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PROTOCOLO DE MANEJO CLÍNICO DE PACIENTES PEDIÁTRICOS COM COVID-19

Autores: Adriana Ávila Moura; Ana Carolina Carvalho de Ruela Pires; Auxiliadora Damianne
Pereira Vieira da Costa; Junko Asakura Bezerra de Oliveira; Magna Régia Oliveira Duarte

Data de atualização: 06/04/2020

* Documento científico elaborado em parceria com os departamentos científicos de


Emergência e Infectologia pediátricas da Sociedade Alagoana de Pediatria

TRANSMISSÃO E PRECAUÇÕES GERAIS

A principal via de transmissão pessoa a pessoa do novo coronavírus (SARS-CoV 2) ocorre


por gotículas respiratórias ou contato.

Procedimentos que geram aerossóis promovem dispersão do ar expirado e podem


aumentar o risco de transmissão cruzada. São eles: intubação traqueal, suporte ventilatório não
invasivo (CPAP nasal ou ventilação não invasiva), cateter nasal, manobras de higiene brônquica
(aspiração traqueal, manobras de mobilização de secreções), ventilação com pressão positiva
manual (balão autoinflável e reanimador mecânico manual em T), broncoscopia, inalação com
sistema Venturi e nebulizações, por exemplo.

DEFINIÇÃO DE CASO SUSPEITO

O paciente com COVID-19, de modo geral, apresenta os seguintes sintomas: febre (>
37,8°C), tosse, dispneia, mialgia, fadiga, sintomas respiratórios e gastrintestinais, como diarreia
e vômitos (mais raros).

Somente será coletada amostra para pacientes hospitalizados que apresentem


Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Notificar devidamente os casos coletados com o
correto preenchimento de informações no sistema de notificação e no GAL. De uma forma geral,
o espécime preferencial para o diagnóstico laboratorial é a secreção da nasofaringe (swab
nasofaríngeo).

Definição de Caso suspeito

Caso de síndrome gripal (SG)

Indivíduo com quadro respiratório agudo, caracterizado por sensação febril ou febre*,
mesmo que relatada, acompanhada de tosse OU dor de garganta OU coriza OU dificuldade
respiratória.
*Na suspeita de COVID-19, a febre pode não estar presente.

**Em crianças: considera-se também obstrução nasal, na ausência de outro


diagnóstico específico.
Caso de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG)

Síndrome gripal que apresente: dispneia OU pressão persistente no tórax OU SPO2 < 95%
em ar ambiente OU cianose de lábios ou face.

**Em crianças: além dos itens anteriores, observar os batimentos de asa de nariz, cianose,
tiragem, desidratação e inapetência.

Caso confirmado de SRAG pelo SARS-CoV-2

Caso de SRAG com confirmação laboratorial para o SARS-CoV 2

Fonte: Boletim Epidemiológico CIEVS 05/04/2020

FLUXO DE ATENDIMENTO INICIAL AO CASO SUSPEITO

O profissional deverá permanecer durante todo o atendimento com avental, gorro,


luvas e máscara cirúrgica.
SÍNDROMES CLÍNICAS ASSOCIADAS AO SARS-CoV 2

O espectro de manifestações clínicas da infecção por COVID-19 é extremamente


variável, indo de um simples resfriado até uma pneumonia severa. Abaixo, as principais
síndromes clínicas associadas, que vão nortear o tratamento.

DOENÇA NÃO Quadro compatível com infecção de vias aéreas superiores, sem sinais de
COMPLICADA desidratação, dispneia, sepse ou disfunção de órgãos. Os sinais e sintomas
mais comuns são: febre, tosse, dor de garganta, congestão nasal, cefaleia,
mal-estar e mialgia. Imunossuprimidos, idosos e crianças podem
apresentar quadro atípico.
DOENÇA Pneumonia Infecção do trato respiratório inferior sem sinais de
COMPLICADA gravidade

Pneumonia Infecção do trato respiratório inferior com algum dos


grave seguintes sinais de gravidade: • frequência respiratória
> 30 incursões por minuto; • dispneia; • SpO2 < 90% em
ar ambiente; • cianose; • disfunção orgânica

Síndrome da Surgimento ou agravamento dos sintomas respiratórios


angústia até 1 semana do início da doença. Pode ainda
respiratória apresentar: alterações radiológicas como opacidades
aguda (SARA) bilaterais, atelectasia lobar/pulmonar ou nódulos;
edema pulmonar não explicado por insuficiência
cardíaca ou hiperhidratação. Relação PaO2/FiO2 ≤ 300
mmHg, sendo: • Leve (entre 200-300 mmHg) •
Moderada (entre 100-200 mmHg) • Grave (abaixo de
100 mmHg)

Sepse Síndrome da resposta inflamatória sistêmica com


disfunção orgânica na presença de infecção presumida
ou confirmada. São sinais frequentes de disfunção
orgânica: • Alteração do nível de consciência • Oligúria
• Taquidispneia e/ou dispneia • Baixa saturação de
oxigênio • Taquicardia • Pulso débil • Extremidades
frias • Coagulopatia • Trombocitopenia • Acidose •
Elevação do lactato sérico ou da bilirrubina

Choque séptico Sepse acompanhada de hipotensão [pressão arterial


média (PAM) < 65 mmHg] a despeito de ressuscitação
volêmica adequada. Em crianças: PAS < 60mmHg (RN);
70mmHg (1mês – 1 ano); 70 + 2(idade) de 1 ano – 10
anos; 90mmHg (10 anos ou mais)

TRANSPORTE DE PACIENTES SUSPEITOS OU CONFIRMADOS E ACOMPANHANTES ENTRE


SETORES DO HOSPITAL

CASOS SUSPEITOS OU CONFIRMADOS - máscara cirúrgica


E ACOMPANHANTES
- lenços de papel (tosse, espirros, secreção nasal)

- higiene das mãos frequente com água e sabonete líquido


ou preparação alcoólica

PROFISSIONAIS DE SAÚDE - higiene das mãos com água e sabonete líquido ou


preparação alcoólica a 70% - óculos de proteção ou protetor
facial

- máscara cirúrgica

- avental impermeável
- luvas de procedimento

- gorro (para procedimentos que gerem aerossóis)


Observação: os profissionais de saúde deverão utilizar
máscaras N95, PFF2, ou equivalente, ao realizar
procedimentos geradores de aerossóis como, por exemplo,
intubação ou aspiração traqueal, ventilação não invasiva,
ressuscitação cardiopulmonar, ventilação manual antes da
intubação, coletas de amostras nasotraqueais.

PROFISSIONAIS DE APOIO, CASO - higiene das mãos com água e sabonete líquido ou
PARTICIPEM DA ASSISTÊNCIA DIRETA preparação alcoólica a 70%
AO CASO SUSPEITO OU CONFIRMADO
- gorro (para procedimentos que gerem aerossóis)
(PROFISSIONAIS DA HIGIENE E
LIMPEZA, NUTRIÇÃO, MANUTENÇÃO, - óculos de proteção ou protetor facial
ETC)
- máscara cirúrgica

- avental

- luvas de procedimento

Profissionais da higiene e limpeza, acrescentar luvas de


borracha com cano longo e botas impermeáveis de cano
longo)

FONTE: GVIMS/GGTES/ANVISA, 2020

TRATAMENTO MEDICAMENTOSO

Casos leves (infecção de vias aéreas superiores ou pneumonia sem sinais de gravidade):

- Acompanhamento ambulatorial

- Pneumonia leve: Avaliar necessidade de internação. Administrar antibiótico APENAS se houver


suspeita de co-infecção bacteriana. 1ª. Escolha: Amoxicilina ou Azitromicina em caso de alergia
ou suspeita de pneumonia atípica.

Casos moderados (pneumonia grave):

- Internar em enfermaria, notificar CIEVS, coletar swab naso e orofaríngeo;

- Oseltamivir* VO 2x ao dia por 5 dias;

- Antibioticoterapia** para pneumonia bacteriana de acordo com a rotina do serviço. Associar


Azitromicina ou Claritromicina (quadros compatíveis com pneumonia atípica associada);

Casos graves (SARA, Sepse e Choque Séptico):

- Internar em UTI, notificar CIEVS, coletar swab naso e orofaríngeo;

- Oseltamivir* 2x ao dia por 5 dias;

- Antibioticoterapia** para pneumonia bacteriana de acordo com a rotina do serviço. Associar


Azitromicina ou Claritromicina (quadros compatíveis com pneumonia atípica associada);
- Hidroxicloroquina***: em protocolo de pesquisa. Considerar o uso mediante decisão conjunta
com a comissão de infectologia. Definir associação com Azitromicina.

- Não está recomendado o uso rotineiro de glicocorticoides, exceto para choque refratário e
broncoespasmo. Avaliar cuidadosamente uso de IGIV no choque séptico.

- Considerar Óxido Nítrico ou Sildenafil, nos casos de hipoxemia grave refratária.

Doses de Oseltamivir para crianças:

- ≤ 15kg: 30 mg de 12/12h por 5 dias;

- 15 a 23kg: 45mg VO de 12/12h por 5 dias;

- 24 a 40 kg: 60 mg a cada 12h por 5 dias;

- > de 40 kg: 75 mg VO a cada 12h por 5 dias

**Antibioticoterapia de acordo com a rotina do serviço:

- Ceftriaxona (HGE Osvaldo Brandão Vilela)

- Amoxicilina com clavulanato EV (Hospital Unimed)

***Doses de sulfato de hidroxicloroquina (protocolo de pesquisa):

- 10 mg/kg (máx 600mg/dose) VO 2x/dia (D1); 3 mg/kg (máx 200mg/dose) VO 8/8h por 10
dias;

SUPORTE VENTILATÓRIO

As sugestões de suporte ventilatório vigentes nesta epidemia têm foco na minimização


da formação de aerossóis e proteção da equipe de assistência. Por outro lado, grande parte das
insuficiências respiratórias em pediatria provavelmente não está associada à infecção pelo
SARS-CoV 2, mesmo na vigência da epidemia. Há que se considerar, portanto, as
particularidades na assistência ventilatória em crianças, levando em conta que modalidades de
ventilação não invasiva (VNI) têm eficácia reconhecida na asma e bronquiolite, por exemplo.

- Quadros moderados: Suporte de oxigênio de acordo com a SpO2. Preferência cateter nasal
com baixo fluxo (até 6 L/min), principalmente em crianças menores, ou máscara com
reservatório e não reinalante. Evitar máscara de Venturi.

- Quadros graves: CPAP ou VNI em ventilador com circuito fechado; Ventilação mecânica
invasiva. Instalar filtro tipo HEPA (High Efficiency Particular Air – filtros de ar para partículas finas
de alta eficácia) eletrostático e hidrofóbico no ramo expiratório dos equipamentos para suporte
respiratório (ventilação invasiva e não invasiva e ventiladores manuais). Observar que os filtros
trocadores de calor e umidade (HME – Heat and Moisture Exchange) colocados entre a cânula
traqueal e o “Y” do circuito de ventilação mecânica em substituição ao sistema de umidificação
e aquecimento tradicional, muito utilizado em pacientes adultos, não estão recomendados no
período neonatal e no lactente jovem devido à baixa eficácia na umidificação e aquecimento. O
uso de cânulas traqueais com cuff pode ser útil em prevenir vazamento de gás durante a
ventilação. Seu uso no período neonatal é controverso.

Nos casos confirmados de infecção por COVID, principalmente nas situações de recursos
de precaução e isolamento insuficientes, considerar fortemente a intubação, mediante
sequência rápida de intubação (SRI). Em UTI, a posição prona tem se mostrado útil e pode ser
utilizada por até 18 horas/dia. Mais detalhes sobre suporte ventilatório no Anexo 2.

INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL

Vide fluxograma no Anexo 1.


ANEXO 1

Idade e peso do paciente


INTUBAR PACIENTE

VERIFICAR PRÉ-INTUBAÇÃO:
➔ ANTES DE ENTRAR NO LEITO:
EPI’s:
✓ Gorro ✓ Kit de EPI’s COVID-19 disponível
✓ Óculos / Protetor ✓ Equipe paramentada com os EPI’s
facial ✓ Paciente com acesso venoso periférico
✓ Máscara N-95 ➔ APÓS ENTRAR NO LEITO:
(PFF-2) ✓ Monitorização do paciente
✓ Avental ✓ Capnógrafo e ventilador prontos?
impermeável ✓ Plano de intubação verbalizado

Higroscópio- Recomenda-se:
NÃO
válvula-bolsa- Check-list
Clampeamento do
reservatório ok?
(AMBU) + Filtro, tubo orotraqueal com
com fluxo suficiente pinça, durante a
para garantir O2 a SIM intubação; ou
100%. (Mínimo: oclusão com embolo
6/min). Sem de seringa.
ventilar. Entretanto,
considerando que o
Intubação por sequência rápida com primeira paciente está em
tentativa ótima: apneia, pode ser
1. Definir papéis dispensável.
2. Pré-medicação com Lidocaína 2% (1 a 2 mg /kg),
Cetamina (2 mg/Kg) - 1ª escolha
3. Pré-oxigenação com )2 a 100% (3 a 5 minutos)
4. Bloqueio neuromuscular*
5. Insuflar balonete com cufômetro
OBS.: Pré-oxigenar com AMBU + O 2 seco SEM
VENTILAR, aproximar apenas a máscara no paciente para
“inalar” (oferta espontânea)

Considerar nova tentativa de intubação +


Ventilação com Higroscópio-válvula-
NÃO Sucesso na primeira tentaiva?
bolsa-reservatório (AMBU), com vedação
(Confirmar com capnografia,
da face a “4 mãos”
preferencialmente)
Conectar Filtro ao sistema
Sucesso com técnica alternativa?
SIM

NÃO SIM ✓ Conectar no ventilador com filtro HMEF e


sistema de aspiração contínua conectado
Considerar uso da ✓ Iniciar sedação contínua
máscara laríngea ✓ Considerar cateter de veia profunda e linha
arterial e pelos mesmos profissionais
(mesmo EPI)
ANEXO 2

Suporte ventilatório

PACIENTE:
✓ Taquipneia
✓ Hipoxemia (PO2<60)
✓ SpO2 ≤ 93% e/ou uso de musculatura acessória
✓ Retenção de CO2 (PaCO2 > 60 mmHg e/ou pH < 7,20)

CONSIDERAR:
Ofertar O2 baixo fluxo, SEM UMIDIFICAR
✓ Ventilação não invasiva (4 a 6L)
com circuito de ventilador *Utilizar cateter nasal de baixo fluxo, para meta
e filtro HME e HEPA no de Sat O2 ≥ 94%

ramos expiratório se
quarto isolado
NÃO se recomenda: Paciente SIM
✓ Cateter nasal de alto fluxo melhorou?

NÃO

INTUBAR PACIENTE (VM)

A VM invasiva protetora poderá ser iniciada no modo


Volume ou Pressão controlada (VCV ou PCV)
✓ Volume corrente= 4 – 6 ml/Kg de peso
✓ Pressão de Platô < 28 cm H 2O
✓ Com Driving presure < 15 cmH 2O ( = Pressão de Platô –
PEEP**)

Para redução do risco de disseminação: Para pacientes SEM


✓ Cabeceira do leito elevada a 30-45º MELHORA CLÍNICA,
✓ Sistema de ASPIRAÇÃO FECHADO em considerar:
todos os casos ✓ Posição PRONA (Para
✓ TROCA DOS FILTROS trocadores de calor e PaO2/ FiO2<150)
umidade, quando: observada a alteração da ✓ Sildenafil 0,5 a 2 mg/kg/dia)
sua função, presença de sujidade, ou a cada ✓ Se, DRIVING PRESSURE ≥
intervalo regular a cada 48 horas 16, considerar manobra de
✓ Uso do FILTRO DE BARREIRA na recrutamento alveolar e
extremidade distal do ramo expiratório do titulação de PEEP
circuito ventilatório, antes da válvula
exalatória do ventilador mecânico
OBSERVAÇÕES

**Considerar para ajuste de PEEP:

Considerar MEDICAÇÕES DE SEQUÊNCIA RÁPIDA para intubação:

✓ Fentanil (1,5 – 3 mcg/Kg) ✓ Cetamina (1,5 – 2 mg/Kg) ✓ Rocurônio (1,0 mg/Kg)


✓ Midazolan (0,1 a 0,2 mg/kg) ✓ Lidocaina ( 1 a 2 mg/kg)
REFERÊNCIAS

Orientações sobre o manuseio do paciente com pneumonia e insuficiência respiratória devido a


infecção pelo coronavírus (SARS-CoV-2) - Versão n.03/2020* Atualizado em 29.mar.2020.
Disponível em https://www.amib.org.br/ pagina-inicial/coronavirus/ Acessado em março de
2020.

Recomendações sobre os cuidados respiratórios do recém-nascido com COVID-19 SUSPEITA ou


CONFIRMADA. Disponível em https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22428b-
DC_RED_-_Recom_cuidados_Respir_RN_com_COVID.pdf. Acessado em março de 2020.

COVID-19 em crianças: envolvimento respiratório. Disponível em


https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22430d-NA_-_COVID-19_em_criancas-
_envolvimento_respiratorio.pdf

World Health Organization. Clinical management of severe acute respiratory infection (SARI)
when COVID-19 disease is suspected. Interim guidance 13 March 2020. Disponível em
https://www.who.int/publications-detail/clinical-management-of-severe-acuterespiratory-
infection-when-novel-coronavirus-(ncov)-infection-is-suspected Acessado em março de 2020.

National Health Service. Clinical guide for the management of paediatric patients during the
coronavirus pandemic. Specialty guides for patient management during the coronavirus
pandemic. NHS. 16 March 2020 Version 1. Disponível em https://www.england.nhs.
uk/coronavirus/wp-content/uploads/sites/52/2020/03/Specialty-guide_paediatrics-
andcoronavirus_V1_17-March.pdf Acessado em março de 2020.

Ministério da Saúde. Fluxo de Manejo clínico pediátrico na Atenção Especializada. Disponível


em: https://www.conasems.org.br/covid-19-protocolos-e-orientacoes-aosprofissionais-e-
servicos-de-saude/ Acessado em março de 2020.

AMIB. Protocolo de intubação orotraqueal para caso suspeito ou confirmado de COVID-19.


Disponível em: https://www.amib.org.br/pagina-inicial/coronavirus.

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