmeza, qualquer atitude disctiminatöriay seja
vos ou de idéias, a explicagåo. o elogio, a criti-

ea. a adverténcia, o aviso, o convite, o recado,


de quem Ton em relagäo as falas desprestigiadas.
a defesa de argumentos, para citar apenas estes Ulna oralidade orientada para facilitar o convi-
poucos exemplos de generos do discurso oral vio social Nesse sentido, vale a pena relelnbrar
Planejar mais ou menos e realizar essas a funqäo de certas expressöes verbais quet num
formas de aluagäo verbal requer competéncias determinado contexto cultural, indicam atitu-
que o professor precisa ajudar os alunos a de- des ou posturas de polidez e de boa convivéncia
senvolvcr, paraque eles saibam adequar-se ås (quando, naturalmente, isso for conveniente).
condicöes de producäo e de recepqåo dos dife- Esse ponto, corno outros expostos na presente
rentes eventos comunicativos. Tais condigöes é seq.äo, diz rcspeito também queståo dos
que nos levam a tomar decisöes no decorrer da interlocutores e de setts papéis na interacåo. O
interagäo. Nessa perspectiva, saber adequar-se o ouvinte säo os atores do drama da
falante e

its condigöes da interagåo significa ser capazr comunicacåo e, nesse drama, cada um tem seu

102 AULA PORTL'GCÉS IkANoÉ ANVCNES Asscwxno DIMrxSÅO IVVERACIO.XAI. LINGI..'AGEBI | 103
papel especi[icot que delimita suas possibilida-
des de atuaqäo, Quem fala primeiro, quern pode
Uma oralidüde que iiiClUa momenlos de aprecia-

falar, quem pode interromper e tantas outras


Clio das realiz@öes eslélieas pröprias da Iiieratura
i;npyovisada, dos cantadores e repentistas La-
restriqöes estäo ligadas, intimamente, aos pa-
péis sociais vividos por todo interlocutor mentavelment.e, algumas vexes essas produgöes
cada situacäo comunicativa. O ouvinte de uma aparecem na sala de aula apenas como pretexto
conferéncia näo se comporta da mesma manei- para que sejam converlidas na norma padräo da
ra que o participante de uma conversa entre Ifngua. Perde-se assim o seu valor como forma de

parceiros- A escola näo pocle deixar de dar es- expressäo oral dos valores culturais de uma co-

sas orientaqöes nem de explorar as expressöes munidadej além de se passar sutilmente a idéia
pr6prias de Lim comporlamento lingüfstico po- de que seu padräo lingüfstico deve ser evitadu
lido se pretende desenvolver a competéncia co-
• oralidade orientacla para desenvolver a ha-
municativa dos alunos. Nesse åmbito, muita ati-
bilidade de eseular cont alencc70 e respeito os mais
vidade de anålise poderia ser feita e daria con-
diferenles lipos de interlocutores A atividade
ta,por exempla, de que a pergunta "Vocé estå
receptiva de quem escuta o discurso do outro é
de carro?", mais que uma pergunta. pode ser
um pedido ou um oferecimento de carona. uma atividade de participagäo, de cooperagäo
em vista da pr6pria natureza interativa da lin-
• Uma oralidade orientada pora s.e jeeonhecer o papel guagem. Nao hå inlet-agåo se raäo hå ouvinLe
da entonocäo, das Pt1UStLS e de outros lecursos Nas alividades em sala de aula, o professor bem
supra-segmentais na constvu€do do sentido do tex-
que poderia desenvalver nos alunos a compe-
Sabemos como, ao lado de elementos téncia para saber ouvir o outro, escutar, com
morfossintåticos e semånticos do tcxto, encon-
atenqäot o que ele tem a dimer (competéncia
tram-se outros, dc natureza supra-segmenlal
socialmente tåo I-elevante e pouco estimulada!)
(como a entonaqäo, as pausas, por exemplo), que
em muito contribuem para a construqäo do sen- Como se vé, hå muilo o que fazer nas aulas de

tido e das intencöes pretendidos. Numa dimen- portugués! Todas as implicaqöes pedag6gicas acima des-

säo muito proxima, garnha sentido Larnbénl ex- crilas supöem saberes,supöem contefidos, o que significa
plorar a fungäo de cerLas expressöes fisionÖmicasr dizer que esses saberes podem e clevcm scr discutidas cm

de certos gestos e outros recursos da representa- sala de aula, com o apoio dc textos e de rcflexöes consis-
cénica (como levantar-se, movimentar-se)j os tentes„ Com base nesse ponto, pode-se prever que val
quais funcionam, de forma muito significativa, [altar tempo para chegar ås "fungöes do OUE" out para
descer its interminåveis classificaqöes dos "termos essen-
como elementos complemer1Lares no processo cla

interacäo verbal.
ciais, integrantes e acessörios da Hå outras

II
competencias mais prementes esperando pela
104 | AULA Poarcot'f.s IIXTCNES
ASSUMJSIJO 105
CAPiTULa TRÉs

Repensando o objeto de ensino


de uma aula de portugués

Nada essencial pode Ser ensinnao„


Mas ludo lem que ser aprendido
MLLLOR FERNA.xnrs

Ouem planta muitns Grvores acaba criundo mizes.


MILLOg. FERNA.xnu-s

Com basc na anålise do ensino do portugués, su-


mariamente desenvolvida no infc10 do presente traba-
lho e, ainda, na série de princfpios atrås apresenladost
trago,no presente capitulo, algumas orientagöes gerais
e sugestöes de atividades quer a Litulo de exemplo,
podem ilustrar o tipo de prqcedimento pedag6gico que
Lais princfpios implicam. Como digo, såo apenas suges-
töesy pois, se os professores observarem, a explicitacäo
de cada principio e de suns respeeiivas implicaeöes con-
tém imimeras pistas acercn do lique facer" e do "conjo
fazer", para irabalhar a oraliclade, a leitura, a escri(a e a
grantåliea nas aulas de portugués.

REPENSAXüO o OBJETO OE E'$SJSO D8 DE 1 07


A propösito deste "que fazel"y gostaria de lem- pretensäo senåo chegar aos usos sociois da lingua, na
brat' que o professor parece estar acostumado a esperar forma em que ela acontece no dia-a-dia da Vida das
que lhe digam o que ele tem que fazer- Como a tradiqäo pessoas. Essa lingua é a "lingua-eyn-funfäo" (cfm Schmidt,
por ligäo, os livros didåLicos, o
era seguir å Visca, ligäo 1978), a lingua que somente acontece entre duas ou
mofessor "aprendeu" a nao criar"t a näo "inventar" inais pessoas, coni alguma finalidade, contexto es-
seus programas de aula, O conhecirnento que ele pecifico e sob a forma de um texto mais ou menos
va" e "repassavai' era sempre produzido por outra pessoa, longo,mais ou memos formal* desse ou daquele género.
näo por ele pröprio. Nesse contexto, de fato, o que Assumindo os termos dessa concepqäo e de suas impli-
sobressai é um professor "transmissor de conhecimento" eagöes pedagögjcas, a escola poderå alastar-se da pers-
mais precisamente, de "conteüdos". Daf a concepqåo es- pectivo nomeadortl e elassi/icatévia (centrada no reco-
treita de alguns de que a principal tarefa do pli)fessor é nhecimento das unidades e de suas nomenclaturas)r
dav aula, isto é, dar o curso é que é o cerne da profissäo. com seus Interminåveis e intrincados exercicios de
O professor precisa ser visto (inclusixe pelas instituiqöes anålise morf016gica e sinlålica COITI que prioritariamente

competentes) como alguém que, corn os alunos (e nao se tem ocutpado (e com os quais njnguém pade interes-
para os alunos), pesquisa, observa, levanta hip6teses, sar-se pela leitura, pela escrita au por qualquer queståo
analisat reflete, descobre. aprende, reaprende„ que diga respeito ao LISO da linguagem).

Evidentemente, o objeto da aprendizagem que es- Pela observagäo de corno atuam os professores. é

tou propondo aqui estå previsto na definiqåo daquelas passivel constatar qtte as coisas funcionam (salvo hon-
competencias para o uso da lingua, em circunståncias rosas excecöes) rnais ou menos assim: se o professor
de oralidadet de leitura e de escrita. Esse é o progranum pretende ensinar sobre o pronome"j por exempla, co-
Ou mudanqa no ensino do portugués näo estå nas
seja, a mega por selecionar as definigöes e classificagöes desta

metodologias ou nas "técnicas" usadas. Estå na escolha classe de palavras ej depois, escolhe urn texto em que
do objeLo de ensino, daquilo que fundamentalmente cons- aparecam pronomes, pora nele idenli[icar suas vårias
ocorréncias e classificå-las conforme a nomenclatura
titui o ponto sobn o qual lancamos os nos.sos olharcs€ É

o que pretendemos levantar no t6pico seguinte.


gramatical- O texto serve, portanto, apenas para ilus-
trar uma .noq.äo gramatical e nao chega assim a ser o
Obieto de estudo. E com esse procedimento fica a ilusäo

3.1. Å guisa de programa dc que se estäo explorando questöes textuais; mas, na


verdade, apenas mudamos o modo dc situar a quesCäo.
Na verdade, o fundamental do que proponho no Ou seja, em vez de "inventar frases" onde aparecam
momento esLå na reorientdfäo ou na mudanca de foco pronomes, nos os "retiramos" de textos e fazemos o
daquilo que constitui o riücleo do estudo da Ifngua. O mesmo que faziamos antes. Como eu disse em outra
que significa dizer que a escola deve ter outra ocasiäoj apenas "safmos de Guatemala para Guatapior"w

108 | PORT(.TiI.-És AXTV'CES REPENSASDO O OBJETO DE ENSI.VO DE L'M.A AULA DE PORTUGUÉSI 1 09


Se o texto é o objeto de estuda, o movimento vai é que se vai definir o conteüdo programåtico em torno
ser ao contrårio: primeiro se estuda, se analisa, se tenta do qual professor e aluno rcalizam sua atividade de
compreender o texto (no todo e ern cada tuna de suas ensino e aprcndizagem.
partes —
sempre em rungäo do todo) et para que se
Assim, qual poderia ser o "programa" de portu-
chegue a essa compreensäo, väo-se ativando as nogOesr guess nomeadamente para as séries do Ensino Funda-
os saberes gramaticais e lexicais que såo necessårios. mental e do Ensino NTédio?
Ou sela, o texto é que vai conduzindo nossa anålise e
em funcäo dele é que vamos recorrendo ås determina- Em termos muito geraist as aulas de portugués

göes gramaticaisj aos sentidos das palavrasr ao conhe-


senam aulas cle:

cimento que tetnos da experiéncia, enfirn. Nessa pers- falart


pectiva é que se pode perceber como tem tanta im- • ouvii'*

portåncia assim saber os nomes das funcöes sintåticas • ler e

das palavrasr ou saber discernir, por exemplo, se um • eserever textos ent lingua portuguesa,
termo é objeto indireto ou complemento circumstancial
clentro de uma distribuiیo e eomplexidade gradativas,
de lugar. No textot a relevåncia dos saberes é de outra
atentando o professor para o desenvolvimento jå con-
ordem€ Ela se afirma pela fungäo que esses saberes Lém seguido pelos alunos no dornfnio de cada habilidade.
na determinaqåo dos possfveis sentidos previstos para o N'lais uma vex, explicito o principio de que toda ativida-
texto. OLI seja, quanto ao pronome, o relevance vai ser de lingii[slica é necessariamente textual. Ou seja, a fala,
identificar as referéncias feitas, no deconvr do lext0J pelas a escutay a escrita e a leitura de que falo aqui såo ne-
diferentes formas pronominais e avaliar as conveniéncias cessariamente de textos; se näo, näo é linguagem. As-
de sua distribuiqåo ao longo do lexto. sim, é nas quesLöes de producäo e compreensåo de Lex-

Este objcto o texto — é que vai condicionar a tos, e de suas fungöes sociais, que se deve centrar o es-

escolha dos itens, os objetivos com que os abordamos Ludo relevante e produlivo da lingua. Ou melhor» é o uso

e a escolha das atividades pedagögicas. da lingua — que apenas se då em textos — que deve sev
o objeio digo bem, o Obieta de estL1do da lingua.
Ou seja, com que programa?
Em geral, o que se deve pretender com uma pro-
3.1. I Para o desenvolvimento das habiliclades de
gramagäo de estudo do portugués, näo importa o pe-
Talar e ouvir, os alunos, corn a. interveneäo
rioclo em que acontece, é ampliar a competéncia do
do professor, poderiam:
aluno para o exercicio cada vet mais pleno$ mais fluen-
te e interessante da fala e da escrita, incluindo, eviden- • contar hist6rias, inventando-as ou reproduzin-
temcnte, a escuta e a leitura. Em fungäo desse objetivo do-as;

110 ACLA Pora•ucarcs IRANDÉ ANTUNE_s REPENSAXOO O OBIETO ENSINCJ I I I I


relatar acontecimcntos; so oral, normalmente aqueles usos proprios da comu-
debater, discutir; acerca dos tetnas variados; nicagäo pfiblica, por oposiqäo cornunicagäo privada
avgumentar (concordando e refutando)• que fazetnos em nosso ambience particular de atuaqäo-
emitir opiniöes; As circunståncias de falar em publico exigem o cumpri-
justificar ou defender opgöes tomadas; mento de que interferem na
certas convengöes sociais
critical* pontos de vista de outros; organizagåo do que dizer e na forma de como dizerr O
calher e dar informagöes; professor deve estar atento para desenvolver nos alu-
• fazer e dar entrevistas; nos as competéncias necessårias a uma participaqäo
dar depoimentos; eficiente em eventos da comunicaqäo pilblica, como
apresentar resumos; uma conferencia, uma reuniäo, um debate, uma apre-
expor programaqöes; seritaqäo, um aviso etCi
dar avisos;
Nesse sentidot ganha interesse fazer os alunos
fazer conviles;
• perceberem as diferenqas (lexicais, sintåticasr discur-
apresentar pessoas
Sivas) que caracterizam a fala formal e a fala informal,
Vale relembrar que a atividade de ouvir constitui
destacando-se assim a variabilidade de atualizagäo que
parte cla competéncia comunicativa dos falantes, uma a lingua pode receber, de acordo com as diferenqas
vez que ela implica um exercicio de ativa interpretagäo, concretas da situagäo comunicaliva.
tal como acontece com o leitor em relaqåo å escrita.
A]ém disso, existem muilas regras sociais qL1e definem
o comportamento adequado do ouvintet frente ao ou- 03.1.2 Para o desenvolvimento da competéncia de
tro ou aos outros que falam. Tais regras såo conven- escrever, o professor poderia providenciar
goes que precisarn serr criticamente, avaliadas c exerci- oportunidades para os alunos produzirevn:
tadas na escola, Nem sempve a escola tem chamado a
• listas (de materlais, de livros, de assuntos estu-
atenqäo para essa compeléncia (altamente relevante,
dados. dc everltos realizados etc.);
do ponto de vista da interaqäo) de escutar, de ouvit•
pequenas informacöes aos pais e a outras pes
escula Lem apcnas unla motivagäo disciplinar, sem que soas da comunidade escolar;
se mostre a funcåo interaliva de saber ouvir quem fala, • programagöes de atividades curriculares e
Somerlle escutando com atengäo é que se pode aceitar
extracurriculares;
ou deixar de aceitar o que o outro diz-
convites;
As atividades em torno da oralidade acima suge-
• avisos;
ridas devem privilegiar as usos mais formais do discur-

IRANDé ANTUNES 0 OßJLTü DE. ENSINO OE DE 113


112 | PORTUGCÉS
• cartas: uns aos outros, aos profcssores» ås pes-
atas;
soas da escola, do bairro, da cidade, a um jor- •
poemas;
nal, a alguém que veio escola prestar algum
servigo, a autoridades locais e nacionais etc r
mensagens eletrönicas;

(cartas que, eventualmente, até deveriam che- • e outros textos em uso no momento-
gam de fato, its måos de seus destinatårios);
É evidente que a escolha desses diferentes generos
• anotagöes de idéias båsicas de textos informa- de texto deverci acontecej; gradalivamente, na dependén-
tivos (a este propösitot vale lembrar a vinculaqäo ciado grau de desenvolvimento que os alunos våo de-
que 0 professor deve estabelecer entre o portu- monstrando na habilidade de escrever textos„ Nas fases
gués e outras disciplinas); iniciais, a confecqäo de r6tulosy indicando, por exem-
ployo nome de produtos disponiveis na sala, ou, ainda,
pequenas narrativas (criadas ou recrlüdas a
partir de outras, Iidas ou ouvidas); a confecgäo de listas Com o nome dos colegas, dos ali-
mentos contidos na merenda escolan e outros que a
conclusöes de debates;
perspicåcia do grupo pocle descobrir, constituem um
informagöes sobre a cidader o bairro, a escola, expediente interessante para exercitar a escrita naque-
lugares visitados, eventos; les moldes proposLos anteriormente, ou sela, a escrito
coniextuolizacla, a escrita que senliclo porque fala de
cartazes .com motivos diversos. inclusive moti-
vos publicitårios); nas e de MOSSO numdo,

• instrucöes diversas (por exemplo, aquelas que


O importance é abandoner u escrita Vazia, de pa
indicam como se deve usar um determinado que
iavras soltas, de frases sollas, de frases inventoclas

instmmento Ou aparelho); nåo dizem nada parque näo remetem ao mundo da


experiéncia ou da fantasia dos alunos. A linguagem até
• mojetos de pesquisa;
para os pequenos também "significa agili farer, interfe-
• lesultados dc consultas bibliogråficas, de pes- rivno mundo, relaeionar-se com as pessoas (Macedo•t
quisas de campo; 1985: .53). Por sinal, a finica linguagem que faz sentidot
para qualquer pessoa, é aquela que expressa o que
• esquemas, resumosj sfnteses, resenhas (de tan-
Ca utilidade na Vida académica!); queremos dizer. por algum motivo, de n6s, dos outros,
das coisas, do mundo. Nåo estando af, estamos na
relatörios de experiéncias ou de atividades rea- Orbita da linguagem.
lizadas;
Lembro que, em Ioda alividade de escrita, o alu-
solicitagöes, requerimentos; no deve ser levado a vivenciar a experiencia de:
• saudacöes;
a) primeiro, planejar;

1 14 Art-A PORTUGVÉs
A.sn•xrs REPESSANTO O og,JETO DE DE I 15
Tudo isso significa dizer que a escrita cla escola
b) depoisr escrever — o que seria a primeira ver deve ser a escrita de textos. Na medida ern que for
såo de seu Lexto;
sendo possfvel: do r6tulo, passando pelas lislas, pelos
c) e, em seguida, revisar e reformular seu texto, testos CUI-tos (como os avisos), até aqueles mais longos
conforme cada caso, para deixå-lo na versåo
e mais complexos.
definitiva.

Ou sejay o professor faria bem se conseguisse criar,


jå nos primeiros anos da Vida escolar, o håbito de o
3.13 A leitura poderia abranger todos esses textos
aluno planejar seu texto, fazer seu esbogo, fazer a pri-
produzidos pelos alunos, alént det
meira versäo e, depoisy revisar o que escreveu, natural- histc3rias, com ou sem gravuras e ern
mente, sem culpa, sem achar que ficou tudo errado,
quadrinhos;
aceitando a reformulaqäo como algo perfeitamente
• .fåbulas;
normal e previsiveL Aprendendo, inclusive, a Iidar com
contos•,
o provis6rio, com o incompleto, com a tentativa de
enconlrar uma forma melhor, O professor, eventual- cronicas;
editoriais;
mente, poderia pedir aos alunos que apresentassem,
comentårios ou artigos de opiniäo;
por escrito, o plano de seus textos.
noticias de jornal;
Entre escrever muito, sem revisåo, e escrever pou-
poemas;
co com esses cuidados todosr seria preferfvel que os
avisos;
alunos escrevessem menos textos, mas que escrevessem
folhetos;
sempre com esses cuidados de planificacäo e revisäo,
• cartazes;
acabando-se, assim, com a pråtica escolar de uma ünica
adivinhas•,
versäo, quase sempte improvisada e nunca revista.
• anedotas;
Para orientar essa revisåo, o aluno iria sendo leva-
• provérbios populares;
do a compreender que um bom texto juio é apenas unt
charadas;
texto eorret0* mas um texto bem encadeac10* bem orde-
mapas, tabelas e gnäficos;
nado, claro, interessante e adequado aos seus objetivos anfincios e mensagens publicitårias no (ricos
e aos seus leitores. O principio regulador dessa classe
uso de metåforas, metonimias, homonfmias,
de texto näo pode ser outro senåo o principio de que a polissemias etc,j pelo que se prestarn a anålises
escrita é uma forma de atuagåo social entre dois ou
rnuito interessantes);
mais sujeitos que realizam o exercfcio do dizer, do di-
• instrucöes;
zer-se, para fins do intercåmbio necessårio å sobrevi-

véncia e convivéncia humana, esquemas;

O OBJETO LNSLNO DE DE. r0RTCOCES | 1 17


116 AULA DE PORTUGL'ÉS lm.SCJÉ A-STUNES
resumos; palmente na cornunidade local, motivos e opovtunida-

• ligöes de outras disciplinas etc. des de leitura. Nesse aspecto, pod eria se comeqar pela
descoberta de quanta cmsa se pode ler na rua ou no
Por essa amostragemv fica evidente a pretensäo
quanto diversidade de géneros de textos que o profes- proprio colégio.
I

sor deve providenciar. É importante que o aluno, siste- Assim, a leitura deixaria de ser uma tarefa escolar,
maticamenter seja levado a perceber a multiplicidade simples treino de decodificagäo, uma oportunidade
de usos e de funqöes a que a lingua se presta, na varie- de avaliagäo, para ser, junto corn outras atividades, uma

dade de situagöes em que acontece. Compete ao profes- forma de integrasäo do aluno com a Vida de seu meio
sor ajudar o aluno a identificar os elementos tfpicos de social. Sabemos quanto a integraqäo da pessoa em seu
cada género, desde suas diferengas de organizagäoy de gvupo social passa pela participagäo lingüfsticar passa pelo
seqüenciagäo (por exemplo, quantos blocos o género exercicio da "voz'*, que nao deve ser calada, nem reprimi-
apresenta e em que seqüéncia eles costumam aparecer) dat mas, sim, promovida, estimulada e encorajada,
até suas particularidades propriamente lingüfsticas
(lexicais e gramaticais). Desse modo, se alarga a visäo
de uso da Ifngua, ou seja, se cleixa de ver a lingua apenas 3.114 A gramåtica, na perspectiva da linguagem
como uma coisa unifotme e äpenas podenclo scr ou como forma de atuagäo social, vil-ia incluida natural-
"certa" ou "errada". De repente, quem sabe, o aluno vai mente- Do jeito que estå incluida nas situaqöes comuns
poder perceber que a Ifngua que ele estuda é a mesma da interagåo verbal, A gramåtica, corno vimost nao entra
lingua que cin:ula em seu meio social, em nossa atividade verbal dependendo de nosso que-
ela estå lå, em cada coisa que falamos, em qual-
Nessa visäo do uso, o aluno vai percebendo que
quer lingua, e é uma das condigöes para que uma lin-
uma carta, por exemplo, requer um comesot um desen-
gua seja uma Näo existe a possibilidade de al-
lingua.
volvimento, um final, uma escolha de palavras e de re-
guém falar ou escrever sem usar as regras da gramåtica
gras sintåticas diferenles daquelas de uma hist6ria, um
de sua linguae Daf que cxplorando os sentidos do texto,
aviso, uma instruqäo ou urn requerimcnto. Essas diferen-
estamos explorando lambém os recursos da gramåtica
gas seriarn, apenas, objeto de observagöes fortuitasj
assistemåticas e apressadas, mas seriam matéria de uma,
da Ifngua€ Näo hå, pois, razäo para que se conceda
primazia ao cstudo das classes gramaticais isoladas, de
de vårias aulas, matéria cuidadosamente explicitada, cui-
dadosamenLe analisada. Constituiriam, assim$ itens do suas nomenclaturas e classificagöes»
programa cle ensino e aprendizagem, a partir dos textos Por outras palavrasy a inclusäo natural da gramå-
propostos para leitura, anålise e produqäo. lica significa a sua inevitåvel e funcional' aplicagäo,
Também aqui valeria muito a iniciativa, a atenqäo sempre que nos dispomos a dizer qualquer coisa. Os
e a criatividade do professor para encontxal*i princi-
nossos textos se fazem, inevitavelmente, com substan-

REPENSANCHO O OBJETO DE ENSINO DE OE | 119


118 AULA Porrr-'Gce.s IRANOÉ ANTL'x•zs
måtica nao sejam, apenas, exercicios de teconhecinnento
tivos, adietivos, verbos, pronomesy coniuncöes e outras das diferentes unidades e estruluras gramaticais.
categorias gramaticais. O que precisa também ser rcs- Assim, o estudo do texto, da sua seqüéncia e da
saltado é que» se o texto se faz com palavras, seu sen-
sua organizacåo sintåtico-semåntica eonduzirå forgo-
tido, sua fungäo nao resultam simplesmente dessas samente o professor a explorav categorias gramaticaist
palavras. Existem outros elementos e fatores que me- conforme cada texto em anålise, sem perder de vista, no
deiam e regulam a interagäo. entanto, que näo é a categoria em si que vale, mas a

Nesse quadroy o que passa a ter prioridade nåo fungäo que ela desempenha para os sentidos do texto, Ou
ét repitoj ensinar as definiqöes e os nomes das unida- seja, mesmo quando se estå fazendo a anålise linguistica

des,nem treinar o reconhecimento dessas unidades de categorias gramaticais o objefo de estudo é o texto.

(mesmo em textos). O que passa a ter prioridade é criar Essa anålise lingüistica poderia ser a anålise do
oportunidades (oportunidades diårias) para o aluno substantivo, do adjetivo, do verbos do artigo, do nume-
construin analisar, discutirt levantar hipöteses, a partir de suas flexöes), da preposigäo, da conjungäo, do
ral* (e
da leitura de diferentes generos de textos finica ins- advérbio, (e nåo podia ser diferente, pois nao se fala,
tancia em que o aluno pode chegar a compreender näo se Iét näo se escreve, näo se entende texto sem tais
comoy de fato, a lingua que ele,fala funciona. coisas). Mas nao basta saber que MAS, por exemplor é

Com base elm nåo hå por que


tais orientaqöest uma conjunqäo e, mais aincla, que é uma conjungäo
iniciar os alunos, principalmente na altura do Ensino adversativa ou que ELE é urn pronome pessoal do caso
Fundamental, na distingäo e classificagäo dos diton- veto. É preciso que se saiba que efeitos se consegue
gos, dos digrafos e semelhantes, nem insistir nas listas com o uso um MAS*
ou o que pode acontecer com a
de
de aumentativos, superlativos, coletivoS (alguns jå in- compreensäo do texto quando se usa um pronome.
teiramente fora de uso, sem relevanciaj portanto) na Ou seja, pela anålise dos usos da lingua entende-
conjugaqäo desconLextualizada de "verbos .com o pro- se mais e melhor o funcionamento das unidades da
nome muito pouca
vösj inclusive!) c outras pråticas de gramåtica. Por conseguintc, é preciso que se analise o
aplicabilidade. neste momento da experiéncia comuni- emprego dessas unidades em textosj para que se garan-
cativa dos alunos.
ta seu uso com coeréncia c adequaqäo comunicativa,
A decisåo cle incluir a abordagem da gramåtica de Em surna, é preciso analisar, pesquisgr o uso da lingua-
forma natural näo significa que as nogöes gramaticais gem, e a mediagäo do p10fessor deve ser encaminhada,
nåo sejam, quando necessårio, apresentadas ao aluno entäo, para explicitar o funcionamento de todas as

(cf. Neves, 2000; N6brega, 2000). O que se pretende, categorias na construgäo dos sentidos do texto, como
como venho salientando, é que a aula näo pare nas 'ter- serå sugerido no pr6xirno segmento.
minologias, nas classificacöes e que os exercfcios de gra-
REPENSANDO O OBJETO EKSI_NO OF, ALL-A PORTUGUES | 12 1

120 | ALTA DE PORTUGUCs


A gradagäo com que tais categorias våo sendo obsexvado ainda como, em vista de tal prioridade, deixa

explicitadas dependerå do desenvolvimenlo que o pro- de ler primazia o estudo de frases soltast descontextua-
lessor vai constatando em seus alunos, E natural quet lizadas e artificiaisr criadas corn o fim, apenas, de fazer
ao final da 4" sérier Lerå havido oporlunidade de abor- o aluno reconhecer as unidades gramaticaisy SLtas nomen-
dar os pontos nucleares relativos ås classes gramati- claturas e classificaqöes„ Passa a ter primaziay levando
cais, äs suas flexöes e funqöes textuais. Sem perder de ern conta o objetivo acima apresentado, o principio de
vista $ em nenhum momento, é c.laro, a aplicabilidade que, em qualquer altura do estudo do portugués, qual-
desses pontos para a fluente e adequada comumcaqäo quer nogåo proposta so se justifica pelo papel que ela
em lingua portuguesa, desempenha rla construqäo e na compreensäo de textosi

Rever os contefidos programåticos, com base nessa Valia a pena que o professor tivesse o cuidado de
nova concepgäo de lingua, serå rever também os Obieti- explicitar para o aluno os termos de tal objetivot mos-
vast bem como os procedimenlos do ensino da Ifnguat em trando-lhe» em
cada atividade, para que a aquisiqäo
todas as Cases da escolaridade. Corn efeito. um ensino daquela nogäo ou daquela habilidade lhe eonvént, O
que priori7.e ampliar as habilidades do aluno como suieilo aprendizado sistemåtico da lingtla terå mais proveito
interloctlioy; que ouve, eseyeve e Ié textos, prevé obje- se o professor partir daqtdilo que o aluno sabe ain-
tivos amplos. flexfveis, relevantes e consistentest cle fala, da. Essas necessidades säo detectadas quando se con-
escuta, escrita e leitura de textos- Objetivos que contem- fronta o que ele jå sabe com aquilo que ele ainda precisa
plem o exercicio da lingtlagem como um todo, interna- aprendey; a fim de se cornunicar adequadamente, Em
mente e em harmonia com os contextos sociais em que geral, as instruqöcs que introduzem os exercicios säo
acontecem. Atividades que envolvem operagöes globais omissas quanto å explicitude de seus objetivos. O aluno
cornspondem ao que as pesquisas em psicolingüistica é levado a cumprir tarefas sem que se fava maior refe-
compn•varam como sendo as mais relevantesr uma vez réncia ao que tais larefas podem acrescentar ao que ele
que a percepqäo, em qualquer nivel, nao se realiza por precisa saber para atender as exigencias sociais da fala
pedago, mas aos blocos, em unidades integradas.
e da escrita adequadas„

Quanto å melodologiar o estudo da linguae segun-


3.2. Objetivos c atividades do a concepgäo admitida aquif seria centrado em ativi-
Em vårios momentos da presente zeflexäo, tenho
Como dissena Introducäo, tenho consci0ncia de que fui
exlmssado o que constitui a meta, a finalidade, o ahjetivo
insistente em a certos pontosr a cerlas pmpostas. Essa
lållimo do ensino do portugués.' n. anapliaeäo da compelén reconéneia foi poposital, foi diddtica mesmo, para nao deixar na
cia comunicativa do aluno para falar, ottviij ler e escrever sombra idéias ou posig•öes que considero de grande illiportåneia:
textos fluentes» adequados e socialnaente relevantes. Tenho para toear, cle fato, os professones e incitå-los ås mudanges.

122 IRAKtiÉ O OBJETO Exsi_xo DE 123


dudes, em produeöes (nao no sentido mecånico dc fazer muitas såo as variedades de lingua que usamos, Lodas
para "encher o tempo"/ ou para cumprir a praxe do com suas normas.e SO que esse estudo deve ser feito
dever", simplesmente), Tais atividades de produvåo numa perspectiva eminentemente interacional, o que

Leriam a fungäo de promover (näo de "Ireind12Y) no alu-


significa dizer na dimensäo de se perceber como as

no a pråliea da comunicaqåo verbal fluenter adequada categorias e regras gramaticais, na verdade, funcionam

e relevante, e o contefido dessas atividades. repito, gi-


na construgäo dos textos, orais ou escritos, curtos ou
raria em torno das habilidades de falar, ouvir, ler e
longos. A partir desse nficleo, é que as atividades deve-
riatn ser criadas, propostas e avaliadas.
escrevcr texLos, na discriminagåo que fiz atråsr As im-
plicaqöes pedagögicas apontadas no capitulo anterior 'Em
muitos encontros com professores de portu-
contém, implicitamente, muitas sugestöes para a reali- gués, percebo uma confusäo ern termos do que seria
zagåo destas alividades e producöes. Basta o professor realmente essa "gramåtica", Confunde-se o estudo da
explorar sua pr6pria capacidade de pensar, de criar, de nomenclatura, das classificaqöes, da anålise morf016gica
inventar para ver como as oporturlidades surgem. ou sintåtica com gramåtica, Tais coisas såo apenas uma
parte da gramåtica, aquela que corresponde ao que ela
O livro didåtico e a sobrecarga de trabalho em
tem de mais eståvel, pois apenas constitui a designaqåo
sala de aula deixaram o professor sem oportunidade de
de suas unidadesr A gramåtica supöe um conjunto de
eriar Seu cursoi Nada linha que ser invenlado„ Tudo
regras,de normas que especificam o uso, o funciona-
estava If. O que se pretende agora é difelentev Mesmo
mento da linguae Saber, por exempla, que o pronome
com o livro didåtico (que estå bem melhorr diga-se de
pode ser åtono out Lönico, reto ou obliquoj nao é "re-
passagem), se pretende um professor que lé (tudo!), graJJde gramåtica; agora, saber como o pronome deve
que pesquisa, que observa a lingua aeonteeendo, ser usado para retomar uma referéncia feita anterior-
passado e agora, em setl pafs, em sua regiäot em sua mente em um texto, por exemplo, é uma regrar Saber
cidade, em sua escolar e que sabe criar suas oportuni- que um MAS é uma conjungåo coordenativa adversativa
dades de analisar e dc estudar os fatos lingii(stieos que näo é saber uma "regra'i de grarnåtica; regra de gramå-
pesquisou. (Observe-se que eu escrevi "fatos lingüfsti- Lica é saber como Lisar o MAS no texto, para sinalizar
cos'* e näoj simplesmente, "gramåtica".) uma oposigäo entre dois segmentos e obter- assim um
efeiLo especifico. Saber que FINALMENTE é um advérbio
Em queståo da gramålica, especifica-
relagäo
menLe, venho salicntando a legitimidadc de sua insel= de modo num enunciado como: Pedro finalmeti&e
f

[oi contratado, ainda näo é saber o uso da lingua- É


väo natural no Lext0* objeto de escudo. De fato, näo
exisle texto sem granuiiiea. Praticar o uso de textos, como preciso que se saiba o que ficou "dito"J ernbora nao-

estudar o texto, inevitavclmente, praticar e estudar a explicito, pelo uso desse FINALMENTE, ou seja, que jå se

gramåtica. Ou, melhor clizendot "as gramåticas"r como esperava hå um tempo por essa de Pedro.
define Bagno (2000: 159), uma vez quet na verdade, Como nesse caso, a cornpreensäo dos enunciados em

124 | AULA PORTUGCÉS A-vrUNEs


REPENSASDO O OBJETO DE DE 125
que aparecem advérbios exige que se saiba para onde indicat- a que enlidades estamos nos referirldo,
remeté-los: se para o verbo (Como em Pedro finaliiiente
nullia situaqåo particular de interagäo e éJ por
foi contratado) se para o enunciado como um todo (o
isso,enormemente importante para garantir a
que acontece em Filialmenle, Pedro foi contratado). Pade- clareza referencial do texto. Vale a pena lem-
se vert mais uma vex, que é muito pouco ficar na iden-
brar que, muitas vezes, a Calta de clareza do
ti[icagåoda classe gramatical da palavra- NIuito sera
texto resulta da inabilidade das pessoas para
chegar is regras que cspecificarn seu
selecionar adequadamente as expressöes
Tenho quase a certeza de que é essa gramåtica referenciais, ou seja, as expressöes com as quais
dos nomes» das classificagöes, da anålise morfolågica» elas se referem a uma determinada coisa ou
da anålise sintåtica que professores, alunos e pais vi- pessoa„ As coisas tém um nome e säo referidas
vem pedindo. É essa gramåtica que eles julgam ser a nos textos por esses nomes. Indicar adequada-
gramåtica da lingua, Nem eles mesmos sabem distin- mente, para o nosso interlocutor, as coisas ou
guir o que ét e o que parece scr. mas näo é gramåticav pessoas a que estamos nos referindo é uma das
Dentro dos limites deste trabalho, poderiamos condigöes da clareza e da coeréncia dos textos.
indicart como Obieto de a(ividades e, assim, como objeto Nesse contexto, é que o Uso dos nomes pr6prios
de estudo, algumas questöes gramaticais de relevåncia recobra sua inteira Na maioria das
para a compreensåo do funcionamento da lingua em vezes, esses nomes aparecem apenas para dizer
textos. Vejamos, por exernplo, e muito sumariamente, que eles Silo escritos com letras mait'tsculasr

algumas dessas questöes gramalicais, na perspectiva da • O uso dos adietivos ou das loeucöes adieiivas
producäo e da compreensäo textuais„ Evidentemente,
Nesse åmbjto, deve-se levar em conta a funqäo
näo podemos esgotar nenhltma dessas questöes aquiv
dos adjetivos näo apenas para "dar qualidade
Cada uma delas daria um livro. Varnos apenas selecio-
aos nomes", mas sobretudo para especificar ou
nar alguns de seus aspectos mais relevantes e que po-
para restringir o alcance da referéncia reila pelas
dem ser objeto de anålise ern textos.
expressöes nominais- Os adjetivos cumprem no
e O uso dos subsläi*tivos — Nesse åmbiLo» deve texto essa fungäo de delimiLar a de
se levar conta, sobretudo, a fungäo especificå-la, de situå-la, de enquadrå-la numa
referencial dos substantivosr ou seja, a fungäo determinada perspectiva. Desse modo, rellelem
que os substanlivos desemperlhamr na ativida- a forma ou a dimensäo de comp as coisas estäo
de do enunciador de referir-se a pessoas e coi- sendo referidas c muito contribuem para sino-
sas do sea universo de rerelénüu ao longo do lizar em favor da identificaqäo pretendida para
percurso do texto. Nesse sentido, o uso adequa- essas referéncias. Quando digo "a mulher
do dos substantivos é de extrema relevåncia para derma", restrinjo o alcance da rcferéncia feita a

126 nE PORTUGrÉS
IRANDÉ ANTL'NES O OEJETO 1iE DE 127
"mulher" com o uso do adjetivo "moderna". Nao
diante, O professor poderia continuar com os
falo agorade qualquer mulher, mas apenas da
alunos a anålise da predicaqäo nesses termos,
*mulher moderna". Se digo: "A mulher moder-
observando os usos dos verbos na linguagem
na brasileira", restringi ainda mais e assim por
cotidiana, sem aquela preocupagäo classificato-
dianle. O importante é que se chegue a identi-
ria tradicional do verbo como transitivo, intran-
ficar os efeitos alcancados com o acréscimo de
sitivo etc coisas que, ås vezes, se faz sem
urn adjetivo ou de uma locugäo adjetiva e se
atencler propriamente å natureza semantica do
alcance assim a clareza requerida para o texto.
verbo, Nao esquegamos que, antes de Ludo, te-
Também vale aqui o cuidado para descobrir usos
menos comuns dos adjetivos, ou descobrir jo- mos que privilegiar o sentidot a compreensäo
gos que se pode razer com eles, coma apareceu
do que se faz com a

em urn antincio publicitårio, a prop6sito de um O verbo é o nucleo do enunciado, e dele depende


carro popular nacional: "Chegou o pequeno gran- a escolha das outras unidades que våo aparecer sua
de carro Os efeitos de sentido cria-
brnsileiroij„ direila ou sua esquerda e até o Cato de que näo vai
dos ai pelo jogo na colocagäo dos adjetjvos aparecer unidade nenhuma (como em "choveui'). Nao
podem proporcionar 6tjmos comentårios e sUs- apenas falamos das coisas (ou seja, nao apenas referi-

citar o interesse dos alunos por perceber, ern n;os), mast falamos delas para dizer sobre elas algo (OLI

outros textos, essas curiosidades a que a lingua- seja,para prediear) e, assim, podermos ser inteligfveisy
gem se presta.
Daf por que Leria muito sentido um estudo das verbos
• O uso dos verbos Nesse åmbito, devem-sc que privilegiasse scu valor semantico. Por
levar em conta. sobretudo, as fungöes sintåtico- verbos da covnunicagäo verbal, como mZER,
PERGUNTAR, RESPONDER, JUSTIFICAR etc.; verbos
semånticas do verbo, corno selecionador dos
elementos que constituem o enunciado. Um da aiividade psicolöguca, como PENSAR, REFLETIR, DESCO-
BRIR, CONCLUIR, RECORDAR, ES-
verbo como OFERECER, por exernplot requer trés
OUECER etc.; verbos da percepgäo, como VERT OLIIAR, ESCU-
elemenlos: aquele que ofcrece; a coisa que é
TAR, OUVIR, SENTIR etc.; verbos que exprimewn
oferecicla; e o outro a quem se oferece o que
nao quer dizer que, em certos contcxtos, alguns naovimento, como VIR, SAIA, CHEGAk*
CORRER, DESCER* SUBIRJ SALTAR etc.; verbos
desses elementos nåo possam estar implicitos.
IJm verbo como 110RAR requer dois elementos: que expriynem loealizacåor como MORAR* kES101R, FICAR,

quern mora e onde mora. verbo como co- VIVER etc; verbos que exprimern muclan€a de estado, como
TORNÅR-SE* VIRÅR etc. e muitos outros grupos que pode-
MUNICAR requer Lrés elementos: quem comunica,
o que cornunica e a quem o faz, (E assim por
riarn ser estudados em textos de diferentes generos. É
Claro que näo seria possfvel esgotar aqui as vårias clas
128 [ DE
ANTL'NES
o OBJETO DE ENS'.NO | 129
ses semånticas de verbos e todos os seus desdobramen- reto émuito pouco, é pouqujssimoe O que é
tos na selegäo das palavras para compor as oraqöes cle comunicativamente relevante é conhecer as re-
urn texto. O que quero deixar Claro é que clevemos alar- gularidades de uso dos pronomes no texto, para
gar nossas opsöes de estudo do verbo e de SLtas fungöes que se possa assegurav a clareza, a precisäo
sintätico-semånticas*,Normalmente, pouco mais Taze- referencial. a interpreta€äo coerente, Exercicios
mos além de percorrer seus paradigmas dc conjugacåo para identificar os termos substitufdos pelos
ou suas possibilidades de complementagåo, atendendo pronornes. bem como outros de identificacäo
puramente a critérios sintåticos. Se pelos substantivos dessas retomadas. para se estabelecer as cadeias
se expressam "as coisas de que se fala", pela predicagäo referenciais de um texto seriam uma forma de
se expressa que deles se diat completando-ser assim. explicitar, para o aluno, os mecanismos intuiti
o esquema båsico dos enunciados coerentes. A rungäo vos da construgäo de textos coesos e, por essa
dos verbos vair pois, muito além das regras de concor- via, coerentesy EventL1almente, poderiam ser
dåncia com o muito mais do que
sujeito e expressa analisados também os efeitos negativos do uso
indicam suas flexöes de ntfimero e pessom inadequado dos pronomes para a compreensäo
O uso dos pronomes pessoais, possessivos e de-
do texto„ Os casas de ambigüidade referencial
ynonstrativos Nesse åmbito, vale ler em con- clariam muitas oportunidades de anålise; por

ta a fungäo referenciadora dos pronomes, tal


exempla, os casas em que llå mais de um refe

como acontece com os substantivos. Vale a pena rente para um ELE no texto, de propösito (como

também percebé-los como recurso das reloma- nos chistes) ou nåo.

das coesivas (das voltas que se laz a segmentos E por em


pronomes, poderiamos trazer
falar
anteriorcs do LexLot por exemplo, as chamadas tona a velha discussäo de suas regras de colocaqåo,
considcrando-se„ ainda, as condigöes entre elas 4'näo comegar periodo com
prononme
textuais e contextuais que tais retomadas re- obliquo". É preciso conhecer bem o portugues de Por-
querem, a fim cle que as feitas no tugal para saber que essa regra se aplica exatamente, e
texto näo fiquem ambiguas ou imprecisas. apenas, ao portugtlés europeue No Brasil, o casa geral
Muitas säo as atividades que podem ser feitas näo é a énclisej corTIO diz a gramåtica, mas a pr6clise,
na exploragäo das condigöes de uso dos prono- como diz qualqucr brasileit-o; e ai pode acontecer de o
mes no percurso do texto. Saber que um pronome vir no comeqo do periodo. A propösito dessa
por exempla, é um pronome pessoal do caso questäo, vale lembrar urn ouldoor ques em 2001, cinctl-
lou em algumas cidades do pafs. Trazia uma mensagern

Sugi10 para esse a leitura cle Horba (1 996), que propoe de prevenqäo do cancer de mama, em que aparecia
exatamente uma grmtlåliea de valéneias para o portugués, uma mulher apalpando-se e, logo abaixo, os dizeres:

130 1 POKYUCX•És ASTI"CES 0 OBJF.TO DE DE PORTUGL'tS 131


Se toque. A cura do cancer pode estar mas"» "coma", "conformet', "acima de tudo", "a
em suas mäos, princfpio" "ern seguida", "ao mesmo tempo",
"além disso", "ainda mais", igualmente", "se
Numa discussåo com houve quem
professores, bem que", "por outro laclo' "pelo contrårio"
achasse que "desse jeito nao adianta dar aulas sobre "dessa "daft', "pela mesma razäoiii "sob
colocagäo pronominal, pois vém os textos publicitårios o mesmo ponto de vista"* "por certo sem dii-

e poem tudo abaixo." Nao é assim que se deve ver esse Vida", "como resultado"j quer dizev", Ilde pro-
Cato. É preciso analisar com os alunos, em primeiro p6sito", "em sintese", entre muitas, muitas ou-
lugar, o que levantei acima, ou seja, as normas préprjas tras [para a ampliagäo desta série, consulte-se
do falar do portugués do Brasil- Em seguida» identifi- Garcia (1977: 262-268)] — Nesse åmbito, vale a
car e analisar a finalidade desse texto, a pretensäo que pena focalizar essas e tantas outras expressöes
ele tem de atingir o maior nfimero possfvel de pessoas que marcam o encadeamento entre partes do
e, portantoy a forga persuasiva que deve revelar para sejam oraqöes, periodost parågrafos, que
textor
causar a adesäo desejada, Por issof recorre a uma lin- expressam algum tipo de vela€åo semantica
guagem mais proxima dos padl'öes dessa maioria e um entre essas partes de texto„ Tais relagöes podem
legistro também mais pröximo«lo informal. O profes- ser de causa, de tempo, de condigäa, de oposi-
sor poderia, ainda, analisar o efeito pouco interessante de adiqåor entre outras, e väo sinalizando
que seria dizer: "Toque-sea y." Evident.cmente, dessa a direqåo que se pretende dar para o que se diz.
maneira, o texto näo teria a mesma forgat pais percleria O reconhecimento dessas relagöes e de sua fun-
esse cat-åter de identidade com a nossa maneiva mais qåo (lögicaj argumentativa, discursiva) no texto
pr6pria de falar, em situaqöes informais do dia-a-dia. constitui um saber da mais alta relevancia para
Pronomes å parte, o professor pocleria também explo- administrar as possibilidades de organizagäo do
i!

rar a duplicidade de sentido do enunciado, que tanto textoy Sao elementos sinalizadores — pistas
pode ser interpretado literalmente (se tocar = apalpar o para irmos encontranclo a direqäo argumentativa,
pr6prio corpo) como metaforicamente (se tocar = ficar inclusive, do texto. Esse saber seria bem mais fitil

atento). Como venho clizendoj basta abrir os olhos para que, simplesmenter saber dizer se a conjunqäo é
descobrir mLt1tos exemplares dc textos curtos ou coordenativa ou subordinativa ou sc a expæssäo
longos textos ern que os fatos de linguagem aconte- ou näo. (Infeli7.mente, jå se
é adjunto adverbial
cem; de linguagem, que nao é outra coisa, senäo "en- perdeu tempo dcmais com essas inulilidadesl E
contro e interaqäo. quem" se perdeu nesse tempo perdido?).

• O uso das conjuneöes, de expressöes relaeionais • Com o uso das preposißöes, a preocupagäo nao
ou de particulas de "embora" seria muito dilerentem Basta analisar o efeito de

132 AULA DE. PORTCGU€S TRANOÉ ANTUSES REPENSLNLIO O OBJETO OE ENSINO CMA AL.'T,A DE PORTCGVES 133
|
sua inserqåo ou de sua omissäo num enunciado c) por um tern-10 que expressa uma caracleriza-
para perceber o quanto elas pesam para a coe- qäo eventual C o gato" "o meu companhei-
réncia do que dizemos€ "Queixar-se den e quei- rd'; "o coiladinho");
xar-se nao sato a mesma coisar "Fazer de
d) por um termo que expn*ssa partonfmia ( ('o gato"
conta", "fazer em conta", "fazer sent conta" e
"seu focinho"),
"fazerpor conta" também näo significam o
mesmo. (Essa lista poderia ser aumentada enor-
sempre, é claro, na dependéneia dos contextos em que
memente, Os textos eståo ai para nos mostrar
essas seqüéncias säo construidasr POI' exemplo, ern um
os muitos casos, É so procurä-los, professores e
exercicio coletivo de produqäo de um genero qualquer
de texto, o professory depois de escrever a versåo origi-
alunos.) Otr seja, as preposiqöes sinalizam rela-
nal das alunos, poderia orientar essa operagåo de subs-
goes semånticas muito diferentes e tom assim
uso de palavras ou descriqöes sinönimas,
tituigäo, pelo
Mm enorme peso no sentido do que dizemosw
hiperOnimast metonfmicas, ou metaf6ricas que lhes
Significa muito pouco apenas saber quais säo
sejam equivalenles. Os textos säo excelente material para
elas e que se dividem em "essenciais" e "aciden-
anålise desses usos. Gosto de lembrar que, nos ma-
tais". ÉI como no r6tulo da garrafa,
digo, ficar
nuais didåticos, o mais comum såo os exercfcios com
no lado de fora do Pecipiente e näo se deixar
sinönimos. No entanto, a observagäo de textos me tem
embriagar pelo seu conteüdo. Aliås, a escola
feitover que prevalece a substituiqäo de palavras por
tem Sido mestra nisso: tapcia-nos com os rotu-
sews hiperOnimos. Qualquer texto um pouco mais ex-
10s que tém as coisas da linguagem e nos priva
tenso, muito provavelmente, traz um ou mais hiperö-
de saborear Seu gosto e provar de Seu fascfnio.
nimos, no entantoj såo muito escassas as referéncias

.1
A ampliaqäo do vocabtllåri0* ena Stit1S relaqöes de ao uso desse recurso na continuidade do Lexto, SO para
siJtouimia, de hiperoiiimia, de anton/mio, de dar urn exempla, vejamos um trechinho de uma repor-
hontönfrnia, de partonüni&t — Nesse åmbito, deve- tagem ern que se comentava a praticidade do air-bag:
se ler em conla, sobretL1do, além do "sentido" que Gravas a Deus eu nao experimentel a forca do air-bag,
as palavras expressam, o papel que a scabstituiqäo pois nunca rui vitima de urn acidentev Mas sou total
cle Ctrna palavra por outra desempenha na cons- mente a favor do equipmnento, Jarnais soube de casos
trugåo da continuidade do texto. A cadeia em que pessoas que dirigiam um carrocom esse dis-
IQTe1-enciaI do lexto, por exemplo, vai se constill- positivo tiveram um ferimento•rnais grave. Na cornpra

indo nas retomadas lexicais, dc uma palavra: de um autom6vel. o brasileiro deve levar ern conta os
diversos paråmetros de seguranqat e näo sornentc a
a) por seu sinönimo ("o gatof* "'o
disponibilidade do air-bag, Este filtimo item, sozinho,

b) por seu hiperönimo ("o gato" "o animal"); näo pode ser considevado o "salvador da påLria"

134 ACLA PORTUC;vÉs ANTCXES O OBJETO DE ENStNO PORTCGL'A.SI 135


Vemas que s6 nesse Irechinho aconteceram tres
qual o texto se desenvolvc. Também seria ülil que o
substituiqöes do nome airbag por um hiperönimo. De
professor explorasse com os alunos os processos de
tanto 0 professor se restringir troca da palavra por
criaqäo de novas palavras e identificasset nos diferentes
um setl sinånimo (um campo bastante problemåtico),
contextos sociais, o aparecimento dessas palavras, opor-
o aluno nem pervebe que existem outros recursos de
lunidade em que seria fitil Lambém a reflexåo sobre a
substituigäo das palavras em um texto. Säo palavras e
natureza "viva" das linguas, as quais constantemente se
expressöes clifevenLes, mas que remetem para o mesmo
jenovarn também pela inclusäo de nova.s palavras, Nesse
meferente, ou seja, apesar de diferentes, referem-se ao
mesmo contexto, vale lernbrar ainda a conveniéncia de
mesmo objeto ou mesma pessoa, Da mesma
promover debates sobre a questäo täo atual dos em
uma historinha pode comeGar Calando de "urna onqa"
préstimos lingüisticos (a famigerada polémica dos
que. mais adiante, é retomada em "o animal", "a [era"
estrangeirismos), sem deixar de discutir o que eles sig-
(e, dependendo do contexto. em "a coitada"r "a pobre- nificam do ponto de vista das relaqöes interculturais*.
zinha" etc.) Como disse, em todo texto urn pouquinho
mais extenso, acontecem essas retomadas, O que se ÖLimas atividades também poderiam acontecer em
pretende é que o aluno descubra a funcåo que essas torna da questäo da polissemia das palavras, com ex-
plovagäo, é claro, das Yitetå/orns e da metonimia. Os
substituicöes lexicais desempenham na construgäo da
continuidade do texto. Näo é demais insistir na improdu- textos publicitårios sobretudo (sem falar nos textos
tividade de estudar, de forma inteiramente descontextua- poéticos$ é clmo) trazem exemplos valiosos desses "desli•

lizada, lislas de sinönimos e de antÖnimos. Nesse ambito zamenlos" de sentido, coisa que todos nos fazemos e
do leocabulårio, seria produtivo ainda exercitar a identi-
que a nem semprer tem o cuidado de incentivatt
escola,

ficacåo de palavras semanticamente associadas (como fes A preocupaqäo com a lingua certitlha, "bem-comporta-
da escola inibe a criatividade necessåria para "di-
taj cavnaval, blocoj samba» ritmo$ bateria, alaj fantasia,
componentes, desfile, figurante, enreclo etc.), um princf-
para fugir daquela forma que todo mun-
zer'* cliferente,

pio constitutivo da textualidade e que mullo contribui


do usa. Nesse mesmo contexto, podevia lcmbrar o usa
para a coesäo e a coeréncia do textog. das palavras homönimast quc muilo se prestam a pro-
positados efeitos de senLidor principalmente åqueles
Seria de muita relevåncia também identificar as
ligados ambigüidadej aos chistes, aos trocadilhos, täo
palavras-chave de um
ou seja, aquelas que corres-
texto, apreciados até mesmo em situacöes formaisw Recente-
pondem semanticamenle ao t6pico central em torno do menter alguém falando das divergéncias internas do
Partido dos Trabalhadores dizia que iiONartido nunca
Acerca de todas essas questöcs, vale muito a pena constiltar
(e usar em aula!) os livros de Rodolfo Ilari: Inlrodueäo 00 léxico e 4

/nlrodueäo seynäu!id'fd (ver bibliografia).


Ver, a prop6sit0$ o livro Organizado por C, A, Faraco,
Estrnngeiris»nos: guerras em tornn do lingua (citado na bibliografiaL

136
IF.Ä.xoÉ ANUSES
0 0BJLT0 OR E.v'SlS'O DE OE | 137
estevc tåo particlo!". E Millör, ern suas muitas observa•
"Medicina: uma paixäo sem remédio"
goes criativas, diz que "Bern-aventurados os filhos dos (odesivo indicativo de que o dono do cano é estudan•

ricos,' porque eles herdaräo o reino dos seus". Ditos


{e cle medicina)-
corno este nao poderiam deixar de ser objeto de anåli.
se, e o professor näo poderia deixar de estimular os Nesse caso, é de se observar, em primeiro lugary a
associaqåo semantica entre ffmedicina" e "remédio", Em
alunos para documentå-los e para produzi-los.
seguidat o mais relevante„ que é o jogo que se faz com
Sé para efeito de ilustragäo, trago uma pequena as expressöes "medicinatt e "sem remédio", uma combi-
amostra desses textosy que se impOem exalamente pela
nagåo que, fora do jogo metaf6rico, pareceria uma
criatividade na exploragäo daqueles deslizamentos de contradiqäo inaceitåvelv Essa contradiqäo é desfeita no
sentido, seja pela polissemia, seja pela homonfmia ou lexto. exatamente, porque a expressao "sem remédio"
pelar metonimia. Näo importa- O que importa é que, nesse contexto, significa "sem cura"e Ou seja, näo hå outra
com esses recursosr o autor plT)duz um efeilo agradåvel opqäo para aqueles que querem a medicina. Säo jogos de
de novidade, de interesse, de convencimento, Observe- sentido, uma espécie de "brincadeira" com as possibilida-
mos os exemplares que seguem» copiadosy geralmente, des cle "deslizamento do significado" das palavrasr o que
de rcvistas, de outdoors ou ate de adesivos presos aos muilo mais relevante, sem dftüla, que a exploraqäo
vidros dos carros, aos quais fago pequenos comentå- apenas morfossintåtica de seus elementos
rios, que podem inspirar outras anålises dos professo-
res e alunos. Varnos lå!
*Tem pai que mäe'
(outdoor de pyopagailda, que circulou no Recife
"A Fiori é coisa de cinema em 2002* por ocosicio do clia dos pais).
fadesivo de propaganda),
Interpretada literalmentey a afirmagåo seria ab-

Esse texto sc) pode ser interpretado se soubermos surclav No entanto, a equivaléncia explorada ai é de

o significado metaförico que comumente se empresta outra ordem: lem pai que revela a mesma solicitude e

expressäo "coisa de cinema", entendida, cntåo, como o mesmo carinho que a mäe o que nåo deixa de ser

"coisa muito boa", "para além cla realiclade", digna,


também uma alusåo elogiosa rnäe on, quem sabe,

portanto, de registro ou da apreciagäo estética. Desse


uma remola alusäo crenqa preconccituosa de que
amor, cavinho, dedicagäo é coisa mais tipica de mu-
pontor o professor poderia passar para o sentido de
lheri'. De qualquer forma, o texto merece ser analisado,
uma outra expressäo bem comum, "coisa de novela"
deste e de muitos outros pontos de vista. Lernbro ape-
para significar "enredo ou situagäo de Vida com muitas
nas o uso do verbo "Left neste contexto, no lugar de '*ha-
e imprevisiveis

REPLNS,'LXDO O oa.1ETO DE ENStSO UMA AULA PORTUGUES | 139


138 | OE PORTI,'GCÉ-S ANTCVES
Outra vez, estå envolvido aqui o conhccirnento
ver", o que caracteriza muito bem uma variante do por-
prévio da experiencia e näo apenas o conhecimento
tugués brasileirow Reiterando outros comentårios, chamo dos significados das palavras que compöem o trecho.
a atencäo para a nnultiplicidade de elementos que o pro.
Ou seja, pela expressäo, o presidente quis dimer que
fessorpode explorar junto com o alunoe Como disse, se näo hå solugöes mågicas, como aquelas de que se set"
fizermos isso, näo haverå tempo para as irrelevåncias
vem os ilusionistas, para causar impacto nos especia-
gramatlcais. que consomem tanto tempo de aula. doves, quando väo tirando coisas da cartola até a sur-
presa maior: o coelho, o tatalmente inesperado, o qua-
"Dé folga a Seu anio da guarda se absurdo. Esses jogos de sentidot täo comuns enl

(anüncio de uma empresa de seguratjca de valores.) nossas interacöes diårias, possibilitam uma visao dos
usos da lingua, que se presta a essas analogiasj confe-
Nesse caso, merece uma primeira exploracäo a rindo ao texto uma imprevisibilidade interpretativa
alusäo ao personagem flanjo da guarda", personagem maior e, conseqüentemente., elevando seu grau cle
que remonta crenqa cristä de que todos n6s dispomos informalividade. Coisas relevantes, afinal!
de um "anjo" que nos acornpanha, que nos vigia, dia e
noite, e nos protege de todos os perigos. "Dar folga"
que é uma expressäo bem cornurrl nossa experiéncia i 'Inscreva-se na UPE um
de Irabalhadores — implica dispensar essa täo garanti- curso a sua Vida
da proteqäo, uma vez que contamos com a vigilåncia Itexto de propaganda do vestibular cla Universidtule de
da empresa de seguranga, que larå as mesmas vezes do
anjo da Como se pocle ver. existe no anfinc.10 0 Pernambuco, 2001).

propåsito de enallecer a empresa* atribuindo-lhe pode-


res que estäo mesmo acima das possibilidades huma- Aqui, a palavra-chave que instaura o jogo é "cur-

nas. No [undo, o comercial pretende que se perceba a PrimeiramenLe, vale notar a oportuna contextualiza-
empresa corn poderes sagrados, capaz dc mereccr in- gäo dessa palavra, caindo em cheio no åmbito seman-
condicional confianca. Nao se pode deixar de reconhe- lico do universo da instituigåo escolar, sinalizado pelo
cer ainda o teor de intertextualidade desse texto» pois verbo inscreva-se" e pela sigla UPE Em segundo,
sem o conhecimento prévio da figura do anjo da guar- a duplicidade de interpretaqäo possivel parat "clar um
da näo é possfvel interpretå-lo adequadamente. cut-so a",no sentido de poder freqüentar um curso na
tJPE, e "dar um curso at no sentido de "enconlrar um

i'Näo temos nenhum coelho rumo, uma diresåo para a vida", Nessa segunda interpre-
vale notar que o sentido estå em toda a expressäo
a tirar da cartola"
"dar um curso a" e, nao, simplestnerlte na palavl%l "cur-
(titcho de decluraeäo do presidente do Banco Cen.-
Desse texto, o professor poderia ir, com os alunos,
Irat em 2002, falando dn crise economica do pafs„).

O OTULTO PORTUGUES 1 141


140 ACLA DE. PoærüGcÉs AAT'1JNF.s
levanlando outras alteraqöes de sentido provocadas pela Obserte-set nesse caso, a originalidade do jogo que
polissemia das palavras. Ou seja, por essa linha de roi feito com a palavra *'internet", um neologismo da clas-

anålise, nao falta o que fazer em sala de aula. se dos nomes, e um possfvel verbo "internetar", gracas
aproximaqäo formal entre as cluas palawas. Veja-se, por
exemplo, as formas promete-me", corn base
'No Brasil apenas 1% tem.
ern que se pode admitir a criaqäo do "intemete-rne".
Os restantes 99% tém que"
Näo é fantåstico descobrir esses jogos que se fa-
(Millör
zem com a linguagem? Deles estäo cheios os jornais, as
revistas, os ditos populares, os chistes. Basta procurå-
O jogo a Ser ressaltado aqui decorre dos diferen-
10s, Os que nesta seqåo analisei foram todos textos
tes sentidos de "ter" e de Oter que", uma exploraqåo in-
curtinhost o que nao quer dizer que os textos maiores
II
teressante a ser Teita com o levantamento de muitas
também nao se prestem a anålises. É evidente que sim.
outras ocorvéncias em outros contextos. Mas se
Outra vex eu digo: basta procurå-los, Nåo é necessårio
pode deixar de notar a propositada omissäo do comple-
que o professor invente Crases para provocar o apareci-
mento do verbo "ter", recurso com o qual o autor, além mento dos fenömenos lingüfsticos. Eles estäo ai, natu-
de elevar o grau de imprevisibilidade do Lextoj lhe con-
ralmente, nos textos em circulagäo.
fere também urn tom meio satirico e contestador. Essa
omissäo é legitimada pela suposigåo do autor de que os
Bem diferentes das anålises sugeridas acima säo
outvas que o ensino do portugués tem condicionado com
leilores saberäo preencher essas lacunas dos comple-
i
sua pråtica de anålises tnorf016gicas e sintåticas, total-
mentos verbais„ Muito benu o autor jogou corn os sen-
mente desvinculadas do sentido e inteiramente irrelevantes
tidos diferentcs do verbo "ter" e com as legitjmas pres-
do ponto da vista da comunicacäo„ Se näo, vejamos unl
suposigöes dos leitores„ Saiu daquele "bom cortlporta-
exemplo, depois de obser'X*mos a charge a seguir:
mento lingüistico"t ludo certinho, tudo correto, mas
sem grac.a e sem sabor. (Hå contextos em que "o born No Lllltimo vestibular das universidades federais

comportamenlo lingiifstico" é adequado e pocle ler sa- cle Pernambuco, numa das questdes discutrsivas da pro-
bor. Vale a pena também mostrar que os contextos de va de portuguést era solicitado ao aluno que, "tamando
usa da Ifngua impöelll cssas variaqöes.) como base os senlidos da palavra teto" fizesse uma
anålise da charge A pretensäo dos examinado-
res era que os candidatos percebesscm o caråter
'hternete-me
polemi7.ad01* do lexto, implicado no contraste das duas
(disse poeta enjo nome desconhego situagöes reLraLadas e expresso no logo motivado pelos
recital opresentado Congresso. em 2001 L usos diferentes da palavra TETO. O Leor critico e denun-

142 | AULA CE PORTUGCÉS ANTUSES OBJETO Etei1NO DE ALTA PORTUGUÉS 143


de encontro c cle interacäo que constitui a esséncia da
O rero
linguagem, Escreveu o aluno:

i'No primeiro baläo teto é nucleo do suiei-


to€ Aincla no primeiro büiåo, uma orttgäo su-
bordinacla adjeiivn restriiiva. No segundo baläo
a palavra teto é subsiantivcn Ainda no segundo
baläo, oraqäo subordinada comple!il'tl
noni inn I
TETO?

E acrescentou:

49
"o teto solarial: objefo direto

pora: preposigio
Presidente Ministros e Parfamentaves: sujei/o

ciador do texto estava veladamente subjacenle, de for- Pai.' suieito

ma muito Sillil e aparentemente neuLra, como se näo o quet oriigo e preposifåo


pretendesse mais que retratar duas situaqöes aparente- É teta: abjeio dire/o. "
mente desconexas. A recorréncia da palavra TETO, nesse
Pelo que se pode very esse alunt) "saiu" totalmentc
contexto de pretense neutralidade$ parecia, apcnas, um
pormenor eventual. do åmbito do sentido, da cornunicacåo„ da interagäo;
ou melhov, nem foi capaz de lå entrar para fa7.er qual-
Evidenlemente, muitos alunos, uns mais, outros
quer cålculo interpretativo. Enganchou-se, Como se cli7.i
memos, apxeenderam o jogo de sentido estabelecido e
pelos fios da nomenclatura, das classificaqOes e perdeu
I-econheceram essa forga denunciadora do texto. Näo a chance de realizar o encontro com as preLensöes do
[altaram, no entanto, anålises que, como se disse alrås,
autom E lem muita gente que pensa que fazer esse lipo
constituem verdadeiros indicios da perspectiva com que
dc anålise é eslL1dar gramåtica e é descnvolver no aluno
os falOs lingüisticos såo viscos nas aulas de portugués.
as competéncias cornunicativas necessårias interagäo
Trago aqui desscs exemplos, pela for-qa que ele pode
na maim-ia dos casos, é essa gra-
social. Infelizmente,
ter para nos demonstrar quanto é possfvel, pelo que
måtica que se defender que se apregoa como cantefido
fazemos em sala de aula, nos distanciarmos do caråter i
imprescindiveJ ås aulas de portugués.

144 OE PORTC'GUEs
ANTCNES RE?E.XSANLTO O OF: ACLA PORTLGL'ÉS 14S
É curioso obserear que os prolessores (e também ria que um outro rei entrava cm cena. Näo lenho
os pais dos alunos!) nao se interessam pelo estudo da certeza de que esse tipo de regularidade seja

"gramålica" e pelo estudo do vocabulårio na mesma explicitado em aulas de portugués.

medida, Quase nunca se vé uma leclamaqäo em tomo A coneordåncia verbal e nominal Nesse par- —
do pouco esforqo que se faz nas aulas de portugués ticular, deve-se ter em conta, antes de tudo, que
para que os alunos ampliem seu vocabulårio. ampliem as marcas da concordåncia podem funcionar
suas opgöes de dizer as coisas, saibam dizev o mesmo camo pistas para que se possa. com éxito, rela-
de outro jeito, A obsessäo pela gramåtica tem funciona- cionar unidades do texto e estabelecerj assim»
do como uma espécie cle *iviselra", que deixa pais e sua continuidade. Um trecho de um texto cujos
professores enxergarem apenas numa fmica diregäo, O verbos tém o mesmo sujeito e isso vem Sina-
que estå bem ali do lado ninguém vé. A gramåtica (mais Ilizado pelas desinéncias verbais — traz, entäo,
especificamentew a nomenclatura gramatical) é esse marcas morfossinlåticas de que se centra em
ponto central, ou seja, a finica ccjlsa que tem visibilida-
um mesmo töpico. As desinéncias dos nomes
de na escola.
(substantivos e adjetivos) såo também sinais que
• O uso dos artigos de/inidos e inde/inidos nos ajudam a relacionå-los e encontrar o senti-

esse proposito, merecem atengåo as implicacöes do pretendido pelo interlocutor (embora nem
que, no åmbito das referéncias feitasj o empre- sempre isso [uncione inequivocamente veja- —
go dos artigos tem no desenvolvimento clo tex- se a ambigüidade dessa manchete de um jornal
tor Nenhum alL1no duvida quanto ao uso de "Presos aeusados de roubar Ou ainda essa
ou a antes da palavra "menino", por exemplo outva: "É fåeil comprav arma roubada no Bra-
(e, como diz Possenti, 1997: 37: "O que jå é sil"). Out sejar a concordåncia nåo vale apenas
sabido näo precisa scr ensinado"). O que nem como da corregäo gramatical
indicio como
sempre os alunos sabem é como distribuir, ao se vé em geral, como indfcio de que use fala a
longo do texto, ova o definido, ora o indefinido norma culta". O mito do "falar certo", nos meios
até mesmo, quando omitir qualquer um dos sociais letraclas, esta comumente associado
clois e os efeitos que isso causa para a correla concordåncia, Qualquer corregåo de 'Lexto vai,

identificacäo das feitas no texto, Quan imediatamente, cm Cima desse ponLo. Esquecc-
do digot "Era unna vez que rnorava num se de que a concordåncia é, antes de tudo, uma
castelo muito distanle. IJtn diar o rei saiu das muitas que indicam ao interlocutor que
pista.s

uso do artigo clcfinido na segunda ocorréncia é relacöes estabelecer no texto, um procedimento

absolutamente requerido para se indicar que se indispensåvel para a atrjbuigäo de seu ser1Lido

trata do mesmo rei. O Ltso do indefinido implica patrial e global. Em surna, o que se pretende é

146 AULA DE PORTL.'GLGS O ENSINO ALTA IDE PORTCGCÉS 1 147


1
ANTI.'SES
que toda questäo gramatieal estudada tenha contextos onde säo bem comuns as variagöes de con-
aplicabilidade textual, tanto mais nas primeiras cordåncia e mostrar, como disse, que eles nao säo täo
séries da Vida escolar, nas quais é crucial que o aleatårios assim. Existe em cada contexto alguma coisa
aluno aprenda a gostarr a valorizar o estudo cla que provoca o Lal deslizamento, Ainda mais: toda e
sua lingua e em que é crucial, ainda, que ele se qualquer regra gramatical deve ser explorada com mulita
sinta capaz de faze-lo com sucesso, flexibilidade, tendo em vista que as norrnas lingüisticas

no åmbito da concordåncia verbal* poderia-


Aincla
podem mudar de acordo com a forga do LISO„ Nao nos
mos selecionav aqueles contextos em que mais facil- esqueqamos de que nos é que mandamos na lingua,

mente as pessoas tendem a näo fazer as devidas flexöes. como disse Luis Fernando Verfssjmo.
Por exernplo, o sujeito posposto ao verbo, como em Os sinais de ponfuagäo Nesse åmbito, é ne-
i "chegou o professor", deixa o sujeito em posiqäo de cessårio que o professor ajude o aluno a enten-
complemento e, ai, a tendéncia natural é nao se fazer der que os sinais de pontuaqäo såo isto mesmo
a concordånciat corno emt "Chegou os professores"; sinais — e, como tais, säo instruqöes que
"saiu as notas"; "como foi as férias?' e outros similares. auxiliam o leitor na busca do significad0J das
intenqöes e dos objetivos do texto e de cada
Outro contexto que também leva näo-concor-
dåncia acontece quando o sujeito é formado por um uma de suas parles. O interessante seria que a

nome mais uma expressäo plural r como ern: "A anåhse


ponLuagäo fosse vistat sempre, como uma coisa
relacionada ao scntidoy coevéncia do texto,
dos textos". Nesse caso, é muito freqüenle também ouvir
mesmo em contextos académicos (o que indica que
isto é, como um recurso que facilita a compreen-

os "errosJ nao säo täo aleat6rios assim) — "A anålise säo, Por isso é que esses sinais säo importantes.
E, como uns säo imprescindfveis
sinals, se-
dos Lextos demonstraram que„..".
nao o sentido fica comprometido -— outros såo
Merecem lambém, os casos em que o
atenqåo, facultativos, pois säo apenas enfåticos ou ex-
sujeito se distancia rntlilo do predicado e pelo meio pressam unl ponto de vista pessoal„ O certo é
ocorrem palavltts de nCtmero diferente daquele ern que que hå inümeras atividades que o professor pod
se enconLra o nficleo do sujeito, corno ern: "0 problema faver com os alunos em torno da ponluaq-äo.
dos principais investidores nacionais..." Nesse caso, rode, apenas para dar unl exemplor ir fazendo
também a tendéncia é que se diga problema dos alleraqöes na pantuaqäo de um texto (ou de urn
principais investidores nacionais foram... segmento) e analisar com os alunos os eleitos
Oualém de apresentar apenas aquelas nop-
seja, dc sentido que tais alteragåes provocariam.
mas da concordancia —
algumas bem POUCO frequen- Vejamos como se diz coisas diferentes enr. fiPou-
tes em nossas interagöes — seria bom ressaltar esses pem, meus amigos" e "Poupem meus amigos,"

ANTVNES O OE E.SSlt•o DE .XVLA PORTCC,UfS 149


148 ALTA
| PORTUGUES I
Enunciados como esses estäo å solta por af.
Basta prestar atengäcn E muitas outras coisas. O professor bem que
poderia listar com os alunos outros contextos para esse
Evidentemente, a ancilise lingiifstica de todos es- enunciado (e setlS diferentcs significados) bem como
ses pontos näo pode perder de vista os contex para outros enunciados. A anålise de Crases sollas,
tos em que a interaeäo aconlece. Para entender descontextualizadast nao favorece o reconhecimento
satisfatoriamente um
enunciado, näo basta que dessa dependéncia entre a linguagem e seus contextos
se entenda o sentido das palavras que apare- de uso. Muito menos se essa anålise ficar restrita ao
cem ou o valor semåntico das estruturas grama- reconhecimento da classe gramatical ou da fungao sin-
[icais usadas. O recurso ao contexto de uso desse tåLica da palavva.
enunciado é fundamental para que se cheglter
A ampliaqäo da perspectiva de anålise dos fatos
além do senticlo. interpretaqåo da inteneåo pre-
tendida. Aliås, a escola descuida dessa interpreta-
lingüfsticos precisa acontecer. É necessårio qtle o re-

qäo das ('interlgöes". no senlido, como


Fica apenas
curso pragmatica seja uma constante, para se pocler
apreender a lingua quet cle faf0J acontece, na imensa
se as coisas que dizemos nao carregassem, além
heterogeneidade de seus usos e de suas formasi. Nao é
de urn sentido, uma intenqäo, uma finalidade„

Por exemplo, quando alguém cliz.•


preciso inventar exemplost a realidade estå af, com a
lingua tal qual se usa. Desconcertante, as vexes; "bem
comportada", em mais informal,
outras; mais formal,
Tti chovendo.
aqui e alii enfirn, de todos os jeitos e com muitas caras,
sujeita å imprevisibilidader pois é a voz de Iodos, em
dependendo do contexto (e cla entomaqäo, é pocle-
toda parte.
se entender que esse alguém cslå querendo dizer quet
Ainda a de ilustragao, sugiro que "o
titulo fnzer't
• Nao terepnos seca este
da pujclugio de texto seja objeto de ensili0* o que signi-
• Nao poc/eillos soir agora. fica dizer que seja matéria de aula. OLI seja, discussöcs

Devemos Saiv fri; as runs cosiuynanz alagar. sobxe como "escrever unt lexio" näo podem ocorrer na
sala de aula apenas eventualmente, por acaso. Elas
• O clima tä ynuito botn pra dormir„
devern ser "o normal" da sala de aula, o esperado, cada
• Tem que Techar as ianelas, dim cada vez que se torna relevante.
• O transito vai piorap.

É pveciso pegar roupo que tå secando na corda. Sugi10 ainda a leitura de Suassuna .(1995), oportunidade
em que a autora defende uma abonlagem pragmatica da lingua*
É preciso ir busct"r o guarda-chuva, para que, outraS coisas, "'aluno e professor puclesserrt (flagrar'

• Vou tontar bonho de bica, a lingua em funcionamento, vendo•se ambos como sujeitos de sua
prflica histcirica e lingüistiea." {p. 147).
150 ACLA OF,
XXTUNES
O OBJETO AULA DE PORTUGUES 1 151
lhes do preenchimento do envelope. da fungäo do cop
guisa de ilustragåo, poderia sugerir o seguinte„' reio, do carteirot elementos quet sendo parte da Vida
o grupo cornecaria por decidir-se quanto ao genero em clos alunos, podem motivå-los, Muito mais, me parece,
que vai escrever (vale a pena diversificar ao rnåximo os do que receber, sem mais nem menos (como vi em um
generos a serem escritos, tal como aconlece no dia-a- liv•o didåtico) a proposta: "Narre um baile entre as
Um exemplo: a escrita poderia ser uma carta ao flores de um jardim". Näo pretendo, é 6bvio, com essa
plefeito da cidade, pedindo que providencie ilumina- observaqåor anular da pråtica da escrita dos alunos o
qäo adequada para a rua da escola, Seguia-se uma dis- recurso fantasia. O que eståem jogo no momento é
com anotagöes no quadro, sobre as partes que
cussäo, propor que se viva corn o aluno uma escrita suficiente-
tem uma cartas sobre como vai ser dividido e organiza- mente motivada, que seja resultado de um estado de
do o que vai ser dito e que caracterfslicas formais (as "querer dizer't o que se tem a dizer, Esse estado levarå
de tratamento, por exemplo) deve ter uma carta dirigida o aluno a pensar, criar, planejar, escrever, rever e refa-
a uma autoridade administrativa. Se o texto fosse pro- zer o textoy tal como a escrita madura prevé.
duzido coletivamentc, passava-se, depois, å sua revisäo.
Em conjunto, professor e alunos, e advertidos para a
fungäo do que iam realizar, reviam cada parte, discutindo
e decidindo a alternativa mais adequaclar a escolha mais
acertada das palavras, levando em conta o conjunto de
fatores situacionais envolvidos, inclusive o fato de os
emissores poderem ser crianqas ou adolescentes. A pr0-
pria realizagäo dossa atividade jå era jauma liqåo",

Nessas revisöes do texto, para a escolha da versäo


final, os alunos teriam a oportunidade de experimentar
o processo global da redagäo cuidada, pensaday da re-
dagäo funcionaly a qual supOe idas e vindas, cortes e
recortes, supressöesy permutast acréscimos e outros
tanlos ajustes. Teriam a oportunidade, inclusive, de
compreender por que os ajustes se fizeram necessårios.
Entäoy todas as reformulagöes, inclusive as gramati-
cais, seriam justificadas com base na estvutura da Ifn-

gua e nas convengöes sociais eslabelecidas para o gene-


ro particular do ato verbal em questäo. No final, e
dependendo do nivel da turma, pocleriam vir os deta-
REPEXSANDO O ENSINO DE | 153

152 | DE PORWGCÉS IRAN'DÉ ANTUNES


CAPiTULO QUATRO

Redimensionando
a avaliaqäo

Gerar infonnneöes pora identificar os pongos


critieos no processo de apreerdi:agem.
ELIZABETH MARccrscJ*1

No processo de ensino-aprendizagem escolar, o


ensino e a avaliaqäo se interdependem, Näo teria sen-
tido avaliar o que nao foi objeto de ensino, como näo
Ceria sentido também avaliar sem que os resultados dessa

avaliaqäo se refletissem nas préximas atuagöes de ensino.


Assim, um alimenta o outro — Ludo, é claro, em fungäo
dc se conseguir realizar o objetivo maJ01' que é desenvoL
ver compeléncias nos campos que elegemosm
Na roLina de nossas atividades escolares, o fio
dessa interdependéncia parece ter-se rompido e, desse
modo, avaliagäo e ensino nem sempre guardam essa
reciprocidade„ Com grandes pxejufzos para o ensinot
poisr erri muitas casos, a avaliagäo passou a ser uma
espécie de finalidade: aula é dada para preparar a

RED',MENSIOXAXBO A | 155
prova; o livro é lido porque "é pra nota"; a literatura é pelo modelo de aprendizagem escolar que estava lå
consultada porque "cai no vestibular", e assim por di- sutilmente embutidor inclusive o modelo de professor
ante. Estuda-se para... "uma prestaqäo de contas$'$ que lambém. O comercial constava da seguinte cena•€ um
pocle ser mensaly trimestral, anual, no final do ciclo etc. menino estå sentado, estudando; a campainha da casa
Dai ser o termo "cobrar't uma expressäo bem corrente toca e uma vot Iå de dentro diz que "deve ser a profes-
no discurso da escola, o que bem claramente denuncia sora$t do filho. De fatot o pai abre a porta, e entra a
esse lado mercadolögico do ensino. É mais do que professora que logo se dirige ao menino, perguntando se
Oportuno, poist perguntar•se sobrc os "descaminhos" ele "aprendeu direitinho a ligäo", conforme ela ensinou- O
da avaliaqäo e decidir por uma mudanqa de rumo, menino diz que simt e aj a professora comeqa a interrogå-
mudanvt que tem suas origens na revisäo de nossas 10, O menino vai respondendo ås perguntas, uma a uma,

concepqöes. Sim, porque muclar, seja o que for, lem sem hesitaqäo, com uma certeza dogmåtica de quem afasta
que comegar pela revisäo de nossos fundamentos qualqtler possibilidade de hesitaqäo, de dfivida ou de
conceituais. Se nå0i muda apenas o palavreado, muda questionamento. Tudo transparente, tudo posto, tudo
apenas a fachada„.. certo, acabado, lesolviclo, estabilizado.

Eu me perguntava sobre que concepØes de esco-

4.1. Em revista, a 16gica de nossas concepqöes Iai de aprendi7.agemt da intervencäo do professor pas-
sam (naturalmente) pelas pecas desse jogo, que de ino-
Se o ensino da lingua merece uma reorientagåo, cente näo tem nada- OLte concepcöes de avaliaqäo estäo
näo é quando se trata cla avaliagåo dos resulta- af implicaclas nesse pingue-pongue de perguntas e res-
dos desse mesmo ensino. Por muitas razöes, razöes dis- pastas? Onde é que estå o professor que Taz pensar, que
inclusive, o processo de avaliacåo escolar con- leva o aluno a perguntar, a contestar, a relacionar, a
veneu-se num instrumento de selegåo dos alunost ape- levantar hip6teses, a comentar, a acrescentar? Oue tipo
nas, conforme os graus (traduzidos numericamente) de de cidadäos estamos querendo fomvar com esse proce-
sews desempenhos. Com matéria e data marcadas, os dimento simplista da aceitagäo pacifica e mnemönica
"testes"t as "provas*' aconlecem, cxatamentc para isso: para do que a autoridade nos diz? Mesmo que digamos o
que que se prove; normalmentei com hon-
se tester para contrårio, essas encenaqöes, as reais e as ficLicias, fa-
rosas excegöest para que se prove o que ficou na memo- lam dc nossa visäo distorcida do que seja ensinar e do
via. Tudo dc acordo com a politica assumida na hora da que seja verificar ou avaliar se o aluna conseguiu assi-
aula "dada": "passa-se" uma informagäo que é "devolvi- milav o que lhe propomos.
da" no dia da prova, por vezes, literalmente devolvida.
Ou seja, falta rever nossas concepqöes de avalia-
Recenlemente, um camercial transmitjdo pelas a fim de desgrudå-las de uma finalidade putramen-
emissoras nacionais de televisäo me chamou a atengäo„ Le seleliva — quem passa, quem näo passa de ano — c
156 AULA OF. POUTCGLÉS ANTLINEs 1 1 37
instituir uma avaliaqåo em funcäo da aprendizagem. Em decorréncia do conjunto de principios apre-
Uma avaliagäo» portanto, que seja uma busca dos indi- sentados e das implicagöes que eles guardam, parece
cios,dos sinais da trajet6ria que o aluno percorreut o razoåvel admitir quet de saida, a avaliaqäo deve deixar
que, por outro lado, serve também de Sinal para o pro- os limites estreitos da met-a indicaqäo dos en-os, ou da
fessor de como ele tem que fazer e por onde tem que marcar a tran-
rneaa atribuigåo de notas, para fins de
continuan Na verdade, pela avaliagäo deveria ficar evi- sigäo dos alunos para as séries seguintes. Deve., na
dente para o professor que coisas ele ainda precisa tra- verdade, proporeionar ao aluno a consciéncia de seu
zer para a sala de aula como matéria de antilise, re/lexcio percurso, de seu desenvolvimento, na apreensåo
e estudo. O professor avalia o aluno para também, de gradativa das competéncias propostas. Deve indicar ao
certa forma, avaliar seu trabalho e projetar os jeitos de professor as hip6teses que os alunos tém acerca do uso
continuan Dai que a avaliagäo näo é apenas Itm evento falado e escrito da lingua, para que, quando necessåriop
no calendårio da escola, depois do qual
isolado, previsto elesreformulem essas hip6teses, sem a experiéncia
Ludo é retomado tal como estava pensado» sem que os amarga e desencorajadora de se sentirem incompeten-
resultados alcanqados sirvam de algutm suporte para tes, "em erro" e lingüisticamente diminuidos.
futuras decisöes. Felizmente, algumas escolas jå tém
descoberto novos parametros de avaliagäo ou seja, Nessa perspectiva, bom que o professor se apöie
é

uma avaliacåo a servico da regulaqäo das aprendiza- nos resultados apresentados pelos alunos, seja em leitura,
gens, como pvopöe Perrenoud (1999: 10) e a "Lorlura» seja em escrita, para decidir o que vai selecionar como

dos dias de prova tem dado lugar a muitas oportunida- pr0ximo objeto de esludo, para que näo fique ensinando
des para que o aluno se observe e reveja o que pade aquilo que os alunos jå sabetll ou deixe de ensinar aquilo

alcanqar em seu desenvolvimento e o que o impediu de que elcs precisam saber. Por exemplo, nenhum aluno tem
fazé-lo com major éxito. clåvida quanto ao genero gramatical de palavras como
"livro", flåpxs casa" etc. Daf o motivo pot* qute parece
Restringindo-se ås atividades de produqäo de tex-
perda de tempo estar exercitando os alunos no simples
tos, a avaliaqäo atual das producöes dos alunos näo
reconhecimento, pela anteposiqäo do am-tigot do genero
tem se afastado muito das prålicas tradicionais de des-
gramatical de palavras como estas.
Lacar (quase sempre em vermelho) os erros (que erros
se destacam?) cometidos, com o acréscimo da alterna- Convém ainda que o professor converta cada
tiva correta ao lad04 0 aluno, sem ser levado a pcnsar momento de avaliagäo num tempo de reflexäo, de pes
a inadequagåo de sua escolha ou o porqué da substitui- quisa, ou sejat de ensino e aprendizagem, de reorienta-
qäo apontada, recebe passivamente esta interferéncia Gäo do saber anteriormente adquirido. Sem o vango
do professor e parte para a proxima experiéncia, sem das atitudes puramente "corretivas", de "cava aos er-
ter ampliado sua pr6pria capacidade de avaliar o que ros", como se o professor Sö tivesse olhos para enxcr-
le, o que diz ou o que escrcvee gar "o que nåo estå certo"

15$ | OE POKtwc,L'És IRA-NOF. ANTCNES


Sempre que lhe parecer oportuno (e tomara que
acontecer gradualmente e quer para acontecer, precisa
parega muitas vezes!), o professor deve mostrar a flexi-
de sua intervenqäo, que é imensamente significativm
bilidade dos usos da lingua, deve mostrar que existem
diferentes maneiras de dimer (e de dizev bern!) a mesma É bom que o professor esteja atento também para
coisa; ainda que clentro do mesmo contexto ou, mais o Cato de que escolhas inadequadas ("erros". na li-

ainda, ern contextos diferentes. Essa flexibilidade des teratura escolar) que säo "normais" dentro da perspec
faria a idéia equivocada de que "sé existe Luna maneira tiva deste desenvolvimento ein processo ey par isso,

certa de dimer as coisas". Na verdade, a maneira certa poderll funcionar como indicios das elapas vivenciadas

de dizer as coisas depende da situagäo: depende de quem e podem ser pistas para a decisäo do que fazer nas
diz, a quem diz, ondc e para qué, proximas aulas.

Convém lembrar ainda que. neste trabalho de


Insisto em dizer que a avaliaqäo centrada na "cava
avaliaqäor o professor deve valorizar, deve estimular cada ao erros", como prova do que näo se conseguiu Cazer,
inibe a expressåo do aluno e condicionay de certa for-
tentativa, cada conquista do aluno, favorecendor em
todo momentot a formaqäo de uma auto-estima eleva-
mar o bloqueio com que, mais tardet as pessoas enca-
ram a pråtica social da escrita. Esta pråtica da "caca
dat responsåvelt agora e sempre, pela disposigäo de
tentar falar e escrever, mesmo sob 0 risco da incomple-
aos repito, fez com que o professor de portu-

tude e da imperfcicäo, gués, ao longo do tempo, se especializasse apenas em


procurar o "errado" e, sem muita reflexä0f discernir
sobre os erros. Parece que ele nao é capaz de perceber
4+2. O tempo para a avaliaqäo outra coisa de fato, acaba näo sendoj pois, como
e,

adverte MillOr Fernandes, "tudo é erro na Vida do revi-


A avaliafüo, ern fungäo mesmo de sua finalidade, soro (p. 165). O fato de o professor, diante dos traba-
I
deve acontecer em cada dia do periodo leiivo, pois a lhos dos alunost ter apenas que procurar os erros tor-
apvendizagem, laynbéntr estå acontecejido todo clian non-se uma coisa läo natural que o termo consagrado

Evidenternentey näo pretenclo propor a ingenui-


para essa leitura do professor é I' corrigitot A pevgunta
que os alunos nos fazem é sempre: Professor(a), o(a)
dade permissiva e simplista de aceiLar qualquer resul-
tado. Ounäa se quer simplesmente aceitar qual-
seja,
senhor(a) jå corrigiu as provas? Por que perguntam
se jä vimos, se jå lemos sects trabalhos, seus textos?
quer coisa que o aluno escreve* ou qualquer interpreta-
qäo para um determinado texto, Näo é isso. O que
Uma anålise semåntica revela: "corrigir" é uma palavra
que implica naturalmente uma outrai uerro". Na verda-
pretendo ressaltar, isto sim. é uma atitude posiliva,
de, o professor näo lé, nao avalia o que os alunos escre-
respeitosa, esclarccida e estimuladora do professor que
veram: o professor corrige"r porque, como revisor, s6
sabe estar promovendo um desenvolvimento que Sö pode tem olhos para os errosw Nem ve as coisas interessantes

1 60 | PORTUGUES A„NTUNEs
A | 16 1
que os alunos escreveram ou os progressos que
revelaram alcanqar.
eles revisar! — para se desfazer a idéia equivoca de que a
avaliaqäo so existe em fungäo da nota e dos resultados
pena näo esquecer que hå uma "corregäo"
Valia a finais. A revisäo do texto pode realizar-se também em
preventiva que a escola pode adotar com sucesso: a exercfcios coletivos de anålisc, nos quais o grupo discu-
exposigåo do aluno a bons textos orais e escritos, ainda te o que poderia ser alterado em fungäo dos objetivos e
assjm, com o devido cuidado para que esses textos dos leitores pretendidos para aquele ato especifico de
funcionem para todos nos como "horizontes" (ver comunicaqäov As discussöes e os accrtos seriam valiososy
Geraldi. 1997: 165) e näo como provas de uma excelén- pois percorreriam os vårios estratos lingüfsticos: o sintå-

cia que até inibe a expectativa de estå comecan- tico, o semånlico, o lexical (a escolha adequada das pa
do. Assimr a leitura constante diåria, rnesmo de — lavras)y o pragmåtico, o orlogråfieo, o da pontuagäoj o da
textos interessantes e variados, a opsäo pela escfita paragrafaqäo, o da apresentaqäo formal do texto, sempre,

funcional (escrita de textos reais, com leitores reais),


é claro, tendo em conta os aspectos da situagäo em que
ou sejaj a exposiqåo ativa do aluno å compreensäo e o texto vai circular. Evidentemente, nesses aspectosr se

produgäo de textos constitui um exercicio naturalmen- inclui a adequacäa do texto ås especificidades de setl

te ativador da /iuéncia e
adequagäo comunicativa
cla
genero textual, Nessa perspectiva bem mais ampla, por-
tantoj professor e aluno teriam muito mais coisas a ver
que o professor deve estimular e promover.
e coisas muito mais relevantes a aprender.
Como referi acima, a avaliaqäo deve realizar-se
como dc aprendizagem. Neste sentido, o pro-
exercicio
O trabalho do professor Com
produqäo indivi-
a
dual do aluno também deve aproximar-se de tais pa-
cedimento båsico deve ser discutir cont o aluno ern que
e por que sea texto estå adequado e, na mestna
dröes. (E, em fungäo dissoy todos deviamos lutar —
por pensamentos, palavras e obras'* para que o
dimensäo, descobrir com ele as alternativas de recons-
professor tenha menos alunos em sala de aula e mais
trugäo de seu diner. Tal pråtica leno. inclusive, a vanta-
tempo disponivel para orientar os alunos em suas pro-
gem de iniciar o aluno na tarefa dc ser ele mesmo o
dugöes textuais!).
primeiro rcvisol' de seu texto. Dessa forma, ele vai

aprendendo a refazer sua primeira redaqäo até chegar O


que parece inaceitåvel é deixar que se instale
åquela definitiva que chegarå ås måos do leiton E vai no aluno a postura alienante de transferir para o pro-
vivendo a experiéncia de perceber a imensa versatilida- fessor o poder absoluto de revisar, julgar, avaliar' e
de da Ifngua. reformular seu textor Assim, se desenvolve no alu-
no a autonomia, que requer procura CrfLicaJ auto-ava-
A revisäo do texto — conforme vimos, uma das liagäo, levantamento de hip6teses, busca da melllor
etapas previstas na pjodugäo adequada de texLos
alternativa, atitudes essenciais para quem empreende
deve consLituir-se numa rotina escolar escreveu, vai
qualquer aprendizagem näo-mecanicista.

162 | DE POKt•t'GL'És
A-NTT..'NES
4.3. O objeto da avaliaqäo
amigo". A crianqa comegou seu Lexto dizendo: "Meu
amigo é muilo amigavel'* e o finico ajuste que a profes-
No åmbito dessas concepqöes, cabe ainda pergun- sora apontou, marcando em vermelho, foi a falta de
no texto, o qué? Os principios atrås afirmados
tar: rever, acento sobre a sflaba tönica da palavra "amigåvel". Pode-
implicam que se estabeleqa uma hierarquia na identi- se perguntar que tipo de competéncia esta professora
Cicagäo dos elementos a revisar. Nem todo desvio å estå prixilegiando? Além de indicar o erro ortogråfico,
norma-padräo tem a mesma relevåncia para a qualida- ela näo deveria, antes de tudo» levar o aluno a perceber
de global do texto. A falta de clareza, a imprecisäo quet neste contexto, a palavra "amigåvel" nåo costuma
(quando näo då para saber o que a pessoa estå queren- ocorrer? Nao cleveria, ainda, fazer um levantamento
do dizer), a escolha indevida das unidades lexicais e com os alunos dos contextos em que se usa esta pala-
das unidades gramaticais, a desordenaqäo na seqüén- vra? (POI* exemplo: "amigo amigåvel", näo; mas, "con-
cia das idéias (quando o texto näo tem um fio de idéias trato amigåvel", "separagäo amigåvel", sim).
condutor), a desconexåo entre os vårios segmentos do A avaliaqåo, como tudo o mais, é antes de tudo
texto, a obviedade e irrelevåncia do que se diz, Ludo uma questäo de concepc;äo e nao uma questäo de téc-
isso é mais significativo para a qualidade comunicativa nica. Daf a conveniéncia de o professor pensar, obser-
do texto do que os acertos ortogråficos, por exemplo (o vat', descobrir, em cada momento, a maneira mais ade-
que nao quer dizer que a orlografia näo precise ser quada de contribuir para que seu aluno cresca na aqui-
ensinada!). O que se quer ressaltar é a conveniéncia de siqäo de sua competéncia cornunicativa; de, sobretudo,
o professor levar o aluno a perceber que o sentido do encorajarr deixar os alunos com uma vonta-
que ele diz, a clareza com que o diz Scio elemenios priorita- de grandc dc aprender, sentindo-se para isso perfeita-
_rianaenie relevantes, e é preciso pensar neles em primei- i mente capacitado e, por issoy inteiramenle gratificado.
ro lugan A corresäo ortogråfica virå como exigéncia cla Aprender näo pode interessar a ninguém se é vis-
pr6pria coeréncia do texto, quet em cerlas situagöes, to como urn castigo, como uma coisa penosa„ da qual
para estar adequado, precisa estar orlograficamente a gente deseja ardentemenLe se livrar o mais cedo pose
correlu sfvel. Rubern Alves lembra que f'saber" e "sabor" Lém
Como que as nonnas ortogrå/i-
disse, é evidente mesma raiz etimolögica e o mesmo nücleo semåntico
cas tambént devent ser objeto de ensino, de exercicio Aprender tem que ser uma coisa de goslo only uma
(vale a pena consultar Morais, 1998; 2000); mas nao de
coisa gostosa, saborosa„ como se diz. Nesse sentido é

urn jcito que desvie a atenqäo dos alunos daquelas que se poderia enquadrar qualquer atividade de ensino
e, sobretudo, de avaliagäo das coisas que os alunos falam
habilidades realmente importanles para o éxito de qual-
e escrevem. O mais é expressäo do autoritarismo e do
quer interagäo verbal, Certa vez, vi um exercfcio de
redagäo de uma crianqa da 4" série, sob o tema "Meu desrespcito da escola frente produgäo do aluno,

REDIb1ENtSTOSANDO A AVALtACÅO | 16S


164 | AULA DE PoatUGCÉs IBANOÉ A-XTUNES
Parece-me de grande relevåncia que o professor
de portugués reafirme a consciencia de que o pejfil ideal
Para cada etapa-sévie é pareial, na medida das aptidöes
e limitagöes dos alunos, ern cada periodo da escolari-
dacle. É normal quer numa certa altura de sua escola CAPfTLJLO cmca

ridade, o aluno ainda demonstre inabilidades para cam-


por um texto escrito, por exemplo, em que muitos
apagamentos poderiam ter Sido efetuados€ Como é tam-
bém normal que quanto å escolha da palavra
ele vacile
adequada ou da grafia padronizada, Normalfssimo se- Conquistando autonomia
ria ainda que ele tivesse uma pessoa que, nesses mo-
mentos de hesitagäo ou de equivocor se propusesse a
intervir, a propor outras opgöes de dizer. Este é o papel Pode-se dicer que custa caro formar

do professor: estimular, ern cada momentoy a tentativa boyn professan Evrado, Um man: professor
é que sui Caro, porser ine/icienie e irreficaz.
de produqäo do aluno e orientå-lo na aquisigtäo dos
professor ajada a provoenr a repeæncia (.„),
padröes adequadosw üäo segurn o aluno esco/a; iiåo prepara

Em surna, o fundamental é que o p10fessor garanta alunos para o t'idn jnofissioytal.

JAIME PL%S01'
ao aluno a oportunidade de enfrentar 0 desa/io da leitu-

rar da escrita, da escuta, da fala (do conversacional coti-


diano fala formal), com todos os gostos e viscos que
Nos encontros com os professores, as queixas e
isso pode Irazer. Sö assim ele hå de Chegar experiéncia
os desabaTos såo mais ou menos os mesrnos, Jå se es-
comumcativa inteiramenle æssumidar com a autoconfianqa
pera o que se vai ouvir: o vestibular, os concursosr os
de que somos capazes de exercer, também pelo lingüfstieo,
pais, a diretoria da escola$ outros professores...
a cidadania que nos cabe por pleno direito.

011 seja, os professons até gostariam de mudar,


estäo convencidos de que é preciso, mas„.. toda essa
série de fatorcs interfere exatamente na direqåo oposta.
Como, perguntam os professores, nåo dar gramåtica
(leia-se aquil "Como näo ensinar a classificaqäo das

cnagöes e se isso cai no vestibular, nas pro-


vas de concurso; se os pais vem reclamar e os pr6prios
alunos acham que näo estäo tendo aulas de portugués?

166 AULA DE
167
Como eu disser essas questöes jå säo esperadas em Oportunidade de debater com eles as novas concepqöes
-todo encontro. Jå sei que väo aparecer, Diante delas, lingüfsticas que ap6iam e propöetn urn ensino da Ifn-

costumo fazer algumas reflexöes, ji•lais ou menos assim: gua dilerente. Seria muito bom que se promovessem
Em primeiro lugar, tenho uma ligeira impressäo discussöes sobre a questäo do preconceito lingüfstic.oy

(na verdade, näo låo ligeira assim!) de que, no fundo, da exclusäo social que a falta de letramento provoca,
no fundo, a vontade de mudar por parte de muitos das competéncias necessårias e, de fato, relevantes para
professöjæs nåo é assim täo grande. Talvez inconscien- as pessoas atuarem profissionalmente com eficiéncia„
temente até deem gragas a Deus por existirem essas Se a familia estå preocupada com o sucesso de seus
diliculdades. Dificuldades que os impedern de mudar, do ponto de vista da linguagem, esse sucesso
filhos,

que os salvam da responsabilidade de tomar as inicia- nåo pade ser consegtlido sem que se desenvolva a ca-
tivas, que os livram da culpa de näo razer cliferente, pacidadé de colocar essa linguagem a serviqo da pråti-
Pois éy a gente bem que queria, hå coisas.„ coisas ca profissional da plena cidadania. Nao é apenas
e

exteriores a nos. Nao somas nos que näo queremos dominando a nomenclatura da lingua que se consegue
avanqare Säo essas coisas que nåo nos deixam interagir comunicativamente com sucesso. Umas pin
celadas de atualizagäo lingüfstica para os pais dos alu-
Em segundo lugar, se o problema é o vestibular,
nos. na linha das novas concepqöes de linguagem e de
me ocorre perguntar: de que vestibular se estå falando?
De alguns anos para cå, as provas dos vestibular-est
Ifnguaj seriam uma grande iniciativa.

apesar de algumas limitaqöes, comegaram a privilegiar Em qtlarto lugar e aqui estå o ponto prmci-
as anålises de texto, a parlir de competéncias diversas, se o problema é a inseguranqa do professor, vale
pal
das producöes textL1ais, de generos diferentes, e a pena lembrar qute estå na hora de ele partil* para
evitado expor os alunos as inutilidades da mera classi- alcancar sua aulonomiaj como "cabcqa'j do curso de
ficaqäo gramaLical. Por outro lado, se o problema säo portugues, Näo numa postura autoritåria de quem sabe
os concursos, que ainda rt1äO se alinharn em sua totali-
tudo. Mas como primeiro orientador, como aquele que
dade por esses novos horizontes, näo devemos nos traga as linhas do caminho, as metas desejadas, como
prender a isso para justificar a irrelevåncia de um en aquele que seleciona o Objelo, os procedimentos e os
Sino desvinculado dos usos da lingua, Devfamos, de recursos de Lrabalho. Evidentemente, com o respaldo
todas as maneiras, trabalhar para que os programas
das concepgöes teårica.s, dos resultados das pesquisas
desses concursos comeqassem a ser lambém difercntes
da reflexäo pedagågica cuidadosa, da aten-
lingüisticasy
para contemplarem, conJ primaziat a dimensäo textual
gäo e do estudo diårio. Ou sejar o que rläo tem sentido
e comunicativa da Ifngtta„
é a postura indefinida de um professor anrjrfo, que
Em terceiro lugar, se o problema é a interferéncia Cica no vaivém do qtle parece cerCo a este ou åquele,
dos pans, seria muito bom que a escala buscasse a fazendo e desfazendo pelo que dizem os outros, pelo

168 ] P0RTCGCés A-STUXIZS CDSOUISTANDO AUTONOMtA 1 69


que parece aas Outros, quase sempre pessoas desavisadas material de apoio ou das ingénuas, infundadas e
e ancoradas ainda nas propostas "do seu tempo", nas preconceituosas observagöes dos "entendidos improvi-
tradigöes de quando "estavam na escola".
sadost' da pedagogia Dessa forma, portanto,
lingüisticae

O professor de ponugués precisa conquistar sua o professor deixaria de ser a figura subserviente que
autonomia didåticaJ assumir•se como especialista da cumpre programas e adota præedimentos so porque estäo
{reat comprometer•se Com a causa da educaqäo lin- nos livros ou estäo conforme a opiniäo dos outli)s.
güfstica de seus alunos. NäO pode ficar, repito, deriva, O professor de portugués precisa ter a competén-
ao sabor das opiniöes de todo mundo, como se cia sufficiente que lhe confina a autonomia necessåria
tivesse condigöes de estabelecer seus rumos. Ouando,
conducäo de seu trabalho, o que, em nenhum mcnnento,
no infcio deste trabalhot falei em "um querer jå legiti-
dispensa sua nas preocupaqöes do grupo com o
mado", prelendia lembrar ao professor que ele jå pode qual atua. Autonomia näo significa individualismo, isola-
contar com s61idos respaldos acerca de novas orienta-
mento ou que o professor este-
auto-suficiéncia. Significa
Göes para seu trabalho. Existem atualmente programas
ja seguro de como deve ser seu trabalho, para que nao
e orientaqöes em diversos niveis (federal/ estadual e
fique ao sabor dos ventos, que vern de lå e de cå,
municipal) que ap6iam a reorientaqåo do trabalho do
professor de portugués. E, melhor que ludo issoy existe
Sou consciente das conquistas que o professor
o estimuloy o incentivo para que o professor busque ainda tem que fazer para atingir essa autonomic é
esse apoio. Para que o professor tenha efetivamente preciso dispor de tempo para estudo e reflexäo; é pre-

esse apoio. O Lrabalho pedagögico e a formaqäo do ciso inserir-se em proletos de pesquisa; é preciso ter

momento, uma preocu-


professor de portugués säo, no acesso a uma biblioteca especializada; é preciso ter

pagäo dos meios académicos e constituem tema de oportunidade de participar de cursos de atualizaqäo e
intimeras pesquisas (ver, entre muitos outros, Batista, estar em smtonia corn as mais novas orientaqöes e
1997; 1999, Geraldi, 1997; Neves, 1994),embora se saiba propostas da årea da linguagem,
que ainda säo escassos os livros que lém como destina- Talvez isso tudoj para muitos, possa parecer um
tårios, especificamente, os professores de porlugués do caminho utöpico. Mas vale a penar Ai de n6s sem algu
ensino fundamental e do ensino médio,
ma utopia!

A autonomia que que resulta


se pretende aqui c
de muito estudo, pesquisa e reflexäo deixaria o profes-
sor em condigöes cle, mesmo utilizando a material di-
dåtico tradicional, Taxer Ltm trabalho crflico, diferencia-
do e comunicativamentc relevante. Isto é, deixaria o
professor cm condiqöes de superar as limites desse

170 AL'LA PORTUGUES


AXTUNES CONOCIST,KXDO AVTONOW.Å | 171
CAPITULO

Fechando, por enquanto...


Carninali{ee no hay camino,
se hace cognino al

( "Catniuhante, Fiåo eaminho„


se no andar"-)
ASTON!O Mmcu,'eoo

Numa reflexäo como esta, a palavra final nåo


acontece. Näo hå fechamento. Hå apenas a palavra
inicial, que funciona como uma espécie de semente,
como uma espécie de ova, cheio de Vida, pronto para
deixå-la sail'.

É o que pretendo como encerramento para este


livro: a disposigäo e a esperanqa de que cada palavra
terå a forsa de uma scmente, pois cada palavra é ape-
nas um comcgo, eslå "prenha".• basta so que a que-
bremj que a abram e a deixem vingan

Confesso que escrevi pensando, especificamente,


nos professores de portugués do fundamental e rnédio,
Nao fui rasteira nem simplista, mas também nao entrei
por grandes elucubra@es te6ricas. Tenho consciéncia

FECIIANOO, POE | 173


Larnbém de que fui redundante, fui reincidente, É que de "ser aluno"J isto que sabe tudo, que näo pode
eu queria mesmo ser insistente„ ser enfåtica, rebater deixar de scr aprendiz. Eternamente aprendiz. Um pro-
naqueles pontos que considero eruciais para uma boa fessor que, como os alunos, estå "eDi curso quer dimer,
atuaqäo do professor em aulas de portugués, pontos estå, ainda agora e semprer realizando a grande aven-
que eu sei que ainda estao impedindo urn trabalho de caminhos que levam ao conheci-
tura de correr pelos
mais qualidade. Em algtltnas deixei que menlo, ao entendimento, mesmo sabendo que nunca
escoasse urn pouquinho de emoqäo„ Para que, por en- väo poder dizer que chegaram ao fim desse caminho...
tre as palavras, ficasse o apelo (amoroso) ä inquieta-
Aprender é uma das coisas mais bonitas, mais
qäo, å pesquisa, reflexäo, criaqäo» descoberta. ao
estudo, sobretudo, das iiOVCIS' temåticas que hoje redefi-
gostosas da Vida- Acontece em qualquer tempo, em
nem a linguagem e, dentro dela, a lingua-
qualquer idade, em qualquea• lugar. Ajudar as pessoas a
descobrir esse prazer, a "degustaf' o sabor dessa igua-
As novas concepqöes da linguistica — que na ria é ascender ås mais altas esferas da atuagäo huma-
verdade, jå nåo sac) täo novas assim podem nos fazer
na. A escola existe para estimular a "gula" pelas delf-
ver o fenömeno da lingua muito além das teias grama-
cias de podef saber... pois "a capacidade de sentir
ticaisr com horizontes bem mais amplosy bem mais
prazer näo é um dom natural. Precisa ser aptendida"4/
fascinantes, bem mais humanos, no sentido de que
como lembra Rubem Alves (2000: 133).
refletern os Usos das pessoas em sociedade, isto é, a
lingua que a gente usa no dia-a-diam Essas concepgöes A ininterrupta corrente da hist6ria se constr6i
podem nos fazer perceber muilo mais coisas que 140 nesse jogo coletivo do interdiscurso, nesses elos que se
certo" c "o errado"r rnuito mais a fazer que dar nomes criam pela passagem da linguagem...
ås coisas e aos fatos da lingua. Indo além dos r6tulos
quc a linguagem contém, para deixar-nos embriagar
Pedro que diz a Mario, que diz a. Marcos/
pela sua cor, pelo seu perfume e pelo seu sabor.
que diz a Inés, que diz a André,
Na a imagem do professor jå nao carre-
verdacle,
que diz a Paula, que diz a Eduardo,
ga aquela aura misteriosa de quem estå "pronto" para
que diz a muitosr que dizem a outro
ensinar", de quern jå estocou os sabcres necessårios
para a Iransmissäo pedagogica ern sala de aula€ Feliz-

mentc, a consciéncia de uma outra imagern de profes- E a historia se faz, e as crengas se instauram e se

sor é cada vez mais Clara: o professor que se refaz, que renovarn, como unl rio que corre•w continuo, fecundo,
redescobre, que IQinvenla, que reve suas concepgöes e renovado, brilhante, espumante. gråvido, E quern ensi-
atitudest que näo estå "formado" e, portanto, redimen- na a aprender vai nas ondas dessa corrente, provando
siona seus saberes€ Um professor que nao pode dcixar da forga da ågua, da forga do vento- Experimentando,

174 AULA
| Poawougs ANTUNES FECEIANLO, POR | 175
em primeiro, a graga e a luz da "aurora". que, como diz
o poeta Joäo Cabral de Melo Neto, nunca se faz pelo
canto de um galo s6...

Oue fique no professor um gosto


muito grande de
poder juntar-se a outros que tecem o brilho das ma-
nhäs e que entoamt com poesia também, o canto das
madrugadas. O dia, como num grande coro, terå a voz
de muitos, de cada vez mais outros; que sabem que
podem que podem ouvirr que podem até ler e
falal*y
Bibliografia
escrever as påginas que våo compor a hist6ria. Porque
a ninguém estå negado o direito å voz, o direito å pa-
lavra, que, dizendo de todos n6s, é semente e serå fru-
to. Tecenclo a manhä„

Aulas de portuguésJ perguntemo-nos todos os dias:


a favor de quem? A favor de as pessoas näo
ALLENDE, Felipe & CONDEMARIN, Mabel, —
avaliaqäo e desenvolvimento- Porto Alegre: Arles Médicas,
ficam mais capazes para falando, lendot escrevendo 1987,
e ouvindo atuarem socialmente na melhoria do AN TUNES, Irandé Costa. Géneros de textot uma via de aborda-
mundo, pela construcåö de um novo discursot de um gem das variaqöes em Jingua escrita. Leilura. Revista do
Programa de Pés-Graduagåo em Letras da LIFALi Alagoas,
novo sujcito, de uma nova sociedade, para que aulas de
n. 21. Ian,/jun. de 1998:15-23.
portugués? Lingua, generos textuais e ensino: considera$es Leöri-
cas e implicaqöes pedag6gicas, Perspectiva,' Revisio do Cen-
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tica da destauiqäo da leitura. Porto Alegæ Mercado Aber-
1986,

181
180 AULA
| PORTUGCLS IF„AXOÉ ANTUSES
PONTOS DE VENDA E DISTRIBUIGÄO

e<nai:

de Janeitx:v

Sahuiar.13A

RR vozrs

GO HANAU*0DIS1'RnsunoaA Aleve, RS

SAD Paulo. SY

site :
MG
Catopi.nøs e Re#o

SP

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clialiwrr
Site :

Ohde Santa Catarina

• Fore:

Schmidt 6.1 •

da Pitria• 1411 219 3510

JaimiIt4SC

iSGOO
Curitiba. PR
ILout.Ti.T'A

.1
Iidade das velhas pråttcas de ensino cen-
tradas nas palavras soltas ou nas frases

artificiais, descontextualizadas, que


muitas veres bearam o ridiculo. Se näo
é texto, nåo é linguagem, e é lin-

guagem se hoover interlocuqäo, diålogo„


relaqäo smial. Dai o subtitulo da

encontro & /nteraqäo porque permitlf


o contato entre as pessoas e possibilitar

a convivéncia em socicdade é a funcäo


precipua da faculdade da linguagem,
privilégio da espécie humana, E se a
escola se esquivar dessa missäo, é
melhor que feche logo suas portas,

MAAcos BAGNO
Universidade de Brasilia

Doutora ern Linguistica


pela Umversidade de Lisboa, corn tese
intitulada Aspectos da Coesåo do texto
- uma anålrse em editorials jornal/sw
cos- Mestre em L.ngtiistlca pela Univer
sidade Federal de Pernambuco, Atual-
mente. professora de Lingüistica na
Universidade Estadual do Cearä, depos
de aposentar.se como professora da
Universidade Federal de Pernambuco,
Autora do livro Aspectosda Coesäo do
texto, publ.cou também dezenas de
artigos em revistas especializadas e
colaborou, em alguns livros, com caniv
tulos que tratam de questöes textua's
e discursivas. na perspectiva da
goisttca Apljcada. Como professora e.
pesquisadora, exerce ampla aliv.do
de de
entifica,

OBRA FOI COMPOSTA E-M NEW ASTER 11/15 junto a


E IMPRESSA PELL GRÅFICA E lil)1TORA
EM CHAMOIS FINE DUNAS 80G DA RIPASA
PARA PARÅBOLA EorrORIAJ. EM ABRIL DE 2008.
Tem uma pedra no meio do caminho das aulas

de Lingua Portuguesa. A afirmaqäo é da escri-

tora Irandé Antunes, doutora em lingüfstica

pela Universidade de Lisboa e professora da

Universidade Estadual do Cearå. Nesta obra ela expöe,

sem piedade, os principais equivocos no estudo da disci-

plina. Sobre a escrita, Irandé aponta que ainda preva[ece

em sala de aula a prética mecånica e a memorizaqäo pura

e simples de regras ortogråficas, A leitura é reduzida a

momentos de exerc[cios e näo desperta o prazer nos alunos.

E a gramätica é apresentada fragmentada, com frases inven-

tadas, sem contexto ou funGäor Mas ela näo påra por ai,

A professora då orientaqöes e sugere atividades para explo-

rar corretamente a oralidade, a escrita, a prética de leitura

e também para refletir sobre as regras gramaticais. E redi-

mensiona a avaliaqäo, para que ela näo seja a finalidadej

e sim a anålise da pråtica.

Revisu Nova Escola, setenvbro de 2004

9 788588 456150

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