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ANÁLISE DE NARRATIVA
Conto Guarde Segredo, de Esmeralda Ribeiro
Santa Maria - RS
2021
ANÁLISE DO CONTO GUARDE SEGREDO, DE ESMERALDA RIBEIRO
O conto nos é apresentado na forma de uma carta anônima, endereçada a uma pessoa
misteriosa chamada por “Prezada senhora”, escrita por uma mulher perturbada mediante
acontecimentos estranhos, que se passaram na companhia da avó, que a impedem de
dormir e de revelar a sua verdadeira identidade.
A partir daí, em estilo retrospectivo, essa mulher, narradora e personagem inominada,
passa a descrever na carta, o desenvolvimento de tais acontecimentos estranhos que a
levaram a sua situação atual. Por volta de seus onze anos de idade, devido às
dificuldades econômicas e problemas de saúde dos pais, ela fora morar somente com a
sua avó, a qual não tinha uma boa relação com a sua mãe, aderindo papel de outra mãe,
numa situação de adoção informal, juntamente com o seu suposto inquilino secreto,
Lima Barreto.
O clímax do enredo se dá quando, aos seus dezessete anos, a escritora da carta, se
envolve com Cassi Jones, rapaz “sardento” que “usava goma nos cabelos e andava bem
vestido” (RIBEIRO, 1998, p. 69). Quando certo dia, foi assediada na rua pela mãe de
Cassi Jones que a insulta e humilha - “você é a quinta negra que o meu filho deflorou e
também não vai ficar com ele. Neste exato momento está com outra garota” (RIBEIRO,
1998, p. 70), a personagem revolta-se contra “aquela mulher e seu querido filho”,
devolvendo-lhe a cusparada na cara. Não resignada tão facilmente ante o desprezo e
traição do charlatão, como forma de vingança, ela não “deixa por menos”, e mata-o,
como diz no seu desabafo impregnado de rancor:
Então fui ao mercado e comprei uma faca... Procurei, igual uma louca,
o desgraçado. Encontrei-os na saleta de um hotelzinho... Não teve
tempo de reagir. Foram tantas facadas!... Parei quando caiu aos meus
pés (RIBEIRO, 1998, p. 71).
A narrativa tem seu desfecho quando, após cometer o homicídio, a narradora volta para
a casa da sua avó, onde logo é interrogada sobre a morte de Cassi. Lima Barreto
ressuscitado e tornado personagem, confessa-lhe satisfeito, ao saber do assassinato de
Cassi Jones, “Bravo! Esse era o outro final que eu queria para o cafajeste do Cassi
Jones” (RIBEIRO, 1998, p. 71). Sob ordens de sua avó, esconde a faca no pé de
jabuticaba. Ao regressar para casa, vê que não há mais ninguém, assustada, corre para
longe e refugia-se até então, em um lugar desconhecido, sem ter mais notícias de sua
avó,
Quanto aos personagens, vale salientar, em primeiro lugar, a personagem e também
narradora inominável, que escreve a carta que permeia o enredo. Caracterizada como
redonda, a personagem é uma jovem negra, que vive no subúrbio do Rio de Janeiro, sem
nenhum tipo de ascensão social. Destemida, imperativa e corajosa, ela não aceita a
resignação da sua condição feminina, sendo a protagonista e também heroína do conto,
ocupando o lugar de uma instância transformadora, fazendo-se agente do seu próprio
destino.
Temos também a vó Olívia, personagem plana e secundária, coadjuvante da
protagonista, onde é crucial perceber a sua afetividade como o elemento central a
exercer influência na vida da sua neta, acolhendo e acompanhando todos os atos dela.
Quase não falava, apenas respondia o necessário, por isso é retratada como misteriosa e
supostamente onisciente em relação aos acontecimentos na vida de Clara, sendo uma
personagem cuja presença, por vezes, sugere-se mais espiritual do que física.
Lima Barreto, por sua vez, é uma personagem plana, e secundária, que tem sua imagem
recuperada para o tempo presente da ação narrada. Com caráter metalinguístico, Lima
Barreto é representado, ora como fotografia, ora como fantasma, que assombra a velha
casa de dona Olívia. O fantasma, aliás, retornou à casa por conta própria, ou seja, Lima
Barreto se materializa e retorna em busca de escrever um desfecho diferente para a
história, um outro final feliz.
Por outro lado, temos Cassi Jones, antagonista plano, ou seja, o vilão da narrativa.
Branco, classe média e mau-caráter, Cassi engana e trai a protagonista. Apesar de
aparecer brevemente, com a sua atitude foi capaz de provocar o ódio na protagonista e,
consequentemente, o seu assassinato.
Já a mãe do Cassi, personagem secundária e também plana. Atua como uma espécie de
coadjuvante do antagonista, seu filho, pois ao revelar à protagonista a verdade sobre o
seu filho, ela o defende ao desprezar a menina, e desconsiderar a atitude traiçoeira dele,
julgando-se superior a ela.
Guarde Segredo se passa entre o final da década de 80 e início da década de 90, com
uma narrativa que possui, aproximadamente, entre 6 à 7 anos de duração, desde quando
a protagonista vai morar com sua avó, posteriormente ao assassinato de Cassi Jones, até
o momento em que envia a carta. Seu tempo é psicológico, uma vez que, do presente, a
protagonista relembra, através de uma carta enviada a uma amiga, acontecimentos
passados, configurando-se como um verdadeiro e inteiro flashback do que ela
vivenciou.