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Memória Operatória

1. CONHECIMENTOS PRÉVIOS

O conceito de memória de curto prazo sofreu uma evolução teórica desde sua
formulação estrutural no modelo modal, na forma de PCA, até sua consideração atual em
termos de memória de trabalho. Para dar ao leitor uma ideia da importância desse sistema de
memória, alguns pesquisadores chegaram a afirmar que a memória de trabalho é a conquista
mais significativa da evolução mental humana.

Não surpreendentemente, alguns teóricos atuais, entendem que a memória de


trabalho nada mais é do que uma simples ativação de conteúdos parciais do MLP.

2. PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS BÁSICOS

Normalmente, os experimentos que avaliam a aprendizagem e a subsequente


memória do material apresentam uma estrutura geral composta por duas fases: uma primeira
fase, denominada aprendizagem ou fase de apresentação do estímulo, e uma segunda fase,
denominada avaliação da retenção.

Durante o período de aprendizagem, os


sujeitos recebem um determinado material
(palavras, sílabas sem sentido, números, pares
associados...), cuja memória é medida na fase
seguinte, seja pela contagem das respostas
corretas, seja pela contagem das respostas
corretas e dos erros. Ambos os períodos podem
ocorrer em sucessão imediata ou um intervalo de
tempo de atraso variável pode ser introduzido entre eles (de segundos a dias pares).

Dentro deste desenho geral, tem sido utilizada uma série de variantes ou técnicas
experimentais, tanto na forma como a informação vai ser apresentada na fase de
aprendizagem como na forma utilizada para avaliar a retenção da matéria.

Apresentação estimulante:

A apresentação da informação ou material em estudo adota classicamente duas


modalidades: estímulos seriados e pares associados:

- Na aprendizagem serial, como o nome sugere, são apresentadas listas ou séries de


itens compostas por palavras, letras, dígitos ou sílabas sem sentido, com o objetivo de serem
posteriormente, na fase de avaliação, lembradas ou reconhecidas;

-Por sua vez, a aprendizagem dos pares associados é constituída por uma sequência
de pares de palavras ou sílabas, onde o primeiro termo atua como estímulo e o segundo como
resposta (CASA-flor, RELÓGIO-livro...) . Na fase de retenção, são apresentados apenas os
estímulos (CASA. -... RELÓGIO-...) e o sujeito deve emitir a resposta correspondente que lhe foi
associada (...-flor...-livro);
Modalidades de avaliação da retenção:

Dois procedimentos diferentes têm sido usados para avaliar a retenção: recordação e
reconhecimento.

 Recordação
Na evocação, o sujeito deve reproduzir o conjunto de itens apresentados da
melhor forma possível, com três modalidades principais: evocação livre,
evocação seriada e evocação marcada.
-Na recordação livre, o sujeito deve reproduzir os itens estudados na ordem
que desejar.
-Na recordação serial, ele deve comunicá-los na mesma ordem em que foram
apresentados.
-Por fim, na modalidade de recordação marcada, são fornecidos ao sujeito,
durante a fase de retenção, sinais ou pistas que auxiliam ou facilitam a
recuperação de informações, como quando é indicado o nome da categoria à
qual pertencem os itens a serem lembrados. lista de aprendizado: ANIMAIS-
vaca, gato, elefante...

Observe também que avaliar a retenção usando pares associados constitui um


tipo de memória sinalizada, pois o termo estímulo constitui o sinal para a
recuperação da resposta correspondente.

 Reconhecimento
Esta técnica varia o procedimento usado para avaliar a memória ou retenção
do sujeito. Os itens estudados na fase de aprendizagem são chamados de itens
antigos, e devem ser corretamente discriminados na fase de retenção de
outros itens adicionados chamados novos itens que atuam como distratores.
Um exame tipo teste com alternativas de resposta nada mais é do que uma
situação de avaliação da aprendizagem por reconhecimento.

2.1. A importância da aprendizagem alternativa

O habitual nos laboratórios de memória tem sido os sujeitos aprenderem numerosas


listas de estímulos que devem reproduzir mais tarde. Pois bem, um dos aspetos mais
importantes, principalmente com vistas ao estudo do esquecimento como veremos, é a
influência que o aprendizado de algumas listas exerce sobre outras. Essa influência é chamada
de transferência.

A transferência é positiva quando um determinado material ou lista aprendida


favorece a aquisição ou retenção de outro, e inversamente diz-se que é negativa quando um
determinado material ou lista dificulta ou interfere na aprendizagem ou retenção de outro. A
transferência negativa é a base das teorias de interferência para explicar o esquecimento.

Dois tipos de projetos básicos foram usados no estudo de transferência: o projeto de


feedback e o projeto de proação.
O design de feedback permite estudar os
possíveis efeitos de transferência que uma lista
aprendida posteriormente (lista Y) exerce sobre outra
lista aprendida anteriormente (lista X). Chama-se
feedback design porque se destina a analisar os
possíveis efeitos de transferência retroativa da lista Y
na lista X.

Alternativamente, o designs de proação


permite estudar os possíveis efeitos de transferência
que uma lista previamente aprendida (lista Y) exerce
sobre outra segunda lista aprendida posteriormente
(lista X). Neste caso, trata-se de proação porque se
pretende analisar os efeitos proativos (anteriores) que
o estudo da lista Y tem sobre a lista X.

Em ambos os tipos de delineamento, diz-se que há efeitos de transferência quando o


desempenho de memória do grupo experimental difere significativamente daquele obtido pelo
grupo de controle, desde que este último esteja livre da influência de listas alternativas. Se os
efeitos da lista Y sobre a X exercem uma influência negativa sobre a memória, então falamos de
efeitos de interferência retroativos ou proativos, dependendo do design utilizado.

A interferência entre materiais tem sido uma das explicações clássicas para o
esquecimento.

3. DISSOCIAÇÃO DO MODELO MODAL: ACP vs. ALP

Fornecem-me o número de telefone de uma pessoa que devo contatar; nesse


momento não tenho papel nem caneta à mão, então opto por repetir, mentalmente ou em voz
alta, até chegar à sala onde está o telefone e discar o número. Logo em seguida, entro em
contato com a pessoa em questão e, quase certamente, uma vez encerrada a conversa, sinto-
me incapaz de lembrar o número discado. No entanto, mantive essa informação na memória
até telefonar.

Esta experiência contrasta fortemente com a capacidade de saber imediatamente a


minha idade, o que fiz ontem à noite, quando tenho de ir a algum lado, etc...

Neste caso, a memória guarda dados e informações que parecem viver em sua mente e
que, afastando possíveis lesões ou degeneração cerebral, sobrevivem para sempre.

O exemplo do número de telefone contrasta com os seguintes em um aspecto


importante: no primeiro caso, guardamos a informação enquanto for precisa e, por
entendermos que não precisaremos dela no futuro imediato, a esquecemos. No restante dos
exemplos, parece que a informação é armazenada permanentemente e é altamente resistente
ao esquecimento. Portanto, parece que intuitivamente existem pelo menos dois tipos ou
formas de processos de memória: um transitório e um permanente, ou um de curto prazo e
um de longo prazo.
Usando uma analogia, a memória transitória de curto prazo (STM), podemos vê-la
como uma espécie de mesa ou secretária onde depositamos as informações necessárias para
realizar a tarefa que se impõe naquele momento. Portanto, também nos referiremos a ela
como memória de trabalho (OM). Por sua vez, a memória permanente de longo prazo (MLP)
é análoga a um arquivo enorme onde as informações são armazenadas e organizadas com alta
precisão, caso contrário a recuperação dos dados seria praticamente impossível.

Essa dissociação ou dualidade entre os tipos de memória tem sido comum na


psicologia.

William James no XIX distinguiu entre duas formas de experiências mnésicas: primária
e secundária. Memória primária referida é aquela informação que constituiu a experiência
consciente e atual do sujeito, por isso também é chamada de memória imediata. A ela se
opunha a memória secundária, que incluía o corpo de conhecimentos adquiridos no passado,
mas que não fazia parte da experiência consciente do momento.

A ideia de James foi retomada experimentalmente por Waugh e Norman (1965) e


outros autores, de quem foi feita uma distinção entre memória primária vs. armazenamento
secundário, de curto prazo vs. armazenamento de longo prazo e memória de curto prazo vs.
memória de longo prazo. Os vários conceitos propostos têm sutis diferenças de tonalidade.

O modelo modal de Atkinson e Shiffrin contempla que o construto de ACP e ALP se


refere aos sistemas de armazenamento estrutural, enquanto MCP e MLP se referem ao tipo de
memória que se pretende avaliar em uma determinada tarefa, e que muitas vezes requer a
participação dos conteúdos do ACP e ALP.

Recorrendo ao conceito genérico de MCP e MLP.

Entendemos que a dissociação entre ambas está em admitir um sistema de memória


de trabalho de curto prazo que guarda informações em uma mesa mental metafórica, na
medida em que está sendo utilizada para realizar uma tarefa, e uma memória permanente de
longo prazo. que tem todas as informações que adquirimos em nossas vidas. Esse contraste
entre sistemas de memória tem evidências abundantes, não apenas no campo experimental,
mas também no campo neurofisiológico e clínico.

3.1. Evidências neurofisiológicas

Sabemos que Hebb (1949) postulou a existência de dois tipos diferentes de circuitos
neurais constituídos por conexões que poderiam desempenhar um papel relevante na
aprendizagem e na memória humana: montagens celulares transitórias e conjuntos de células
permanentes.

Os primeiros são caracterizados por serem ativados apenas durante o tempo em que
há interação entre os neurônios, por isso são natureza transitória e decadência ao longo do
tempo, à semelhança do que acontece com a informação armazenada no MCP.
Por sua vez, os conjuntos permanentes são constituídos por circuitos celulares estáveis
ao longo do tempo, que podem ser responsáveis pelo armazenamento perene de informações
a longo prazo.

A organização hierárquica e funcional do sistema nervoso não parece indicar que a


memória dependa de centros nervosos isolados ou, exclusivamente, de um único centro
cerebral. É verdade que, através do estudo de lesões cerebrais que causam problemas de
amnésia em pacientes, descobriu-se a enorme importância da amígdala cerebral, e
especialmente do hipocampo e do neocórtex, nos processos de armazenamento de
informações. A limitada sobrevivência temporal do MCP pode estar relacionada não tanto a
mudanças morfológicas ou plásticas permanentes nos neurônios, mas sim à criação
momentânea de redes ou circuitos neuronais fechados, compostos de células que fazem
sinapse entre si.

Por sua vez, os correlatos neurofisiológicos do MLP estariam mais relacionados a


alterações neuronais permanentes de natureza morfológica ou plástica que garantiriam a
sobrevivência da informação ao longo do tempo.

3.2. Evidencia clínica

No campo clínico, observações em pacientes com lesão cerebral corroboram a


distinção entre uma memória imediata e uma permanente. Dois efeitos contrários foram
observados que parecem refletir um déficit, seja em MLP ou em MCP.

Simplificando, em alguns casos o paciente que sofre de amnésia esquece experiências


anteriores ao momento da lesão, lembrando-se perfeitamente da informação imediatamente
apresentada (por exemplo, uma tarefa de aprendizado serial com recordação imediata). Esse
déficit é chamado de amnésia retrógrada.

Em outros casos, o quadro é o oposto, pois os pacientes têm problemas para lembrar
informações recentemente apresentadas (especificamente, déficits na capacidade de MCP),
embora a memória de eventos passados anteriores ao momento da lesão esteja correta,
indicando que a longo prazo loja permanece relativamente intacta. Esse déficit é chamado de
amnésia anterógrada.

3.3. Dissociação funcional entre sistemas de memória em curvas de posição serial

Admitir cientificamente uma distinção entre um sistema transitório de memória de


trabalho de curto prazo (muito parecido com um cache em uma CPU! ou área de trabalho
mental) e um sistema de memória permanente de longo prazo (muito parecido com um disco
rígido) requer evidências abundantes.

Um fenômeno observado desde a década de 20 do século passado é o que está


representado nas chamadas curvas seriais de posição. Suponha um experimento no qual os
sujeitos são apresentados a uma longa lista de estímulos (por exemplo, 20 palavras) e a
recordação livre imediata é necessária.
O eixo das abcissas indica a posição do item
na lista (primeiro, segundo... enésimo), enquanto o
eixo das ordenadas indica a probabilidade de
rechamada correta.

Em A observa-se que a taxa de evocação é


melhor para o primeiro e último itens da lista do
que para aqueles localizados em posições
intermediárias.

A taxa de recordação mais alta dos


primeiros itens da lista foi chamada de efeito de
distância ou primazia (sombreamento RN em azul)

A taxa de recordação mais alta dos últimos


itens é chamada de efeito de proximidade ou
recência (sombreado em laranja).

Esses dois efeitos foram entendidos como uma dissociação experimental entre dois
tipos diferentes de memória. Entende-se que a taxa de recuperação mais alta dos primeiros
itens se deve à sua recuperação direta de um sistema MLP. Não é de surpreender que, por
serem os primeiros estímulos a aparecer na lista, parece intuitivo a priori pensar que, para
garantir sua recordação posterior, os sujeitos os estudam e repetem mais vezes do que os
demais, o que faz com que sejam transferidos mais provavelmente para o sistema a longo
prazo.

Por sua vez, a alta taxa de recordação dos últimos itens se deve ao fato de estarem
sendo recuperados diretamente de um sistema MCP, onde ainda permanecem ativos por
serem revistos mentalmente ou repetidos no futuro mesmo momento da recuperação, e onde
não tenham recebido interferência de qualquer tipo para itens subsequentes.

Essa dissociação funcional entre dois sistemas de memória diferentes foi confirmada
em várias investigações que tentaram corroborar a participação do MLP e do MCP nos efeitos
de primazia e recência, respetivamente:

-Manipulação do efeito de primazia

Tentou-se demonstrar que o MLP é responsável pelo efeito de primazia por meio da
manipulação de vários fatores.

Uma delas tem sido, por exemplo, o uso de palavras de alta frequência de uso contra
palavras de baixa frequência de uso. Na tabela em B, a linha vermelha corresponde a palavras
de alta frequência e a linha azul a palavras de baixa frequência. Note-se que, com esta última,
desaparece o efeito de primazia, pois, sendo palavras de pouco uso, o sujeito tem menos
propensos a armazená-lo no sistema MLP.

Já em C outro efeito similar é observado manipulando agora a taxa de apresentação


dos itens. A linha vermelha corresponde à apresentação de uma palavra por segundo e a azul a
duas palavras por segundo. É de se esperar que quanto mais rápida a taxa de apresentação,
menos capacidade ou tempo o sujeito terá para iniciar os processos de controle apropriados
que permitirão a transferência para o armazenamento de longo prazo, daí as memórias dos
primeiros itens vão piorar e o efeito de primazia tende a desaparecer.

- Manipulação do efeito de recência:

Para que a dissociação entre dois sistemas de memória seja valida, também é
necessário encontrar fatores que afetem exclusivamente o efeito de recência, o que foi
conseguido introduzindo uma tarefa interpolada entre a fase de aprendizagem e a fase de
avaliação.

Por exemplo, os sujeitos são apresentados verbalmente com uma lista de 20 palavras
e, em seguida, solicitados a resolver tarefas simples de cancelamento de carta (tarefa
interpolada). Após um período, um sinal indica o início da fase de retenção e o sujeito deve
tentar se lembrar da lista.

Na tabela, D mostra que o efeito da recência é estável se não houver tarefa


interpolada, mas desaparece (linha azul) se mantivermos o assunto ocupado por um tempo
após a apresentação do material com a tarefa interpolada.

A tarefa interpolada não tem outro propósito senão evitar a repetição encoberta do
últimos itens, dificultando sua evocação imediata ao excluí-los do MCP.

4. A MCP DO MODELO MODAL

4.1. A importância da revisão

Em uma tarefa de memória imediata como a proposta, o processo de repetição ou


revisão cumpre um duplo objetivo.

A primeira é manter a informação recirculando e, assim, evitar que o esquecimento se


deteriore. A deterioração é o esquecimento causado como consequência da deterioração
sofrida pelo traço da memória cerebral com o passar do tempo: quando não é usado, ele se
deteriora progressivamente. Consequentemente, o processo de repetição faz com que a
informação recircule continuamente e, assim, evita sua perda.

O segundo objetivo da revisão está relacionado aos mecanismos de transferência entre


MCP e MLP, pois também percebemos que existe uma relação direta entre o grau de repetição
de um material e a probabilidade de armazenamento permanente: quanto maior o número de
vezes que um material é repetido em maior medida, seu armazenamento a longo prazo é
reforçado.

Em conclusão, o processo de repetição no modelo modal evita o esquecimento por


decaimento e, além disso, garante a transferência de informações para um sistema
permanente de longo prazo.
4.2. O número mágico 7 +/- 2

Miller, em vários atos científicos, afirmou que durante anos foi perseguido por um
número e, realmente, 7 + 2 constitui um marco na psicologia da memória.

Na tabela em B, podemos representar


graficamente seu intervalo de memória
imediato como uma sucessão de sete células
dentro das quais a pessoa armazenaria as
informações de forma que cada um dos
itens apresentados ocupasse uma posição.

Desde que o número de itens a serem


lembrados possa ser localizado na caixa, não haverá problemas de recordação, porém estes
começarão a aparecer com números maiores de itens. Agora suponha a sequência
alternativa inferior que aparece em azul com quinze dígitos. Seguro de que essa pessoa
vacilará e, na melhor das hipóteses, atingirá sete dígitos de memória.

Sete caixas não são suficientes para acomodar quinze números, pois no máximo,
cobriria sete, que é seu intervalo de memória.

Agora, nosso amigo é intuitivo e recorre a usar regras mnemônicas. A sequência de


quinze dígitos é agrupada de tal forma que agora ocupa apenas cinco posições de memória
imediata: 1492, 91, 10, 132, 2001.

O que essa pessoa faz é recodificar ou agrupar as informações em unidades que


sejam significativas para ela. E essa, justamente, é a observação mais relevante de Miller,
que demonstrou como a limitada capacidade física do MCP poderia ser superada por meio
de um processo chamado chunking (agrupamento ou recodificação).

O processo de agrupamento consiste justamente em recodificar e, assim, agrupar os


itens em unidades de informação de ordem superior, de forma que, mantendo-se
constante a amplitude física de armazenamento em cerca de 7 itens, aumenta-se a
capacidade informativa de cada um deles.

Para Miller a capacidade do MCP é de cerca de 7 chunks aproximadamente, que pode


conter maior ou menor grau de informação: a sequência T-E-S-X-A-I-S pode ser lembrada
como uma série desconexa de sete chunks ou como um único clunk contendo a informação
EXTASIS (neste último caso, restariam ainda seis células livres), ou seja, cada uma de nossas
caixas MCP hipotéticas corresponderia a um pedaço ou unidade de informação.

O processo de agrupamento é importante porque distingue entre capacidade de


armazenamento físico e capacidade de informação do MCP. A capacidade física de o
armazenamento de curto prazo, conforme contemplado no modelo modal, manteve-se
constante e foi estimado em cerca de sete itens ou clunks (7 + 2, dependendo das pessoas
e situações), que constituem o intervalo de memória imediata (o número de armários); no
entanto, a capacidade informativa pode ser aumentada agrupando ou recodificando em
unidades superiores.
Ou seja, há independência entre o número de itens ou pistas que compõem o intervalo
de memória imediata e a quantidade de informações que cada um contém um item, ou o
que é o mesmo, entre a capacidade de armazenamento físico, que permanece
relativamente constante, e a capacidade de informação que pode ser aumentada por
agrupamento ou chunking.

Mas, além disso, esses resultados são importantes por um segundo motivo adicional.
Quando indicamos que a memória do número 1 4 9 2 seria perfeita para quase todos os
sujeitos, certamente o é porque constitui uma data significativa como a descoberta da
América por Colombo.

Usando informações significativas (conhecimento de eventos históricos ou eventos


ligados à sua própria experiência), os itens são reagrupados na memória imediata,
indicando que existem vínculos estreitos entre esse sistema e a memória permanente de
longo prazo, de forma que a informação significativa depositada nesta última facilita a
recordação da primeira.

Ou seja, a dualidade entre os sistemas não exclui de forma alguma os vínculos estreitos
entre os dois, o que é indicativo do funcionamento ativo e coordenado do sistema
cognitivo humano.

4.4. Exploração e recuperação

Um fato bastante surpreendente descoberto na


pesquisa é que a busca de informações em tarefas de
memória que exigem uma resposta imediata parece ser
serial e exaustiva. Sternberg (1969) projetou a seguinte
configuração experimental para testar como as informações
da memória imediata foram escaneadas e recuperadas.

Apresentaram aos sujeitos conjuntos de estímulos


compostos por uma sequência de números (por exemplo, 5 8 9 6 3) por um segundo. O
conjunto de estímulos apresentado podia conter de um a seis números e era chamado de
conjunto positivo (observe que o conjunto positivo nunca excedeu o alcance da memória
imediata de Miller). Em seguida, um tom de alerta e um dígito de teste (por exemplo, 5)
apareceram.

A tarefa do sujeito era simples e consistia simplesmente em responder por meio de


uma tecla de resposta de dois botões se o número do teste já havia sido apresentado no
conjunto positivo (SIM ou NÃO).

Sternberg considerou que desde a apresentação da figura-teste (estímulo) até o sujeito


apertar um dos botões (resposta) , estavam envolvidos quatro diferentes estágios ou fases de
processamento: codificação, busca, decisão e execução da resposta;

Primeiro, a figura-teste é codificada na memória e, imediatamente, inicia-se um


processo de busca por meio do qual se busca localizar no conjunto positivo um item que lhe
corresponda; se houver correspondência com algum, o sujeito decide responder SIM, caso
contrário, decide responder NÃO; finalmente, ativa os mecanismos motores necessários para
executar a resposta e pressiona o botão correspondente.
A Tabela representa os resultados obtidos pelos
sujeitos de Sternberg em tarefas desse tipo. Dois aspetos de
interesse podem ser vistos nele:

Primeiro, tanto para as respostas positivas quanto para


as negativas (SIM ou NÃO), observamos que quanto maior o
tamanho do conjunto positivo (eixo das abcissas, 1, 2, 3, 4, 5, 6
itens) maior o TR do que usa o assunto para executar a
resposta; para ambas as respostas existe uma tendência linear
positiva entre o tamanho do conjunto positivo e o tempo de
reação.

Este resultado indica a existência de um processo de busca sequencial onde item após
item é escrutinado (presumivelmente da esquerda para a direita devido a hábitos de leitura
aprendidos), portanto, quanto maior o número de itens armazenados, mais demorado será o
processo de busca.

O segundo resultado é muito mais surpreendente. Observe que, mantendo o tamanho


do conjunto positivo constante, não há diferenças significativas nos tempos de reação entre os
ensaios positivos (linha vermelha: respostas SIM) e os negativos (linha azul: respostas NÃO).
Sternberg colocou este resultado em relação aos mecanismos de busca auto-terminados vs.
pesquisa exaustiva.

Em princípio, seria de se esperar um processo auto-terminado no qual o sujeito pararia


a busca quando encontrasse um item que coincidisse com o número do teste: na primeira
tentativa do exemplo, o sujeito encontra o 5 no primeira posição, interrompe imediatamente a
busca e decide responder SIM.

No entanto, se em vez de 5 a figura-teste fosse 1, o sujeito seria forçado a explorar o


conjunto positivo total e finalmente decidiria responder NÃO.

Deve ser notado que se houvesse uma pesquisa "autopreenchida", as tentativas SIM,
em média, seriam muito mais rápidas do que as tentativas NÃO e, ainda assim, os resultados
de Sternberg mostram que não há diferenças entre as respostas de ambos os tipos. Por esta
razão, a partir deste arranjo experimental, pode-se deduzir que a informação na memória
imediata é recuperada seguindo um processo que analisa sequencialmente (um após o outro)
todos e cada um dos itens nela encontrados.

Esse modelo sequencial-exaustivo tem sido amplamente criticado e,


consequentemente, ampliado. Sem dúvida, o princípio da sequencialidade tem sido um dos
mais controversos. O modelo de Sternberg é sequencial por dois motivos:

-Primeiro, porque cada uma das quatro fases ou estágios de processamento


(codificação, busca, decisão e execução) começa quando o estágio anterior termina.

-Segundo porque a figura-teste é comparada com todos e cada um dos itens do


conjunto positivo.
O modelo de Sternberg é um modelo que se encaixa perfeitamente com arquiteturas
de computação clássica baseado em sistemas seriais e é um claro expoente da aplicação da
cronometria mental ao estudo da cognição humana.

Os modelos conexionistas baseados em redes neurais, constituem uma alternativa


muito interessante aos modelos sequenciais ou seriais, já que as operações de processamento
tendem a ser realizadas em paralelo. Esses modelos compreendem o conhecimento
representado de forma distribuída em uma infinidade de unidades de processamento que
atuam em paralelo, ou seja, todas elas apresentam um estado de ativação ou desativação que
contribui para o padrão geral de atividade da rede. Assim, neles, admite-se um tipo de
processamento distribuído e paralelo (PDP) que permite a ativação simultânea da informação
armazenada na memória que evitaria o processamento sequencial postulado por modelos
como o de Sternberg.

5. PERDA DE INFORMAÇÕES NA MCP

Falar em perda de informação é falar em esquecimento. A surpreendente capacidade


operacional do MCP no tratamento ativo de informação contrasta com a rápida perda de
informação que a caracteriza se não forem utilizadas as estratégias de controle pertinentes que
descrevemos (repetição, fragmentação). Um aspecto que vai chamar a atenção é que a maioria
das teorias propostas para explicar o esquecimento no MCP são teorias que buscam explicar o
esquecimento que ocorre aplicando a chamada técnica do distrator ou técnica de Brown-
Peterson.

A tabela descreve esquematicamente essa


técnica. Os sujeitos são apresentados verbalmente com
sequências de trigramas de letras consoantes (C, H, J)
seguidos por um número (506).

Imediatamente começa um intervalo de


retenção que é ocupado com uma tarefa em que o
sujeito começa a contar de três em três em voz alta
(506, 503, 500...), ate que se acende uma luz que atua
como um sinal e indica o momento em que deve-se lembrar do trigrama apresentado.

Manipulando a duração desse intervalo de retenção, ou seja, o tempo que decorre


desde que o sujeito começa a contar regressivamente até que a recordação seja solicitada,
foram obtidos os resultados mostrados na tabela. Como se vê, quando se introduz uma tarefa
interpolada que evita a repetição encoberta do trigrama, a memória deteriora-se
progressivamente, de tal forma que que após cerca de 18 segundos há um esquecimento
quase total da informação.

Os trabalhos de Brown e do casal Peterson são importantes porque foram as primeiras


investigações realizadas que demonstraram a importância dos processos de repetição na
manutenção da informação no curto prazo e sua limitada sobrevivência ao longo do tempo. Ou
seja, parecia que a duração do MCP não ultrapassava alguns segundos se a inicialização de
sistemas de manutenção de informações, como revisão, fosse impedida. Por esse motivo, essa
técnica foi considerada por muito tempo uma medida pura da duração do armazenamento de
curto prazo, e vários modelos teóricos foram desenvolvidos para explicar o esquecimento.
Esses modelos opuseram o esquecimento por decadência ao esquecimento por interferência.

Falamos de decadência para nos referirmos à deterioração progressiva que o traço


mnésico experimenta ao longo do tempo. Por sua vez, como dissemos quando falamos de
transferência, a interferência significa que um determinado material compete com outro,
dificultando a recordação.

5.1. Esquecimento por decadência

Originalmente, Brown e os Petersons interpretaram o esquecimento como uma


decadência progressiva do traço da memória, descartando a possibilidade de interferência
entre o trigrama e a contagem dos números, já que o objetivo da memória eram as letras e o
material utilizado na tarefa interpolada eram números, ambos pertencentes a diferentes
categorias.

Essa explicação do esquecimento em termos de decadência foi aceita por muito


tempo, pois postulava um mecanismo de esquecimento no MCP totalmente diferente daquele
usado para explicá-lo na MLP, que se baseava em efeitos negativos de transferência e
interferência entre materiais.

A explicação de Brown e dos Petersons foi politicamente correta com a dissociação


entre dois sistemas de memória diferentes (MCP vs. MLP).

5.2. Esquecimento devido à interferência proativa baseada na recuperação espontânea

As primeiras críticas à explicação da decadência do esquecimento foram as de Keppel e


Underwood (1962). Esses pesquisadores demonstraram que a interferência proativa pela
recuperação espontânea de material previamente aprendido pode ser uma poderosa fonte de
esquecimento.

A recuperação espontânea é um fenômeno destacado na pesquisa de extinção no


condicionamento clássico. Consiste no aparecimento, com o passar do tempo, da resposta
condicionada que se extinguiu.

Segundo esses autores, devido às inúmeras tentativas realizadas pelos sujeitos na


técnica de Brown-Peterson, o aprendizado de um determinado trigrama requer o
desaprendizado dos anteriores. Com o passar do tempo, esses trigramas não aprendidos se
recuperam espontaneamente e interferem proactivamente no atual.

A priori, essa explicação parece bastante plausível. De facto, a recordação do primeiro


trigrama apresentado na técnica do distrator é quase sempre perfeita apesar do decurso de
longos intervalos de tempo de até 18 segundos ou mais, desde que o sujeito não tenha
realizado nenhuma tentativa anterior.

Os problemas de recordação nesta técnica surgem quando o sujeito realizou mais


tentativas. Esta é uma forte evidência a favor do esquecimento devido à interferência proativa,
já que durante a primeira tentativa não há trigramas anteriores que se recuperem
espontaneamente e possam interferir. As dificuldades de evocação começam em tentativas
sucessivas, quando os itens anteriores foram desaprendidos e, com o passar do tempo, eles
são recuperados espontaneamente e interferem no item atual a ser lembrado.

5.3. Esquecimento devido à interferência proativa baseada em falta de discriminação entre


materiais

Wickens (1972) admite que o esquecimento na tarefa do distrator se deve à


interferência proativa. No entanto, ele entende que essa interferência não é causada pela
recuperação espontânea, como afirmaram Keppel e Underwood, mas sim devido a dificuldades
em discriminar entre o material atual e o material apresentado anteriormente.

Em uma série de experimentos usando a técnica de Brown-Peterson, os sujeitos


realizaram sequências de tentativas, com a única exceção de que o material a lembrar não
eram trigramas de letras, mas, por exemplo, nomes de flores (cravo crisântemo-gladíolo).

Os resultados obtidos ajustaram-se ao padrão de resultados, ou seja, havia um


esquecimento progressivo na memória do material após 18 segundos de contagem regressiva.

Porém, em determinado teste foi introduzida uma pequena variação e nada mais foi do
que mudar o tipo de categoria a ser lembrada, de forma que, por exemplo, passou de nomes
de flores a nomes de animais (búfalo-cavalo-gato). O resultado observado foi surpreendente
porque a memória do sujeito melhorou dramaticamente mesmo com intervalos de contagem
de até 18 segundos.

Wickens considerou que a interferência que era causada em tarefas do tipo Brown-
Peterson se devia à semelhança entre os materiais e não á recuperação espontânea. Ou seja, a
semelhança entre os trigramas fazia com que eles fossem dificilmente discrimináveis um do
outro. Seu experimento demonstrou a certeza dessa afirmação, e mostrou que a interferência
era maior quanto mais testes fossem realizados com materiais pertencentes à mesma
categoria.

No entanto, quando a categoria foi alterada repentinamente (por exemplo: animais),


os itens aprendidos anteriormente (nomes de flores) não interferiram no trigrama atual
(nomes de animais), pois pertencem a conceitos muito pouco semelhantes e amplamente
discrimináveis entre si. Ou seja, a mudança de categoria provocou o que se conhece como
liberação de interferência pró-ativa (liberação da IP): quando os materiais são discrimináveis, o
sujeito fica livre da interferência causada pelo material previamente aprendido, facilitando
assim a recordação do trigrama atual.

A liberação do IP parece ser um fenômeno muito estável e aparecerá sempre que


houver uma mudança de um tipo de material para outro que facilite a discriminação. De facto,
é possível um controlo do processamento recorrendo a este fenómeno.

5.5. O problema experimental do esquecimento no MCP

A demonstração de efeitos de interferência na análise do esquecimento pela técnica


do distrator não significa que a proposta de esquecimento por decaimento de informação seja
categoricamente descartada. Sabemos que o primeiro item é reproduzido de forma bastante
apropriada.

Ou assim se acreditava até que Baddeley e Scott (1971) decidiram montar uma
caravana no campus da Universidade e pagar quase mil alunos aprovados para participar de
uma única tentativa da tarefa de Brown-Peterson. Considere que quando uma única tentativa é
realizada os sujeitos ficam livres de qualquer tipo de interferência proativa dos itens anteriores.
Assim, Baddeley e Scott quiseram estudar o esquecimento imediato no MCP da forma mais
pura possível.

Utilizando intervalos de contagem de até 30


segundos, observa-se como nos primeiros 3
segundos há uma queda acentuada no desempenho,
sendo o esquecimento posterior menor. Dado que
um único teste descartou qualquer tipo de
interferência, Baddeley e Scott assumiram que essa
queda abrupta na curva se devia a um mecanismo de
decaimento do traço de memória que terminaria em
apenas aproximadamente 5 segundos (sombreado). Consequentemente, os experimentos
usando a tarefa distratora clássica não mediram exclusivamente o MCP do sujeito, mas os
resultados foram afetados ou contaminados por efeitos do componente MLP (sombreamento
azul).

Como Baddeley (1999) indicou recentemente, o interesse pela técnica do distrator


diminuiu nas últimas décadas, uma vez que não parece ser útil no estudo do MCP, uma vez que
envolve componentes de longo prazo do sistema permanente. Infelizmente, a teoria das pistas
temporais não foi elaborada e desenvolvida como seria desejável, pois a partir dela poderiam
ter sido propostos modelos matemáticos para prever o desempenho em tarefas de memória e,
em campos aplicados, poderiam ser estabelecidas técnicas que favorecessem o aprendizado
das pessoas recorrendo à discriminabilidade entre os materiais a aprender.

6. MEMÓRIA OPERACIONAL (TRABALHO)

Nas últimas décadas, o MCP tem sido entendido como um mecanismo complexo que
opera diretamente sobre a informação e exerce um controle muito importante sobre o
processamento. O conceito tradicional de MCP como armazenamento unitário deu lugar ao de
memória de trabalho (MO).

No estudo do MO, há apenas um consenso entre os pesquisadores, que é que o MO é


acionado diante de qualquer situação habitual que exija compreensão, raciocínio ou
aprendizado. Durante esse processamento, as informações não devem apenas ser mantidas
ativamente, mas também manipuladas. Portanto, o MO é aquela mesa mental na qual
depositamos todas as informações necessárias para executar as demandas que uma tarefa
cognitiva exige em um determinado momento.
Embora haja um certo consenso na última afirmação, o mesmo não ocorre quando os
pesquisadores enfrentaram a árdua tarefa de oferecer uma descrição a todos os mecanismos
envolvidos no que chamamos de MO.

6.1. O surgimento de MO: Alguns dados difíceis de encaixar em um conceito unitário de MCP

A conceção clássica do MCP o entende como uma estrutura unitária de capacidade


limitada, cujo funcionamento é essencial para a manutenção imediata da informação, bem
como para garantir a correta transferência de conteúdos para o sistema MLP. Existem, no
entanto, alguns dados clínicos e experimentais que parecem não se encaixar adequadamente
com essa conceção do sistema de MCP.

Dados neuropsicológicos:

Ao falar da dissociação entre MCP e MLP, apresentamos dados de pacientes com


amnésia anterógrada, que apresentavam MCP prejudicada, com intervalo de memória
imediato reduzido para apenas 2-3 itens, mas com armazenamento correto a longo prazo.

Tal como é o caso do paciente K.F. que ele havia sofrido danos no hemisfério esquerdo
do cérebro. Esta observação clínica colocou o modelo modal em dificuldades, ao assumir que o
armazenamento de informação a longo prazo dependia fundamentalmente do seu
processamento pelo armazenamento de curto prazo. Se isso fosse verdade, como explicar que
um paciente apresentava distúrbios de MCP e sua retenção a longo prazo era perfeita, quando
logicamente se poderia esperar uma deterioração de MLP como consequência do déficit de
MCP?

Dados experimentais:

Suponha que forçamos uma amostra de sujeitos a realizar uma tarefa que consiste em
cancelar letras, de forma que os sujeitos devem circular todas as vogais que aparecem em uma
lista (tarefa principal). No entanto, vamos complicar o seu trabalho e pedir-lhes, ao realizarem
esta tarefa principal, que repitam continuamente em voz alta uma série de dígitos que podem
variar de 0 a 9 (tarefa concorrente ou secundária). Observe que o intervalo de dígitos
selecionado não é aleatório, mas obedece a uma suposição teórica: se nosso intervalo ou
intervalo imediato de memória de curto prazo tiver um máximo de cerca de 9 itens, como
afirmou Miller, parece lógico supor que quanto maior o número de dígitos repetidos em voz
alta, maiores devem ser os erros cometidos pelos sujeitos na tarefa principal de raciocínio.

Porquê? Simplesmente porque, sendo o MCP entendido como uma estrutura limitada
em termos de capacidade, quanto mais dígitos se repetirem em voz alta, maior será a
ocupação, o que obviamente terá de interferir ou fragilizar o rendimento obtido na tarefa
principal. Isso é, pelo menos, o que foi hipotetizado até que foi observado empiricamente que
não era assim.
A tabela mostra um padrão típico de
resultados neste tipo de tarefa, que é
chamada de tarefa de carga simultânea.

À medida que o número de dígitos


repetidos em voz alta (abcissas) aumenta, o
tempo que a tarefa leva o cancelamento
principal é aumentado (linha azul referente
à ordenada Y |).

Porem, os erros cometidos na


referida tarefa (barras referidas à ordenada Y,) permanecem praticamente estáveis e em
percentagem mínima, independentemente do número de dígitos que são repetidos em voz
alta.

Estes resultados são aparentemente contraditórios a um sistema MCP com capacidade


limitada, como uma estrutura unitária ou recetáculo, e parecem sugerir que o conceito clássico
de MCP é um rótulo genérico que pode englobar vários subsistemas ativos de processamento
de informação.

6.2. Modelos de memória de trabalho

Perante estes resultados neuropsicológicos e experimentais, aparentemente


contraditórios à ideia de um sistema unitário de MCP com capacidade física limitada, alguns
investigadores enfrentaram a tarefa de descobrir quais os mecanismos responsáveis pela
obtenção destes dados surpreendentes.

Com base no trabalho pioneiro, o grupo de Baddeley desenvolveu um sofisticado


modelo multicomponente que, sem dúvida, tem sido o foco de atenção há anos. Mais
recentemente, o modelo de Baddeley está sendo criticado em alguns aspetos, o que deu
origem à sua extensão ou desenvolvimento de modelos totalmente diferentes.

7. MODELO DE MEMÓRIA OPERACIONAL MULTI-COMPONENTE

Como pode ser visto nesta descrição geral, a


MO é composta por um sistema denominado executivo
central e dois sistemas escravos: o loop fonológico e a
agenda visoespacial.

O executivo central é geralmente entendido


como um sistema de IP limitado em termos de
recursos, que atua em qualquer tarefa necessária.

A alça fonológica mantém a informação em um armazenamento fonético por curtos


períodos (cerca de dois ou três segundos), mas pode ser mantida ativa por um processo
articulatório de revisão subvocal ou fala interna. Alguns trabalhos estimam que a alça
fonológica pode manter cerca de três itens recirculando ao mesmo tempo, o que coincidiria
com as observações feitas a respeito do número 4+1.
Da mesma forma, a agenda visuoespacial lida com material em código pictórico e
espacial.

7.1. Os dados parecem encaixar

O modelo de OM multicomponente permite explicar os dados anómalos acima


referidos, provenientes de observações clínicas e experimental.

Explicação dos dados neuropsicológicos:

Sabemos que o paciente K.F. ele tinha déficits no sistema MCP imediato, mas,
paradoxalmente, sua recordação de longo prazo era perfeita. Para Baddeley e Hitch, o que
ocorre nesse tipo de paciente é que a alça fonológica está prejudicada, embora o
funcionamento do executivo central está completamente correto. Assim, ainda que o intervalo
de memória imediato seja reduzido, não surgem problemas de armazenamento a longo prazo
porque, como já referimos, o processador central continua a executar corretamente os
processos de controlo correspondentes à transferência de informação para o referido
armazenamento.

Explicação dos resultados em tarefas de carga simultânea:

O executivo central é um sistema com recursos limitados. No entanto, a alça fonológica


será solidária a ele nesse tipo de tarefa. Assim, quando o número de dígitos a serem repetidos
em voz alta é baixo (até 2-3) o loop os mantém recirculando, de forma que os recursos do
executivo central estejam totalmente disponíveis para a tarefa primária de cancelamento
vocálico. No entanto, como o número de dígitos para repetir o loop por si só não é capaz de
armazenar tanta informação, de modo que parte dos recursos do executivo central deve ser
entregue à iteração, portanto agora a tarefa principal sofre uma deterioração no tempo gasto,
embora os recursos disponíveis ainda permitam que ela seja executada com poucos erros.

7.2. O executivo central

Embora pareça paradoxal, e apesar de ser o núcleo do sistema, o executivo central é


provavelmente o componente menos compreendido, dada a dificuldade de conceituação. Sua
análise detalhada foi realizada por um curto período. Longe de ser considerado um homúnculo
ou sistema que atua de forma inespecífica e sem valor explicativo, as poucas pesquisas
realizadas a esse respeito parecem apontar para a ideia de que o executivo é uma espécie de
CPU ativa com as seguintes características:

 O executivo é um sistema isento de modalidades sensoriais (trata informações


visuais, táteis, auditivas...), e tem recursos limitados que são lançados antes
das várias tarefas mentais que são exigidas das pessoas em um momento
específico. É considerado que tem ligações estreitas com o controle dos
mecanismos de atenção, a manipulação mental de informações e a
recuperação e/ou transferência de informações de ou para o MLP;
 -Originalmente, entendia-se que a central executiva era um sistema que tinha
capacidade limitada de armazenamento, como uma estrutura. No entanto,
atualmente a possibilidade de atuar como armazenamento temporário de
informações;

 - Os recursos do executivo central podem ser cedidos a qualquer um dos


outros dois sistemas escravos (a agenda ou o loop) para garantir que as tarefas
que executar são executados com mais agilidade;

 -Por fim, outra de suas missões é exercer controle sobre os outros dois
sistemas subordinados: a alça fonológica e a agenda visuoespacial. A forma de
exercer esse controle não é bem conhecida até o momento;

Apesar destas propostas de Baddeley e dada a escassez de evidência empírica, alguns


investigadores têm vindo a afirmar a ausência de um executivo central unitário, como é o caso
é descrito no modelo MO (Parkin, 1998).

Hoje, com os dados empíricos disponíveis, não é possível tomar uma decisão precisa a
esse respeito e, corroborando essas observações, Baddeley e Logie admitem a possibilidade de
que o executivo central não é um mecanismo tão unitário como se pensava originalmente e é,
em vez disso, composto de vários sistemas especializados.

7.3. A alça fonológica ou memória de trabalho verbal (MOVB)

A principal missão da alça fonológica é reter informações em um código verbal e é


frequentemente chamada de memória de trabalho verbal (MOVB).

Os primeiros trabalhos de Baddeley e Hitch faziam o intervalo de memória imediata


depender da alça fonológica, daí a real capacidade de armazenamento físico de curto prazo,
entendida como memória de trabalho e avaliada pelo intervalo de memória imediata pura, ou
seja, sem a participação de estratégias mnemônicas como chunking ou codificação semântica,
ela oscila em torno de 3 itens. Observação que iria na linha de 4+1, mas não na de 7 + 2 de
Miller, pois entende-se que esta última pode ser altamente influenciada por conteúdos do MLP
na forma de estratégias mnemônicas.

Este intervalo de cerca de 3 itens corresponderia aproximadamente aqueles que são


retidos passivamente, portanto, extensões de memória mais altas, de cerca de 7 itens,
implicam o início de processos de controle ativo pelo sujeito, que implicam o desempenho de
grande parte dos recursos do executivo central e que podem causar deterioração naquelas
tarefas que os requerem, como dissemos ao explicar os resultados em tarefas de carga
simultânea.

Trabalhos recentes vêm demonstrando que a alça fonológica é um sistema constituído


por dois mecanismos: um armazenamento fonológico e um processo de controle articulatório.

O armazenamento fonológico contém um registo fonológico muito curto (não mais do


que alguns segundos) de informações apresentadas em qualquer formato (não apenas
auditivo, mas também visual e possivelmente tátil...) desde que seja traduzido para um código
fonético (por exemplo, ler palavras apresentadas visualmente).

Por outro lado, o processo articulatório é um sistema de repetição subvocal ou fala


interna, que permite que o traço auditivo registado no armazém se prolongue no tempo
fonológico.

Esta dupla distinção no MOVB advém dos resultados obtidos em várias tarefas
experimentais que analisaram fenómenos de semelhança fonética ou comprimento de
palavras.

Semelhança fonética:

Tradicionalmente, o MCP tem sido considerado que a MCP parecia codificar a


informação recorrendo a um código acústico e, em um grau muito menor, semântico.

Várias investigações mostraram que os esquecimentos dos assuntos são corrigidos com
letras incorretas que têm uma semelhança fonética, mas não visual com o original. Por
exemplo, o esquecimento do B é corrigido em numerosas ocasiões com a letra T e, em menor
grau, com o P, com o qual também compartilha características visuais.

Outros experimentos posteriores mostraram que a recordação de listas foneticamente


semelhantes, como P C GT D B, é muito mais difícil e, portanto, os sujeitos cometem muito
mais erros do que durante a recordação de listas foneticamente díspares (M X TR H Z).

Algo semelhante acontece ao usar palavras em vez de letras: a evocação imediata de


listas de palavras com sons semelhantes é muito mais difícil do que a de listas de palavras com
significados semelhantes.

Como esses resultados são explicados em um modelo MO? A dificuldade dos sujeitos
diante de estímulos foneticamente semelhantes deve-se à atuação do sistema MOVB.
Especificamente, o registo no armazenamento fonológico.

Os itens são registados nesta loja em um código auditivo. Obviamente, quanto mais
semelhantes forem foneticamente, mais semelhantes serão os códigos com os quais serão
cadastrados na referida loja, portanto as dificuldades de memorização serão muito maiores
devido à dificuldade de discriminação entre os códigos.

Comprimento da palavra:

Foi demonstrado que quanto maior o número de sílabas que compõem as palavras de
uma lista, pior a memória. Assim, por exemplo, uma lista de monossílabos (sol, pão, trem...) é
lembrada muito melhor do que uma lista de tetrassílabos (garçom, limitado, rolamento...).
Pesquisas mostram que esse efeito não se deve tanto ao número de sílabas em si, mas ao
tempo necessário para pronunciá-las, já que uma palavra monossilábica, via de regra, leva
menos tempo para ser pronunciada do que uma polissílaba.

Esse efeito também se explica recorrendo a MOVB. Assim, quanto menos tempo você
levar para pronunciar cada uma das palavras de uma lista, melhor será a reativação do seu
traço de memória no armazenamento fonológico, uma vez que o processo articulatório
de repetição subvocal será executado mais rapidamente (a pronúncia é mais rápida) com o
consequente reativação de vestígios.

Suponha agora que, além de apresentar a lista de palavras (monossilabos ou


tetrassílabos), exigimos que o sujeito repita em voz alta rápida e continuamente uma
sequência fonética sem sentido, como blah blah blah... ou tac tac tac... enquanto apresenta
visualmente os estímulos. Nesses casos, a memória para palavras monossilábicas e
polissilábicas é equalizada, ou seja, o efeito do comprimento da palavra desaparece.

Esse fenômeno é chamado de supressão articulatória, pois o processo articulatório de


repetição está continuamente engajado na repetição de a sequência sem sentido, de tal forma
que as vantagens articulatórias ou de pronúncia de palavras curtas sobre palavras longas não
são mais possíveis.

Funcionalidade da alça fonológica: aprendizagem da leitura e compreensão da


linguagem

Muitos pesquisadores entendem que o papel da alça fonológica desempenha um papel


muito importante durante os primeiros anos de vida. Parece que o bom funcionamento do
loop é um requisito necessário para a aquisição de hábitos de leitura.

Estudos com crianças de inteligência normal, que vivem em ambientes sociais


apropriados, mas que apresentam problemas de aprendizagem de leitura, mostram que seu
tempo de memória imediata é reduzido, como ocorre em muitas crianças disléxicas. Somado a
isso, desaparecem as confusões acústicas nas tarefas de similaridade fonética descritas acima,
o que parece indicam que há uma deterioração nas estruturas funcionais responsáveis pela
alça fonológica.

Da mesma forma, descobriu-se uma relação direta entre o nível de vocabulário com
que a criança lida e sua pontuação nos testes de memória verbal, de forma que um déficit na
alça fonológica pode dificultar o aprendizado de novas palavras.

Por outro lado, discute-se a participação da alça fonológica na compreensão da fala.


Alguns pesquisadores entendem que, para a produção e compreensão linguística, o
envolvimento do loop não é necessário. Nesse caso, pacientes como K.F. teria dificuldades de
compreensão e emissão linguística, mas isso não acontece. Não obstante, descartar a
influência da alça fonológica na compreensão da linguagem não parece inteiramente correto.

Baddeley (1999) relata casos clínicos de pacientes com comprometimento em testes


de memória imediata que, embora a compreensão de sentenças simples seja correta,
apresentam dificuldades na compreensão de sentenças complexas. Diante de afirmações como
essas, os pacientes costumam responder de forma aleatória e a probabilidade de compreensão
diminui drasticamente.

Parece, portanto, que o loop desempenha um papel importante na retenção da


informação fonética, principalmente quando ela é complexa, o que causa um déficit de
compreensão naquelas pessoas que apresentam diminuição da capacidade de MOVB.
7.4. A agenda visuoespacial ou memória de trabalho visuoespacial (MOVS)

A agenda visuoespacial ou memória de trabalho visuoespacial (MOVS) é o sistema


responsável por representar a informação visual e espacial. Trabalhos recentes mostram que,
longe de ser um estrutura unitária, parece ser constituída por um sistema visual (o cache
visual) e outra alternativa espacial.

O primeiro estaria ligado ao processamento de formas e padrões visuais e


representaria o quê (forma, brilho, cor…), enquanto a segunda seria especializada no
tratamento de localização, ou seja, onde (Baddeley, 1999).

À semelhança do que aconteceu no loop fonológico (tabela 8.20), entende-se agora


também que um dos dois componentes, especificamente o visual, seria semelhante a uma
estrutura de armazenamento (daí o cache visual), enquanto o espaço componente deve ser
entendido como um processo de repetição semelhante ao processo articulatório de repetição
subvocal do MOVB (daí o escriba interno).

A dissociação entre ambos os componentes foi obtida em tarefas de carga simultânea


em que as tarefas primárias e secundárias participam do mesmo componentes para verificar a
interferência de um sobre o outro.

7.5. Algumas conclusões do modelo

Resumindo o exposto, o grupo de Baddeley, defende a necessidade de se contemplar


um sistema de tratamento ativo no processamento da informação, estabelecendo-se como um
dos elementos centrais do sistema cognitivo humano.

O MO é um sistema formado por vários componentes, cada um especializado em um


tipo específico de função. Alimenta-se de informações tanto dos RSs quanto do MLP, com os
quais realiza transferências contínuas de informações. Além disso, este modelo é estrutural e
funcional. É estrutural porque admite no sistema determinados componentes que armazenam
a informação e cuja capacidade é limitada; lembre-se, por exemplo, do armazenamento
fonológico ou do cache visual. Também é funcional porque o MO é um sistema que executa e
controla continuamente o processamento de informações em tarefas cognitivas complexas.

Supõe-se que MO esteja envolvido em qualquer tipo de atividade mental imediata:


aritmética, compreensão linguística ou tarefas de raciocínio e pensamento em geral. Ou seja, o
MO não é um simples armazenamento de informações, mas sim um sistema funcionalmente
ativo durante o processamento cognitivo.

No entanto, apesar de o modelo multicomponente de Baddeley continuar a marcar o


que poderíamos chamar de linha oficial de trabalho no estudo da MO - por ter amplo suporte
experimental e clínico, recentemente baseado em técnicas de neuroimagem existem algumas
propostas alternativas que coletam observações interessantes, entre eles, paradoxalmente, a
falta de envolvimento do MO em determinadas tarefas cognitivas.
8. O modelo do encaixe (modelo da MO)
Cowan (1995, 1999) entende que o conceito de OM de Baddeley é um artefacto
simples derivado das tarefas experimentais utilizadas (as de carregamento simultâneo,
por exemplo). O MO não deve ser entendido como uma entidade teórica diferente do
MLP com o qual manteria conexões recíprocas, como sustenta Baddeley. Pelo
contrário, o que se chama de MO nada mais é do que um complexo mecanismo de PI
que reside no próprio MLP, e cujo funcionamento está intimamente ligado aos
mecanismos atencionais.

Ao se depararem com uma


determinada tarefa que é exigida das pessoas,
elas ativam as informações necessárias para
sua execução no MLP (amarelo). Esse
conhecimento é explorado por um executivo
central que direciona a atenção para eles na
forma de um foco atencional (círculo azul).
Aprecie a natureza aninhada do modelo de Cowan: o MLP tem todo o conteúdo;

Parte desses conteúdos são ativados pelas demandas de uma tarefa e, dentre estes,
alguns são selecionados por um foco atencional dirigido por um sistema executivo, que
passaria a fazer parte da consciência imediata do indivíduo.

O conceito de MO de Cowan depende da ativação do conhecimento permanente do


LTM. Assim, Cowan entende que os MO residem dentro de um mesmo MLP, pois não passam
de conteúdos deste último que são ativados e podem acessar a consciência do indivíduo se o
foco atencional for direcionado a eles.

Assim como podemos criar discos virtuais na memória RAM do computador que
deixam de existir quando o desligamos, o conteúdo do MLP ativado deixa de existir quando as
demandas da tarefa mudança ou uma tarefa cognitiva diferente é realizada. Por esse motivo,
Cowan às vezes rotulou a memória virtual de curto prazo de OM.

De referir ainda que o modelo contempla uma ligação a um sistema anterior de RS.
Novamente, de acordo com o apontado por Potter, há uma ligação direta entre os RSs e o MLP,
sem a necessidade de postular estruturas mnésicas intermediárias como um MCP transitório,
já que o OM agora se reduz a uma simples ativação de longa duração. termo conhecimento.

Um fato interessante desse modelo é que alguns conteúdos dos RSs, ao acessar o MLP,
podem ser ativados e exigir a atenção imediata do sujeito: no desenho esse fenômeno seria
representado pela seta com um ponto que acesse o foco atencional.

Este modelo seria, em grande parte, coerente com a observação de Potter sobre o
papel do MCP-C como um sistema mnésico categórico quando confrontado com tarefas que
requerem um PI de alta velocidade.

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