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Introdução ao Método de Rorschach

Prof. Bruno Cavaignac Campos


Cardoso

Anzieu, D (1979). Métodos Projetivos. Rio de Janeiro:


Campus. Capítulo 3. O teste de Rorschach.

Searls, D (2018) Las manchas de tinta: Hermann


Rorschach, su test y el poder de la visión

Material sigiloso, exclusivo a estudantes


de psicologia, psicólogas e psicólogos.
Lei Federal 4119/62
O criador: Hermann Rorschach
Herman Rorschach (1884-1922).
• Herman Rorschach nasceu em Zurique, filho mais velho de um pintor e professor de desenho.

• Muito bem dotado para o desenho, hesita entre a carreira artística e a medicina.

• Influenciado por Haeckel, um grande divulgador da teoria da Darwin nos países de língua alemã,
Rorschach escolhe a medicina.

• Rorschach era um entusiasta da cultura Russa, tendo muito interesse pela língua e literaturas russas.

• Passa férias na Russia, entre 1906 a 1910, onde casa-se com uma colega russa chamada Olga Stemplein.

• Trabalhou entre 1913 e 1914 na Russia, mas retornou a Suiça por motivos desconhecidos.
Herman Rorschach (1884-1922).
• Psiquiatra pela Universidade de Burghölzi, instituição dirigida por Eugene Bleuler, onde também trabalhou Carl
Gustav Jung.

• Jung é criador do primeiro teste projetivo, o teste da associação das palavras e um dos primeiros psiquiatras a
aplicar as concepções psicanalíticas as psicoses.

• Rorschach defendeu sua tese em medicina em 1912 (Tese sobre Alucinações reflexas e fenômenos associados).

• Rorschach não foi analisado, o que era comum na época, mas aplicou a psicanálise no contexto psiquiátrico, tendo
realizado algumas curas.

• Entre 1909 e 1913, frequentou o grupo psicanalítico de Zurique (Bleuler, Jung, Maeder, Binswanger, Pfister), grupo
que foi dissolvido pelo afastamento de Jung da psicanálise e pela primeira guerra mundial.
Ulrich Rorschach: O pai de Hermann foi
professor de desenho e autor de um tratado
sobre a forma.
Eugène Bleuler
Universidade de Burghölzi
Zurique, Suíça,
C.G.Jung início do século XX
Herisau, Suiça: A cidade onde o Rorschach
criou seu teste.
Herman Rorschach (1884-1922).
• Quando se funda, em 1919, uma Sociedade Suíça de Psicanálise, filiado a IPA
(International Psychoanalitical Association), reunindo Oberholzer, Zulliger e Pfister,
Rorschach é nomeado vice-presidente de tal sociedade.

• É nessa sociedade que Rorschach apresenta várias comunicações sobre seu teste,
ganhando adeptos do teste (Oberholzer, Zulliger e Pfister).

• Outros dos primeiros adeptos são Morgenthaler, Fankhauser, Behn-Eschenburg e


Roemer, Friedman e Manfred Bleuler.
Herman Rorschach (1884-1922).
• Além de seu teste e de sua tese sobre as Alucinações Reflexas (1913), Rorschach estudou seitas
suíças (até 1917), interesse despertado pelo atendimento de um líder religioso de uma dessas
seitas por Rorschach.

• O psychodianostik (Psicodiagnóstico) surge em 1921. Pouco tempo depois, em Herisau (2 de


Abril de 1922), Rorschach falece em vinte e quatro horas por uma peritonite não operável.

• Rorschach foi um homem de personalidade cativante: doce, quase tímido, culto, brilhante e
profundo, reservado nos primeiros contatos, mas muito afável com amigos e os seus, emanava
o próprio tipo introversivo criador por ele mesmo descrito.
Herman Rorschach (1884-1922).
• Segundo Ellenberger, o teste do Rorschach foi “elaborado longe das
universidades, dos laboratórios, das grandes bibliotecas, em um pequeno hospital
psiquiátrico, por um homem que não estudara psicologia, não frequentava
congressos internacionais, nem conquistara títulos oficiais”.

• No entanto, uma convergência de fatores preparou tal descoberta.


A descoberta de Rorschach.
• A descoberta foi influenciada pelo interesse e pelos dons artísticos de Herman
Rorschach. Interessava-se por exposições de arte, apaixonando-se pela maneira com
que pessoas diferentes reagiam de maneiras distintas frente a um mesmo quadro.

• Além disso, Rorschach era altamente habilidoso no desenho; desenhava a si mesmo


como era visto pelos outro e era muito hábil em projetar movimento a seus desenhos.

• Interessado pela “reação” das pessoas, conseguira a compra de um macaco para avaliar
a reação de seus pacientes esquizofrênicos ao gestos do animal.
A prova do Rorschach e o trabalho sobre a imagem
(Travail de l´image)

Kandinsky (1923) Composição VII.


A prova do Rorschach e o trabalho sobre a imagem
(Travail de l´image)

Schwitters (1921) “The Skittle Picture” Schwitters (1921) “Merz 460. Two underdrawers”
A prova do Rorschach e o trabalho sobre a imagem
(Travail de l´image)

Duchamp 1917 Magrite, 1929


A descoberta de Rorschach.
• Além disso, as descobertas psicanalíticas inspiraram Rorschach.

• Influência da obra de Freud (1900; 1901) e Jung (até 1913).

• Silberer (1912-1913) provocava associações em seus pacientes através da técnica da “lecanomancia”, comparando os resultados
com o teste da associação das palavras de Jung.

• Pfister (1913) pedia a seus pacientes que produzissem palavras e rabiscos sem sentido e identificava seus complexos a partir de tal
associação.

• O próprio Rorschach teve conhecimento do relato de Boltraffio, no qual este relata que o mestre Leonardo da Vinci, numa tarde
chuvosa , esteve contemplando uma parede manchada pela umidade. Da Vinci descreveu uma cena complexa a partir da mancha
na parede.

• O próprio Rorschach se divertia, quando criança, olhando nuvens e descobrindo perfis.


Klecksographie de Kerner (1817) citado por Anzieu (1978,
p.46)
A descoberta de Rorschach.
• Seguramente Rorschach, quando criança, brincou de produzir formas animais e objetos dobrando a folha em duas partes.

• O apelido de Rorschach no curso secundário era Klex (mancha de tinta, borrão).

• Já adulto e psiquiatra, Rorschach mostrava manchas de tinta a seus pacientes, mas agora com espírito científico, comparando as respostas dos
pacientes, a respostas de crianças e de pessoas “normais”.

• Em 1911 trabalha em colaboração com seu colega Gehring, o qual aplica o teste em seus alunos.

• As vezes os próprios sujeitos fabricavam as manchas, em outros casos o próprio Rorschach fornecia as manchas já prontas. Além das manchas,
Rorschach utilizava desenhos bizarros como estímulo as associações, como uma Rã vermelha, gato verde, lenhador canhoto e etc. Os resultados
eram confrontados com o teste de Jung.

• O experimento não conseguiu diferenciar as respostas dos alunos mais imaginativos em relação aos demais.

• Rorschach não foi o primeiro a utilizar manchas de tinta para testar a imaginação. Dearborn (1897), Kirkpatrick & Sharpe (1898-1900); Wipple
(1910), Rybakoff (1910), Bartlet (1916). Entretanto, a grande diferença de Rorschach foi ter utilizado manchas de tinta como um instrumento de
avaliação da personalidade, não da imaginação ou da inteligência.
A descoberta de Rorschach.
• A estimulação decisiva veio da tese de Hens (1917), que apesar de não ter encontrado
resultados significativos em seu estudo, trouxe algumas questões que seriam
retomadas por Rorschach:

1. “Alguns sujeitos interpretam a mancha como um todo, outros apenas em detalhes,


isso teria algum significado?”

2.“Todas as pranchas eram em preto e branco, se fossem coloridas, que resultados


seriam obtidos?”

3. “Esse método serviria para diagnóstico de psicoses?”


]
A teoria da alucinação reflexa
• Influência da teoria tipológica de Jung, que opõe o tipo introvertido do tipo
extrovertivo. Entretanto, a conceituação de introversão e extratensão, tal como
proposta por Rorschach, difere da tipologia de Jung.

• O ponto de partida surgiu de um sonho de Rorschach em 1904, no qual ele sonha


que seu cérebro está sendo cortado em fatias transversais, caindo
sucessivamente para frente.
A teoria da alucinação reflexa
• O sonho de Rorschach não o leva reflexões sobre o conteúdo ou sentido do
sonho, pois este considera as hipóteses de Freud definitivas.

• Rorschach se interessa em saber como possível, em um sonho, experimentar a


sensação de um movimento, quando não há movimento correspondente na
realidade atual e em como podem percepções de uma natureza serem
transformadas em percepções de outra natureza.
A teoria da alucinação reflexa.
• Para responder tais questões, Rorschach formula uma teoria.

• O ser humano dispõe de um registro de imagens mais amplo do que aquele do qual se
serve na vida cotidiana.

• Uma percepção se liga a outra por associação (ao escutar um barulho de um objeto
caindo, o sujeito tende a associar o som a uma imagem (imaginação) do objeto caindo.

• Mas uma outro forma de ligação, seria o sistema cinestésico.


A teoria da alucinação reflexa
• As percepções visuais são conservadas logo abaixo do limiar da consciência, sob a
forma de imagens cinestésicas do sujeito, tais perceptos podem ser
conscientemente reexperimentados como percepções cinestésicas, ou
inconscientemente traduzidas como imagens visuais.

• As manchas de tinta serão um espelho onde os estímulos visuais ativam as


imagens cinestésicas do sujeito, as quais são projetadas na mancha e, por sua
vez, percebidas como reflexos enviados de volta pelo espelho.
A teoria da alucinação reflexa
Inconsciente Consciente
A teoria da alucinação reflexa
Inconsciente Consciente
A teoria da alucinação reflexa
Inconsciente Consciente
A teoria da alucinação reflexa
Inconsciente Consciente
A teoria da alucinação reflexa
• Os experimentos com sonhos feitos por Mourly Vold (1910-1912), fazem
Rorschach entender que a que inibição do movimento está relacionada a
projeção das imagens cinestésicas, seja no sonho, seja nas alucinações reflexas,
seja nas respostas de atribuição de movimento às pranchas de tinta.

• Assim deduz a relação das respostas de movimento a um recurso de introversão


e caracteriza um tipo psicológico introversivo.
A introversão
• O sujeito introversivo é reservado, desajeitado, tímido, inibe os movimentos
reais; os imaginando, sua inteligência é individualizada, é capaz de imaginar e
criar, possui intensa vida interior, suas reações afetivas são estáveis, e as relações
com outras pessoas, mais profundas que numerosas, é bastante consciente de si
mesmo. A cinestesia reflete, portanto, uma vida emocional interiorizada.
A extratensão
• Ligada as respostas de Cor.

• Vermelho está ligado a impulsividade; Azul está relacionado ao autocontrole.

• Sensível a cor, o extratensivo dispõe de um inteligência do tipo reprodutivo, é


mais adaptável, mais habilidoso, mais ativo, suas reações afetivas são
abundantes e as relações com os outros, superficiais.
O tipo de vivência
• Para Rorschach, a introversão criativa e a extratensão reprodutiva não
caracterizam dois tipos de constituição, como são para Jung.

• São duas funções psíquicas, coexistindo em diferentes graus de variáveis de


dilatação ou de concentração. O tipo de vivência designa a proporção entre essas
duas funções.

• A introversão constitui o princípio da cultura; a extratensão da civilização.


A produção do teste.
• Em 1918, Rorschach elabora as pranchas do teste, experimentando-as com pacientes do hospital de
Herisau (211 pacientes; 117 pessoas normais).

• Das pranchas feitas, selecionou 15 pranchas, ou em preto, em preto e vermelho, ou coloridas.

• As exigências do editor, o fizeram diminuir o número de pranchas para 10. A impressão das pranchas é
desastrosa, as cores se modificam ou ficam desbotadas. Rorschach acrescenta então as respostas de
esfumaçado.

• Continua seus estudos 1919 e elabora uma teoria para o mesmo. Livro “Psychodiagnostik” fica pronto
em 1920 e é lançado em 1921. Apresenta uma interpretação “as cegas” de um protocolo de um paciente
de um colega na sociedade psicanalítica suíça em 1922. Morre dois meses depois, em Abril de 1922.
Após Herman Rorschach (1922-1932)
• O livro Psychodiagnostik é um fracasso de vendas. Tal como o Traumdeutung
(Interpretação dos sonhos, 1900) de Freud, a obra só é amplamente reconhecida
posteriormente.

• O teste fica esquecido, sendo estudado apenas por discípulos fieis da


comunidade na Suíça, formando alguns poucos alunos.

• Levam dez anos para que o teste comece a se expandir.


Autores que ajudaram a desenvolver o método
• Binder (1932) acrescenta as respostas de claro-escuro (Clob)

• Beck introduz o teste nos Estados Unidos a partir de 1932.


• Klopfer funda o instituto de Rorschach de Nova Iorque em 1939, liderando a
escola americana que revolucionou a interpretação do teste.
• Loosli-Usteri, Nella Canivet, Andre Ombredane e Cecile Beizmann desenvolvem
interpretações próprias na França.
• Exner (1966) classifica cinco grandes sistemas de Interpretação do Rorschach nos
Estados Unidos: Rapaport; Klopfer; Hertz, Piotrowski, Beck – da fenomenologia
ao behaviorismo, sendo Beck o autor que leva mais em conta a consideração do
eu e da percepção.
A especificidade do Teste do Rorschach
• Material desprovido de significados prévios: Manchas de tinta.

• A instrução induz o sujeito a liquidar a “não-significação” do material.

• Trata-se, portanto, de um exercício de Simbolização: Transformação da impressão suscitada pela mancha em um


símbolo, primeiro visual, depois associado a uma representação verbal.

• Segundo uma perspectiva fenomenológica, o Rorschach exige uma consciência “imaginativa”, oposta aos testes
psicométricos, que em geral testam a consciência “percipiente”.

• Segundo uma perspectiva psicanalítica, as manchas suscitam uma regressão forçando o sujeito a por em jogo os
mecanismos de defesa contra uma angústia primitiva. Ainda, manchas evocam inconscientemente a imagem de
corpo do sujeito e as respostas dadas se originam desse quadro de referência, refletindo os diversos estágios de tal
imagem.
O teste de Rorschach: Definição Básica.
• Método Projetivo de Avaliação Psicodiagnóstica, que consiste em dar respostas sobre
“o que poderia ser...” cada uma das dez pranchas com manchas de tinta.

• Baseado na hipótese projetiva.

• De acordo com esta, o paciente, ao ser testado, ao procurar organizar uma informação
ambígua (ou seja, sem um significado claro, como as manchas do Teste de
Rorschach), projeta aspectos de sua própria personalidade.

• Variedade de sistemas de codificação e de interpretação do teste: Beck, Rappaport,


Klopfer, Escola Francesa (Atual Escola de Paris), Exner, R-PAS, entre outros.
“O teste consiste em interpretar formas fortuitas, isto é, figuras formadas ao acaso. (...)

A confecção de tais figuras fortuitas é muito simples: fazem-se alguns borrões grandes sobre
uma folha de papel.

Este papel será dobrado uma vez e os borrões deverão ser espalhados entre as folhas do
mesmo (...) as formas deverão ser relativamente simples (...)

é preciso que o enquadramento dos borrões no espaço da prancha obedeça a certas


condições de ritmo espacial (...) força plástica (...).

De acordo com sua preparação, as figuras são simétricas com muito ligeiras diferenças entre
uma metade e outra (...). (Rorschach, 1921)” (RORSCHACH, 1978, P. 15 – 16, negrito do autor)
Referências:
Anzieu, D (1978). Os métodos projetivos. Rio de Janeiro: Editora Campus.
2ed.

Searls, D (2018) Las manchas de tinta: Hermann Rorschach, su test y el poder


de la visión

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