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Princípio da PROTEÇÃO DA CONFIANÇA

A construção doutrinária desenvolvida no séc. XIX que concebe o Estado como pessoa jurídica teve
um elemento decisivo na teorização da limitação da soberania estatal e na normalização da ideia de
submissão ao Estado de Direito.

• O relacionamento entre Estado e indivíduos é um relacionamento entre pessoas jurídicas


igualmente sujeitas ao Direito.

• Há direitos subjetivos contra outros particulares e contra a pessoa jurídica-Estado (direitos


subjetivos públicos).

- Na relação com os indivíduos sob sua jurisdição, não como súbditos, mas como pessoas
jurídicas titulares de Direitos Fundamentais, o Estado tem de ser, por adesão a uma pauta
material de valores, uma pessoa de bem.

▪ Daí deriva a sujeição dos poderes públicos ao princípio geral da boa fé e à garantia da segurança
jurídica e da tutela da confiança que os particulares depositam na palavra do Estado.

Boa fé e Segurança Jurídica

O Estado de Direito tem o dever de atuar de boa fé no relacionamento com os particulares, que
podem esperar que o Estado se comporte como pessoa em quem se pode confiar, podendo planear
a sua vida num ambiente de previsibilidade, de paz e de segurança jurídica.

➢ A tutela jurídica da confiança dos particulares pode surgir como observância da boa fé, mas,
apresentar também, noutras situações, desenvolvimento dogmático e um âmbito de aplicação
substancialmente distintos.

A tutela das expetativas e da confiança dos particulares é garantida, desde logo, quando os poderes
públicos estabelecem específicas e concretas relações jurídicas com os indivíduos.

Além dessas relações, a tutela da confiança dos particulares abrange toda a atuação do Estado,
incluindo a atuação legítima do legislador na prossecução geral e abstrata do interesse público.

Este princípio deduz-se do art. 2o CRP e projeta exigências diferenciadas dirigidas ao Estado, que vão
desde as mais genéricas de previsibilidade da atuação estatal, de certeza, clareza e densidade
normativa das regras jurídica e de publicidade e transparência dos atos dos poderes públicos, até às
mais específicas de observância concreta e pontual dos direitos, expetativas e interesses individuais
legítimos dignos de proteção.

A tutela da confiança dos particulares relativamente à continuidade das garantias e limites que a
ordem jurídica estabelece, bem como à prática de atos em conformidade aos precedentes
estabelecidos pela atividade estatal pretérita é o lado subjetivo da garantia mais geral de segurança
jurídica inerente ao Estado de Direito.

Proteção da Confiança como Dimensão Subjetiva da Segurança Jurídica

Às expetativas de continuidade, estabilidade e segurança jurídica opõem-se exigências de sentido


contrário, genericamente derivadas da ideia de natural revisibilidade das leis e da ampla margem de
conformação que deve ser reconhecida ao legislador democrático em Estado de Direito.
O quadro típico de intervenção do princípio da proteção da confiança é caracterizado pela
confluência de 2 fatores, que, perante o caso concreto em presença, podem assumir diversas
modalidades e intensidades diferentes:

• Necessária existência de uma base que tenha gerado a confiança dos particulares – dado existir
facto ou ato da responsabilidade ou sob controlo dos poderes públicos com potencialidade objetiva
para gerar no particular interessado uma esperança convicta de que no futuro se verificarão
determinadas consequências jurídicas.

- Essa confiança traduz-se geralmente numa expetativa quanto à simples continuação em


vigor do enquadramento jurídico que confere estabilidade a uma posição jurídica já
constituída ou a constituir, mas pode também dizer respeito à prática futura de um ato ou à
subsistência de uma omissão por parte de poderes públicos de que resultem vantagens para
o particular.

Confiança foi frustrada por força de atuação comissiva ou omissiva inesperada dos poderes públicos
no sentido contrário às expetativas anteriormente geradas e que provoca um sacrifício ou prejuízo
na esfera do particular.

Os particulares têm não apenas o direito a antecipar minimamente o que podem esperar da parte
do Estado como, também têm o direito a não ver frustradas as expetativas que legitimamente
formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, se tais expetativas forem
legítimas (tendo sido estimuladas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado) no sentido
de que os particulares não preveem razoavelmente alterações radicais no curso do desenvolvimento
legislativo normal.

Retroatividade e Retrospetividade

Para efeitos de apurar a eventual violação da confiança, há que distinguir 3 modalidades de


aplicação da lei no tempo:

• Leis aplicáveis só a situações jurídicas que se venham a constituir no futuro/LeisProspetivas – só se


aplicam a factos, posições ou situações que venham a surgir e desenvolver-se depois da entrada em
vigor da norma.

- Liberdade de conformação do legislador é quase total,


- À partida, uma lei com esta natureza é, do ponto de vista do princípio da segurança jurídica
e da proteção da confiança, inatacável.

• Leis Retroativas – lei que é aprovada num dado momento mas que ficciona a sua entrada em vigor
em momento anterior e pretende produzir integralmente os seus efeitos, incluindo efeitos
restritivos, a partir desse momento ficcionado.

• Leis Retrospetivas – lei nova só reclama uma vigência ex nunc, ainda que com a virtualidade de
afetar direitos, situações ou posições que, embora constituídos no passado por força ou com a
cobertura de lei anterior, se prolongam no presente.

- À partida, pode ser constitucionalmente ilegítima por violação do princípio da proteção da


confiança.

Conteúdo Normativo do Princípio da Proteção da Confiança


1. Expetativas dos Particulares - A possibilidade constitucional de invocação bem sucedida do
princípio da proteção da confiança implica a reunião cumulativa de certos pressupostos quanto às
expetativas dos particulares.

A. NATUREZA E SOLIDEZ DAS EXPETATIVAS OU DIREITOS DOS PARTICULARES

A alteração do regime jurídico em vigor pode ter afetado meras expetativas ou direitos em
formação, mas também podemos estar perante direitos já constituídos e consolidados na esfera
jurídica dos particulares, apesar de serem de realização continuada e de atualização permanente.

As expetativas têm de ser legítimas e não podem ser fundadas em ilegalidades.

Mas, mesmo quando as decisões são legítimas, há expetativas que surgem de privilégios privados,
injustificados ou extravagantes pelo que a frustração das mesmas não se traduz verdadeiramente na
imposição de um sacrifício, mas simplesmente na supressão ou diminuição de um privilégio
eventualmente chocante, pelo que não tem peso suficiente para contrariar a reposição legislativa de
tratamento equitativo dos cidadãos em Estado de Direito.

B. PAPEL E INTERVENÇÃO DO ESTADO NA CRIAÇÃO DAS EXPETATIVAS

O papel e atitude do Estado na criação da base de confiança que alimenta as expetativas dos
particulares pode ser muito diferente e essa diferenciação é um fator da maior relevância no peso
das expetativas dos particulares.

C. INVESTIMENTO DE CONFIANÇA POR PARTE DOS PARTICULARES

A força de resistência das expetativas dos particulares depende também da reação que um
determinado enquadramento jurídico ou situação de relacionamento com o Estado provocou ou era
objetivamente suscetível de ter provocado.

Uma coisa é uma expetativa se desenvolver ou uma posição jurídica resultar da produção objetiva
de efeitos das normas em vigor ou das decisões dos poderes públicos sem que o particular seja
chamado a intervir; outra coisa, é a situação em que o particular, reagindo a uma decisão ou
estímulo públicos, modifica os seus planos de vida, toma decisões para o seu futuro em função do
que lhe está a ser dito ou prometido pelo Estado, havendo um Investimento de Confiança.

➢ Pessoas fazerem por livre iniciativa (formam expetativas porque fazem juízos próprios) é
diferente de Estado incentivar a fazer (formam expetativas devido a ações do Estado).

O investimento de confiança deve ser mais relevado quando foi a resposta dos particulares a um
estímulo ou um convite de realização feito pelos poderes públicos.

➢ Casos em que o particular não teria agido dessa forma se não tivesse havido o referido incentivo
do Estado.

Em sentido diverso, se uma lei que introduz um novo regime está envolta em controvérsia e
contestação política, ainda que sem prejuízo da legitimidade das expetativas dos particulares

na sua continuidade, eles não podem alegar a seu favor o caráter inesperado da alteração ou da
mudança de posição, uma vez que essa possibilidade já era conhecida de origem.

➢ Investimento de confiança existiu mas foi feito com consciência da precariedade da posição, por
exclusiva conta e risco dos interessados.

D. IMPORTÂNCIA DA PASSAGEM DO TEMPO NA CONSISTÊNCIA DAS EXPETATIVAS


Têm diferente consistência expetativas solidificadas ao longo dos anos e estabilizadas por força de
uma aceitação reiterada no tempo comparadas com meras esperanças que benefícios precários,
recentes ou conjunturais não venham a ser retirados.

O caráter inesperado da alteração da norma ou de comportamento que frustra as expetativas dos


particulares tem diretamente a ver com o tempo de vigência de determinado regime jurídico.

E. MONTANTE OU GRAVIDADE DO PREJUÍZO SOFRIDO COM A FRUSTRAÇÃO DE EXPETATIVAS

O Estado-pessoa de bem tem de considerar os sacrifícios que uma sua atuação, mesmo legítima e
destinada a prosseguir o interesse público, provoca na esfera dos particulares afetados.

➢ Uma coisa é um prejuízo insignificante, facilmente recuperável; outra coisa é um prejuízo enorme
para quem já não tem condições de adaptar os seus planos à nova realidade jurídica e a quem, por
isso, a frustração de expetativas provoca danos potencialmente irreparáveis.

2. Interesse Público

Apurado o peso relativo das expetativas dos particulares, tal deve ser tido em conta na ponderação
com o interesse público que pretende justificar a alteração jurídica que motivou a quebra da
confiança que os particulares depositavam na continuidade de um dado regime ou na estabilidade
de uma posição jurídica.

➢ Do lado do Estado, cabe valorar a importância e a premência de realização desse interesse


público.

➢ Há uma ampla margem de conformação, mas, nunca uma deferência total às escolhas e
justificações do legislador.

- Em última análise o juiz pode contrariar o legislador, mas ele tem sempre de deixar uma
margem de prognóstico para o legislador democrático legislar.

Cabe ao poder judicial, sem pôr em causa os objetivos legítimos do legislador, verificar se a
premência de realização do interesse público tem uma base real, se a fundamentação é consistente
e sobretudo se, no caso, se justifica a frustração das expetativas dos particulares.

Disposições de Direito Transitório

Proteção da confiança, proibição do excesso e a importância de disposições transitórias que


compatibilizem os interesses em tensão

→ Reconhecendo o juiz a preponderância do interesse público há casos em que, sem prejuízo dessa
preponderância, é possível garantir que se mantenham as situações que vêm de trás e o regime
mantém-se para certas pessoas

- Prossegue-se o interesse público quase totalmente mas atende-se às expetativas dos


particulares.

A especificidade do controlo da observância do princípio da proteção da confiança sustenta-se na


combinação de duas dimensões:

• Interesse público prosseguido pelo legislador tem de superar o peso das expetativas dos
particulares na continuidade de um dado quadro legislativo/situação jurídica.
A prevalência da realização do interesse público sobre as expetativas dos particulares, ainda assim
será necessário verificar se não era possível, sem pôr em causa a prossecução do interesse público,
ou afetando-a apenas minimamente, proteger também as expetativas e a confiança dos particulares.

Casos Práticos

1o qualificar a retroatividade em causa

2o pressupostos da proteção da confiança:

1) haver confiança;

2) haver investimento na confiança;

3) haver justificação da confiança;

4) não haver interesse público.

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